restrições mercadológicas, produtivas e institucionais que afetam o

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Restrições mercadológicas, produtivas e institucionais que afetam o desempenho de agroindústrias processadoras de lácteos orgânicos Marketing, production and institutional restrictions affecting the performance or organic dairy agroindustries BIEDRZYCKI, Aline 1 ; RÉVILLION, Jean Philippe Palma 2 ; FAVA, Luisa Wolker 3 ; LIMA, Mateus Silva de 4 ; SCHMIDT, Verônica 5 1 Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/ RS, Brasil, [email protected]; 2 Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/ RS, Brasil, [email protected]; 3 Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/ RS, Brasil, [email protected]; 4 Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/ RS, Brasil, [email protected]; 5 Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/ RS, Brasil, [email protected] RESUMO: Este artigo buscou identificar, a partir de um estudo multicaso, as principais restrições mercadológicas, produtivas e institucionais que afetam o desempenho de agroindústrias processadoras de lácteos orgânicos. Nos estudos empreendidos foi possível evidenciar tanto a importância do estabelecimento de redes sociais para informar e fidelizar os consumidores de produtos orgânicos como, também, da certificação para ampliar os mercados atendidos fora desses limites. A baixa escala de produção e processamento, características relacionadas ao atendimento de mercados de nicho, é uma particularidade agravada pelas dificuldades intrínsecas do sistema orgânico de produção de leite. Essas restrições técnicas só poderão ser equacionadas convenientemente se ocorrer uma consolidação paulatina de instituições públicas e privadas devotadas ao desenvolvimento de novas tecnologias de produção e processamento de alimentos orgânicos. Finalmente, a legislação brasileira relacionada ao sistema de produção orgânica representa um balizamento fundamental para o desenvolvimento do setor. Porém, a ampliação e adequação de mecanismos de suporte a esse sistema produtivo, especialmente os de financiamento e apoio tecnológico, são críticos para a sua difusão. PALAVRAS-CHAVE: Gestão da qualidade, lácteos, produtos orgânicos. ABSTRACT: This paper has sought to identify, from a multiple-case study, the main marketing, technological and institutional restrictions which affect the performance of organic dairy industries. In the undertaken studies it was possible to demonstrate the importance of establishing social networking to inform and retain organic products consumers and the certification relevance to expand the market beyond these limits. The low production and processing scale - characteristics related to serving niche markets - is a particularity aggravated by the inherent difficulties of the organic milk production system. These technical limitations can only be conveniently worked if there is a gradual consolidation of public and private institutions devoted to the development of new production and processing technologies of organic foods. Finally, the Brazilian legislation related to the organic production system represents a landmark to the sector development. However, the expansion and adaptation of mechanisms to support this production system - especially the financial and technological support - are critical to its diffusion. KEY WORDS: Dairy, organic products, quality management. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 7(2): 28-41 (2012) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 08/03/2012

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Restrições mercadológicas, produtivas e institucionais que afetam odesempenho de agroindústrias processadoras de lácteos orgânicos

Marketing, production and institutional restrictions affecting the performance or organicdairy agroindustriesBIEDRZYCKI, Aline1; RÉVILLION, Jean Philippe Palma2; FAVA, Luisa Wolker3; LIMA, Mateus Silva de4; SCHMIDT,Verônica5

1 Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN),Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/ RS, Brasil, [email protected]; 2 Programa dePós-graduação em Agronegócios, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Universidade Federaldo Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/ RS, Brasil, [email protected]; 3 Programa de Pós-graduação emAgronegócios, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS), Porto Alegre/ RS, Brasil, [email protected]; 4 Programa de Pós-graduação em Agronegócios,Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),Porto Alegre/ RS, Brasil, [email protected]; 5 Programa de Pós-graduação em Agronegócios, Centro deEstudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), PortoAlegre/ RS, Brasil, [email protected]

RESUMO: Este artigo buscou identificar, a partir de um estudo multicaso, as principais restrições mercadológicas, produtivas e

institucionais que afetam o desempenho de agroindústrias processadoras de lácteos orgânicos. Nos estudos empreendidos foi

possível evidenciar tanto a importância do estabelecimento de redes sociais para informar e fidelizar os consumidores de produtos

orgânicos como, também, da certificação para ampliar os mercados atendidos fora desses limites. A baixa escala de produção e

processamento, características relacionadas ao atendimento de mercados de nicho, é uma particularidade agravada pelas

dificuldades intrínsecas do sistema orgânico de produção de leite. Essas restrições técnicas só poderão ser equacionadas

convenientemente se ocorrer uma consolidação paulatina de instituições públicas e privadas devotadas ao desenvolvimento de

novas tecnologias de produção e processamento de alimentos orgânicos. Finalmente, a legislação brasileira relacionada ao sistema

de produção orgânica representa um balizamento fundamental para o desenvolvimento do setor. Porém, a ampliação e adequação

de mecanismos de suporte a esse sistema produtivo, especialmente os de financiamento e apoio tecnológico, são críticos para a

sua difusão.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão da qualidade, lácteos, produtos orgânicos.

ABSTRACT: This paper has sought to identify, from a multiple-case study, the main marketing, technological and institutional

restrictions which affect the performance of organic dairy industries. In the undertaken studies it was possible to demonstrate the

importance of establishing social networking to inform and retain organic products consumers and the certification relevance to

expand the market beyond these limits. The low production and processing scale - characteristics related to serving niche markets -

is a particularity aggravated by the inherent difficulties of the organic milk production system. These technical limitations can only be

conveniently worked if there is a gradual consolidation of public and private institutions devoted to the development of new

production and processing technologies of organic foods. Finally, the Brazilian legislation related to the organic production system

represents a landmark to the sector development. However, the expansion and adaptation of mechanisms to support this production

system - especially the financial and technological support - are critical to its diffusion.

KEY WORDS: Dairy, organic products, quality management.

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 7(2): 28-41 (2012)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 08/03/2012

IntroduçãoNa União Européia-UE os crescentes

problemas de segurança relacionados a produtosde origem animal e a crescente preocupação como impacto da alimentação na saúde dosconsumidores levaram a um forte incremento nademanda de produtos orgânicos, em especial deorigem animal (KIRK et al., 2002 apud ROSATI,AUMAITRE, 2004). No Brasil, a área sob produçãoorgânica atinge em torno de 800 mil hectares e osetor movimenta cerca de R$ 500 milhões ao ano.As regiões dominantes neste segmento são a Sul(com 70% do total de produtores) e Sudeste.(TERRA VIVA, 2010).

Em particular, o mercado de leite orgânico vemcrescendo no Brasil cerca de 30% ao ano, masmesmo assim sua produção ainda é insignificanteem relação à do leite convencional (MITTIMAN,2002). Vários autores descrevem restriçõesespecíficas à expansão do sistema de produçãoorgânico de leite e seus derivados no Brasil ou emoutros países: i) os limites de produtividade dosanimais frente às restrições relacionadas à suaalimentação e suas conseqüências para alucratividade da atividade (AROEIRA et al., 2005);ii) as restrições relacionadas ao domínio do uso demedicamentos homeopáticos (tanto em relação adisponibilidade de profissionais habilitados paraorientar os tratamentos como da escassez deprodutos) (AROEIRA et al., 2005); iii) os altoscustos de inspeção e de certificação (FONSECA,2001); iv) a inadequação do sistema aos modelosde crédito agrícola disponíveis aos pequenosprodutores (SILVA FILHO, 2002); v) os altos níveisde incidência de mamite (VAARST et al., 2003;RIBEIRO et al., 2009); vi) a produtividade leiteirainferior àquela do sistema convencional(OOSTING; DE BOER, 2002 apud ROSATI;AUMAITRE, 2004).

Esta pesquisa busca identificar, a partir de umestudo multicaso, as principais restriçõesmercadológicas, produtivas e institucionais queafetam o desempenho de agroindústrias

processadoras de lácteos orgânicos. Entendem-secomo restrições mercadológicas as limitações nadistribuição dos produtos ou, também, asdificuldades relacionadas à avaliação da suaqualidade pelo consumidor final. As restriçõesprodutivas englobam tanto as limitações nofornecimento de matéria-prima e insumos emquantidade e qualidade adequados, como asdificuldades relacionadas ao processamento dederivados lácteos das agroindústriasprocessadoras enfocadas nos estudos de caso –vinculadas, por exemplo, a disponibilidade derecursos humanos, equipamentos e processosqualificados. Já as restrições institucionais dizemrespeito tanto aos limitantes relacionados com odesenvolvimento de mecanismos de interação ecooperação entre os stakeholders setoriais(consumidores, entidades certificadoras,instituições de pesquisa aplicada, fornecedores deinsumos e matérias-primas, gestores dasorganizações enfocadas, organizações nãogovernamentais, instituições de controle efiscalização, instituições de fomento, instituiçõesde financiamento, entre outros) – interações essasque apresentam potencial de melhorar odesempenho das agroindústrias processadoras delácteos orgânicos – como a adequação das“regras do jogo” (NORTH, 1990:3), normas,regulamentos, valores, regras de conduta, decaráter formal e informal, como fatores deresguardo e estímulo aos agentes do setorestudado.

MetodologiaO trabalho foi realizado seguindo a

metodologia de estudos de caso selecionados(YIN, 2001), que permite aprofundar oconhecimento sobre fenômenos complexos cujograu de interação de fatores torna outrasabordagens metodológicas de difícil aplicação(STERNS et al., 1998).

Nessa pesquisa, foram analisados os casos de

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duas agroindústrias processadoras de lácteosorgânicos nos estados do Rio Grande do Sul eSão Paulo. Para realização do estudo foramrealizadas entrevistas, a partir de um questionáriosemi-estruturado, com os tomadores de decisãodas organizações estudadas e também comespecialistas externos, como a Coordenadora doCPOrg-RS1 e o diretor da ECOCERT Brasil2.

O questionário utilizado durante as entrevistasfoi elaborado com base em particularidades -identificadas por estudos anteriores - relacionadasà produção e processamento de lácteos(BENNEDSGAARD et al., 2003; VAARST et al.,2003; ROSATI; AUMAITRE, 2004; SATO et al.,2005; AROEIRA et al., 2005), à gestão daqualidade no setor agroalimentar (ZIGGERS;TRIENEKENS, 1999; SYLVANDER, 2000;SPIEGEL et al., 2003; LUNING; MARCELIS, 2006)e a entraves institucionais relacionados à adoção eao desempenho deste sistema de qualidade(FONSECA, 2002; SILVA FILHO, 2002;FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER, 2004;LOMBARDI et al., 2007; FERNABDEZ & ZANELA,2009) de maneira a contemplar questõesrelacionadas a mercado, tecnologias empregadase fatores institucionais considerados pertinentes.Desta forma, aos entrevistados foram abordadostemas, relacionados a adoção/desempenho dosistema, como: i) definição, emprego e controle decritérios e indicadores de desempenho; ii)identificação de restrições de caráter institucional(ligados a legislação e certificação, adequação dosistema de apoio tecnológico e financeiro); iii)gargalos produtivos; e iv) ações gerenciais(diretrizes empresariais e posicionamento frente aomercado).

Resultados e discussãoCaracterísticas das organizações estudadasA Cooperativa de produção orgânica “A” iniciou

suas atividades em 1989, representando uma dasprimeiras experiências em agricultura biodinâmicano RS. Atualmente representa uma cooperativa de

produtores que produzem e comercializamprodutos hortícolas, panificados, lácteos, cereais,doces e mel - oferecendo também serviços dehotelaria e lazer ecológico. As plantas deprocessamento são voltadas para a elaboração deprodutos panificados e lácteos (bebida láctea,doce de leite, iogurte, kaschimier, leite integral esemi-desnatado, manteiga, manteiga ghee, nata,requeijão e queijos minas e ricota), esta últimacom capacidade para processar 5.000 litros deleite/mês. No período inicial de suas atividades, acooperativa realizava a comercialização diretajunto aos consumidores. (Atualmente, buscandonovos mercados, está em processo de certificaçãojunto à Ecocert Brasil, objetivando acomercialização dos produtos panificados emoutros estados) e à Rede de Agroecologia Ecovida– órgão de certificação no sistema participativo degarantia - para atender, principalmente, acomercialização dos demais produtos no estadodo RS. Nessa organização, os tomadores dedecisão entrevistados foram a administradora dacooperativa (formação em gestão pela qualidade emarketing) e a responsável técnica da cooperativa(formação em medicina veterinária).

O laticínio “B”, localizado no estado de SãoPaulo, iniciou suas atividades em 1991, com aprodução de leite pasteurizado. Com o passar dotempo, identificou-se a necessidade de agregarvalor ao produto, iniciando-se a produção dederivados, como iogurtes, queijos e doce de leite.Entretanto, foi apenas em 1999 que a conversãopara o sistema orgânico de produção foi iniciada.Atualmente a propriedade conta comaproximadamente 100 hectares, que abrigaminstalações produtivas e de turismo rural epedagógico. Dentre os principais produtoscomercializados estão hortaliças, frutas, lácteos,conservas e doces de frutas. A mini-usinainstalada na propriedade processa cerca de220.000 litros de leite ao ano, dando origem aprodutos como leite integral pasteurizado (tipos A,B e C), leite desnatado, iogurte (integral e light),

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manteiga, doce de leite e queijos tipo frescal ericota certificados pela Ecocert Brasil. Atualmente afazenda é uma Unidade de Demonstração (UD) daEmbrapa, servindo de cenário para odesenvolvimento de projetos de viabilidade nahorticultura e na pecuária orgânicas, sendo a únicaUD do “Projeto Balde Cheio”3 que trabalha compecuária de leite orgânica, atendendo aosrequisitos exigidos pelas certificadoras. Nessaorganização, foi entrevistado o proprietário dafazenda que tem formação em engenhariaagronômica e especialização em desenvolvimentorural.

Restrições mercadológicas para odesenvolvimento do sistema

No caso da cooperativa A, a comercializaçãodos produtos iniciou através da venda direta in locoe em feiras de produção ecológica nos arredoresda propriedade. Inicialmente, esta proximidadeentre produtor/consumidor se mostrava favorávelpara a definição e manutenção de padrões dequalidade e confiabilidade dos produtos a partir dapercepção dos consumidores. Entretanto, aampliação e diversificação dos mercadosatendidos, com a inserção dos produtos em lojasespecializadas, por exemplo, levou a emergênciade um novo grupo de consumidores que nãodetinha muitos conhecimentos sobre a produçãoorgânica. Frente a essa nova interface, osresponsáveis pela cooperativa perceberam anecessidade de desenvolver iniciativas quegarantissem a procedência, qualidade ecredibilidade de seus produtos a estesconsumidores que desconheciam o histórico e atradição da organização na produção orgânica,optando pela certificação.

Em uma trajetória semelhante, o laticínio “B”iniciou a comercialização dos produtos no mercadolocal, estendendo-se para as cidades vizinhas, coma venda de iogurte para a rede hoteleira da região.Com o tempo, as vendas chegaram até a grande

São Paulo e outras cidades do estado comdistribuição em feiras, lojas orgânicas e porpequenos distribuidores (a maioria com sistemasde tele-entrega). A opção de evitar as grandesredes varejistas, mantendo um circuito decomercialização mais curto favoreceu iniciativasvoltadas à informação do consumidor final sobre osistema e os produtos (AGROECOLOGIA HOJE,2005).

"[...] o mercado quer o produto orgânico, masainda não entende direito o real conceito desteproduto, criando muitas dificuldades para asvendas e para a criação de novos produtos."(Proprietário do laticínio B).

De fato, os diferentes segmentos deconsumidores atendidos, nos diferentes pontos devenda, apresentam um grau de exigênciadiferenciado, o que demanda adaptações emrelação à qualidade e certificação dos produtos.As tomadoras de decisão da Cooperativa Arelatam que os consumidores das feiras não sãotão exigentes em relação às características físicasdos produtos, devido a sua fabricação artesanal.Nesse segmento, a certificação passa a ser umitem secundário e até dispensável, pois a ligação,muitas vezes pessoal, estabelecida entreprodutor/consumidor é suficiente para garantir aqualidade esperada. Entretanto, quando estesmesmos produtos são comercializados emsupermercados, por exemplo, a situação semodifica completamente e a presença de selos dequalidade passa a ser exigida. Segundo ela, acertificação vem para alcançar estes novosconsumidores que não estabelecem essasrelações de confiança pela interação pessoal comos produtores.

Medaets & Fonseca (2005) consolidam estasobservações, quando afirmam que, inicialmente, acomercialização de produtos orgânicos se dá emcircuitos curtos, que facilitam a relação de

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confiança entre produtores e consumidores, mascom a expansão geográfica dos circuitos decomercialização, tornam-se necessáriosmecanismos formais de garantia da qualidade daprodução, fazendo com que a certificação surjacomo instrumento identificador, para osconsumidores, de produto diferenciado daqueleobtido pelos sistemas convencionais de produção.Para Sylvander (2000) os “novos consumidores” domercado orgânico, compram principalmente nogrande varejo, estão mais preocupados com asaúde e o bem estar, mas também apreciam adisponibilidade do produto e são sensíveis aopreço, à qualidade organoléptica do produto, a vidade prateleira, a praticidade da embalagem e acertificação dos produtos por selos.

Contudo, estudo desenvolvido nas feirasecológicas de Porto Alegre por Fernandez &Zanela (2009) indica que apenas 5 % dosfreqüentadores sabem dizer o que é leite orgânico.Uma das entrevistadas concorda que,particularmente os consumidores de produtoslácteos apresentam motivações pouco claras:

"[...] até as pessoas que freqüentam a feirade ecológicos não conseguiram ainda fazerligação de uma coisa com a outra, nãoconseguem ver o porquê optar por este tipo deproduto ou o porquê pagar mais por ele."(Responsável Técnica da Cooperativa A).

Um dos principais entraves para apopularização da escolha por lácteos orgânicospode estar ligado ao fato do leite convencional jáser, empiricamente, considerado um alimentosaudável. Aparentemente é complicado para oconsumidor atentar ao fato de que o gado leiteirorecebe ração com hormônios; que se utilizamantibióticos, inseticidas, bactericidas e outrosprodutos químicos no combate às doenças; que osanimais se alimentam em pastos adubados

quimicamente e/ou com agrotóxicos; e que essesfatores podem atuar prejudicialmente no meioambiente e na saúde do consumidor (BRANDÃO,2005).

Para a administradora da cooperativa A, oslácteos orgânicos apresentam característicassensoriais e físicas bem diferenciadas, quandocomparados aos tradicionais, o que dificulta suaaceitação por consumidores pouco freqüentes, jáque sua aparência não corresponde aos conceitosdos produtos tradicionais. Essa situação restritivaé agravada pela falta de canais de comunicaçãocom o consumidor, que permitam esclarecer ejustificar o porquê dessas características doproduto.

O proprietário do laticínio B concorda que aindaé necessário que o consumidor tenha uma melhorinformação sobre o produto que está adquirindo,entendendo o processo como um todo e como eleé benéfico para os diferentes indivíduos e para omeio ambiente, além de compreender asdiferenças entre os produtos obtidos pelo sistemaorgânico e aqueles obtidos pelos processosconvencionais e como estas diferenças alteram ascaracterísticas finais dos produtos, como, porexemplo, uma menor vida-de-prateleira, devido anão adição de conservantes químicos, coresmenos acentuadas, pela não adição de corantessintéticos, etc.

Mas, em contrapartida, superados estesentraves, são exatamente eles que garantem osucesso do sistema, como afirma o proprietário:

"Acredito que o sucesso do laticínio está emter matérias-primas de qualidade e desenvolverprodutos da forma artesanal, pois é um anseiodo mercado consumidor. Ter uma grandepreocupação com tecnologias sustentáveistambém é importante, pois além de ser melhorpara o planeta melhoram a percepção doconsumidor." (Proprietário do Laticínio B).

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Buscando minimizar a falta de informação dosconsumidores, a cooperativa A deixa transparecersua preocupação em explorar estratégias decomunicação direta com o consumidor: pelocontato pessoal nas feiras e lista de e-mails,distribuição de panfletos nos pontos onde osprodutos são comercializados e divulgação deinformações pelo site da cooperativa. Ainda,segundo sua administradora, a principalpropaganda é aquela realizada pelos própriosclientes:

"[...] nós temos um contato direto comnossos consumidores [...] ele (o cliente) indicaos produtos, induz outros clientes a tambémconsumir [...] é o marketing do boca a boca [...]por isso a gente tem esse relacionamento bemaberto com nossos clientes [...] tenho percebidoque as feiras têm funcionado muito bem nacaptação de novos clientes." (Administradora daCooperativa A).

Consolidando ainda mais o princípio do “contatodireto com os clientes” a administradora daCooperativa A mantém uma lista de e-mails, ondeconstam clientes da cooperativa, revendedores,visitantes e pessoas de interesse “atualmente nóstemos 2.000 e-mails cadastrados”, diz ela.Periodicamente, as pessoas cadastradas recebeminformativos eletrônicos, contendo informaçõesrelacionadas ao consumo de produtos orgânicos.Além de contribuir para a fidelização de seusclientes a estratégia serve também como meio dedivulgação de novos produtos e sugestão aoconsumo.

De forma convergente, o proprietário do laticínioB, avalia que esta proximidade com o consumidorfacilita a percepção de seus anseios enecessidades, o que é proveitoso para odesenvolvimento de novos produtos. Os tomadoresde decisão dessa organização buscam sempre

manter-se em contato com os agentes demercado, através de indicadores de desempenhodo sistema, relacionados à percepção dequalidade por parte dos consumidores, que sãoavaliados por pesquisas de mercado, serviço deatendimento ao cliente e contato com vendedores,representantes e organizações do setor.

Restrições produtivas para o desenvolvimentodo sistema

No caso da Cooperativa A, existem dificuldadesrelacionadas a coleta e transporte da matéria-prima oriunda dos produtores mais distantes, oque torna a captação economicamente inviável, oque limita a expansão do laticínio. O limite decapacidade de processamento do laticínio tambémrepresenta um gargalo quando da época de maiorprodução leiteira.

"[...] a falta de matéria-prima do nossoprodutor, em determinadas épocas, muitasvezes causa falta de produto para abastecer omercado [...] nossa [falta de] capacidade debeneficiamento, muitas vezes, faz com quenosso produtor acabe vendendo seu leite paraindústrias convencionais." (ResponsávelTécnica da Cooperativa A).

As restrições relacionadas à oferta de leiteorgânico in natura, à baixa capacidade deprocessamento de agroindústrias certificadas eaos custos proibitivos de transporte entre essesdois elos da cadeia produtiva foram evidenciadaspor Brandão (2005).

A falta de incentivo financeiro aos produtores,por parte de indústrias processadoras de leite(SECRETARIA DE ESTADO DA AGRICULTURA EPOLÍTICA RURAL, 2003; BRANDÃO, 2005)também pode contribuir para o desestímulo àdifusão do sistema de produção orgânico de leite.A expectativa de sobre-preço da matéria-prima

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orgânica é decorrente tanto da usual restrição daoferta frente a uma demanda crescente (ROSATI &AUMAITRE, 2004); (MINETTI, 2002) como dadiminuição da produtividade4 em função daadoção desse sistema de qualidade.

Entretanto, segundo alguns dos entrevistados, énecessário que esta questão seja avaliadacuidadosamente, pois se tratando de pequenosprodutores, caso da maioria dos produtores commanejo orgânico, a produtividade neste sistemapode ser maior quando comparada aoconvencional, como observado pela responsáveltécnica da cooperativa A. De fato, isso podeocorrer, de acordo com a riqueza protéica daalimentação oferecida aos animais no sistemaorgânico (Mosimann & Suter, 2003 apud ROSATI &AUMAITRE, 2004).

A produtividade do rebanho não é o único fatorimpactante sobre os custos de produção, uma vezque o sistema de produção de leite orgânicoapresenta outras particularidades dignas deavaliação. Quando questionada sobre esteassunto, a Coordenadora da CPOrg-RS lembraque “... temos que avaliar outros parâmetros emconjunto, não a produtividade isoladamente,custos, tempo de lactações, bem estar do animal,etc.”.

Na visão da responsável técnica da CooperativaA, entre as principais dificuldades observadas naadoção da produção animal sob o sistemaorgânico também é possível citar a falta de mão-de-obra especializada e as dificuldades no manejoanimal, principalmente no que tange alimentação,profilaxia e sanidade dos rebanhos5.

"[...] as empresas do núcleo homeopáticotomaram para si [...] o vendedor diz que aquiloé bom, mas muitas vezes, só com base emrelatos, base observacional e não-científica!Mas consegue convencer o produtor e oprodutor realmente observa diferença [...] mastambém tem uma série de outras coisas que

interferem nisso [...] então, muitas vezes, essautilização de medicamentos homeopáticos épassada do vendedor dos núcleos para oprodutor, fazendo com que ele acabe nãosolicitando auxílio veterinário e aí, às vezes,acarreta em outros problemas [...]."(Responsável Técnica da Cooperativa A).

Ela também aponta a dificuldade que osprodutores têm em encontrar substitutosalimentares, cujo impacto nos custos nãoinviabilize economicamente o sistema, e queestejam dentro dos parâmetros legaisestabelecidos para a produção de leite orgânico6:

"[...] às vezes ou não tem área pra fazer ounão tem alguma coisa para suplementar e aí nocaso de qualidade de leite é muito mais fácilequilibrar dieta de animais numa produçãoconvencional do que numa produção ecológica,por causa da oferta de alimentos que vocêpode utilizar [...] dificuldade de acesso, àsvezes você sabe que tem determinadoconcentrado ou resíduo de alguma indústriaque você poderia utilizar, mas você trazer issode outro lugar, outro estado, encareceriamuito." (Responsável Técnica da CooperativaA).

Assim como a produção, o processamento deprodutos orgânicos também apresentaparticularidades que merecem ser analisadas comatenção. A “profissionalização” dos agentesenvolvidos no processamento de produtosorgânicos é motivo recorrente de discussão: de umlado aqueles que acreditam que os profissionaisatuantes nos sistemas convencionais podem seinserir neste segmento e de outro os quedefendem a necessidade de uma formaçãoespecífica (informação verbal)7.

As tomadoras de decisão da cooperativa A sãoconvergentes no que se refere à falta de mão-de-

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obra qualificada para assessorar o setor deprocessamento de lácteos e de alimentosorgânicos, de maneira geral. Segundo elas, aprodução de laticínios apresenta particularidades,principalmente na elaboração dos produtos, poisexiste uma série de aditivos e coadjuvantes defabricação amplamente empregados nosprocessos convencionais que não podem seraplicados na obtenção de produtos orgânicos; e nahigienização das instalações, já que compostosquímicos usualmente empregados devem sersubstituídos por princípios naturais8, e este cenárioainda é novo para a maioria dos profissionais daárea de processamento de alimentos.

"[...] e tu não tem alguém que vai te dizercomo tu vai fazer isso [...] então é muito acertoe erro [...] tu busca ajuda aqui, tu busca ajudaali [...] então essa é a dificuldade do orgânico:tu não tem essa tecnologia definida [...] tuchama um engenheiro de alimentos ou umnutricionista, mas ele não sabe como a gentevai fazer." (Administradora da Cooperativa A).

Estas palavras vão ao encontro de outro entraveapontado pelos demais entrevistados: a falta depesquisas de cunho técnico/científico, a fim deracionalizar e comprovar experimentalmente osconhecimentos que os envolvidos na produçãoorgânica já têm empiricamente e de trazer novospreceitos para estes atores. Esse problema éamplificado pelo pouco interesse de pesquisadoresde áreas afins para desenvolver essas novastecnologias e pela falta de políticas específicaspara o incentivo de pesquisas nesse sistema.

"[...] temos que enxergar as coisas comoelas são: não existe um mesmo interesse empatrocinar pesquisas nessa área como existeem, por exemplo, no desenvolvimento de umanova droga que vai gerar lucro para umlaboratório." (Coordenadora da CPOrg-RS).

As representantes da cooperativa A consideramque, com o desenvolvimento observado, esta vemdemandando cada vez mais por tecnologias econhecimentos específicos, nos setores produtivose de processamento, para atender suasnecessidades e de seu mercado. Assim, ainstituição conta atualmente com profissionais daárea de nutrição e medicina veterinária em seuquadro de colaboradores. Entretanto, esteaperfeiçoamento ainda mostra-se de custo elevadopara a cooperativa, desta forma, o auxílio recebidopor órgãos governamentais, como a Emater, temsido importante.

"Nós temos a intenção de investir em novosequipamentos, mas acabamos comprandoapenas quando realmente são necessários,pois o investimento é sempre muito alto,principalmente para um laticínio pequeno."(Administradora da Cooperativa A).

Na visão do proprietário do laticínio B, asdificuldades encontradas durante a produçãopoderiam ser minimizadas com a existência depolíticas de transferência de tecnologias efetivas erealmente aplicáveis a este tipo de produção.Muitas vezes a obtenção das melhores tecnologiasou até mesmo das basicamente necessárias é dedifícil acesso, principalmente tratando-se deprodutores de pequeno porte, como relata oproprietário do laticínio B: “A gente não tem escalade produção, por isso fica muito difícil investir emtecnologia. O custo seria altíssimo.”.

Tratando-se de desafios técnicosdesconhecidos ou de difícil previsão, acolaboração entre as técnicas definidas pordiferentes organizações, a partir de uma “rede deinformação”, proporciona aprendizagem sobre osproblemas que surgem durante o desenvolvimentodo sistema produtivo e, muitas vezes, representaum meio de superação das dificuldades -percepção compartilhada pela administradora da

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Cooperativa A e do proprietário do laticínio B.Uma iniciativa promissora foi a parceria entre o

laticínio B e a Embrapa, que transfere astecnologias desenvolvidas em centros de pesquisapara as propriedades rurais e estimula ointercâmbio de experiências entre produtores,permitindo que os menos desenvolvidos aprendamcom os mais tecnificados.

"Esta parceria gera muitos frutos, pois sãocriadas soluções para as demandas quesurgem dentro da unidade de produção. Apesquisa aqui desenvolvida é para gerartecnologias de produção sustentáveis emelhoria da qualidade." (Proprietário do laticínioB).

Restrições institucionais para odesenvolvimento do sistema

"[...] A regulamentação é uma forteferramenta que traz confiança e credibilidade.Significa um reconhecimento público oficial dossistemas orgânicos, o que fortalece o setor e otorna mais viável, tanto na área pública, quantona privada [...] sem normas e sem fiscalizaçãoo produto é não legal e facilmente pode serfraudulento. Normas ajudam a organizar ereunir a energia circulante e com issoimpulsionar o setor." (Coordenadora da CPOrg-RS).

Acompanhando as iniciativas de países maisdesenvolvidos neste setor, os órgãos fiscalizadoresbrasileiros vêm se adequando, desde 1999,quando foi publicado o primeiro regulamentobrasileiro estabelecendo normas técnicas para aprodução orgânica, através de constantesatualizações e aperfeiçoamentos de sualegislação. É consenso entre os entrevistados quea legislação está se adaptando às necessidadesdos produtores, tornando-se cada vez mais técnica

e objetiva. Mas ainda existem aspectos a seremmelhorados, como enfatiza a administradora dacooperativa:

"[...] o que eu vejo de difícil é que alegislação de orgânicos diz o que não pode serfeito ou utilizado, mas não te dá opções do queusar [...] a lei é a mesma para o pequeno epara o grande, por isso tantos laticínios efrigoríficos (orgânicos) fecharam [...] como tuvai diluir teus custos em uma produçãopequena sem afetar tanto o preço final do teuproduto?" (Administradora da Cooperativa A).

A coordenadora da CPOrg-RS admite que osórgãos fiscalizadores (MAPA) não podem apenasapontar as irregularidades, “é necessário apoiar,assessorar, ajudar as pessoas a sedesenvolverem, identificando suas dificuldades elhes ajudando a vencê-las.”. O representante dacertificadora entrevistada reconhece os esforçosdo MAPA:

"O MAPA está em processo de treinamentoe adequação de sua equipe de fiscais.Encontros entre as certificadoras e os técnicosdo MAPA estão previstos justamente para tirardúvidas e adequar procedimentos. Aexpectativa dos operadores é que esseprocesso resulte num sistema objetivo, eficaz etransparente de fiscalização."

Durante sua entrevista, a coordenadoratambém apontou ações do governo que objetivamincentivar e facilitar a adoção deste sistema deprodução: i) apoio a instituições de pesquisa; ii)consolidação de uma legislação flexível, onde nãoconstam apenas condutas obrigatórias e nãopermitidas, mas também recomendadas; iii)simplificação do registro de insumos; iv) realizaçãode ações de divulgação; e v) reconhecimento dediferentes tipos de certificação.

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Segundo ela nossa legislação é extremamentedemocrática, disponibilizando aos produtoresdiversas alternativas, no que diz respeito àcertificação de seus produtos:

"[...] nossa legislação é extremamenteinovadora, a Lei 10.831 reconheceu todos ostipos de certificação existentes, como ossistemas participativos, e criou a certificaçãofacultativa para venda direta, ponto que estásendo copiado por outros países."(Coordenadora da CPOrg-RS).

Apesar dos avanços na normatização, um pontocrítico identificado durante as entrevistas foi à faltade apoio financeiro aos produtores durante operíodo de transição9 do sistema convencionalpara o sistema orgânico. Nesta etapa o produtornecessita realizar investimentos em novasmetodologias, ao mesmo tempo em que, muitasvezes, vê sua produtividade diminuir, sem poderrepassar estes custos em seu produto, visto que osistema produtivo ainda não é oficialmenteorgânico. Ao incorporarem-se novas tecnologias deprodução, ocorrem mudanças na natureza dosinvestimentos necessários e nas necessidades derecursos para o giro financeiro das atividadesprodutivas (FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER,2004).

Além disso, o financiamento para a produçãosob manejo orgânico é pouco adequado aomodelo de crédito agrícola brasileiro, baseado nofinanciamento na compra de insumos de produção.A agricultura orgânica utiliza menos insumos, maismão-de-obra e menos maquinário, sendo queesses parâmetros são de difícil operacionalizaçãoem uma solicitação de financiamento pelo sistemaatual (SILVA FILHO, 2002). A especificidade dossistemas produtivos, de acordo com cada ambientesocial, econômico e ambiental aliada a: dificuldadede acesso a informações, custo de acesso às

agências bancárias, custos para comprovaratividades e garantia, custos para elaboração deprojetos são as principais barreiras de acesso daagricultura familiar, onde se concentra a maioriados produtores ecológicos, às linhas de crédito(FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER, 2004).

No âmbito financeiro os custos com inspeção ecertificação orgânica ainda são muito elevadospara os pequenos produtores no Brasil(SECRETARIA DE ESTADO DA AGRICULTURA EPOLÍTICA RURAL, 2003; BRANDÃO, 2005),atingindo em torno de 0,5% a 2,5% do valor daprodução (FONSECA, 2001). Assim, mesmo com oleque de opções oferecido pela legislação, algunsdestes produtores ainda enxergam a certificaçãopor terceiros como uma decorrência de umaexigência de mercado pouco confortável eonerosa, entretanto cada vez mais necessária.

"[...] a certificação vem para alcançar novosconsumidores, aqueles mais exigentes, que têmum nível de conhecimento mais avançado, masainda não são adeptos da filosofia de vidaorgânica." (Responsável Técnica da CooperativaA).

Esta realidade tem feito com que os pequenosprodutores busquem alternativas para a reduçãode custos, como a certificação para projetos deagricultura familiar (BRANDÃO, 2005) e a criaçãode redes de certificação participativa (FONSECA,2001), o que converge com o posicionamento dodiretor da ECOCERT Brasil que afirma que “nocaso de produtores muito pequenos (acertificação) constitui um custo de qualquer forma.Porém se organizados o custo torna-se bastanteacessível.”.

O diretor da ECOCERT Brasil atenta para o fatode que os custos adicionais demandados pelasparticularidades do sistema orgânico podem sercompensados pelo maior preço final destes

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produtos. Entretanto, o conhecimento restrito doque é produção animal orgânica e, porconseqüência, produto lácteo orgânico, aossegmentos de consumidores de maior renda,ainda dificulta a difusão destes produtos alémdestes nichos específicos de mercado(BRANDÃO, 2005).

Considerações finaisNos estudos empreendidos foi possível

evidenciar tanto a importância do estabelecimentode redes sociais para informar e fidelizar osconsumidores de produtos orgânicos como,também, da certificação para ampliar os mercadosatendidos fora desses limites. Os mecanismos eferramentas de informação ao consumidor deprodutos orgânicos é mais crítico em categorias deprodutos, como os derivados lácteos, que tantopodem apresentar características diferenciais dosalimentos elaborados nos sistemas tradicionais(como no caso dos queijos) como seremconsiderados muito semelhantes aos produtosconvencionais - que já gozam de uma percepçãode alimento seguro (como no caso do leite fluido).

A baixa escala de produção e processamento,características relacionadas ao atendimento demercados de nicho, é uma particularidadeagravada pelas dificuldades intrínsecas do sistemaorgânico de produção de leite: restrição defornecedores potenciais, limitação de alternativasde insumos utilizados na alimentação dos animaise pequena diversidade de produtos e técnicasaplicáveis no controle sanitário do rebanho.

Essas restrições produtivas só poderão serequacionadas convenientemente se ocorrer umaconsolidação paulatina de instituições públicas eprivadas devotadas ao desenvolvimento de novastecnologias de produção e processamento dealimentos orgânicos – movimento que fatalmentetambém deverá atender a necessária ampliaçãoda oferta de recursos humanos qualificados para

atuar nesse sistema produtivo.A legislação brasileira relacionada ao sistema

de produção orgânica representa um balizamentofundamental para o desenvolvimentomercadológico (ao assegurar aos consumidores ainocuidade e autenticidade dos produtos),produtivos (ao delimitar as opções tecnológicas deproduto/processo compatíveis com o sistema) einstitucionais (ao fomentar a mobilização derepresentantes de todas as organizaçõesenvolvidas com o sistema, para aperfeiçoar osmecanismos institucionais adotados). Porém, aampliação e adequação de mecanismos desuporte a esse sistema produtivo, especialmenteos de financiamento e apoio tecnológico, sãocríticos para a sua difusão.

Notas1 As Comissões da Produção Orgânica nas

Unidades da Federação (CPOrg – UF) sãocompostas paritariamente por membros deorganizações governamentais e não-governamentais e demais segmentos do setorprivado que tenham reconhecida atuação noâmbito da produção orgânica. Dentre as principaisatribuições das Comissões estão a emissão deparecer sobre regulamentos que tratem daprodução orgânica; propor regulamentos quetenham por finalidade o aperfeiçoamento da redede produção orgânica; assessorar o SistemaBrasileiro de Avaliação da ConformidadeOrgânica; contribuir para elaboração dos bancosde especialista capacitados a atuar no processode acreditação, entre outras (BRASIL, 2007).

2 A ECOCERT Brasil realiza a certificaçãovoltada para o mercado interno, atuando tambémcomo agente de certificação da ECOCERT SApara todos os principais mercados mundiais.

3 Segundo o entrevistado, esse é um Projetocoordenado pela Embrapa Pecuária Sudeste, quebusca o desenvolvimento da pecuária leiteira nas

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regiões de atuação dos técnicos extensionistasvinculados a instituições públicas ou privadas eque participem do projeto. Esse objetivo é atingidopor meio de uma metodologia inovadora detransferência de tecnologia, na qual umapropriedade leiteira de cunho familiar transforma-se numa “sala de aula prática”, denominadaUnidade de Demonstração, onde o conhecimentode todos os envolvidos (pesquisadores,extensionistas e produtores) é atualizado. A partirda implantação do projeto, a UD passa a ser umareferência na região, permitindo que outrosprodutores acompanhem o trabalho de viabilizaçãoda produção de leite sob vários aspectos: técnico,econômico, social e ambiental.

4 Em países onde a legislação estabelecelimites ao uso de concentrados na alimentação dorebanho, ocorre uma diminuição da produtividadedos animais em relação à produção convencional(Bennedsgaard et al., 2003); (SATO et al., 2005);(ROSATI & AUMAITRE, 2004). A produção deleite por hectare também é inferior ao sistemaconvencional (ROSATI & AUMAITRE, 2004).

5 Todas as vacinas e exames determinadospela legislação de sanidade animal sãoobrigatórios no sistema de produção orgânico.Porém, no caso de tratamento de doenças ouferimentos existe uma lista restrita de substânciaspermitidas na legislação – o uso de “produtosquimiossintéticos artificiais” é previsto,excepcionalmente, no caso de doenças ouferimentos em que o uso das substânciaspermitidas no Regulamento Técnico não estejamsurtindo efeito e o animal esteja em sofrimento ourisco de morte. (BRASIL, 2011).

6 Os Sistemas Orgânicos de Produção Animaldeverão utilizar alimentação da própria unidade deprodução ou de outra sob manejo orgânico.Porém, em casos de escassez ou em condiçõesespeciais, será permitida a utilização de alimentosconvencionais na proporção da ingestão diária,

com base na matéria seca, de até 15% paraanimais ruminantes (BRASIL, 2011).

7 Informação coletada durante o X SeminárioInternacional sobre Agroecologia, realizado de 08a 10 de dezembro de 2009, em Porto Alegre.

8 No processamento de produtos orgânicos,deverão ser exclusivamente utilizados osingredientes, aditivos, coadjuvantes de tecnologiae os produtos de higienização previstos nalegislação (BRASIL, 2009).

9 O período de conversão para que bovinos,bubalinos, ovinos e caprinos leiteiros, seusprodutos e subprodutos possam ser reconhecidoscomo orgânicos, será de pelo menos 6 (seis)meses em sistema de manejo orgânico (BRASIL,2011).

AgradecimentosOs autores agradecem aos entrevistados, pela

consistência das informações dispensadas e aoConselho Nacional de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico - CNPq, pelo auxílio financeiroprestado.

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