revista científica unirbunirb.com.br/homolog/public/images/revistas/revistaano4...mais uma vez, a...
TRANSCRIPT
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
Revista Científica da UNIRB
Revista Científica UNIRB
MULTIDISCIPLINAR
Revista Científica UNIRB | Volume 0
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
Revista Científica UNIRBAno IV | Volume 03 | Nº 04
MULTIDISCIPLINAR
ISSN 1809 - 9157 Revista Científica UNIRB | Volume 03 | Número 04 | Ano 201
| Multidisciplinar
Revista Científica UNIRB
MULTIDISCIPLINAR
| Ano 2012
Revista Científica da UNIRB
Revista Científica UNIRB
MULTIDISCIPLINAR
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
Revista Científica UNIRB
MULTIDISCIPLINAR
| Multidisciplinar
Revista Científica UNIRB
MULTIDISCIPLINAR
Revista Científica da UNIRB
Revista Científica UNIRBUma publicação científica da Faculdade Regional da Bahia
MULTIDISCIPLINAR
Revista Científica UNIRB | Volume 0
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
Revista Científica UNIRBUma publicação científica da Faculdade Regional da Bahia
MULTIDISCIPLINAR
ISSN 1809 - 9157 Revista Científica UNIRB | Volume 03 | Número 04 | Ano 201
| Multidisciplinar
Revista Científica UNIRB Uma publicação científica da Faculdade Regional da Bahia
MULTIDISCIPLINAR
| Ano 2012
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
Revista Científica
da UNIRB
Multidisciplinar
Faculdade Regional da Bahia - UNIRB
Abril / 2012
Editora-chefe Profª. Mirella Freitas
Conselho Editorial Dra. Juliana Monteiro Ms. Lúcia Couto Ms. Bruno Vita
Ms. Mirella Freitas
Diagramação Jorge Conceição Roberto Pereira Filho
Normas ABNT
ElianiDombroutski Cavalcante
Impressão Gráfica SENASP
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP) Catalogação na Fonte
BIBLIOTECA DA FACULDADE REGIONAL DA BAHIA – UNIRB
Revista Científica da UNIRB / Faculdade Regional da
Bahia - UNIRB. V.3. n.4. (Abr. 2012) – Salvador. 2012.
v.3 n. 4. (jun. 2012) 117f.
ISSN 1809-9157 1. Multidisciplinar Faculdade Regional da Bahia - UNIRB
CDD340
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
EDITORIAL
A Revista Científica UNIRB, em sua 4ª edição, compreende o somatório de esforços
coletivos de pesquisadores que atuam nas áreas de ciências sociais aplicadas e educação,
especialmente nos cursos de Administração, Direito e Serviço Social.
O foco da Revista Científica UNIRB é levar à sociedade contribuições relevantes ao avanço
e melhoria das relações interpessoais, ao mesmo tempo em que forma seus alunos com um
diferencial para o mercado de trabalho.
É um projeto concebido para construir um vinculo de caráter cientifico de estudos e
pesquisas com um importante papel social, reafirmando a missão da UNIRB de promover a
excelência da educação, contribuindo para a construção de um mundo igualitário, fraterno e
libertário, dentro dos princípios sagrados da moral, da ética e da estética.
Nesse sentido, a revista pretende discutir, promover e possibilitar o desenvolvimento da
ciência com enfoque na formação cientifica, trazendo conclusões e questionamento e fomentando
a reflexão acerca de temas contemporâneos.
Mais uma vez, a Comissão Editorial da Revista Cientifica UNIRB agradece aos alunos,
professores, coordenadores, diretores, e a todos que contribuíram para que essa edição se
transformasse em realidade.
Profª. Ms. Mirella Freitas Editora-chefe da Revista Científica
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
Sumário O Art. 4º Inc. XV da Constituição do Estado da Bahia: Constitucional?
7
Paulo Roberto Lima Bezerra A ESCOLA: Local de Construção de Alunos-Cidadãos
15
Adriana Assis Santos QUESTÃO SOCIAL: Diferentes Perspectivas teóricas de Análise desse Fenômeno
26
Jocelina Alves de Souza Coelho Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto Amanda Silva de Matos
Importância da Biossegurança em Odontologia
36
Iza Teixeira Alves Peixoto Adriana dos Anjos Ferreira Mônica Maria Lemos Pereira Juliana Santos de Carvalho Monteiro
O Trabalho Precarizado no Estágio Supervisionado em Serviço Social
43
Liege Maria da Silva Servo
PRÁTICAS DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS NO AMBIENTE ESCOLAR: Algumas Possibilidades
54
Selmo Alves
Condições de Trabalho da Mulher nas Empresas de beneficiamento do Fumo no Município de Cruz das Almas
67
José Antonio de Oliveira Fonseca Liege Maria da Silva Servo
TRABALHO, QUALIDADE DE VIDA E APOSENTADORIA: Uma Análise Evolutiva dos Conceitos e das Relações que se Constroem em Torno Deles
81
Luciana Lima Cerqueira
O ENADE como Indicador de Qualidade é uma Farsa
109
Carlos Joel Pereira
O TELETRABALHO ESCRAVO 114 Manuel Martin Pino Estrada
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
8
Capítulo I
Art. 4º da Constituição do Estado da Bahia: Constitucional?
[ Direito ]
O Art. 4º Inc. XV da Constituição do Estado da Bahia: Constitucional?
Paulo Roberto Lima Bezerra1 Professor da UNIRB, Economista, Especialista em
Administração de Cidades e Bacharelando de Direito.
Resumo: O presente estudo elabora uma
discussão sobre o possível vício de
inconstitucionalidade do Art. 4º Inc. XV da
Constituição do Estado da Bahia, que prevê a
detenção de criança ou adolescente. Para
tanto, realiza inicialmente uma análise sobre
o controle de constitucionalidade no Brasil.
Introduz uma análise hermenêutica da
detenção e posteriormente, discorre sobre
como está tipificado o tratamento ao ato
infracional na Convenção Internacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente e pelo
ordenamento jurídico brasileiro. Nas
considerações finais, os autores apontam a
necessidade de proceder-se uma emenda
redacional do artigo em questão, para
adequação da norma estadual, neste
particular, ao que estabelece as Convenções
Internacionais assumidas pelo Brasil, bem
como a legislação pátria sobre os direitos
fundamentais da criança e do adolescente.
Palavras chave: criança e adolescente,
inconstitucionalidade, detenção.
1Professor da UNIRB, Economista, Especialista em Administração de Cidades e Bacharelando de Direito.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
9
Introdução
O objetivo deste trabalho consiste em
realizar estudo interdisciplinar sobre o vício
de inconstitucionalidade do Art. 4º Inc. XV da
Constituição do Estado da Bahia, que
estabelece a possibilidade de detenção para
crianças e adolescentes, além de discutir
sobre a necessidade de uma Emenda
Constitucional para resolução deste possível
vício. A preocupação com esta temática
surgiu em setembro de 2010, durante o
terceiro semestre do Curso de Direito da
Faculdade Batista Brasileira, por exigência de
um trabalho em grupo interdisciplinar, em
atendimento ao que prescreve a Resolução
nº 9 do Ministério da Educação – MEC.
Porém, a experiência de alguns membros da
equipe na área da infância e adolescência foi
fator decisivo na escolha do tema pelo grupo
de trabalho.
Trata-se de uma problemática de extrema
importância, pois, necessariamente, toda
norma jurídica emanada de qualquer dos
entes da República Federativa do Brasil deve
estar em consonância com o que está
prescrito na Constituição Federal, bem como
as leis infraconstitucionais, fato que não
ocorre com a referida norma na Constituição
do Estado da Bahia.
O controle de constitucionalidade no Brasil
Para uma análise da constitucionalidade
de qualquer norma em nosso ordenamento
jurídico, faz-se necessário um estudo sobre o
controle de constitucionalidade estabelecido
na Constituição Federal, o que possibilitará
que se estabeleça a parte legítima para
propor e julgar a constitucionalidade do
inciso em questão.
A Constituição do Estado da Bahia
estabelece em seu Art. 4º inc. XV:
XV - a criança ou adolescente, quando
detido, terá o direito de:
a) comunicar-se com a família ou com a
pessoa que indicar;
b) permanecer calado e ter assistência da
família e de advogado;
c) identificar os responsáveis pela sua
condução;
Conforme descrito, esta norma define a
possibilidade de detenção da criança ou
adolescente. Será essa norma
constitucional?
Conforme MORAES (2010), o significado
do controle de constitucionalidade é a
verificação da adequação de atos normativos
ou leis com a constituição, sendo necessário
para tanto, a verificação dos seus requisitos
formais e materiais. No Brasil, apenas as
normas constitucionais positivadas servem
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
10
como base para interpretação de
constitucionalidade de lei ou ato normativo
do Poder Público. O controle de
constitucionalidade representa, segundo o
referido doutrinador, além da garantia de
supremacia dos direitos fundamentais com
previsão constitucional, limitação e ao
mesmo tempo, legitimação do poder do
Estado.
A Constituição Federal (1988) estabelece:
Art. 103. Podem propor a ação direta de
inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa da Assembléia Legislativa ou da
Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito
Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no
Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional.
Repetindo esta norma, a Constituição do
Estado da Bahia estabelece quanto às
normas estaduais:
Art. 134- São partes legítimas para propor
ação direta de inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo estadual ou municipal em face
desta Constituição:
I - o governador;
II - a Mesa da Assembléia Legislativa;
III - o procurador geral de Justiça;
IV - o Conselho Seccional da Ordem dos
Advogados do Brasil;
V - partido político com representação na
Assembléia Legislativa;
VI - federação sindical e entidades de classe
de âmbito estadual;
VII - prefeito ou Mesa de Câmara Municipal;
Ao analisar o controle de
constitucionalidade nos Estados, CUNHA
JÚNIOR (2010, p. 341) demonstra que o
Supremo Tribunal Federal, na condição de
guardião daConstituição Federal, tem, entre
outras atribuições, a responsabilidade
exclusiva de realizar o controle de
constitucionalidade das leis ou atos
normativos estaduais em face da
Constituição Federal.Porém quando a
contestação ocorrer em face da Constituição
do Estado, a competência é dos Tribunais de
Justiça.
Tratando do controle de
constitucionalidade no âmbito estadual no
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
11
Brasil, CUNHA JÚNIOR (2010, p. 335)
considera que o controle difuso-incidental de
atos normativos ou leis de qualquer das
esferas de poder, pode ser exercido por
juízes e tribunais estaduais, à luz de caso
concreto, confrontando-se com a
Constituição Federal. Porém, quanto ao
controle concentrado-principal somente os
tribunais estaduais têm legitimidade para
analisar de forma abstrata em face de
qualquer norma da Constituição Estadual, em
se tratando de julgamento das ações diretas.
Este estudo, no capítulo destinado às
considerações finais, o autor se posicionará
sobre a constitucionalidade do inciso que
define a detenção para crianças e
adolescentes na Constituição do Estado da
Bahia, mas somente após análise
hermenêutica da detenção, dos tratados
internacionais dos direitos da criança e do
adolescente, bem como o atual ordenamento
jurídico brasileiro sobre a temática, em
particular, o tratamento dado aos seus atos
infracionais.
Hermenêutica da detenção
Conforme Silva (2002), detenção é um
vocábulo derivado do latim detentio, de
detinere(deter, reter), significa tanto para o
Direito Civil e Comercial, como para o Direito
Penal, ação de deter ou reter coisa ou
pessoa, implicando na privação do dono da
posse da coisa ou a pessoa de seu direito à
liberdade.
Silva (2002) demonstra que para o Direito
Civil e Comercial detenção da coisa significa
a posse material, tal como ocorre na locação
ou no arrendamento, onde o locador ou o
arrendatário são detentores da coisa, mas
não seus proprietários. São ocupantes, têm
uma posse precária. Assim, detenção tem
sentido da coisa na posse de outro alguém,
que não tem ânimo de possuir tal coisa, em
função de contrato ou por outra razão
qualquer está com o detentor.
Segundo Greco (2010, p. 472), o Código
Penal estabelece a reclusão e a detenção
como penas privativas de liberdade, sendo
que sobre ambas incidem várias implicações
previstas no Código Penal e no Código de
Processo Penal, como o regime inicial de
cumprimento (fechado, semi-aberto ou
aberto) ou a possível concessão de fiança
por autoridade policial.
O art. 33, caput, doCódigo Penal prevê
que apena de detenção deve ser cumprida
em regime semi-aberto, ou aberto, salvo
necessidade de transferência para o regime
fechado.
Detenção é, também, o nome dado
costumeiramente ao estabelecimento onde
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
12
são recolhidas pessoas presas (casa de
detenção).
Os Tratados Internacionais sobre os
Direitos da Criança e do Adolescente
Conforme AMIN (2009, p.11), a
preocupação inicial com os direitos das
crianças e adolescentes foi promovida pela
Liga das Nações e explicitada em 1924, na
Declaração dos Direitos da Criança de
Genebra.
Em 1959, a Organização das Nações
Unidas, atendendo aos anseios da sociedade
no tocante aos direitos humanos
fundamentais, reconheceu, através da
Declaração Universal dos Direitos das
Crianças, que as crianças são sujeitos de
direitos, merecendo proteção e cuidados
especiais. Essa declaração adotou segundo
AMIM (2009, p. 11), os seguintes princípios,
dentre outros:
“desenvolvimento físico, mental, moral e
espiritual; educação gratuita e compulsória;
prioridade em proteção e socorro; proteção
contra negligência, crueldade e exploração;
proteção contra atos de discriminação”.
AMIM (2009, p.12) apresenta outros
documentos internacionais de grande
importância para o processo evolutivo do
direito infanto-juvenil. A Convenção
Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto
de San José da Costa Rica, ocorrida em
1969, promulgada no Brasil somente em
1992 através do Decreto 678, reconheceu os
direitos apresentados nos documentos
anteriores, estabeleceu a especialidade para
o tratamento judicial de crianças e
adolescentes e a responsabilidade conjunta
para sua proteção como obrigação da
família, da sociedade e do Estado.
As diretrizes para a justiça especializada
nos processos de adolescentes em conflito
com a lei foram aprovadas pela Resolução
40/33, segundo AMIM (2009, p.12) em
1985, através do documento As Regras
Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça Juvenil ou Regras
Mínimas de Beijing.
Segundo PIOVESAN (2010, p. 215), a
Convenção sobre os Direitos da Criança
aprovada pela Organização das Nações
Unidas com vigência desde 1990, é o tratado
internacional em matéria de direitos humanos
com maior número de ratificações e que esta
Convenção define como sendo criança em
seu art. 1º, todo ser humano com menos de
18 anos de idade.
Conforme análise de AMIM (2009, p.12),
a Doutrina da Proteção Integral foi acolhida
pela primeira vez num documento
internacional sobre direitos das crianças e
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
13
adolescentes, baseando-se nos seguintes
pilares: natureza peculiar da condição
exigindo proteção especial, o direito à
convivência familiar e a absoluta prioridade.
Para efetivação da Convenção dos
Direitos da Criança, ainda segundo AMIM
(2009, p. 12), em setembro de 1990 o Brasil,
juntamente com outros 79 países assinaram
a Declaração Mundial sobre Sobrevivência, a
Proteção e o Desenvolvimento da Criança e
formalizaram o Plano de Ação para a década
de 90, comprometendo-se em acelerar em
seus países a implementação da Convenção
subscrita, além de combater o analfabetismo,
a desnutrição e melhorar a saúde das
crianças e das suas mães.
O ato infracional da criança e do
adolescente no atual ordenamento jurídico
brasileiro e na Constituição do Estado da
Bahia
As fontes normativas do direito da criança
e do adolescente no ordenamento jurídico
brasileiro são várias. No topo dessa
hierarquia está a Constituição Federal,
acompanhada pela Lei Federal 8.069 de 13
de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, que a regulamenta nesta
matéria. A pirâmide normativa é completada
pelas Constituições Estaduais, leis estaduais,
Leis Orgânicas Municipais e leis municipais.
Seguindo a doutrina da proteção integral
presente nos documentos tratados no
capítulo anterior, o Brasil, na condição de
signatário destes, adotou a partir do poder
originário constituinte de 1988, os princípios
daquela doutrina.
A Constituição Federal em seu Art. 228
define:
São penalmente inimputáveis os menores
de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial.
O Art. 27 do Código Penal repete a mesma
redação:
Os menores de dezoito anos são
penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas na legislação especial.
A legislação especial remetida pela
Constituição Federal e pelo Código Penal é a
Lei 8069/90, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, que no Art. 2º, define como
sendo criança aquela pessoa até 12 anos de
idade incompletos, e adolescente aquela
entre doze e dezoito anos. O Art. 103 declara
que o ato infracional fica tipificado quando as
crianças e adolescentes praticam atos que se
configuram crimes ou contravenção se
praticados pelos adultos. Mas, apenas os
adultos estão sujeitos à pena conforme o
Código Penal, pois o Art. 104 determina que
os menores de 18 anos sejam inimputáveis,
ou seja, não cumprem pena como aqueles e
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
14
sim medidas de proteção determinadas pela
autoridade competente (Conselho Tutelar
para as crianças ou Juizado da Infância e
Juventude para os adolescentes), conforme
elencado no Art. 101, cujos incisos
transcrevemos:
I – encaminhamento aos pais ou
responsáveis, mediante termo de
responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento
temporários;
III – matrícula e frequência obrigatórias em
estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV – inclusão em programa comunitário ou
oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente;
V – requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI – inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII – abrigo em entidade;
VIII – colocação em família substituta.
Na ocorrência de ato infracional, conforme
conceituado anteriormente, o Juizado da
Infância e Adolescência, poderá aplicar além
das medidas específicas de proteção
previstas no Art. 101, outras, elencadas nos
incisos I a VI do Art. 112, tais como:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento
educacional.
Note-se que na condição de legislação
específica, o Estatuto da Criança e do
Adolescente trata como uma das medidas a
serem adotadas para a prática dos atos
infracionais a internação e não de detenção.
Fica garantida como obrigatória a
escolarização e a profissionalização tanto no
regime de semiliberdade (§ 1º do Art. 120),
bem como na medida de internação para os
adolescentes em cumprimento de medida
privativa de liberdade (Art. 124, inc. XI e XII).
Os direitos e garantias fundamentais são
objeto, na Constituição do Estado da Bahia
no art. 4º. O inciso XV deste artigo preceitua:
XV - a criança ou adolescente, quando
detido, terá o direito de:
a) comunicar-se com a família ou com a
pessoa que indicar;
b) permanecer calado e ter assistência da
família e de advogado;
c) identificar os responsáveis pela sua
condução.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
15
Como demonstrado, a norma admite a
possibilidade de detenção da criança ou
adolescente.
Considerações Finais
Baseando-se no fato de o Brasil ser
signatário de vários documentos
internacionais sobre os direitos das crianças
e adolescentes, bem como visto
anteriormente, a norma constitucional e
especial sobre a matéria em tela, através das
quais foi consagrada a opção pela Doutrina
da Proteção Integral, o que afasta
principiologicamente a ideia de detenção.
Resta a óbvia conclusão de que o inciso XV
do art. 4º da Constituição do Estado da Bahia
é inconstitucional e necessita de uma urgente
emenda de natureza redacional. Assim, o
termo “detido” poderia ser substituído pelo
termo apreendido.
Não se trata apenas de mera diferença
semântica, nem de preciosismo acadêmico
ou doutrinário, mas do necessário
reconhecimento que no ordenamento jurídico
brasileiro não mais tem cabimento, face à
realidade constitucional e axiológica
contemporânea, qualquer expressão, quanto
mais de natureza normativa, que tente
submeter nossas crianças e adolescentes à
condição de imputação penal.
Surpreende-nos o fato de a Constituição
do Estado da Bahia, promulgada desde 5 de
outubro de 1989, estar até a presente data,
com flagrante vício de inconstitucionalidade.
Resta a expectativa de que com a remessa
de cópias deste estudo às partes legítimas
que podem propor ação direta de
inconstitucionalidade, seja estabelecida a
norma na justa medida.
Referências Bibliográficas
Constituição do Estado da Bahia. www.senado.gov.br. Acesso em 04/09/10 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. 12ª Ed. Rio de Janeiro. Impetus: 2010. MACIEL, K.R.F.L.A. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Lumen Juris Editora MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010. NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1994. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 19ª Ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense: 2002. VadeMecum Universitário de Direito / Anne Joyce Anger, organização. – 5ª Ed. – São Paulo: Rideel, 2008. – (Coleção de leis Rideel)
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
16
Capítulo II
A Escola: Local de Construção de
Alunos-Cidadãos [ Fisioterapia ]
A ESCOLA: LOCAL DE CONSTRUÇÃO DE
ALUNOS-CIDADÃOS?
Adriana Assis Santos2
RESUMO
O presente estudo propõe compreender a
educação para e em direitos humanos,
primando pelo estímulo ao exercício da
cidadania pela escola, sendo esta análise
obtida a partir da concepção de alunos do
ensino fundamental em Colégio Público de
Salvador, Bahia. Sabe-se que o ambiente
escolar, dentro das perspectivas pedagógicas
oferecidas, deva promover o respeito aos
direitos humanos, especialmente à liberdade
de expressão, pois este direito garantido
promoverá entre estes atores sociais, a
consolidação do seu exercício de cidadania,
e, por conseguinte, o combate à alienação da
grande massa. Prevalecendo-se do
conhecimento popular culturalmente
absorvido pelos cidadãos, valoriza-se neste
trabalho o direito à expressão dos alunos, os
quais expuseram tanto suas compreensões
acerca da temática proposta, quanto
alternativas para o enfrentamento à barbárie
existente, ou seja, à violação dos seus
2 Bacharela em Serviço Social - Ucsal. Especialista em Saúde Mental; Especialista em Metodologia do Ensino, pesquisa e extensão em educação; Especialista em Serviço Social; Especialista em Gestão de Pessoas e desenvolvimento Humano; Docente da Faculdade Regional da Bahia e Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania – Ucsal.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
17
direitos humanos, concomitantemente, da
sua cidadania ativa.
Palavras-chaves: Alunos. Educação.
Cidadania. Violação dos direitoshumanos.
ABSTRACT
The present study proposes understand
education for and in human rights, excelling
by fostering citizenship by the school, being
this analysis obtained from the design of
elementary school students in public school
of Salvador, Bahia. It is known that the school
environment, inside of pedagogical
perspectives offered, should promote respect
for human rights, especially freedom of
expression, because this right guaranteed
promote between these social actors, the
consolidation of its exercise of citizenship,
and therefore combating divestiture of large
mass. Prevailing aware popular culturally
absorbed by citizens, treated in this work the
right to expression of students, which
exhibited both their understandings about
thematic proposal, as alternatives to the
existing coping to barbarism, namely, the
violation of their human rights, at the same
time, their active citizenship.
Keywords: Students. Education.Citizenship.
Human rights violations.
INTRODUÇÃO
Falar em Direitos Humanos e construção
de cidadania na escola, se pensada na forma
modista e banalizada dos termos, parece
uma tarefa fácil e sem maiores entraves,
contudo, o respeito dos direitos humanos e
educação para a cidadania é, além de uma
tarefa complexa, um papel de todos na
sociedade (família, comunidade, alunos,
professores, igrejas, comércio, empresas,
políticos, sindicatos, mídia, imprensa,
outros).
Utilizando o pensamento e afirmativa do
educador Paulo Freire (1979, p.122), “não
existe Educação fora das sociedades
humanas, como também não se pode pensar
no ser humano isolado. Nem a Educação se
dá num espaço abstrato, nem o ser humano
está no vazio”. Culpabilizar alguns segmentos
da sociedade pela não eficiência da educação
para os direitos humanos - ou seja, “a
necessidade de se educar a pessoa humana
para o respeito dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais” (ZENAIDE, 2008, p.
04) -, e, por conseguinte, do desrespeito à
cidadania – vistos em sua essência na
relação homem-homem e homem-natureza –
além de paliativo e injusto é alienador, pois
crer que apenas parcela da sociedade (os
educadores, professores e escolas) dará
conta da reconstrução societária frente ao
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
18
caos existente, é realmente um “surto
social”. Logo, sabe-se que
através da história, a Educação
apresentou diferentes formas. Assim, a
Educação só pode ser compreendida
dentro de um contexto sócio-político e
econômico, desempenhando um papel
fundamental na rede de instrumentos de
controle social e direção política e
ideológica, assegurando uma determinada
ordem social e visando à perpetuação de
uma dada concepção de mundo.
(DORNELLES, 2008)
Identificar nos educadores, professores e
escolas a obrigação para se reconstruir a
“mentalidade da sociedade” no que se refere
ao tema proposto, é vista como sendo um
trabalho coletivo, não sendo apenas uma
atividade voltada à escola, e sim à
coletividade, conforme elucida GARCIA
(2001), ”O processo educativo é realizado de
várias formas: na família, na rua, nos grupos
sociais e, também, na instituição”.
Para tanto, realizamos um estudo que
objetiva apresentar discussões sobre a
construção da cidadania e o respeito aos
direitos humanos na escola sob a ótica dos
alunos da 5ª série do ensino fundamental de
um Colégio Estadual em Salvador, Bahia,
pois acreditou-se desde as primárias
indagações, na possibilidade de
conhecimento e respeito aos direitos
humanos no ambiente escolar, por
conseguinte, no exercício da cidadania (em
seu conceito pleno) por esses atores.
1. Educar para a Cidadania e para os
Direitos Humanos - Base histórico-
conceitual.
Apesar de no Brasil vivermos desde a
década de 80, em uma sociedade
considerada cidadã, fruto da consolidação da
carta magna brasileira (Constituição Federal
do Brasil – 1988), certifica-se que na prática
a realidade seja oposta, tendo em vista a
barbárie existente cotidianamente na vida dos
brasileiros, seres humanos por natureza, os
quais têm lhes sido negado princípios como
a vida, o respeito, a dignidade humana,
tendo, portanto a nítida violação de direitos
humanos.
A cidadania, erroneamente, vem sendo
tratada de forma deturpada não só pelos que
se consideram cidadãos, mas também por
alguns estudiosos e políticos na sociedade
brasileira, os quais consideram a cidadania
apenas o fato do indivíduo ter “direito de ter
direitos” (Dimenstein, 2008, p.12) contidos
em leis, ou seja, sob no âmbito da legalidade.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
19
Essa análise pode ser mais bem entendida a
partir da fala de DORNELLES (2008), o qual
nos relembra que
Falar em democratização e a sua relação
com a Escola nos obriga a tratarmos da
consciência social. E a consciência
humana é produto da práxis, da atividade
dos sujeitos sociais. A consciência social
é resultado da relação entre pessoas, e
destas com o mundo. (...) (p. 01)
O Autor fomenta o questionamento e
análise crítica acerca dos direitos humanos
vistos pela ótica filosófica, ou seja, “como
um modo de pensar, sentir, refletir, explicar,
agir consigo com os outros e com a
realidade social, com base em princípios
éticos - jurídicos dos Direitos Humanos.”
(ZENAIDE, 2008, p.9)
Essa análise emitida pelos autores, e
reafirmado por Dornelles (2008, p. 03)
salienta o fortalecimento de uma mentalidade
social fragilizada, produtora de “mecanismos
de alienação, manipulando informações,
encobrindo a essência da realidade, através
de mistificações do real (...)”, onde
transpareça uma harmonia social, com
desigualdades de classes sociais
apaziguadas aparentemente e a ilusão do
pertencimento, numa sociedade onde não
existe mais a “antagonia de classes”
(IAMAMOTO, 2006, p. 44).
Dessa forma, a Escola, espaço de
promoção da democracia e construção
coletiva de conhecimento - cujo objetivo
volta-se à contribuição na formação de
sujeitos emancipados, aqui entendidos não
só por sua consciência política na sociedade,
mas principalmente ao exercício da cidadania
a partir do respeito à vida e à dignidade
humana - passa a ser o “culpado” pelo caos
social instaurado, onde valores como ética e
moral foram perdidos, esquecidos e
banalizados.
A responsabilidade da Escola e do
Professor a educação socialcom objetivo no
estímulo ao exercício da cidadania e respeito
à dignidade e aos direitos humanos pelos
alunos, direciona-nos que observemos a
citação abaixo, esta que proporciona uma
reflexão e entendimento acerca da
responsabilidade de todos os cidadãos nesta
causa.
A Escola, como instituição, aparece,
como um momento especial do cotidiano,
com a progressiva divisão social do trabalho.
Com a complexidade das sociedades
divididas em classes, com o cotidiano
marcado pelas necessidades da produção, a
vida foi compartimentada em diferentes
momentos, constituindo sistemas
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
20
autônomos, com regras próprias, com uma
lógica própria etc. (DORNELLES, 2008)
2. O Papel da Escola na Formação de
Alunos-Cidadãos
A ênfase tecida no tópico anterior acerca
da responsabilidade de todos para com a
educação para a cidadania e respeito aos
direitos humanos com vista à dignidade
humana não exclui a responsabilidade da
escola na formação de alunos-cidadãos, pelo
contrário, é necessário revisar também
aspectos que envolvam o papel e
responsabilidade da escola – devido a sua
responsabilidade fundamental nessa
formação -, partindo da análise acerca do
processo pedagógico para aproximação da
realidade. Com vistas nesse entendimento,
entendemos que o processo de
aprendizagem conforme Dornelles (2008),
“se estabelece uma relação Ser-Natureza,
onde as relações de vida do cotidiano se
revelam como um processo pedagógico, um
processo educativo”.
Contribuindo com a compreensão do
papel da Escola para a construção da
cidadania nas classes subalternas, sob a
concepção de que todos formam os alunos-
cidadão – escola, professores, famílias,
comunidade, ou seja, não só a escola e seus
educadores, é necessário o entendimento
dos entraves que também corroboram para a
não consolidação deste papel, seja pelos
educadores, seja pelos alunos, onde “as
classes populares deixam de ir para a Escola,
pois entram prematuramente no mercado de
trabalho, ou entram na Escola para
receberem um adestramento disciplinar (...).
(DORNELLES, 2008)
O espaço escolar é compreendido na
atualidade, apresenta suas fragilidades desde
a estruturação física, o plano pedagógico,
formação dos educadores, métodos de
ensino, até o comportamento social dos
alunos, comportamento este refletido no
ambiente escolar. Objetivando uma melhor
compreensão acerca dessa análise, o tópico
seguinte nos possibilitará adentrarmos nesse
campo, sob a ótica não só dos estudiosos,
mas principalmente dos sujeitos do estudo,
os alunos.
3. Direitos Humanos na Escola – Promoção
ou Negação?
A partir da Pedagogia do Oprimido, Paulo
Freire (1979), já afirmara que “a educação é
uma forma de intervenção no mundo.” Dessa
forma, o processo educativo transformador,
deve ter imbuído em seu plano pedagógico,
formação dos docentes, metodologia
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
21
pedagógica, meios de promoção e estímulos
para que os alunos percebam-se enquanto
partícipes do processo de transformação
societário, concomitantemente, de suas vidas
enquanto seres humanos dignos de
conviverem em uma sociedade mais justa,
humanitária, fraterna e democrática-cidadã.
A bem da verdade perceber-se-á as
impressões emitidas pelos alunos do Colégio
Estadual de Salvador – Bahia - campo de
estudo deste artigo – acerca da construção
da cidadania e do respeito aos direitos
humanos no seu ambiente escolar. Cabe
ainda sinalizar que, o público alvo deste
estudo é formado por 08 (oito) alunos, todos
da 5ª série do 1º grau, conhecido por Ensino
Fundamental, sendo 50% do sexo feminino e
conseqüentemente 50% do sexo masculino.
As faixas etárias desses atores são: 50%
com idade entre 10 a 12 anos, 37,50% com
até 10 anos e apenas 12,50% com idade
superior a 12 anos. Para uma melhor
compreensão das falas dos alunos-
pesquisados, iremos identificá-los com
nomes de flores, primando pela manutenção
do sigilo dos seus dados de identificação
pessoal.
Tratando-se de um questionamento
preliminar e pertinente a esse estudo,
evidenciou-se que os 08 (oito) alunos do
Colégio Estadual visitado, desconheciam a
terminologia “direitos humanos”, visto que
destes, 04(quatro) sentiram-se à vontade
para responder aos questionamentos apenas
após uma breve explicação da pesquisadora
sobre o que são direitos humanos. É
relevante considerar que, após a explicação
conceitual dos direitos humanos, as
respostas apresentadas pelos alunos-
pesquisados, referenciavam a temática como
sendo o ato de
estudar, brincar, arrumar a casa (Rosa,
2010)
por exemplo: a casa onde você mora é
sua, é um direito humano (Violeta, 2010)
As afirmativas trazidas pelos alunos
reafirmam a incompreensão destes com a
temática direitos humanos, pelo menos no
sentido conceitual da palavra. Com essa
impressão inicial, pôde-se imaginar que estes
alunos não saberiam responder se “você
considera que os seus direitos humanos são
violados?”, e surpreendentemente temos
afirmativas que nos possibilita compreender
a percepção desses adolescentes, onde
06(seis) destes consideram que sim, seus
direitos humanos são violados. Perguntamos
então aos que responderam afirmativamente,
“em qual (is) situação (ões) os direitos
humanos são violados?”, momento em que
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
22
responderam: saúde (25%), segurança (50%)
e liberdade (25%) respectivamente.
Essa tabela contribuirá com a análise das
respostas referente à Questão 05, onde
perguntamos, conforme a compreensão dos
alunos, qual dos direitos humanos é mais
violado. Esse questionamento reforça a
preocupação dos alunos sobre assuntos
como segurança-violência urbana, saúde e
liberdade (esta podendo ser compreendida
por: escolha religiosa, escolha de opção
sexual, liberdade de expressão, outros).
Observando a tabela abaixo, verificar-se-á
que os direitos humanos mais violados na
concepção dos alunos de 5ª série, desse
Colégio Estadual, são: segurança e liberdade.
É válido mencionar dois pontos
considerados relevantes pela pesquisadora,
sendo: primeiro, a certeza de ser mencionado
a violação ao direito à segurança, pois tanto
o Colégio, quanto os alunos estão
pertencentes a um Bairro de Salvador
considerado populoso, exposto à violência
urbana em seus mais diversos segmentos
(narcotráfico, violência doméstica, outros),
bem como, a violação de outros direitos
humanos como: moradia digna, acesso à
saúde com qualidade, ausência de lazer,
dentre outros. Em segundo lugar, ficou
evidente nas respostas abertas a este
questionamento (Tabela 01), que o direito à
liberdade de escolha a opção sexual é vista
com preconceito, na escola e na sociedade
oriunda desses estudantes, conforme relatos
em destaque abaixo:
por exemplo: meu irmão tem a voz fina e
ele é chamado de v. e ele não gosta, e
hoje ele é casado. (Rosa, 2010)
eu acho que não é respeitado desde a
casa dos meninos que abusam os
homossexuais. (Girassol, 2010)
Compreendido como um direito humano,
a liberdade de condição sexual deve ser vista
e respeitada, contudo o que se percebe são
TABELA 01 – Em qual (is) situação
(ões) eles são violados?
Alternativas Percentuais
Segurança
Liberdade
Saúde
Nenhum
37,50%
25,00%
12,50%
25,00%
100%
Fonte: Entrevistas realizadas com alunos
da 5ª Série de um Colégio Estadual da
Cidade do Salvador-Bahia, maio, 2010.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
23
ações discriminatórias e repressoras para
com essa camada da sociedade, a que muito
provavelmente vem sendo violada em DH
desde a sua origem, permanecendo até dias
atuais, simplesmente pelo desrespeito à um
direito humano, a liberdade. Ao contrário do
que se possa imaginar, as crianças e
adolescentes devem sim sentir-se partícipes
do processo de transformação da sociedade,
sobretudo no que se refere às
transformações de comportamentos,
culturas, valores, respeito mútuo.
No subtópico seguinte, perceberemos a
possibilidade de construção de ações para a
cidadania e respeito aos direitos humanos,
sob a ótica dos alunos-cidadãos do Colégio
Estadual – local da pesquisa.
4. O Aluno-Cidadão: Construindo ações
para a transformação societária
Identificaram-se no estudo, indícios da
violação de direitos humanos, mesmo no
âmbito escolar, e corroborando com essa
afirmativa, buscou-se perceber com os
alunos, alternativas de combate e/ou
enfrentamento às violações constantes dos
direitos humanos não apenas no ambiente
escolar, mas também na sua comunidade e
grupos societários.
Promovendo a inquietação e reflexão dos
alunos da 5ª série, pesquisados deste
estudo, os questionamos: “Você, na
condição de cidadão, o que faria para
transformar essa realidade/situação?”, ou
seja, mudar as ações de violação dos direitos
humanos na escola onde estudam, sejam por
seus colegas, professores e/ou qualquer ator
inserido nesse contexto. A título de
esclarecimento, salienta-se que a intenção
desse questionamento, é reafirmar a
importância de serem ouvidas as propostas
de todos os atores envolvidos, levando em
consideração seus saberes, conhecimentos,
percepções de realidade.
Percebe-se a importância de serem
revistos valores como ética, respeito mútuo,
reconstrução da moral entre os homens,
pois, mediante transformações de
comportamento da própria sociedade, vista
no âmbito cultural em especial, os valores,
percebe-se o crescente descaso à moral e
“bons costumes”, antes empregados nas
famílias e na sociedade. Essa análise é
comprovada na análise abaixo:
A construção de uma nova orientação
moral se impõe, pois estamos presenciando
a destruição da natureza e do próprio ser
humano. (...) A construção de uma nova
orientação moral, exige alterações profundas
na consciência coletiva e, principalmente,
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
24
nas estruturas sociais, no que diz respeito às
suas relações de produção e de poder. É
impossível o advento de novos valores se
não existirem condições propícias para tal.
(PASSOS, 2000, p. 29)
Embora as exigências necessárias para
essa transformação societária, partindo da
transformação dos princípios morais na
sociedade, deve-se propor credibilidade a
este feito, compreendendo os possíveis
entraves, conhecendo a realidade social em
que se vive, para então propor ações
condizentes e eficazes ao problema social
em que se tornou a ausência de ética, moral
e valores entre os homens, culminando no
desrespeito e violação dos direitos humanos,
consequentemente, no não exercício da
cidadania por significativa parte dos cidadãos
(passivos, em sua maior parte).
Outros aspectos considerados relevantes
do ponto de vista dos alunos, no sentido de
contribuir para a transformação societária, é
a visão de grupo e coletividade existente na
fala dos mesmos, onde Violeta (2010) afirma
que “As coisas (direitos) deveriam ser de
graça, não ser pago. Ter postos de saúde em
muitos bairros”. Essa afirmativa trazida a
partir da compreensão e colaboração dos
alunos para a transformação societária a
partir do seu exercício de cidadania
transmitem-nos a certeza da importância da
escola na formação dos alunos-cidadãos,
logo,
(...) o sistema educacional reproduz e
divulga, através da Escola, um conjunto
de idéias, de representações simbólicas
da realidade, de valores culturais e de
formas de conduta que satisfarão às
necessidades de reprodução do modelo
de sociedade. (DORNELLES, 2008, p.05)
As falas dos alunos explicitam mesmo
que superficialmente, o cumprimento do
sistema educacional na construção e
formação de uma mentalidade parcialmente
crítica da realidade social em que vivem. Não
se trata aqui de crer numa transformação
imediata da sociedade em seus costumes,
valores, moral e ética. Pois sabe-se que
A construção de uma nova ética, uma
nova consciência social, solidária, que se
traduza em práticas sócio-políticas
transformadoras, reforçando e ampliando
princípios humanistas e posturas
democráticas que consolidem os espaços de
liberdade, de tolerância e levante barreiras às
investidas de uma lógica fria e calculista que
imagina que a vida humana e social tem por
base o mercado. (DORNELLES, 2008, p. 08)
Acredita-se na possibilidade de
construção de uma sociedade mais justa e
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
25
igualitária, onde o respeito aos direitos
humanos e o exercício da cidadania seja uma
prática cotidiana de todos os brasileiros.
Contudo, reafirma-se aqui o papel de todos
os cidadãos – alunos, professores, famílias,
comunidades, grupos, seguimentos
religiosos, organizações, políticos, dentre
outros – envolvidos numa causa única, o
respeito ao ser humano.
5. Conclusões
O presente trabalho possibilitou à autora,
inicialmente, refletir acerca da atual
conjuntura em que envolve os direitos
humanos, respeitados ou não, na sociedade,
sobretudo no que concerne à cidadania,
preferencialmente ativa, onde os sujeitos-
cidadãos procurem reivindicar seus direitos,
cumpram com seus deveres e retomem os
valores ora esquecidos nas ações
desenvolvidas pela própria sociedade, na e
para a sociedade.
A partir da escolha dos sujeitos de
pesquisa – alunos da 5ª série de um Colégio
Estadual de Salvador, acreditava-se desde
então, na possibilidade de percepção destes
sobre a temática proposta, sobretudo, no
valor que iriam agregar para constituição de
ações a serem utilizadas para enfrentamento
da violação dos direitos humanos e no não
exercício da cidadania, por eles e seus
colegas de classe.
Imprescindível se fez valorizar o direito de
expressão desses atores, pura e
simplesmente pela expressividade de respeito
à dignidade humana através dos valores
obtidos por eles tanto na família, quanto na
escola na qual estão inseridos. O fato de
tratar de uma temática tão delicada como
esta e com um público alvo em formação,
felicitou-me, em especial, pela possibilidade
de experienciar participar de um momento de
troca e aquisição de conhecimentos acerca
de uma temática conhecida por muitos,
contudo, pouco explorada, reconhecida e
valorizada nos dias atuais.
Mesmo em meio aos desestímulos
possivelmente existente entre os docentes do
Colégio Público, campo desta
pesquisa,evidenciou-se nas falas dos alunos-
cidadãos pesquisados “sementes” de valores
morais e éticos “germinando” em cada ser
humano que aceitou participar deste estudo.
O senso de coletividade, também expressivo
nas falas dos alunos, foi considerado pela
pesquisadora como mais significante valor de
ter realizado esse estudo, sobretudo pelo fato
de que, mesmo em meio a uma sociedade
capitalista, desigual, e com tantas injustiças
sociais, prevalece o sonho, o desejo de um
“mundo melhor”(Girassol, 2010).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
26
6. Referências
ARROYO, M. Valores de uma prática
pedagógica transformadora. Disponível em:
http://cefuria.org.br/doc%5Ceducpoppraticatr
ansf.pdf Acessado em 30.06.2010 às 10h10.
BRASIL. Constituição Federal do Brasil. 1988.
Disponível em
http://www.al.ma.gov.br/arquivos/CON1988.
pdf acessado em 30.06.2010 às 15h24.
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita - A
Cidadania Ativa. São Paulo: Ática, 1991.
___________. Cidadania e Democracia, in
Lua Nova, nº33,1994.
____________. Cidadania e Direitos
Humanos, in Cadernos de Pesquisa, Fund.
Carlos Chagas, nº 104, julho 1998.
DIMENSTEIN, G. O cidadão de Papel. Editora.
16ª Edição. São Paulo, 2008.
DORNELLES. J. R. W. Educando para os
Direitos Humanos: Desafios para uma prática
transformadora. S/A. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/br/
pbunesco/v_01_educando.html. Acessado
em 28.04.2010 às 20h.
FREIRE, P., Pedagogia do Oprimido. Rio de
Janeiro: Paz e Terra. 1979.
FREIRE, Paulo e BETTO, Frei. Esa Escuela
llamada vida. Buenos Aires. Editorial Legasa,
1988.
GARCIA, Regina Leite. Em defesa da
educação infantil. Rio de Janeiro: DPLA,
2001.
IAMAMOTO, M.V. ; CARVALHO, R. Relações
Sociais e serviço social no Brasil. Editora
Cortez. São Paulo, 2005.
PEQUENO, M. O Fundamento dos Diretos
Humanos. Disponível
em:http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/ed
h/redh/01/02_marconi_pequeno_fundamento
_dh.pdf. (Acessado em 20.03.2010 às 22h).
____________. Sujeito, autonomia e moral.
Educação em Direitos Humanos –
Fundamentos teóricos-metodológicos.
Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/br/f
undamentos/13_cap_2_artigo_05.pdf.
Acessado em 30.03.2010 às 16h45.
ZENAIDE, M. N. T. Construção Conceitual dos
Direitos Humanos. Disponível
em:http://www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/
br/pbunesco/i_03_constru.html. Acessado
em 28.04.2010 às 20h.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
27
Capítulo III
Questão Social: Diferentes
Perspectivas Teóricas de Análise desse Fenômeno
[ Serviço Social ]
QUESTÃO SOCIAL: DIFERENTES
PERSPECTIVAS TEÓRICAS DE ANÁLISE
DESSE FENÔMENO
Jocelina Alves de Souza Coelho3
Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto4
Amanda Silva de Matos5
Resumo
O presente texto busca analisar as diferentes
perspectivas teóricas que discorrem sobre o
fenômeno compreendido como “questão
social”. Esta muitas vezes confundida como
sinônimo de desigualdade, pobreza,
pauperismo ou escassez de recursos
financeiros. Originariamente a “questão
social” formou-se em torno das grandes
transformações econômicas, sociais e
políticas, ocorridas na Europa no século XIX
3 Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Alagoas (2006), tendo como linha de pesquisa: Questão Social, Direitos Sociais e Serviço Social, Especialista em Serviço Social e Política Social pela Universidade de Brasília - UNB (2002) e Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (1992). Assistente social do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; Professora e membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE - Portaria nº. 10/ 2008) do curso de graduação em Serviço Social da Faculdade Regional da Bahia - UNIRB. Experiência como Coordenadora e professora das Pós-graduações em Política e Direito Previdenciário e Gestão e Elaboração de Projetos Sociais; Experiência com Orientações de trabalhos de conclusão de curso na graduação e pós-graduação (lato sensu). 4 Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto, graduada em Serviço Social, pela UFAL – Universidade Federal de Alagoas, mestra em Administração Estratégica e pós-graduada em Psicologia Organizacional pela UNIFACS, em Metodologia do Serviço Social pela UCSAL e em Recursos Humanos pela UFBA, formação em psicodrama aplicado e em psicologia social. Atua como Coordenadora de Recursos humanos no Colégio Anchieta e no Curso de Serviço Social da UNIRB. 5 Especialista em Direito e Política Previdenciária pela UNIME, graduada em Direito pela UFAL – Universidade Federal de Alagoas, advogada e professora de graduação.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
28
oriundas do processo de industrialização. Diz
respeito objetivamente à generalização do
trabalho livre numa sociedade em que a
escravidão marcou profundamente a sua
história. Isto se deu devido à tomada de
consciência das classes trabalhadoras, de
um quadro de novos problemas
sociopolíticos e econômicos, agregados às
modernas condições de trabalho urbano e do
pauperismo como um fenômeno socialmente
produzido.
Palavras-chave: Questão Social.
Perspectivas Teóricas. Industrialização.
Classe Trabalhadora.
Introdução
Iniciaremos nossa análise traçando uma
breve contextualização da origem do termo
“questão social”, para posteriormente
aprofundarmos o entendimento da mesma a
luz das perspectivas teóricas: a)
conservadora, laica e confessional; a)
revolucionária histórico-critica
(marxista/comunista).
Isto nos dará embasamento para a
compreendermos no contexto sócio-histórico
contemporâneo fundamentado pela ideologia
neoliberal, cujo propósito é a defesa do
mercado e a minimização das políticas
sociais.
A Origem da Expressão “Questão Social”
A expressão “questão social” é muitas
vezes confundida como sinônimo de
desigualdade, pobreza, pauperismo ou
escassez de recursos financeiros. Dessa
forma, para entendemos o significado e a real
aplicação do termo “questão social”
devemos em primeiro lugar situar o momento
histórico em que ela surge. Segundo alguns
autores, na terceira década do século XIX o
termo começou a ser empregado e foi
divulgado até a metade deste mesmo século
por críticos e filantropos da sociedade, que
atuavam no campo político, como forma de
designação do pauperismo, que surgia em
decorrência do processo de industrialização,
iniciado na Inglaterra no final do século XVIII.
Nesse período, a história registrava pela
primeira vez que a pobreza crescia de forma
desproporcional ao crescimento da produção
de riquezas, Netto (2001, p. 43) aponta que
“a pobreza acentuada e generalizada no
primeiro terço do século XIX – o pauperismo
– aparecia como nova precisamente porque
ela se produzia pelas mesmas condições que
propiciavam os supostos, no plano imediato,
da sua redução e, no limite, da sua
supressão”.
A designação desse pauperismo pela
expressão “questão social” relaciona-se
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
29
diretamente aos seus desdobramentos sócio-
políticos. (...) lamentavelmente para a ordem
burguesa que se consolidava, os
pauperizados não se conformaram com a
sua situação: da primeira década até a
metade do século XIX, seu protesto tomou as
mais diversas formas, da violência luddista à
constituição das trade unions, configurando
uma ameaça real às instituições sociais
existentes. Foi a partir da perspectiva efetiva
de uma eversão da ordem burguesa que o
pauperismo designou-se como “questão
social” (Netto, 2001, p.42).
Partindo deste pressuposto, podemos
entender que originariamente a questão
social formou-se em torno das grandes
transformações econômicas, sociais e
políticas, ocorridas na Europa no século XIX
oriundas do processo de industrialização. Diz
respeito objetivamente à generalização do
trabalho livre numa sociedade em que a
escravidão marcou profundamente seu
passado. Isto se deu, basicamente, na
tomada de consciência, por parte de
crescentes parcelas da sociedade, de um
quadro de novos problemas, agregados às
modernas condições de trabalho urbano e do
pauperismo como um fenômeno social
produzido.
Perspectivas Teóricas: Conservadora, Laica
e Confessional
A partir da segunda metade do século XIX,
a expressão questão social já faz parte do
vocabulário do pensamento conservador,
tanto no âmbito do pensamento laico quanto
no pensamento confessional, que na busca
da proteção e manutenção da ordem
burguesa, passa a considerá-la como um
processo natural.
Para os pensadores laicos, as
incorporações imediatas da questão social
(grave desigualdade, desemprego, doenças,
fome, penúria, desamparo defronte a
conjunturas econômicas contrárias) são
percebidas como “desdobramentos, na
sociedade moderna, de características
inelimináveis de toda e qualquer ordem
social, que podem, no máximo, ser objeto de
uma intervenção política limitada
(preferencialmente com suporte “científico”),
capaz de amenizá-las e reduzi-las através de
um ideário reformista. Já o pensamento
conservador confessional, reconhece a
gravidade da “questão social” e se apela para
medidas sóciopolíticas para diminuir os seus
gravames, insiste em que somente a sua
exacerbação contraria a vontade divina”
(Netto, 2001, pg.45).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
30
No pensamento laico as idéias
dominantes, que têm como expressão nomes
como Durkheim e Weber, sustentam que as
manifestações da questão social decorrem
do individualismo presente na sociedade
moderna. Principalmente para Durkheim, a
forma de enfrentamento dos problemas
sociais seria a coesão social em
contraposição à anomia, com um socialismo
onde haveria um Estado intervencionista e
promotor do bem comum.
A respeito do socialismo Durkheim
criticava as idéias revolucionárias advindas
de Marx colocando o seu pensamento
sociológico como um pensamento prático e
aludindo a descontinuidade do pensamento
comunista, tido por ele como “filosófico e
apaixonado”, como podemos observar nesta
passagem:
Os teóricos do comunismo, dizíamos: são
solitários que aparecem apenas de
tempos em tempos e cuja palavra parece
não despertar senão ecos frágeis nas
massas sociais que os rodeiam. Na
verdade, são mais filósofos – que tratam,
nos gabinetes, de um problema moral
geral – do que homens de ação- que
produzem especulações destinadas a
acalmar as dores atualmente sentidas a
sua volta (Durkheim e Weber, 1993, p.
76).
Segundo Durkheim as distorções de
valores e a penúria moral da sociedade
sobrepunham-se à exploração material que
atingia aos trabalhadores e aqueles
despojados dos instrumentos de produção.
Em uma frase: a reforma econômica seria
conseqüência da reforma moral. A
intervenção consciente na direção da reforma
moral que abre as portas para o socialismo,
sugerida por Durkheim, ancora-se nas
corporações e no Estado. As corporações
abarcariam as capacidades produtivas e os
talentos desenvolvidos pelos indivíduos na
divisão do trabalho e, por outro lado,
despertariam novas forças espirituais,
propiciando a criação de normas comuns,
compartilhadas. Ainda que houvesse
diferenças econômicas, os homens
dividiriam os mesmos valores de
solidariedade e altruísmo.
Enfim, para esta corrente, a questão social
poderia ser contornada através de um ideário
reformista, o que não era tão diferente do
pensamento confessional decorrente da
Igreja Católica que tinha um contexto
complicado desde meados do século XIX
com a perda de sua hegemonia política e
econômica e a falta de um instrumental
científico para analisar os problemas sociais
advindos do capitalismo.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
31
O pensamento conservador confessional
embora baseado em fundamentos diferentes
do pensamento laico, já que a proposta da
Igreja era de uma reforma moral, sem deixar
de ter como foco a dimensão espiritual,
busca através de uma aliança com o Estado
burguês propor a prática de políticas sociais
que incorporam ao seu ideário a
possibilidade de se fazer “reformas” dentro
do capitalismo, se opondo também ao
socialismo marxista como nos descreve
Almeida quando fala do conteúdo da
RerumNovarum:
Contra o socialismo marxista acentua o
objetivo da participação social, a
irrenunciabilidade da propriedade privada
dos meios de produção e a limitação do
poder do Estado. Baseado nisso, exige
salários suficientes para o sustento da
família, reclama a liberdade de associação
como um direito natural, estimula a
criação de associações operárias e
seguros sociais e exige uma política social
estatal. Concede espaço importante à
auto-ajuda do operariado do mesmo
modo como estimula a Igreja a dar sua
contribuição (Almeida, 1994, p. 58).
Como exemplo do pensamento
conservador confessional, recorremos ao
seguinte texto: “Depois de se ter empenhado
por mais de 20 anos com a questão social,
simpatizando, no início, com a posição
romântica, Ketteler, em 1869 sentenciou de
forma pragmática, e por já reconhecer a
fecundidade da teoria do direito natural de
Tomás de Aquino: ‘Como não se pode prever
que o moderno sistema industrial em curto
prazo seja substituído por outro melhor’, é
importante que "deixemos os operários
usufruir de seus benefícios e do que este
sistema tem de bom".
Com isto se introduz o caminho da
reforma social no contexto da ordem
econômica capitalista existente. Porém,
Georg Von Hörtling afirmava que nem do
direito natural se podia derivar uma ordem
social e econômica concreta, válida para
sempre, mas somente de uma concepção do
homem de alguns princípios sociais que
estão de acordo com ela e de certas
afirmações fundamentais relacionadas com
ela sobre a ordem do setor cultural. Disso
nasciam direitos irrenunciáveis dos
operários. (Almeida, 1994).
Tanto no pensamento conservador laico
como no confessional, havia um
reconhecimento da pobreza, nas sociedades
pré-industriais, “só que esta era considerada
como um fato natural e necessário para
tornar os pobres laboriosos e úteis à
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
32
acumulação de riquezas das nações em
formação, agora ela deveria ser enfrentada e
resolvida para benefício, inclusive, do
progresso material em ascensão” (Pereira,
1999, p. 51).
Outro ponto em comum, é que ambos têm
em a idéia de reforma moral do homem e da
sociedade. “De fato, no âmbito do
pensamento conservador – a questão social,
numa operação simultânea à sua
naturalização, é convertida em objeto de ação
moralizadora, E, em ambos os casos, o
enfrentamento das suas manifestações deve
ser função de um programa de reformas que
preserve, antes de tudo e mais, a propriedade
privada dos meios de produção. Mais
precisamente: o cuidado com as
manifestações da “questão social” é
expressamente desvinculado de qualquer
medida tendente a problematizar a ordem
econômico-social estabelecida; trata-se de
combater as manifestações da “questão
social” sem tocar nos fundamentos da
sociedade burguesa. Tem-se aqui,
obviamente, um reformismo para conservar”
(Netto, 2001).
Para Iamamoto (2001, p. 17), a tendência
de naturalizar a questão social é
acompanhada da transformação de suas
manifestações em objeto de programas
assistências, “focalizados de combate à
pobreza ou em expressões da violência dos
pobres, cuja resposta é a segurança e a
repressão oficiais”. Na atualidade, as
propostas imediatas para enfrentar a questão
social no país atualizam a articulação
assistência focalizada/repressão, com o
reforço do braço coercitivo do Estado em
detrimento da construção do consenso
necessário ao regime democrático, o que é
motivo de inquietação.
Após esta breve análise e respaldadas nos
autores da perspectiva histórico-crítica não
queremos dizer que antes da sociedade
industrial, o pauperismo não existisse e que
formas institucionalizadas de regulações
governamentais estivessem ausentes. A
história da proteção social revela que, desde
o século XIV, existiam intervenções públicas
que passavam da assistência aos indigentes
até a repressão à vagabundagem, indo pela
regulação estatal da organização do trabalho
e da mobilidade espasmódica dos
trabalhadores. Porém, isso acontecia porque
nas sociedades pré-industriais já existiam
questões sociais que, assim como as
posteriores, constituíam ameaça à ordem
instituída, dada a pressão exercida por
aqueles que não encontravam nessa ordem o
seu lugar a partir da organização do trabalho.
A questão social da fase industrial se
diferencia, em relação à da fase precedente
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
33
não só na complexidade dos desafios que
colocam a ordem instituída, mas no
surgimento de novos atores e conflitos e,
conseqüentemente, de um novo status
assumido pelo social no âmbito do sistema
econômico e da organização política. Em
outras palavras, reside no surgimento de um
novo tipo de regulação social que, não
conhecendo precedentes na história, rege-se
pelo estatuto do direito do cidadão e do dever
do Estado. A partir daí, o vínculo social e o
vínculo cívico se confundem e se afirmam
como uma marca que irá caracterizar o
conteúdo e a expressão das políticas sociais
a partir do final do século XIX.
Esse processo está embutido nas leis do
movimento do capitalismo que deram nova
apresentação à questão social explicitada no
século XIX. Onde esta questão se revela
como um processo tenso e contraditório, que
pôs, desde os seus primórdios, em confronto
duas forças contrárias: a idéia liberal, avessa
ao protecionismo econômico ou a regulação
social e a idéia de autodefesa dos
trabalhadores industriais contra o despotismo
do mercado livre, que exige o desmonte dos
esquemas paternalistas e repressivos de
proteção social prevalecentes e a criação de
novas modalidades de regulação social, entre
elas a legislação fabril.
As vanguardas trabalhadoras acederam no
seu processo de luta, à consciência política
de que a “questão social” está
necessariamente colada à sociedade
burguesa: somente a supressão desta
conduz à supressão daquela. Mas
consciência política não é o mesmo que
compreensão teórica – e o movimento dos
trabalhadores tardaria ainda alguns anos a
encontrar os instrumentos teóricos e
metodológicos para apreender a gênese, a
constituição e os processos de reprodução
da questão social (Netto, 2001, p. 44).
Analisaremos agora o significado da
"questão social" no pensamento
revolucionário histórico-critico
(Marxista/Comunista), que considera ser a
questão social indissociável do processo de
acumulação e dos efeitos que produz sobre o
conjunto das classes trabalhadoras, o que se
encontra na base da exigência de políticas
sociais públicas.
Perspectiva Teórica: Revolucionária
Histórico-Critica (Marxista/Comunista)
A perspectiva de análise do pensamento
revolucionário que tinha como maiores
expoentes Marx e Engels é contrária a
qualquer idéia de reforma, propondo uma
crítica ao sistema capitalista e estabelecendo
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
34
como meio de enfrentamento da questão
social, uma única possibilidade: a superação
da ordem burguesa.
Para Iamamoto (2001), a expressão
questão social embora estranha ao universo
marxiano, já que tinha sido cunhada por volta
de 1830, traduz processos sociais que se
encontram no centro da análise de Marx
sobre a sociedade capitalista. Nesta tradição
intelectual, o regime capitalista de produção é
tanto um processo de produção das
condições materiais da vida humana, quanto
um processo que se desenvolve imbricada
nas relações sociais e histórico-econômicas
- de produções específicas. Em sua dinâmica
produz e reproduz seus expoentes: suas
condições materiais de existência, as
relações sociais contraditórias e formas
sociais através das quais se expressam.
Existe, dessa forma, uma inseparável relação
entre a produção dos bens materiais e a
forma econômico-social em que é realizada,
isto é, a totalidade das relações entre os
homens em uma sociedade historicamente
particular, regulada pelo desenvolvimento das
forças produtivas do trabalho social.
A análise da questão social na perspectiva
histórico-crítica se distância dos
desdobramentos dos problemas sociais que
a ordem burguesa herdou ou com os traços
invariáveis da sociedade humana. Assim, se
aproxima, principalmente, da sociedade
constituída pelo capitalismo. Neste sentido, a
expressão questão social passou a ser
utilizada pelos revolucionários com um novo
sentido, como observa Netto (2001, p.44):
“A partir daí, o pensamento revolucionário
passou a identificar, na própria expressão
“questão social”, uma tergiversação
conservadora, e a só empregá-la indicando
este traço mistificador”.
Atualmente, vivemos um processo de
despolitização da questão social, como
expressão de relações de classe e nessa
direção a mesma caminha para a sua
desqualificação como questão pública,
questão política, questão nacional, numa
sociedade privatizada que desloca a pobreza,
segundo Yazbek (2001, p. 37), para “o lugar
da não política, onde é figurada como um
dado ser administrado tecnicamente ou
gerido pelas práticas da filantropia”.
Considerações Gerais
Após esta breve reflexão de apreensão da
questão social e das suas perspectivas
teórico de análise podemos atentar que estes
diferentes modos de concepção estão
presentes até hoje na sociedade
contemporânea e não devem deixar de ser
considerados em qualquer estudo que
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
35
busque o entendimento dos efeitos das atuais
políticas sociais públicas desenvolvidas
mundialmente e o seu rebatimento,
especificamente, na prática teórico-
metodológica do Serviço Social.
A minimização do Estado brasileiro,
defendida pela lógica neoliberal, frente à
crescente demanda oriunda do agravamento
da questão social, rebate contrariamente no
projeto ético-político dos assistentes sociais
comprometido com uma nova ordem
societária, materializado pelo Código de Ética
Profissional de 1993, pela Lei 8662/93 de
Regulamentação da Profissão e pelas
diretrizes curriculares da ABEPSS, já que tal
projeto é a afirmação de um Serviço Social
comprometido com a democracia, igualdade,
justiça social, universalização do acesso a
bens e serviços concernentes às políticas
sociais.
Isso nos leva inicialmente à busca do
entendimento da relação/papel entre as
políticas sociais e modo de produção
capitalista, iniciado a partir das primeiras
décadas do século XX, quando o fenômeno
da questão social agravou-se na sociedade
brasileira, como resultado do conflito
capital/trabalho e da intensificação do
processo de industrialização, passando a
exigir do Estado a sua intervenção através da
gestão e implementação das políticas
sociais. Isso representou para o Serviço
Social a oportunidade de se transformar num
dos mecanismos de controle e manutenção
da força de trabalho utilizado pelo Estado na
execução das políticas sociais, deixando de
ser uma atividade basicamente caritativa e
filantrópica, de caráter privado ou
confessional.
As políticas sociais e Serviço Social se
desenvolvem numa realidade social em
constante movimento. Isso implica conhecer
as múltiplas determinações e as relações
dessa totalidade viva, dinâmica, contraditória,
percebendo as transformações sociais
historicamente, sem cortes temporais fixos,
numa relação dialética, não simplesmente
como uma sucessão de fatos.
De acordo com Iamamoto& Carvalho
(1995), com a intervenção do Estado na
questão social6 criou-se um mercado de
trabalho para o assistente social,
transformando-o num profissional
assalariado, contratado pelo Estado e pelo
patronato, tendo como alvo de sua atuação a
parcela da classe trabalhadora que tem
acesso aos organismos que veiculam os
chamados serviços sociais.
6 Entendida como o conjunto de “expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado” (Iamamoto& Carvalho, 1995:77).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
36
Isso posto, ressaltamos a necessidade de
apreensão da dinâmica do capitalismo como
questão de fundo já que no mesmo as
políticas sociais, dada a sua complexidade e
contraditoriedade, podem se apresentar
como conquista dos trabalhadores ou como
mecanismos de manutenção e de
conformação da força de trabalho, seguindo
a concepção do Estado liberal7 e da ideologia
dominante. Desse modo, representam
movimentos que buscam atender aos
interesses imediatos dos trabalhadores,
através da absorção das tensões e dos
conflitos sociais, que podem pôr em risco à
lógica da exploração e da desigualdade
social, que são próprios do modo de
produção capitalista.
Referências
ALMEIDA, L. M. Consciência Social: A
história de um processo através da
Doutrina Social da Igreja. Editora Unisinos,
1994;
7 Conforme Silva (1999:60), as características do modelo de Estado liberal permitem denominá-lode residual. Nele prevalece a concepção de que a ação estatal justifica-se para suprir insuficiências do mercado, junto a certos segmentos sociais. A política social é seletiva. Há duas formas de estímulo ao mercado. Passivo pela contenção dos serviços sociais, forçando o retorno ao trabalho. Ativo, pelas medidas em favor do seguro privado. A assistência social é prestada aos comprovadamente pobres, com caráter tópico e residual.
DURKHEIM, Èmile e WEBER, Max.
Socialismo. Rio de Janeiro: Dumará, 1993;
IAMAMOTO, M. A questão social no
capitalismo. Revista Temporalis, nº 3,
ABEPSS, 2001, p. 09 – 32;
NETTO, J. P. Cinco Notas a propósito da
“questão social”. Revista Temporalis, n. 3,
ABEPSS, 2001, p.41 – 49;
PEREIRA, P.A P. Questão social, serviço
social e direitos de cidadania. Revista
Temporalis, nº 3, ABEPSS, 2001, p. 51 – 60;
YAZBEK, M. C. Pobreza e exclusão social:
expressão da questão social no Brasil.
Revista Temporalis, nº 3, ABEPSS, 2001, p.
33 – 39.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
37
Capítulo IV
Importância da Biossegurança em
Odontologia [ Odontologia ]
IMPORTÂNCIA DA BIOSSEGURANÇA EM
ODONTOLOGIA
IMPORTANCE OF DENTAL BIOSAFETY
Iza Teixeira Alves Peixoto1 Adriana dos Anjos Ferreira2
Mônica Maria Lemos Pereira3 Juliana Santos de Carvalho Monteiro4
RESUMO
O objetivo dessa revisão de literatura é
informar o cirurgião-dentista sobre a
importância da biossegurança, na prática
clínica, visto que há uma crescente
preocupação em segurança de trabalho,
buscando evitar acidentes e a prevenção de
doenças, aliada à qualidade de atendimento.
Assim, o presente estudo faz uma
abordagem que envolve os riscos que os
profissionais e pacientes estão expostos a
doenças infecto contagiosas, os
equipamentos de proteção individual e como
prevenir estes riscos. A importância da
biossegurança deve ser de todos os
profissionais de saúde, desde aspectos
preventivos, como prevenção de infecção
1 Doutora em Microbiologia e Imunologia, Professora da Disciplina de Microbiologia Bucal da Universidade Regional da Bahia - UNIRB
2 Graduada em Enfermagem, aluna do curso de Odontologia da Universidade Regional da Bahia - UNIRB 3 Especialista em Saúde Coletiva e Especialista em Saúde da Família, Professora Gestora da Clínica-Escola de Odontologia – UNIRB. 4 Doutora em Odontologia, Professora da Disciplina de Anatomia Especial da Universidade Regional da Bahia - UNIRB
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
38
cruzada, até aspectos ambientais, como o
cuidado com os resíduos que são gerados,
bem como o descarte adequado.
ABSTRACT
This is study review literature in objective to
report dentist on the importance of biosafety
in dental practice, since there is a growing
concern for safety and search for quality by
professionals of dentistry and many areas of
health. This article presents an approach
surrounding risks from what professionals
and patients are exposed cites the infectious
diseases e and the personal protective
equipment, even measures to prevent these
risks. It is concluded that the importance of
biosecurity should be for all professionals
involved in the issues that permeate from
prevention of cross infection to care for the
waste that is generated as well as proper
disposal.
Palavras-chave: Odontologia,
Biossegurança, Controle de Infecções,
Equipamento de Proteção Individual.
Key words: Dentistry, Biosafety, infection
control, protective equipment.
Introdução
“A biossegurança envolve um conjunto de
condutas e medidas técnicas, administrativas
e educacionais que devem ser empregadas
por profissionais da área de saúde ou afins,
para prevenir acidentes e contaminação
cruzada em ambientes biotecnológicos,
hospitalares e clínicas ambulatoriais”
(PINELLIet al., 2011). “A biossegurança é
uma área de conhecimento que impõe
desafios à equipe de saúde, por requerer um
campo de conhecimentos e um conjunto de
práticas e ações técnicas, com
preocupações sociais e ambientais,
destinados a conhecer e controlar os riscos
que o trabalho pode oferecer ao ambiente e à
vida” (ANDRADE & SANNA, 2007).
Dentre as diversas mudanças ocorridas
nos últimos anos pelo Controle das Infecções
Hospitalares, houve a introdução do uso de
equipamento de proteção individual (EPI), na
assistência aos pacientes, independente do
diagnóstico ou presumível estado de
infecção. Além disso, a simplificação das
medidas de isolamento, que passaram a
duas categorias: precauções por rota de
transmissão e precaução padrão, também
foram importantes medidas de
biossegurança, bem como o estímulo à
imunização dos profissionais contra hepatite,
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
39
tétano e outras infecções, dependendo dos
riscos institucionais (MARTINS, 2001).
É importante considerar que, com advento
da SIDA, (Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida), em 1981 e o primeiro relato de
contágio acidental ocupacional em
profissionais de saúde em 1984, aumentou a
preocupação com a biossegurança. Em 1987
foram instaura as Precauções Universais
como recomendações do CDC (Centers for
DiseaseControlandPrevention), decorrente do
desconhecimento sobre as medidas de
biossegurança, que os profissionais deveriam
tomar para prevenção da transmissão do HIV
e do vírus da hepatite B. Frente a estes
fatores, estudos mais profundos sobre os
riscos ocupacionais iniciaram-se nesta
mesma década, juntamente com as portarias
ministeriais que normatizaram o assunto
(ANDRADE & SANNA, 2007).
As doenças infectocontagiosas se
destacam como as principais fontes de
transmissão de microorganismos para
pacientes e para profissionais. Outra
importante fonte de contaminação refere-se
ao contato direto com fluidos corpóreos
durante a realização de procedimentos
invasivos ou através da manipulação de
artigos, roupas, lixo e até mesmo as
superfícies contaminadas, sem que medidas
de biossegurança sejam utilizadas. Embora o
Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), e o
Vírus da Hepatite B tenham recebido maior
destaque nas últimas duas décadas, pelo
menos outros vinte microorganismos
patogênicos podem ser transmitidos por
feridas com perfuração associadas a picadas
de agulha e lesões por objetos perfuro
cortantes. O risco de contaminação após
exposição percutânea pelo HIV é de
aproximadamente 0,3 % proporcional ao
inoculo, à extensão e à profundidade da lesão
(SHEIDTI, 2006).
Assim o objetivo desse trabalho foi
realizar uma revisão de literatura, na
perspectiva de esclarecer o cirurgião-
dentista, sobre a importância da
biossegurança na práticaOdontológica.
A importância da Biossegurança na prática
dos profissionais de Odontologia
Na área da saúde, a adoção de normas de
biossegurança no trabalho é condição
fundamental para a segurança dos
trabalhadores, qualquer que seja a área de
atuação. Entre os riscos ocupacionais a que
os trabalhadores se tornam expostos,
podemos citar a contaminação pelo vírus do
HIV e vírus da hepatite B, que pode ser mais
alarmante quando nenhuma medida
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
40
profilática é adotada (ANDRADE & SANNA,
2007).
De acordo com o Ministério da Saúde
(2000), as estatísticas de contaminação
pelas hepatites virais, HIV e pela tuberculose
entre trabalhadores da saúde após acidentes,
são escassas. Estudos têm demonstrado que
a contaminação de profissionais pelo HIV em
acidentes pode ser evitada, se forem
adotadas medidas de biossegurança.
Os riscos de aquisição ocupacional da
Hepatite B e C são estimados entre 6% a 30%
e 3% a 10%, respectivamente. Vale ressaltar
que, em relação à Hepatite B, a vacina é
segura e eficaz, e seu uso é obrigatório pelos
profissionais de saúde. Quanto à Hepatite C,
não existe vacina, e o uso de imunoglobulina
não confere proteção. Esse fato fortalece a
necessidade da aquisição das normas de
biossegurança pelos profissionais, incluindo
adequado uso dos EPI. Quando não for
possível eliminar ou controlar o risco na
fonte, utilizam-se os equipamentos de
proteção coletiva (EPC) (SHEIDTI, 2006).
Dentro da Odontologia, os acadêmicos
têm sido apontados como o grupo para o
qual a educação em biossegurança e
controle de infecção cruzada são
imprescindíveis para correto treinamento e
cumprimento dos protocolos rotineiramente
(PINELLI etall, 2011).
A prevenção da infecção cruzada é
aspecto crucial na prática odontológica. Os
profissionais que trabalham nessa área
devem adotar rotinas básicas de prevenção
durante o trabalho, pois promovem proteção
da equipe, pacientes e ambientes e de
assistência odontológicas, minimizando o
risco de transmissão de doenças
infectocontagiosas (PINELLI etall, 2011). O
fator de prevenção mais importante é a
atitude que cada indivíduo adota, graças a
um processo educativo (ANDRADE &
SANNA, 2007). Entretanto, a literatura sobre
biossegurança em odontologia tem
mostrado, por meio de análise quantitativa,
que o grau de obediência do próprio
profissional aos protocolos é variável, seja
para medidas de proteção individual, seja
para medidas de proteção coletiva (PINELLI
etall, 2011).
Medidas de Precauções Universais ou
medidas padrão
As medidas de precauções universais
representam um conjunto de medidas de
controle de infecção, para ser adotada
universalmente, como forma eficaz de
redução do risco ocupacional e transmissão
de microorganismos nos serviços de saúde
(MARTINS, 2001).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
41
As precauções universais incluem: a) Uso
de barreiras ou equipamentos de proteção
universais (EPI); b) Prevenção de exposição
a sangue e fluidos corpóreos; c) Prevenção
de acidentes com instrumentos perfuro
cortantes; d) Manejo adequado dos acidentes
de trabalho que envolva a exposição a
sangue e fluidos orgânicos; e ) Manejo
adequado de procedimentos de
descontaminação e do destino de dejetos e
resíduos nos serviços de saúde.
A finalidade dos EPI é reduzir a exposição
do profissional a sangue e fluídos corpóreos,
as luvas são indicadas sempre que houver
possibilidades de contato com sangue,
secreções e excreções, com mucosa ou pele
não íntegra. As máscaras, gorro e óculos de
proteção devem ser usados na realização de
procedimentos em que haja possibilidade de
respingo de sangue ou outros fluidos
corpóreos nas mucosas da boca, do nariz e
dos olhos do profissional. Já os aventais são
recomendados nos procedimentos com
possibilidades de contato com material
biológico, inclusive superfícies
contaminadas. O uso dos EPI de forma
combinada ou não, objetivando minimizar a
disseminação de microorganismos e proteger
áreas do corpo expostas a material
infectante, foi otimizado através de
precauções universais, também conhecidas
como básicas ou padrão. Seja qual for à
denominação utilizada, refere-se às
precauções com sangue e líquidos corporais
(SHEIDTI, 2006).
Em um trabalho realizado por cirurgiões
dentistas em 10 bairros do município de João
Pessoa- Paraíba, onde avaliou o
comportamento dos CD em relação à
utilização do EPI, no controle de infecção no
atendimento odontológico em clínicas
privadas, constatou que: Em relação ao EPI,
95,8% usavam luvas; 94,9 % usavam
máscaras; 27,1% gorro, 80,5% óculos; 72,9
% avental. Apenas 21,2 % utilizavam EPI
completo. Os profissionais que foram
acometidos por hepatite foram 15,4% e
pacientes com AIDS foram atendidos por
22,4 % dos profissionais (ROSA, 2001).
A portaria CVS-11 de 04/07/95 e a
Resolução SSI86 de 19/07/95 vieram
normatizar os procedimentos de bioproteção
necessários ao controle das doenças
transmissíveis em consultórios
odontológicos. Porém em um estudo feito
por Gonçalves e eta.l (1996), verificou que
tais medidas demandam tempo, acarretam
um curso adicional ao CD e a necessidade de
pessoal auxiliar, fatores estes que dificultam
a aplicação prática das disposições
impostas, frente a uma odontologia
predominantemente de grupo e serviços
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
42
públicos despreparados de um protocolo
desse porte.
De acordo com Almeida (2003), após
realizar um estudo epidemiológico numa
regional de saúde do Estado de São Paulo,
envolvendo 21 municípios no período de
2000 a 2001, com o objetivo de verificar as
características dos trabalhadores e avaliar as
características dos acidentes ocupacionais e
identificar a adesão a quimioprofilaxia contra
o vírus da imunodeficiência humana e os
exames de seguimento protocolares dos
trabalhadores da saúde pós-exposição a
fluidos orgânicos humanos, com riscos aos
agentes infecciosos como o HIV, ao vírus da
hepatite B, e da hepatite C. A população
constituiu em 172 acidentados no ano de
2000, e 207 em 2001. Os resultados
mostraram que os acidentes aconteceram
majoritariamente entre as mulheres, com 79
% nos dois anos estudados; a faixa etária
predominante foi entre 20 e 49 anos em mais
de 90 % dos acidentados, a categoria mais
acometida foi a equipe de enfermagem com
68 % em (2000) e 74 % em (2001), o
material biológico envolvido foi o sangue em
87 % do total de acidentes. Mais de 70% dos
acidentados referiram esquema completo
para hepatite B, e quanto a adesão de
quimioprofilaxia contra HIV, dos 57 % e 43 %
(2000 e 2001), dos acidentados que
necessitaram de quimioprofilaxia, 12 %
recusaram a medicação no primeiro ano e
1,3% no segundo ano de estudo, sendo
considerados aderentes por terem tomado a
medicação por mais de 22 dias, 57,9 % no
primeiro ano e 59,7% no segundo ano.
O gerenciamento de risco hospitalar é um
processo inter e transdiciplinar que associa o
conhecimento da administração,
enfermagem, medicina, farmácia, direito,
odontologia, engenharia clínica e ambiental
entre outros. Um estudo realizado em São
Paulo por um grupo de especialistas que tem
dedicado parte das suas vidas ao estudo das
complexas relações entre a assistência,
segurança e controle de riscos bem como a
repercussão de prestação de cuidados gerou
como produto final um livro que propõe
ferramentas, métodos e apresenta práticas
para possibilitar ações de excelência e a
superação das expectativas, garantindo a
segurança do paciente, visitante, profissional,
do meio ambiente comunidade usuária e
imagem da organização de saúde
(FELDMAN,2009).
Considerações finais
Diante do exposto, evidencia-se que a
biossegurança é muito importante, tomando
proporções que vão além do profissional de
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
43
odontologia, pois a cada dia se alargam as
discussões acerca de temas envolvendo
biossegurança e biotecnologia, e a
importância deve ser de todos os
profissionais envolvidos nas questões que
perpassam, desde a prevenção de infecção
cruzada, até o cuidado com os resíduos que
são gerados, bem como o descarte
adequado destes resíduos que são gerados
pelos profissionais na ocasião da sua
profissão.
Referências
ANDRADE, A.C. & SANNA. M. C. Ensino de
Biossegurança na Graduação em
Enfermagem: uma revisão da literatura. Ver.
Brasileira. Enfermagem. V.60 n. 5.Brasília
set/out.2007.
ALMEIDA, C.A.F. Acidente de trabalho:
adesão a quimioprofilaxia dos trabalhadores
da saúde por exposição a material biológico
humano ; Campinas; s.n; 2003. 141p.
BRASIL. Ministério da Saúde, Secretária de
políticas de Saúde. Coordenação Nacional de
DST e Aids.Controle de infecções na prática
odontológica em tempos de AIDS: manual e
condutas. Brasília: Ministério da saúde, 2000.
118p.
FELDMAN, L.B. Gestão de risco e segurança
hospitalar: prevenção de danos ao paciente,
notificação, auditoria, de risco, aplicabilidade
de ferramentas, monitoramento; São Paulo;
Martinari; 2009.391p.
GONÇALVES,M.R. Biossegurança do
exercício da odontologia. RPG, ver. Pós-
graduação; 3 (3): 242 – 5, jul – set. 1996.
MARTINS. M. A. Manual de infecção
hospitalar. Epidemiologia , prevenção,
controle. 2 ed. Rio de Janeiro: medsi, 2001.
116p.
PINELLI.C. etall. Biossegurança e
odontologia: crenças e atitudes de
graduandos sobre o controle da infecção
cruzada. Saúde soc. Vol.20 nº 2. São Paulo.
Apr/June 2011.
ROSA. M. R. D. et all. Comportamento dos
cirurgiões dentistas em relação a utilização
do equipamento de proteção individual (EPI)
no controle de infecções. Ver.bras.ciências
saúde; 5 (2) : 125 – 130. 2001
SHEIDTI, K.L.S. As Ações de Biossegurança
Implementadas pelas Comissões de Controle
de Infecções Hospitalares. Ver. Enferm.
UERJ. v. 14 n. 13 Rio de Janeiro set. 2006.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
44
Capítulo V
O Trabalho Precarizado no
Estágio Supervisionado em Serviço Social
[ Odontologia ]
O TRABALHO PRECARIZADO NO
ESTÁGIOSUPERVISIONADO EM SERVIÇO
SOCIAL
Liege Maria da Silva Servo1
RESUMO:
Estudo bibliográfico que teve como objetivo
contribuir para reflexão das condições de
trabalho dos supervisores de estágio em
Serviço Social. Sinaliza queas mudanças
provocadas pela reestruturação produtiva e
pelo neoliberalismo afetam o trabalho da
assistente social no exercício da função
privativa de supervisão de estágio em Serviço
Social. A supervisão de estágio exige reflexão
sobre fundamentos éticos, políticos, teóricos e
metodológicos que informam o fazer
profissional e a articulação do arcabouço
teórico do Serviço Social. Nesta perspectiva,
aponta que o acesso desenfreado a
Instituições de Ensino Superior, particulares
presenciais e a distância, e a precarização do
trabalho docente, inclusive na supervisão de
estágio,exigem da categoria profissional ações
em defesa do Projeto Ético Político.
Palavras-chave: Serviço social; Trabalho;
Estágio supervisionado; Reestruturação
produtiva.
1 Assistente Social. Professora. Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania. Email [email protected] Autora
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
45
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
46
INTRODUÇÃO
No Brasil, as mudanças ocorridas nas
últimas décadas no mundo do trabalho2 e na
organizaçãodo Estado, da cultura e da
sociedade civil, modificaram o processo e as
relações de trabalho. O país vive um processo
de flexibilidade e precariedade dos vínculos
empregatícios, com a perspectiva de
desemprego estrutural apontada para a maioria
dos trabalhadores. O padrão fordista de
produção vem sendo amplamente substituído
pelas formas produtivas flexibilizadas e
desregulamentadas (ANTUNES, 2000).
A hegemonia do modo de produção fordista
caracterizava-se pela produção em massa para
consumo em massa e pela intervenção do
Estado sobre o mercado, desenvolvendo
políticas sociais e econômicas para garantir o
crescimento econômico e o pleno emprego.
Porém, a produção em massa dinamizou a
extração de mais valia e gerou uma crise na
acumulação de capital, resultando na
reestruturação produtiva.
Segundo Harvey (1996), a presença de
grandes excedentes de capital nos países
centrais, no final dos anos 60 e início dos 70,
sinalizava em direção a um novo período de
2O mundo do trabalho considerado espaço deprodução e da reprodução da vida material que traz como conseqüência a intensa exploração do trabalhador no processo de venda da sua força de trabalho.
crise, movimento de caráter cíclico, dentro do
modo de produção capitalista. Aponta como
razões para a reestruturação produtiva neste
período a capacidade ociosa na indústria, o
excesso de mercadorias e estoques, a queda
da produtividade e do lucro, a competição
internacional e os efeitos da crise do petróleo.
A reestruturação produtiva surge como uma
forma mais flexível de organização da
produção e dos contratos de trabalho.
Caracteriza-se pela terceirização da produção,
crescimento dos setores de serviços e de
comércio, utilização da microeletrônica, da
informática e da robótica, auto-organização do
trabalho, pluriespecialização e fiscalização da
qualidade da produção pelos trabalhadores.
Esse regime de produção não se
desenvolveu no mundo de forma homogênea.
Observa-se a convivência da forma de
produção em massa, com baixo conteúdo
tecnológico e utilização intensiva de mão-de-
obra de baixa qualificação, realizando trabalho
fragmentado e rotineiro com sistemas de
trabalho doméstico. Existem também
alternativas de combinação entre novas
tecnologias e novos desenhos organizacionais
nas empresas modernas em diferentes países
e a convivência, num mesmo país, de diversas
estratégias de produção e organização do
trabalho, podendo coexistir, lado a lado, numa
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
47
mesma empresa, tradicionais linhas de
montagem junto a células de produção.
Os diversos modelos de organização da
produção e do trabalho desenvolveram-se em
momentos distintos, sob determinadas
condições econômicas e sociais e estão
sujeitos a adaptações, mesmo em seus países
de origem. Exemplos clássicos das diversas
formas de reorganização da produção e do
trabalho são o “modelo japonês” de produção,
a configuração de empresas em “distritos
industriais” e os sistemas de co-determinação
sueco e alemão que funcionamde forma
acoplada à produção em massa. (LOMBARDI,
2007, p.66).
As principais conseqüências da
reestruturação produtiva no mundo do trabalho
são a perda de direitos sociais pelos
trabalhadores e a degradação crescente do
meio ambiente. Observa-se a expansão do
neoliberalismo e conseqüente crise do Estado
Social. A reestruturação produtiva se
aprofunda e redefine com o neoliberalismo.
Neste sentido, Borges (2007, p.84) reporta
que: “Facilitada pela mudança na correlação de
forças entre o capital e o trabalho, a
precarização dos postos de trabalho resultou
no movimento de flexibilização dos vínculos
empregatícios e dos postos de trabalho”.
Estas transformações societárias, os novos
padrões de produção e as mudanças no
mundo do trabalho, nos mais diversos campos
da vida social, atingem o Serviço Social e
exigem modificaçõesno processo de formação
profissional do assistente social. Exigem
pesquisam cujos objetos de estudo sejam
asmudanças do espaço ocupacional do
Assistente Social, temática relevante para a
análise das transformações impostas pelas
novas tendências da sociedade
contemporânea e seu rebatimento na prática
do Serviço Social.
A discussão sobre o estágio supervisionado
em Serviço Social, no contexto de
precarização e de desregulamentação do
trabalho e de redução dos direitos sociais, se
apresenta em defesa da formação profissional
em consonância com o projeto-ético político
do Serviço Social. Desse modo, este artigo
relacionado ao objeto de pesquisa da
dissertação de mestrado da autora, ora
intitulado “Formação e trabalho no estágio
supervisionado de Serviço Social: o olhar dos
atores envolvidos” apresenta reflexões
advindas da experiência docente e de
supervisão de estágio de Serviço Social.
Visa contribuir para a reflexão sobre a
influência das mudanças societárias da
atualidade no processo de formação
profissional da assistente social,
particularmente no estágio supervisionado.
Aborda questões e faz proposições tendo por
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
48
referênciao processo de trabalho do assistente
social supervisor de estágio e os princípios
fundamentais do Código de Ética Profissional,
a Lei de Regulamentação da profissão e o
projeto ético político do Serviço Social.
O presente estudo pretende responder ao
seguinte questionamento: como se dá
supervisão de estágio no processo de
reestruturação produtiva na área da saúde em
tempos neoliberais segundo a literatura
brasileira e a experiência vivida pela autora?
A relevância dessa investigação consiste na
construção do conhecimento sobre o mundo
do trabalho do assistente social na
contemporaneidade e seu posicionamento
frente ao Estágio Supervisionado, contribuindo
para a reflexão e o debate sobre o trabalho do
supervisor no processo de formação
profissional. Assim, o objetivo estabelecido
para este estudo épromover reflexões sobre a
influência da reestruturação produtiva e do
neoliberalismo na articulação da materialização
do projeto ético político do Serviço Social no
Estágio Supervisionado segundo a literatura
brasileira.
DESENVOLVIMENTO
O Serviço Social, como profissão inserida
na divisão social e técnica do trabalho na
sociedade capitalista,intervém na realidade
social concreta e exige do profissional
constante reflexão e análise teórico-
metodológica da conjuntura e da questão
social presente. A “questão social”3 e suas
expressões, resultantes da relação conflituosa
entre capital x trabalho, afirma a necessidade
do conhecimento minucioso do assistente
social sobre o mundo do trabalho.
A inserção do assistente social no mundo
do trabalho se dá como realidade vivida e se
expressa como atividade determinada que
direciona o fazer profissional. No cotidiano de
trabalho, durante a viabilização de políticas,
programas e projetos sociais nos espaços
ocupacionais, o profissional intervém nas
refrações da questão social, geradas pela
contradição entre o capital e trabalho,
utilizando-se dos conhecimentos adquiridos na
formação profissional, como meio necessário
a realização de seu processo de trabalho4.
Assim, com base na teoria social marxista,
hegemônica na formação profissional, o
assistente social reconhece o trabalho como
3Segundo Iamamoto e Carvalho (1999, p. 77): “A questão social não é senão as expressões do processo deformação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão”.
4 Constituído pelos instrumentos de trabalho, o objeto em que se debruça a assistente social em sua intervenção profissional e a sua atividade de trabalho propriamente dita.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
49
fundamento da vida social. Dessa forma, o
processo de trabalho do assistente social é “a
atividade adequada a um fim, isto é, o próprio
trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho,
o objeto de trabalho; e os meios de trabalho, o
instrumental de trabalho”. (MARX, 1971,
p.202).
O assistente social é um trabalhador
assalariado, que vende sua força de trabalho
para alcançar meios de sobrevivência, sendo o
seu trabalho5 atingidopelas mudanças do
mundo do trabalho e das relações
estabelecidas entre Estado e sociedade civil.
Nesta perspectiva, a supervisão de estágio em
Serviço Social faz parte do trabalho
profissional, das condições objetivas dos
assistentes sociais, supervisores de campo e
acadêmicos. Trabalho compreendido como
práxis humana,material e não material,
constituindo um princípio educativo e,
portanto, não se encerrando na produção de
mercadorias. (Lewgoy, 2009).
De acordo com as Diretrizes Curriculares -
DC6 o estágio supervisionado caracteriza-se
5 “Processo de queparticipa o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”. (MARX, 1971) 6 Oestágio supervisionado se configura como elemento síntese na relação teoria-prática, na articulação entre pesquisa e intervenção profissional, e se consubstancia como exercício teórico-prático.
como “uma atividade curricular obrigatória que
se realiza na inserção do estudante no espaço
sócio-institucional com o objetivo decapacitá-
lo para o exercício do trabalho profissional, o
que pressupõe supervisão sistemática7”.
Portanto, o estágio supervisionado é um
momento de reflexão da prática e
deconstrução de uma postura profissional a
partir da crítica e da identificação das questões
presentes na conjuntura social. Neste sentido,
[...] a conjuntura não condiciona
unidirecionalmente as perspectivas
profissionais; todavia impõe limites e
possibilidades. Sempre existe um campo
para a ação dos sujeitos, para a proposição
de alternativas criadoras, inventivas,
resultantes da apropriação das
possibilidades e contradições presentes na
própria dinâmica da vida social
(IAMAMOTO, 1999, p.21).
O estágio ultrapassa as relações entre a
teoria e a prática e a universidade ea sociedade
e, sob orientação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional - LDB n. 9.394/96,
7 A supervisão sistemática é realizada pelo profissional assistente social atuante na instituição onde se realiza o estágio, designado de “supervisor de campo” e professor assistente social vinculado à Instituição de Ensino Superior, comumente designado “supervisor acadêmico”.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
50
vincula-se a relação educação e trabalho. Esta
vinculação compromete a formação
acadêmica, ao adequar-se à especialidade, a
competência e a técnica exigidas pelo mercado
de trabalho neoliberal.
Na atual conjuntura é de suma importância
a sintonia entre ocampo de estágio e a unidade
de ensino. Porém, a experiência me permite
identificar limites nas responsabilidades das
IES e dos campos de estágio no processo de
trabalho8 dos supervisores. Esses limites
dificultam a realização do estágio
supervisionado, sob orientação das Diretrizes
Curriculares - DC, da Política Nacional de
Estágio - PNE,9 da Lei de Regulamentação da
Profissão e do Código de Ética Profissional-
CEP.
Nos anos 90 do século passado, o avanço
do Estado neoliberal enfraqueceu as bases dos
sistemas de proteção social e redirecionou as
intervenções do Estado em relação à questão
social, subordinando o social ao econômico. O
“modelo” é um Estado que reconhece os
8 Segundo Lewgoy (2009, p124), a análise crítica do trabalho do assistente social no estágio supervisionado, permite percebercontradições presentes na supervisão como algo alheio ao trabalho profissional. Assim, pode ocorrer um processo de alienação, pois a lógica que impera nos espaços ocupacionais é a prestação de serviços. 9 Elaborada em 2010, pela Associação Brasileira de Pesquisa e Ensino em Serviço Social - ABEPSS, em decorrência das transformações societárias neoliberais contemporâneas, com a finalidade de fundamentar a importância do estágio supervisionado no processo de formação profissional.
direitos sociais constitucionais, mas direciona
suas ações sociais fiel ao neoliberalismo.
Há uma redução cada vez mais ampliada
das responsabilidades do Estado sobre a
seguridade social e os direitos sociais da
população. Nesta contradição, o Serviço Social
é requerido por novas manifestações e
expressões da questão social, pelos processos
de redefinição da proteção social e pela
emergência da política social. Nas relações de
trabalho enfrenta o neoliberalismo e a
globalização e suas graves conseqüências.
Com o enfraquecimento do Estado e o
desmonte das políticas sociais
públicas,transformações também têm ocorrido
no ensino de graduação em Serviço Social. O
acesso desenfreado a IES particulares
presenciais e a distânciae a precarização do
trabalho docente, inclusive na supervisão de
estágio, exigem da categoria profissional
ações em defesa do Projeto Ético Político.
Frente à ofensiva neoliberal, somente no
inicio do século XXI, é criada a Política
Nacional de Estágio - PNE, embora o estágio
supervisionado tenha sido discutido
anteriormente nos espaços de formação
profissional. Essa política surge danecessidade
de regulamentar o estágio e reforçar a direção
ético político da formação profissional, no
enfrentamento da mercantilização da
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
51
graduação em Serviço Social através do
Ensino a Distancia – EAD.
A presença do receituário neoliberal na
política de educação é uma forte ameaça a
materialização do Projeto Ético-Político do
Serviço Social. Dessa forma a PNE se
concretiza como conquista e avanço na área
de estágio, tendo porobjetivo combater a
precarização das relações de estágio.
A discussão sobre estágio supervisionado,
em tempos neoliberais e de precarização das
relações de trabalho, exige profunda análise
das condições objetivas de sua realização.
Essas análises contemplam desde as visitas
aos campos de estágio, as condições e
relações de trabalho nas Instituições de Ensino
Superior – IES e nas instituições sociais, a
gestão dapolítica institucional de estágio, até a
forma de contratação e remuneração do
professor.
A experiência como docente e assistente
social, no processo de supervisão acadêmica
e de campo na supervisão de estágio
emServiço Social possibilitou-me identificar
algumas deficiências que interferem
diretamente no trabalho dos supervisores e na
qualidade da formação profissional. Essas
deficiências caracterizam a precarização do
trabalho dos supervisores de estágio, apesar
da existência da PNE.
Em decorrência do fortalecimento
doneoliberalismo, as IES funcionam como
empresas e buscam maximizar sua
lucratividade, não disponibilizado recursos
financeiros ou de transporte para a supervisão
acadêmica. Assim, o supervisor acadêmico,
em sua maioria, quando se desloca com o
objetivo de realizar visitas institucionais, para
conhecimento da realidade do campo de
estágio, o faz com recursospróprios.
Percebe-se um número excessivo de
estagiários nos campos de estágio em
desrespeito a Resolução CFESS Nº 533, de 29
de setembro de 2008 que define que o limite
máximo de estagiários a serem
supervisionados não deverá exceder 1 (um)
estagiário para cada 10 (dez) horas semanais
de trabalho do supervisor de campo.
As IES também não obedecem ao que
recomenda a PNE10 quanto ao número de
estudantes matriculados nas disciplinas de
supervisão de estágio de que não deve
ultrapassar 15 (dez) estudantes por turma.
Dessa forma observo sobrecarga do trabalho
docente ao ministrar a Disciplina Estágio
Supervisionado em salas de aulas com
10 Elaborada em 2010, pela Associação Brasileira de Pesquisa e Ensino em Serviço Social - ABEPSS, em decorrência das transformações societárias neoliberais contemporâneas, com a finalidade de fundamentar a importância do estágio supervisionado no processo de formação profissional.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
52
número excessivo de estudantes e em
supervisar os estagiários nos diversificados
campos de estágio.
Além disso, o esforço físico e intelectual,
tanto do supervisor de campo quanto do
supervisor acadêmico,para a realização da
supervisão, muitas vezes ocorre fora do
período de trabalho, caracterizando trabalho
excedente do período remunerado, gerando a
demanda dos supervisores de campo por
remuneração da IES.
Essa demanda, utilizada para justificar a
negação do exercício da supervisão de campo,
não corresponde ao que preconiza a Lei de
Regulamentação da Profissão,ao deliberar que
“o treinamento, avaliação e supervisão direta
de estagiários de Serviço Social constituem
atribuições privativas do assistente social”.
Entendo que supervisionar estagiários de
Serviço Social é um compromisso ético-
político da categoria. A atitude relatada
evidencia o individualismo presente nas
relações de trabalho na atualidade, reforçando
assim o receituário neoliberal em tempos de
precarização das relações de trabalho,
afetando diretamente a materialização do
projeto ético político da categoria11.
11 O projeto ético político do Serviço Social apresenta a auto-
imagem da profissão, os valores que a legitimam socialmente
e seus objetivos e funções. Formula os requisitos teóricos,
O crescimento acelerado dos cursos de
graduação em Serviço Social na modalidade
do ensino a distância - EAD, respaldados pela
LDB/96, reafirmam presença da
mercantilização e do neoliberalismo na
educação. Neste sentido, França (2008, p.5)
observa quea educação assume um novo valor
e uma necessidade de adaptação às
necessidades do mercado por meio de
estratégias que atendam os interesses de
manutenção das condições de acumulação.
Assim, as IES privadas presenciais e a
distância surgem para atender aos interesses
da acumulação capitalista, em decorrência da
doutrina neoliberal e sua proposta de
intensificação das privatizações como política
pública.
Comumente, os docentes têm assumido as
coordenações de cursos de graduação e,
simultaneamente, a coordenação de estágio,
apesar da proposta de criação dessa
coordenação pela PNE. Dessa forma as IES
assumem o caráter de empresa capitalista,
intensificando a flexibilização do trabalho
docente, tornando o trabalhador da educação
institucionais e práticos, prescrevendo normas para o
comportamento dos profissionais, estabelecendo sua relação
com os usuários, com as outras profissões e com as
organizações sociais (NETTO, 1999).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
53
ainda mais precarizado e polivalente, em
conformidade com a reestruturação produtiva.
Enfim, o estágio supervisionado em Serviço
Social apresenta limites e desafios que vão
além de uma supervisão acadêmica (docente)
ou de campo (assistente social) que atenda as
questões da formação. Desafios da própria
dinâmica do trabalho do assistente social
frente à lógica neoliberal. Segundo Lewgoy, “a
supervisão de estagio em Serviço Social faz
parte do trabalho12 profissional; logo faz parte
das condições objetivas dos assistentes
sociais e do professor”. (2009, p. 110). Dessa
forma, exige que a educação seja
compreendida em suas múltiplas
determinações, em conformidade com o
desenvolvimento das forças produtivas e das
relações de produção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estágio supervisionado em Serviço Social
é uma exigência curricular, parte integrante da
formação profissional e momento privilegiado
da relação teoria - prática. Face às mudanças
contemporâneas no contexto de precarização e
desregulamentação do trabalho e redução dos
direitos sociais, a discussão do estágio
supervisionado torna-se estratégica na defesa
do projeto de formação profissional, sendo
fundamental o reconhecimento da importância
da supervisão como parte integrante do
processo de trabalho do Serviço Social.
A ideologia do capitalismo permite sua
sobrevivência na convivência com suas
próprias contradições. Em desafio às leis do
mercado, a formação profissional deve dirigir-
se para a construção de alternativas e
estratégias profissionais que contribuam para a
defesa dos interesses da classe trabalhadora,
opondo-se à redução da formação ao
desenvolvimento da racionalidade técnico e
instrumental.
A análise do estágio supervisionado
emServiço Social inserido nas atuais relações
sociais capitalistas requer o reconhecimento
de que esse exercício prático de formação
profissional representa simultaneamente a
mercantilização da força de trabalho e
processo de formação profissional.
O estágio supervisionado deve ultrapassar o
atendimento exclusivo das novas demandas do
mercado de trabalho, ampliando os horizontes
da formação do profissional com o
desenvolvimento de competências técnico-
operativas, compromisso ético-político e
12 Trabalho, entendido como práxis, princípio educativo que não se esgota na produção de mercadorias.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
54
sustentação teórico metodológica do Serviço
Social.
No contexto de precarização do trabalho
dos supervisores de estágio em Serviço Social
e de proliferação das instituições de ensino do
Serviço Social privadas, presenciais e virtuais,
torna-se difícil separar os interesses e
demandas do contratante da força de trabalho
dos supervisores, significando o estágio
exploração da força de trabalho para os
contratantes e espaço de formação
profissional para os supervisores.
Estas são reflexões para suscitar o debate
sobre o reconhecimento do assistente social
como trabalhador assalariado e sujeito,
independente de sua inserção profissional, aos
rebatimentos do modo de produção capitalista
na expansão do neoliberalismo e do regime de
reestruturação produtiva.
REFERÊNCIAS
ABES/CDEPSS. Diretrizes Gerais para o Curso
de Serviço Social. Formação Profissional:
trajetórias e desafios. Cadernos Abess. São
Paulo: Abess; Cortez, n. 7, 1997.
ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? Ensaio
sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho. São Paulo: Cortez,
1995BRASIL. Lei n? 8.662, de 7 de junho de
1993.
Regulamentação da Profissão de Assistente
Social. Diário da República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 8 jul.1993.
BORGES,Ângela. Mercado de Trabalho: mais
de uma década de precarização. In:A perda da
razão social do trabalho: terceirização e
globalização. São Paulo: Boitempo, 2007.
HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma
pesquisa sobre a modernidade, São Paulo:
Ed.Loyola, 1992.
IAMAMOTO, M. V. e CARVALHO, R. Relações
Sociais e Serviço Social no Brasil:
esboço de uma interpretação histórico-
metodológica. São Paulo, Cortez: 1982.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de
1993. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília,
DF,1996.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na
contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. São Paulo: Cortez, 1999.
LEWGOY, Alzira Maria Baptista. Supervisão de
Estágio em Serviço Social: desafios para a
formação profissional e o exercício
profissional. São Paulo: Cortez. 2009.
LOMBARDI, J.C.; SAVIANI, D; SANFELICE, J.L.
Capitalismo, trabalho e educação
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
55
(Orgs.) Campinas, SP: Autores Associados,
HISTEDBR, 2002.
NETTO, J. P. A construção do projeto ético-
político contemporâneo. In: Capacitação em
Serviço Social e Política Social. Módulo I.
Brasília: CEAD/ABEPSS/CFESS, 1999
MARX, K. O capital: crítica da economia
política. 19. ed., Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002a. Livro 1, v. 1-2.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
56
Capítulo VI
Práticas de leitura e Produção de Textos no Ambiente Escolar:
Algumas Possibilidades
PRÁTICAS DE LEITURA E PRODUÇÃO DE
TEXTOS NO AMBIENTE ESCOLAR: ALGUMAS
POSSIBILIDADES1
Por Selmo Alves2 [email protected]
Resumo
As práticas de leitura e produção de textos
orais e escritos na escola têm sido, cada dia
mais, desafiadoras para os professores. A
grande ocorrência de textos fora da escola,
carregados de múltiplas e atrativas formas de
apresentação e de múltiplos sentidos e
significados, acaba por esvaziar ou ameaçar,
de certo modo, o trabalho proposto pelos
professores. Por tais razões, faz-se necessária
uma melhor escuta sobre a temática da
produção textual no contexto escolar, revendo-
se concepções sobre texto e, sobretudo,
buscando-se adotar uma nova dinâmica, que
precisa e deve ser trazida para os espaços
escolares, a partir de pistas e possibilidades
sugeridas pelo mundo cada vez mais
movimentado e imagético3.
1 Recorte da tese intitulada A Presença da Oralidade na Escrita: Um estudo de caso com estudantes da 4.ª série do ensino fundamental de uma escola pública da Cidade do Salvador (BAHIA), defendida no ano de 2008;
2 Professor universitário das disciplinas Leitura e Produção Textuais e Língua Portuguesa; 3 O que se exprime por meio de figuras ou imagens (MARCUSE, 1982, p.140).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
57
Palavras-chave: Fala. Escrita. Texto.
Sociointeracionismo.
Abstract
The practice of reading and production of
spoken and written texts have been in school,
each day more challenging for teachers. The
high occurrence of out of school texts, loaded
with multiple shapes and attractive
presentation and multiple meanings, eventually
emptying or threatening in some ways, the
work proposed by the teachers. For these
reasons, it is necessary a better listening on
the topic of textual production in the school, is
reviewing conceptions of text and, above all,
trying to adopt a new dynamic, and that needs
to be brought to the school premises, from
clues and possibilities suggested by the
increasingly busy world and imagery.
Keywords:
Speech.Writing.Text.Sociointeractionists.
1. A LEITURA E A ESCRITA NO CONTEXTO
ESCOLAR
Linguagem é capacidade que têm os serem
humanos de usar qualquer sistema de sinais
significativos, expressando seus pensamentos,
sentimentos e experiências. O domínio da
linguagem oral e escrita é imprescindível para
o homem se comunicar no mundo em que
vive.
Tomando-se por base a ótica de Bakhtin
(2000, p. 156), “a linguagem é, ao mesmo
tempo, o lugar e o meio de interações sociais
constitutivas de qualquer conhecimento
humano”. Por isso, a escola precisa ensinar o
estudante a ler, escrever e a expressar-se
oralmente em todas as situações em que ele
se encontre, sendo tal domínio essencial para
o exercício da cidadania.
A leitura é um dos meios mais importantes
para a aquisição do conhecimento. Muitas
vezes, a leitura só possui um espaço na vida
das pessoas, quando se descobre a
necessidade de desenvolvê-la. Para quem quer
trabalhar dentro da área da educação, a leitura
torna-se um instrumento indispensável. Com
tantos acontecimentos novos, é necessário
que o educador esteja sempre atualizado com
todas as informações que são notícias. A
leitura não deve ficar só no estritamente
necessário. Deve-se criar o gosto de ler
sempre. Mas, geralmente, só quando o
estudante frequenta um curso superior, é que é
levado a ler um pouco mais para ter um melhor
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
58
desempenho nos estudos. No entanto, a
maioria dos acadêmicos, ao se formar, deixa
de lado as leituras mais complexas.
Do mesmo modo que a leitura, a escrita
também se torna uma obrigação na vida das
pessoas. E, mais do que a leitura, é
traumatizante. Há uma diferença muito grande
entre falar e escrever.
Geralmente, não há problemas quando se
fala, a não ser em situações formais. Os
problemas começam a surgir quando se tem
de produzir textos escritos. A concepção
histórica que se tem de escrever bem é de
escrever “certo”, é obedecer a regras e
normas da escrita e jamais cometer “erros
ortográficos”. Isso tudo poda as ideias e a
criatividade. Por tal motivo, em todos os
momentos se escutam pessoas dizerem que
não sabem escrever, que não conseguem pôr
suas ideias no papel. Não basta dominar as
regras gramaticais, escrever ortograficamente
de forma eficiente é ter argumentos e
pensamento críticos. E escrever nessa
perspectiva implica, necessariamente, saber
associar conteúdo e forma, bem como
expressar ideias, sentimentos e
conhecimentos nos textos que se escreve.
Apesar disso, a escola ainda estimula
pouco o desenvolvimento da linguagem,
apenas impondo aos estudantes, desde
crianças, um exagero de normas gramaticais,
normalmente associadas a exercícios
mecânicos e fragmentados, sem falar da
desvalorização das hipóteses linguísticas que a
criança elabora até a idade escolar.
Estudos sobre a aquisição da leitura e da
escrita, sobre o desenvolvimento da linguagem
e os diferentes dialetos são feitos atualmente
pela Psicolinguística, fazendo uma
diferenciação do que é erro ortográfico ou
gramatical de erro linguístico ou dialetal. Em
síntese, podemos dizer que Psicolinguística é
o estudo da psicologia da linguagem.
Em relação à linguagem, há divergências
entre Vygotsky e Piaget. Jefferson Luiz
Camargo faz uma análise da teoria de Piaget
na tradução de uma versão abreviada do
prefácio escrito por Vygotsky (apud
CAMARGO, 1993, p. 37):
Piaget, na pesquisa que realizou quanto à
linguagem, classificou-a em dois grupos: o
egocêntrico e o socializado. Na faia
egocêntrica, a criança fala para si como se
estivesse pensando alto. Não se preocupa em
saber se alguém ouviu, geralmente fala do que
está vendo ou acontecendo num determinado
momento. Na fala socializada, a criança tenta
realizar urna espécie de comunicação com os
outros: faz perguntas, pedidos, ameaças,
transmitem informações. Aos sete ou oito
anos, manifesta-se na criança o desejo de
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
59
trabalhar com outros, e a fala egocêntrica
desaparece. E mais do que isso, para Piaget
até mesmo a fala social é representada como
subseqüente e não anterior à fala egocêntrica,
partindo, assim, do “pensamento autista não-
verbal” à “fala socializada”.
Para Vygotsky, a fala egocêntrica é um
meio de “expressão” e de liberação da tensão,
tornando-se um instrumento do pensamento.
Para ele, a faia egocêntrica não desaparece,
transformando-se fala interior, estabelecendo-
se, assim, o esquema do desenvolvimento —
“primeiro fala social”, depois “egocêntrica” e,
então, “interior”, dependendo não só da idade
da criança, mas também das condições que a
cercam.
A linguagem existe porque se uniu um
pensamento a uma forma de expressão: um
significado a um significante. Essa unidade de
dupla face é o signo linguístico. Ele está na
fala, na escrita e na leitura como princípio da
própria linguagem, mas se atualiza em cada
um desses casos de maneira diferente”
(CAGLIARI, 1997 , p. 34).
Hoje, já se sabe que qualquer criança
normal aos sete anos consegue dominar a
língua com precisão, apresentando
dificuldades na aquisição da linguagem
somente as crianças com problemas
biológicos seriíssimos, causados por
patologias neurofisiológicas graves e, mesmo
assim, muitas vezes conseguem aprender a
linguagem ou reaprendê-la.
O professor precisa estar sempre atento
para diagnosticar o porquê de os estudantes
muitas vezes apresentarem dificuldades na
aprendizagem e o porquê de eles escreverem
de forma tão diversa da língua-padrão.
Ao se observar, por exemplo, que um
estudante escreve “capitu” em vez de
“eucalipto”, muito provavelmente aí entram
questões de ordem dialetal, ou seja, a escrita
estaria seguindo as regras de determinada
comunidade linguística. Confirmando o que diz
Luiz Carlos Cagliari (1997, p.13) em seu livro
Alfabetização e Lingüística,
Todo falante nativo usa sua língua
conforme as regras próprias de seu dialeto,
espelho da comunidade lingüística a que está
ligado. Naturalmente, há uma diferença entre o
modo de falar de um dialeto e de outro, ma
isso não significa que um dialeto tem suas
regras eoutro não, isto é, cada comunidade
lingüística tem seu próprio dialeto e cada
dialeto tem suas regras específicas.
Nesse caso, a escola deverá, primeiro,
reestruturar a fala da criança, levar o educando
a perceber a diferença entre o uso padrão culto
e o popular, para depois observar o
cumprimento da ortografia padrão. O
desempenho linguístico depende da
convivência e do aprimoramento da linguagem.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
60
Mas a escola não vem conseguindo fazer
isso. Ela discrimina o contexto sociocultural da
criança e, consequentemente, seu dialeto. É
visível que a escola não está preparada para
trabalhar com a noção de erro linguístico,
sobretudo em criança. Os estudantes com
aspectos dialetais são avaliados da mesma
forma que aqueles que dominam a estrutura
linguística padrão.
Muito provavelmente, uma criança que
desde cedo tem sua casa cheia de livros, onde
seus pais leem constantemente e que vive
neste contexto, aprimora muito mais seu
desempenho linguístico, ao contrário da
criança que não tem familiaridade com livros,
cadernos, lápis, jornais, revistas e
computadores. Todavia, a escola não leva em
conta esses fatores.
Podem-se perceber as variações da língua
sem desrespeitá-las, através de exercícios de
produção de textos fazendo com que os
estudantes percebam que há diferentes
dialetos que não devem ser considerados
errados, mas que em determinadas ocasiões
devem usar a norma culta, daí a necessidade
em aprendê-la. Da mesma maneira, a
linguagem escrita não deve ser imposta, como
faz a escola, mas sim com a conscientização
de que quanto melhor for a linguagem, seja ela
oral, seja escrita, melhor será seu desempenho
na sociedade. Com uma linguagem
aprimorada, podemos expressar nossos
sentimentos de maneira clara, fiel e precisa, e
estaremos em melhores condições de
assimilar conceitos, de refletir, de escolher e
de julgar. É uma garantia do desenvolvimento
escolar e do sucesso na vida.
É imprescindível que o professor saiba que
existem muitas variações dialetais e,
principalmente, deve ter conhecimentos a
respeito de linguagem e estar ciente de como
se dá o processo de aquisição linguística
necessário, de modo a saber que as crianças
são “falantes” unicamente de uma língua,
aperfeiçoando, assim, o processo de leitura e
escrita. Sabemos que a aprendizagem da
leitura e da escrita faz desenvolver formas
particulares de inteligência e da expressão,
passando o educando a assumir uma
consciência crítica e ativa e exercendo a
função de sujeito de sua linguagem, seja
falando, escrevendo, lendo, seja interpretando.
Nesse sentido, o professor deve fazer uma
análise e reflexão sobre a língua para poder
interferir positivamente na capacidade de
compreensão e expressão dos estudantes em
situações de comunicação, tanto escrita como
oral; compreender que a oralidade, a leitura e a
escrita são práticas que se complementam e
que permitem ao estudante construir
conhecimentos. É com domínio da linguagem
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
61
que o homem se comunica, acumula
informações e produz seu conhecimento.
Portanto, é função da escola “... garantir a
todos os seus alunos acesso aos saberes
linguísticos necessários para exercício da
cidadania...” (Parâmetros Curriculares
Nacionais: Língua Portuguesa, 2001, p. 23),
para que cada indivíduo se torne capaz de ler,
interpretar, redigir textos ou assumir as
palavras em diferentes situações de sua vida,
com prazer e motivação.
Vive-se em uma sociedade considerada da
informação e da comunicação, onde cada dia
esses dois pontos se encontram e se afunilam
intensamente, promovendo espaços de
exclusão (ASSMANN, 1998). É importante
salientar que esses espaços se dilatam dentro
das novas tecnologias e principalmente se
elevam por causa da linguagem. Podemos
assumir que a linguagem, na sua mais ampla
expressão, seja na escrita, seja na fala,
funciona como referência de exclusão,
consubstanciando-se nas formas de troca das
sociedades ocidentais, preponderantemente,
quando nos referimos à escrita. Somos uma
sociedade que se constrói tipicamente dentro
da escrita.
2. UMA PROPOSIÇÃO DE MODELOS PARA A
PRODUÇÃO DE TEXTOS ORAIS E ESCRITOS
EM SALA DE AULA
Gêneros textuais e ensino é um assunto que
vem motivando a efervescência pela qual
passou o ensino de línguas na última década
do século XX. Além de inúmeras pesquisas,
houve um conjunto de instruções e ações que
contemplaram a educação. Além disso, a
busca pela renovação tem suscitado a
elaboração de novos recursos didáticos com a
influência dessas mais recentes orientações.
Assim, entende-se que um estudo das
contribuições do
interacionismosociodiscursivo (ISD) poderia
colaborar para as reflexões acerca da
transposição didática de estudos de gêneros
textuais para seu uso em sala de aula de
língua.
Decorrente desse grande objetivo mais
geral, outros objetivos mais específicos guiam
as pesquisas na área, a saber:
a) defender a descrição das
características do funcionamento da
linguagem em gêneros e suas
variantes para eleger conteúdos e
capacidades de linguagem que podem
ser desenvolvidas em aulas de línguas;
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
62
b) discutir a proposta do ISD no que
tange à concepção de ensino de
expressão escrita.
Para atingir esses objetivos, pode-se
organizar o texto em duas partes nas quais
sejam discutidas: a) a contribuição do
interacionismosociodiscursivo para a noção de
gêneros textuais e ensino; b) a questão da
transposição didática para o ensino de
expressão escrita.
2.1 PROPOSIÇÂO DE PRÁTICAS DE
ORALIDADE EM SALA DE AULA
A partir das duas últimas décadas, a
Linguística teórica e aplicada, em diferentes
vertentes e abordagens, tem apresentado
propostas para a descrição e explicação da
língua e para a descrição do processo de
ensino/aprendizagem. Das posturas
construtivistas piagetianas, viu-se emergir uma
postura sócio-históricavygotskiana, em que o
foco passou a ser o lugar do outro e a
linguagem concebida como interação no
processo de construção do sujeito. Questões
referentes à socioconstrução da escrita pelo
letramento, às atividades de linguagem, textos
e discursos enfocadas pela perspectiva sócio-
histórica levaram a uma revisão dos enfoques
sobre a linguagem e a cognição nas chamadas
teorias de “processamento textual”.
Mas entender a linguagem como um
instrumento semiótico pelo qual o homem
existe e age, implica interpretar os fatos de
linguagem como “traços de condutas
humanas socialmente contextualizadas
(BRONCKART, 1997/1999, P. 101). E é nas
abordagens que integram as dimensões
psicossociais que o
interacionsismosociodiscursivo se insere ao
admitir que é pela “reapropriação , no
organismo humano, dessas propriedades
instrumentais e discursivas de um meio sócio-
histórico” (BRONCKART, 1997/1999, p. 27)
que se dá a emergência de capacidades
conscientes que levam a uma ação de
linguagem que se apresenta, externamente,
como resultante da atividade social operada
pelas avaliações coletivas e, internamente,
como o produto da apropriação – pelo agente
produtor – dos critérios dessa avaliação.
No interacionismosociodiscursivo (ISD), tal
como é proposto por Bronckart, parte-se,
primeiramente, do exame das relações que as
ações de linguagem mantêm com os
parâmetros do contexto social em que se
inscreve, a seguir das capacidades que as
ações colocam em funcionamento e,
sobretudo, das condições de construção
dessas capacidades. Em relação às ações de
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
63
linguagem e aos textos que as concretizam, o
ISD propõe que primeiro se faça a análise das
ações semiotizadas (ações de linguagem) na
sua relação com o mundo social e com a
intertextualidade. A seguir, a análise da
arquitetura interna dos textos e do papel que aí
desempenham os elementos da língua. Enfim,
que se analise a gênese e o funcionamento
das operações (psicológicas e
comportamentais) implicadas na produção dos
textos e na apropriação dos gêneros textuais.
Ampliando a noção de contexto da
perspectiva cognitiva e indo além da cognição
individual em direção da interação social, os
autores do Grupo de Genebra (BRONCKART;
DOLZ; SCHNEUWLY et al) centralizam a
questão das condições externas de produção
de textos e desenvolvem a sua concepção
sobre as ações de linguagem e o seu contexto.
Com a noção de “gênero de texto” fica
descartada a noção de “tipo de texto”, uma vez
que os gêneros é que correspondem às
unidades psicológicas, que são as ações de
linguagem.
Bronckart (1997/1999) apresenta os
princípios gerais de sua concepção
sociointeracionista que ele reitera
(BRONCKART, 2004) estar filiada ao quadro de
referência de Vygotsky. Referindo-se à fusão
dos “esquemas representativos” (na interação
com o contexto físico e social) e aos
“esquemas comunicativos” (na interação com
o meio social), interiorizados progressivamente
pela criança, a linguagem controla todas as
faculdades mentais, transformando-se no
“pensamento”. Para ele, aquilo que os
linguistas e psicólogos têm para observar
(corpus) são as unidades linguísticas que
funcionam em interação com o contexto
extralinguístico. Do contexto (teoricamente
infinito) se extraem os parâmetros que
exercem influência sobre os textos e nele se
distinguem três conjuntos de parâmetros
contextuais: os que se referem à interação, ao
ato material de enunciação e ao contexto
referencial. O esquema a seguir tenta
reproduzir o modelo delineado por Bronckart
para o ISD, que propõe:
A LINGUAGEM MATERIALIZADA EM
TEXTOS ORAIS OU ESCRITOS
1. NÍVEL SOCIOLÓGICO
OPERAÇÕES DE
CONTEXTUALIZAÇÃOINCIDINDO SOBRE OS
PARÂMETROSCONTEXTUAIS, FÍSICOS E
SOCIAIS
Criação de 3 conjuntos de parâmetros
contextuais da atividade de linguagem:
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
64
Os que se referem à interação social:
• lugar social do agente;
• finalidade da atividade;
• relações entre parceiros da interação.
Os que se referem ao ato material de
enunciação:
� o locutor, os interlocutores;
� o momento;
� o lugar.
Os que se referem ao conteúdo referencial:
- constituição de uma base de orientação
2. NÍVEL PSICOLÓGICO
OPERAÇÕES DE TEXTUALIZAÇÃO
Operações de ancoragem textual:
� discurso em situação;
� discurso teórico;
� narração.
Operações de planificação /adequação a um
modelo de linguagem (gênero) em função dos
parâmetros contextuais:
� tipos de discurso;
� tipos de seqüencialização.
Operações de constituição de estratégias
discursivas:
� coesão;
� conexão.
� modalização.
- produto final: texto
Bronckart (1997, p. 99) define as ações de
linguagem em um primeiro nível, sociológico,
como “uma porção da atividade de linguagem
do grupo, recortada pelo mecanismo geral das
avaliações sociais e imputada a um organismo
humano singular”, que, ao constituírem as
operações de contextualização “organizam o
trabalho representativo” que incide sobre os
parâmetros contextuais das operações para a
construção textual. Para ele, os parâmetros
contextuais (físicos ou sociais) constituem o
sistema de valores disponíveis na língua
natural utilizada para a produção de um texto.
Essa operação de contextualização é
responsável pela produção dos valores
referenciais dos signos, pelos valores
situacionais (representações dos parâmetros
físicos do contexto) e pelos valores
interacionais (representações dos parâmetros
sociais).
Como se pode observar no esquema acima,
o primeiro nível (Operações de ancoragem
textual) para se definir uma ação de linguagem
enfoca a situação social de produção do
enunciado/texto que determina a base de
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
65
orientação para a atividade de linguagem -
essa operação psicológica incidindo sobre o
contexto será traduzida nas escolhas de
unidades semânticas e sintáticas de uma
língua que constituirão “marcas” da
construção pelo enunciador dessa base de
orientação.
No segundo nível de descrição (Operações
de planificação /adequação a um modelo de
linguagem (gênero) em função dos parâmetros
contextuais), Bronckart focaliza as ações de
linguagem em seu aspecto psicológico, como
“o conhecimento disponível em um organismo
ativo sobre as diferentes facetas de sua própria
responsabilidade na intervenção verbal” (1997,
p. 99). Aqui a noção de ação de linguagem
integra os parâmetros do contexto de
produção e do conteúdo temático, na forma
como o agente os mobiliza na sua ação verbal.
As operações psicológicas incidindo sobre os
parâmetros do contexto determinarão as
formas de gestão do texto e a sua linearização,
para as quais Bronckart (2004) distingue 3
subconjuntos de operações de cálculo sobre
os valores contextuais:
1. operações de ancoragem textual
(conjunta, disjunta; implicada ou
autônoma) que fundam os três tipos de
textualização (discurso em situação,
discurso teórico, narração);
2. operações de planejamento da macro-
estrutura semântica do texto (a
sequencialização dos conteúdos e a
estruturação discursiva que seja
adequada a um modelo de
linguagem(gênero textual) em função
da interação social em curso);
3. operações de constituição de
estratégias linguísticas e discursivas
para a marcação das fases do plano
do texto, para a coesão e para a
modalização dos enunciados.
É um processo dialético que envolve as
representações do agente produtor sobre seu
contexto de ação e seu conhecimento sobre o
gênero e sobre a língua, concretizada em um
texto que apresentará as características do
gênero ao qual pertence e as características
singulares – fruto das decisões do agente
produtor, de acordo com as representações
internalizadas sobre a situação de ação de
linguagem em que ele se encontra.
2.2 PROPOSIÇÃO DE PRÁTICAS DE
PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS
Parece consenso que o ensino da produção
de texto representa um grave problema para os
professores de Língua Portuguesa das escolas
da educação básica. Estes, depois de
inúmeras tentativas, sem resultados
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
66
satisfatórios, muitas vezes ficam sem
perspectivas sobre como ensinar redação. Tal
constatação, geralmente, está relacionada à
observação do produto final do estudante, isto
é, da concretização de um texto dentro de um
determinado gênero textual, sem a
preocupação com o processo de elaboração
como um passo muito importante para a boa
execução de um texto.
Diante disso, fica sempre a pergunta do que
fazer para se ter um rendimento escolar melhor
nas aulas de redação. É oportuno esclarecer
que há vários gêneros textuais e várias
atividades a serem contempladas com a
competência comunicativa, porém se quer dar
a certeza de que com estratégias didático-
pedagógicas conscientes fica mais fácil se
chegar aonde se deseja: ensinar a produzir
textos coerentes, bem organizados,
harmoniosos, claros e precisos.
Por essas razões, o professor precisa estar
ciente de que seu papel consiste em
desenvolver vários propósitos: estimular a
participação do estudante através da leitura de
outros textos; tornar o estudante crítico e
eficiente, capaz de aprimorar o seu
desempenho redacional; possibilitar ao
estudante a consciência de que o fato de
escrever exige escolhas lógicas; apresentar e
sistematizar alguns critérios responsáveis pela
tessitura de um texto, como a coerência, a
coesão e a informatividade4 textuais,
salientando a progressão das ideias, a não-
contradição e a relação entre elas.
A proposta sugere que o professor amplie
sua concepção de aula de redação, isto é, as
fontes de material para o trabalho em sala de
aula devem ser, também, os próprios
estudantes, incluindo seus conhecimentos
linguísticos e competência comunicativa. Para
evitar que surjam caminhos que não são os
que se deseja e também para não chegar a
resultados frustrantes, é conveniente
delinearem-se alguns aspectos do processo de
produção de texto, mostrando uma forma bem
acessível de produção e avaliação com
resultados considerados imediatos.
A metodologia escolhida pode estar
fundamentada em Serafini (1992), que deixa
bem claro que há três razões para utilizar os
estudantes na correção de textos: a primeira é
que em geral eles são mais críticos e juízes
que produtores de texto; a segunda é que a
correção feita pelos colegas é um excelente
estímulo à escrita; a terceira é que a correção
entre colegas permite entre eles um diálogo
4 A informatividade está diretamente relacionada à informação veiculada: previsível/ imprevisível, esperada/não-esperada de um texto. Quanto mais previsível for a informação, menor será ograu de informatividade (SERAFINI, 1992).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
67
que é muito limitado na relação estudante-
professor. Dessa forma, a correção interativa
permite que o autor do texto explique ao colega
e para si mesmo aquilo que pretende
expressar.
É possível organizar esse tipo de avaliação
da seguinte forma:
1.º Leitura de um texto com análise da coesão,
coerência, intencionalidade, informatividade e
aceitabilidade textuais;
2.º Seleção coletiva das ideias principais;
3.º Elaboração individual de um novo texto,
enfocando o mesmo tema, com enfoques
iguais ou diferentes, observando os critérios de
correção oferecidos;
4.º Troca das redações entre os colegas para
que façam uma correção atenta e criteriosa;
5.º Entrega para o(a) professor(a) que vai
fotocopiar a redação preliminarmente corrigida;
6.º Avaliação escrita, feita pelo professor, das
correções feitas pelos alunos;
7.º Avaliação oral e no quadro, feita pelo
professor e estudantes, de alguns trechos
melhores ou piores, observando os critérios já
conhecidos;
8.º Reescrita da redação pelo primeiro autor do
texto;
9.º Avaliação final feita pelo professor.
À primeira vista, esta metodologia parece
dar muito trabalho ao professor, mas não é
assim. Lançando-se mão da estratégia da
correção interativa, aguça-se a curiosidade do
estudante pela interação comunicativa como
algo que possibilite troca de conhecimentos e
experiências. Em pouco tempo, torna-se um
mecanismo prazeroso, pois os resultados
positivos logo aparecem.
Essa investigação deixa bem claro que se
pretende privilegiar a abordagem da escrita
como processo, e, sendo assim, é preciso
entender o texto como fruto de um trabalho
que implica reflexão sobre a linguagem e
conhecimento sobre a constituição e
funcionamento da língua.
A proposta feita aqui procura mostrar aos
professores que o que se deve fazer é
principalmente um ensino produtivo para a
aquisição de novas habilidades linguísticas e
para o desenvolvimento do prazer e da
competência de escrever. Acredita-se, então,
que se possa avançar no estudo do processo /
produto da produção textual como fenômenos
observáveis, com mais consciência crítica por
parte do estudante sobre aquilo que ele
escreve, reconhecendo a escrita como um
gênero textual não superior ao oral, mas
apenas distinto deste.
REFERÊNCIAS
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
68
ASSMAN, Hugo. Sociedade aprendente e
sensibilidade solidária. Na sua: reencontrar a
educação. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 17-21.
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estética da
criação verbal. Trad. de Maria Ermantina
Galvão; rev. da tradução Maria Appenzeller. 3
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BRASIL. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Brasília: MEC, 1996.
_____. Ministério da Educação e dos
Desportos. Secretaria de Educação
Fundamental / MEC. Parâmetros Curriculares
Nacionais – Terceiro e Quarto Ciclos do
Ensino Fundamental: Língua Portuguesa.
Brasília, 1998.
_____. PCN Ensino Médio: orientações
educacionais complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Vol. Linguagens,
códigos e suas tecnologias. Brasília:
MEC/Semtec, 2002.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de
Linguagens, texto e discursos. Por um
interacionismosócio-discursivo. Trad. Anna
Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo:
Educ, 1997/99.
CAGLIARI, Luís Carlos. Alfabetização e
Lingüística. São Paulo: Scipione, 1997.
MARCUSE, Herbert. A sociedade industrial: o
homem unidimensional. 6 ed. Trad.
GrasoneRebuá. Rio de Janeiro: Zarah Editores,
1982.
SERAFINI, M. T. Como escrever textos. São
Paulo: Globo, 1992.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem.
Tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 1993.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
69
Capítulo VII
Práticas de leitura e Produção de Textos no Ambiente Escolar:
Algumas Possibilidades
CONDIÇÕES DE TRABALHO DA MULHER NAS EMPRESAS DE BENEFICIAMENTO DO FUMO
NO MUNÍCIPIO DE CRUZ DAS ALMAS José Antonio de Oliveira Fonseca1
Liege Maria da Silva Servo2
Resumo
Esta pesquisa objetivou investigar as
condições de trabalho da mulher nas
empresas de beneficiamento do fumo no
município de Cruz das Almas. Aponta o
significado do cultivo do fumo para a
economia cruzalmense e familiar dessas
trabalhadoras. Apresenta e discute parte dos
resultados da investigação bibliográfica,
observações sistemáticas, entrevistas e visitas
a campo da Dissertação de Mestrado “A
Territorialidade da Cultura do Fumoem Cruz
das Almas – BA: tradições e mudanças”, que
constatam as precárias condições de trabalho
a que são submetidas essas mulheres que
buscam o trabalho nas empresas de
beneficiamento do fumo como possibilidade de
ascensão social. Faz uma análise de gênero,
identificando as características da mão de obra
feminina que justificam a absorção desse
segmento pelas empresas de beneficiamento
do fumo. Conclui quea força de trabalho da
mulher foi fundamental para o
1 Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social. Graduação em Geografia. Especialização em Meio Ambiente. Email geografiajosé@yahoo.com.br Autor
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
70
desenvolvimento das atividades nos armazéns
de fumo de Cruz das Almas.
Palavras-chaves: Condições de trabalho;
Empresas de beneficiamento; Fumo; Gênero.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho feminino sempre foi marcado por
submissão da mulher perante o homem. A
mulher teve por muito tempo sua
responsabilidade voltada para a educação dos
filhos, o cuidado da casa e de outras
atividades distantes do mercado de trabalho
formal. Nos últimos anos, o trabalho da mulher
passou a ter importância significativa na
economia mundial, em vários segmentos no
comercio, na indústria e na agricultura.
A fumicultura é uma atividade que emprega
grande quantidade de mulheres nas atividades
de beneficiamento do fumo, não exigindo
experiências anteriores, admitindomão de obra
feminina independente de estado civil, do grau
de instrução ou do contexto social. Essas
mulheres estão expostas a riscos produzidos
pelas condições e organização do trabalho,
que produzem impactos a sua saúde física e
psíquica. A partir dessa realidade surgiu a
inquietação da pesquisa que é entender as
2 Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania. Assistente Social Especialização em Saúde do Trabalhador. [email protected]
condições de trabalho das mulheres
empregadas nos armazéns de beneficiamento
do fumo no município de Cruz das Almas.
A produção de fumo é uma atividade
desenvolvida no município de Cruz das Almas
desde o século XVII, tendo como base o seu
cultivo nas pequenas propriedades e nas
fazendas das empresas produtoras instaladas
no município e arredores. Grande parte do
fumo produzido nesses municípios destina-se
ao comércio exterior, principalmente aos
países da Europa. O fumo antes de ser
exportado passa por processos de plantação,
cultivo, secagem, cura e beneficiamento. Essa
é uma atividade que absorve grande
quantidade de mão de obra feminina, devido à
sua habilidade, agilidade e dedicação em
exercer de forma extremamente especializada
e manual os processos envolvidos no
beneficiamento do fumo.
As mulheres fumageiras constituem o elo
mais importante para manter viva a produção e
beneficiamento do fumo em Cruz das Almas,
constituindo a base da força de trabalho da
fumicultura. Apesar disso, há pouco
reconhecimento, tanto social quanto
econômico, fato identificado na baixa
remuneração. Mesmo enfrentando
dificuldades, de desigualdade salarial e de
gênero, sob condições de trabalho precárias,
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
71
essa atividade permite a participação da
mulher no mercado formal de trabalho.
O prestígio desfrutado pelas empresas de
beneficiamento do fumo exerce significativa
influência na postura profissional dessas
mulheres. Atraídas por uma atividade
remunerada que emprega por muito tempo e
com baixa escolaridade, desenvolvem uma
postura acrítica quanto às condições de
trabalho a que são submetidas. Tal idoneidade
acrítica identificada na forma como essas
mulheres ganham a vida, reportando Marx,faz
da trabalhadora insatisfeita nas relações de
trabalho uma ameaça a “nação una e indivisa”
referida por Chauí
Quando a desigualdade é muito marcada, a
relação social assume a forma nua da
opressão física e/ou psíquica. A divisão social
das classes é naturalizada por um conjunto de
práticas que ocultam a determinação histórica
ou material da exploração da discriminação e
da dominação, e que, imaginariamente,
estruturam a sociedade sob o signo da nação
una e indivisa, sobreposta como um manto
protetor que recobre as divisões reais que a
constituem. (CHAUÍ, 2000, p.89)
A pesquisa está fundamentada por
levantamentos bibliográficos, destacando-se
dados da dissertação de mestrado intitulada “A
territorialidade da cultura do fumo em Cruz das
Almas: tradições e mudanças” (FONSECA,
2010), e ainda dados do Anuário Brasileiro do
Fumo (2007) e das revistas eletrônicas da
SEAGRI/Secretaria de Agricultura, Irrigação e
Reforma Agrária, IBGE/ Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística.
Foram realizadas entrevistas com
encarregados e mulheres fumageiras que
trabalharam na área de beneficiamento do
fumo e coletados depoimentos de ex-
trabalhadoras dos armazéns de beneficiamento
do fumo da década de 1980 a 2009. Grande
parte dessas mulheres com mais de 30 anos
de experiência no ramo de beneficiamento do
fumo participou do laboratório de pesquisa,
fornecendo informações originais para este
trabalho, sendo assim usou-se nomes fictícios
dessas pessoas, para preservar a identidade e
a ética. Os dados foram selecionados,
catalogados e discutidos com a perspectiva de
se conhecer as condições de trabalho dessas
mulheres envolvidas no beneficiamento do
fumo no município de Cruz das Almas.
Espera-se com este artigo revelar parte da
realidade das condições de trabalho das
mulheres que há muito tempo dedicam sua
mão de obra às empresas de beneficiamento
do fumo do município de Cruz das Almas.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
72
2 A FUMICULTURA E AS CONDIÇÕES DE
TRABALHO DA MULHER FUMAGEIRA
Na década de 1970, muitas companhias
fumageiras multinacionais espalharam-se por
algumas regiões produtoras de fumo no Brasil,
sendo o Recôncavo da Bahia privilegiado com
a quantidade de empresas que vieram explorar
a fumicultura no território baiano.
O município de Cruz das Almas foi um dos
contemplados, onde a maioria das empresas
instalou-se para explorar o mercado do fumo
em folha. Segundo Almeida (1983, p.156),
essa mesma década ficou marcada pela
formação do sistema agroindustrial do fumo
em Cruz das Almas, composto nessa década
por aproximadamente 27 empresas, entre
armazéns de beneficiamento e pontos de
compra de fumo e algumas manufaturas de
charutos e cigarrilhas. Entre as empresas
estavam a Croner S.A. (Amsterdam), Norkai
S.A. (Holanda), HendrickKelmer (Holanda)
Mongerhot& Leoni (Alemanha), Iphaco
(Alemanha), (SINDITABACO, 2010).
A fumicultura de Cruz das Almas é
composta atualmente de 04 fazendas
produtoras de fumo, 04 armazéns de
beneficiamento, 10 fábricas de charutos e
ainda grande quantidade de pequenos
produtores. Os armazéns de beneficiamento
são empresas estabelecidas em grandes
imóveis com o objetivo de tornar o fumo
adequado ao consumo. Segundo o dicionário
da Língua Portuguesa“armazém, substantivo
masculino, grande depósito de mercadoria,
munições ou grande deposito atacadista de
secos e molhados” (Ximenes, 2001, p.80).
Grande parte desses armazéns ocupa
quarteirões, com casarões antigos no centro
da cidade. Segundo o entendimento dos
homens e mulheres envolvidos na produção do
fumo, o armazém era o local destinado a
guardar ou estocar o fumo para que sofresse
um processo adequado para o consumo.
Essa localização, segundo os grandes
proprietários, encontra justificativa no início da
ocupação da cidade, quando existiam grandes
áreas desabitadas,sendo o centro da cidade
mais fácil para a realização das transações
comerciais. Hoje essa localização é inviável
economicamente para a instalação de
empresas de beneficiamento do fumo devido
os altos custos do terreno,ao odor do fumo
que pode provocar sensações desagradáveis e
aos altos valores dos encargos com IPTU,
energia e demais custos.
Esses armazéns são pouco equipados, pois
nesses locais ocorrem as operações de
beneficiamento do fumo de forma manual.
Desta forma, só tem as prensas de
enfardamento, as pequenas máquinas de picar
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
73
o fumo e os equipamentos para transportar os
fardos, que segundo Costa Pinto:
As operações de trabalho começam com o
desfardamento da matéria prima que, a seguir,
sofre uma limpeza que visa a extrair o talo e as
nervuras maiores; em seguida o fumo é picado
á máquina e, conforme a qualidade, sendo
para os charutos, ou até mesmo para outro
segmento da industrialização (1998, p.132)
Atualmente, os armazéns que controlam o
beneficiamento do fumo em Cruz das Almas
sãoDanco Comércio e Indústria de Fumos
Ltda, Ermor Tabarama Tabacos do Brasil e
Fumextabacalera Ltda. Estas empresas estão
localizadas no centro da cidade e empregam
grande quantidade de mulheres. Com a
pesquisa verificou-se que todas essas
organizações sociais têm investimentos do
capital estrangeiro. A maioria dossócios é da
Europa e EUA, e possui outros
empreendimentos fora do Brasil. Sobre essa
questão, convém referir Menezes e Magalhães:
A penetração do capitalismo na agricultura
e a submissão do produtor às suas regras, na
produção fumageira, torna-o permanentemente
vinculado, de um ado, ao armazém ou capital
comercial, e por outro lado, ao capital
industrial e financeiro, integrando-se e
subordinando-se às necessidades da indústria,
no que diz respeito à quantidade e qualidade de
fumo em galpão, primeiramente, e a posteriori,
de fumo em estufa. (1998, p.16)
A área dos galpões, onde é beneficiado o
fumo, é de aproximadamente 4000 m² e,
contíguas a esta existem dependências
destinadas à secagem do fumo, aquecimento e
acondicionamento dos fardos de fumo. Os
galpões dispõem de janelas tipo basculante e
de ventilador de teto; porém, as trabalhadoras
se queixam de desconforto térmico e levam
toalhas pequenas para enxugar o suor do
rosto. Localizados dentro dos armazéns, mas
fora do galpão,ficam os sanitários, com
paredes azulejadas, chuveiros, lavatórios,
vasos e mictórios, os quais podem ser usados
com toda a liberdade.
No que se refere à alimentação, observou-
se que algumas trabalhadoras trazem almoço e
outras preferem fazer as refeições em casa, já
que residem próximo ao trabalho. Em algumas
empresas, existem pausa de 10 minutos, que
acontece as 9:30 horas, em que é oferecido,
como reforço alimentar, café, leite e pão com
manteiga, para a jornada diária de 9 horas
diárias - das 7:00 horas às 11:30 horas e das
13:00 horas às 17:20 horas - resultado de um
acordo coletivo, visando à liberação das
trabalhadores aos sábados.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
74
3 A QUESTÃO DE GÊNERO E AS MULHERES
FUMAGEIRAS DE CRUZ DAS ALMAS
Observa-se que a mulher tem
umaparticipação em ritmo crescente na força
de trabalho de todo o mundo e cada vez mais
se faz presente em todos os setores da
atividade econômica e em quase todas as
profissões. A mulher tem colaborado e
contribuído com sua capacidade de trabalho e
inteligência, para o progresso da humanidade e
para a melhoria das condições de vida.
Exercem as suas atividades, seja nos
armazéns de beneficiamento do fumo, ou em
outros segmentos. Em grande parte das
famílias, as mulheres trabalhadoras dos
armazéns de beneficiamento do fumo têm
ajudado a prover o sustento do lar, sem
descuidar, contudo de suas tarefas domésticas
e da organização da família, sobretudo
cuidados como os filhos.
Nas entrevistas ficou claro que as
atividades exercidas pelas mulheres
fumageiras não terminavam nos armazéns de
beneficiamento do fumo, ao fim da jornada
diária de trabalho grande parte dessas
mulheres iam para as suas residenciais
desenvolver atividades do lar, como lavar e
passar roupas, fazer comida e arrumar casa.
Informaram ainda que nos fins de semana para
completar a renda da família, algumas
mulheres exerciam atividades em sua própria
residência como manicure, pedicure ou
cabeleireira. Nesse sentido para as mulheres
trabalhadoras da indústria fumageira, o espaço
doméstico não era exclusivo de convívio
familiar e passava a ser também um local de
trabalho.
Acredita-se que as transformações na
organização da família, principalmente nos
últimos tempos de crise econômica, têm
reflexos importantes no processo de geração
do orçamento familiar, à medida que sua renda
do trabalho torna-se uma parcela a mais na
sustentação da família, uma responsabilidade
que é distribuída entre os seus membros, o
marido e a mulher.
Segundo Barbiere (1993, p.18), o conceito
de gênero pode ser entendido como categoria
que no social “corresponde ao sexo anatômico
e fisiológico das ciências biológicas”. O gênero
é o sexo socialmente construído. Portanto,
pode-se inferir que os sistemas de gênero são
conjuntos de práticas, símbolos,
representação, normas e valores sociais que
as sociedades definem a partir da diferença
sexual anatômico-fisiológica e que doam
sentido a satisfação dos impulsos sexuais, a
reprodução da espécie humana e, em geral, ao
relacionamento entre as pessoas.
Sccot (1992) concorda com essa
abordagem de gênero, pois para ele o cerne
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
75
principal da definição de gênero nesta
sociedade recai sobre a relação fundamental
entre duas preposições: gênero é um elemento
criado das relações sociais, fundadas sobre as
diferenças percebidas entre os sexos, e o
gênero é uma forma importante representar
relações de poder.
Assim, ainda para Barbiere (1993), a
categoria de gênero é o reconhecimento numa
perspectiva de desigualdade social até então
não trabalhada, integrada na dimensão
econômica, ou nas teorias das classes ou nas
teorias da estratificação social. Enquanto isso
para o Dieese (1997), as questões
relacionadas às mulheres e aos homens, têm
seu espaço de discussão em comum, pois:
Os movimentos de mulheres vêm
orientando seus debates na perspectiva de
colocar as questões relativas às mulheres no
contexto mais amplo da discussão das
relações e dos papéis de homens e mulheres
na sociedade. Esta é a chamada questão de
gênero, pois se refere aos gêneros masculino
e feminino, não estando restrita a apenas um.
Esta abordagem situa o tema em um horizonte
maior ao tratar, por exemplo, a questão da
desigualdade entre homens e mulheres como
um problema nas relações de dominação
socialmente estabelecidas entre os dois
gêneros. Além disso, recoloca os termos das
soluções: elas são conjuntas e envolvem
mudanças de posição e comportamento de
homens e mulheres em uma repartição social
mais justa das responsabilidades e
oportunidades. (DIEESE, 1997, p.1)
Historicamente, independente do ramo de
atividade sempre houveram grandes
desigualdades nas condições de trabalho entre
homens e mulheres, desde a valorização
profissional a distribuição de empregos. Essas
idéias são fortalecidas com base nos dados do
IBGE na Pesquisa Mensal de Emprego (PME)
2009, realizada nas regiões metropolitanas
de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de
Janeiro, São Paulo e Porto Alegre e
constatou-se que:
Em 2009, aproximadamente 35,5% das
mulheres estavam inseridas no mercado de
trabalho como empregadas com carteira de
trabalho assinada, percentual inferior ao
observado na distribuição masculina (43,9%).
As mulheres empregadas sem carteira e
trabalhando por conta própria correspondiam a
30,9%. Entre os homens, este percentual era
de 40%. Já o percentual de mulheres
empregadoras era de 3,6%, pouco mais da
metade do percentual verificado na população
masculina (7,0%). (IBGE, 2009). Conforme
Tabela 1.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
76
Tabela 1- Número de mulheres empregadas
nos armazéns de beneficiamento do fumo de
Cruz das Almas- 1980 a 2008
Fonte dos dados: Sindicato dos empregados
da Indústria do Fumo de Cruz das Almas, 2010
Elaboração: José Antonio Fonseca, 2010
Os dados do IBGE mostram que ainda
existem diferenças e desigualdades entre os
sexos no que diz respeito ao trabalho e
essasdesigualdades persistiam em várias
vertentes da economia. Segundo os dados do
sindicato dos trabalhadores da indústria do
fumo de Cruz das Almas, existe um número
significativo de mulheres trabalhadoras no
segmento de beneficiamento do fumo, (tabela
01).
A tabela 01 mostra a existência da mulher
nos armazéns de beneficiamento do fumo de
Cruz das Almas, no período de 1980, e
aumento dessa mão de obra a partir de 1990,
diminuindo a partir de 2001. Mesmo assim a
presença da mulher continua sendo uma
Ano Número de mulheres Ano Número de mulheres
1980 1.700 1995 2.055
1981 1.888 1996 2.055
1982 1.680 1997 2.990
1983 1.390 1998 2.670
1984 1.490 1999 2.260
1985 1.400 2000 1.733
1986 1.490 2001 1.673
1987 1.389 2002 1.522
1988 1.399 2003 1.501
1989 1.370 2004 1.600
1990 1.5 22 2005 1.100
1991 1.620 2006 1.167
1992 2.090 2007 1.106
1993 2.190 2008 1.100
1994 2.079 2009 1.100
2010 900
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
77
atividade geradora de emprego, apesar da
diminuição dos postos de trabalho.
Para Silva (2000, p.79), “a docilidade
natural da mulher presente na visão dos
empresários, na década de 50, influenciou na
preferência de mulheres nas atividades
fumageiras”. Segundo a mesma autora, essa
exclusividade não ocorreu por determinação
natural, ao contrário, explica-se pelos aspectos
resultantes de uma conjuntura social e
econômica especifica da região. Ou seja, a
mão de obra de obra feminina era mais barata
e em grande quantidade na região fumageira.
Sendo assim, nessa região a condição
econômica contribui para o processo de
alienação, sendo grande o número de
mulheres de baixas condições econômicas.
Segundo (Pinto, 1998; César, 2000 e Silva,
2007), as necessidades diárias e a luta para
sustentar a família impulsionaram essas
mulheres a trabalharem fora de casa.
Na pesquisa constatou-se que as mulheres
fumageirascruzalmenses fazem parte da classe
economicamente menos favorecida.
Geralmente originadas da zona rural, a faixa
etária varia entre 25 a 49 anos, com baixa
escolaridade e a grande maioria é afro
descendente. Essas mulheres recebem por
mês um salário mínimo e todas afirmaram que
os maioresproblema advindos do trabalho na
fumicultura são: a sobrecarga da atividade, as
condições de trabalho, especialmente o odor
forte do fumo e o desconforto no exercício
das atividades diárias. Segundo elas a
assistência médica traz grandes
preocupações, pois o sistema de saúde do
município é deficiente e dificilmente
conseguem atendimento pelos médicos no
único hospital da cidade de Cruz das Almas.
Para o IBGE(2009) a população feminina
desocupada (1.057 milhão de mulheres, em
2009), está muito concentrada no grupo etário
entre 25 e 49 anos de idade. Significa que a
indústria do fumo ainda é uma fonte de renda
importante para parte da sociedade
cruzalmense, principalmente para as mulheres
acima de 40 anos de idade.
4ATIVIDADES EXERCIDAS PELAS MULHERES
E OS IMPACTOS NA SUA SAÚDE
Identificar os impactos à saúde dessas
mulheres trabalhadoras das empresas de fumo
requer a compreensão de que os fatores de
risco e danos á saúdeestão relacionados às
tecnologias utilizadas, a organização do
trabalho, dos fatores ambientais, toxicológicos,
tempo de exposição entre outros (SESI, 2008).
As condições de trabalho, em alguns
armazéns de fumo, não apresentam aspectos
de segurança para a saúde e integridade das
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
78
mulheres, principalmente para as mulheres
com idade acima de 40 anos. Os ambientes
têm pouca luminosidade, ventilação, sem
conforto térmico e as mulheres não usam o
equipamento de proteção individual, causando
transtorno para a saúde.
As mulheres fumageiras declararam que as
suas atividades são basicamente manuais:
seleção, separação e classificação das folhas
para serem arrumadas em seqüência lógica de
acordo com a estratégia das empresas, sendo
o enfardamento a etapa final. Isto demonstra a
exigência dedemanda física elevada e
movimentos repetitivos. A associação dessas
características pode acarretar lesões músculo-
esquelética dentre as fumageiras, uma das
principais causas de afastamento dessas
trabalhadoras do trabalho. (HEEMAN, 2009)
Segundo depoimento das mulheres, no
ambiente de trabalho sempre existiu o cheiro
forte característico do fumo, algumas
declararam ter acostumado rapidamente.
Explicam que usavam máscaras, somente
quando estavam gripadas, nas alergias, dores
de cabeças, caso contrário não eram adeptas
aequipamentos de proteção. Nesse sentido,
observa-se o desconhecimento das
trabalhadoras sobre a importância o uso de
equipamentos de proteção individual, a
omissão das empresas quanto ao
cumprimento da legislação, particularmente a
Norma Regulamentadora de Segurança e
Saúdeno Trabalho na Agricultura - NR 31 do
Ministério do Trabalho e Emprego e a
necessidade de fiscalização dos órgãos
competentes nesse local de trabalho.
No que tange ao ambiente físico
informaram que a iluminação dos locais de
trabalho, era considerada boa, lâmpadas
claras, localizadas em várias posições para
facilitar a visibilidade de cada folha de fumo.
Algumas mulheres reclamavam da claridade,
provavelmente por apresentarem problemas na
vista, ou talvez pelo reflexo da iluminação.
Seus depoimentos informam que no ambiente
de execução das atividades de beneficiamento
do fumo, geralmente há pouco barulho e muito
trabalho, o máximo aceitável pelos chefes e
trapicheiros,3apenas o rumor das folhas de
fumo ao rosar as mãos das mulheres.
Esses relatos merecem a atenção dos
pesquisadores, principalmente quando referem
à postura durante o exercício das atividades
diárias. O imobiliário, especificamente mesa,
banco e cadeira, desconfortáveis,
3 Trapicheiros, na zona de fumo do Recôncavo, é aquele que comprao fumo dos lavradores, destala, faz o primeiro rudimentar beneficiamento, armazena o produto depois de transformado em manocas, estocando-o para revendê-lo as fabricas e firmas exportadoras. O trapicheiro tem uma posição- chave no sistema econômico do fumo, pois, como atacadista, para ele converge a produção de muitos fazendeiros e lavradores independentes, aos quais, não raro, ele financia a produção, adiantamentos que são pagos com a entrega n o trapiche do fumo colhido na safra Costa Pinto (1998, p.125)
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
79
comprometem a estrutura corporal e a
qualidade de vida das trabalhadoras que
passavam todo o dia sendo observadas e
fiscalizadas durante o cumprimento das
tarefas.
As formas de controle e fiscalização das
atividades exercidas pelas mulheres
fumageiras eram bastante rigorosas. Elas
declararam que tudo era controlado pelos
chefes e fiscais de setor, desde a entrada no
estabelecimento, a saída, as conversas nos
horários de lanches. Quando não havia um
chefe por perto para fiscalizar o trabalho
dessas mulheres, geralmente tinha uma colega
de trabalho que transmitia as informações aos
superiores. Uma das entrevistadas com mais
de 30 anos de trabalho em armazéns de
beneficiamento do fumo afirmou:
Logo quando comecei a trabalhar até a
quantidade de vezes que íamos ao banheiro
era controlada, reclamavam se agente fosse
fora do horário de intervalo. Assim quando
agente tava com algum problema era preciso
prender a urina e outras necessidades. Hoje,
conforme as minhas colegas contam, eles
estão mais flexíveis quanto a ida ao banheiro e
permitem que vá quantas vezes for preciso.
(ANTONIETA DIAS, 77 anos de idade,
aposentada, moradora do Bairro Assembléia
em Cruz das Almas - BA)
O relato das mulheres envolvidas
diretamente com o trabalho de beneficiamento
do fumo, mostra como realmente era a relação
patrão-empregado na década de 1980 até final
de 1990. Esses depoimentos indicam que a
organização do trabalho era rigidamente
hierarquizada, sobpressão e controle,
caracterizando a precarização das relações de
trabalho. Maria Silva, no se depoimento afirma:
Naquela época não existia cartão de ponto,
o chefe do setor anotava o nome de cada
mulher olhando para o rosto, para confirmar a
presença de cada uma no local de trabalho.
Quando a sirene tocava ao meio dia dando o
sinal, os olhares de suspiro, e alivio que
tínhamos, era momento de liberdade, mesmo
de poucos minutos, pequena e mesquinha
liberdade, para almoçar, descansar e retornar
sem ter direito a tomar um banho ou uma
simples conversa com os familiares (MARIA
SILVA, 66 anos de idade, moradora do Bairro
Itapicuru em Cruz das Almas - BA)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A interpretação dos depoimentos foi
suficiente para responder o objetivo principal
desta pesquisa: entender as condições de
trabalho das mulheres empregadas nos
armazéns de beneficiamento do fumo no
município de Cruz das Almas no período de
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
80
1980 a 2009. Infere-se que as trabalhadoras
dos armazéns de beneficiamento de fumo do
município de Cruz das Almas e arredores – as
mulheres fumageiras - se constituemem mão
de obra que está crescendo significativamente,
tornando-se de fundamental importância para
o crescimento da economia do país.
O conceito historicamente padronizado da
mulher ser sexo frágil, não pode ser levado em
consideração, visto que a pesquisa identificou
que as mulheres trabalhadoras da fumicultura
representam uma força do trabalho importante
para sustentação da família, como símbolo de
paciência, seriedade, honestidade, guerreira e
trabalhadora, com habilidades necessárias
para desenvolver atividades manuais ou
mecânicas com exigências no mesmo nível
dos homens.
Os relatos das mulheres e dos chefes das
empresas de beneficiamento de fumo deixam
evidente que não existem fronteiras entre o
trabalho masculino e feminino, as atividades
fumageiras podem ser desenvolvidas por
ambos os sexos, sem perder a qualidade.
Ficou patente que as mulheres sempre foram
atraídas para trabalhar no beneficiamento do
fumo por ser uma atividade formal remunerada
e que poderia empregar essa mão de obra por
muito tempo.
As atividades que antes eram consideradas
pesadas e insalubres, que historicamente eram
feitas por homens também podem ser
executadas pelo sexo feminino, com o mesmo
nível de responsabilidade.
Conclui-se ainda que a força de trabalho da
mulher foi fundamental para o
desenvolvimento das atividades nos armazéns
de fumo de Cruz das Almas. Uma atividade
que culturalmente é mal remunerada, mas
contribui para a sustentação de várias famílias,
tornando-se uma fonte de renda e de
arrecadação para o município, além de ser um
fator de ascensão social da mulher.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Paulo Henrique de. A manufatura
do fumo na Bahia. Campinas, SP. Dissertação
de Mestrado apresentada ao Departamento de
Economia e Planejamento Econômico do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas, 1983
ANUÁRIO BRASILEIRO DO TABACO. Santa
Cruz do Sul, RS: Gazeta Grupo de
Comunicações, 2007.
Barbieri, T. (1993). Sobre a categoria gênero:
uma introdução teórico-metodológica. Recife:
S.O.S. Corpo.
CÉSAR, Eliezer. Império do tabaco. Jornal
Correio da Bahia, Salvador, p.04-13, 10
ago.2000
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
81
CHAUI, M. Brasil: mito fundador e sociedade
autoritária. São Paulo: Fund. Perseu Abramo,
2000.
DIEESE - Equidade de Gênero nas
Negociações Coletivas - Cláusulas relativas ao
trabalho da mulher no Brasil. DIEESE, São
Paulo, novembro de 1997
DESER. Departamento de Estudos Sócio-
Econômicos Rurais. A cadeia produtiva do
fumo. Curitiba-PR: Revista Contexto Rural.
ano III, n. 4, p. 33 dez. de 2007.
FONSECA. José Antonio de O. A
territorialidade da cultura do fumo em Cruz
das Almas- BA: tradições e mudanças. 2010.
Dissertação de Mestrado.
HEEMAAN, Fabiane. O cultivo do fumo e
condições de saúde e segurança dos
trabalhadores rurais. 2000, 124f. Dissertação
(Mestrado em Engenharia de Produção)
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul,Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2009.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
(IBGE) Produção Agrícola Municipal: 2009.
Rio de Janeiro, IBGE, 2009.
MENEZES, C.C. e MAGALHÃES, E.M. Crianças
e adolescentes na fumicultura/RS – trabalho,
escola, saúde. Porto Alegre: Ministério do
Trabalho – DRT,
out.1998. NARDI, Jean Baptiste. A história do
fumo brasileiro. Rio de Janeiro: ABIFUMO,
1985.
NUNES, A. C. P. P. Competitividade na
indústria de charutos na Bahia: o caso de
MenendezAmerino& Cia Ltda em São Gonçalo
dos Campos, 1977- 2002. Cruz das Almas,
BA. Dissertação de Mestrado da Escola de
Agronomia da Universidade Federal da Bahia,
2004.
_____. O fumo brasileiro no período colonial:
lavoura, comércio e administração. São Paulo:
Brasiliense, 1996.
SESI – Serviço Social da Indústria. Divisão de
Saúde e Segurança do Trabalho – DSST.
Gerência de Saúde e Segurança do Trabalho –
GSST. Manual de Saúde e Segurança no
Trabalho: Indústria da Construção Civil –
Edificações. São Paulo: SESI, 212p. Coleção
Manuais, 2008.
SILVA, Elizabete Rodrigues da.Fazer charutos:
uma atividade feminina. 2001. 230 f.
Dissertação de Mestrado em História da
Universidade Federal da Bahia, Salvador. 2001.
SINDITABACO. Sindicato da Indústria do
Tabaco do Estado da Bahia, 2010. Disponível
em:
<http://www.sindindustria.com.br/sinditabaco
>. Acesso em: 10 jan. 2010.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
82
SCOTT, Joan. Historia das mulheres. In:
BURKE, Peter. A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1992.
XIMENES, Sérgio, Dicionário da Língua
Portuguesa. 3 ed. Ediouro. São Paulo: 2001.
COSTA PINTO, Luiz de Aguiar. Recôncavo:
laboratório de uma experiência humana. In:
BRANDÃO, M. A (Org.). Recôncavo da Bahia:
sociedade e economia em transição. Salvador:
Fundação Casa de Jorge Amado, 1998.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
83
Capítulo VIII
Trabalho, Qualidade de Vida e
Aposentadoria: Uma Análise Evolutiva dos
Conceitos e das Relações que se
Constroem, em Torno deles.
TRABALHO, QUALIDADE DE VIDA E
APOSENTADORIA: Uma Análise Evolutiva
dos Conceitos e das Relações que se
Constroem em Torno Deles.
Luciana Lima Cerqueira1
RESUMO
Este artigo constitui-se integralmente da
primeira parte da minha monografia2
apresentada à Faculdade Regional da Bahia e
traz a análise dos conceitos de trabalho,
qualidade de vida e aposentadoria, bem
como algumas conotações e significados
socialmente construídos ao longo da história
humana que refletem sempre o contexto do
sistema produtivo, desde os tempos em que
se usava ferramentas primitivas para produzir
elementos básicos de sobrevivência à
contemporaneidade, cenário da revolução
tecnológica e da consequente reengenharia
dos espaços de produção. A necessidade do
estudo desencadeou-se em campo de
estágio, a partir da decisão de desenvolver
1 Graduanda em Serviço Social na Faculdade Regional da Bahia ─ UNIRB. É funcionária pública lotada na Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado da Bahia ─ SEAP. ([email protected]) 2 Monografia intitulada Aposentadoria na Câmara Municipal de Salvador: Uma Pesquisa Sobre a Qualidade de Vida dos Aposentados, cujo primeiro capítulo foi transformado neste artigo, inserindo-se pouquíssimas alterações, inclusive no título a fim de adequar o conteúdo ao gênero textual, sem alterar, no entanto, a sua essência.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
84
uma pesquisa monográfica para avaliar a
qualidade de vida de aposentados da Câmara
Municipal de Salvador. Objetiva analisar as
relações entre o trabalho e o indivíduo, ao
longo da sua história profissional e suas
influências na qualidade de vida no pós-
carreira. O conteúdo aqui apresentado é
produto de pesquisa documental e
bibliográfica, incluindo fontes eletrônicas e
resulta na seguinte conclusão: o trabalho é
de fato elemento central na formação da
identidade social dos indivíduos e é a relação
entre ambos que determina a qualidade de
vida que se tem durante a carreira e após a
aposentadoria; o fenômeno da centralidade
do trabalho é questionável, visto que
prejudica outros aspectos igualmente
importantes para a existência humana; a
supervalorização da atividade remunerada
com vínculo formal é um fenômeno que não
se harmoniza com o atual contexto
socioeconômico global, no qual a influência
do capitalismo neoliberal e o domínio
tecnológico sobre atividades, antes exercidas
só por humanos, vêm progressivamente
precarizando as relações de trabalho;
adaptações serão necessárias à
sobrevivência futura, posto que tende o
agravamento do desemprego estrutural e a
crescente flexibilização dos contratos de
trabalho, com a consequente redução da
estabilidade, mesmo para os trabalhadores
do setor público.
Palavras-chave: Trabalho; qualidade de
vida; aposentadoria.
ABSTRACT
This article consists entirely of the first part of
my thesis submitted to the Regional School
of Bahia and contains the analysis of the
concepts of work, quality of life and
retirement as well as some socially
constructed meanings and connotations
throughout human history that always reflect
the context of the production system, since
the times of primitive tools used to produce
the basic elements of survival to the
contemporary, the scene of the technological
revolution and the subsequent re-engineering
of production spaces. The need to study
initiated in the training field, from the decision
to develop an monographic study to assess
the quality of life for retirees of the City of
Salvador. It aims to analyze the relationship
between work and the individual, throughout
his professional history and its influences on
quality of life in post-career. The content
presented here is a product of desk research
and literature, including electronic sources
and results in the following conclusion: the
work is indeed a central element in shaping
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
85
the social identity of individuals and the
relationship between them is what determines
the quality of life that has during his career
and after retirement, the phenomenon of
centrality of work is questionable, since it
undermines other important aspects of
human existence, the overvaluation of formal
paid work with is a phenomenon that does
not accord with the current global economic
context in which the influence of neoliberal
capitalism and the technological domain of
activities, previously carried out only by
humans, are gradually undermining labor
relations; adaptations will be necessary for
future survival, since it tends to increase in
structural unemployment and the growing
flexibility of employment contracts , with the
consequent reduction in stability, even for
public sector workers.
Keywords: Work; quality of life, retirement.
INTRODUÇÃO
Mais ou menos em 935 a.C.3 um sábio e
abastado homem já filosofava a respeito da
relação entre homem, trabalho e qualidade de
vida. Trata-se de Salomão, que segundo a
Bíblia foi filho de Davi e rei de Jerusalém por
quarenta anos, que diferente de seu pai que
se notabilizou pela arte da guerra, tornou-se
conhecido em todo o mundo antigo por sua
sabedoria, capacidade estratégica e riqueza.
O próprio Salomão, no livro de Eclesiastes
capítulo1, versículo 13 declara: “Dediquei-me
a estudar e a inquirir com sabedoria tudo
quanto se faz debaixo do céu” (SALOMÃO
935 a.C, 1:13). Revisando o capítulo dois do
mesmo livro, entre os versículos quatro e dez
depreende-se que, além do forte capital
intelectual Salomão trabalhou muito, realizou
grandes obras e acumulou muitos bens
materiais. No entanto, em sua obra,
questiona o produto de tudo o que fez e
conclui que tudo não passa de “inquietação
da alma e vaidade” (SALOMÃO, 935 a.C,
2:11).
Não obstante, ao mesmo tempo em que
declara que seu coração se alegrou em todo
o seu trabalho Salomão alude à sensação de
3 Embora não haja provas materiais, nos anais do cristianismo se atribui ao rei Salomão a autoria do livro Eclesiastes que teria sido escrito “cerca de 935 a.C”. (Bíblia de Estudo Em Cores: Introdução a Eclesiastes. P. 742).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
86
saturação e ao fato de que jamais, na
experiência humana, se estará satisfeito com
o que se faz e com o que se tem.
Ainda no primeiro capítulo, no versículo
vinte e três (1: 23) o rei observa: “pois todos
os seus dias são dores e seu trabalho é
sofrimento; [...] Aqui, parece não referir-se a
si mesmo, pois além de usar o verbo na
segunda pessoa, provavelmente não realizava
tarefas árduas que lhe causasse sofrimento
físico, uma vez que era proprietário de
“servos e servas” (2:7). Ao que parece,
tratava do homem enquanto espécie humana;
analisava, portanto, a situação da massa
trabalhadora, da maioria, representada
certamente, pelos servos ou escravos que
executavam o serviço pesado, em obediência
a seus senhores e à necessidade de
sobrevivência.
Sobre o trabalho o autor apresenta a
seguinte conclusão: “Deus deu aos filhos dos
homens trabalho árduo para nele se
exercitarem” (SALOMÃO, 935 a.C 1:8). A
partir desta afirmação e diante do que se
revisou nos capítulos um e dois do livro de
Eclesiastes depreende-se, sob uma
perspectiva filosófico-religiosa, que o
trabalho tem como finalidade o exercício das
aptidões físicas e intelectuais do ser humano
e não a acumulação desenfreada e injusta de
bens materiais mediante a força de trabalho
de terceiros, pois tal, além de causar dor e
sofrimento para estes, não assegura a
felicidade dos demais.
Entretanto, o desejo de acumulação de
bens materiais antecede, e muito, o
surgimento do capitalismo. Trata-se, por
certo, de uma característica intrínseca à raça
humana que nem sempre foi possível
concretizar dadas as condições precárias do
processo produtivo em épocas mais
remotas. Não obstante, porém, o homem,
historicamente, sempre construiu
mecanismos de apropriação da capacidade
produtiva de terceiros para assegurar a
construção, manutenção e desenvolvimento
do seu patrimônio.
Esse processo de acumulação, contudo,
só se consolidou na sociedade industrial com
o surgimento e desenvolvimento das
máquinas, evento que vem transformando
imensamente as relações entre os indivíduos
e o trabalho, o que não garante, no entanto,
que haja sempre melhorias significativas na
vida pessoal dos trabalhadores.
Entretanto, no capitalismo moderno, o
processo de acumulação e as
transformações nos processos de trabalho
têm ganhado dimensão tal que os estudos
sobre o trabalho e sua relação com a
qualidade de vida dos indivíduos vem se
ampliando sobremaneira.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
87
É, pois, respaldado em parte desses
estudos que se construiu este artigo cujo
conteúdo apresenta uma análise da evolução
dos conceitos de trabalho, qualidade de vida
e aposentadoria, bem como as relações que
se constroem em torno deles.
A alusão ao sábio da era pré-cristã tem o
mero objetivo de mostrar que muito antes de
Karl Marx, em tempos remotos, ainda que
sob uma perspectiva bem diferente, o
trabalho e suas consequências para a vida
humana já era objeto de reflexões. Já se
questionava a existência ou não de uma
relação entre o trabalho e os sentimentos de
alegria e de satisfação pessoal.
A estrutura deste artigo e seu aporte
teórico assim se constituem: a princípio são
apresentadas as concepções de José Carlos
Zanelli4, Narbal Silva5, Dulce Helena Penna
Soares6, Jeremy Rifkin e Domenico DE Masi.
Os três primeiros trazem as diferentes
definições, significados e associações do
termo trabalho, desde sua origem. E os dois
últimos, apresentam suas concepções
acerca das relações que se gestam em torno
4 Doutor em educação pela Universidade de Campinas, SP. Professor dos programas de pós-graduação em psicologia e em administração da UFSC. 5 Entre outras formações, é Psicólogo, Especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho. 6 Psicóloga. Atua em pesquisas sobre Aposentadoria, Escolha Profissional, Projeto de Futuro e Identidade e Planejamento de Carreira.
do conceito de trabalho no contexto
contemporâneo.
A seguir será apresentado o conceito de
qualidade de vida segundo a Organização
Mundial de Saúde com o aporte teórico da
assistente social Sandra Márcia Lins de
Albuquerque. Posteriormente se apresentará
o conceito de aposentadoria segundo as
acepções dos já citados autores Zanelli, Silva
e Soares e por fim serão apresentadas as
conclusões deste estudo.
2 TRABALHO: ORIGEM E SIGNIFICADOS DO
TERMO
A compreensão do trabalho nos moldes
em que se apresenta na sociedade capitalista
exige um apanhado histórico dos seus
significados e transformações desde o tempo
em que, vivendo no clã, o homem, mediante
instrumentos primitivos se confrontava com a
natureza para obter alimento e sobreviver até
o momento em que, com o aperfeiçoamento
dos meios de produção e o surgimento da
propriedade privada, apropria-se da
capacidade produtiva do outro para acumular
bens materiais.
Na medida em que foi aperfeiçoando os
instrumentos de produção, o homem foi
percebendo que podia produzir mais do que
precisava para seu consumo imediato. Surge,
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
88
então, o escambo: forma de comércio
predominante na fase nômade do homem
que se caracterizava pela troca de um
produto excedente por outro que lhe faltasse.
Até aí, tudo o que se produzia atendia uma
demanda coletiva.
Neste período da história humana o
trabalho era praticado em seu viés
ontológico, ou seja, genericamente
proporcionava ao homem a condição de
agente da história humana, pois, através do
trabalho árduo enfrentava as intempéries
naturais para criar suas próprias condições
de vida. Transformava o ambiente e imprimia
nele a sua marca, diferenciando-se dos
outros animais; via no produto do seu
trabalho os reflexos da sua ação. Assim, o
trabalho era central no desenvolvimento
humano e na construção identitária dos
indivíduos.
Essa forma de “comunismo primitivo teve
fim por volta de 5.500 a 2.000 a C, com o
surgimento da agricultura, com a
domesticação dos animais e o uso dos
metais” (NETTO e BRAZ, 2009. p. 56). A
partir de então os clãs mais produtivos e
mais bem armados começam a se apropriar
dos menos favorecidos, tornando-os seus
escravos.
O escravismo confere ao trabalho um
novo significado social: já não é o
instrumento de desenvolvimento humano,
mas de divisão de classes, de exploração e
sofrimento. Já não contribui na formação
identitária de todos os indivíduos, mas
apenas de uma parcela deles. Para outros,
torna-se um elemento desagregador. O
escravo produz para terceiros e nem ele
mesmo se pertence.
O escravismo, segundo Netto e BRAZ (2009,
p. 64) “se estrutura no ocidente por volta do
ano 3.000 a.C e dura até o fim do Império
Romano”, quando tem início o feudalismo,
com a chamada Idade Média, a partir do
século V.
O feudalismo foi um regime que se apoiou
na propriedade da terra pelos senhores
feudais que exploravam os camponeses, a
quem concediam uma ínfima propriedade
agrária, visando estimular o seu empenho em
produzir mais. Na verdade não era a terra
(pequena propriedade) que pertencia aos
camponeses, mas os camponeses
pertenciam a terra, de modo que, quando a
propriedade feudal era vendida, o negócio
incluía os servos.
No feudalismo os meios de produção
ficavam sob responsabilidade dos
camponeses. Novas técnicas de produção
agrícola foram desenvolvidas e os
instrumentos de trabalho foram
aperfeiçoados. No entanto, o trabalho no
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
89
regime feudal significou, por dez séculos, a
reprodução das condições de existência dos
feudos e a subsistência dos camponeses.
Diferente dos escravos, os servos podiam
usar os meios de produção para cultivar suas
terras, desde que pagassem tributos aos
seus senhores. O significado social do
trabalho era permeado por um antagonismo,
que, se por um lado prendia o camponês à
sua condição servil, por outro, lhe legitimava
enquanto classe antagônica, o que lhe
permitia rebelar-se contra a outra classe. Este
fato, associado à pequena propriedade e
outros fatores típicos da época foram
favoráveis à luta dos servos contra seus
senhores, o que, entre outros fenômenos de
maior importância, culminou no fim do
regime feudal no século XV.
Um personagem importante no cenário da
queda do feudalismo foi o mercador que
comercializava, a princípio, os produtos da
propriedade feudal e os elaborados pelos
artesãos e, posteriormente, especiarias
vindas de mercados internacionais
resultantes da abertura de novas rotas
marítimas. A extinção de alguns feudos e a
concentração dos demais resultou na
migração de camponeses para as cidades
que cresceram e aumentaram a demanda por
produtos. Tais camponeses, então, passaram
a trabalhar para os mercadores (burgueses
comerciantes).
Nas cidades ou burgos, artesãos e ex-
camponeses recebiam matéria- prima, meios
de produção e eram assalariados para
produzir. Os burgueses, além de financiarem
a produção, comercializava-a Assim surge o
mercantilismo: um período de transição do
modo de produção feudal para o modo de
produção capitalista. Aí surgem as
manufaturas, ou seja, os artesãos e ex-
servos deixam de fabricar sob encomenda e
passam a produzir em quantidade, em
estabelecimentos apropriados e de forma
sistematizada.
Anterior à manufatura, tanto o artesão
quanto o camponês trabalhavam junto à
família e ficavam responsáveis pelos meios
de produção. Posteriormente, perdem essa
autonomia, passam a produzir em galpões
com ajudantes e auxiliares. É a separação do
trabalhador dos meios de produção. “É a
divisão social do trabalho”. (NETTO e BRAZ,
2009, p. 80). Aí se inicia também a divisão
sexual do trabalho: as mulheres ficam
responsáveis pelas tarefas domésticas e
educação dos filhos, enquanto os homens se
deslocam para o ambiente de produção e se
tornam responsáveis pelo sustento da
família.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
90
Dizem ainda os autores anteriormente
citados que a “produção mercantil” [...],
entre os séculos XVI e XVIII resulta em
mercadoria que é vendida para gerar dinheiro
para comprar mercadoria, ou seja, a moeda é
circulante. O dinheiro não era fim, mas meio.
Não existia a ideia da mais valia; o lucro era
gerado mediante o acréscimo do valor da
mercadoria no seu destino final (o consumo).
A isso também se chama capitalismo
comercial.
O século XIX, no entanto, traz a lógica
capitalista da mais valia. É no capitalismo
industrial que o tempo de produção passa a
ser controlado pelo patrão a fim de que se
produza mais em menos tempo, recebendo o
mesmo pagamento. É esse excedente de
produção que garante a acumulação
capitalista. A partir daí, se compreende o
trabalho sob o conceito marxista, conforme
se verá a seguir.
O trabalho na sociedade capitalista se
apresenta como uma faca de dois gumes. Se
por um lado é instrumento de exploração e
alienação, por outro é o mantenedor da vida,
ferramenta de transformação da natureza e
da sociedade; elo de articulação dos direitos
sociais e fator preponderante na construção
da identidade social e da afirmação da
autoestima dos indivíduos. Abaixo, o que
trazem os autores Zanelli, Silva e Soares
sobre a origem da palavra trabalho:
A palavra trabalho, em sua origem, como
é bastante conhecida, está relacionada a
alguma forma de tortura, sofrimento ou
esforço doloroso [...], um pesado fardo
que nos impede de viver [...], associado à
compreensão da atividade laborativa
como fonte de alienação econômica,
política e de aflição para aqueles que a
realizam (ZANELLI, SILVA e SOARES,
2010, p. 21. Grifo nosso).
A definição acima está associada ao
conceito marxista, segundo o qual a
capacidade produtiva do trabalhador ao
transformar-se em mercadoria apropriada
pelo capitalista torna-se fonte de alienação
para aquele que se torna dependente das
condições impostas pelo capitalismo para
produzir seu meio de subsistência, sem se
ater que ao mesmo tempo reproduz as
condições de sobrevivência do sistema
produtivo que o aprisiona e o explora e ainda,
determina o seu modo de vida e suas
relações sociais.
Conforme exposto acima, há sentido em
dizer que o trabalho causa sofrimento, pois,
ao deixar de ser propriedade do trabalhador,
deve ser realizado na forma e para fins
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
91
determinados com os quais, muitas vezes, o
indivíduo não se identifica, e em ambientes
com os quais não se harmoniza.
Porém, não é só isso; o conceito de
trabalho não traz em seu bojo apenas
aspectos negativos. Apesar de se trabalhar
visando o salário que se receberá como
compensação pela atividade realizada, o
indivíduo, pela sua própria gênese, procura
dar sentido à sua existência através do
trabalho, ou seja, da atividade transformadora
mediante a qual submete a natureza e a
transforma; constrói o seu ambiente e se
permite ser influenciado por ele, ao mesmo
tempo em que deixa nele a sua marca, o seu
legado.
As análises acima permitem afirmar que o
trabalho, apesar de trazer em sua gênese um
significado ontológico, vem historicamente,
ganhando outras significações no contexto
socioeconômico. Esta afirmação é
corroborada por Zanelli, Silva e Soares no
trecho abaixo:
[...] O trabalho pode ser compreendido
como todo esforço do ser humano, físico
ou psíquico, ao intervir em seu ambiente
com a finalidade de transformar, incluindo
atividades como lazer e outras de natureza
não remunerada [...]. Para o trabalhador,
tornou-se um meio de ganhar um salário e
a base da construção de sua identidade
(ZANELLI, SILVA e SOARES, 2010, p. 21).
Diante do exposto, entende-se que o
trabalho tanto pode ser um instrumento de
aprisionamento como um símbolo de
liberdade, dependendo da relação que se
estabelece entre ele e o indivíduo que o
executa, partindo-se do princípio de que a
capacidade produtiva é intrínseca ao
trabalhador e que o capitalista ao apropriar-se
do seu potencial não o faz em sua totalidade,
mas a partir de um recorte, visando atender
uma demanda específica.
Assim, sobra ao indivíduo a sua
criatividade e a sua histórica capacidade de
desenvolver várias habilidades, o que lhe
possibilita, ainda que empregado, sob a
lógica da acumulação capitalista,
desenvolver, no tempo dedicado ao
descanso, atividades que visem lhe
proporcionar prazer, com as quais se
identifique e através das quais possa
transformar a sua realidade com vistas ao
futuro que idealiza.
Trata-se acima de atividades que, tenham
ou não natureza remunerada, caracterizam-se
conforme Zanelli, Silva e Soares, como
trabalho. Assim, ressalte-se que o trabalho
apresenta tanto um viés alienante quanto um
viés libertador.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
92
Desde que não seja excepcionalmente
vinculado à instituição formal remuneradora
que absorve todo o tempo do indivíduo, não
lhe permitindo desenvolver nenhuma outra
atividade, o trabalho pode ter uma conotação
positiva; pode ser uma atividade através da
qual o indivíduo se compraz, se realiza,
sendo ou não remunerado para desenvolvê-
la.
É comum, quando um trabalho não gera
renda suficiente, buscar outro para
complementá-la. Neste caso, deve-se buscar
nessa segunda atividade, além de resultados
financeiros, o resgate da essência identitária
e da auto estima, liberdade para associar ao
potencial produtivo a capacidade criativa.
Deste modo o indivíduo não se sentirá tão
indiferente ao produto final do seu trabalho,
mas, ao ver-se representado nele se sentirá
recompensado e terá prazer.
De Masi7, atento às contradições do
progresso tecnológico, alerta a sociedade
para o aumento do desemprego e sugere
uma redução drástica na carga horária de
trabalho para que novos empregos possam
ser criados. Porém, ao ser questionado se as
pessoas tendo mais tempo livre não
procurariam outra atividade responde: “ter
dois empregos já é melhor do que ter um só.
7 Domenico DE Masi, italiano. Sociólogo do trabalho, pesquisador e escritor do livro o Ócio Criativo, entre outros.
É mais diversificado e permite as
distribuições dos riscos em várias frentes”
(DE MASI, 2000, p. 177).
O autor supramencionado censura a
idolatria ao trabalho e conclama a sociedade
para uma mudança de paradigmas sob os
quais, “os trabalhadores teriam mais tempo
disponível para a vida pessoal, revitalizariam
seus relacionamentos com a família, com a
cultura, com o bairro e alimentariam a própria
criatividade” (DE MASI, 2000, p. 159).
Porém, reconhece que não se trata de um
processo fácil, pois, “[...] Não se abandona
num segundo os hábitos adquiridos [...]” (DE
MASI, 2000, p. 21).
No entanto, por seu caráter mediador das
relações sociais, referência no processo da
construção identitária e, principalmente, por
assegurar o sustento do trabalhador e da sua
família, o trabalho tende a protagonizar o
cenário na vida dos indivíduos, impondo aos
outros elementos papel secundário. Este
fenômeno, porém, quando não mistificado é
justificadamente naturalizado pela sempre
crescente necessidade de consumo
estimulada pela excessiva oferta do mercado.
O protagonismo referido acima se dá
quando as pessoas se envolvem tão
profundamente com o ambiente de trabalho
formal que o elege como única via de
produção e de socialização; limitam suas
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
93
atividades àquela atividade remunerada e seu
ciclo de amizades aos colegas de trabalho
sem pensar que num futuro não tão distante
seu vínculo com a empresa será interrompido
e o tempo e a distância geográfica se
encarregarão de enfraquecer os laços ali
construídos.
Esta postura restritiva mencionada acima
certamente prejudica a capacidade criativa do
trabalhador, sua relação com a família e
priva-o de gozar dos prazeres da diversidade
sociocultural. Tais consequências, porém,
podem ser percebidas tardiamente, quando
chega o momento da aposentadoria, depois
de décadas daquela relação umbilical com o
ambiente socio-ocupacional.
Sob essa perspectiva social do trabalho
Zanelli, Silva e Soares apresentam a seguinte
concepção:
O trabalho é o principal ordenador da vida
humana associada. Regras, horários,
atividades e interações sociais são dispostas
conforme as exigências que as tarefas
impõem. Tais características, se por um lado,
contemplam a peculiaridade humana de
busca por ordem, consistência e
previsibilidade, por outro, ao estabelecerem
sincronicidade e um ritmo frenético de vida,
dispõem às pessoas tempo físico e psíquico
restrito para que possam pensar e aprimorar
suas vidas pessoais (Senge, 1999, apud
ZANELLI, SILVA e SOARES, 2010, p. 23,
grifo nosso).
Conforme se pode observar acima, a
absorção pelo trabalho, da quase totalidade
do tempo das pessoas é um fator
desfavorável para o estabelecimento de
caminhos e direções, objetivos e metas para
o futuro. Deste modo, o desligamento da
instituição pode causar grande impacto frente
ao desafio de uma nova realidade, tendendo
transformar-se em um processo de
sucessivas frustrações.
A súbita reaproximação com o ambiente
sociofamiliar e com os problemas que lhe
cercam, a aproximação da velhice e a
possível descoberta da fragilidade da saúde
que não foi bem cuidada por falta de tempo,
totalmente ocupado com o trabalho
remunerado; tudo isso associado à
desvalorização salarial nos anos que se
seguem a aposentadoria pode culminar na
redução da qualidade de vida com
complicações do estado de saúde e até no
surgimento de uma depressão. A esse
respeito merece destaque a seguinte
afirmação:
Em razão da importância da presença
física e psicossocial do trabalho na vida das
pessoas, ao perderem o emprego, muitas
ficam desorientadas, deprimidas,
desestruturam-se emocionalmente, sentem-
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
94
se inúteis e com a percepção, aliada a
sentimentos, de que não têm contribuições
úteis que possam dar. Como conseqüência,
buscam em outras situações formas
compensatórias ou refúgios, como é o caso
do uso abusivo do álcool e de outras drogas,
percebidas como modos de atenuar os
efeitos das “dores existenciais” às quais se
encontram submetidas (ZANELLI, SILVA e
SOARES, 2010, p. 23).
Os fatores acima mencionados podem
constituir-se em questão de grande monta
para os trabalhadores de ambos os gêneros,
no momento da aposentadoria. Ora! Se para
o homem, que a vida inteira foi educado para
serviços externos é difícil, de repente se vê
obrigado a lidar com problemas relacionados
ao ambiente doméstico, para a mulher
emancipada, que não se identifica muito com
os afazeres do lar, também o é.
Deste modo, e diante da atual distribuição
dos papeis sociais, é compreensível que
ambos estranhem essa nova realidade e isso
sugere a possível necessidade de um
desmame do ambiente de trabalho e uma
readaptação ao ambiente doméstico e seu
entorno, associado ao estabelecimento de
novas metas para efetivar o projeto pós-
carreira, tanto para os trabalhadores do sexo
feminino quanto para os do sexo masculino.
No entanto, o risco dos problemas acima
mencionados pode ser evitado se
associarmos à vida laboral atividades
esportivas e socioculturais, se
desenvolvermos concomitantemente às
habilidades laborais a nossa capacidade
criativa e se aprendermos a utilizar o tempo
ocioso investindo também em nossa
intelectualidade, lembrando que trabalho não
é só aquilo que se faz com os braços; não é
só o que se traduz em dinheiro ou outros
bens tangíveis, mas tudo aquilo que pode
produzir informação, conhecimento e
transformação de uma realidade.
O trabalho deve também, produzir
felicidade e não se restringe as atividades
laborais remuneradas executadas em
ambientes formais. O ato de pensar, por
exemplo, uma atividade que pode transformar
o mundo, exige, não raras vezes, momentos
de ócio. Na Grécia antiga ócio era privilégio
dos ricos, dos homens que praticavam
esportes, artes e política, uma minoria que
decidia sobre o futuro de todos, enquanto a
mera execução de tarefas braçais era
delegada aos escravos (DE MASI, 2000).
Hoje, porém, o ritmo frenético de vida ao
qual fomos aculturados, reflexo da
industrialização, do capitalismo globalizado e
da imposição maciça da necessidade de
produção e consumo, nos transtorna de tal
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
95
maneira que somos capazes de adoecer
quando não vemos nada palpável, tangível e
lucrativo a que possamos relacionar com
nossas habilidades e com o que possamos
nos identificar enquanto executores.
De Masi faz uma alusão a esse
comportamento ao criticar a elite capitalista
da sociedade pós-industrial que, apesar das
transformações nas condições de produção
desencadeadas pela revolução tecnológica se
porta em relação ao trabalhador, na maioria
das vezes, como se estivesse “na era
taylorista” quando bastava ao capitalista que
o trabalhador se limitasse a “enroscar
parafusos, coisa que nada exigia do campo
das ideias” (DE MASI, 2000, p. 174).
Ao justificar sua teoria da necessidade de
mudança de paradigmas nas organizações de
trabalho o autor afirma:
Sempre com base nas estatísticas,
constato que, tanto no tempo em que se
trabalha, quanto no tempo vago, nós, seres
humanos, fazemos hoje sempre menos
coisas com as mãos e sempre mais coisas
com o cérebro, ao contrário do que acontecia
até agora, por milhões de anos (DE MASI,
2000, p. 16).
O autor faz alusão a atividades que antes
eram executadas por mãos humanas e
atualmente são pensadas por mentes
humanas e executadas por máquinas, robôs,
controles remotos e computadores. Este
fenômeno é produto da revolução tecnológica
que se instalou em todas as instâncias da
vida humana, tanto dos que estão inseridos
no mercado de trabalho, como fora das
organizações de produção.
Porém, é na instância produtiva que se faz
notar com alarde: inovando os meios e
condições de produção, permitindo as
organizações de trabalho produzir mais em
menos tempo, com menor contingente
humano, e ao capitalista acumular mais. No
entanto, a resistência dos empregadores às
mudanças nos paradigmas que regem as
relações de trabalho impede inovações na
qualidade de vida dos trabalhadores, dentro e
fora das organizações.
Está claro, portanto, que inovações nas
condições de produção não garantem
melhores condições de trabalho e de vida
para todo trabalhador. O setor produtivo
parece não ter descoberto uma das
relevantes possibilidades da revolução
tecnológica, tão defendida por De Masi como
o fenômeno do futuro: o tempo livre,
resultante de uma produção eficiente
derivada da articulação entre tecnologia,
inovação e criatividade, uma combinação
capaz de aliviar o cansaço humano (DE
MASI, 2000).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
96
Sobre a relação entre os avanços
tecnológicos e a possibilidade de tempo livre,
Rifkin8 concorda com De Masi ao afirmar
que: “As revoluções das tecnologias da
informação e da comunicação virtualmente
garantem mais produção com menos
trabalho humano. De uma forma ou de outra,
mais tempo livre é a consequência inevitável
da reengenharia” (RIFKIN, 1995, p. 244).
Infelizmente, no contexto da sociedade
capitalista brasileira, a consequência da
reengenharia ainda não é o tempo livre. Em
nossa realidade, as inovações tecnológicas
nas organizações de trabalho têm provocado
as seguintes situações:
� Aumento do desemprego, pois uma
máquina ou robô dispensa o trabalho
de muitas pessoas. E como em nossa
cultura a ideia da redução da carga
horária com o escopo de gerar
emprego para os sobrantes ainda não
foi aderida, quem perdeu o emprego
continua desempregado.
� Sobrecarga de trabalho, pois, sob o
discurso toyotista9 da versatilidade os
8 Economista norte americano, escritor, palestrante, conselheiro político e ativista. Em seus livros e palestras versa sobre as novas tendências na ciência e na tecnologia e suas influências na economia, sociedade e ambientes globais.
9Toyotismo: modo de produção capitalista que surge no Japão, no desfavorável contexto do pós-segunda guerra.
trabalhadores são preparados para
desenvolver, em seu tempo livre
resultante do milagre tecnológico,
outras funções além daquela que
consta no seu contrato de trabalho.
Assim, quando conclui as atividades
em seu setor é deslocado para outro, a
fim de “dar um apoio ao seu colega”.
� O aumento das doenças ocupacionais,
principalmente nas fábricas
automobilísticas, em suas linhas de
montagem, nas quais as inovações
tecnológicas têm como escopo o
aumento da produção e exigem dos
operários a sincronização dos seus
movimentos com o ritmo das
máquinas ou robôs.
Nesse ritmo, no contexto brasileiro
contemporâneo, a perspectiva demasiana já
se aplica no que tange a redução do tempo
de produção de bens e serviços, no entanto,
quanto à tese do autor de que a sociedade
caminha em direção ao aumento do tempo
livre, do não trabalho, do ócio criativo, é uma
possibilidade ainda remota neste país.
Contudo, cabe a tese em questão ser
analisada com respeito por tratar-se,
conforme o autor, do resultado de dados
Elaborado em uma fábrica automobilística da Toyota, tem entre suas características, a multifuncionalidade do operário.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
97
estatísticos adquiridos em estudos e
pesquisas sociológicas. Embora alguns
críticos a considerem utópica, aqui é
entendida como uma visão futurista, baseada
nos fenômenos mais marcantes da
sociedade pós-industrial: o espantoso
desenvolvimento tecnológico, a globalização
e as crescentes contradições advindas do
próprio modo de produção. Ademais, a
análise cuidadosa da proposta demasiana
pode evitar o risco de se andar na contramão
da história.
Já a afirmação de Rifkin sobre “o declínio
inevitável dos níveis dos empregos”
resultante da reengenharia dos espaços
produtivos proporcionada pelo
aperfeiçoamento da tecnologia se identifica
parcialmente com a realidade brasileira, pois,
dados do censo 2010 mostram o percentual
de “1,6 milhão de pessoas desocupadas”
(IBGE, 2010). Convém, no entanto,
esclarecer que a reengenharia dos espaços
produtivos, no caso brasileiro, não responde
sozinha por esse contingente de
desocupados. Trata-se, contudo, de um dos
fatores relevantes que geram o desemprego
neste país.
Sobre o espaço que a tecnologia vem
roubando aos trabalhadores Rifkin comenta:
Enquanto as primeiras tecnologias
substituíram a força física do trabalho
humano, trocando a força muscular por
máquinas, as novas tecnologias baseadas
no computador prometem substituir a
própria mente humana, colocando
máquinas inteligentes no lugar dos seres
humanos em toda a escala da atividade
econômica. (RIFKIN, 1995, p. 05).
Em nível global, no entanto, conforme
aludem Rifkin e DE Masi, o trabalho tende a
se tornar cada vez menos presente na vida
das pessoas, forçando-as a desenvolverem
habilidades que lhes assegurem o exercício e
o desenvolvimento das suas potencialidades,
de modo que, mediante a criatividade que
lhes é inerente possam instituir novos e
diversos meios de sobrevivência.
Embora manifeste o desejo de uma
transformação macro e afirme “com base em
estudos e dados estatísticos”, que a
sociedade pós-industrial caminha, ainda que
a passos lentos, nessa direção, DE Masi
adverte:
Nego, porém, que a criatividade e a
inovação possam brotar em organizações
que ainda são administradas com tempo,
métodos e sistemas de comando
concebidos há cem anos, não para inovar
ou criar, mas para executar. (DE MASI,
2000, p. 328).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
98
Deste modo é impossível prever quanto
tempo resta para que a mudança proposta
pelo sociólogo se efetive. No entanto, o
mesmo não espera o fim do sistema
capitalista para que tais mudanças
aconteçam. Otimista, o teórico parece seguro
que as próprias contradições do sistema
obrigará as organizações empregadoras a
uma mudança nos paradigmas que regem as
relações de trabalho.
A revisão de literatura sobre a análise da
conjuntura socioeconômica global
contemporânea evidencia que as
reformulações nas relações de produção
feitas sob a égide do neoliberalismo, além de
agravar os prejuízos da massa trabalhadora
não baniram a possibilidade de um colapso
do sistema capitalista, resultante das suas
próprias incompatibilidades.
Assim, conjectura-se que o otimismo que
permeia a proposta de DEMasi reside no fato
de a crescente complexidade dos problemas
que ameaçam o sistema econômico em
questão exigir uma nova reformulação que
não tenha como único escopo o aumento
dos lucros, mas, também o aumento do
poder de consumo. Deste modo, a redução
da semana de trabalho seria uma
possibilidade a ser considerada para a
distribuição de emprego e consequente
geração de renda.
Neste sentido, as previsões de DEMasi são
compartilhadas com Rifkin que afirma:
A resistência das corporações à semana
de trabalho menor será abrandada nos
próximos anos, à medida que as
empresas se conscientizarem de diminuir
a distância entre a superprodução de bens
e serviços e o declínio do poder aquisitivo
do consumidor [...]. (RIFKIN, 1995, p.
252).
Sobre a gradual retração do conceito de
trabalho na vida humana pós- moderna já
aludida por DE Masi, Rifkin afirma:
Desde o seu início, a civilização tem se
estruturado, em grande parte, em função
do conceito de trabalho [...]. O trabalho
tem sido parte tem sido parte integral da
existência diária. Agora, pela primeira vez,
o trabalho humano está sendo
sistematicamente eliminado do processo
de produção [...] (RIFKIN, 1995, p. 03).
Assim como o sociólogo italiano, Zanelli,
Silva e Soares concordam que o trabalho nos
moldes em que se dá absorve o tempo das
pessoas e restringe a sua capacidade de
desenvolver outras habilidades que lhes
confiram melhor qualidade de vida. Sob a
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
99
perspectiva sociológica ou sob a ótica da
psicologia, ambos entendem que “demandas
profissionais e pessoais” não devem ser
vistas como “incompatíveis” (ZANELLI,
SILVA e SOARES, 2010, p. 36).
Porém, enquanto De Masi (2000, p. 16)
concebe a possibilidade de “ócio criativo -
quando trabalho, estudo e jogo coincidem –“
na vigência mesmo do trabalho remunerado,
Zanelli, Silva e Soares (2010, p. 36)
concebem “o momento da aposentadoria
como propício a elaboração do `ócio
criativo`” interpretado por estes últimos
como:
A intersecção entre três elementos
fundamentais: o trabalho (esforço
laborativo revestido de sentido para quem
o realiza); estudo (posicionar-se de modo
`aberto` para aprender continuamente ao
longo da vida); e jogo (entremear nos dois
anteriores espaços lúdicos de lazer,
brincadeira e convivência saudável)
(ZANELLI, SILVA e SOARES. 2010, p. 36).
A despeito dos empecilhos do sistema
econômico vigente e o histórico ranço
cultural que envolve a sociedade,
contraditoriamente, a versatilidade é uma
qualidade cada vez mais exigida para
assegurar a inserção e manutenção no
mercado de trabalho, bem como a
manutenção de indicadores de qualidade de
vida como saúde, educação, acesso a
cultura, ao laser e outros. Para efeitos neste
último caso, a versatilidade deve ser aplicada
na vida pessoal.
A afirmação acima implica em o
trabalhador, independentemente dos
paradigmas que regem sua relação de
trabalho buscar empreender mudanças na
sua vida pessoal, administrando seu tempo
livre com criatividade, investindo em
atividades que confiram sentido a sua
existência e desenvolvam o seu capital
intelectual, sua autoestima e sua saúde.
Conclui-se, dessa abordagem sobre
trabalho, que trata-se de um conceito cujo
bojo reúne vários significados e
interpretações sociais. Assim, se
ontologicamente é elemento central no
processo de desenvolvimento humano e
identitário, socialmente pode ter diferentes
conotações, a depender da época, da cultura
e do contexto político e econômico vigentes.
Quando realizado de forma politizada e
consciente ─ não como atividade central cujo
único escopo seja a geração de renda para
atender necessidades básicas ou de
consumo ─, o trabalho pode ter
repercussões tão positivas na vida dos
indivíduos que se refletem,
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
100
consequentemente, em todas as suas
dimensões, aumentando assim o nível
daquilo que se entende por qualidade de vida,
conceito que será abordado a seguir.
3 QUALIDADE DE VIDA
O conceito de qualidade de vida aqui
apresentado foi construído pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) após estudos que
envolveram “cientistas sociais, filósofos e
políticos” (OMS, 2011) e pode ser utilizado
mundialmente, pois tem validade
internacional. No entanto, para a
compreensão do processo de construção
desse conceito cabe apresentar os
instrumentos utilizados pela OMS para avaliar
a qualidade de vida dos indivíduos,
representados pela sigla WHOQOL.
Boa parte das informações de que se trata
foram obtidas mediante meio eletrônico.
Trata-se do site da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul que mediante a Faculdade
de Medicina, desenvolveu a versão em
português dos instrumentos de avaliação de
qualidade de vida da OMS; “um projeto
coordenado por Dr. Marcelo Pio de Almeida
Fleck do Departamento de Psiquiatria e
Medicina Legal da UFRS” (UFRS, 2011).
Foram utilizadas ainda, outras fontes
eletrônicas conforme se verá a seguir.
Além da pesquisa eletrônica conta-se aqui
com o aporte teórico da assistente social
Sandra Márcia Lins de Albuquerque10 cujas
concepções sobre o conceito de qualidade
de vida apresentadas em sua dissertação de
mestrado intitulada Assistência Domiciliar:
Diferencial na Qualidade de Vida do Idoso
Portador de Doença Crônica serão aqui
mencionadas.
3.1Esclarecendo a Sigla WHOQOL
O projeto de construção de um
instrumento capaz de avaliar a qualidade de
vida dos indivíduos, independente de sua
cultura, se deu através da formação de
grupos de estudo, pela Organização Mundial
de Saúde, que envolveu a participação de
pessoas, sadias e portadoras de doença, de
quinze países diferentes. O projeto tinha
como objetivo formular um questionário
cujas respostas possibilitassem a avaliação
sistematizada da qualidade de vida de
indivíduos, em qualquer país do mundo,
tornando-se, portanto, um instrumento de
validade internacional. (OMS, 2011)
10 Graduada pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Católica de Belo Horizonte/MG. É especialista em Administração Hospitalar; mestre e doutora em Ciências, programa de Fisiopatologia experimental da Faculdade de Medicina da universidade de São Paulo. (ALBUQUERQUE, 2003).
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
101
No projeto, que se dividiu em diferentes
estágios compreendidos entre os anos de
1992 a 1997, considerou-se para a
construção do instrumento de avaliação
supracitado “que qualidade de vida é um
construto subjetivo (percepção do indivíduo
em questão), multidimensional e composto
por dimensões positivas (p.ex.mobilidade) e
negativas (p. ex. dor)” (OMS, 2011). Assim,
elaborou-se o World Health
OrganizationQualityof Life – WHOQOL, cuja
tradução em português não foi encontrada na
revisão teórica para esta pesquisa.
Trata-se de um questionário cuja estrutura
foi baseada em “seis domínios: Físico,
Psicológico, Nível de Independência,
Relações sociais, Meio-ambiente e
Espiritualidade/Crenças Pessoais” (op. Cit.).
A princípio, construiu-se um documento
composto por cem questões, denominado
WHOQOL 100. Posteriormente elaborou-se
uma versão abreviada do questionário,
composta por vinte e seis questões,
denominada WHOQOL BREF, composta por
quatro domínios: Físico, Psicológico,
Relações Sociais e Meio ambiente.
Assim, os instrumentos WHOQOL,
propriedades da Organização Mundial de
Saúde, atualmente disponíveis em vinte
idiomas diferentes, podem ser utilizados para
pesquisas que visem a avaliação da
qualidade de vida de pessoas de qualquer
cultura, desde que “suas orientações,
questões e `layout` não sejam modificados
de nenhuma forma” (OMS,. 2011.).
3.2 Conceituando Qualidade de Vida
É comum ao serem questionadas sobre o
que entendem por qualidade de vida, as
pessoas associarem-na ao padrão de vida.
Outras, porém, associam-na a aspectos
diversos como saúde, família, trabalho,
atividades esportivas, amor, dinheiro, prazer
e morar bem. De fato, todos esses aspectos
são indicadores de qualidade de vida, pois,
se inserem nas dimensões física, psíquica e
material dos indivíduos, incluindo
objetividades e subjetividades que compõem
a existência humana.
No entanto, o que torna complexo avaliar
a qualidade de vida é a variedade de
concepções acerca desses indicadores. Ou
seja, a percepção relativa de cada pessoa
sobre, por exemplo, morar bem, prazer,
trabalho e outros, visto que tal percepção
pode variar em época, cultura e grupos
sociais.
Deste modo, enquanto um indivíduo
entende por qualidade de vida, entre outras
coisas, o acesso a serviços e bens de
consumo que agregam o valor da alta
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
102
tecnologia, uma pessoa ou um grupo de
pessoas pode entendê-la de forma diferente.
Assim, não se pode negar que tem
qualidade de vida uma comunidade que
abdica das benesses do desenvolvimento
industrial e tecnológico sem indagar aos seus
indivíduos como se sentem naquela condição
de vida. Desde que outros indicadores
estejam presentes, é possível que respondam
que aquele contexto lhes proporciona
qualidade de vida. E é esta percepção
individual que deve ser considerada na
avaliação em questão e não os “padrões”
socialmente determinados.
Um exemplo do que se afirma acima é o
estilo de vida da comunidade Amish11, na
Pensilvânia, Estados Unidos. Trata-se de uma
pequena população protestante,
conservadora, que vê nas inovações do
mundo moderno uma ameaça de
desagregação da família e de corrupção da
tradição religiosa.
Para os Amish viver bem é manter-se
longe da poluição ambiental e sonora, ter boa
saúde, educar o bastante para reproduzir a
cultura local; manter a coesão familiar e
11 A primeira fonte de informações sobre a comunidade Amish foi o filme Graça e Perdão que, baseado em fatos reais relata a tragédia sofrida pelos Amish, em 2006, em uma escola que foi invadida por um atirador suicida (não Amish) que assassinou cinco meninas e deixou outras feridas. Posteriormente pesquisou-se sobre os Amish nos seguintes sites: http://pessoas.hsw.uol.com.br/amish e http://pt.wikipedia.org/amish.
comunitária com base no amor e no perdão e
aplicar, literalmente, os Mandamentos
bíblicos.
É, pois, impossível afirmar ou negar que
os Amish têm qualidade de vida, a não ser
com base em pesquisa realizada na
comunidade, mediante instrumentos que
avaliem, nos indivíduos, tanto os aspectos
subjetivos quanto os objetivos,
considerando-se suas percepções acerca
dos indicadores de qualidade de vida, pois, é
a partir delas que os humanos atribuem
significado aos objetos, fatos e fenômenos
que permeiam a sua existência.
É bem verdade que a revolução industrial
e os avanços tecnológicos têm aumentado a
expectativa de vida da população mundial, no
entanto, isso não garante que as expectativas
dos indivíduos, no que tange a qualidade de
vida, têm sido atendidas. Com relação a isso
a Organização Mundial de Saúde faz a
seguinte menção: “[...] Muitas vezes na
busca de acrescentar “anos à vida” era
deixado de lado a necessidade de
acrescentar “vida aos anos” (OMS, 2011.
grifo do autor).
Com relação às consequências do
progresso tecnológico e sua relação com o
conceito de qualidade de vida a Organização
Mundial de Saúde apresenta o seguinte
relato:
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
103
O crescente desenvolvimento tecnológico
da Medicina e ciências afins trouxe como
consequência negativa a sua progressiva
desumanização. Assim, a preocupação
com o conceito de "qualidade de vida"
refere-se a um movimento dentro das
ciências humanas e biológicas no sentido
de valorizar parâmetros mais amplos que
o controle de sintomas, a diminuição da
mortalidade ou o aumento da expectativa
de vida. (OMS, 2011. Grifo do autor.).
Sobre a origem da expressão qualidade de
vida diz Albuquerque: “Surge da recente
consciência das consequências indesejadas
provocadas pelo desenvolvimento econômico
e pela industrialização incontrolada”
(Albuquerque, 2003, p. 41).
Já sobre a época do surgimento da
expressão a OMS traz em seus registros:
A expressão qualidade de vida foi
empregada pela primeira vez pelo presidente
dos Estados Unidos, Lyndon Johnson em
1964 ao declarar que "os objetivos não
podem ser medidos através do balanço dos
bancos. Eles só podem ser medidos através
da qualidade de vida que proporcionam às
pessoas." (OMS, 2011).
Trata-se, portanto, de uma preocupação
recente, relacionada às sequelas de um
sistema econômico que reifica o ser humano
com vistas à acumulação capital, mediante a
produção de bens de consumo que uma vez
adquiridos tornam a vida mais fácil sem,
necessariamente torná-la melhor. Ou seja, a
lógica do sistema econômico vigente não se
alinha aos interesses pessoais dos
indivíduos, ao contrário, manipula-os para
que alinhem seus interesses e suas
demandas às suas ofertas.
Diante de todo esse caos do mundo
moderno, Albuquerque alerta que para avaliar
a qualidade de vida de um indivíduo é
necessário, antes, ouvir dele o seu próprio
“conceito de vida” e inquirir sobre a sua
própria avaliação da sua qualidade de vida.
(ALBUQUERQUE, 2003, p. 46).
Atenta a todas as questões
supramencionadas, a Organização Mundial
de Saúde, através do Grupo de Qualidade de
Vida da Divisão de Saúde Mental, mediante o
WHOQOL GROUP, 1994, assim conceituou
qualidade de vida:
"A percepção do indivíduo de sua posição na
vida no contexto da cultura e sistema de
valores nos quais ele vive e em relação aos
seus objetivos, expectativas, padrões e
preocupações" (OMS, grifo nosso.).
Nota-se, portanto, que não é um conceito
funcionalista, mas um conceito cuja
construção considerou o indivíduo sob uma
perspectiva integral, incluindo as várias
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
104
dimensões e peculiaridades humanas. Assim,
para avaliar a qualidade de vida de um
indivíduo é necessário considerar,
independentemente das suas condições
materiais e de sua capacidade laboral, seus
aspectos subjetivos, o conjunto de crenças e
valores que norteiam seu modo de vida e,
essencialmente, como o indivíduo se sente
em seu contexto.
Para Nordenfelt (1994, apud
ALBUQUERQUE, 2003, p. 47) é “essencial”
considerar os “aspectos da vida” do
indivíduo. No entanto, diante da
impossibilidade de estudar todos eles, o
autor cita como principais os seguintes:
a) O aspecto de experiência da vida,
compreendendo a soma total das sensações,
percepções, atos cognitivos, emoções e
humores; b) as atividades realizadas, qual
seja, a soma total das ações de uma pessoa;
c) as realizações na vida, significando a
soma total dos resultados das ações de uma
pessoa; d) os eventos da vida de uma
pessoa, aqueles de que o indivíduo está
ciente ou que são atribuídos a ele; e) as
circunstâncias da vida, tanto aquelas de que
o indivíduo está consciente, quanto as que
são atribuídas a ele, ou ambas. (Nordenfelt
1994. Apud ALBUQUERQUE, 2003, p. 47-
48).
Avaliar a qualidade de vida de uma pessoa
é, pois, uma tarefa das mais complexas, visto
que envolve elementos tangíveis e
intangíveis, dimensões diversas de uma
mesma vida, de um mesmo indivíduo, e isso
a faz imensurável, possibilitando apenas
avaliá-la a partir da percepção do sujeito,
como sugere o próprio conceito construído
pela OMS.
A seguir, será apresentado o conceito de
aposentadoria cujos significados têm origem
em contextos diversos.
4 APOSENTADORIA
A aposentadoria é um momento ímpar na
vida de uma pessoa. É quando se rompem
importantes vínculos construídos ao longo de
mais de três décadas de existência: o
emprego, os colegas, o ambiente
socioinstitucional e sua cultura, seus hábitos
e rotinas ficam para trás. Um momento de
decisões, de escolher novas maneiras de
ocupar o tempo e de manter em atividade as
capacidades física e intelectual. Uma
oportunidade de desenvolver ou não, novas
habilidades.
Não foi encontrado na revisão de literatura
para este estudo um conceito ou definição de
aposentadoria, mas concepções teóricas
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
105
acerca da relação dos indivíduos com o
processo de aposentadoria.
Aqui conceitua-se aposentadoria como
um direito social de natureza contributiva
associado ao conceito de seguridade social,
cuja garantia se faz mediante a política da
Previdência Social, sendo a sua efetivação
atrelada a critérios e exigências legais que
não serão aqui elencados, visto que é o seu
significado social que vai protagonizar este
tópico.
Sobre o termo aposentar, Zanelli, Silva e
Soares se mostram “estarrecidos” com os
sinônimos encontrados em dicionários, para
o verbo. Registra-se abaixo, a indignação dos
autores:
[...] No presente contexto, o que mais
estarrece é “pôr de parte, de lado”. O que
é posto de parte, de lado? Aquilo que já
não presta ou que perdeu a utilidade.
Aposentar-se também pode ser
interpretado como “recolher-se aos
aposentos”. Novamente a imagem é de
reclusão ou retirada. Em um sentido de
auxílio ou socorro, aparece “abrigar,
agasalhar, acolher” (Ferreira, 2004, apud
ZANELLI, SILVA e SOARES, 2010, p. 30-
31).
Depreende-se da leitura acima que a
definição do termo supramencionado
contribui para o misticismo que envolve as
relações entre alguns trabalhadores e a
aposentadoria, nos últimos anos da carreira
profissional.
Já a definição jurídica do termo
aposentado é assim apresentada: “Pessoa
que, em virtude de ter cumprido tempo de
serviço que a lei exige, por incapacidade ou
por invalidez, permanente ou não, deixa de
trabalhar e passa a receber proventos12 da
Previdência Social”. (HOEPPNER – org.
2008, p. 52).
Sobre a experiência da aposentadoria no
contexto do capitalismo, Zanelli, Silva e
Soares mencionam:
No modo de produção da sociedade na
qual existimos, que, em geral,
supervaloriza a produção e aliena o
trabalhador do processo produtivo, a
aposentadoria é experienciada como a
perda do sentido da vida, configurada
como uma espécie de morte social
(ZANELLI, SILVA e SOARES, 2010, p. 29). 12 Os proventos de que se trata acima são relativos aos motivos que culminaram na aposentadoria do trabalhador e às regras que regem o regime previdenciário ao qual está associado. Informações sobre tais regimes e seus respectivos benefícios podem ser encontradas no site do Ministério da Previdência Social. Neste trabalho, em capítulo específico, serão abordados os Regimes Próprios de Previdência Social.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
106
Os autores acima aludem à concepção
marxista, segundo a qual o trabalho, realizado
mediante instrumentos que não pertencem ao
trabalhador, mas ao capitalista, sai da
perspectiva ontológica emancipatória e passa
a significar instrumento de exploração de
uma classe sobre a outra e de mistificação
do próprio conceito em questão.
Assim, sob a ideologia capitalista da
produção e do consumo, o homem sacraliza
o trabalho, única via de atender às
necessidades criadas pelo mercado produtor
e adotadas pela massa popular como suas. O
poder ideológico do sistema produtivo é tão
forte que transforma o supérfluo em
necessidades básicas. Sob essa mística os
indivíduos introjetam a idéia de que quanto
mais trabalham, mais felizes são.
Deste modo, legitima-se na vida de alguns
indivíduos a centralidade do trabalho, em
torno do qual se gestam e desenvolvem-se
suas relações sociais, seus hábitos e rotinas.
Contraditoriamente, esse trabalho alienante,
mediante o qual o indivíduo é explorado,
estabelece uma estabilidade emocional, de
modo que pensar o futuro sem ele pode ser
bastante desconfortável, motivo pelo qual,
alguns trabalhadores em fim de carreira
preferem não pensar, consequentemente,
aposentam-se sem saber o que vão fazer de
suas vidas daí em diante.
Para tais trabalhadores, as abstrações
sobre o futuro são sempre permeadas por
sentimentos de insegurança, posto que a
lógica de suas vidas será supostamente
interrompida ao romper-se os vínculos e
paradigmas que por mais de trinta anos a
nortearam.
Não raro se houve falar: “tudo o que tenho
e que sou devo ao meu trabalho”. Isso
expressa o lócus privilegiado do trabalho no
processo de construção da identidade social
do indivíduo, em detrimento de aspectos
igualmente importantes que durante toda a
vida laboral foram negligenciados, entre eles,
os que sustentarão a sua identidade social na
vida pós-carreira.
Deste modo, o direito a aposentadoria
transforma-se para alguns, em uma ação
obrigatória que tende a ser adiada até a
desvinculação compulsória da instituição,
que vem acompanhada por sentimentos de
inutilidade por sentir-se descartado da
organização de trabalho para a qual
colaborou durante boa parte da sua vida.
Esse processo de transição forçada para uma
nova etapa da vida envolve, segundo Zanelli,
Silva e Soares as seguintes reflexões:
Se sou o que faço, se não faço mais,
quem eu sou? [...] Significa para o
descartado a perda da posição, dos
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
107
amigos, do núcleo de referência, a
transformação dos valores, das normas e
das rotinas e a submissão a condições
que agridem a auto-estima e a imagem de
si mesmo [...], colocando em xeque a
identidade pessoal. (ZANELLI, SILVA e
SOARES, 2010, p. 31).
Assim, diante da complexidade desse
processo, cabe às organizações de trabalho
abrir aos trabalhadores espaços de reflexão
sobre o futuro, a fim de contribuir com os
mesmos para o desenvolvimento de
habilidades que agreguem valores à sua vida
pessoal, os quais deverão servir-lhe de
aporte durante a vida laboral e depois dela.
Tais espaços de reflexão podem ser
criados a partir da instituição de programas
de orientação para aposentadoria,
denominação que convém ser substituída por
programas de orientação para o pós-carreira
a fim de evidenciar que a aposentadoria é só
o fim de uma etapa do desenvolvimento
humano e social e não o fim deste.
CONCLUSÃO
Os dados levantados para a
fundamentação deste artigo permite concluir
que o trabalho é de fato elemento central na
formação da identidade social dos indivíduos
e é a relação entre ambos que determina a
qualidade de vida que se tem durante a
carreira e após a aposentadoria.
A centralidade do trabalho na vida das
pessoas, fenômeno predominante na
sociedade ocidental, prejudica outros
aspectos igualmente importantes para a
existência humana, entre eles, o cuidado com
a saúde e o desenvolvimento de atividades
alternativas que contribuiriam sobremaneira
para o processo de construção da identidade
social do indivíduo, evitando assim, a crise
identitária no pós-carreira.
A supervalorização da atividade
remunerada com vínculo formal é um
fenômeno que não se harmoniza com o atual
contexto socioeconômico global, no qual a
influência do capitalismo neoliberal e o
domínio tecnológico sobre atividades, antes
exercidas só por humanos, vêm
progressivamente precarizando as relações
de trabalho; adaptações serão necessárias à
sobrevivência futura, visto que tende o
agravamento do desemprego estrutural e a
crescente flexibilização dos contratos de
trabalho, com a consequente redução da
estabilidade, mesmo para os trabalhadores
do setor público.
A revisão de literatura indica que o
surgimento de novos fenômenos sociais
advindos da evolução tecnológica e das
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
108
transformações no setor econômico gerou
inquietações e debates que culminou na
origem da expressão qualidade de vida, bem
como na construção do seu conceito.
Assim, considerando-se que as
transformações nos setores tecnológico e
econômico não cessam, pois constituem-se
em um processo progressivo que repercutirá,
gradualmente, na vida dos indivíduos
gerando fenômenos cada vez mais
complexos, supõe-se possível a evolução
deste conceito nas gerações futuras, pois,
como já se viu anteriormente, os conceitos
não são verdades estáticas; ganham
diferentes conotações no decorrer dos
tempos e na diversidade de culturas que
coexistem na composição dos grupos
sociais.
A partir do estudo dos conceitos de
trabalho e de aposentadoria, verificados os
significados diversos atribuídos a esses
conceitos, depreende-se que a transição da
fase de labor remunerado para a fase de
usufruto das conquistas, fase tão propícia ao
processo de desconstrução/construção de
valores é muitas vezes concebida como uma
espécie de morte social.
No entanto, o mesmo estudo permite
concluir que, longe dessa perspectiva
mistificada a aposentadoria é,
simbolicamente, o primeiro dia de uma nova
fase do desenvolvimento humano cujo
sucesso requer planejamento prévio, como o
requereu a fase anterior, aquela, de trinta
anos atrás para a qual o indivíduo se muniu
de seus melhores instrumentos: o ingresso
no primeiro emprego.
Todo indivíduo deve desenvolver
atividades paralelas ao emprego, para
manutenção da saúde, complemento de
renda ou para seu próprio prazer. Deve
planejar seu futuro, procurando desenvolver
habilidades que lhe assegurem um aporte
financeiro e social no pós-carreira, pois disto
depende a sua qualidade de vida naquela
etapa de sua vida.
O trabalho é bom, porém, ao se tornar o
mais relevante dos elementos pode
converter-se em uma neurose, ao passo que
sua ausência também seria prejudicial ao
desenvolvimento biopsicossocial. O mesmo
se aplica ao tempo livre. Este deve ser
planejado para não se converter em tempo
perdido.
No que tange ao conceito de qualidade de
vida, pode ser entendido como a maneira que
o indivíduo se percebe em meio a seus
valores e princípios, sua cultura, suas
alegrias e seus dissabores, não sendo a
ausência desse ou daquele aspecto que vai
determiná-la, mas a maneira como cada um
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
109
se posta frente a ele e o grau de relevância
que atribui-lhe à sua vida.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Sandra Márcia Ribeiro Lins
de. Qualidade de Vida do Idoso: A
assistência domiciliar faz a diferença? Ed.
Casa do Psicólogo, 2003, Itaititiba/SP, Brasil.
APOSENTADORIA. In: HOEPPNER, Marcos
Garcia (org.). Minidicionário Jurídico. Ed.
Ícone, São Paulo, 2008, p. 52.
BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Em
Cores: Eclesiastes, capítulos 1 – 2.
Tradução João Ferreira de Almeida, 2000. P
743 – 744. Ed. Bompastor, São Paulo –
Brasil.
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo:
Entrevista a Maria Serena Palieri. Tradução
de Lea Manzi. Ed. Sextante, 2000, Rio de
janeiro.
DICIONÁRIO Informal. Disponível em:
http://www.dicionarioinformal.com.br
Acessado em setembro de 2011.
GRAÇA e perdão. Filme produzido por Gregg
Champion. Dirigido por Larry A. Thompson.
EUA, TV 2010. Duração: 89 min. Color. Son.
Lançado em DVD em 2011, dublado.
IBGE. O contingente de desocupados em
dezembro de 2010. Disponível em:
http://www.censo2010.ibge.gov.br Acessado
em 11/2011.
NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo.
Economia política: Uma Introdução Crítica.
Ed. 5. Cortez, 20009 (Biblioteca Básica de
Serviço Social; v. 1). São Paulo – Brasil.
OMS: Divisão de Saúde Mental - Grupo
WHOQOL. Instrumentos de Avaliação de
Qualidade de Vida. Tradução: Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) –
Departamento de psiquiatria e Medicina
Legal, Porto Alegre – Rio Grande do Sul –
Brasil. Disponível em: http://www.ufrgs.br
Acessado em setembro de 2011.
───: Divisão de Saúde Mental - Grupo
WHOQOL. Conceito de Qualidade de Vida.
Tradução: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) – Departamento de
psiquiatria e Medicina Legal, Porto Alegre –
Rio Grande do Sul – Brasil. Disponível em:
http://www.ufrgs.br Acessado em setembro
de 2011.
RIFKIN, Jeremy. O Fim dos Empregos. Ed.
Makron Books do Brasil, São Paulo, 1995.
Wise, Stephen. Os reais Amish. Tradução:
HowStuffWorks Brasil. Disponível em:
http://pessoas.hsw.uol.com.br/amish
Acessado em setembro de 2011.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
110
WIKIPEDIA, A Enciclopédia Livre. Os Amish.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/amish.
Acessado em setembro de 2011.
VASCONCELOS, Anselmo Ferreira. Qualidade
de Vida no Trabalho: Origem, Evolução e
Perspectivas. Caderno de Pesquisas em
Administração, São Paulo, v 08, nº 1.
Janeiro/março, 2001. Disponível em:
http://www.ead.fea.usp.br acessado em
10/2011.
ZANELLI, José Carlos; SILVA, Narbal;
SOARES, Dulce Helena Penna. Orientação
para Aposentadoria nas Organizações de
Trabalho: Construção de Projetos para o
Pós-carreira. Ed. Artmed, 2010, Porto
Alegre/RS.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
111
Capítulo IX
O ENADE como Indicador de
Qualidade é uma Farsa
O ENADE como Indicador de Qualidade é uma Farsa
Carlos Joel Pereira1
No dia 17 de novembro de 2011, o
MEC divulgou o famigerado resultado do
ENADE, e com ele, dois índices que o
denominamde Índice Geral de Cursos- IGC
e Conceito Preliminar de cursos, CPC,
estes últimos criados a margem da Lei,
por ato administrativo denominado de
Portaria.
A imprensa em geral, desconhecedora
do processo de avaliação e da
sistematização legal da avaliação do
Ensino Superior Brasileiro, em manchetes
manifestamente equivocadas, atribuiu o
resultado deste exame como reprovação
das instituições de ensino, com lesão
direta na imagem das instituições e de
todo um esforço que movimenta e agrega
aproximadamente 80% dos estudantes
matriculados no ensino superior, bem
como, de egressos, que oriundos destas
instituições, vêem-se marginalizados por
uma atribuição de conceitos
completamente fora da realidade das
instituições e da própria avaliação in loco,
realizadas pelo MEC/INEP em todas as
instituições listadas. 1Advogado, gestor de instituicao de ensino e Diretor de Comunicaçao da ABAMES - Associaçao Baiana de Mantenedores do Ensino Superior.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
112
O que é o ENADE? Como a sigla já
ilustra, é o EXAME NACIONAL DO
DESEMPENHO DOS ESTUDANTES, e se
compõe do preenchimento por estes de
um questionário sobre estrutura e projeto
pedagógico, além de uma prova focada na
área das diretrizes do curso para o qual
foram aqueles estudantes selecionados.
Para a composição destes índices, o
questionário e a prova, montam em
aproximadamente 80% da composição
geradora destas notas e, os demais 20%,
tomam como atributos a base de dados
cadastrados no censo do ensino superior
no exercício anterior ao do gerador do
índice.
Portanto, o exame de estudantes, sem
atribuição de qualquer conseqüência na
vida do mesmo, não pode em nenhuma
hipótese gerar conceito da instituição de
ensino. O estudante para cumprir a
obrigação, basta comparecer no local da
prova e assinar a lista de presença,
respondendo ou não a mesma, já estará
com a obrigação atendida e nenhuma
conseqüência lhes será atribuída,
contudo, quer a burocracia do MEC utilizar
este equivoco como conceito de
instituições e de cursos e de forma pouco
transparente ainda publicam como se esta
conduta teratológica, fosse realmente uma
avaliação.
O Enade, instituído na Lei que
disciplina a regulação do ensino superior,
em nenhum momento autorizou o seu uso
para a geração de índices ou indicadores
de cursos ou instituições e, como não
integra a avaliação acadêmica do
estudante, já que esta nota não se insere
no histórico do estudante, ou mesmo o
seu resultado o impede de exercer a
profissão, caso não responda a prova ou
a responda sem responsabilidade
necessária, é obvio que não pode ser esta
prova séria, muito menos poderá com
base na mesma, construído ser qualquer
indicador de qualidade. Para ilustrar,
transcreve-se o que diz a lei: Art. 5o A
avaliação do desempenho dos estudantes
dos cursos de graduação será realizada
mediante aplicação do Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes – ENADE e
no parágrafo primeiro dispõe:
O ENADE aferirá o desempenho dos
estudantes em relação aos conteúdos
programáticos previstos nas diretrizes
curriculares do respectivo curso de
graduação, suas habilidades para
ajustamento às exigências decorrentes
da evolução do conhecimento e suas
competências para compreender temas
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
113
exteriores ao âmbito específico de sua
profissão, ligados à realidade brasileira
e mundial e a outras áreas do
conhecimento, portanto, não é
instrumento de avaliação de IEs ou de
cursos, muito menos, autorizado esta a
ser utilizados como atributo para a
geração de indicadores.
IGC e CPC, são indicadores
absolutamente marginais, estão a margem
da lei e extrapola os limites da
regulamentação. Desse modo, criam
óbices e restrições de direitos de pessoas
jurídicas legalmente constituídas e
atuantes na forma prevista no
ordenamento positivo nacional, com
imposição de penalidades absolutamente
ilegal. O ensino superior brasileiro está
regulado a sua avaliação pela Lei n.⁰
10.861/2004, e quando disciplina a forma
de avaliar as instituições de ensino
superior, fixou as regras no Art. 3oque
assim dispõe:
A avaliação das instituições de
educação superior terá por objetivo
identificar o seu perfil e o significado
de sua atuação, por meio de suas
atividades, cursos, programas, projetos
e setores, considerando as diferentes
dimensões institucionais, dentre elas
obrigatoriamente as seguintes:
I – a missão e o plano de
desenvolvimento institucional;
II – a política para o ensino, a
pesquisa, a pós-graduação, a extensão
e as respectivas formas de
operacionalização, incluídos os
procedimentos para estímulo à
produção acadêmica, as bolsas de
pesquisa, de monitoria e demais
modalidades;
III – a responsabilidade social da
instituição, considerada especialmente
no que se refere à sua contribuição em
relação à inclusão social, ao
desenvolvimento econômico e social, à
defesa do meio ambiente, da memória
cultural, da produção artística e do
patrimônio cultural;
IV – a comunicação com a sociedade;
V – as políticas de pessoal, as
carreiras do corpo docente e do corpo
técnico-administrativo, seu
aperfeiçoamento, desenvolvimento
profissional e suas condições de
trabalho;
VI – organização e gestão da
instituição, especialmente o
funcionamento e representatividade
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
114
dos colegiados, sua independência e
autonomia na relação com a
mantenedora, e a participação dos
segmentos da comunidade
universitária nos processos decisórios;
VII – infra-estrutura física,
especialmente a de ensino e de
pesquisa, biblioteca, recursos de
informação e comunicação;
VIII – planejamento e avaliação,
especialmente os processos,
resultados e eficácia da auto-avaliação
institucional;
IX – políticas de atendimento aos
estudantes;
X – sustentabilidade financeira, tendo
em vista o significado social da
continuidade dos compromissos na
oferta da educação superior.
Portanto, fixou de forma objetiva como o
Conceito Institucional de uma IES é
construído. Quando disciplinou o Conceito
de curso, também de forma objetiva fixou
as regras que as instituições precisam
percorrer para ser considerada de boa
qualidade, estando assim parametrizada.
Neste sentido, o Art. 4º, dispõe que:
A avaliação dos cursos de graduação
tem por objetivo identificar as
condições de ensino oferecidas aos
estudantes, em especial as relativas ao
perfil do corpo docente, às
instalações físicas e à organização
didático-pedagógica.
Os paragrafos 1º e2º apontam de
forma objetiva e com exclusividade, quais
os requisitos desta avaliação, assim se
posicionando: “A avaliação dos cursos de
graduação utilizará procedimentos e
instrumentos diversificados, dentre os
quais obrigatoriamente as visitas por
comissões de especialistas das
respectivas áreas do conhecimento”.
Em sequencia, possibilitou a atribuição
do conceito de curso, assim, dispondo: “A
avaliação dos cursos de graduação
resultará na atribuição de conceitos,
ordenados em uma escala com 5 (cinco)
níveis, a cada uma das dimensões e ao
conjunto das dimensões avaliadas.”
Portanto, as instituições ou os cursos
para fins de atribuição de conceitos,
somente poderão se avaliados por
especialistas em visita in loco. É o que a
lei determina.
Logo, é de se perceber que a lista
publicada como indicadora de qualidade
de instituições de ensino superior no
Brasil é uma fraude, é enganosa,
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
115
completamente disforme de todas as
avaliacoes in loco executadas pelo proprio
MEC/INEP, quando das avaliações com
fins de recredenciamento ou quando das
autorizações, reconhecimento ou
renovação de reconhecimento de cursos.
Como o MEC nãotem tido estrutura e
capacidade material de visitar in loco o
conjunto das instituições brasileiras, a
margem da lei, criou indicadores
subjetivos, inquisitórios e completamente
tabulados na estrutura obscura da
burocracia ideológica, para marginalizar
um segmento que democratizou a
educação no Brasil e permitiu que milhões
de pessoas, antes a margem da formação
acadêmica, passassem hoje a desfrutar
de formação superior e assim, se inserir
socialmente no mundo profissional.
Extra oficialmente, ouve-se dizer que
estes instrumentos construidos na
burocracia do MECtinha por objetivo
responder a incapacidade fisica do órgão
estatal em processar o volumoso número
de avaliações que o sistema passou a
exigir, criando assim, mecanismo
basicamente por amostragem, uma
situação que alem de ilegal, posssibilita
que edificado sejam ações que mascarem
a realidade fática das instituições,
somente possivel de ser verificada com a
avaliação in loco, procedimento estalecido
na lei e por conseguinte, o único que
obriga as IEs a respeitar e seguir.
Nós que atuamos na formação
acadêmica, nos sentimos ultrajados
quando o estado brasileiro, por inércia,
excesso de burocracia, falta de estrutura
ou vícios ideológicos, busca chamar a
atenção da sociedadecom falsos
indicadores.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
116
Capítulo X
O Teletrabalho Escravo
O TELETRABALHO ESCRAVO
Manuel Martin Pino Estrada1
Sumário:1.- Introdução. 2.- Definição de
teletrabalho e teletrabalhador. 3.- Natureza
jurídica do teletrabalhoe a lei 12551 de
2011. –4.- Os mundos virtuais e o
teletrabalho no Supremo Tribunal Federal e
no Tribunal Regional do Trabalho de
Minas Gerais. 5.- Horários flexíveis. – 6.-
O teletrabalho escravo.- 6.1. O teletrabalho
escravo: definição e características – 7.-
A lesão ao direito ao lazer. Dever de
indenizar. - 8. Conclusão. – 9.-
Bibliografia.
RESUMO
O presente artigo visa mostrar para o leitor
sobre como a flexibilidade dos horários no
regime de teletrabalho pode ser uma
armadilha para o teletrabalhador se este
não for bem orientado ou se este tiver
muito trabalho para fazer usando o pouco
tempo livre que possui além das oito
horas diárias, acontecendo normalmente
nas empresas de informática através das
metas, felizmente a Justiça do Trabalho
está fazendo valer o que a nossa Carta
Magna determina.
1Formado em Direito na Universidade de São Paulo (USP) / Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) / Professor de Direito do Trabalho e Direito Informático em Salvador - Bahia
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
117
Palavras-chave: Teletrabalho –
Teletrabalhador – Escravidão Digital
ABSTRACT
This article aims to show the reader how
the flexibility of time in teleworking can be
a trap for the teleworker if it is not well
targeted or if it has much work to do using
what little free time they have besides
eight hours daily, usually going through
the computer companies of the goals,
hopefully the Labor Court is enforcing
what our Constitution requires.
Keywords: Telework – Teleworker –
Digital Slavery
1- Introdução
O presente artigo trata sobre a
escravização do teletrabalhador nas
empresas que usam a telemática como
ferramenta de trabalho, o que é algo
crescente no mercado laboral, isso porque
as pessoas jurídicas estão percebendo
mais vantagens nesta forma de trabalho
do que manter seus trabalhadores nas
quatro paredes da sede das empresas e
além disso, correndo o risco de não ter
uma boa produtividade, afinal estes terão
que enfrentar o trânsito caótico das
grandes cidades, perigo de acidentes e
eventos climáticos, provocando stress e
cansaço antes mesmo do início do horário
de expediente, porém, muitos
empregadores estão abusando de seus
subordinados, fazendo que estes
trabalhem além das 44 horas semanais
permitidas pela nossa atual Carta Magna.
Outrossim, o presente trabalho faz uma
abordagem jurídica dos mundos virtuais e
do próprio teletrabalho nos Tribunais do
Brasil com a sua respectiva
jurisprudência, ou seja, tanto Ministros
como Desembargadores estão tendo
interesse pelos temas tratados a seguir.
2- Definição de teletrabalho e
teletrabalhador
Segundo a Organização Internacional
do Trabalho (OIT) o teletrabalho é
qualquer trabalho realizado num lugar
onde, longe dos escritórios ou oficinas
centrais, o trabalhador não mantém um
contato pessoal com seus colegas, mas
pode comunicar-se com eles por meio
das novas tecnologias.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
118
Conforme a Carta Européia para o
Teletrabalho, “é um novo modo de
organização e gestão do trabalho, que tem
o potencial de contribuir significativamente
à melhora da qualidade de vida, a práticas
de trabalho sustentáveis e à igualdade de
participação por parte dos cidadãos de
todos os níveis, sendo tal atividade um
componente chave da Sociedade da
Informação, que pode afetar e beneficiar a
um amplo conjunto de atividades
econômicas, grandes organizações,
pequenas e médias empresas,
microempresas e autônomos, como
também à operação e prestação de
serviços públicos e a efetividade do
processo político” 2.
O autor do presente artigo define o
teletrabalho como a transmissão da
informação conjuntamente com o
deslocamento do trabalhador, através de
antigas e novas tecnologias da
informação, em virtude de uma relação de
trabalho, permitindo a execução à
distância, prescindindo da presença física
do trabalhador em lugar específico de
trabalho.
2 GBEZO, Bernard E. Otro modo de trabajar: la revolución del teletrabajo. Trabajo, revista da OIT, n. 14, dez de 1995.
Do mesmo jeito, o feitor do presente
trabalho define “teletrabalhador” como
aquela pessoa que desenvolve atividades
laborais através de antigas e novas
tecnologias de informação e
comunicação, distante da sede da
empresa ou da pessoa física à qual presta
serviços.
3- Natureza jurídica do teletrabalho e a
lei 12551 de 2011
Como parte do mundo do direito,
quando surgem novas formas de trabalho,
é tarefa do estudioso do direito do
trabalho determinar a natureza jurídica
desta, incluindo-as em alguma das
categorias legais existentes, e em caso de
ser impossível, fazer uma reclamação ao
legislativo para que determine seus
parâmetros.
Uma análise pode nos levar ao art 6.º
da CLT, que antes de dezembro de 2011
éra assim:.
Art. 6.º Não se distingue entre o
trabalho realizado no estabelecimento
do empregador e o executado no
domicílio do empregado, desde que
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
119
esteja caracterizada a relação de
emprego.”
Como é percebido, as definições
citadas supra nos mostram praticamente a
definição do empregado a domicílio, mas
como já vimos anteriormente com
acepções e classificações bem claras,
esta não abrange totalmente o
teletrabalho, porque o trabalho a domicílio
não é propriamente teletrabalho, nem vice-
versa.
Somente a análise das condições
concretas de execução da prestação de
serviços iria determinar a natureza jurídica
do teletrabalho, porque dependendo disso,
poderia conter aspectos cíveis, comerciais
ou trabalhistas, e claro está que devemos
determinar também se estão presentes os
requisitos que configuram a relação de
emprego como trabalho prestado por
pessoa física, de forma não eventual;
onerosidade; subordinação e
personalidade.
Com a lei 12551 de 16 de dezembro de
2011, o art. 6º ganhou outra forma mais
“moderna”, como a que segue:
“Art. 6o Não se distingue entre o
trabalho realizado no estabelecimento
do empregador, o executado no
domicílio do empregado e o realizado a
distância, desde que estejam
caracterizados os pressupostos da
relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos
e informatizados de comando, controle
e supervisão se equiparam, para fins
de subordinação jurídica, aos meios
pessoais e diretos de comando,
controle e supervisão do trabalho
alheio.”
Como é visto, a lei permite uma
extensão do artigo em questão para que o
trabalho à distância seja tanto em
domicílio como em qualquer lugar
escolhido pelo teletrabalhador, porém,
trata-se do teletrabalho subordinado, não
do autônomo e como tal este tipo de
trabalhador mantém os direitos
trabalhistas como qualquer outro,
inclusive o direito às horas extras que o
parágrafo único do artigo 6º do Projeto de
Lei 4505/08 do Deputado Federal Paulo
Veloso Lucas quer tirar alegando que “não
se contempla o direito às horas extras ao
teletrabalho em virtude da dificuldade de
fiscalização”, o que não tem cabimento,
além disso, é inconstitucional este
posicionamento, indo contra o art. 7º,
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
120
inciso XIII da Constituição Federal que
trata do direito às horas extraordinárias
para todo trabalhador, incluindo o
teletrabalhador obviamente.
Salienta-se que não é necessária uma
lei sobre teletrabalho, pois o Direito do
Trabalho do Brasil consegue resolver
questões sobre o tema, há jurisprudência
consistente surgindo nos Tribunais
Regionais do Trabalho e sentenças
envolvendo o trabalho à distância via
internet. Do ponto de vista do autor, muito
parlamentar quer “criar” algo que já existe.
4- Os mundos virtuais e o teletrabalho
no Supremo Tribunal Federal e no
Tribunal Regional do Trabalho de Minas
Gerais
O mundo virtual segundo Henry
Lefebvre em 1991 no artigo “The
productionof Space”, tem como
característica aparecer na tela de um
computador ou laptop, parecido com o
mundo físico, reproduzido através de
coordenadas, configurando o planeta
Terra em três dimensões, mas aqui
também existem pessoas, que são
representadas pelos seus avatares,
consequentemente neste lugar formar-se-
ão interações sociais entre estes
habitantes, ou seja, relações dinâmicas
diferentes criadas pela tecnologia e que
pela dialética estas multiplicar-se-ão,
provocando contratos com direitos e
obrigações. Existem aqui manifestações
diversas como a greve virtual de avatares
enfrente da sede virtual da Ibm italiana no
Second Life, acontecida em 27 de
setembro de 2007, tendo como resultado
um acordo coletivo (norma jurídica), o que
tornou o sindicato mais unido ainda,
segundo Bruce Robinson no artigo
“Labour´sSecond Life: from a virtual
striketounionisland” e outras como
panfletagem virtual eleitoral, lançamento
de filmes, shows ao “ar livre” etc.
Segundo Nick Bostrom no artigo “Are
you living in a computersimulation?” no
departamento de Filosofia da Universidade
de Oxford na Inglaterra afirma que nós,
seres humanos na verdade somos
avatares, pois estes (os avatares) são
criados e podem ter independência
através de criação de um perfil, tendo uma
personalidade própria, podendo ser
programados para trabalhar no mundo
virtual, como é o caso do avatar T-Pink,
criado pelo programador André Vieira, que
recruta trabalhadores no Second Life.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
121
O nosso Supremo Tribunal Federal (STF),
começou a tentar uma definição ao
mundo virtual, isso aconteceu na Arguição
de Descumprimento de Preceito
Fundamental 130/DF – DISTRITO
FEDERAL, o relator foi o Ministro Carlos
Britto, e o julgamento foi em 30 de abril de
2009, mencionando “Silenciando a
Constituição quanto ao regime da internet
(rede mundial de computadores), não há
como se lhe recusar a qualificação de
território virtual livremente veiculador de
idéias e opiniões, debates, notícias e tudo
o mais que signifique plenitude de
comunicação”.
O Tribunal Regional do Trabalho do
Estado de Minas Gerais no acórdão no
qual o relator foi o desembargador Luiz
Otávio Linhares Renault, e cujo julgamento
do recurso ordinário foi publicado em 26
de abril de 2006, menciona “A internet
tornou o mundo virtual e sensorialmente
menor e, por conseguinte, concretamente
mais próximo, em termos de informação,
de comunicação e de um comércio, há
muito, denominado de comércio
eletrônico, em determinadas áreas, como
é o caso das empresas virtuais e o email
com uma das inúmeras facetas deste
admirável e inesgotável mundo novo das
comunicações e das relações entre os
homens, constituindo a forma mais
moderna, segura, rápida, econômica,
eficiente e usual de intercâmbio entre as
pessoas”.
Estas duas decisões acima
demonstram o interesse que aos poucos
estão tendo os magistrados brasileiros
sobre temas importantes como os
mundos virtuais, tentando defini-los
juridicamente, o que vai ser muito bom,
considerando o volume de relações que
acontecem na rede mundial de
computadores, se bem que seria também
de laptop, netbook, celulares,
smartphones, ipads e afins.
No âmbito do teletrabalho, como o
autor definiu anteriormente no resente
artigo o define como uma forma de
trabalho na qual são usadas ferramentas
antigas e novas de comunicação e
telecomunicação, incluindo a internet,
podendo ser uma alternativa para tentar
resolver os congestionamentos nas
grandes cidades, minimizando os danos
ambientais, evitando mais acidentes,
consequentemente menos mortes, mas
claro, isso não é bom para empresas, que
criam pontes, viadutos metrôs e nem para
as fábricas de carros, inclusive, em São
Paulo e no Rio de Janeiro muitas
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
122
empresas sugeriram aos seus
trabalhadores ficarem em casa
trabalhando via internet devido às fortes
chuvas.
A ideia de teletrabalho surgiu com Jack
Nilles, propondo que em vez de o
trabalhador ir para o trabalho, deveria ser
o contrário, ou seja, o trabalho deve ir até
o trabalhador, e atualmente com a internet
estamos indo muito longe, tanto que
VintonCerf, está fazendo um projeto na
NASA chamado Interplanet, ou seja, em
vez de termos uma internet terráquea,
num futuro muito breve teremos uma
internet interplanetária, onde uma nave
espacial, uma estação espacial ou alguém
que esteja na lua ou noutro planeta
estariam todos conectados através de
uma grande rede de telecomunicação.
No Brasil temos o Tribunal de Contas
do Estado do Rio Grande do Sul, onde o
teletrabalho já está sendo usado desde
1988 começando com o telefone e o fax,
considerando o aumento do serviço e o
pouco espaço disponível para ter mais
funcionários decidiram criar o auditor
externo e que atualmente usa a internet e a
cada 15 dias vai para a sede física do
Tribunal com o intuito de pegar mais
processos.
O Tribunal Regional do Trabalho de Minas
Gerais tem a seguinte decisão publicada
em 17 de dezembro de 2010 e o relator
foi o desembargador Milton Vasques
Thibau de Almeida.
EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. A
prestação de serviços naresidência do
empregado não constitui
empecilhoaoreconhecimento da relação
de emprego, quando presentes
ospressupostos exigidos pelo artigo 3º da
CLT, visto que ahipótese apenas evidencia
trabalho em domicílio. Aliás,considerando
que a empresa forneceu equipamentos
para odesenvolvimento da atividade, como
linha telefônica, computador,impressora e
móveis, considero caracterizada hipótese
deteletrabalho, visto que o ajuste envolvia
execução deatividade especializada com o
auxílio da informática e
datelecomunicação.
Neste, caso, o artigo 3º da CLT define
o que é o empregado, como um
trabalhador sujeito à subordinação,
consequentemente haverá relação de
emprego, independentemente se é à
distância ou não, usando internet ou rádio.
É importante salientar que o juiz do
trabalho não quer saber se há teletrabalho
ou não, o que ele ressalta é se existe
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
123
relação de emprego para dar os direitos
trabalhistas respectivos. No acórdão
supracitado o teletrabalhador ganhou em
primeira instância e na segunda o
reclamado não apresentou recurso e em
22 de março do ano em curso, havendo
trânsito em julgado, não cabendo mais
recurso algum.
Como síntese é possível dizer que a
tecnologia avança muito rápido e a
jurisprudência aos poucos está tratando
sobre o tema, pois ainda existem juízes
escrevendo à mão, porém, existem outros
que falam e a máquina digita para eles3.
5- Horários flexíveis
São horas de trabalho móveis, que
permitem aos funcionários certa margem
de escolha sobre quando chegar e sair do
trabalho. Os funcionários precisam
trabalhar um número específico de horas
por semana, mas são livres para variar
seus horários de trabalho dentro de certos
limites.
Os benefícios potenciais do horário
flexível são muitos. Entre eles, inclui-se o
aumento da motivação e do moral dos
3 PINO ESTRADA, Manuel Martín. Os mundos virtuais e o teletrabalhonosTribunais Brasileiros: os casos do STF e do TRT de Minas Gerais. In Revista de Direito Trabalhista, ano 16, nº 05: Brasília:Consulex, 2010.
funcionários, redução de absenteísmo em
decorrência de se permitir melhor
equilíbrio entre responsabilidades com o
trabalho e com a família, e a possibilidade
de a organização recrutar funcionários
mais bem qualificados e mais
diversificados.
A principal desvantagem do horário
flexível é que ele não é aplicável a todo
cargo. Funciona bem no caso de tarefas
administrativas em que é pequena a
interação de um funcionário com pessoas
de fora de seu departamento. Não é uma
opção viável quando as pessoas
fundamentais devem estar disponíveis em
determinado horário padrão, quando o
fluxo de trabalho requer horário rígido ou
quando se necessitam de especialistas
para dar cobertura a todas as funções de
uma unidade.
A American Express Travel Services é
uma organização cuja experiência com
telecomutação tem sido muito positiva.
Em 1993, cem agentes de viagens da
AmEx em 15 localidades trabalhavam em
casa. A companhia conectou as casas
dessas pessoas ao telefone e à linha de
dados da American Express por módico
1300 dólares por agente, incluindo o
equipamento. Uma vez instalada a
tecnologia, as chamadas para o serviço
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
124
de reserva da AmEx são diretamente
encaminhadas para os trabalhadores em
suas casas, onde eles podem consultar
tarifas e reservas em seus PCs.
Nem todos os funcionários aceitam a
idéia de trabalhar em casa. Depois do
enorme terremoto de Los Angeles de
1994, muitas empresas da cidade
começaram a oferecer telecomutação
para seus empregados. Ela foi aclamada
durante umas duas semanas, mas sua
popularidade logo decaiu. Muitos
reclamaram que estavam perdendo
reuniões importantes e interações
informais que geravam novas políticas e
idéias. A imensa maioria estava disposta a
suportar de duas a três horas de
transporte, enquanto pontes e rodovias
estavam sendo reconstruídas, a fim de
manter seus contatos sociais no trabalho4.
O teletrabalho em seus diversos tipos
oferece o trabalho flexível, ou seja, o
teletrabalhador poder escolher o horário a
desejar, sempre e quando cumpra com as
suas obrigações, para isso é necessário
ter um perfil, já explicado anteriormente
porque caso contrário não vai servir de
muita utilidade à empresa, apesar de
poder render mais produtividade conforme
4 ROBBINS, Stephen Paul. Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2000.
mostram as pesquisas sobre esta forma
de trabalho e horário, pois afinal, as novas
tecnologias estão permitindo que a
organização do trabalho dê uma
reviravolta, fazendo com que o empresário
e até o próprio trabalhador descubram
novas maneira de como oferecer e
executar os seus serviços utilizando o
tempo, espaço e tecnologias ao nosso
favor.
6- O teletrabalho escravo
O uso de smartphone, iPad,
computador portátil e intranet provoca
debate sobre efeitos na vida dos
trabalhadores. Para economista da PUC-
RJ, jornada fora do ambiente do escritório
aumenta o bem-estar de profissionais. É o
caso da Beatriz quandoamamenta o bebê,
e responde aos e-mails do trabalho. O
marido se aborrece: "Você é explorada".
Ela dá de ombros. "Se o trabalho é flexível,
posso ficar mais tempo com as crianças."
Fora do escritório, a publicitária Beatriz
Magalhães, 32, gerente de uma agência
em São Paulo, não fica nem meia hora
sem acessar a internet no telefone celular.
"Minha caixa de entrada parece um
gremlin. Brota e-mail na tela. E é tudo
trabalho. Minha vida pessoal não é tão
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
125
agitada", diverte-se. Smartphone, iPad,
computador portátil e intranets que
permitem acessar ambientes corporativos
remotamente tornaram-se instrumentos
fundamentais para os que têm cargo de
liderança, profissionais liberais ou para
quem está em ramos em que é preciso
estar disponível e ser ágil.
Mas esses "gadgets" -palavra da moda
para se referir a esses aparelhos- têm o
efeito de prolongar a jornada dos
trabalhadores. Sociólogos e juristas a
firmam que essa nova dimensão do
trabalho ainda não foi percebida com
clareza nem pelas empresas nem pelos
profissionais. "Esse trabalho não é
reconhecido, não é remunerado e não há
consciência crítica sobre ele", diz Marcio
Pochmann, presidente do Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada) e
especialista em políticas de trabalho. Para
Pochmann, o modo como se organiza a
jornada de trabalho de profissionais
ligados ao conhecimento -que realizam o
chamado "trabalho imaterial"- coloca em
xeque a legislação. "Existem doenças que
ainda não são percebidas como doenças
do trabalho, como a depressão, que são
decorrentes desse ritmo frenético." O
economista José Márcio Camargo,
professor da PUC (Pontifícia Universidade
Católica) do Rio de Janeiro, discorda.
Segundo ele, a possibilidade de completar
uma parte da jornada fora do escritório
aumenta o bem-estar do trabalhador,
embora de fato possa elevar também o
número de horas dedicadas ao emprego.
"Há efeitos positivos e negativos das
novas tecnologias, mas não tenho dúvida
de que os efeitos positivos são maiores",
diz ele. Para o pesquisador, seria um
"desastre" se a legislação trabalhista
limitasse as possibilidades das novas
tecnologias. "Nesse caso, o trabalhador e
a empresa perderiam toda a liberdade e a
flexibilidade."
O juiz do trabalho Wilson Pirotta, titular
da 3ª Vara de Guarulhos (SP), relata já ter
julgado casos em que funcionários pedem
pagamento de hora extra pelo tempo
trabalhado via internet. Segundo ele, a
reclamação é comum entre empregados
de bancos. Pirotta diz que a legislação não
faz distinção sobre o lugar em que o
trabalho é feito e que as leis atuais podem
ser interpretadas a favor dos trabalhadores
nesses casos5.
5FORNETTI, Verena. A escravização digital
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me220
8201005.htm. Acesso em 28 de agosto de 2011.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
126
Aparelhos são "escravização digitalizada",
afirma sociólogo. O sociólogo da Unicamp
Ricardo Antunes, especializado em
relações de trabalho, afirma que a
liberdade da jornada à distância é apenas
aparente. "Se você ganha um
equipamento quando entra na empresa,
não é a libertação, mas a sua
escravização, ainda que digitalizada." O
processo combina salto tecnológico com
intensificação do trabalho. E com um
envolvimento maior do trabalhador. Eles
se embaralharam completamente. A partir
da era digital, o tempo de trabalho e o
tempo de não trabalho não estão mais
claramente demarcados. Significa que,
estando na empresa ou fora dela, esse
mundo digitalizado nos envolve durante as
24 horas do dia com o trabalho. O
trabalhador perde o sentido da vida fora
do trabalho. Aumentam os adoecimentos
e o estresse. A aparência da liberdade do
trabalho em casa é contraditada por um
trabalho que se esparrama por todas as
horas do dia e da noite. Não é viável que
se faça a contagem do trabalho imaterial
(que produz conhecimento) por horas,
como na fábrica, porque hoje o controle
não é mais por tempo estrito de trabalho,
e, sim, por produção. Se não realizou as
metas (que eram previstas), você deixa de
ser interessante para a empresa6.
Segundo Marcos Fernandes Gonçalves
a jornada de trabalho excessiva viola o
direito constitucional ao lazer segundo a
Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
Declaração Universal dos Direitos
Humanos- Artigo XXIII
1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à
livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à
proteção contra o desemprego.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção,
tem direito a igual remuneração por igual
trabalho.
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a
uma remuneração justa e satisfatória, que
lhe assegure, assim como à sua família,
uma existência compatível com a
dignidade humana, e a que se
acrescentarão, se necessário, outros
meios de proteção social.
6 ANTUNES Ricardo. Liberdade laboral aparente. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2208201008.htm. Acesso em 25 de agosto de 2011.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
127
4. Toda pessoa tem direito a organizar
sindicatos e neles ingressar para proteção
de seus interesses.
Direito ao Lazer (artigo 6º da
Constituição Federal brasileira). Em seu
ato constitutivo, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT)
determinou que o trabalho não deve de ser
tido como mercadoria, pois a todos os
seres humanos deve ser assegurado o
direito de conquistar progresso material e
desenvolvimento social na liberdade e
dignidade, na segurança econômica e
com iguais possibilidades. Neste mesmo
ato, “férias” e o “lazer” são reconhecidos
como direitos naturais semelhantes aos
demais direitos econômicos e sociais7.
A propósito, dispõe o artigo 6º da
Constituição Federal que:
Art. 6º São direitos sociais a educação,
a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,
a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. Assim, a 7 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro : Ed. Campus, 1992.
Carta Magna brasileira coloca o lazer
lado a lado com a educação, saúde,
trabalho, segurança, previdência social,
proteção à infância e maternidade e
assistência aos desamparados.
Tratam-se, pois, de direitos humanos
fundamentais. E, de acordo com José
Maria Guix no livro de Amauri Mascaro
Nascimento, o lazer atende às
seguintes necessidades do ser
humano:
"a) necessidade de libertação, opondo-
se à angústia e ao peso que
acompanham as atividades não
escolhidas livremente;
b) necessidade de compensação, pois
a vida atual é cheia de tensões, ruídos,
agitação, impondo-se a necessidade
do silêncio, da calma, do isolamento
como meios destinados a
contraposição das nefastas
conseqüências da vida diária do
trabalho;
c) necessidade de afirmação, pois a
maioria dos homens vive em estado
endêmico de inferioridade, numa
verdadeira humilhação acarretada pelo
trabalho de oficinas, impondo-se um
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
128
momento de afirmação de si mesmos,
de auto-organização da atividade,
possível quando dispõe de tempo livre
para utilizar segundo os seus desejos;
d) necessidade de recreação como
meio de restauração biopsíquica;
e) necessidade de dedicação social,
pois o homem não é somente
trabalhador, mas tem uma dimensão
social maior, é membro de uma
família, habitante de um município,
membro de outras comunidades de
natureza religiosa, esportiva, cultural,
para as quais necessita de tempo livre;
f) necessidade de desenvolvimento
pessoal integral e equilibrado, como
um das facetas decorrentes da sua
própria condição de ser humano"8.
Deveras, o lazer é direito natural,
semelhante aos direitos sociais, mas
poucos cidadãos têm acesso ao
descanso, recuperação de forças
físicas e psíquicas, afora momentos de
descontração. Para trabalhadores
menos qualificados, férias e lazer
8 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do Trabalho – 15ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 1998.
significam, por vezes, períodos extras
de atividades que possibilitam melhorar
o orçamento familiar. Dificilmente
gozam plenamente do lazer, pois
qualquer saída de casa implicaria em
gastos comprometedores de despesas
essenciais9.
6.1. O teletrabalho escravo: definição e
características
Para o autor do presente artigo, o
“teletrabalho escravo” é aquele que em
vez de ser realizado no mundo físico é
realizado na internet através de
ferramentas tecnológicas que permitem o
uso da telecomunicação e telemática,
privando ao teletrabalhador da sua
liberdade por causa do controle virtual
(mais ainda no teletrabalho em domicílio)
e que se encontra privado de romper o
vínculoem razão de coação moral ou
psicológica advinda de dívidas artificiais
contraídas com o empregador.
Salienta-se que o teletrabalhador
poderá ter escolha de lugar, na casa, no 9 GONÇALVES, Marcos Fernandes. Jornada de trabalho excessiva. Violação do Direito Constitucional ao Lazer. http://www.juslaboral.net/2009/03/jornada-de-trabalho-excessiva-violacao_31.html
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
129
parque, na fazenda etc, porém, este ficará
preso ao computador ou laptop, ou seja,
não interessa o ambiente no qual o
teletrabalhador estiver, este terá que se
concentrar no trabalho, isolando-se de
seu entorno e cumprir as metas exigidas
pela empresa e justamente estas metas
que acabam por privá-lo de sua liberdade
de ir e vir, ou seja, o teletrabalhador se
este estiver em sua casa, vai dar atenção
ao seu filho, esposa ou ao trabalho?
O autor também elenca as seguintes
características:
1-O teletrabalhador fica isolado do
ambiente de trabalho e acaba
interiorizando os problemas do trabalho e
inserindo-os na sua casa.
2 - Se não tiver uma estrutura boa (as
empresas não procuram saber e nem
ajudar financeiramente com esta
estrutura) o teletrabalhador acaba
trabalhando em condições desfavoráveis,
ferindo ate a CLT.
3- Ansiedade, pois muitas vezes o
teletrabalhador fica sem serviço e não
pode sair e sempre esperando o que pode
aparecer.
4- Em muitos casos, o teletrabalhador tem
um aumento de peso devido a ficar em
casa sem ter exercício físico.
5- Dificuldade de concentração, caso a
casa tenha muitas pessoas morando e
mesmo sozinho, surgem problemas de
ansiedade, pois não tem ninguém
pra relaxar em outro tipo de conversa.
6- Afastamento do campo profissional
pelo isolamento do ambiente da sede
física da empresa.
7- Dificuldade pra demonstrar um acidente
de trabalho.
8- É necessária muita disciplina para
trabalhar em casa e geralmente as
empresas apenas
colocamteletrabalhadores sem pensar em
algum tipo de treinamento.
9- O teletrabalhador trabalha bem mais,
pois muitas vezes este já sabendo que
tem um problema a resolver no dia
seguinte,acaba ficando por conta própria
tentando resolver o problema.
10- Quem paga a luz do ar condicionado e
a energia elétrica com os aparelhos
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
130
eletrônicos é o teletrabalhador, inclusive
este gasta dinheiro em transformar uma
dependência do lar em um filial da
empresa.
11 - A empresa acaba passando ao
teletrabalhador as despesas que esta
deveria ter, por isso que o teletrabalho é
muito vantajoso para a empresa, pois há
uma boa diminuição de despesas.
12- O teletrabalhador produz mais porque
tem mais carga de trabalho comparado
com aqueles que trabalham na sede física
da empresa e o pior é que não tem
nenhum aumento de salário por isso.
13- Pelo controle virtual à distância, a
fiscalização do empregador prende o
teletrabalhador no teclado, tanto que se
este não estiver trabalhando no ritmo
desejado, a máquina dá um aviso ou
trava, ficando registrado.
7- A lesão ao direito ao lazer. Dever de
indenizar
O artigo 927 do Código Civil impõe
àquele que causar dano a outrem o dever
de repará-lo. No caso em estudo, o
empregador, ao exigir excessiva carga de
trabalho do empregado, causa-lhe dano,
de ordem psíquica, social, e familiar.
Realmente, ao impedir o obreiro de gozar
direito ao lazer, laborando grande número
de horas extras, sem folgas e férias
regulares, o empregador furta-lhe não só o
convívio com sua família, mas, sua
dignidade, saúde e segurança. Mas, não é
só: exigência de jornada laboral excessiva
caracteriza método de gestão arbitrária,
que comporta reparação; por dano moral,
em razão do abalo psíquico; por dano
material, pelo efetivo impedimento do
gozo do pleno lazer, constitucionalmente
garantido. No entanto, essa teoria não é
aceita pacificamente, seja porque o artigo
6º, da Constituição Federal, careça de
regulamentação, seja porque, em tese, o
labor suplementar já estaria remunerado
pelos respectivos adicionais. Contudo, há
possibilidade de se aplicar à hipótese a
teoria da responsabilidade civil.
Problema de alta indagação é saber se
o fato de o empregador ter remunerado as
horas extras da jornada excessiva
impediria qualquer tipo de indenização já
que o empregado recebeu compensação”
pelo trabalho suplementar. Essa questão
não é fácil de ser respondida. Como
acontece no Direito, haverá mais de uma
corrente. Primeira corrente: o adicional de
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
131
horas extras compensa a jornada
excessiva. Poder-se-á argumentar que o
adicional de horas extras já compensa o
desgaste sofrido pelo empregado; aliás, é
exatamente esse o fundamento de se
remunerar hora extraordinária com valor
superior ao da hora normal, ou seja,
compensar malefícios oriundos do
trabalho anômalo, que, pela própria
natureza, causa lesões físicas e psíquicas
no obreiro.
Por sinal, o mesmo ocorreria com
adicionais de insalubridade e
periculosidade; para esses institutos,
conforme consagrado na doutrina e
jurisprudência, o pagamento de valor
adicional tem, sim, o condão de
compensar as mazelas de se laborar em
condições insalubres e perigosas.
Pode-se defender, ainda, que o artigo
6º da Constituição Federal possui
conteúdo meramente programático, não
tendo relação direta com o contrato de
trabalho. Desse modo, a hipótese limitar-
se-ia ao âmbito da responsabilidade civil,
de modo que só responderia o
empregador, por lesão oriunda do trabalho
excessivo, se agisse com culpa, ou,
conforme o caso, pela teoria do risco. De
qualquer forma, o que seria jornada
excessiva? É sempre bom lembrar que a
Consolidação das Leis do Trabalho
estabelece limites à jornada suplementar.
Efetivamente, a legislação trabalhista
restringe o labor diário conforme os
seguintes dispositivos legais:
� labor diário: artigos 59 e 61, da
CLT;
� intervalointerjornadas: artigo 66,
da CLT;
� intervalointersemanal: artigo 67,
da CLT
Para a jornada de 8h o limite é, regra
geral, de 12h por dia: 8h contratuais, 2h
para o regime de compensação ou hora
extra (artigo 59), mais 2h em caso de
necessidade imperiosa (artigo 61),
podendo-se acrescentar até mais 2h, se
considerada a hipótese de força maior e
cumprimento de serviços inadiáveis (mas
o próprio artigo 61, § 2º, prevê limite de
12h diárias). Mauricio Godinho Delgado
(2009:807) entende que, mesmo sendo a
jornada inferior a 8 horas, o teto global é
de 10 horas diárias. Nesse raciocínio, o
empregado que cumpre jornada de seis
horas, por exemplo, poderia levar 4 horas
diárias para o Banco de Horas.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
132
Mas, o problema, aqui, não é tão-
somente o limite diário, mas, sim, a
continuidade do labor excessivo na
semana, mês, ano. É verdade que o artigo
137 da Consolidação das Leis do Trabalho
também prevê sanção para o ilegal
“trabalho nas férias” (o mesmo ocorre
para labor nas folgas e feriados,
consoante Lei 605/49), de maneira que,
em tese, prevaleceria o mesmo argumento
supra, isto é, a “compensação” pelo labor
suplementar ocorre pelo pagamento dos
acréscimos previstos na legislação
trabalhista. De toda sorte, verifique-se a
lição de ArionSayãoRomita: “As férias não
constituem um prêmio concedido pelo
empregador ao empregado, ante a
suposta boa conduta do trabalhador
durante o ano precedente, sem que
tivesse dado mais de trinta e duas faltas
ao serviço. Constituem, isto sim, um
direito, que lhe é garantido por lei, de não
trabalhar durante o período de gozo, sem
prejuízo do salário”10.
Segunda corrente: o adicional de horas
extras remunera o trabalho, mas, não
compensa malefícios do impedimento ao
lazer. Para outra corrente, pode-se
argumentar que o adicional de horas
extras não remunera lesões pelo
10 ROMITA, ArionSayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. – São Paulo :LTr, 2005.
impedimento de pleno gozo do lazer; paga
o adicional somente o trabalho realizado,
ou seja, a obrigação contratual, e não
eventuais lesões daí oriundas. Tanto isso
é verdade que, na hipótese do adicional de
insalubridade, por exemplo, o adicional
compensa o trabalho em condições
insalubres, mas, não doenças que daí
possam advir, tal que, se acometido o
empregado de moléstia do trabalho, em
razão de suas atividades para o
empregador, poderá este ser
responsabilizado civilmente, conforme
artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal,
pelo que indenizará o dano causado, por
culpa (se considerada a Teoria da
Responsabilidade Subjetiva), pelo risco
(se considerada a Teoria da
Responsabilidade Objetiva).
Mas, aí começam os problemas: é
objetiva a responsabilidade pelo
impedimento do gozo de pleno lazer? O
fato de o empregado laborar em jornada
excessiva tem, por si só, o condão de
gerar responsabilidade civil do
empregador? A efetiva lesão, que
porventura tenha sido causada pelo
excessivo labor, não teria de ser provada,
considerando elementos ensejadores da
responsabilidade civil (fato, dano, nexo
causal e culpa)? São questões que,
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
133
realmente, poderão ensejar ampla dilação
probatória em eventuais ações judiciais.
De todo modo, uma das repostas a esse
problema, talvez, seja se considerar
responsabilidade objetiva do empregador,
não só porque o lazer é direito
fundamental, mas, especialmente, se
levado em conta o artigo 2º, da
Consolidação das Leis do Trabalho
(responsabilidade objetiva do empregador
pelos riscos do negócio, ou culpa
presumida, conforme Teoria da
Responsabilidade Contratual), já que o
empregado não cumpre horas extras
excessivas de modo unilateral e à seu
talante, sendo o patrão, a tanto,
responsável pelo abuso de direito (artigo
187 do Código Civil).
A Consolidação das Leis do Trabalho
permite a realização de horas extras, mas,
não de forma abusiva. A Teoria do Abuso
de Direito, que impõe respectivo dever de
indenizar (artigos 187 e 927 do Código
Civil), também, pode ser uma saída para a
espécie. Cumpre destacar que a
responsabilidade objetiva não é aceita de
maneira pacífica pela doutrina e
jurisprudência, de modo que a tese da
indenização por desrespeito ao lazer
poderá encontrar resistência. Não
obstante, se considerada como válida a
possibilidade de se responsabilizar
civilmente o empregador, por tolher direito
ao lazer do empregado, a par de terem
sido pagas, ou não, horas extras, cabe
reparação de dano, já que, nessas
condições, submete o empregado à
jornada extenuante de trabalho, causando-
lhe abalo ao patrimônio moral e material,
retirando-lhe o próprio descanso, convívio
com a família e meio social. Não bastasse
isso, a excessiva carga de trabalho pode
causar lesões físico-psíquicas,
notadamente estresse e síndrome do
pânico, doenças profissionais equiparadas
a acidente do trabalho.
Enfim, sob o ponto de vista prático, é
muito mais seguro fundamentar a hipótese
na Teoria da Responsabilidade Civil,
subjetiva ou objetiva, tratando diretamente
do dano: a jornada excessiva causou
lesão ao empregado? Cumpre verificar se
estão presentes fato, dano, nexo causal e
culpa (ou risco). O fundamento está no
artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal e
nos artigos 187 e 927 do Código Civil. A
violação do lazer surge, quiçá, como
questão de fundo, como causa remota.
Mas, ressalte-se, é de suma importância
para eventual cotejamento com a tese de
remuneração das horas extras, isto é, de
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
134
que o adicional já teria compensando o
labor excessivo.
Para a visão mais conservadora, o fato
de o empregado receber, pela jornada
excessiva, adicional superior à hora
normal remunera o desgaste sofrido nesse
tipo de labor, tal como ocorre, por
exemplo, com o adicional de
insalubridade, que tem o condão de
compensar mazelas do trabalho em
condições insalubres. O maior problema
dessa teoria é que a remuneração
adicional não indeniza doenças do
trabalho daí oriundas, pelo que, na
espécie, pode o empregador ser
responsabilizado civilmente (artigo 7º,
XXVIII, da CF), ainda que tenha pago
adicional de insalubridade. O mesmo se
dá, portanto, com a carga horária
excessiva: adicional de horas extras
limita-se a compensar o trabalho, mas,
não a lesão. De qualquer maneira, a causa
próxima aqui seria a responsabilidade civil
e não o direito ao lazer.
Para a corrente mais liberal, pode se
considerar, nesse caso, responsabilidade
objetiva, porque, além de o lazer ser
direito fundamental, o empregador, por
força do artigo 2º, da CLT, é responsável
pelo abuso de direito (artigo 187 do
Código Civil), já que o empregado não
cumpre horas extras à seu talante. A CLT
permite realização de horas
suplementares, mas, não de forma
abusiva. De qualquer forma, a
responsabilidade objetiva não é aceita de
maneira pacífica pela doutrina e
jurisprudência, de modo que a tese da
indenização por violação do lazer poderá
encontrar dificuldades de ordem prática
no âmbito judicial; melhor seria calcá-la
na teoria da culpa.
Com efeito, se considerada como
válida a teoria liberal, configura-se lesão
do direito ao lazer do empregado —
atentado à sua dignidade moral, familiar e
social — afora, conforme o caso, doença
profissional, que pode ensejar indenização
por dano moral e material (artigo 5º V e X,
CF; 186 e 927 do Código Civil). Mesmo
assim, o fundamento do direito de
indenizar residiria não necessariamente na
violação do direito ao lazer, mas, sim, na
própria responsabilidade civil daquele que
causou o dano: o empregador11.
11 GONÇALVES, Marcos Fernandes. Jornada de trabalho excessiva. Violação do Direito Constitucional ao Lazer. http://www.juslaboral.net/2009/03/jornada-de-trabalho-excessiva-violacao_31.html. Acesso em 15 de setembro de 2011.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
135
8- Conclusão
Os teletrabalhadores estão sendo
explorados telematicamente, infelizmente
estes por questões de se manter no
emprego acabam se submetendo a isso,
atrapalhando o pouco horário de lazer que
possuem, se descuidando da família, dos
filhos e da própria saúde. A Justiça do
Trabalho está decidindo a favor dos
teletrabalhadores nas questões de horas
extras e sobre o ambiente de trabalho,
decidindo para o pagamento das verbas
rescisórias e até em indenizações
decorrentes de doenças do trabalho que
surgem quando são exigidos além do
permitido pela Carta Magna vigente.
O teletrabalho é uma boa alternativa
para tentar resolver questões como greve
de policiais, enchentes,
congestionamentos, poluição ambiental,
aumento de população dos grandes
centros urbanos, porém, deve ser
realizado sem abuso, dentro das oito
horas diárias e quarenta e quatro horas
semanais.
9- Bibliografia
1- ANTUNES Ricardo. Liberdade laboral
aparente.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercad
o/me2208201008.htm
2- BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.
Rio de Janeiro : Ed. Campus, 1992.
3- FORNETTI, Verena. A escravização
digital http://www1.folha.uol.com.br
/fsp/mercado/me2208201005.htm
4- GBEZO, Bernard E. Otro modo de
trabajar: la revolución del teletrabajo.
Trabajo, revista da OIT, n. 14, dez de
1995.
5- GONÇALVES, Marcos Fernandes.
Jornada de trabalho excessiva. Violação
do Direito Constitucional ao Lazer.
http://www.juslaboral.net/2009/03/jornada
-de-trabalho-excessiva-violacao_31.html
6 - PINO ESTRADA, Manuel Martín. Os
mundos virtuais e o
teletrabalhonosTribunais Brasileiros: os
casos do STF e do TRT de Minas Gerais.
In Revista de Direito Trabalhista, ano 16,
nº 05, Brasilia: Consulex, 2010.
7- ROBBINS, Stephen Paul.
Administração: mudanças e perspectivas.
São Paulo: Saraiva, 2000.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
136
8- ROMITA, ArionSayão. Direitos
fundamentais nas relações de trabalho. –
São Paulo :LTr, 2005.
Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar
137