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FLÃNEUR :: REVISTA LITERÁRIA PRODUZIDA PELO PERÍODO DE JORNALISMO DA PUCPR :: 2º SEMESTRE 2009

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Flãneur :: Revista Literária produzida pelo 6º período de Jornalismo da PUCPR :: 2º SEMESTRE 2009

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Vida e

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morte

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As ruas, um bom lugarJá era tardar da noite, carros en-

volviam esquinas das princi-pais Avenidas do Bairro Água

Verde. A noite fria e solitária, já não era mais tão silenciosa assim. Por uma dessas Avenidas, mas pre-cisamente, sentada em frente a uma loja de animais, se encontrava Maria Zeferina e seu cão Dylon.

Muitos trausentes, sempre passam por ela durante o dia, já estão acostumados a olhar para as feições de Dona Maria. Seu traje cheio de panos coloridos, explica ela, é para ficar mais “chique” e se esconder do frio e do vento que in-sistem em bater em seu rosto. Dylon, o cão cora-gem, mais precisamente nas palavras de Maria, fica ao seu lado o dia todo, o animal não tem raça, o que ele tem, é um carinho enorme pela dona, que o enche de mimos, sempre quando pode. Maria é curitibana, morava com os pais no Xaxim, ambos falecidos, mas chegou um dia, que teve vontade de levar uma vida com mais emoção. Largou tudo, morou em alguns lugares que não deram certo, e hoje prefere as ruas. Para Maria, as ruas sempre foram bons lugares. Ela chegou a ficar um tempo no centro, mas prefere

hoje, o Bairro do Água Verde. As ruas são cheias de mistérios, sempre vê coisas inéditas e diverte-se com as pessoas que andam sem rumo à noite. Próximo de dois bares, o local onde Maria dorme na Avenida Iguaçu, serve também de refúgio para alguns jovens depois da balada.Ela conta que tem muitos amigos na rua, princi-palmente as que são suas “vizinhas” e também de pessoas que tem comércio por ali. Maria toma café, quase sempre em uma confeitaria próxima. Os do-nos da confeitaria sentem pena por a verem sempre ali. Seu cão emociona e chama a atenção, por seu dócil e sempre acompanhá-la em qualquer situação. Maria não recebe nenhuma assistência da prefeitura, por escolher tomar o caminho de viver sozinha nas ruas, para se aventurar. As vi-zinhas da qual ela sempre cita, se tratam de mo-radores que vivem em um condomínio ao lado. Dylon, seu cão, tem o apelido de ser corajoso, pois a acompanha desde o centro, dorme com ela, e não sai de perto. O ami-go é companheiro e fiel. Abaixa a cabeça si-multaneamente a cada palavra que a dona dá e balança o rabo delicadamente sempre que alguém se aproxima, parece querer conversar. Maria não quer e nem deseja sair das ruas. É sua família, tudo que está lá. É sua vida e sua história, tudo que acontece também, O rosto já degenera-

do pelo tempo, as marcas e expressões de vivência, não lhe tiram por um instante a vontade de con-tinuar, e nem muito menos o brilho no olhar. Os cabelos quebrados, as unhas não feitas, também não lhe incomodam. É aqui o meu lugar, insiste. Quando questionada sobre o sofrimento de viver assim, ela não diz em nenhum mo-mento que sofre. Quando perguntada sobre o Brasil, sobre questões sociais, sobre o que acom-panhava nos noticiários, apenas diz que só quer saber do bairro do Água Verde, e nada mais.

As

ruas são cheias de mistérios, sempre vê

coisas inéditas e diverte-se com

as pessoas que andam sem

rumo à noite

Adriano Ribeiro, Caroline Brand, Renata Muzzolon, Stephanie Ferrari e Thaina Laureano

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“Mas o Colombo-CIC é bem pior”, conformou-se a mulher de sa-ias longas e sacola de papelão que discutia com a colega, em pé, a melhor forma de manter-se pudica nos ônibus de Curitiba. A conver-sa foi escutada pela metade, não só por mim, mas todos os que es-

tavam sem fones de ouvido naquela viagem do Santa Cândida – Capão Raso. Esse é um tipo de habilidade que a curiosidade me levou a desen-volver nos ônibus: inferir conversas sufocadas pelo barulho do trânsito, pelo começo perdido por um desencontro de pontos de entrada ou pelo inter-esse que me causam todas as expressões que pululam entre os passageiros. “Passageiro”. Essa é – sem dúvidas – a palavra mais apropriada para definir o comportamento no ônibus. Como naquele momento assim nos sabe-mos; assim agimos. Nenhuma conversa pode evoluir mais do que o próximo ponto. Nenhuma ação pode ficar pendente; a prorrogação da conversa é, no máximo, o grito através da janela para aquele que já desceu. Mas aí, cui-dado! “Esses dias mesmo eu vi um garoto, lá na Estação Central, que se de-bruçou nas grades em torno do ponto e, de fora pra dentro, roubou o boné do garoto que – até então – julgava-se privilegiado por ser um dos poucos

a sentir um ventinho na cara. E ali, rapaz, na Estação Central... Curitiba tá mudada mesmo”, contou um, tipicamente saudoso, curitibano da Barreirinha. Além de observar o comportamento dos passageiros, o hábito me levou a reparar também nos motoristas e cobradores. Isso já coloca a situação em outro contexto: eles não estão ali de passagem. Isso, na minha análise, expli-ca seus comportamentos. Aquela imponência antipática só pode surgir de um sentimento parelho aos donos de uma casa que, ao abrirem as portas, vêem sua propriedade invadida por uma corja de pés sujos, com o odor natural que as 8 horas diárias de trabalho imputam e, no caso de Curitiba, respingos de guarda-chuvas que completam a desordem. Entendamos, seria exagero es-perar reações amistosas. Com a simpática exceção dos rebolados tímidos das polacas curitibanas. A conversa entre eles, porém, evolui com uma naturali-dade admirável, com aquelas palavras entrecortadas que só funcionam para os que dividem, e sabem que dividem, o mesmo sentimento na mesma situação. “Qual o ponto mais perto da Rua XV?”, perguntou-me uma senhora enco-berta pela nuvem de sotaque carioca. Minha reação, acostumada a ob-servar; não a interferir, foi súbita: “pergunte ao cobrador, eu desço agora”

Por Bruna Alcantara; Guilherme Binder; Gustavo Yuki; João Frey; Mariana Alves.

Abra a janela, por favor

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Já dizia Fernando Pessoa: “morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada.” Em anos de trabalho, o poeta por-tuguês se notabilizou pela capacidade de adentrar no íntimo do ser humano e revelar suas angústias, incertezas, inseguranças e desejos. No entanto, a frase que ele criou há pelo menos 70 anos, ainda hoje con-quista adeptos e incomoda os céticos. Afinal, o que, realmente, é a morte? Tudo indica que a humanidade não deve chegar a uma conclusão tão cedo. Pelo me-nos, não nas próximas décadas. Enquanto isso, o que nos resta é buscar possíveis ex-plicações para essa questão, para alguns, tão incômoda. E é nisso que viemos nos empenhando ao longo dos séculos. Enquanto algumas pessoas defendem que a morte nada mais é do que o fim da vida, outras a veem como uma oportunidade para o começo. Ao mesmo tempo em que filósofos, físicos, matemáticos e psicólogos pro-curam desvendar esse mistério, uma outra parcela da população faz da morte o sus-tento da própria família: os coveiros – ou “pedreiros”, como preferem ser chamados – enxergam o processo como algo natural, “parte da vida”, como mesmo define Gusta-vo dos Santos Cardoso (33), há 12 anos na atividade. “Alguns colegas dizem que enxergam coisas no cemitério. Esses dias mesmo me falaram que estavam vendo vultos atrás de mim. Aquilo não me incomodou. Para falar a verdade, acho que isso é falta de reza”, diz ele. Católico desde a infância, Gustavo ainda

diz que, para sua família, a morte também já se tornou bastante natural. “No início da minha profissão, minha namorada não gostava do meu trabalho. Achava estranho. Hoje ela é minha esposa e já pede para que eu a enterre.” João Evaldo Jungles (53), tam-bém confessa não acreditar no que não pode ver. “Para mim é tudo fantasia, pura imaginação. Mas vejo que o pior da

morte, é mes- mo a dor que antecede o fim.” João perdeu as duas mulheres com quem se casou e se autodenomina “o viúvo negro”. “Enterrei as duas. Foi dolori-do, mas por ser católico, acredito que a alma pertence a Deus e é para ele que deve voltar!” Em 33 anos de profissão, o pedreiro já não se lembra de quantos corpos chegou a enter-rar, mas deduz: “Acho que em uma semana, enterrei cerca de 40. Mas cada sepultamento é diferente. Alguns são emocionantes, boni-tos, enquanto outros são muito tristes, não só pela dor da família que perdeu a pessoa querida, mas porque fica evidente que o interesse maior é a herança”, diz ele, lemb-rando-se de um fato inédito que o marcou. “Na hora de colocar o caixão no túmulo ouvi uma gritaria e, quando olhei para trás, dois jovens estavam rolando no chão e

brigando pelo dinheiro que o falecido tinha deixado. Aquilo sim foi triste”, finaliza ele, de maneira simples, mas demonstrando uma percepção de vida e morte que talvez nenhum estudioso pudesse concluir tão rapidamente.

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esqueceAmar nunca se

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esqueceAmar nunca se

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que deixar-se amargu-rar pela dura verdade.

Não importa quem são seus fil-hos, e por que eles a deixaram ali.

O que importa é que mesmo a deix-ando ali, aqui, mas falaram que vem

me buscar”. É fácil entender dona Ma-ria, pois é mais simples terminar o resto

da sua vida acreditando numa doce ilusão do que deixar-se amargurar pela dura ver-

dade. Não importa quem são seus fil-hos, e por que eles a deixaram ali. O que importa é que mesmo a deixando ali, sozinha, eles ainda fazem um bem especial para ela, já que ela alimenta a esperança de revê-los. O mais difí-

cil é dar as costas a tudo isso. Infeliz-mente, eles não são seus bisavôs, avôs

ou pais. O máximo que se pode fazer é dar um pouco de atenção, e pelos sorrisos deles você sabe que é suficiente, pelo menos durante aquele pequeno momento. Mas depois que você vai embora,

que as janelas se fecham, que o sol deixa de entrar, que o ta-

pete é recolhido e que a porta de madeira

é apenas mais uma porta de madeira, eles voltam a ser peças

de quebra-cabeças que jamais serão montados, que tentam se encaixar em al-

gum lugar, mas principalmente tentam entender, na escuridão de toda noite, porque aquela grossa ca-

mada de tristeza que os envolve não pode ser soprada e lustrada como se fosse uma simples camada de pó.

Grossas Camadas de Pó

Daniel Courtouke

Fernanda Serpa

Guilherme Mélo

Tatiana Olegario

“Meus filhos me deix-aram um dia aqui, mas

falaram que vem me buscar”

Aparentemente é apenas uma casa comum. Uma convidativa porta de madeira antiga, janelas abertas para deixar o ar entrar e arejar o ambiente e um tapetinho surrado

escrito “Bem-Vindo” em frente ao portão. Então você pensa: por que não entrar, certo? Mas fique sabendo que as pessoas que estão lá dentro não pensam da mesma maneira. Elas esperam um convite para sair. As pessoas estão sentadas. A idade já dá o as-pecto de encolhimento. As rugas, as mãos trêmulas, as pequenas manchas na pele, os pêlos grandes de-mais no rosto, os cabelos brancos, os passos curtos e arrastados, e olhar de quem pede por atenção. Isso é o que você depois de atravessar a convidativa porta de madeira. A sua frente o senhor idoso e vaidoso já não consegue levantar o queixo e manter-se em postura elegante e ereta. Se é a idade? Acredito que seja a tristeza, prin-cipalmente a tristeza. A senhora que fica no canto direito, perto da janela, sempre lançando um olhar ligeiro para a rua, como se espe-rando alguém chamar pelo seu nome, também conserva sua vaidade. Mas não para si, e sim para aquele que um dia virá buscá-la. Disso ela tem certeza, e não se cansa de esperar. Ou aquele outro senhor, que caminha para lá e para cá, e sim-plesmente tenta puxar assunto com todos os que pas-sam por ele. Ele quer companhia, ele não espera que ninguém apareça para tirá-lo dali. Ele simplesmente tenta suprir, no lugar no qual foi obrigado a ficar, a

falta de companhia, de atenção. Cada pessoa dessa é a peça de um quebra-cabeça, que jamais será montado de novo. São Ma-rias, Paulos, Josés, Joanas, Aparecidas, perdidos nes-sa casa que parece tão aconchegante e convidativa, mas ao mesmo tempo tão vazia de família. Muitos já cansaram de enxugar as lágrimas, outros ainda choram para se consolar, e sempre há aqueles que es-peram pela boa notícia. E claro, não podemos esquec-er aqueles que esquecem. Não podemos de deixar de imaginar a história que eles imaginam. Não podemos deixar de sorrir os seus sorrisos. É assim com Manoel Barbosa. Pelo menos é assim que ele diz que se chama. Militar linha dura. Sempre pede pelo seu uniforme. “Cadê meu uni-forme?” ele pede pra enfermeira. Ou ainda: “Traz meu traje de gala, hoje meu filho vem me ver”. A

enfermeira concorda, diz que tudo bem e que já volta com a roupa. Dois minutos depois tudo é esque-cido. Ele não é mais um militar, ele não espera mais pelo seu filho. Ele é apenas um velho com o olhar per-dido, que não sabe por que está ali.

Ele é alguém que deu muito trabalho após apresentar os sintomas do Mal de Alzheimer. Já Maria Aparecida de Lourdes sabe por que está ali. A senhora vaidosa do canto direito, perto da janela. Lembra? “Meus filhos me deixaram um dia aqui, mas falaram que vem me buscar”. É fácil en-tender dona Maria, pois é mais simples terminar o resto da sua vida acreditando numa doce ilusão do

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O Amanhã Nunca ChegaEu nunca imaginei que quando che-

gasse ao fim da vida fosse capaz de amar novamente e, além disso, ser feliz novamente.

Ainda me lembro como se fosse ontem, quando os nossos olhares se cruzaram, não durou mais do que duas batidas de coração para que eu soubesse que os havia ganho. Imaginei que dali para frente a minha vida se-ria só alegria. Cama quentinha, “casa comida e roupa lavada”, enfim a vida que qualquer um podia pedir a Deus. Os primeiros anos da minha vida foram os mais maravil-hosos que alguém pode-ria ter. Mas então começaram as implicâncias porque eu deixava a roupa espalhada, fazia sujeira em lugares que não devia, bagunçava as almofadas da sala e mais uma porção de detalhes que por mim não eram vistos como maldade, mas sim como uma maneira de chamar a atenção e tê-los mais perto. Sempre imaginei que o amor que sen-tiam por mim era o mesmo que eu tinha por eles: incondicional. Não é possível que as pes-soas tenham coragem de abandonar alguém tão frágil! Depois desse dia, parecia que minha vida não teria mais sentido. Foram noites dormindo ao relento, procurando comida em qualquer lugar. As pessoas me despreza-vam, diziam que não valia nada, que não faria diferença se eu não existisse. A partir daí, meu conceito sobre o homem mudou. Foram quase 10 meses nesse vai-e-vem, tentando convencer quem passava de que eu

não era tão ruim assim, eu só queria brincar, queria carinho e atenção. Alguns até tenta-vam ficar comigo, mas assim que eu apron-tava alguma coisa, desistiam e me lançavam à sorte novamente. Eu estava quase desistindo, quando ela me encontrou. Que mulher boa, que coração enorme! Me levou a um lugar onde, eu nem imaginava, existiam muitos na mesma situação em que eu me encontrava. Lá sim, me senti querido.

Passou-se um certo tempo, muitas visitas de desconhecidos querendo nos levar para casa, e em nenhuma dessas eu fui escolhido. Por mais que meus

olhos brilhassem, não era o suficiente. Como estava sendo cuidado, acabei desistindo dessa história de ir para um lar, afinal de contas apesar de algumas di-ficuldades, aquela boa senhora conseguia nos manter bem.Éramos em muitos, quase 900 na mesma situação que eu. O amor extravasava pelas paredes. Foi num sábado, pela manhã, que recebe-

mos uma visita diferente. Eu já era mais velho do que os meus irmãos e estava desacreditado de que alguém pudesse olhar para mim e sentir algu-ma coisa, até que os nossos olhares se encon-traram, senti uma onda de emoção e confusão percorrer cada milímetro de minhas veias, o medo da rejeição foi dominado pelo sentimen-to de amor que eu não sentia há muito tempo. Como se fosse num filme, vi cada pedaço da minha vida passar pelos meus olhos, demo-rando um pouco em cada nova esperança que eu sentia até ser enxotado por alguém. Era como um mecanismo de defesa me avisando para não sair do local em que eu estava, para não arriscar sofrer novamente por alguém que só estava afim de diversão. Mas com ele foi diferente, eu tive a certeza de que aquele garoto não iria me abandonar na manhã seguinte. E eu estava certo! Após tantos anos de companheirismo e cuidados, o pequeno André, que hoje já é adulto, luta para reverter situações como as que eu passei. Quanto a ele, uma certeza eu

tenho: o André não tem um coração que bate. O dele,

late. Assim como eu.

A Sociedade Protetora dos Animais

abriga hoje, em Curitiba, mais de 800 animais, entre

cães e gatos, que foram abandonos e maltratados.

Mas ao contrário de Zorro – narrador da estória “O aman-hã nunca chega”, nem todos têm a mesma sorte de serem

adotados, e acabam ficando à deriva e dependendo da solidariedade daqueles que ainda se preocupam em dar, por menor que seja, um pouco de dignidade

para aquelas vidas que sofrem sem escolhas. Para ajudar, entre em contato através do telefone (41)

3256-8211 ou pelo site www.spacuritiba.org.br

Ana Carolina Paiva e Anelise Caparica

“Eu só queria brincar, queria carinho

e atenção”

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espaçoTempo no

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1965

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20051995

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granizo da história dos Estados Un-idos na área de Dallas Fort-Worth. Os metereologistas norte-america-nos da época disseram que algumas pedras de granizo eram maiores que laranjas. Estas vieram acompan-hadas de rajadas de vento de até 140 km/h. Os danos provocados pela tempestade foram estimados em dois bilhões de dólares, o que a inclu-iu no ranking das dez piores tem-pestades em prejuízos financeiros da história dos Estados Unidos.

As manchetes dos jornais de todo o mundo não eram muito animadoras nessa mesma data dez anos depois, em 2005. Explosivos eram detona-dos perto do Consulado Britânico em Nova York. As FARC fazia um novo bloqueio e disparava contra uma ambulância na via Panamericana na Colômbia e soldados americanos presos eram acusados de vender ar-mas para a AUC, também na Colômbia.

E seu Benedito Ferreira? Talvez não se espante com as últimas notí-cias, talvez não queria nem mesmo lê-las. Já há muito sabe que notí-cias da guerra ‘são velhas como o tempo’ e acredita que pode ser apenas uma novo recomeço do anti-go ciclo que já havia constatado.

Memórias reveladasPor Andrizy Bento, Letícia Baptistella, Marcos Silva e Samantha Fontoura

05 de

Maio19651975

1995

Benedito Ferreira tem 64 anos de idade, recorda-se com lucidez de boa parte da

infância passada na capital para-naense. Tinha 10 anos e não sabia ao certo se o que acontecera no ano anterior fora uma ‘revolução democrática’ ou um ‘golpe de Es-tado antidemocrático’, para ser sincero, não queria mesmo saber. Sua única preocupação era termi-nar o curso de datilografia que sua mãe o obrigava a frequentar.

Viu a tecnologia evoluir tão rap-idamente que superou sua capacidade de absorver tantas mudanças. Passou por todas elas. Constatou, muito mais tarde, que a vida nada mais é do que um ciclo de notícias roti-neiras, completamente previsíveis. Seu Benedito não sabe o que acon-teceu no dia 05 de maio ao longo das décadas desde os seus 10 anos, mas poderia acertar ao menos o rumo das notícias desta reportagem ...

Em 5 de maio de 1965, o clás-sico Barrabás, do cineasta Richard Fleischer, ainda levava os espe-ctadores às salas do extinto cinema Marabá em Curitiba. No mesmo dia, Castelo Branco confirmava possibil-idade do envio de tropas brasile-iras à Guatemala e a manchete que estampava os jornais na data era

o início do primeiro Campeonato Paranaense de Futebol. Outra notí-cia de destaque na mesma data era a visita de governadores do Japão ao Paraná. Ao observar os clas-sificados dos principais jornais, era possível perceber que a ex-periência em datilografia garantia muitas vagas de emprego para jo-vens a partir dos 23 anos de idade. Neste ano, o Paraná ainda estava engatinhando na questão agrícola.

Uma década depois, já a soberana Rede Globo apresentava ao público um novo horário de telenovelas. A faixa das seis da tarde era inaugu-rada com Helena, adaptação para a teledramaturgia do popular romance de Machado de Assis. Nessa data os jornais noticiavam o surgimento da hoje poderosa escola Positivo, o centenário de emancipação da cidade de Jaguariaíva e a não legaliza-ção do divórcio. Também neste dia, nascia o cantor Wilson Sideral.

Em 1985 uma curiosa notícia es-tampava as páginas da Gazeta do Povo: a nave espacial Challenger viajava pelo espaço com 33 pas-sageiros. Dentre eles, 7 astro-nautas, 2 macacos e 24 ratos!

O mundo espantou-se uma déca-da depois com a maior tormenta de

2005 1985

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Retrô olha para trás. Ou melhor, vê beleza à frente quando olha para trás. Vê beleza quando desdobra o antigo casaco do avô, ou quando reinaugura o

cachecol clássico da avó. O retrô está longe das novidades da moda e, assim, virou novidade. O blassé, brega e re-jeitado livrou-se das traças e desfila nas ruas novamente. A parafernália que compõe o estilo retrô é encon-trada como que numa caça ao tesouro. Mas, neste caso, não se procura baús em ilhas desertas visitadas por pi-ratas; mas brechós. Em meio a uma porção de roupas de todo tipo, o retrô encontra sua identidade nos brechós e re-valida uma porção de estilos postos de lado. Mas seria vago citar o retrô tão somente como uma maneira de vestir-se. O retrô pode se revelar num gesto da mão que segura o cigarro e sustenta o fino fio de fumaça que sobe ao teto. Há uma certa angústia na tragada e no olhar, é claro. Mas seus óculos escuros oitentis-t a s

ing na orelha, outro no lábio inferior. Ao mesmo tempo em que nos chocamos com seu estilo, nos perguntamos como ele optou por ele. Diego não liga. Na verdade, é desse jeito para ser invisível. Quando frequenta bares retrô, como o Wonka Bar, no Centro, ele é só mais um. Já nas ruas, é um ser esquisito que procura antipatia e a encontra. Sua angústia se vê completa e feliz. É o preço do sossego. Na tribo de Diego cabe de tudo, quase sempre com a mesma história e inadequação. Ironias fazem parte e, muitas vezes, o retrô vinil junta-se à modernidade eletrônica. Nádia tinha estilo diferente das garotas de sua idade. Enquanto suas amigas estavam na moda e ouviam as músicas das paradas, Nadia sentia uma estranha nos-talgia ao ver roupas e ao ouvir canções das décadas pas-sadas. O atual companheiro, Matheus, também circulava por outras décadas. Adorador de Beatles e Elvis Presley, rodava a cidade atrás de discos de vinil. Nádia, aos 20 anos, morava no interior de São Paulo. Suas roupas e acessórios eram tão chamativas quanto as de Diego, e tão cheia de acessórios quanto as de Matheus. Mas a adequação se confirma. No figurino, saias compridas e estampadas, blusas coloridas e chinelos. Matheus tocava numa banda de rock. Apresenta-va-se todo fim de semana em um barzinho. Tinha 27 anos, cabelos na altura do ombro e gostava de usar boinas e All-Star. Nadia era adepta da famosa frase hippie dos anos 70, “paz e amor”. O lema era tudo que ela queria. E era tudo que Matheus também procurava em seus discos. Por descuido do destino, os dois jovens adoradores da nostalgia acabaram “se esbarrando” em um dos meios de comunicação mais modernos dos dias atuais: a internet. Hoje, dois anos depois, Nádia e Matheus moram juntos em Curitiba. Dividem um apartamento modesto no centro da cidade. A decoração do “apê” conta com LP’s, uma vitrola e um rádio antigo que não funciona. Entre tanta modernidade existente nos dias de hoje, o músico Diego, e o casal Nádia e Matheus resgatam um passado que não viveram. Para eles, o retrô e o mod-erno se completam.

Retronadoescondem olhos vazios de vida, mas exigentes de uma po-esia direta. O retrô gosta de artistas e estilos que ninguém gosta ou conhece. Ele prefere o vinil ao cd; prefere a calça xadrez ao jeans; prefere bebidas com nomes elegantes à cerveja; prefere paredes roxas com anúncios antigos às paredes brancas e iluminadas. Não assiste TV, apenas filmes antigos; de preferência de estética francesa, bem Brigitte Bardot. Retrô não compra Gol 1.0. Seu carro é o Fusca, a Kombi, a Vespa; todos pintados com cores frias e púrpuras. As calças justas de cor bege de Diego foram ap-

ertadas sob medida. Do brechó onde as encontrou, veio também um cinto preto com detalhes

prateados, um tênis Adidas estilo olímpico clássico, uma camisetinha de estampa maluca quase baby-look, uma jaqueta jeans quadradona, e uma boina marrom

estilo soviético. Para proteger-se da luz (o sol é uma agressão à estética pálida do

retrô), um par de óculos enormes de lentes amareladas. Ele caminha pela cidade, muitas

tatuagens pelo corpo, corrente na calça, cigarro aceso, e um livro de poesias de Silvia Plath debaixo

do braço. Diego tem 22 e adotou o estilo em 2003. Ele e seus

amigos usavam uma moda indie mais alternativa que o normal, mas ainda se sentiam limitados

dentro das poucas opções oferecidas pela in-dústria do segmento. Decididos a reviver

décadas passadas e inovar diante do moderno, eles encontraram refúgio nos brechós. Uma nota de cinqüenta reais rende muitas peças nestes lugares. Já os broches que decoram a jaqueta são feitos por amigos, com mensagens orig-inais ou non-sense. Seu estilo incomoda os olhos, mas conserva um ar de mistério. Nas orel-has, Diego usa um alargador. A barba no queixo é estilo bode e forma grossas costeletas loiras nas laterais. Um pierc-

Por Carolina, Daniela, Eduardo e Rafaela

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Um som ligado, uma vela acesa, incen-sos e um pacote de biscoitos aberto. O cenário que, se não fosse pelo último item poderia parecer um tanto místico, é o ambiente onde Priscila Dias, de 22 anos desenvolve sua arte. Dalí, colares multicoloridos, feitos de variados materiais, diferentes do que as frequentadoras de shopping Center estão habituadas a com-prar, são produzidos diariamente. E pra criar brincos, colares e pulseiras, Priscila prova que é bem possível sim, dispensar a leitura de revis-tas sobre alta costura. Afinal, quem deu a idéia de começar a criar acessórios para vender não foi nenhuma revista de moda, e sim a tia Bete, durante um café da tarde. A inspiração vem de tudo que Priscila sente, ouve e vê. Músicas de que gosta e pin-tores favoritos são constante fonte de ideias e até mesmo um passeio de bicicleta pode resul-tar em novas criações. A grande culpada de tu-do, aponta, é a mãe. Quando Priscila e a irmã eram crianças, tudo o que era arte era brinca-deira, e até mesmo fogueira no carpete de casa a mãe das meninas inventou para entretê-las. A mãe artista ajudou em muito para a formação da filha, agora também artista. Uma alma livre que permite a criação de uma arte livre. Apesar de possuir porte pequeno, Pris-cila tem uma imagem marcante. Ela diz que os cabelos com grandes cachos e suas rou-

pas coloridas fazem com que muitas pessoas a estranhem e a julguem esquisita. Mas o que vale são aqueles desconhecidos que, inesperadamente interrompem o que estão fazendo para dizer que gostaram do cabelo e das roupas diferentes da menina. E um dos ideais de Priscila é rela-cionado justamente à beleza feminina. Ela acredita que não existem determinados modelos de roupas para respectivos corpos. Essa história de que uma menina gordinha ou magra demais não têm corpo para determinadas roupas soa absurda para a artista. E por isso mesmo, as fotos de divulgação da marca Intimo Colorido, da qual é dona, são fotos de meninas com uma beleza verdadeira e diferente do encontrado em capas de revista. “Quem representa minha marca são minhas próprias clientes, são elas que usam, que acompanham e vibram com o meu trabalho e é essa a imagem que quero vender com o meu produto, essa imagem real”. As clientes, que antes eram apenas ami-gas e pessoas que a abordavam na rua por go-star de seus acessórios, agora são também as frequentadoras da Feira do Largo da Ordem,

Por Julliana Bauer, Mariana Guzzo, Mariana Scoz e Silvia Cunha

onde ela vende sua arte para todos os tipos de mulher. As “alternativas” são as que mais compram, mas o desejo de Priscila é que aque-las meninas habituadas a comprar em shop-pings também passem a se interessar por seu trabalho. Não pelo consumo, mas como uma forma de abertura para novos tipos de arte. Antes de decidir ser estilista, Sarah Bau-er, de 21 anos, já quis ser médica, psicóloga e chegou a ingressar no curso de Artes Visuais da Faculdade de Artes do Pa-raná. A vontade de criar as próprias roupas e acessórios surgiu quando percebeu que as roupas das quais gos-tava eram muito caras, ou mesmo quando não encontrava roupas de acordo com seu estilo. Então, tirou a poeira da antiga máquina de cos-tura da mãe e começou a fazer cursos de corte e costura. As amigas se empolgaram ao ver as bolsas que a nova estilista fazia e passaram a fazer encomendas. Sarah gosta de misturar es-tampas e cores e prefere criar bolsas em pano a usar couro sintético. O quarto de Sarah se transformou rapi-

damente em um ateliê, com tecidos, pincéis e livros so-bre moda espalhados por todos os cantos. No círculo de amigas, conhece mui-tas que também costuram e produzem as próprias roupas, o que permite ex-periências divertidas de troca de ideias sobre moda. Volta e meia ela e as colegas

promovem bazares, onde todas expõem e ven-dem as criações. E assim, de forma sorrateira, a moda alternativa vai se misturando ao convencional nas ruas de Curitiba. Meninas como Sarah e Priscila mostram não apenas que podem trans-formar o hobbie em profissão, mas também que não há nada de errado em vestir o que real-mente gostam – estejam essas roupas na moda ou não-, mostrando, através da imagem, sua personalidade.

no íntimo

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marcasDroga que deixa

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Um quadro negro e giz branco, algo muito parecido com os velhos tempos no colégio. Cadeiras brancas estão dispostas em fileiras, a frente uma mesa coberta com uma toalha azul que traz em branco duas letras “A” significando esperança para cada um que adentra a sala. Sobre a mesa estão alguns dizeres: “Quem você vê aqui, o que você vê aqui, quando você sair daqui, deixe que fique aqui”. Para quebrar a seriedade do azul intenso, uma pequena coleção de tartarugas ocupa um espaço na mesa: “Elas andam devagar, mas vão longe, como nós.” Explica a co-ordenadora daquela reunião. Eram 20h15min quando a reunião começou, entre as quatro paredes um tanto amareladas e uma mistura in-tensa de sentimentos, era o orgulho que se fazia mais presente. Rostos cansados e sofridos deixavam trans-parecer toda a dificuldade do caminho até ali. A co-ordenadora levanta-se e escreve no quadro o tema do dia, o plano das 24 horas, em seguida diz seu nome e conta que também é uma alcoólatra em recuperação. A todo o momento é ressaltado, por meio de olhares e gestos, que todos os presentes são iguais, que são doentes em recuperação, são todos vítimas da mesma doença, o alcoolismo. Na reunião, uma troca de experiências. Pes-soas tão diferentes que descobrem ter vivido reali-dades tão parecidas. Quem tinha muito, perdeu tudo,

quem tinha pouco perdeu também. Os companheir-os da irmandade contam que em sua maioria todos começaram a beber muito cedo, entre 13 e 15 anos. Uns com os próprios familiares aos finais de semana, em bailes, baladas diversas e por fim acabando suas noite seguindo de bar em bar. A reação das famílias também é sempre a mes-ma, de alguma forma a família também fica doente, negam a verdade, mentem para os outros, ligam para o trabalho dos dependentes com desculpas para faltar, escondem dos parentes e vizinhos o que está aconte-cendo e do mesmo jeito, ficam deprimidos.Raul*, 49, teve seu primeiro porre aos 14 anos. Por 25 anos bebeu todos os dias. Sofreu vários acidentes de carro, fora duas vezes internado por causa de bebida, se afastou da família, perdeu carro e tudo que estava no seu nome, perdeu também a infância dos filhos Todo o salário que ganhava gastava com o álcool. Depois de várias promessas quebradas Raul resolveu ir procurar ajuda. Em 1995 que conheceu o AA. Acreditava que assim iria aprender a beber social-mente, e que se contentaria com duas ou três cerve-jas. “Comecei as ver as coisas diferentes, prosperei bastante espiritualmente. Quando achei que estava bem, parei de freqüentar as reuniões diariamente”, lembra. Vieram os churrascos com os amigos de tra-

balho até dar seu primeiro gole. No primeiro dia foi um copo, no segundo meia garrafa, no terceiro já não podia mais se controlar. E por cinco anos se afundou nesta recaída da pior forma que poderia feito. Quando voltou ao AA, há quatro anos atrás, iniciou o trata-mento com responsabilidade, freqüenta sessões de psicoterapia, toma medicamentos e não perde as re-uniões. Enche a boca ao listar suas conquistas: pagará o casamento da filha no próximo ano, tem dois carros, casa própria, uma família com quem pode compartil-har tudo e é coordenador da irmandade. Os companheiros, como gostam de se referir uns aos outros, estão ali para se superar como pes-soas, enfrentar seus medos e nunca se esquecer do passado. As lembranças são os maiores motivos para continuar lutando e assim evitar o primeiro gole. Sa-bem que ninguém ganha uma batalha sem lutar, que ninguém é considerado um herói por salvar a própria vida e que parar de beber é apenas um passo. A luta de todos os dias é se manter sóbrio, agüentar as conseqüências do depois e conseguir mu-dar a vida. Buscam dia-a-dia o resgate da dignidade, amor-próprio e o prazer de reviver, saborear os praz-eres da vida, sentir o gosto da realidade e querer con-quistar ainda mais. O mais sóbrio não é aquele que está limpo há anos, e sim aquele que acordou mais cedo.

AA

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kriptonitano cristo rei

um encontro com um usuário de crack da classe média

Ir à praça central do bairro Cristo Rei, região central de Curitiba, às 23h30 não é uma boa idéia. Por mais que o local seja rodeado de residências da classe média curitibana, a praça costuma concentrar todos os ‘malacos’ da região, sempre depois da meia noite. Mas devido ao nosso estado mental naquela quarta à noite fomos para lá, acompanhados, é claro, de um velho barreiro, uma garrafa de sprite zero quente e com a fumaça das abelhas infe-stando como neblina, tanto por dentro quanto por fora.

Existem dois bancos de madeira que ladeiam o campinho de areia. Do lado de cima fica o par-quinho das crianças, a única parte da praça que fica iluminada a essas horas. Mais abaixo do campinho, atrás do alambrado, fica uma pequena plantação de arbustos, que impedem a visão para a rua inferior. Num piscar de ol-hos, com auxílio da penumbra que embaçava nossas vistas mais ainda, eis que surge Biela e seus dois ajudantes.

Os ajudantes se ocuparam da função de pre-parar mais um gole, com a vodka vagabunda e um refrigerante de cola qualquer que eles trouxeram numa sacola plástica branca, a única coisa nítida num raio de metros. Nesse momento, a neblina subiu.

Qualquer um que não conhece o Biela, como nós não conhecíamos naquela madrugada, consegue facilmente arrancar o passado dele em pouco tempo. Ele sempre fala demais. Magricelo, com um boné velho da Nike, calças jeans e um sapato social preto. Loiro com os olhos claros de um descendente de alemães. Se diz o melhor mecânico das concessionárias da avenida Vitor Ferreira do Amaral. E por este dom se livrou de um cano de uma escopeta calibre 12, enfiado dentro de sua boca por um policial militar.

“‘Você gosta de uma brita?’ O cara da ROTAM me disse. Isso foi depois de ele perguntar o que eu tinha escondido no poste da esquina de

baixo da pracinha. Não menti porque já sentia o gosto amargo do bafo da pólvora na minha garganta. Duas buchas de ‘pedra’ senhor, re-spondi. Logo em seguida veio a coronhada e a ordem para buscar o bagulho escondido. Quase chorei, mas nem sabia que isso não era nada perto do que iria rolar quando eu voltasse com as duas buchas na mão”.

Esses crackeiros, principalmente os de classe média, que são mais instruídos, costumam vir com essa história de “abrir o jogo” justamente quando querem algo em troca, ou quando quer-em ‘pescar’ o interlocutor com algum objetivo, que nunca se sabe qual é. Geralmente é men-tira, mas, como dissemos no começo, ‘devido ao nosso estado mental naquela quarta à noite’, firmamos o contrato e aceitamos a narrativa até o fim.

“Tive que engolir as pedras. O cara da ROTAM me obrigou. Nessa hora pensei que o camin-ho que seguiria depois dali era a delegacia e depois ‘Piraquara’ (Centro de Triagem II, car-ceragem que fica em Piraquara, Região Met-ropolitana de Curitiba). Sorte que o motorista da viatura me reconheceu. ‘Bieeela!’, ele disse. Depois explicou para os companheiros que o carro da mãe dele, um Gol 98, estava com o motor desenganado e que me conhecia da ofi-cina. ‘Essa cara é bom, é bom mecânico, trocou umas duas peças e a velha saiu com o carro de boa outra vez’. Salvo pelo cara, né? Me libera-ram. O martírio foi a azia e a diarréia. Menos mal”.

No auge da conversa, os dois ajudantes já mordendo as orelhas de ansiedade, como se fosse à milionésima vez que escutava a mesma história, intimaram: ‘Vamos nessa aí Biela!’. E lá foram eles para mais uma noite em claro sob a luz da pedra caramelada, a kriptonita dos baixios.

e lá foram eles para mais uma noite em claro sob a luz da pedra caramelada, a kriptonita dos baixios.“ ”

arthur santana • jadson andrélucas rocha • pedro douradorodrigo pinto

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esporteVibração no

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esporteVibração no

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Um estádio, muitas histórias

ESPORTE

Há 50 anos o Estádio Durival Brito sediava a principal competição

mundial de futebol, a Copa do Mundo. Passaram pelo estádio em Curitiba, Suécia, Espanha, Estados Unidos e Portugal. Hoje, quase 60 anos depois, ele é sede de um time com menos de

20 anos, o Paraná Clube. Dentre os grandes paranaenses, é o mais novo, criado da fusão entre Pinheiros e Colorado.

Sua principal torcida organiza-da é a Fúria Independente, que acom-panha o time em todos os momentos. Assim como toda torcida, os apaixona-dos pelo time estão nas mais diversas classes sociais, etárias e étnica, porém, dentro do fervor de uma partida, são to-dos iguais. São todos torcedores. Na hora do gol, todos festejam juntos, na hora de levar o gol, todos lamentam juntos. Quer evento mais democrático? Conhecido como Seu Zé, José dos Santos, é, há 50 anos, zelador do Duri-val Brito, a conhecida Vila Capanema. Mesmo antes da criação do Paraná

Clube, ele já cuidava da sala de t r o -

féus pertencentes ao antigo Colorado. Participou de toda a história do clube e do estádio, é conhecido como o “guardião da vila”. Tudo isso pelo amor ao futebol e ao clube, que hoje é grato à dedicação do apaixonado torcedor. “Nunca pediu nada para a diretoria,

sempre humilde e disposto a aju-dar qualquer um que chegar aqui (Vila Capanema)”, con-tou Fábio Figueiredo, an-

tigo torcedor e freqüentador da Vila. Para seu Zé, o trabalho dele já foi remunerado, porém, faz mais de 23 anos que o trabalho é voluntário. É dia de jogo, o estádio não está muito cheio. O time está na segunda di-visão, a situação não é das melhores. Cu-rioso notar que, independente da situação do time, o clima que ronda o estádio, em especial a torcida organizada, é de que o time está disputando o título de uma grande competição. O apoio é irrestrito. Na última partida na Vila Capanema, um empate por 1x1 com o Juventude, não satisfez os presentes, no entanto,

no próximo jogo, eles estarão lá t a m -

bém. Nessa partida, o Juventude saiu na frente com um gol que desanimou, em partes, a torcida. Os mais apaixona-dos não desistem toa fácil, e o gol de empate explodiu a torcida. A esperança acabou com o apito final e o resultado foi considerado medíocre. “Passo frio,

chuva, gasto dinheiro e o time não mostrou o que a gente estava esperando. Mas no Próximo ‘tamo’ aí”, disse o conformado

torcedor tricolor, Olavo Diniz. Pode-se notar que a situação fi-nanceira dos torcedores muitas vezes não é das melhores. Em uma simples observação, podemos deduzir o quanto é complicada a vida de cada um que está no jogo. As expressões no rosto do torce-dor mostram que o dia não foi fácil. Tra-balho, filhos, contas pra pagar. O jogo, a torcida, os gritos de raiva, de amor, tudo isso em um momento em que todo o resto dos problemas parecem sumir. Seria a válvula de escape para muitos que ali estão, o time ganhando ou não, parece que o que importa é es-

tar presente naquele momento.

Reportagem: Douglas Trevisan, Giselle Farinhas, Igor Shiota, Mariana Virgilio, Oliver Altaras, Rodrigo Aron

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criançadebrincando

A rotina começava cedo: 6:30 já era hora de le-vantar, tomar café e ir para escola. O quarto, bastante desarrumado, era dividido com mais outro amigo, que também levantava no mes-mo horário. Os dois seguiam para o refeitório. Era dia de bolo de banana com Nescau, “o mel-hor café da manhã”, segundo Fagner. Eram 20 minutos para comer, pois a van que os le-varia para a escola já estava à espera. Fagner e Juninho seguiam até o portão de saída. No caminho encontravam mais outros colegas que iam na mesma direção. Todos meninos de 10, 11, 12 e até 15 anos, se dirigindo para a escola, Júlia Vanderlei, que fica no centro da cidade, da capital, tão distante da pequena cidade onde Fagner nasceu. Com 11 anos Fagner veio para Curitiba. Seu sonho sempre foi o de ser jogador de futebol. Sonho, talvez, hereditário, já que seu pai se imaginava assim, conseguindo até ser titular em um grande time de uma cidade do interior. Aos 10 anos Fagner já chamava atenção de quem ia assistir aos jogos do São Lucas Fut-

sal. O time era tradicional na região noroeste do Estado, e Fagner foi, por muitas vezes, artilheiro dos campeonatos que disputou. Aos 9 anos, um “olheiro da capital” fez o primeiro contato com seu pai, falando do interesse de um grande clube nos talentos de Fagner. Donizete mostrou-se bastante interessado (as chances de ver seu filho como profissional poderiam estar nesse primeiro contato). No entanto, Arlete, a mãe, achou que ainda era cedo para deixar seu “caçula” ir embora.Dois anos se passaram, e, mesmo sem o conhec-imento de Arlete, Donizete mantivera contato com Márcio, o olheiro. Era novembro de 1998 e o Coritiba Futebol Clube estava em processo de recrutamento de novos meninos para as cat-egorias de base. Márcio entrou em contato com a família de Fagner e, após muitas conversas, ficou decidido que ele viria “tentar a sorte” na capital. E Fagner partiu em janeiro de 99.A adaptação não foi fácil. Morar longe de casa, longe dos pais e da família, e ainda por cima em uma grande cidade onde é muito difícil se

encontrar conhecidos não foi uma tarefa fácil. Por muitas vezes Fagner lembra de ter ligado chorando pedindo para desistir. “Pelo menos duas vezes na semana eu pensava em ir emb-ora. Ligava pra casa e pedia pra voltar. Minha mãe dizia que viria me buscar, mas meu pai mandava continuar”, recorda Fagner. E assim foi por alguns anos. A rotina não era fácil. Acordar cedo, ir para es-cola e treinar todas as tardes, de segunda a sexta. O treinamento, por mais que não fosse profissional, exigia bastante e era cansativo. Por mais que soasse apenas como diversão, sempre havia um profissional acompanhando tudo. “Todo menino gosta de jogar futebol. Mas a nossa brincadeira era séria. Muitas vezes os treinadores brigavam se a gente fazia gracin-ha ou dava um passe só pra brincar”, lembra. Além dessa rotina diária de treinamento, muitos eram os campeonatos que Fagner dis-putava: metropolitanos, paranaenses e alguns nacionais. Ele conta que foi durante um desses jogos que teve certeza de que estava no camin-ho certo. “O legal era quando a gente ia dis-putar campeonato. Por maiores que fossem as tensões todo mundo gostava. As orações den-tro do vestiário, eu sempre lembrando do meu pai, as comemorações quando ganhávamos, tudo isso era muito gostoso. Toda aquela pre-paração pra entrar em campo, o nervosismo, o treinador dizendo pra gente ficar calmo e isso só deixava mais nervoso. Essa parte do futebol é que encanta e faz com que a gente aguente todo o resto”, relembra com saudade.Os jogos e campeonatos também eram leva-dos a sério, e a pressão sofrida, por menor que fosse, já fazia diferença na vida dos meninos. “A gente tava ali mais pra brincar e fazer o que gostava. Ninguém nunca tinha ensinado o porquê precisávamos vencer e o quanto isso teria reflexos na nossa carreira”, conta Fagner. Ele e os outros meninos da sua idade não sabiam que a todo momento estavam sendo analisados e observados. Não sabiam que semanalmente havia relatórios produzidos pelos treinadores, nem sabiam que todas as medições de massa, peso e resistência tinham a ver com o futuro profissional deles. Na época quase nenhum sa-bia realmente o que seria o futuro profissional.

Ninguém nunca tinha ensinado o porquê precisávamos vencer e o quanto isso teria reflexos na nossa carreira.“ ”

iara maggioni • karin sampaiotabata viapiana

seradulto

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O que vamos relatar é uma incrível e fantástica experiência no apartamen-to 2409 do Edifício Tijucas. Chegamos ao fim do corredor do andar, tocamos

a campainha, as luzes se acenderam, e detrás daquela porta sai uma carismática senhora tra-jando um roupão cinza escuro. Olhar de descon-fiada, reflexos lentos e um leve sorriso no rosto são às expressões de Rita Aparecida Josli, 77 anos. Ao abrir a porta do seu apartamento de 56m2, logo sentimos um ar frio encanado vindo em direção de nosso rosto de alguma janela do ambiente. Vovó Rita como é carinhosamente chamada por seus parentes e vizinhos já foi logo pedindo desculpas pelos outros membros da família serem tão “antissociais”.Porém ao dar o primeiro passo para dentro daquele ambiente frio, não imaginaríamos que teríamos uma grande surpresa. No segundo passo já pudemos ver que aquele cenário reme-tia a algo nunca imaginado - ela divide espaço com uma verdadeira “selva urbana”. São nada menos que quatro gatos – Fê, Mancha, Minky, Tafarel - e 18 passarinhos – desde periquitos, canários, agapórnis, uma calopsita, um pombo e um papagaio – dão o ar da graça ao perceber nossa entrada na pequena residência do 24º an-dar. Para os senhores terem uma ideia, o amor dela é tanto que um dos quartos foi transforma-do num viveiro.Com as luzes da sala acesas e com nossa aproximação as gatas logo se escondem, os pássaros piam e o papagaio aproxima-se, olha com o canto do olho, e passa por trás de nós caminhando no chão de madeira como se nada tivesse acontecendo. Numa rápida observação, nos deparamos ainda com vasos de plantas – 130 mais precisamente –, e aquários espalhados pela casa. Ainda tivemos o cuidado para que não pisássemos nos vários potes com ração e água espalhados pelo chão de toda casa. Além disso, uma olhada rápida para o outro canto e é pos-sível observar a coleção de corujas de diver-sos materiais e tipos nas estantes, assim como os inúmeros discos de vinil e uma coleção de fotografias que retratam as diversas fases de crescimento das plan-tas e bichos da “ecológica” vó Rita.Essa visão inusitada logo dá lugar à des-contração do ambiente. Gatas se esfregam em nossas pernas, a calopsita canta, e o local se transforma e a melodia parece ecoar numa

perfeita harmonia. Umificador ligado e as janelas abertas, que segundo Rita são fundamentais para ventilação e “estão sempre assim, dia e noite, verão e inverno”, por gostar de “sentir o ar entrando” são o motivo daquele ar gelado.Ela conta emocionada e orgulhosa que sua filha, Mauren Joslin, é bióloga e diretora do Parque Nacional de Ilha Grande. Com essa função, ain-da sobre tempo para trabalhar no diretório re-gional do IBAMA. A jovem também fez parte da Sociedade Protetora dos Animais, e na época em que acumulava essa função fez com que o apartamento de sua mãe virasse um centro de recuperação dos pássaros feridos.Hoje é possível ver que dona Rita tem amor e carinho para dar e vender aos seus bichos, ela faz tudo o que eles querem e os animais parecem retribuir com os mais diversos sons e formas essa satisfação de ter uma “mãe” tão zelosa. Compartilhando alegria e carisma com todos, ela mostra que é possível dividir o apar-tamento com mais “gente”. Ou seja, 23 filhos. Não é uma arca de Noé, mas quem diz que depois dessa constatação num apartamento simples não se pode viver em companhia de animais e construir uma ver-dadeira mata atlântica em casa.

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T i j u c a s , u m l u g a r d e m u i t a s h i s t ó r i a s

O Edifício Tijucas, que tem sua história contada por fatos e

lendas, já foi o maior prédio de Curitiba, sendo o primeiro com 32 andares.Um dos contos mais populares a respeito do local é o da Loira de Vermelho. Reza a lenda que no início dos anos 60 residiam um alfaiate e sua esposa. Ela sofria de problemas neurológicos, e quando surtava falava sozinha pelos corredores. Suas crises geravam especulações entre os moradores do prédio, a mais co-mum delas de que a moça tinha problemas espirituais. Durante uma alucinação, a loira, que es-tava vestida com uma camisola vermelha, jogou-se do prédio. Essa história é repetida até os dias de hoje por moradores e fo-foqueiros.Tijucas, que inclusive significa pântano assombrado em Tupi-Guarani, segundo historiadores foi construído sobre um banha-do doado a Nei Leprevost pelas

freiras da Santa Casa de Misericórdia. Localizado próximo a Praça Osório, o edifício ainda é um dos lu-

gares mais movimentados da cidade, desde 1958, quando foi inaugurado. Reúne espaços residenciais e comer-ciais em dois blocos. O primeiro tem 12 andares comerciais e 17 residenci-ais e, está de frente para o calçadão da XV, na Av. Luiz Xavier, a menor em ex-tensão do mundo. E o segundo possui 21 andares comerciais com vista para a Rua Cândido Lopes. Totalizando 419 apartamentos.Na década de 70, o Tijucas ficou con-hecido como o “reduto dos alfaiates” com o número elevado destes profis-sionais no local. A maioria deles não está mais lá. No prédio, as pessoas ainda encontram quase tudo, roupas, ótica, lanchonetes, farmácia, salão de beleza, alfaiate, tabelionato, entre out-ros serviços. Por lá passam entre 4 e 5 mil pessoas diariamente. O Edifício se tornou um símbolo do progresso de Curitiba. Por muito tem-po, as pessoas se deslocavam até o centro com a exclusiva finalidade de conhecer o Tijucas. Os primeiros es-túdios do Canal 12 era um dos pontos mais atrativos do prédio, sendo muito freqüentados por artistas.O Edifício Tijucas ainda guarda muitas histórias e lendas, mas outras ainda serão escritas.

Texto e diagramação por Flávia Zanforlin, Giovana Gulin e Juliana Lima

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O nome da loja foi inspirado na história que veio da lit-eratura persa: As mil e uma noites, conhecida atualmente pelos desenhos da Walt Dis-

ney, o menino que encontra uma lâmpada mágica e, ao tentar limpá-la, desco-bre que dentro dela mora um gênio. Aladim anda sempre com sua lâmpada mágica, e, precisando de uma ajudin-ha, ele esfrega a lâmpada e faz um pedido para seu fiel amigo, o gênio.Miguel Abdallah Zahdi abriu sua lojinha de roupas no centro da ci-dade de Curitiba. O movimento das vendas foi aumentando e o comerci-ante foi buscar novidades na capi-tal paulista. Na época, o Positivo, que era um colégio pequeno, pedia para seu Miguel trazer lâmpadas de São Paulo. O negócio deu certo. As lâmpadas iluminaram a vida de seu Miguel. A loja de confecções foi tras-formada em um comércio de lâmpadas. Começou com uma representação peque-na, mas parece que o gênio também deu uma forcinha para seu Miguel. Hoje a lojinha importa e vende lâmpadas de todos os gêneros, para hospitais no uso de raio-x, dentistas, gráficas, escolas, a lista é interminável. A loja Aladim Importação e Comér-cio de Lâmpadas LTDA está local-izada no Edifício Tijucas, no 11º andar. O lugar escondido conta-va com a divulgação “boca a boca”, até seu Miguel ficar conhecido. Depois de 30 anos vendendo lâm-padas, seu Miguel acredita que seu talento para vendas veio do seus pais, que são Sírios e tam-bém trabalhavam como comerciantes.Aos 72 anos, seu Miguel é uma referên-cia na cidade quando se trata de compra ou manutenção de lâmpadas, ele mesmo brinca que é conhecido com Miguel, “o gênio das lâmpadas mágicas”.

O

Gênio

das

Lâmpadas

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Boca Maldita sem o BocaOnde antes havia um ícone

tradicional da cidade provinciana, hoje há um ícone

da modernidade. Lugar de encontros e conversas sem pressa regadas a café e política que cedeu espaço às refeições rápidas e globalizadas. Saudosismo presente em muitos curitibanos que não viveram a Curitiba do século passado em choque com a realidade ativa e a lucidez daqueles que viram a cidade expandir além do que a visão poderia acompanhar. Figuras que freqüentam a Rua XV de Novembro há décadas e acompanharam de perto a tomada da rua por grandes empreendimentos, lojas modernas e fast-foods, contraste, sempre crescente, do novo e do antigo. Cinemas de rua, lojas tradicionais e cafés compunham o cenário efervescente da Rua XV, resquícios de um passado borrado pela expansão e crescimento da cidade. Preservando a

memória daqueles que fizeram parte da história, permanecia, quase intacto, o Café da Boca, na loja 01 do tradicional Edifício/Galeria Tijucas. Quase 50 anos de história – mais antigo que o próprio calçadão da Rua XV, que completou 37 anos agora em 2009 – que cederam lugar à rentabilidade garantida da apressada vida moderna. E adaptando-se à essa realidade, estão muitos “velhinhos”, figuras constantes da Rua XV e freqüentadores assíduos do Café da Boca.O Café da Boca era um ponto de encontro da Rua XV, fechado desde 2008, reduto da masculinidade curitibana. Antes dele, existia o Café Tingui (localizado onde há muitos anos está a tradicional Confeitaria das Famílias), depois a efervescência da Rua XV mudou-se para o Palácio Avenida e, então, surgiu o Café da Boca, que por anos foi o principal ponto de encontro do calçadão. “E agora que

a gente não tem mais o café, vamos a outros que existem aqui por perto. A vida é assim, as coisas mudam.”, diz, conformado, Aureliano Gonçalves, 82 anos, morador de Santa Felicidade e que, todos os dias, vai à Rua XV “encontrar os velhos amigos”. Além de Aureliano, há o senhor Reynaldo Fagundes, 78 anos e freqüentador da Boca Maldita há mais de cinco décadas, que lamenta o fechamento do Café mas não o considera como o fim da Boca Maldita. Para Fagundes, é necessário ceder espaço à modernidade e considera: “nós somos como uma árvore: bonita quando nova e que, com o passar do tempo, torna-se torta, seca, grossa. É preciso renovar-se e acompanhar o progresso”.

Maria Augusta BrandtVanessa Ronchi

“ É preciso renovar-se e

acompanhar o progresso”