revista literatas

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Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 27 de Abril de 2012 | Ano II | N°27 | E-mail: [email protected] O que terá sido a Bienal de Poesia… Breton e o Surrealismo Por Vitor Sosa. Pág 04 e 05 Mais moçambicanos aliam-se à literatura brasileira. Pág 03 A arte como a causa primeira da humil- dade. Por Japone Arijuane. Pág 06 Mafonematográfico Também Círculo Abstracto ou a Evasão do eu Desassosse- gado na poesia neoconcreta de Sangare Okapi. Por Mbate Pedro. Pág 13

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Revista de Literatura moçambicana e lusofona.

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Page 1: Revista Literatas

Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 27 de Abril de 2012 | Ano II | N°27 | E-mail: [email protected]

O que terá

sido a Bienal

de Poesia…

Breton e o

Surrealismo

Por Vitor Sosa. Pág 04 e 05

Mais moçambicanos

aliam-se à literatura

brasileira. Pág 03

A arte como a causa

primeira da humil-

dade. Por Japone Arijuane. Pág 06

Mafonematográfico Também

Círculo Abstracto ou a

Evasão do eu Desassosse-

gado na poesia neoconcreta

de Sangare Okapi.

Por Mbate Pedro. Pág 13

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Realizações, Falsidades e

Imprevisões: para onde vamos?

Diz o adagio popular que o erro é humano, contudo a chacina mental que os

poetas convidados a bienal Internacional de Poesia de Luanda passaram,

transcende aos erros de cariz humano, diria foi desumano.

Caro leitor acredita que em certas das muitas vezes, nós como convidados

automaticamente passamos a exercer o papel de organizadores? Parece mentira

mas é verdade, preocupava-nos tanto o andar de uma bienal que ao fim a cabo

estava estagnado nas mãos dos curadores, assim a bienal tal como se previa, não chegou de acontecer,

depois das ladainhas de viagens canceladas, emails sem respostas; a última hora muitos dos poetas

desistiram de por os pés no local do evento, que a prior seria um espaço nobre para o convivio

intercultural. Assim sendo a nossa Revista abre um espaço para todos escritores que foram convidados

a bienal para que juntos possamos dar continuidade a estes encontros, sem precisar de ir a um lugar,

pois a Literatas desde já assume-se como lugar de todos os intervenientes artisticos-culturais.

Dada a desistência dos outros poetas estrangeiros e nacionais(angolanos), os moçambicanos foram os

únicos dos poucos presentes na bienal, dos 5 poetas fizeram-se presente 3 onde certos poetas do meu

Indico País assumiram um certo protagonismo vazio na sua chegada a Luanda, preocupante ver e

ouvir de terceiros que os nossos mais velhos em vez de ter-nos como verdadeiros herois, seguidores,

têm-nos como adversários, recorrendo a difamação, e outras atitudes pouco dignas para a imagem de

uma nação. Mas este assunto fica para outro fórum.

Na bienal do Brasil que foi um sucesso absoluto, onde escritores africanos foram a figura de cartaz,

estes, descortinaram certos estereótipos instituídos pelas Academias Brasileiras e Portuguesas, e dei-

xaram a nu verdades que há muito andam escondidas, onde o escritor angolano Ondjaki levantou uma

questão muito importante sobre o paradigma CPLP (Lusofonia), dizendo: "Não sei o que é lusofonia.

Para ir a qualquer outro destes países eu preciso de visto. Por que um senegalês é francófono e um

francês não é senagalófono? No meu caso, ou sou angolano ou sou cidadão do mundo", "Eu pertenço

a um espaço que não obedece a vistos, a conceitos políticos, a reuniões de ministros, que é a comuni-

dade de língua portuguesa, um espaço de amizade, de preferência com letras minúsculas."

Por seu turno a nossa mãe Paulina Chiziane mostrou aos convidados a visão do outro sobre o Brasil : ―Nas telenovelas, que são as responsáveis por definir a imagem que temos do Brasil, só vemos negros

como carregadores ou como empregados domésticos. No topo [da representação social] estão os bran-

cos. Esta é a imagem que o Brasil está vendendo ao mundo".

Boa Leitura

[email protected]

Editori@l

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Destaque S E X T A - F E I R A , 2 7 D E A B R I L D E 2 0 1 2 | L I T E R A T A S | L I T E R A T A S . B L O G S . S A P O . M Z | 3

Mais moçambicanos aliam-se à literatura brasileira

N o sétimo curso de Literatura Brasileira que decorre des-de o dia 23 de Abril no Centro Cultural Brasil – Moçam-bique em Maputo, verifica-se a maior participação de todas as edições.

Cerca de 200 participantes chegam a sufocar a capacidade da sala do CCBM, procurando seguir as linhas que norteiam a litera-tura brasileira, com as aulas ministradas por reconhecidos docen-tes de literatura das universidades Pedagógica e Eduardo Mondla-ne. Esperava-se que fizesse parte dos palestran-tes, o Prof. doutor Eduardo Assis Duarte especialista da obra de Jorge Amado da Uni-versidade de Minas Gerais do Brasil, no entanto, não foi possível a sua presença. Alias, o VII Custo de Literatura Brasileira, é dedicado ao centésimo aniversário de Jorge Amado, que se assinala neste ano e que é comemorado no Brasil e em todo mundo. Os participantes do curso, entusiasmados

com a nova aprendizagem que adquirem em cada aula, são estudantes universitários das diversas árias e alunos de escolas secundá-rias das cidades de Maputo e Matola. Em conversa com a nossa reportagem, não esconderam a sua satisfação pela oportuni-dade de ligarem-se ao mundo literário atra-vés deste curso e disseram estar a adquirir novos conhecimentos e acima de tudo “estamos a ganhar consciência que a leitura é importante. Os escritores que são falados durante as aulas, alguns conhecemos pelos nomes, mas nunca lemos as suas obras,

mas enquanto os professores falam nos anotamos a bibliografia porque queremos depois ir ao encontro das suas obras” referem.

O VII Curso de Literatura Brasileira, termina no próximo

dia 3 de Maio, serão entregues certificados aos partici-

pantes e uma brochura com um texto da Prof. Doutora

Rita Chaves intitulado “Jorge Amado e os Escritores Afri-

canos de Língua Portuguesa”.

Redacção

Com o curso ministrado pelo CCBM

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Destaque Víctor Sosa-Mexico

N ão resta dúvida de que, se existiu um certo “Grau zero” na história da arte moderna, isto é, um ponto de estupor em que a linguagem per-

deu seus atributos operativos e de significação e acabou por dissol-ver-se no inarticulado, esse ponto foi Dadá. O dadaismo desmante-

lou a linguagem lógico-discursiva, mas também a linguagem poética e todos os testamentos e cânones das chamadas Belas Artes. Foi o primeiro movimento dos artistas contra a arte, não mais contra uma escola ou estilo anterior, como vimos ao longo da história, e sim contra o próprio conceito de arte e contra o sistema de valores que lhe dava suporte. O que Dadá fez foi por necessidade: alguém tinha que denunciar a mistificação e mercantilização do produto artísti-co – produto de um processo de criação que estava associado, conforme o ideal kantiano e romântico, ao sublime, ao espiritual, ao que há de mais sagra-

do na existência humana; a arte era sinónimo de belo e o belo –para Platão era sinónimo de bom. Os dadaistas são artistas que gritam ao público que a arte não vale nada e que nada tem de sagrado; são atores que, em pleno clímax da tragédia, tiram as máscaras e assinalam a falsidade da representação e a cum-plicidade do público com a dita farsa (não esqueçamos que a outra farsa –muito mais letal que a da arte tinha lugar nas trincheiras e na carnificina huma-na promovida pelos nacionalismos que deram espaço à Primeira Guerra Mun-dial). O preço da verdade é sempre elevado, e nesse caso significava ficarmos sem palavras, emudecer ou recuperar o uivo, o grito, a expressão inarticulada de nossos ancestrais, os primatas. Dadá, nesse sentido, foi uma regressão necessária; uma grave paródia da crise espiritual de uma época e de uma civili-zação, realizada pelas mentes mais lúcidas; foi no fundo- um rugido carregado de esperança.

A esperança de resgatar a palavra -a Linguagem-, das mãos dos filibus-teiros, dos demagogos, dos jornalistas sem escrúpulos, dos políticos oportunis-tas, dos filólogos -como o dr. Goebbels que tão bem sabia utilizá-la para hipno-tizar as massas no período nacional-socialista-, recaía, outra vez, nos poetas. André Breton – que participou das últimas labaredas dadaistas- se encarregaria de nos restituir a palavra e, com ela, o sentido. Mas, cuidado: Não será o irre-sistível e verosímil sentido comum da palavra operativa, da palavra a serviço de uma transacção comercial qualquer; será a intenção de recarregar essa pala-vra com todos os sentidos possíveis (“literalmente e em todos os sentidos”, como diria Rimbaud) e com o valor do sublime que os românticos haviam intro-duzido na linguagem poética. Para Breton, o sublime passava pelo inconscien-

te, pelas capas profundas e soterradas dos sonhos, dos instintos, do “princípio do prazer” e de tudo aquilo que escapara às normas e censuras da razão. Não obstante, é vário o seu parentesco com Dadá: o descaso pela razão ilustrada e pelo progresso tecnocrático, o permanente espírito de rebelião e, sobretudo, a profunda desconfiança em relação à arte institucionalizada. Varias coisas, por outro lado, o separam de Dadá: a vitalidade construtiva e edificante, o respeito e reivindicação de certas figuras artísticas e literárias do passado –como Dante, Shakespeare, Sade, Baudelaire, Swift, Poe, Mallarmé e, quiçá, Lautréamont e Rimbaud- bem como o resgate e recomposição da palavra poética. De fato, Breton arranca da fogueira dadaista a Fénix da Linguagem e insufla-lhe o sopro de que necessita para empreender novamente o seu vôo. Em 1924 aparece o Manifiesto do Surrealismo. Breton define o termo da seguinte maneira: “Surrealismo: automatismo psíquico puro mediante o qual nos propomos expressar, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estéti-ca ou moral”. E acrescenta: “O surrealismo baseia-se na crença na realidade superior de certas formas de associação deixadas de lado antes dele. Na omni-potência do sonho, no jogo desinteressado do pensamento. Tende a rechaçar, de uma vez por todas, os demais mecanismos psíquicos e a substituí-los na solução dos principais problemas da vida”. Nos dois parágrafos citados não encontramos nenhuma referência à arte. É compreensível: Breton vive o sínto-ma de sua época, a vergonha de saber-se artista (escritor e poeta, em seu

caso), imerso em um momento histórico –pós-dadaísta- no qual já se havia denunciado a mistificação e se tinha dançado sobre o cadáver mumificado da beleza. Não se tratava de inventar um novo impressionismo ou uma nova esco-la poética, mas de resolver “os principais problemas da vida”. A arte, não só como filosofia, mas como praxis transformadora, como agente de mudança –psíquica e histórica do ser humano. Este é o ponto de partida do Surrealismo. Breton, com sua magnética personalidade, aglutina alguns espíritos afins: Aragon, Crevel, Desnos, Éluard, Soupault, entre outros poetas, que compõem o primeiro regimento do avanço surrealista. O conhecimento das teorias freudianas e da técnica de associação livre, aliadas a um interesse e participação do grupo em algumas acções de espiritismo, daria lugar à chamada escritura automática. Uma escritura não limi-tada pelas prisões reflexivas e pelos disfarces do estilo: “um monólogo de jorro tão rápido quanto possível, sobre o qual o espírito crítico do sujeito não exerça nenhum juízo, que não se embarace, por conseguinte, com nenhuma reticên-cia, e que se assemelhe, tanto quanto possível, ao pensamento falado”. .

É incerto que exista uma escritura totalmente automática –salvo no caso de sujeitos que escreviam em estado de transe, como acontecia com Den-sos, mas o importante deste aporte –insisto- é o de haver devolvido o poder à Linguagem, haver dilatado as possibi-lidades do dizer, que também são as possibilidades do desejo. O Surrealis-mo foi uma magnífica estratégia do desejo. E o desejo é a perseguição de algo impossível; o desejo está cifrado em seu próprio fracasso. Não há objec-to real nem objectivo alcançável: “A existência está em outra parte”. Não obstante, fizeram poesia, pintaram quadros, filmes, porém foram poesias, quadros e filmes que pouco tinham a ver com as normas aceitas nos referidos gêneros. Breton explorou as possibilidades da analogia poética, baseando-se, para isso, na frase de Pierre Reverdy: “A imagem é uma criação pura do espírito. Não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos distantes. Quanto mais distantes e exactas sejam as relações das duas realidades aproxi-madas, mais forte será a imagem, mais poder emotivo e realidade poética terá...”. As imagens surrealistas se nutrem desses insólitos encontros, densos elásticos vínculos entre objectos semelhantes e entre situações logicamente insustentá-veis. Em um de seus mais belos poemas –chamado “União livre”-, Breton diz: “Minha mulher de cabeleira de fogo de madeira/ Minha mulher de língua de hóstia apunhalada/ De sobrance-lhas de beira de ninho de andorinha/ Minha mulher de ombros de champanhe/ Minha mulher de dorso de pássaro que foge vertical/ Minha mulher de nádegas de dorso de cisne/ Minha mulher de sexo de jazida de ouro e de ornitorrinco...”. O desejo, isto é, o impossível, se encarna na Mulher e esta é o agente da concate-nação analógica, dos laços insólitos trançados no território da Linguagem. Tam-bém a técnica do “cadáver esquisito” explora as possibilidades do insólito: poema-jogo colectivo que vai se escrevendo em uma folha dobrada, sem conhecer o verso anterior nem o subsequente; o resultado, sujeito às irredutíveis perplexida-des da sorte, pode ser desde simplesmente interessante até seriamente assom-broso. Outro ponto a assinalar, então: o Surrealismo participa de um lúdico espí-rito de grupo, é comunitário, plural e multidisciplinar. Desde as antecipadoras sessões mediúnicas até as exaltadas declarações políticas e os libelos excomun-gantes, Breton cuidou desse espírito de corpo que dava identidade ao surrealis-mo, sem nunca abandonar a férrea liderança que o caracterizou e que também lhe proporcionou inúmeros inimigos. De outra maneira não podería ter-se susten-tado tanto tempo um movimento – afinal de contas artísticos composto por tão diferentes figuras. É preciso reconhecer que a intolerância e os dogmas de Bre-ton foram mais políticos do que poéticos; o Surrealismo não é um estilo pictórico ou poético definido, percebem-se mais as diferenças do que as semelhanças em artistas como Max Ernst e Magritte, Miró e Matta, Duchamp e Dalí, o em poetas como Artaud e Éluard, Peret e Desnos. Não havia uma rígida norma estilística e isto os salvou -ao menos por um tempo da ossificação e de cair numa nova aca-demia. Havia, sobretudo, um tácito compromisso espiritual e moral contra um estado de coisas, porque Breton foi -como Voltaire- um moralista: “Dizemos –nos diz o poeta- que a operação surrealista não tem nenhuma oportunidade de ser acatada, a menos que se efectue em condições de assepsia moral das quais, todavia, muito poucos estão dispostos a ouvir falar.” Contradição enorme em alguém que havia postulado a primazia do inconsciente e a ausência de “toda preocupação estética o moral”. Contradições que queriam ser, todavia, conjun-ções; abolição da dicotomia entre política e poética, entre o dentro e fora, entre a vigília e o sonho, entre a transformação revolucionária e a transfiguração onírica; em suma, entre o “mudar a vida”, de Rimbaud e o “Transformar o mundo”, de Marx e que, para Breton, convergiam na equação de um mesmo e único desejo. Em 1927 Breton adere ao partido comunista. Com ele, alguns de seus mais próximos colaboradores: Aragon, Éluard, Péret, Unik; No entanto outros, como Artaud, Soupault y Vitrac rejeitam esta sujeição do Surrealismo a um parti-do político –e a um partido que nunca ocultou sua hostilidade às subjectivas experimentações poéticas do grupo. É importante considerar que a primeira revista do movimento chamada A revolução surrealista, mudou seu nome para O surrealismo a serviço da revolução, embora nunca tenha sido uma servidão total. Na verdade, a arte e as preocupações espirituais dos surrealistas jamais coincidi-ram com a propaganda política. Os comunistas, impermeáveis ás paixões e preo-cupações surrealistas, não deixavam de vê-los como os convidados de pedra da revolução, e encará-los sob a lupa da suspeita, já que todo intelectual é, poten-cialmente, um “inimigo do povo”. Mesmo assim, essas passageiras núpcias entre política e poética não eram novas; recordemos os vínculos de Marinetti com o fascismo e também o compromisso dos construtivistas russos –e do Maiakovski futurista- com a nascente revolução bolchevique.

Breton e o Surrealismo

Victor Sosa - México

Tradução de Maria da Paz Ribeiro Dantas

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Continuação Todas as vanguardas do Século XX viveram –ou melhor, encarnaram - a herança hegeliana de fundir arte e vida, de acabar com a sacralidade incrustada no terri-tório da arte e com sua concomitante mitificação do estético. Se a arte, para Hegel, já era “coisa do passado” (bem entendido: a arte “bela” e clássica), é com-preensível que, para um homem como Breton –conhecedor do pensamento hegeliano-, a única maneira de justificar o exercício poético e a função do artista, era amplificando, expandindo e fundindo a função com a “acção eficaz no seio da história” (Blanchot), ou seja, com o compromisso político. Na década de vinte a esperança socialista, todavia, não se afogara no terrorismo de Estado e esse fan-tasma comovia as consciências mais lúcidas da Europa. Breton adere ao partido comunista para carregar a poesia com a eficácia da acção política e para fazer desta última uma experiência poética no seio da história. Não esqueçamos: o Surrealismo integrava uma proposta total de transformação do homem: “Não me cansarei de contrapor à imperiosa necessidade actual -nos diz Breton em os

Os vasos comunicantes-, que é a de mudar as bases sociais sobremaneira vacilantes e corroídas do velho mundo, essa outra necessidade não menos imperiosa que é a de não ver na Revolução vindoura um fim, que com toda evi-dência seria ao mesmo tempo o da História. O fim não poderia ser para mim senão o conhecimento do destino eterno do homem em geral, que só a Revolu-ção poderá devolver plenamente a esse destino”. O surrealismo é um humanis-mo –no sentido mais benevolente do termo-; não uma doutrina nem uma ideolo-gia. Breton, já desde estas declarações antecipadoras, mostra-se congruente com a idéia de “revolução permanente”, desenvolvida por Trotski. Além disso, coloca –antes de tudo- a noção de liberdade. Já o havia dito em 1924: “A palavra liberdade é tudo o que ainda me comove.” –e nunca trairá esse sentimento. Ao contrário, será dos primeiros a denunciar a traição da liberdade perpetrada pelos “comissários do povo” e pelos patéticos processos de Moscou ocorridos em 1936. Não obstante, o distanciamento em relação à União Soviética –já estalinis-ta- não o afasta do compromisso político de esquerda, mas leva-o a mudar de orientação e de trincheira. Breton e os surrealistas apoiam a República Espanho-la e, especialmente, os grupos trotskistas (POUM) e anarquistas (CNT y FAI) de Catalunha, que lutam por igual contra os fascistas e os comunistas em plena Guerra Civil. Espanha é uma nova esperança de comunhão entre poesia e políti-ca -talvez a última esperança.

Em 1938, Breton e Trotski –este último já no exílio mexi-cano- redigem o manifesto Por uma arte revolucionária inde-pendente (assinado, por motivos compreensíveis, por Breton e Diego Rivera). Ali se enfatiza a total liberdade da arte e a não sujeição a qualquer meta ideológica ou política. Contestação directa e valente ao “realismo socialista” -esse neo-academicismo reaccionário que Stalin vinha impondo como úni-ca linha a ser seguida na arte soviética. O referido manifesto finaliza nos seguintes termos: “A independência da arte – para a revolução, a revolução – para a liberação definitiva da arte”. Novamente, a difícil confluência de poesia e política, de arte e revolução, se impunha como vontade em Breton, como utopia, porém se opunha à crua realidade histórica. Essa realidade, com a chegada do Nazismo e da Segunda Guerra Mundial, lan-ça por terra qualquer esperança redentora e unificadora. Como escrever poesia depois de Auschwitz?, se perguntava Adorno; Breton poderia ter dito: mas, como não escrevê-la, se a poesia continua sendo uma das poucas ferramentas de combate ao aviltamento e à barbárie? Omnipotência da poesía. A poesia (o resto é literatura, como disse Verlaine) constituía para Breton não mais uma manifestação artística no concerto das belas artes, não um artifício de virtuosos. Ao contrário, era a lingua-gem do inexprimível, que o homem devia conquistar, era essa busca de “uma Língua” anunciada pelo menino poeta Rimbaud e era uma “actividade do espírito” (Tzara) –mais do que um meio de expressão destinada a revelar-nos a fonte do conheci-mento. Poesia, portanto, como epistemologia, mas também como aventura, já que a liberdade só pode ser exercida no ter-reno do desconhecido, do ainda virgem, da inocência primor-dial. Havia que preservar essa liberdade em estado puro. Já no Segun-

do manifesto do surrealismo (1930) Breton intuía o inevitável: a comerciali-

zação do Surrealismo pelos incipientes mecanismos do consumo. Ali pede

“a ocultação profunda e verdadeira do Surrealismo”, uma espécie de

sociedade secreta, iniciática, livre de germes e de arrivistas –ou de acadé-

micos comerciantes como Salvador Dalí. Não foi possível.

O Surrealismo já havia passado por sua etapa heróica, de guerrilha cultural, de terrorismo artístico e desestabilizador, e começava –sobretudo a partir do pós-guerra- a transformar-se em uma “escola”, em um estilo, em suma, em uma estética cool, aceita pelas classes médias ilustradas. Desactivavam-se os mecanismos da convulsão (recordemos a sentença bretoniana: “A beleza será convulsiva ou não será”) porque já nos venturosos anos cinquenta –a guerra da Coreia estava suficientemente distante para não tirar o sonho aos europeus-, não havia convulsão possível, mas espectáculo. Hollywood era para todos sinô-nimo de democracia. Estados Unidos ensinava ao mundo como ser feliz, como sorrir assepticamente. Embora houvesse alguns que não sorriam: na Argélia acontecia uma guerra de libertação à qual poucos franceses e europeus davam atenção. Breton foi um desses poucos que denunciou o colonialismo francês e apoiou o movimento de libertação argelino. O Surrealismo, por sorte, não esta-va só nos museus e nas vitrines da 5ª Avenida, estaria também no espírito de revolta ressurgido nos anos sessenta. Em 1966 morre André Breton devido a uma convulsão asmática. Dois anos mais tarde, Paris viraria uma festa convulsiva. O movimento estudantil de maio de ´68 – que tencionava “transformar o mundo” e “mudar a vida” – dir-se-ia encarnar o espírito surrealista. Os graffitis que apregoavam a imaginação no poder e exaltavam o desejo acima do dever, bem como o paradigmático “proibido proibir”, escrito nos muros da Sorbone, agradaram a Breton. Rim-baud, Lewis Carroll, Fourier, Jarry e o espírito Dadá também estavam presen-tes nas barricadas. Outra vez –quem sabe como a última tentativa de impossí-vel no Século XX - política e poética, arte e revolução, transformação espiri-tual e acção histórica confluíram. A vida e a arte não podiam distinguir-se. Con-fluência obviamente efémera. O desejo nunca pode ser realizado além de sua própria tentativa. O Surrealismo foi - e talvez ainda o seja - uma comunhão de intenção, ou uma intenção de desejo durando incessantemente. Ensaio do livro Rostos & Rastos do Siglo XX, proximo a ser publicado pela edi-tora Lumme. Bibliografia

Bibliografia Victor Sosa nasceu no Uruguai em 1956 ,é poeta, ensaísta, teórico de

arte e literatura,pinto e traductor de lingua portuguesa.desde 1983

vive no Mexico e 1998 adquiriu a nacionalida mexicana.

publicou Sunyata(1992,Poesia ,editorial Praxis),Gerundio

(1996,Poesia),O Oriente na Poetica de Octavio Paz(2000,Ensaios),e

outros ,no Brasil tem obras publicadas pela chancela da Editora Lum-

me( A antologia Sunyata & Outros Poemas-2006-edição bilingüe, O

Principio da Eternidade-Teatro-2009,Rostos e Rastos do Seculo XX-

Ensaios-2011,e outros), esta incluido na Antologia Jardim dos Cama-

leõs,a poesia neobarroca da America Latina(2004, iluminuras) edita-

da pelo poeta brasileiro Claudio Daniel.

colabora regularmente com a revista Vuelta en la decada 90,Milenio

y Reforma,entre outros periodicos do Mexico.

recebeu o Premio Nacional Luis Cardozo y Aragon para Critica de

Arte(1998),o Premio Nacional de Poesia Pancho Ncar(2000),Mencao

Honrosa do Ministerio da Cultura de Uruguai ,pelo seu livro os Ani-

mais Furiosos.

Actualmente é Professor de Literatura e Arte na Casa de Refugio

Citlaltépetl

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Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa

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Centro Cultural Brasil - Mocambique

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C. Postal: 1167, Maputo

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DIRECTOR GERAL

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EDITOR

Eduardo Quive

([email protected])

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CHEFE DA REDACÇÃO Amosse Mucavele

([email protected])

Cel: +258 82 57 03 750

REPRESENTANTES PROVINCIAIS

Dany Wambire—Sofala

Lino Sousa Mucuruza—Niassa

COLABORADORES FIXOS

Pedro Do Bois (Saranta Catarina-Brasil) , Victor Eustáquio (Lisboa — Portugal),

Mauro Brito,.

COLABORAM NESTA EDIÇÃO

Afonso Almeida Brandão - Autrália

Vivaldo Terres - Brasil

Lurdes Breda

Óscar Rosário Jorge Daniel - Lichinga

Yao Feng

COLUNISTA Marcelo Soriano (Brasil)

FOTOGRAFIA

Arquivo — Kuphaluxa

PARCEIROS

Centro Cultural Brasil—Mocambique

Portal Cronopios www.cronopios.com.br

Revista Blecaute

Revista Culturas & Afectos Lusofonos

culturaseafectoslusofonos.blogspot.com

FICHA TÉCNICA

Cartas

Japone Arijuane-Maputo

A arte como a causa primeira

da humildade

(A humildade é o sólido fundamento de todas as virtudes.

[Confúcio])

T alvez tudo seja dito e redito em relação a arte e a humildade nela, nela e daqueles que a fazem? Talvez isto tenha merecido qualquer

atenção no mundo a fora. Pouco sei sobre quem e o que por ai se faz e se fez, aliás, modéstia parte, sem querer ser humilde de mais, que na minha opinião é pior forma de se comportar, como diz o velho ditado: “quando a oferta é de mais o pobre desconfia”, e ain-da frisou G. Berna-nos, que “ser humilde não significa de modo algum procurar humi-lhações”. Por curtíssi-mo tempo que enver-guei neste mar do belo; concretamente na literatura, o mar por onde desagua o saber; pude notar, frequentemente, que a humildade dos escritores é propor-cionalmente à quali-dade destes. São, no que me parecem, os bons escritores, os mais humildes que outros achados artis-tas. A humildade é, para mim nessa ordem de ideias, um barómetro de qualidade artística, os artistas propriamente dito, são aqueles cientes de que todos os homens são superiores uma a outro, em algum aspecto, e que qualquer um pode ensinar algo a outrem, independentemente do nível de escolarida-de, aliás, como diz o provérbio Judaico, Só é sábio quem aprende com todos os homens.

O mundo literário, no qual tenho fortes ligações, isto prova-se diariamente. O escritor que, no ponto de vista literário transcende, é automaticamente humilde e aprende com todos, isto leva-me a afirmar categorica-mente que os não-escritores mas com livros editados são os arrogantes, aprendem sozinhos, e usam a litera-tura para atingir fins individuais, fins alheios à própria arte. Pois estes como indivíduos são ridículos, vivem o

que não são; como citadinos amorfos, pois, não têm opinião, e por último como artistas não existem; não são e nunca serão, vivem em constante falta do ser, uma falta caraça. Como nos ensina o mestre Sócrates que a maneira mais fácil e mais segura de viver-mos hornda-mente consiste em sermos, na realidade, o que parecemos ser;

o artista é e deve ser, nunca pode querer ser, os que querem ser tornam-se os arrogantes, arrogância é, sim-plesmente, um equívoco, um insulto à arte. Disse muito bem, Helem kaller, que “A vida é breve e a arte é lon-ga”, acrescento, é eterna. E arrebato com o saber Ára-be: As mãos perecem, não as obras. Felizes vois, bons e humildes escritores. Mais não disse!

Escritor Ungulane Ba ka Cossa com escritores membros do Kuphaluxa.

O l á E d u a r d o !

Desejo que esteja bem. Sou a Eva Trinda-

de apresentadora de TV, com o Programa

NÓS MULHERES, na TVM, sexta-feira,

18:30h, mas adoro ler. E um dos vossos

colegas pediu-me o meu endereço electró-

nico e desde lá que me envia o LITERATAS

e estou grata por isso, vocês fazem um tra-

b a l h o f a n t á s t i c o .

Há semanas atrás, durante as compras no

Mercado Central, encontrei um escritor

angolano que lançou o seu livro no Centro

dos Estudos Brasileiros, conversamos

casualmente, depois de nos apresentar-

mos, então mencionei que sabia quem era,

que lera no LITERATAS sobre o lançamen-

to do livro dele, ficou surpreso pelo facto

de ter lido um Jornal electrónico, tendo

mencionado."Os rapazes são bons", refe-

r i n d o - s e a v o c ê s .

Mas, escrevo-te porque adorei o Editorial

desta edição...eu própria já mencionei a

famosa frase..."os jovens não lêem" e algu-

mas vezes questionei o porque?! E acho que

aqueles que deveriam cultivar esse belíssi-

mo hábito nos jovens, não estão a faze-lo,

por exemplo acho que os professores deve-

riam incentivar a leitura de livros relaciona-

dos com as matérias, livros de escritores

moçambicanos deveriam ser incentivados

nas aulas de português...eu como mãe,

acho que tenho a responsabilidade de culti-

var esse habito nos meus filhos, a Paloma,

de 16 já tem esse hábito, não passa por um

livro sem tocar nele, o Hadel, de 8 esta no

processo... portanto, nós pais também

temos algo a fazer, vocês já estão a fazer a

v o s s a p a r t e .

Então, deixo o desejo de sucesso a ti e ao

LITERATAS e um abraço

Comentário sobre o editorial da edição 26

Page 7: Revista Literatas

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Poesia O corpo desdobrado

O corpo do homem velho e feio esconde um outro corpo imaturo dividido entre a aceitação da derrota e ateia dos desejos que ainda o enredam. O Homem velho e feio é duplamente culpado por ter gasto, sem si dar conta, sua cota de juventude e invejar agora o corpo

alheio.

Estudo Marinho

Donizete Galvão - Brasil Lívia Natália-BRASIL

Iemanjá me atirou uma palavra de pele

salgada

para fazer um poema de escamas

e dar à Kianda da minha poesia

pés de peixe e algo do que balouça

na água clara quando o peixe nada.

A palavra veio num escapulido macio

e mergulhou no azul de suas entranhas.

Nadou ferindo as marolas, e eu, de anzol

nos beiços,

me atirei no seu canto empolado

já enredada nas notas finas.

Muito mergulhei e, no que me vi,

virei eu mesma uma sereia-kianda de pés

encantados.

Vivo agora nos naufrágios mergulhada

onde as palavras tem olhos e guelras,

e respiram se abrindo para a água que

nelas se encharca.

Lá, onde dormem as pedras negras,

os sobejos de gente,

os pedaços de pente

e as conchas partidas,

mora a minha palavra com sua cauda

marinha.

a Rosa do nosso tempo

é aparentemente bela

como as outras

feita do mais puro plástico chinês, é uma reprodução aparentemente perfeita

do sonho de orfeu

seu código-de-barras exala a mesma poeira gélida

dos séculos em que fora formatada

sob o expectante assombro

das abelhas de pedra

a Rosa do nosso tempo é aparentemente triste

e sua tristeza é motivo de vendas

e suicídios

seu rosto cobre as manchetes

e contorna o olhar desajeitado

da mais nova adolescente que chora

o sangue esparramado pelas pernas,

em pleno intervalo,

no centro do pátio

no centro do mundo

Cirurgiões Centauros

sentados

espreitam o leito da pobre Rosa adormecida e com muito botox costuram o frankenstein

que é a imagem mais conhecida de seu coma

e perfil no facebook

a Rosa do nosso povo é um ovo

retorcido e choco

na incubadora elétrica

de nanã buruku

está permanentemente conectada

aparentemente

como as outras

aparentemente ela está morta

mas poderá se abrir numa titânica flor-de-lótus

acima de todo Nojo e Ódio

e reconfigurar o Tédio do sistema solar

no distraído apertar

de um botão

A ROSA DO NOSSO TEMPO

Wiliam Delarte - Brasil

QUARTO

Os posters, colados com fita-cola, arderam nas paredes. Os ursos de peluche fecharam os braços e, por

quase nada, arderam sobre a cama. Os cartões de estudante antigos, os postais de férias e os três poemas passados a limpo arderam dentro da gaveta da misinha-de-cabeceira. Fiz dezasseia anos, chegou o verão e os bombeiros não tiveram meios

José Luís Peixoto - Portugal

Em

salmoura

Na salga deixado teu corpo des liza des

nudo enquanto mudo espreita o rapazinho abensonhado

também perfilado à beira do quase sempre rente

rentinho mesmo do mago ventre.

Lopito Feifoó-Angola

Pai golo

inventor do nada

manda ser tudo

hora certa só pelo canto

canta sermão a manda e o silên-

cio

Pai à mesa, pança semi-mesma

ouvido farto

prato de orelhas

em puxões

harpas e farpas

garfos e facas

iguarias ao paladar da mãe

kokorikoooo…

Despertam lacunas

no estômago.

Hoje pai severo foi

filhos Play boi

mulher vaca!

Tempo ocupado morreu boi

metamorfoseasse vaca

o embrião da educação em euta-

násia

velocidade se aborta.

MUDANÇA DOS

TEMPOS

Japone Arijuane - Maputo

Vestimos o sol Um dia acudimos a poeira Do machimbombo Papagaios famintos

Sentido sem sentido Dum malandro sentinela de sonhos

Beira de navios aqui naufragados Negados sons da chuva Da serra da mesa. Nossas exibições Notas de guelras pueris Contam histórias Sonhos dum dia. Pedaços de folhas Atravessam corações mansos

UM DIA

Mauro Brito- Maputo

Page 8: Revista Literatas

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Grande Reportagem Eduardo Quive

Na Bienal Internacional de Poesia – BIP, que decorreu de 21 de Março a 21 de Abril na cidade de Luanda, em Angola, estiveram em cena a partir do dia 20 de Abril, os poetas moçambicanos Filimone Meigos e Luís Ceze-rilo, este último, que partilhou, a mesa que discutia o tema “Poesia, que destino?”, com os poetas angolanos David Capelenguela, Kudidjimbe, João Tala e Luís Rosa Lopes. O BIP, entrava assim no seu penúltimo dia de actividade dedicando o dia aos debates e mesas redondas que debateram ideias sobre a poesia feita nos dois países, os únicos que fazem a estória neste evento que se regis-ta pela primeira vez em Angola. Filimone Meigos foi quem inaugurou a sessão com a mesa que discutiu “Memória como repositório do nosso passado, presente e futuro”, cujo principal foco da sua apresentação estava para o cenário que caracteriza

o quotidiano do cidadão que depois se torna poeta, ao escrever, através da inspiração. Para Meigos, a escrita poética, não ignora os factos registados ao longo da vida do cidadão/poeta, o que vem a registar-se na sua escrita “a poe-sia vive de imagens, isto é, de memórias e recordações, mesmo que inverosímeis. É de senso comum, que a imagem socorre-se de vivências semânticas, praxis, lugares, tempos, saberes, pessoas, cheiros, formas, conteúdos, processos miméticos e outros que tais.” Sendo assim, mesmo concordando que a sua poesia resulta de um pro-cesso criativo bastante suado e refém do sociólogo que é, Filimone Mei-gos, não se preocupa com a possibilidade de não ser compreendido. “Eu escrevo para satisfazer a mim e aos meus”, diz o poeta moçambica-no.

C ontrariamente ao que se anunciava durante os dias que decorria a

Bienal Internacional de Poesia Luanda-2012, que o evento contaria com

poetas do Brasil, Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e

Timor Leste, o mesmo só contou com a presença de três poetas moçambica-

nos, nomeadamente, Luís Cezerilo, Filimone Meigos e Eduardo Quive.

O que seria Bienal

Internacional de Poesia

Escritores moçambicanos

únicos estrangeiros no evento

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Grande Reportagem Eduardo Quive

Num outro debate, Luís Ceze-rilo, centrou-se, não fugindo da imagem como o centro da produção poética, na compa-ração da retrospecção que o espelho oferece, para ilustrar os efeitos da poesia. Nesta mesa em que o tema foi “Poesia, que destino?”, tomaram parte os poetas angolanos, David Capelen-guela, Luís Rosa Lopes, Kudidjimbe e João Tala. Esta foi a única mesa que teve maior presença de oradores. Eduardo Quive, por sinal o último a entrar em cena dis-sertou numa mesa em que também estava João Melo, poeta angolano, sobre os Ter-ritórios da Poesia. Neste tema, num verdadeiro deba-te em torno dos passos que norteiam a arte poética, con-vergiram as opiniões que a poesia como arte não tem ter-ritório, só que, as obras e os poetas tem um território e é importante que se faça bom uso desse espaço. A falta duma interacção contínua entre a literatura moçambicana e angola-na, por exemplo, esteve no centro da discussão e a existência de pessoas dentro da arte de escrita que desviam atenções em detrimento dos seus interesses pessoais, principalmente no que tange à elaboração de antolo-gias de poetas e crítica literárias.

Poetas alheios a BIP fizeram o seu sarau a beira-mar

Um verdadeiro colapso para um evento que pretendia ser o palco ideal para a festa da poesia de língua portuguesa e principalmente a angolana, foi a ausência dos poetas deste país. David Capelenguela, João Melo, João Tala, Kudidjimbe e Luís Rosa Lopes, foram únicos poetas angolanos a se juntar aos debates da bienal, pelo menos a o que constatamos no terreno. José Luís Mendonça e Rode-rick Nehone chegaram a assistir alguns debates, mas não passou disso. Entretanto, informações que nos chegaram justificam a não partici-pação massiva dos poetas naque-le evento, pelo menos os angola-nos, deveu-se a falta de informa-ção sobre a programação e às alterações que eram feitas sem que se actualizasse os poetas. Aliás, o próprio público angolano estava pouco informado sobre o evento, tendo sido por isso, que a sala onde decorriam os debates era apenas composta por poetas a quem lhes chegou a informa-ção. Vários são os poetas que ficaram indignados com os factos ocorri-dos e por isso, ficaram a leste do evento, alegando, igualmente, a falta de capacidade organizativa dos que estavam a frente do evento. Na tarde do Domingo, o poeta Lopito Feijóo, ofereceu uma tarde poética na sua residência de

modo a proporcionar uma convivência entre os poetas angolanos e os moçambicanos, únicos estrangeiros que partiram para Angola com o fim de participar da bienal. Foi um evento em que o amor a palavra, amizades recordadas e come-çadas, abraços e troca de livros estavam na convergência. Frederico Ningi, David Capelenguela, Décio Bettencourt, Chico Benguela, José Luís Mendonça, fora os poetas angolanos que estavam presentes com suas esposas e filhos. O Carmo Neto, secretário-geral da União dos Escritores Angolanos, fez-se presente pela sua esposa e filhas, uma delas que segue a escrita como a sua arte por eleição. Recital de poesia, sons ao estilo do improviso com instrumentos musi-cais da África nossa tocados pelos poetas fizeram o ambiente. Amina-ta, esposa do Lopito, jornalista, actriz e declamadora de alta expres-são, ia acompanhando os poetas com paciência e experiência que a acompanham desde tenra idade, que é casada com um poeta eleito mestre pela nova geração.

O mar que tropeçava os nossos olhos enquanto vivíamos a poesia,

temperada com o molho do Caldo, Muamba e Fungi, eram amigos

indispensáveis. A maresia poetisava enquanto os tambores gritavam

os eus de cada um dos presentes. Foi uma tarde por levar na eternida-

de.

O que seria Bienal

Internacional de Poesia

Exposição de poesia no CEFOJOR

Mesa de debate com David Capelen-

guela, Luis Rosa Lopes, Kudidjimbe, Luis

Cezerilo e João Tala (de esquerda para direita)

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ROMANCE

1º LUGAR: "Diário da queda", Michel Laub (Cia. das Letras)

2º LUGAR: "O Dom Crime", Marcos Lucchesi (Record) CONTOS E CRÔNICAS

1º LUGAR: "Meio Intelectual, Meio de Esquerda", Antônio Prata (34)

2º LUGAR: O Anão e a Ninfeta", Dalton Trevisan (Record)

LITERATURA INFANTO E JUVENIL

1º LUGAR: "Sortes de Villamor", Nilma Lacerda (Scipione)

2º LUGAR: "Um Nó na Cabeça", Rosa Amanda Strausz (FTD)

REPORTAGEM

1º LUGAR: "Os Últimos Soldados da Guerra Fria", Fernando

Morais (Cia. das Letras)

2º LUGAR: "O Cofre do Doutor Rui", Tom Cardoso (Civilização Brasileira)

BIOGRAFIA

1º LUGAR: "Fernando Pessoa - Uma quase Autobiografia", José

Paulo Cavalcanti Filho (Record)

2º LUGAR: "João Goulart - Uma Biografia", Jorge Ferreira (Civilização Brasileira)

POESIA

1º LUGAR: "Sísifo desce a Montanha", Affonso Romano de Sant'anna (Rocco)

2º LUGAR: "O Homem Inacabado", Donizete Galvão (Portal Edi-

tora) A premiação, recebeu 1.700 inscrições. Os vencedores serão contemplados com um valor total de R$ 240

mil – o

primeiro colocado em cada categoria receberá R$ 30 mil e o segundo, R$ 10 mil.

_JÚRI _CONTO / CRÔNICA

Lourenço Cazarré | André Sant'ana | Rogério Menezes

Marcelino Freire | Paloma Vidal _POESIA

Antonio Carlos Secchin | Thiago de Mello

Nícolas Behr | Sylvia Cyntrão | Diva Cunha _REPORTAGEM

Luiz Fernando Emediato | Dad Squarisi Severino Francisco | Lucio Vaz

_BIOGRAFIA

Paulo Cesar Araujo | Toninho Vaz Regina Echeverria | Mozahir Salomão Bruck

_ROMANCE

Ana Miranda | Daniel Galera | André Luis Gomes Simão de Miranda | Cintia Moscovich

_INFANTIL/JUVENIL

Wilson Pereira | Tatiana Belinky | Stella Maris

Peter O'sagae | Cristiane S. Salles

O passo certo

no caminho errado

Nelson Lineu - Maputo

Decorreu do dia 20 á 22 deste mês a III feira do livro de Maputo, no FEIMA (feira de artesanato, flor e gas-tronomia de Maputo), mesmo ao lado do parque dos continuadores. Essa palavra “continuadores” fui ou-vindo em música nos meus primeiros nos de vida, em mim sempre entoou alto o trecho que os músicos, nesse caso jovens, diziam que eram continuadores da revolução moçambicana. Hoje eu dando primeiros passos na escrita, a palavra veio mesmo a calhar.

Mia couto, cronicando perguntou se hoje tínhamos continuadores, de quê, num sentido mais amplo, política e sociedade. Na literatura essa questão tam-bém aparece com o mesmo pesar. Com essa quase marginalização da literatura, é fácil justificar, quando quem está em frente das livrarias, editoras e órgãos decisórios do governo são pessoas que não estavam directamente envolvidas com ela. Cai por baixo quando os intervenientes afastavam-se dessas for-malidades, o balde de água fria vem ao notar-se que

hoje temos protagonistas dentro e a coisa mantém ou piora.

Tivemos uma feira de livro pouco divulgado quer den-tro da cidade, país e muito menos fora. Eu passo a observação se a organizador não o fez porque a feira não tinha atractivos. Estando num país ou cidade em que o público literário acaba sendo o mesmo, na mesma semana ou dia em que ocorreu a feira da ci-dade houve outra, só que numa livraria, teve a inau-guração do primeiro-ministro e a da cidade do presi-dente do município. Essa feira seria um momento de interacção entre o escritores, leitores e livros, claro não só nacionais, e se nacionais não só de Maputo. o triângulo que tivemos foi do vendedor, mercadoria( livro em promoção) e cliente.

O que a mim intriga é ter esses eventos patrocinados pelos países que financiam o estado, com eles atrás dessa mediocridade e a verem acontecer, qual é o pa-pel deles quando não vem a acontecer as coisas, quais são os seus interesses? Outra situação é que os doadores (assim como chamamos), estando a fi-nanciar o estado, governo ou partido porque para nós fazem-nos crer que não existe diferença, nesse apar-ente desleixo não acontece o mesmo com as nossas vidas? Essas reflexões fazia, após o final da feira com amigos onde provamos uns copos, as 23 horas trans-portado por uma chapa, cheguei no bairro. Antes de pisar a rua da casa encontrei três jovens, cumprimen-tei e eles responderam-me com o apertar do pescoço, tiram-me os sapatos, carteira telemóvel (segurança é o sector que é mais drenado dinheiro no orçamento de estado), abriram a pasta que continha livros e me devolveram com todos juntos, acredito que se eles estivessem um na mão ofereciam-me.

[email protected]

A Farra do livro

PRÊMIO BRASÍLIA DE LITERATURA 2011

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Feira do Livro na

Minerva Central

No filme O Ídolo Caído (The Fallen Idol, Grã-Betanha,1948), de Carol Reed (1906-

1976), com roteiro do escritor Graham Greene, reúnem-se dois dos mais conhecidos e

destacados ficcionistas britânicos (em cinema e romance) das décadas de 1940 a

1960.

Nessa época, o país, conquanto não mais ocupando o lugar proeminente exercido nos

séculos anteriores como a primeira nação imperialista da era burguesa, ainda se bafeja

dos ecos da anterior relevância, irradiando influência e conquistando adeptos e

admiradores, ainda que tardios ou anacrônicos, seduzidos por suas precedentes

prevalência e glória.

Como sempre acontece com países e regiões que detêm a predominância econômica

e, em decorrência, militar, social e cultural, neste último caso tudo que produzia

salientava-se e despertava interesse.

Por esse tempo, destacaram–se seus romancistas populares, a exemplo de Somerset

Maugham, o citado Greene, e, no romance policial, Agatha Christie e, no geral, até

mesmo ficcionista da periferia do Império, o australiano Morris West.

No caso daqueles, o prestígio derivado dessa importância era tão acentuado que esses

escritores eram até considerados de valor e recepcionados como tal, embora não

passassem, como não passam, de hábeis contadores de estórias destituídas de

profundidade e carentes de inventividade formal, destinadas a mero entretenimento,

mesmo que acima do nível geral dos espetáculos que se ofereciam ao desfrute

popular.

A elegância e universalidade britânica revestem suas obras, outorgando-lhes certa aura

intelectual que satisfazia – e possivelmente ainda satisfaz – os menos exigentes, e por

isso mesmo, mais pretensiosos.

É o caso, também, da quase totalidade da filmografia do país, como a de Carol Reed,

apenas competente artesão, que corresponde em cinema ao que os citados escritores

representam no romance, burilado por consistente tradição cultural que remonta, a

nível universal de primeiro plano, à dramaturgia de um Shakespeare.

Reed porém, como quase todos – ou todos? – os ficcionistas britânicos de sua

geração, quando o antigo império desde o início do século XX vinha em decadência, é

conservador no ideário e acadêmico e convencional na execução.

O Ídolo Caído chega a ser considerado pelo historiador e crítico cinematográfico

francês Georges Sadoul, também refratário a experimentalismos e ousadias formais, o

melhor filme de Reed “pela atmosfera e as descrições em cor pastel bem conduzidas”,

não obstante, como afirma (até ele!), “sempre acadêmicas”. Opinião com a qual não

concordam os que defendem – com justiça – a condição de melhor para O Terceiro

Homem (The Third Man, Grã-Bretanha, 1949), desse mesmo diretor.

Como hábil e até talentoso profissional que foi Carol Reed, O Ídolo Caído possui suas

virtualidades no âmbito, sempre estreito e meramente de espetáculo, do naturalismo

mimético de retratação da realidade tal qual se apresenta à vista.

Na espécie, porém, Reed ultrapassa em dois aspectos essas coordenadas limitativas: na

articulação do caso amoroso dos protagonistas, o semi-mordomo (Ralph Richardson) e a

datilógrafa da embaixada (Michele Morgan), e na direção do garoto, que centraliza a

atenção do filme, conquanto o drama desenrole-se entre o citado casal e a esposa do

mordomo.

O convívio desse trio conturbado é disposto e desenvolvido com elegância e tão grande

discrição que só tardiamente se sabe das ligações da áspera e enérgica governanta da

embaixada e do teor do relacionamento entre os demais protagonistas, porque tanto

umas quanto outro são ditos ou informados, já que inexistente qualquer manifestação

cênica indicativa.

A posição, direção e desempenho interpretativo do menino (provavelmente Bobby

Henney) são tão excelentes, que dificilmente ocorrem no cinema em tão alto grau e tão

elevada pertinência.

A naturalidade e propriedade de sua condição e performance atingem a perfeição, não

obstante sempre dentro dos limites da cópia da realidade, onde até mesmo nela

dificilmente ocorra tão autêntica e convincentemente.

A sequência, no final, em que tenta e insiste ser ouvido pelos adultos que o rodeiam,

excede, nesses predicados, a própria realidade. E impressiona.

__________________________________

*Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba/Uberaba, editou a revista

internacional de poesia Dimensão, sendo autor de livros de literatura, cinema e história

regional. (Publicação autorizada pelo autor)

O ÍDOLO CAÍDO: Convencionalismo Britânico*

(do livro O Filme Dramático Europeu, editado pelo Instituto Triangulino de

Cultura em 2010-www.institutotriangulino.wordpress.com)

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Personagem

LEMBRANÇA

Ao Rui Knopfil

Havia uma pétala vermelha que crescia no fumo de um cigarro. onde um homem puxava incansavelmente na esperança de querer vencer o medo que se instala-va na porta dos seus devaneios E Dentro da casa onde os sonhos eram Guar-diões . Havia uma pedra encostada a janela onde sussurrava nos ouvidos de Inhamba-ne (quando lembra-se de alguém de olhos abertos deve-se sonhar de boca fechada). Mas Ninguém deu ouvidos ao sussurro da pedra. Encostado a inocência da pedra um sujeito levantou a mão no meio da multidão que pescava predicados e outros silêncios na sala da casa. ( Eu quero aprender a doutrina das cores que se mani-festam nas pedras).

A pincel a saudade relampeja no arquipélago da insónia do meu poema (quando durmo sinto a sensação de acordar no terceiro dia ,e quando morro passa-me pela cabeça a ideia de acordar no anoitecer das manhãs)

Na corda da lembrança há um mar que desagua os incensos das suas ilhas , há uma cegueira que se assiste o suicido do arquipélago na insónia dos mangais. Há uma L A G R I M A que cai. nos solavancos das ondas que ondulam na sepultura onde jaz a flor murcha de abandono.

ARQUITECTO É como se o futuro fosse a profissão dos sonhos É como se a régua que traça a génese da cidade. fosse a meretriz que se vende na esquina Na Mesma Esquina onde o profissional sonhador ergue o mastro dos seus prazeres, onde espora os seus sentimentos na vagem de uma flor adormecida pelo vermelho aroma ( a língua lambe, lambe a primavera do novo oeste)……um beijo no caule da planta que cobre o passado,….Um abraço quente à altura de um aranha céu namora o presente.

Onde as margens traçadas na folha em branco tornam-se reais, os

números, as larguras ganham outros contornos todavia aquilo que era

futuro ficou reduzido a um presente seja de natal ou de aniversário.

Quando o profissional faz a entrega das chaves ao homem. O sonho

também abre o seu horizonte.assim aprendi a escutar o orgasmo da

minha criatividade (este poder de tornar algo intangível em residência

do ser humano) e descobri que para me masturbar não preciso ir

longe, basta ter as chaves dos compartimentos da consciência e

dentro das suas quatro paredes encotrar-me-ei com o sonho .

MARTELAMENTO DO RIO

Rio do silêncio das ondas do rio. Onde suas águas guardadas em

gavetas aguardam pela hora do discurso. O rio chora pelo silencioso

curso da sua voz em movimento rectilíneo.

Escrito com a tinta selvagem e o dolorido trilho em paralelo tracejado

em pleno ziguezaguear das suas assombrosas margens

Aberta a boca para o discurso: a voz do rio seca torna-se num eterno

guardador de silêncios.

Um homem,

Uma canoa , 2 linhas paralelas

O verso do olfacto do crocodilo descreve o perfil da presa

No

Silencioso trilho do rio

Uma cova

A mesma cova ardia em plena hora do discurso vazio

No meio do rio uma pá continua a uma velocidade da luz com o seu

curso vertical. O redemoinho pesca a água de uma forma circular…

Amosse Mucavele nasceu em Maputo aos 8 de Julho de

1987, vive em Maputo. É membro fundador do Movimento

Literário Kuphaluxa, onde coordena a equipe editorial da

revista literatas; é colaborador do Pavilhão Literário

singrando horizontes - Academia de Letras de Paraná,

colunista do jornal Coruja SP e outros blogs e jornais,

Membro Correspondente da Academia de Letras Teófilo

Otoni – MG, e Técnico Agro-pecuário na reserva.

Amosse Mucavele-MOÇAMBIQUE

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Ensaio

S angare Okapi, a quem foi atribuído a menção honrosa do prémio José Craveirinha 2008, é, em minha opinião, uma das

vozes incontornáveis da poesia publicada em Moçambique a partir do século XXI. A sua poesia tem condimentos da boa arte, que como lembra Jorge Luis Borges, renova-se por si e não se deixa enclausurar pelas teias da língua (1). Esta parafernália toda, meus caros, vem a propósito do mais recente livro do poeta, “ Mafonematográfico Também Círculo Abstracto”, vindo a lume em Março deste ano e milagrosamente caiu-me às mãos graças à alma caridosa do Lucílio Manjate, uma vez que ando com os bolsos rotos, cogitando até a hipótese de pedir ao alfaiate da esquina que os encerre de vez.

Seja como for, na leitura do aprendiz de poeta que sou, três tendências confluem neste livro que reúne 32 poemas: primeiro, a economia e a contenção de palavras, que segundo Borges (1), a par da metáfora, é a essência do fazer poético. Aliado à ela está, obviamente, o cuidado que o poeta tem com a palavra depurada e cuidadosamente pesada antes de no poema depositada. Anda o poeta com uma balança no regaço? Confirma esta minha asserção, não a da balança, mas a da depurada palavra, o brevíssimo poema “monódia”, de dois versos apenas, mas com uma rara beleza estética e de uma contenção pertubadora: “ mal cuido uma flor/desfaço-me em dor./”

A poesia do minimalismo, do essencial, ou como queiram nomeá-la, tem entre os seus cultores o meu poeta de cabeceira, Giuseppe Ungaretti. Na poesia deste como na de Okapi, as palavras criteriosamente escolhidas, surgem no poema, inquietas, mas de uma terna inquietude como se nos quisessem dizer algo quando ausentes ou quando não nos quisessem dizer algo, se fizessem presentes. O resultado não podia ser outro senão o espetar do punhal da palavra no peito descoberto do leitor. Obrigando-o a reler palavra por palavra, até encontrar a senhora poesia, submersa no do poema abstracto. “fina flor/ doce dor/ seta/ certa/ letra/ morta/ pauta/ posta/ silêncio/ composto./”

No seu “ O livro do Desassossego”, Bernardo Soares diz: ”. ..A

maioria da gente enferma de não saber dizer o que vê e o que pensa…Dizer! Saber dizer! Saber existir pela voz escrita…(2).” Ler esta contida poesia de Sangare, coloca o leitor amigo, num rigoroso regime dietético, como diria alguém. O que vem a calhar, atendendo os tempos de crise.

A segunda tendência, que é, a meu ver, a maior singularidade deste livro, é o cuidado e o trabalho que Okapi tem com a estética do poema. O visual, diria. O vestuário que, como afirma o poeta Manoel de Barros, faz a palavra abrir o roupão para o escritor e desejar que ele a seja (3). Há em boa parte deste livro, com destaque para o raio segundo, uma série de experimentalismos, um constante desnudar da língua (esse roupão então que se abre) e uma magistral subversão do tradicional verso, dando ao bom do leitor a tão ambicionada liberdade em ler o poema, tanto na horizontal como na vertical, tanto na oblíqua como na vertico-oblíqua ou em qualquer (ex-)posição que julgar útil. Claro, desde que não prejudique a coluna. A do leitor e a do poema. Faço aqui uma analogia entre esta poesia visual do Sangare, em “Mafonematográfico Também Círculo Abstracto”, à poesia neoconcreta brasileira dos finais dos anos cinquenta que, dentre vários, foi seguidor Ferreira Gullar (4), embora mais tarde a tenha abandonado.

Diria eu que “ Mesmos barcos ou poemas da revisitação do corpo (5)”, livro segundo assinado por Okapi, é a tímida ante-estreia desta agradável proposta literária que é o “Mafonematográfico Também

Círculo Abstracto”. Esta fase neoconcreta de Okapi (estará ele em ruptura com os seus?) é, a meu ver, um discurso poético inovador naquilo que é poesia publicada por cá a partir do século XXI, com excepção talvez a do Ruy Ligeiro, em “ O País do Medo”. Há, dentre várias marcas, um cuidado com que o poeta costura a rima. Com a delgada fibra de seda, parece. Sobretudo, a rima interna. Menos perceptível a uma vista desarmada como a minha. Exigindo ao leitor que se apresente à formatura com um par de óculos novos. Da China, de preferência. O mesmo par que usamos para descortinar a poesia epigramática do Amin Nordine, em “ Do lado da ala B (6)”. Essa ala em que aos poucos vamos lá chegando. Cada um ao seu tempo. Uns com menos lados do que outros.

acende a noite o dia a paga enterra a tristeza a noite a fugenta inventa faça o mar amor

A herança neoconcreta de Sangare Okapi, que atinge o expoente máximo no poema-barco Caligrama, uma embarcação no alto mar (cá está o poeta com a mania dos barcos!), será, espera-se, uma obra engrandecedora da língua portuguesa.

.

Ilustração de Filipe Branquinho. Tinta da china.

Mafonematográfico Também Círculo Abstracto ou a

Evasão do eu Desassossegado na poesia neoconcreta

de Sangare Okapi

Mbate Pedro* - Maputo

Uma (re)flexão a três (gl)osas

Ao Ricardo Riso

“…Porque a única coisa que a poesia faz é comover. A poesia não cura dor de dente, não resolve problema econômico, não desintegra o átomo, não serve para nada. A única coisa que ela faz é comover….É uma mentira que nos comove… O homem não faz poesia para sair da vida, ele faz poesia para ter coragem de viver…..” Ferreira Gullar.

Page 14: Revista Literatas

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Ensaio Brasil acolhe literatura africana “Felizes os que sofrem com unidade! Aqueles a quem a angústia altera, mas não divide, que crêem, ainda que na descrença, e podem sentar-se ao sol sem pensamento reservado (2)”. Fala de Bernardo Soares, aqui chamado para lembrar-nos, leitor amigo, o que julgo ser a terceira tendência neste livro e que já se faz casa em Sangare desde o livro primeiro, “O inventário de angústias ou a apoteose do nada (7)”. Falo, como é evidente, da temática da angústia, e de toda a intranquilidade que a corteja, tão cara a um poeta. O desencanto com o vazio da vida moderna. “já não rio/ no poema/ se rio/ me não rio/ finjo/ sou todo um rio/ desfeito em verso.”

Ou no poema, Iscas & Biscas: “vida triste/ sempre/ em riste/ a gente arrisca/ é isca/ onde/ anda/ a bisca.” Porque onde a poesia ou a arte para uns é um meio, para outros é um fim. Onde a poesia para uns é flor de trigo, para outros nem comida é, como diria Adélia Prado (8).

Ainda que de emoção contida e sem grandes rasgos metafóricos, Okapi surge, neste seu último livro, mafonematograficamente subtil e cortante na sua forma de ler o mundo, à senda de um Heliodoro Baptista ou de um Sebastião Alba, entre os nossos, ou de um Ungaretti e um José Kózer, entre os outros. É assim, que este registo poético, para além de denunciar, nas entrelinhas, a miséria e a contenção voltadas para o povo, escalpeliza os homens que têm dentro da moral, uma cova. Em “Cova ardia”, poema de notável beleza estética e temática, o poeta, à maneira de um Drummond (a pedra que havia no meio do caminho), desnuda, não os covardes nem as suas covardias, mas as suas enormes covas, na mente. “A cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a-cova ardia/ a-cova ardia/ a-cova ardia/ nos homens/ porquê?./” Não serão as pedras da cova de Sangare, as colocadas no caminho de Drummond?

Um poeta escreve, às vezes, apenas para exercitar a mão para quando chegar a altura de assinar os cheques sem cobertura. Ou talvez para disfarçar o vício. Mas ele não é masoquista, embora às vezes o pareça. É assim, que Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, tentou evadir-se da angústia, “Ergo-me da cadeira com um esforço monstruoso, mas tenho a impressão de que levo a cadeira comigo, e que é mais pesada, porque é a cadeira do subjetivismo.” Okapi também no seu Evasão do eu desassossegado (em intertextualidade com o heterónimo de Pessoa): só corro/ corro corro/ socorro/ corro corro/ só corro/ corro corro/

socorro/ corro corro.” Já para não falar de Gullar, em sua travessia pelo neoconcretismo: “mar azul/mar azul marco azul/mar azul marco azul barco azul/mar azul marco azul barco azul arco azul/mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul./” Terão eles alcançado o outro lado da margem? Não sei! O que sei é descascar amendoins nos livros. E gosto!

Eugénio de Andrade, mestre meu, lembra que o amor é mortal e navegável. O itinerário da espuma (9). Eu acrescentaria que é porto último da poesia. Depois da tempestade em alto mar. E Okapi, poeta que é, bem sabe e não se furta a isso, no poema “coisas do (A) mar”: “o amor é como uma concha/ que no mar se acha/ e a água nunca se queixa.”, ou no poema “Bagamoyo by night”, de rara beleza erótica: ”nu charco/ arco erecto/ cravo aberto/ alvo certo/ parto/ incerto.”

Fui dizendo: há neste livro uma certeza. O continuar da renovação da linguagem e do fazer poético em Moçambique, por um Poeta que está para a poesia como o João Paulo Quehá está para a pintura. De bruços. Uma obra belíssima e de alguma relevância para o nosso acervo. Leitores precisam-se!

Bibliografia Borges, Jorge L., Este ofício de Poeta. Editorial Teorema. 2010. Soares, Bernardo. O Livro do Desassossego. Assírio & Alvim. 2011. Barros, Manoel. Todo lo que no invento es falso (Antologia). Mar remoto. Edición

Bilingue. Málaga, 2002. GULLAR, Ferreira et al. Manifesto Neoconcreto. Jornal do Brasil, Suplemento

Dominical . Rio de Janeiro: 1959. Okapi, Sangare. Mesmos barcos ou poemas da revisitação do corpo. AEMO. 2008. Nordine, Amin. Do lado da ala B. Promédia. 2004. Okapi, Sangare. O Inventário de angústias ou a apoteose do nada. AEMO. 2005. Prado, Adélia. Solte os cachoros. Edições Cotovia. Lisboa, 2003. Andrade, Eugénio. Oscuro Domínio. Edición bilingue. Hiperión. Madrid, 2011.

Okapi, Sangare. Mafonematográfico Também Círculo Abstracto. Alcance Editores. 2012.

________________________________________________

* Mbate Pedro é*poeta, moçambicano publicou o Mel Amargo (2006) e Minarete de medos e outros poemas (2009).

?

Imagina….

Page 15: Revista Literatas

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Brasil acolhe literatura africana

A África, principalmente os países de língua portuguesa, há muito tempo acolhe a

literatura brasileira. Do lado do nosso país, professores inseridos em alguns cursos de

Literaturas Africanas, e, em especial, de Língua Portuguesa, buscam cada vez mais,

dar visibilidade à literatura africana.

Em 2010 tive a feliz oportunidade de apresentar uma comunicação no IV Encontro de

Professores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, promovido pela

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Universidade Federal de Minas

Gerais (UFMG ) e Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), ocorrido na cidade de Ouro

Preto. Na oportunidade dissertei sobre parte da produção

literária do escritor moçambicano, João Paulo Borges

Coelho.

Na edição n. 25 dessa Revista, abordei temática acerca

das mulheres negras brasileiras que são poetas. Nesse

texto, fiz referência ao Seminário Mulher e Literatura,

ocorrido em Brasília em agosto de 2011, cujas

homenageadas eram autoras afro-brasileiras. E, por conta

das minhas reflexões acerca de literatura e racismo no

Brasil, o amigo editor dessa revista nos brinda, na edição

seguinte, com um belo aconselhamento ―A arte não tem

que se basear na cor‖. É isso aí, Eduardo Quive. Não

tenha dúvida que esse meu país tem muito a caminhar

ainda no que se refere ao respeito às diferenças. Dessa

forma, é ainda, por mais estranho que pareça aos caros

irmãos moçambicanos, que a arte não se sobreponha à

cor da pele. Sobre esse tema falaremos oportunamente.

Nesse momento menciono com satisfação a

realização, em Brasília, capital do poder político institucionalizado, a I Bienal do Livro

e da Leitura, iniciada no último dia 14, tão bem anunciada por essa Revista, sempre

atenta aos eventos literários do Brasil. O destaque nessa Bienal, motivo de meu orgulho

e relevância para esse texto, foi a vinda de vários escritores africanos, desde o único

africano a receber o Prêmio Nobel de Literatura, o nigeriano Wole Soyink ao angolano

Ondjaki, ao cabo-verdiano Germano de Almeida, à santomense Conceição Lima e à

moçambicana Paulina Chiziane, que tive o prazer de prestigiar em minha

terra pela primeira vez. O Seminário levado a cabo pelas palavras de

Paulina Chiziane e Ondjaki intitulou-se ―A Literatura Africana Contemporânea”.

O professor e pesquisador, Eduardo Assis, na condição de mediador, inicia o

Seminário apresentando importantes informações acerca da urdidura que envolve as

relações raciais no Brasil que resvalam para o campo da literatura. Ele menciona,

por exemplo, que o país hoje revela, segundo pesquisas governamentais, que 54%

da população se autodeclara afro-brasileira. Com esse mote, o professor, que estará

em Maputo no próximo dia 23, conforme anunciado pela Literatas, convida

Chiziane e Ondjaki a estarem bem na casa brasileira.

Paulina Chiziane exibe uma faceta reveladora que tenho insistido em investigar: as

relações midiáticas que projetam a imagem do Brasil fora do país. Diz Chiziane

"Para nós, o Brasil é branco e mulato. A imagem do negro não existe. O único negro

reconhecido como negro é o Pelé". Por seu turno, Ondjaki cutucou a organização do

evento ao dizer que era um equívoco mencionar países africanos de expressão

portuguesa ao se referir aos escritores de países de língua portuguesa e afirma, ―sou

de um país de expressão angolana‖, cuja língua é a portuguesa.

Espero eu, diante da forte emoção de voltar à Brasília, capital do país, para assistir

debate sobre literatura, e, sobretudo literatura produzida por africanos, que essa

iniciativa seja sinal de tempos auspiciosos. Tempos novos, quiçá, em que a

Literatura possa inspirar parte significativa dos políticos que ocupam o ―poder‖,

sensibilidade na condução das questões brasileiras. Que o lirismo contagie as suas

ações revelando propostas para relações mais equitativas para a nossa sociedade.

ROSALIA DIOGO-BRASILIA