revista livre de cinema - relici, v.1, n.1, jan-abr/2014
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A Revista Livre de Cinema é uma publicação gratuita que pode ser acessada em www.relici.org.brTRANSCRIPT
Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
A Revista Livre de Cinema – RELICI destina-se à divulgação de textos sobre o
Cinema. Aceitam-se trabalhos que abordem qualquer aspecto do campo do Cinema.
São aceitos trabalhos na forma de ensaios teóricos, análises fílmicas e estudos
empíricos sob os mais diversos enfoques ou abordagens teóricas e metodológicas.
A RELICI destina-se aos interessados nos estudos sobre o Cinema.
CONSELHO EDITORIAL
Clóvis Mendes Gruner - Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Cynthia Leticia Schneider - Instituto Federal do Paraná (IFPR)
Denize Correa Araújo - Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)
Eduardo Tulio Baggio - Universida Estadual do Paraná (UNESPAR)
Eliane Cristine Francisco Maffezzolli - Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR)
Fernando Andacht - University of Ottawa (uOttawa)
Fernando Antonio Prado Gimenez - Uiversidade Federal do Paraná (UFPR)
Fernando Gomes de Paiva Júnior - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
José Gatti - Universidade Tuiuti do Paran-a (UTP) e Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC)
Rafael José Bona - Universidade Regional de Blumenau (FURB) e Universidade do
Vale do Itajaí (UNIVALI)
EDITOR
Fernando Antonio Prado Gimenez - Universidade Federal do Paraná (UFPR)
ENDEREÇO ELETRÔNICO
WWW.RELICI.ORG.BR
Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Fernando Antonio Prado Gimenez 1
A INTERTEXTUALIDADE HIPER-REAL NO CINEMA: A
METALINGUAGEM FÍLMICO-LITERÁRIA EM DANS LA
MAISON
Ivanir França 2-8
CINEMATOGRAFIA E FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES:
RELATO DE EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO PIBID-
MATEMÁTICA (UFTM)
Fernando Lourenço Pereira, Valdina Gonçalves da Costa,
Vânia Cristina da Silva Rodrigues, Luis Gustavo da Conceição
Galego
9-14
TÉCNICAS CINEMATOGRÁFICAS E APRENDIZAGENS E O
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL (PET) O PET CIÊNCIAS
DA NATUREZA E MATEMÁTICA (UFTM)
Luis Gustavo da Conceição Galego, Váldina Gonçalves da
Costa, Vânia Cristina da Silva Rodrigues, Fernando Lourenço
Pereira
15-22
DA REALIDADE À FICÇÃO: ANÁLISE DA
REPRESENTAÇÃO DA DITADURA NOS FILMES
“HÉRCULES 56” E “O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?”
Juliana Benetti 23-38
PERSONAGENS EM ROTEIROS DE CINEMA: UM
ESTUDO DOS ANTAGONISTAS DA TRILOGIA BATMAN,
DE CHRISTOPHER NOLAN
Rafael Jose Bona, Maria Lua Ternes Andriani 39-54
APRESENTAÇÃO
Nasce a Revista Livre de Cinema. A ideia desse espaço é servir para a
disseminação e o debate do Cinema sob diferentes perspectivas e abordagens.
Como o próprio nome diz, a intenção é que a liberdade de expressão seja a diretriz
principal a ser observada. Nesse sentido, a proposta da Revista Livre de Cinema é
que os trabalhos a ela submetidos não serão avaliados antes de sua publicação.
Apenas, serão adequados ao formato adotado para a Revista Livre de Cinema.
No primeiro número trazemos cinco artigos que debatem o Cinema como
meio de educação ou como registro histórico, além de apresentarem reflexões sobre
aspectos teóricos do cinema a partir da análise de alguns filmes.
Meu agradecimento especial ao Admir Pancote que ajudou na viabilização
do sítio da Revista Livre de Cinema.
Que o leitor seja o julgador da qualidade de cada artigo aqui presente! Boa
leitura a todos.
Curitiba, 1º. de março de 2014.
Fernando Antonio Prado Gimenez
Editor
A INTERTEXTUALIDADE HIPER-REAL NO CINEMA: A METALINGUAGEM
FÍLMICO-LITERÁRIA EM DANS LA MAISON
Ivanir França
Rettung
Recheado de relações intertextuais literárias o filme de François Ozon
expõem as frustrações pessoais de seus personagens por meio do uso de
simulacros. Essas relações remetem ao espectador o contexto: “O que você quer ser
„quando crescer‟?”.
O próprio título do longa nos remete à questão – Dans la Maison (Dentro da
casa) refere-se a desejos recônditos. Interioridades que são colocadas frente à
plateia em primeiro plano pelo personagem de Fabrice Luchini, professor Germain,
e, com o desenvolver do filme, cada personagem tem sua intimidade desnudada na
narração do personagem Claude.
As citações colocadas durante o filme constituem uma “teia intertextual” que
exige do espectador além da atenção às peculiaridades de cada personagem a
retenção às relações remetidas além-filme. Logo no início a fachada do Lycée
Flaubert, posta no ecrã, traz ao espectador a possibilidade de interpretar o filme a
partir de análises psicológicas e o senso de realidade sobre o comportamento social,
principais características do autor. Há, além disso, na sequência uma importante
citação, a qual pode “provar” que o longa é uma história “escrita” na mente de
Germain. “[...] o exemplo mais bem acabado de relação entre o fundo e a forma.
Sobre tudo para incitar vocês a escrever, a defender um ponto de vista, a se
expressar e a contar histórias.” (DANS LA MAISON, 2012). Essa explanação sobre
Jean de La Fontaine (1621 -1695) leva ao espectador o entendimento das conexões
feitas dentro do filme, ou seja, o filme pode ser “lido” por meio das obras literárias e,
sobretudo pela visão dos autores que passam a ser apresentadas a partir desta
cena.
“[...] a ordem não é simplesmente linear: não se deixa decifrar apenas com o próprio desfile do filme. Também é feita, [..], de saltos que fazem da narrativa, acima de seu desenvolvimento, uma rede significante, um tecido
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de fios entrecruzados em que um elemento pode pertencer a muitos circuitos. (AUMONT, 1194, p. 108).
Contudo para compreender a essas citações é necessário que o espectador
esteja preparado para tais conexões. A menção a La Fontaine torna-se um ponto
chave para a interpretação do filme, pois trata-se de uma menção sobre o escritor
das fábulas. Ou seja, o público pode entender o longa como uma fábula, que será
narrada por Claude.
Unterbrechung
Ciente de que o filme é uma fábula o espectador interpreta-o por meio de
camadas, ou seja, há a possibilidade de buscar a compreensão na metalinguagem
fílmica e, com isso entender as sutis colocações nas entrelinhas. Há, então, a fuga
do real por meio da tela do cinema, que é citada no início do filme por Jeanne (nome
da amante de Baudelaire), mulher de Germain, e com o desenvolver do filme
transpassa como real. A discussão da história entra na sala de cinema. É a fantasia
enredada, ou, a ficção sendo vista por ela mesma. Porém esse diálogo diretor-
espectador só é possível caso o repertório de quem está frente à tela seja
compatível com a leitura exposta por quem está atrás dela.
Em consequência, se o sentido da imagem existe em função do contexto fílmico criado pela montagem, ele também existe em função do contexto mental do espectador, cada um reagindo de acordo com os seus gostos, a sua instrução, a sua cultura [...]. (MARTIN, 2005, p. 34).
Por meio das interpelações literárias há a criação pelo espectador de
interpretações externas, além-filme, ou seja, o público torna-se parte da história ao
antecipar fatos e formar teses sobre ela. Segundo AUMONT (1994), o cinema tem
esse poder de ausentar o que nos é mostrado na tela. “[...] ele o “ausenta” no tempo
e no espaço, porque a cena registrada já passou e porque se desenvolveu em outro
lugar que não o da tela aonde ela vem se inscrever.” (AUMONT, 1994, p. 100).
No filme já nos primeiros frames o espectador pode “encontrar” o ausente
com a cena de apresentação do personagem: Germain. Ao chegar à escola, frente
a mais um ano letivo, ele mostra-se desconfortável com a padronização da
educação, por meio da implantação de uniformes na escola. A diretriz é encarada
por ele como o “triunfo da igualdade republicana” (DANS LA MAISON, 2012). Aqui
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se pode buscar “explicação” no longa de Alan Parker – The Wall, 1981. Roteirizado
por Roger Waters o filme abrange a uniformização da educação como maneira de
suprimir a veia criativa dos estudantes. Tornando-os uma massa moldável, ou,
clones sociais. Essa teoria pode ser aplicada no início de Dans la Maison ao vermos
os estudantes postos em um quadro randômico. A tomada ao mesmo tempo em que
mostra indivíduos diferentes, os torna iguais, ou, uma “tropa de ovelhas” (DANS LA
MAISON, 2012).
Ilustração1: Fonte: DANS LA MAISON (2012).
Hoffnung
O contexto fílmico, ao qual é apresentado o personagem de Germain, traz a
persona de um escritor frustrado. Que atualmente desempenha a função de
professor de francês e literatura, em uma escola pública, e vê em seu aluno, Claude
– interpretado por Ernst Umhauer –, a chance de ver concretizado seu sonho
literato. Há a aplicação da teoria Freudiana da Projeção. A teoria aborda a Projeção
como um mecanismo de defesa no qual os desejos pessoais de um determinado
indivíduo são espelhados/repassados a outro.
A ciência psicológica passou a utilizar o conceito projeção definindo-a como uma resposta comportamental que ocorresse em consequência a relação sujeito-objeto – estes últimos sendo materiais ou humanos, definindo que esta ocorre através de uma operação projetiva. Sob este prisma todas as produções humanas, da mais involuntária a mais autônoma, manifestam alguma relação entre experiências passadas e recentes que refletem nas respostas comportamentais. (STEMBERG, 2004 apud FONSÊCA, 2008, p.2).
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Germain encontra em Claude o talento que ele não possui para a narrativa
textual, e projeta no aluno o desejo de ser um grande escritor. O professor mostra
com o desenvolver do filme vontade extrema, não visualizada no início do longa, em
que ele mostra-se fatigado com o trabalho e sobretudo com os alunos: “O pior não é
a ignorância deles. É imaginar o amanhã, pois eles são o futuro. Os filósofos
reacionários predizem a invasão dos bárbaros. Mas eles já chegaram. Estão nas
salas de aula”. (DANS LA MAISON, 2012).
As projeções dos sonhos de Germain sobre o aluno fazem com que ele fuja
de seu dever como professor e atue como peça fundamental para o
desenvolvimento das histórias de Claude. Há então, a sugestão ao espectador de
que Claude seja o alter ego, revisitado, do professor. Quando Claude “invade” a
vida/casa dos Rafa‟s e constitui os capítulos da história cotidiana de uma família
comum da classe média francesa. Germain desdobra-se para auxiliá-lo na
formatação dos capítulos da narrativa, não só o orientando intelectualmente, mas
passando por cima de regras sociais. Há aqui uma relação com o longa de David
Flincher – Fight Club (Clube da Luta), 1999. No filme, de Flincher, os personagens
de Edward Norton (narrador) e Brad Pitt (Tyler Durden) nunca estão juntos, porém
estão sempre no mesmo local.
Na película o personagem de Norton, que teoricamente é real, não possui
um nome definido – ele vive personagens, ao narrar à história – ao contrário do seu
alter ego, Tyler Durden, que assume “responsabilidades” e consequentemente a
face da vida de Norton. O mesmo acontece com Germain: ele deixa de lado sua vida
e entra na narrativa de Claude (que tem a função de narrador). Ele torna-se mais um
personagem manipulável na narrativa. Há então, a apresentação ao espectador de
uma das questões centrais do filme: o simulacro ou a hiper-realidade da vida do
professor Germain.
A hiper-realidade pode ser teorizada a partir da diegese, ou seja, a história é
entendida pelo espectador como um mundo inventável. O autor constrói um universo
fictício que combina elementos para apresentar um todo. “[...] é a ficção no momento
em que, não apenas ela se concretiza, mas também se torna sua acepção. É,
portanto, mais ampla do que a da história, que ela acaba englobando: é também
tudo o que a história evoca ou provoca no espectador” (AUMONT, 2007, p.114).
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O termo Simulacro, segundo o teórico Jean Baudrillard (1981), é a
representação de um mundo cópia, ou seja, a imagem “real” do que nos seria ideal.
Temos então a construção de um meio que caracteriza a realidade, em outras
palavras, seria a condição de perceber a “fantasia” acima do real. No caso do filme
Germain deixa de lado a realidade – a qual detesta – e faz questão de externar essa
condição quando aceita que suas frustrações trespassem à esposa. Ele nunca
demonstra nenhuma preocupação “real” aos conflitos profissionais de Jeanne, mas
mostra-se verdadeiramente interessado pelas opiniões dela quando essas são
direcionadas aos textos de Claude. Há, portanto uma provação textual sempre que
Jeanne lê os textos. Germain transforma as críticas dela em enredos para melhorar
a narrativa do aluno.
Zerstörung
A esperança de Germain, em “ser” um grande escritor, projetada em Claude
torna-se quase um jogatina entre aluno e mestre. Contudo, essa relação apenas
reforça a tese da construção de um alter ego, pois o aluno descobre desejos e
segredos do professor antes de ele os revelar. Além disso, há uma constante
“guerra” entre a literatura clássica nas mãos de Germain e a arte moderna na galeria
onde sua esposa trabalha. Esse conflito é interiorizado à história ao ser instalado
dentro da casa dos Rafa‟s. Há uma interessante apresentação da personagem
Esther. Mulher e mãe dos rafas, ela é carregada de estereótipos da dona de casa da
classe média francesa. A personagem é apresentada por meio de suas
preocupações com a decoração da casa. A qual ela está sempre “sonhando”.
Na constituição da decoração Esther coloca na casa, entre sala e cozinha, 4
aquarelas de Paul Klee. Ela e a família ignoram o que ou de quem são as obras, até
o momento que Claude as desvenda como os anjos: Rettung (resgate),
Unterbrechung (interrupção), Hoffnung (esperança) e Zerstörung (destruição).
Com efeito, são os próprios seres e as próprias coisas que aparecem e falam, dirigem-se aos sentidos e falam à imaginação: a uma primeira abordagem parece que qualquer representação (o significante) coincide de forma exata e unívoca com a informação conceitual que veicula (o significado). (MARTIN, 1971, p. 24).
Há então a quebra da harmonia dentro da casa dos Rafa‟s, ao Claude
seduzir Esther. A cena do beijo, entre Esther e Claude, é a quase-prova que o aluno
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é sim um personagem ou o alter ego de Germain, em uma fábula. A entrada
inesperada do professor na casa dos Rafas durante a cena romântica mostra ao
espectador um escritor em conflito com seu texto. E, o diálogo travado, na cena,
entre professor e aluno deixa visível ao espectador essa possibilidade. Há nesse
momento a concepção da figura do vilão da história. Rafa filho - em uma proposital
cena clichê - vê o beijo da mãe com o colega de escola, escondido atrás da porta.
Essa “tática” desconstrói as histórias, pois Rafa filho não quer mais o amigo
frequentado a casa. Assim Ozon fecha a história dos Rafa‟s com a família Rafa
unida e feliz, após a tragédia.
Porém o conflito entre professor e aluno ou narrador e criador é deslocado
ao centro da atenção do espectador com a sugestão de Germain sobre o final da
história. Claude propõe quatro finais para a história, mas o professor o incita com a
última lição. “O leitor precisa pensar: „não esperava por isso e ao mesmo tempo era
o único modo de terminar‟” (DANS LA MAISON, 2012). Após o diálogo, Claude revê
Esther e declara a ela seu amor, porém na conversa entre eles Ozon deixa mais
uma sutil referência. Ele deixa em aberto o conflito do personagem. Há a entrega da
realidade pelas palavras de Esther: “não é a mim que ama. É uma imagem. Uma
imagem que está na sua cabeça” (DANS LA MAISON, 2012).
Dentro da narrativa textual há a construção, simulacro, do final inesperado
anunciado por Germain. A literatura clássica, que ele defende durante todo o longa,
o derruba durante uma briga com Jeanne. Ela o atinge com um volume do clássico
francês – Voyage au bout de la nuit (1932) – além do efeito psicológico que a cena
tem, ela dá ao espectador mais uma referência para a interpretação do texto fílmico,
pois o livro é uma obra autobiográfica de Louis-Ferdinand Céline (1894 – 1932).
REFERÊNCIAS
AUMONT, Jacques. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995 BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d„Água, 1991. COMBESSIE-SAVY, Christine. Voyage au bout de la nuit, céline, analyse. Disponível em: <http://www.alalettre.com/celine-oeuvres-voyage.php>. Acesso em 17 abr. 2013. DANS LA MAISON. Produção: Nicolas Altmeyer; Eric Altmeyer. Direção: François Ozon. 2012. DVD
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FIGHT CLUB, Produção: Arnon Milchan. Direção: David Fincher. 1999. DVD. FREUD, Sigmund. Análise Terminável e Interminável. Rio de Janeiro: Imago, 1996. MOURA, Joviane. Mecanismos de defesa. 2008. Disponível em: <http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/mecanismos-de-defesa>. Acesso em: 08 abr. 2013. THE WALL. Produção: Alan Marshall. Direção: Alan Parker. 1982. DVD.
CINEMATOGRAFIA E FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES:
RELATO DE EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO PIBID-MATEMÁTICA (UFTM)
Fernando Lourenço Pereira Váldina Gonçalves da Costa
Vânia Cristina da Silva Rodrigues Luís Gustavo da Conceição Galego
Introdução
Assim como em outras partes do mundo, o cinema constitui uma das formas
culturais mais significativas da sociedade brasileira do início do século XX (Kormis,
1992). Ele logo se transformou numa instância formativa poderosa, criando novas
práticas e ritos urbanos. O cinema se tornou um amplo empreendimento industrial,
que envolveu revistas, moda, produtos de beleza e discos e infusão de estilos de
vida (Oliveira, 2006). Além disso, o cinema promove a construção das linguagens
audiovisuais, oportunizando o aprofundamento da leitura crítica das obras
audiovisuais e os recursos teóricos e práticos para a melhor compreensão do papel
da educação no mundo contemporâneo (CINEDUC, 2012).
Durante a formação docente de graduandos de cursos de Licenciatura é
importante para os futuros profissionais a oportunidade de entrar em contato com
metodologias e recursos didáticos inovadores que ampliem a visão do fazer e saber
docente. Essa possibilidade inovadora tem sido propiciada pelo Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), que busca a formação de
professores para atuar na educação básica, com real contribuição para a melhoria
da qualidade de ensino na escola pública do Brasil. Dentre as propostas
pedagógicas inovadoras, o conhecimento sobre as técnicas cinematográficas e seu
impacto no fazer e saber docente emerge como uma alternativa interessante, porque
recria, nas telas, situações que provocam emoções e pensamentos que deflagram
numa reflexão sobre questões humanas e educacionais (Oliveira,2006).
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A produção de vídeos pelos próprios graduandos constitui uma metodologia
e recurso educacional inovador, pois desperta a sensibilidade nos graduandos e
propicia o entendimento da organização de filmes, os quais se caracterizam pela
dramaticidade e estética, dependendo da beleza dos planos e nas guinadas da
narrativa e do suspense. Os filmes acabam por refletirem o olhar de uma sociedade
ou um grupo de uma determinada época, como no sentido de serem agentes
históricos, enquanto elemento formador do imaginário social (Oliveira, 2006). Esse
trabalho contribui para uma reflexão e proposta do uso de técnicas cinematográficas
aplicadas à Educação, e desponta como uma iniciativa para consolidação de um
grupo de Estudos em Cinema e Educação na Universidade Federal do Triângulo
Mineiro.
Esse trabalho teve por objetivo investigar como os estudantes do PIBID se
apropriam das técnicas cinematográficas para produção de vídeos e que
aprendizagens poderiam ser suscitadas a partir da experiência vividas.
O percurso metodológico para a produção de vídeos
Nos dias 16, 23 e 30 de agosto 2012 foi realizada uma oficina intitulada
“Cinema e aprendizagens possíveis” para discentes integrantes do Programa de
Iniciação à docência do curso da Matemática (PIBID/ Matemática) da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro. A oficina foi realizada em duas etapas, descritas a
seguir:
a) Fundamentação teórica sobre o uso de técnicas cinematográficas: foi realizado
um breve histórico sobre a origem do cinema e uma discussão sobre o impacto da
indústria cinematográfica no cotidiano. Posteriormente, foi discutido sobre a
importância de um argumento e da cinegrafia para a produção de vídeos. Para a
introdução do conceito de enquadramento de uma imagem foram utilizadas diversas
cenas do filme O Julgamento de Nuremberg, direção de Stanley Kramer em 2000. O
filme mostra um julgamento de líderes nazistas pelos crimes cometidos durante a 2ª
Guerra Mundial. Foram selecionadas cenas que representassem diferentes planos
de filmagem (geral, inteiro, conjunto, detalhe, sequência, americano, italiano, médio
e close), bem como a discussão dos principais movimentos de câmera (horizontal,
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
panorâmico, vertical, detalhe, evangelion) e ângulos de filmagem (baixo, normal,
alto, holandês e olho de pássaro).
b) Elaboração de roteiro, filmagem, edição de vídeos e apresentação dos videos
produzidos: Três grupos de seis alunos foram formados para produção de três
curtas metragens. Inicialmente, foi desenvolvido um argumento, ou seja, a idéia do
curta-metragem. Em seguida, foi elaborado um roteiro, que em termos gerais, pode
ser basicamente dividido em quatro partes: cabeçalho de cena, ação, diálogos e
transições (CINEDUC, 2012), brevemente descritos a seguir.
De acordo com Massarani (2012), o cabeçalho de cena serve para introduzir
uma nova cena. Na grande maioria das vezes houve uma nova cena quando ocorria
uma mudança no espaço e/ou tempo no roteiro. Escrito sempre em maiúsculas, o
cabeçalho foi composto por três elementos: (A) Tipo de Localidade: INT. (Interior) ou
EXT. (Exterior); (B) A localidade: O nome do local. Por exemplo: LABORATÓRIO;
(C) O tempo: na grande maioria dos casos ou DIA ou NOITE, mesmo se o tipo de
localidade for interior.
A ação correspondeu ao que basicamente ocorreu na cena. O autor
introduziu a ação com uma pequena descrição. A escrita da ação foi sutil e sem
exageros nas descrições. Dessa forma, até ângulos de filmagem foram sutilmente
sugeridos ao diretor (MASSARI, 2012).
O bloco de diálogo foi composto de dois componentes obrigatórios:
Personagem e Diálogo, os quais foram descritos durante todo o roteiro. No processo
de filmagem foi definido um enquadramento. O diretor do vídeo decidiu onde e como
posicionar a câmera, pensando qual área apareceu e qual o ponto de vista mais
indicado para cada ocasião. Tratou-se da composição do conteúdo da imagem, isto
é, da maneira como o diretor decupou e eventualmente organizou o fragmento de
realidade apresentado. Houve vários tamanhos de planos para se definir um
enquadramento. O tamanho do plano foi determinado pela distância entre a câmera
e o objeto e também pelo tipo de lente utilizada (Martin, 2003). Para a edição das
imagens filmadas foi utilizado o software Movie Maker. As produções foram exibidas
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
durante a oficina e discutidas para a percepção do impacto dessa atividade como
metodologia e recurso didático aplicado à Educação.
Resultados e discussão
O desenvolvimento de vídeos promove a construção das linguagens
audiovisuais, oportunizando o aprofundamento da leitura crítica das obras
audiovisuais e os recursos teóricos e práticos para a melhor compreensão do papel
da educação no mundo contemporâneo (CINEDUC, 2012). A oficina “Cinema e
aprendizagens possíveis” articulou a relação possível entre o cinema e a educação,
que se dá pela formação para a sensibilidade e pelo desenvolvimento das
capacidades cognitivas de alunos e educadores. A tabela 1 mostra as características
dos vídeos produzidos pelos alunos do PIBID/ Matemática da Universidade Federal
do Triângulo Mineiro.
Tabela 1. Vídeos produzidos durante a oficina “Cinema e aprendizagens possíveis”
Título e duração da produção
Link no You tube Sinopse
A greve (duração: 4min09s)
http://www.youtube.com/watch?v=68E55pehuG8 A realidade de uma greve na universidade pública é o cenário desse interessante curta metragem. Universitários deparam-se com uma possível “férias forçadas”, regadas de diversões e amizades. Cenas oníricas sobre a greve invadem a realidade de um aluno, agora preocupado, com possíveis consequências fatídicas decorrentes da greve.
O sonho pode esperar (duração: 2min32s)
http://www.youtube.com/watch?v=H4NGK2YDDI0 Um vestibulando se prepara para a realização de provas para ingresso no Ensino Superior. É aprovado nos exames e finalmente realiza seu sonho em ingressar numa universidade. Porém, algo não esperado acontece: no primeiro dia de aula se depara com a situação de Greve na Universidade Pública.
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
Esses vídeos tiveram como temática central a greve de docentes de
universidades públicas. Essa escolha reflete os conflitos existenciais vivenciados
pelos alunos em decorrência da greve das universidades públicas ocorrida no
período de agosto a outubro de 2012.
As produções permitiram-nos perceber que a partir das técnicas
cinematográficas utilizadas (planos, movimento de câmera, ângulos de filmagem,
cinematografia) os alunos passam a se posicionar diante de conflitos existenciais,
permitindo-lhes rever conceitos construídos ao longo da sua história individual e
coletiva. Além disso, observamos que os alunos se surpreenderam ao deparar com
a possibilidade e facilidade de utilizar câmeras de máquinas fotográficas digitais para
a produção de vídeos.
Em “A greve” uma das cenas mostra um efeito interessante para relatar um
pesadelo vivenciado por um personagem, que se depara, em seu sonho, com a
turbulência de retorno às aulas depois de uma greve. Nessa cena foi utilizado o
ângulo de filmagem olho de pássaro, sob um plano geral de filmagem denotando
que as discussões teóricas sobre técnicas de cinematografia foram incorporadas e
aprendidas pelos alunos participantes das oficinas.
Dada a facilidade dos alunos na utilização das técnicas cinematográficas
discutidas na oficina, hipotetizamos que tal facilidade deve-se aos alunos dominarem
os conteúdos de geometria, necessários para o processo formativo no curso de
Matemática. Na geometria, a noção espacial e o estudo dos ângulos são aprendidos
essencialmente no curso de Matemática. Nas técnicas cinematográficas esses
conceitos também estão perfeitamente aplicados, o que permitiu a ponte entre o
saber teórico e o saber prático dos alunos durante o processo de produção de
vídeos.
De acordo com Carvalho (2003) o recurso audiovisual é um potencial que
não dever ser menosprezado pelo professor/pesquisador para refletir sobre a
história, sobre a sociedade, sobre os comportamentos humanos e as formas dos
homens educarem-se.
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Considerações Finais
A proposta pedagógica de aplicação de técnicas cinematográficas na
formação de futuros professores trouxe-nos os seguintes aspectos positivos: (a) a
possibilidade de produção de vídeos interessantes a partir de câmeras fotográficas
de uso comum; (b) a capacidade do vídeo produzido em provocar a sensibilização e
reflexão sobre determinado assunto; e (c) o estabelecimento de relação entre
matemática e técnicas cinematográficas para produção de vídeos.
Referências bibliográficas
CINEDUC: Cinema e Educação. (2012) Disponível em: <http// www.cineduc.org.br> acesso em 14 de julho de 2012. Carvalho, E.J.G. (2003). Conhecimento da história e da educação: o cinema como fonte alternativa. Revista Comunicações. Piracicaba, v. 10, n.2 p.183-193.
Kormis, M. (1992) História e cinema: um debate metodológico. Estudos históricos, v. 5, n. 10, p. 237-50. Martin, M. A (2005) Linguagem Cinematográfica. Portugal: Dinalivro, 2005. Massarani,S. (2012) Formatação básica de roteiro de cinema. Disponível em <http://www.massarani.com.br/Rot-Formatacao-Roteiro-Cinema.html> Acesso em 13 de junho de 2012. Oliveira, B. J. (2006) Cinema e imaginário científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 13 (suplemento), p. 133-50.
TÉCNICAS CINEMATOGRÁFICAS E APRENDIZAGENS E O PROGRAMA DE
EDUCAÇÃO TUTORIAL (PET): O PET CIÊNCIAS DA NATUREZA E
MATEMÁTICA (UFTM)
Luís Gustavo da Conceição Galego Váldina Gonçalves da Costa
Vânia Cristina da Silva Rodrigues Fernando Lourenço Pereira
Introdução
O desenvolvimento das mídias de massa (cinema, televisão e vídeo,
sobretudo) criou uma necessidade pela imagem nas populações humanas em suas
diversas manifestações culturais, além de serem importantes veículos para a
disseminação do conhecimento e da informação (Carvalho, 2003) O ambiente
escolar agrega esses dois aspectos das mídias de massa, sendo o cinema um das
mais utilizadas na prática docente em sala de aula.
Alguns fatores são favorecedores da utilização do cinema no contexto
escolar (Abud, 2003). A enorme atração que a produção fílmica exerce, o fácil
acesso a produções cinematográficas e as políticas públicas de investimento em
recursos de natureza audiovisual são alguns dos aspectos que beneficiam a relação
cinema-escola.
O interesse do cinema em sala de aula não é recente. Relatos de
pensadores da educação da década de 20 e 30 (Barros, 1997) já apresentavam o
uso da fotografia em movimento como recurso importante para o enriquecimento do
ensino, principalmente relacionado á instrução e a reprodução da informação
(Barros, 1997). Desse período também emergem os primeiros trabalhos que
relacionam Cinema e Educação (Serrano & Venâncio Filho, 1931; Serrano, 1931)
que apresentavam diversos benefícios em se utilizar filmes como importante
ferramenta no desenvolvimento de estratégias de ensino.
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Carvalho (2003) afirma que a linguagem cinematográfica pode ser utilizada
em processos pedagógicos além da visão tradicional do cinema como simples
material ilustrativo e instrucional. Uma das maneiras de se aproveitar das múltiplas
possibilidades do cinema enquanto recurso didático é lançar mão de técnicas
cinematográficas para o ensino de um ou mais conteúdos.
As técnicas de cinematografia tem sua origem na fotografia, porém,
conforme apontado por Aumont (1995), no cinema existe a impressão de movimento
e esta característica deve ser considerada quando se pretende desenvolver um
trabalho pedagógico no qual a captura de imagens em movimento seja utilizada.
Dentre os conceitos de fotografia aplicados à cinematografia destacam-se os
de enquadramento, planos e ângulos (Cruz, 2007). O enquadramento consiste no
espaço delimitado pelo visor da câmera e onde os planos são produzidos. Os
planos, por sua vez, são caracterizados pelas cenas captadas em cada fotograma.
Eles variam do mais amplo (geral) ao mais específico (detalhe), conforme
apresentado na figura 1 e são utilizados para gerar diferentes sentidos, da mesma
forma que as angulações de câmera (média, alta, baixa).
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Figura 1. Planos fotográfico em um enquadramento. G: Geral; C: Conjunto; A: Americano; I: Italiano; M: Médio; C: Close-up; D: Detalhe. Imagem: Arquivo pessoal de L.G.C.Galego.
Os conceitos específicos da cinematografia são os de sequência e os de
movimento de câmera. A sequência é definida por um conjunto de planos que
constitui uma unidade semântica ou cena (Cruz, 2007), enquanto os movimentos de
câmera são aqueles utilizados pelo cinegrafista durante a captura de um plano e
podem ser panorâmicos, horizontais, verticais ou reproduzir o olhar de um pássaro.
Considerando o acima exposto, o objetivo desse trabalho foi apresentar os
resultados de uma oficina sobre técnicas cinematográficas aplicadas à educação,
realizada em junho de 2012 com 14 alunos do Programa de Educação Tutorial
(PET) Ciências da Natureza e Matemática da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (UFTM) e discutir as aprendizagens possíveis que podem ser desenvolvidas
por meio dessa estratégia pedagógica em sala de aula.
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Metodologia
A primeira etapa da oficina foi apresentar aos alunos do PET os conceitos de
fotografia e cinematografia inerentes à produção de filmes. Em um segundo
momento, os alunos se organizaram em grupos com quatro ou cinco alunos e
escreveram o argumento e o roteiro para a produção de um curta-metragem que
aplicasse os conceitos discutidos na etapa anterior.
A captura das imagens e a edição constituíram as etapas seguintes para a
produção do curta-metragem. Os alunos então apresentaram seus curtas para o
grupo e receberam algumas sugestões técnicas para incrementar suas produções.
A última etapa foi caracterizada pela reapresentação dos curtas para todo o
grupo, agora com as modificações sugeridas. Durante todo o processo, os alunos
tiveram a oportunidade de compartilhar sua experiência e opiniões entre si sobre o
processo de produção cinematográfica e as possibilidades em educação.
Resultados e Discussão
Os curtas produzidos e editados pelos alunos do PET (Figura 2)
apresentaram diferentes enfoques técnicos e conceituais dentro da linguagem
cinematográfica.
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Figura 2. Planos cinematográficos extraídos de cada um dos curtas produzidos pelos alunos do PET Ciências da Natureza e Matemática da UFTM. A: Escolhas; B: Criador X Criatura; C: Tecnologia na Roça.
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Um deles, intitulado Escolhas (Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=UVpFa0RyyS8&feature=plcp>, acesso em
20/10/2012) narra a história de uma pesquisadora que recebe um aceite para
estudar fora do Brasil, mas que tem um namorado que ficaria no país. Nesse curta
os alunos exploraram esteticamente os recursos de planos e sequências, além de
produzirem movimentos de câmera elegantes, como o que aparece entre 0:26m e
0:50m. Nessa sequência, os alunos optaram por começar com um plano detalhe de
uma campainha, seguido de um movimento de afastamento panorâmico, passando
por um plano americano do casal e posteriormente um médio, culminando em um
plano detalhe no documento de aceite.
O curta Criador X Criatura (Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=pxlRkkO9HOQ&feature=plcp, acesso em
20/10/2012) ilustra como uma sabotagem laboratorial pode originar a criação de um
monstro. Os alunos que o produziram, além de aplicarem de forma criativa os
conceitos de ângulos, planos e movimentos, apresentaram soluções interessantes
para a produção de efeitos especiais durante o processo de edição. Por exemplo,
entre 1:34m e 1:57m, todo o processo de criação do monstro é representado
utilizando efeitos de edição e alguns ajustes cinematográficos durante a captura das
imagens.
Tecnologia na Roça (Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=zG-
IiIWwcdY&feature=plcp, acesso em 20/10/2012) apresenta uma séria crítica em
relação ao acesso à tecnologia e utiliza técnicas do cinema mudo de Chaplin, tais
como a filmagem em branco e preto, ausência de diálogos e de movimentos de
câmera e a linguagem picaresca, como pode ser observado entre 1:00m e 1:14m.
Os resultados obtidos nas produções dos alunos do PET Ciências da
Natureza e Matemática da UFTM reforçam a proposta de Abud (2003) sobre a
utilização do cinema em sala de aula. Segundo a autora, o filme deveria ser utilizado
para além de substituto do livro didático e como recurso ilustrativo, mas sim como
um recurso com características próprias e em um trabalho pedagógico no qual o
conteúdo imagético seria explorado de forma crítica e reflexiva.
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O uso de meios de comunicação, dentre eles o cinema, está previsto nos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil, 2000). Nesse
documento, há a proposta de que os alunos devem ser educados para criticar,
analisar e interpretar informações veiculadas por fontes diversas e seus diferentes
contextos de produção.
Ferrés (1996) recomenda que as produções existentes em audiovisual sejam
utilizadas tanto como objeto ou matéria de estudo quanto recurso de ensino, de
forma que os alunos sejam educados a se aproximarem de forma crítica dos
produtos disponíveis oriundos da indústria cultural. Essa recomendação é
compartilhada por Siqueira e Cerigatto (2012) que afirmam, ainda, que diversas
pesquisam “mostram que a apropriação crítica do discurso midiático em atividades
educacionais não é prática que se concretizou”.
Algumas técnicas pedagógicas básicas precisam ser dominadas quando o
foco é o uso das diferentes formas de linguagem, dentre elas a cinematográfica.
Buckinghan (2003) identifica pelo menos seis delas, das quais a simulação-produção
que prioriza a escrita em mídia (Siqueira & Cerigatto, 2012) foi o foco do presente
trabalho.
Siqueira e Cerigatto (2012), em sua pesquisa com alunos do ensino médio
em um trabalho envolvendo trailers de filmes disponíveis no Youtube e um conjunto
de atividades relacionadas ao letramento para as mídias desenvolveram, dentre
outras atividades, técnicas de simulação-produção e concluíram que os alunos
sentem-se motivados ao trabalharem com a produção cinematográfica e apresentam
facilidade com as questões técnicas da produção, mas dificuldade em atividades que
exigem mais criatividades, tais como criar um final inesperado ou um diálogo entre
protagonistas.
Conclusões
A experiência com o grupo PET mostrou que, ao contrário da utilização
tradicional como recurso ilustrativo, o cinema em sala-de-aula pode ser utilizado
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para desenvolver a criatividade, gerar aprendizagens e estimular o protaganismo
juvenil.
Fechamos este trabalho, mas não a discussão sobre o uso de técnicas de cinematografia na educação com as palavras de Carvalho (2003, p. 12):
o recurso audiovisual é um potencial que não dever ser menosprezado pelo professor/pesquisador para refletir sobre a história, sobre a sociedade, sobre os comportamentos humanos e as formas dos homens educarem-se”.
Referências
Abud, K. M. (2003) A construção de uma didática da história: algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História. São Paulo, v. 22, n.1, p. 183-193. Aumont, J. et al. (1995) A estética do filme. São Paulo: Papirus. Barros, A. X. M. (1997) O Cinematográfo Escolar. I Conferência Nacional de Educação (1927: Curitiba), Brasília: INEP. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental (2000). Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio): Parte IV – Ciências Humanas e suas Tecnologias. Buckinghan, D. (2003) Media education-literacy, learning and contemporany culture. Cambridge: Polity Press. Carvalho, E.J.G. (2003). Conhecimento da história e da educação: o cinema como fonte alternativa. Revista Comunicações. Piracicaba, v. 10, n.2 p.183-193. Cruz, D.M. (2007) Linguagem audiovisual: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2007. Ferrés, J. (1996) Vídeo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas. Serrano, J. (1931) O Cinema Educativo. São Paulo: Escola Nova. São Paulo, v. 3, n.3. Serrano, J. & Venâncio Filho. Cinema e Educação. São Paulo: Melhoramentos. Siqueira, A.B. & Cerigatto, M. P. (2012) Mídia-educação no ensino médio: por que e como fazer. Educar em Revista. Curitiba, v. 44, p. 235-254.
DA REALIDADE À FICÇÃO: ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO DA DITADURA NOS
FILMES “HÉRCULES 56” E “O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?”
Juliana Benetti
Introdução
A interação do homem em seu meio social permite inúmeras transformações
socioculturais ao passar do tempo, seja no contexto artístico ou político, que leva a uma
pluralidade de vozes, visões e versões. Entretanto, a cultura e o próprio conhecimento
podem ser ferramentas detentoras de um poder vigente. No Brasil, o período ditatorial
iniciado após o golpe civil militar em 1964 é o principal momento de intervenção política na
cultura. Principalmente após o Ato Institucional Nº5, em 13 de dezembro de 1968, decreto
que se sobrepôs à Constituição de 1967 e deu poderes absolutos ao regime. Com o AI-5,
todos os veículos de informação e as produções artísticas deveriam passar por censura
prévia. Isso intensificou a relação entre arte e política e muitos artistas e intelectuais
passaram a participar da luta pela liberdade de expressão, chegando até a integrar
organizações guerrilheiras contra o regime.
Este artigo busca estudar a maneira como a ditadura é retratada na produção
cinematográfica pós-redemocratização. Para abordar a temática, será feita uma análise da
relação entre a História e o Cinema com o objetivo de descobrir se os filmes podem servir
como documento histórico. A História e o Cinema são duas formas distintas de narrativa.
Devido ao fato do cinema ser uma forma de representação artística, de interpretação incerta
e, no caso dos filmes de adaptação da História, ser uma representação de um determinado
fato histórico, um recorte contado por um ponto de vista em particular, o cinema é muitas
vezes excluído como fonte de documentação histórica. Marc Ferro, historiador francês
pioneiro no estudo da relação entre o Cinema e a História e nas possibilidades do uso de
filmes para o ensino da História, afirma que a historiografia é construída com base em uma
visão hierarquizada da sociedade. O Cinema, nesse sentido, pode funcionar como uma
“contra-análise” da sociedade e da História, pois ele pode não servir como confirmação ou
contestação de um fato, mas como registro e oferece alternativas de interpretação de um
determinado período histórico.
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Para o estudo, duas obras cinematográficas de diferentes gêneros serão
analisadas. Os filmes têm como tema principal o sequestro do embaixador americano
Charles Burke Elbrick pelo grupo de guerrilha urbana Dissidência Comunista Guanabara
(DI-GB), ou Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), em conjunto com a Aliança
Libertadora Nacional (ALN), em 1969, durante o período conhecido como “anos de chumbo”
do Regime militar brasileiro. O sequestro foi uma ação armada que visava à libertação de 15
guerrilheiros de esquerda que estavam presos. Os filmes analisados são o documentário
Hércules 56 e o filme de ficção O que é isso, companheiro?, livre adaptação do livro
homônimo de Fernando Gabeira.
A questão é descobrir se os filmes sobre história no Brasil reproduzem uma filosofia
da história e uma estética conservadora dominantes, como afirma Jean Claude Bernadet, ou
se rompem com o estilo heroico e conseguem apresentar outras formas de interpretação
sobre um mesmo fato, construindo assim uma contra-análise da História, proposta por Marc
Ferro.
Cinema e a representação da história
As interferências entre o Cinema e a História são múltiplas. Segundo o historiador
Marc Ferro, o cinema tem a função de agente da História, “na confluência entre a História
que se faz e a História compreendida como relação de nosso tempo, como explicação do
devir das sociedades” (FERRO, 1992, p.13). Isso significa que, seja o filme uma
representação de um dado fato histórico ou não, documentário ou ficção, ele pode ser
considerado como um retrato da sociedade que o produz. Entretanto, é preciso identificar
qual é a maneira que determinado filme pode representar a realidade, visto que o cinema é,
em primeiro lugar, uma forma de expressão artística, sem ter necessariamente compromisso
com a realidade.
O Cinema é uma forma de manifestação artística, produto do imaginário do homem.
William Reis Meirelles explica que cada obra cinematográfica tem o objetivo de satisfazer os
anseios do espírito e do desejo. Meirelles ainda cita Karl Marx para explicar que esse anseio
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é fundamental para o homem, que necessita satisfazer as vontades das fantasias e da
imaginação. O pensamento e o imaginário são fruto “das relações no interior de uma
formação social” (MEIRELLES, 1997, p.115). Portanto, o filme é uma forma de expressão da
sociedade, fazendo parte de suas manifestações culturais. Edgar Morin explica o processo
de criação e recepção cinematográficas como formas de satisfazer as necessidades
humanas de projeção e identificação:
A projecção é um processo universal e multiforme. As nossas necessidades, aspirações, desejos, receios, projectam-se, não só no vácuo em sonhos e imaginação, mas também sobre todas as coisas e todos os seres. (MORIN, 1980, p.106)
Sendo a projeção o processo em que o homem percebe o mundo a partir de suas
próprias percepções, a identificação é o processo de absorção e incorporação dessas
percepções de mundo pelo homem. Morin explica que a mais simples projeção resulta na
identificação, e é a partir desse processo que o homem consegue assimilar o mundo. A obra
cinematográfica é uma série de projeções-identificações, “é o produto objectivado (em
situações, acontecimentos, personagens, actores), reificado (numa obra de arte) dos
devaneios e da subjectividade dos seus autores” (MORIN, 1980, p.120). É a partir desse tipo
de aproximação que o filme representa a sociedade; e a mensagem de cada filme varia
diante de fatores distintos.
Segundo Ferro, desde que os dirigentes das sociedades compreenderam a função
que o cinema poderia desempenhar no imaginário coletivo, tentaram usá-lo a seu serviço,
como ferramenta de doutrinação. Ferro ainda afirma que “sem dúvida, esses cineastas,
conscientemente ou não, estão cada um a serviço de uma causa, de uma ideologia
explicitamente ou sem colocar abertamente as questões” (FERRO, 1992, p.14). A
capacidade de intervenção de um filme em uma determinada sociedade está ligada à
sociedade que o produz e à sociedade que o recebe, além da época em que o filme é
exibido, pois uma mesma obra pode ser lida de formas distintas por uma mesma sociedade
em dois momentos de sua história. A mensagem do filme também pode variar dependendo
da produção: do objetivo do autor, da mensagem que ele quer transmitir, da linguagem que
irá usar e de qual sociedade ele quer atingir; e da recepção: da noção de projeção-
identificação de cada sociedade e indivíduo e do momento histórico em que o filme é visto.
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A historiografia e o roteiro cinematográfico
A historiografia é a ciência da História, o processo científico da produção da
narrativa histórica. O historiador Michel de Certeau diz que historiografia quer dizer história e
escrita, trazendo assim no próprio nome o paradoxo do real e do discurso, respectivamente,
tendo como objetivo a articulação da História pela escrita. Para ele, a historiografia divide o
presente do passado em períodos, fazendo uma triagem do que deve ser lembrado e
esquecido. Esse trabalho consiste na dicotomia do real, que Certeau classifica como real
enquanto conhecido, que é o objeto de estudo do historiador, e enquanto implicado, que é a
sociedade em que o historiador ou a problemática estudada se insere e a prática de sentido
ao discurso.
Certeau também diz que existem dois tipos de história: a pensável e a vivida, que
servem como documentos para a produção do discurso historiográfico. A pensável “examina
sua capacidade de tornar pensáveis os documentos de que o historiador faz um inventário”
(CERTEAU, 1982, p.41), sejam esses documentos de ordem econômica, cultural, política,
etc. Já a vivida consiste na possibilidade de reviver o passado a partir de relatos, para
ressuscitar um passado esquecido através de traços remanescentes.
Mesmo com o rigor cientifico da historiografia, não há como escapar da
subjetividade. Certeau diz que a História era tida como uma reconstituição fiel da realidade,
mas que, após o início da crítica ao cientificismo historiográfico, essa certeza deu lugar à
desconfiança.
Marc Ferro explica que para analisar a História escrita é necessário analisar quais
monumentos do passado o historiador transforma em documento; e quais documentos essa
História transforma em monumentos. O historiador usa ou deixa de usar fontes e métodos
de pesquisa em razão de um objetivo. Durante muito tempo os historiadores estiveram
quase exclusivamente a favor de uma História hierarquizada, que reflete as relações de
poder da sociedade em questão e acaba por construir uma narrativa a serviço do Estado.
Essa noção do fazer histórico começou a mudar após o marxismo, e, já no final do século
XX, Ferro diz que o historiador passa a desenvolver a narrativa histórica sem o objetivo final
de reproduzir uma História fiel a realidade, mas sim mostrando que seu trabalho procura
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comprovar um fato específico, e isso é feito pela apresentação de hipóteses, análises,
resultados e incertezas fundamentados em documentos históricos distintos.
Meirelles afirma que o trabalho do cineasta se aproxima ao trabalho do historiador,
pois a montagem do filme é feita a partir de uma seleção de representações de uma
realidade, escolhidas a critério do autor. Segundo Meirelles, “ao historiador o Cinema,
enquanto documento, oferece inúmeras oportunidades de análise” (MEIRELLES, 1997,
p.116). A mensagem cinematográfica depende da produção do filme, pois também é
possível mostrar interpretações históricas diversas. O filme, por ser um registro de uma
linguagem de uma época, serve como testemunha. Seja o filme uma reconstituição de um
fato histórico do passado ou uma ficção sobre o futuro, ele mostra a visão de uma sociedade
sobre o passado e/ou o futuro. Ferro diz que o Cinema tem um grande potencial de ruptura
dos valores vigentes em determinadas sociedades, pois ele consegue mostrar além do que
se deseja evidenciar, desvendado segredos e lapsos, agregando então a função de contra
análise da sociedade.
Resta agora estudar o filme, associá-lo com o mundo que o produz. Qual é
a hipótese? Que o filme, imagem ou não da realidade, documento ou ficção,
intriga autêntica ou pura invenção, é História. E qual o postulado? Que
aquilo que não aconteceu (e por que não aquilo que aconteceu?), as
crenças, as intenções, o imaginário do homem, são tão História quanto a
História. (FERRO,1992, p.86)
Já a equivalência do Cinema enquanto documento histórico pode ser comprovada
pela capacidade de registrar além do que é pretendido mostrar. Meirelles define como
documento histórico aquilo que testemunha os acontecimentos da História e que sobrevive
ao passar dos anos, não pela intenção de seu autor, mas sim pelos registros que oferece,
que “ultrapassam as intenções de seus produtores e contêm um número de informações
muito maior do que aparentemente deveriam conter” (MEIRELLES, 1997, p.116).
No Cinema, a própria câmera cinematográfica registra tudo que estiver ao alcance
da lente, o que geralmente é muito mais do que o autor pretende mostrar. A produção
cinematográfica, por ser resultado de um trabalho coletivo com interferências econômicas e
sociais, sofre muitas intervenções em seu conteúdo. Isso faz com que a mensagem do filme
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exceda o conteúdo incialmente pretendido, o que o classifica como fonte de pesquisa
histórica. Meirelles ainda ressalta que o Cinema, enquanto cultura de massa, alcança
qualquer parte do mundo, levando à democratização do conhecimento. Esses conceitos
justificam a importância de estudar tanto as representações da História no Cinema como os
filmes produzidos em períodos históricos passados.
Os gêneros documentário e ficção
A sociedade no Cinema pode ser representada tanto no gênero documentário
quanto na ficção. Alcides Freire Ramos afirma que é comum acreditar que o documentário
se aproxima mais da realidade do que os filmes de ficção, mas é preciso abandonar essa
ideia, encarando o documentário não como uma reprodução fiel do real, mas sim como um
discurso de um autor, para que assim ele possa ser considerado uma fonte de pesquisa e
ensino da História. Jean-Claude Bernadet diz que ambos os gêneros representam a
realidade a sua maneira, desde que se façam questionamentos certos para cada tipo de
filme.
Segundo Bernadet e Ramos, o filme documentário é muitas vezes definido como
uma reunião de filmagens de fatos que ocorreriam independentemente da realização de um
filme, em contraposição do filme de ficção, que é a filmagem de uma situação pensada,
preparada e representada justamente para este fim. “Essa definição é clara e precisa e, se
fosse totalmente verdadeira, seria um ideal” (BERNADET; RAMOS, 1998, p.36).
A própria filmagem, mesmo com o objetivo de captar acontecimentos da realidade,
acaba sofrendo algum tipo de interferência. A entrevista, por exemplo, Bernadet e Ramos
dizem que o entrevistado está sempre interpretando um personagem na tentativa de mostrar
uma imagem de si que julga mais interessante, ele “interpreta a si mesmo, numa situação
que, talvez, fuja de seu cotidiano” (BERNADET; RAMOS, 1998, p.36).
A seleção das cenas e a ordem em que serão exibidas, a construção do roteiro, a
fotografia, a edição, os efeitos sonoros, a trilha sonora ou a ausência de sons também
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ajudam a transmitir uma mensagem direcionada. Devido à aparente objetividade do
processo técnico de produção, acredita-se que o filme documentário mostra a realidade, o
que associa o gênero à atividade historiográfica. Mas o documentário, enquanto documento
histórico, deve ser entendido como uma interpretação de um acontecimento, como uma
construção narrativa produzida a partir de determinada realidade.
A ficção é produto do imaginário do homem, e, como já foi dito, desde a criação até
sua recepção, é um processo de projeção-identificação, no qual a mensagem depende do
consenso ideológico e cultural do autor e do espectador. Segundo o crítico Adonias Filho, o
Cinema é dependente da ficção. A linguagem cinematográfica tem o potencial de sustentar
o ambiente e a narrativa do romance ou do drama, pois “os elementos fundamentais da
ficção, como se verifica, subsistem no filme” (ADONIAS FILHO, 2010, p.118), é justamente
por esses elementos funcionarem no Cinema que esta dependência existe. Também por
esse motivo é possível relacionar o Cinema com a literatura. Morin diz que
A imagem cinematográfica, a que falta a força probatória da realidade
prática, detém um tal poder afectivo que justifica um espetáculo. À sua
realidade prática desvalorizada corresponde uma realidade afectiva
eventualmente acrescida, realidade essa a que chamamos o encanto da
imagem. (MORIN, 1980, p.115)
Essa afetividade é despertada pela projeção-identificação. O objetivo da ficção é de
provocar esse potencial de identificação e afetividade. Morin explica que isso pode ser feito
pela identificação do espectador com determinado personagem, pela transformação de
tempo e espaço, pelos movimentos da câmera com mudanças de ângulos que tentam levar
as cenas para o “circuito afetivo”. Morin conclui ainda que todos esses fatores levam o
Cinema e a ficção a suprirem a necessidade subjetiva da alma e do imaginário, “aquelas
que a vida prática não pode satisfazer” (MORIN, 1980, p.136)
O filme “O que é isso, companheiro?”
Os filmes de ficção são compostos por vários elementos de análise, como o
cenário, fotografia, elenco, trilha sonora. Para a análise do filme O que é isso, companheiro?
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vamos identificar alguns dos personagens e conflitos retratados, inventados ou baseados
em fatos reais. Primeiro, é importante dizer que a construção dos personagens gira em torno
da ação principal do filme, que é o sequestro do embaixador americano Charles Burke
Elbrick, realizado pela DI-GB/MR-8 com apoio da ALN. A narrativa traça a trajetória dos
militantes que participaram da ação, mostrando a entrada de alguns deles no MR-8, o
treinamento que receberam para participar da luta armada, o assalto a um banco feito pelos
militantes, e, finalmente, o sequestro do embaixador, a prisão de dois personagens e a
deportação dos militantes.
Em 1969, doze pessoas participaram do sequestro do embaixador americano: oito
militantes da DI-GB/MR-8 (Franklin Martins, Vera Magalhães, José Sebastião Moura, João
Lopes Salgado, Claúdio Torres, Fernando Gabeira, Cid Benjamin e Sérgio Torres) e quatro
militantes da ALN (Joaquim Câmara Ferreira, Vírgilio Gomes, Manoel Cyrillo e Paulo
Venceslau). No filme, são oito participantes no total, seis da DI-GB/MR-8 (Paulo ou
Fernando, Maria ou Andreia, Marcão, Reneé, Julio) e dois da ALN (Toledo e Jonas).
Dos personagens que aparecem no filme, apenas três representam militantes que
existiram de fato: Paulo, codinome de Fernando Gabeira; Toledo, codinome que pertenceu a
Joaquim Câmara Ferreira e Jonas, codinome que pertenceu a Vírgilio Gomes durante o
sequestro real. Já as duas personagens femininas, Maria e Reneé, foram inspiradas em
Vera Magalhães, a única mulher participante da ação. Ademais, Charles Burke Elbrick é a
única pessoa que o filme tenta representar de forma fiel, tendo em vista também que
Barreto, para compor o personagem, fez entrevistas com a filha de Elbrick e com ex-
funcionários da Embaixada dos Estados Unidos. O restante dos personagens é fictício.
No início do filme, mais um personagem figura como militante da DI-GB/MR-8.
César, codinome Oswaldo, interpretado por Selton Mello, é preso após ser baleado no
assalto ao banco logo no começo do filme. César é torturado e entrega informações sobre o
movimento do qual fazia parte. No filme, ele foi um dos quinze presos soltos em troca da
liberdade de Elbrick. César é um personagem fictício que no filme tem a função de mostrar o
que acontecia com os militantes capturados durante a ditadura.
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
Algumas ocorrências também são inventadas para compor a estrutura dramática do
enredo. A cena inicial foi escrita especialmente para o cinema, mostrando os personagens
Fernando, César e Artur, reunidos e conversando, e Charles Elbrick em uma comemoração.
Em ambas as situações, eles assistem a chegada do homem a lua, em 20 de julho de 1969.
Enquanto Fernando, César e Artur conversam descontraidamente – conversa que logo dá
lugar a uma discussão sobre a participação ou não na luta armada, Elbrick ressalta a
importância da chegada do homem a lua. A festa em que o embaixador está, realizada no
Brasil, é justamente uma comemoração do evento. Essas cenas, apesar de não terem sido
baseadas em fatos reais, começam a apresentar e a moldar as personalidades dos
personagens no imaginário do espectador.
É possível destacar que certos fatos históricos, quando retratados, sofreram
adaptações maiores, como no começo do filme, na cena em que os novos militantes treinam
o tiro ao alvo. Barreto diz que tomou
...liberdades, por exemplo, como a sequência do tiro ao alvo na praia. A
maior parte desses treinamentos era realizada em sítios fechados, mas eu
queria colocar no filme um lugar bonito, paradisíaco. Foi uma licença
poética para quebrar a claustrofobia e não acho que seja tão grave. (Trecho
de Bruno Barreto em entrevista ao Jornal Extra Classe)
Outra cena que representa uma ação que realmente ocorreu, mas que dessa vez
tenta ser fiel ao fato em questão, é a do sequestro do embaixador. No plano executado, uma
pessoa ficaria vigiando a aproximação da limusine de Elbrick, avisando o restante dos
militantes da presença do embaixador, levantando o jornal como sinal. Duas pessoas
estariam por perto, em um fusca azul, esperando o sinal para impedir a passagem do carro
do embaixador. Outras duas pessoas esperariam na esquina perto de um fusca vermelho,
fazendo a cobertura e esperando para bloquear por trás o carro de Elbrick com o fusca,
impedindo-o de fugir em marcha ré. Quatro pessoas ficariam a pé na calçada para abordar o
veículo e executar o sequestro, assumindo a direção do carro. Outra pessoa estaria em uma
Kombi em outra parte da cidade, para que os militantes e embaixador abandonassem os
veículos usados no bloqueio e a limusine de Elbrick para então seguir até o cativeiro, onde
outros dois militantes permaneceriam esperando.
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O plano demorou a ser executado, visto que o embaixador só apareceu por volta
das 14h20 da tarde e os militantes o esperavam desde manhã. Além disso, houve alguns
contratempos, como o carro do embaixador de Portugal que passou por ali e quase foi
confundido pelo carro de Elbrick pelos militantes, e a esposa do comandante Souto Maior,
que morava na rua e viu uma movimentação atípica na rua pela janela. Ela chegou a ligar
para a polícia, mas como as placas dos carros (que eram roubados) foram trocadas para
não levantar suspeita, a polícia não deu importância. O sequestro do embaixador saiu como
planejado – fora pela forte coronhada que Elbrick levou na cabeça por um dos militantes.
No filme, a cena apresenta poucas alterações. Como o grupo de militantes é menor,
quem dá o sinal que indica a aproximação do embaixador é Reneé, e também é ela quem
dirige sozinha o fusca que bloqueia a traseira do carro de Elbrick. Duas pessoas estão na
rua e outras duas dentro do outro carro que bloqueia a passagem de Elbrick. Após o
bloqueio, três abordam o carro do embaixador, assumindo a direção. A personagem que
interpreta a esposa do comandante Souto Maior no filme chama-se Dona Margarida,
interpretada por Fernanda Montenegro, e assiste ao sequestro e avisa a polícia. Fernando
Gabeira relata no livro que, no sequestro real, a esposa do comandante não presenciou a
ação.
Pode-se aferir que o filme apresenta os principais fatos daquele episódio histórico,
mas não respeita a memória dos que participaram da ação, misturando e reduzindo
personagens, criando outros novos integrantes, acontecimentos e romance. Isso é
justificável na ficção, justamente pelo conceito de projeção-identificação de Edgar Morin.
Barreto, como o próprio diretor afirma, se deu licença poética e histórica para fazer uma
visão dramática da ação. Para adaptar a história, o diretor sentiu a necessidade de criar
conflitos e personagens que configurassem uma estrutura dramática que se tornasse
atraente para o Cinema.
O problema é que essa estrutura dramática estabelece uma linha tênue entre a
ficção e a realidade, principalmente entre o que é entendido pelo espectador como ficção ou
como realidade. O filme de Barreto, portanto, mostra um ponto de vista romanceado da
realidade da luta armada durante a ditadura, montando uma narrativa que não é
completamente fiel aos fatos. A confusão está no discernimento do que é adaptação
histórica e o que é liberdade ficcional dentro da obra.
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
“Hércules 56” e o gênero documentário
No documentário Hércules 56, lançado em 2006, o diretor Silvio Da-Rin reconstrói a
história da libertação e deportação de 15 presos políticos após o sequestro do embaixador
americano Charles Elbrick, realizado pelos grupos de resistência MR-8 e ALN. Essa
reconstrução é feita a partir de entrevistas com alguns dos envolvidos, além de imagens e
depoimentos da época. O documentário, em sua totalidade, não segue uma linha
cronológica. O filme combina e mistura cenas de três narrativas distintas: a leitura do
manifesto escrito pelo MR-8 e ALN para o sequestro do embaixador; uma entrevista feita em
conjunto com alguns dos participantes desses grupos de esquerda debatendo sobre a ação;
e entrevistas e depoimentos antigos e atuais dos presos políticos libertados em troca da
liberdade do embaixador americano com o objetivo de reconstruir a narrativa política de
cada um, além de reconstruir a história da libertação à deportação. Cada narrativa segue
uma linha cronológica própria, são dividas em cenas curtas que se misturam com as outras
narrativas.
O foco do documentário Hércules 56 é montar uma narrativa sobre a esquerda
brasileira retratando a história dos 15 presos políticos libertados em troca da liberdade do
embaixador Charles Elbrick, raptado pelo MR-8 e ALN. Todos os nove sobreviventes foram
entrevistados individualmente para o documentário, que se utiliza também de imagens e
depoimentos dos presos políticos na época da ditadura. As imagens e depoimentos
registrados no período tornaram possível a apresentação de todos os 15 personagens,
inclusive os que já faleceram.
Essas entrevistas seguem uma ordem cronológica. Começa com cada um dos
personagens se apresentando, falando sobre sua participação no movimento político e
sobre como foram presos. Eles narram alguns acontecimentos marcantes da ditadura, que
são ilustradas no vídeo com imagens de arquivo. Depois da apresentação, eles falam sobre
como ocorreu a libertação – a forma como souberam, como saíram na prisão e como foi o
embarque (com imagens da base aérea do Galeão, no Rio de Janeiro em 6 de setembro de
1969), contam sobre o voo e a chegada na Cidade do México e sobre a ida a Cuba (com
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
imagens), o asilo político em Cuba e a recepção dos cubanos e de Fidel Castro, e
finalmente, o retorno ao Brasil.
Durante os primeiros 30 minutos do filme é feita uma apresentação dos 15 presos
libertados, realizada por depoimentos dos próprios militantes, que aparecem primeiro em
fotografia da época, com legendas que explicam quem é cada um, quando e com qual idade
foram presos e a qual grupo de resistência política pertenceram. Alguns acontecimentos
políticos, de conflitos entre o Estado e a resistência, são mostrados entre algumas das
apresentações, narrados pelos próprios personagens.
Os entrevistados e os eventos aparecem na seguinte ordem: Gregório Bezerra,
Mario Zanconato, José Ibrahin, José Dirceu, Luis Travassos, Ricardo Vilas, Vladimir
Palmeira, enterro de Edson Luiz, Passeata dos Cem Mil, Rolando Frati, invasão da
Cobrasma, rua Maria Antonina, Maria Augusta, XXX Congresso da UNE, Ivens Marchetti,
Flávio Tavares, Ricardo Zaratti, Agonalto Pacheco, João Leonardo e Onofre Pinto. Ao longo
do documentário, alguns entrevistados aparecem mais que outros.
No final do filme, é feito um contraponto de opiniões sobre a luta armada. Agonaldo
Pacheco aparece dizendo que a luta armada foi a opção certa contra a ditadura, mas o
problema esteve na forma como foi conduzida. Em seguida, Dirceu aparece afirmando que a
luta armada foi um desastre, e depois imagens são mostradas junto com um depoimento de
Ricardo Frati dizendo que foi a partir da luta armada que a esquerda foi completamente
derrotada. Depois vem uma sequencia de imagens dos entrevistados revendo as imagens
da época, emocionados, além de gravações da época.
Outra narrativa do filme é a entrevista coletiva com mentores do sequestro do
embaixador americano e participantes do DI-GB/MR-8 e ALN. A entrevista foi realizada em
um cenário que reconstruía uma mesa de bar, e estavam na mesa Cláudio Torres, Franklin
Martins e Daniel Aarão Reis Filho, representando a MR-8/DI-GB, e Paulo de Tarso
Venceslau e Manoel Cyrillo, representado a ALN. Somente Daniel Aarão Reis não participou
do sequestro, mas foi convidado a compor a mesa por integrar o comando da DI-GB. A
entrevista foi editada e dividida em 14 partes ao longo do filme.
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
Apesar de somente três dos doze mentores da ação terem falecido, a mesa foi
composta por apenas quatro dos nove integrantes sobreviventes. O diretor Silvio Da-Rin, em
entrevista ao Brasil de Fato, justifica essa seleção dizendo que, se a mesa fosse composta
por mais pessoas, a discussão não fluiria com tanta naturalidade. Essa construção dá o tom
da narrativa do sequestro: Da-Rin diz que seu interesse era político, portanto, construiu a
narrativa da ação com base no comando da operação, não na execução de fato. Por isso,
decidiu convidar representantes das duas organizações políticas de oposição ao regime que
tiveram participação ativa nas decisões da ação, e por isso também a escolha de Araão
Reis, que não participou efetivamente, mas executava um papel de importância na DI-
GB/MR-8. Da-Rin ainda diz que a entrevista durou quatro horas e foi gravada em um só dia,
algo que já havia sido pré-estabelecido pelo diretor na produção. Essa série de escolhas
definiu a construção do discurso da ação do sequestro no documentário.
Da-Rin diz que a ideia de representar a ação de maior repercussão da esquerda
armada nacional lhe deu a oportunidade de explorar a história de um conjunto plural de
guerrilheiros, uma lista de 15 militantes que representavam as lideranças dos movimentos
mais expressivos da esquerda naquele período. Além disso, ele também teria a
oportunidade de procurar os militantes que idealizaram a ação. Como o objetivo dessa
narrativa era a ação em si, e não retratar a trajetória militante de cada um dos participantes
do sequestro, a entrevista foi realizada em grupo. Durante a entrevista, foram discutidos
assuntos como, por exemplo, sobre como surgiu a ideia do sequestro, a falta de reação da
esquerda no momento do golpe militar, o AI-5 e as implicações que resultaram na luta
armada.
Apesar das narrativas se passarem em tempos distintos, o filme tenta traçar um
paralelo entre os dois discursos. Por exemplo, após a leitura do final do manifesto, são
mostradas imagens e entrevistas feitas com os presos libertados no momento em que
desembarcaram do avião, na Cidade do México no dia 7 de setembro de 1969. Logo após,
Maria Augusta e José Ibrahin falam em entrevista atual sobre a chegada ao México, depois
segue uma parte da entrevista coletiva em que os integrantes da mesa contam como foi a
libertação do embaixador americano, que também ocorreu no dia 7 de setembro de 1969,
ilustrada por imagens que mostram Charles Elbrick chegando de táxi em sua residência.
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
A leitura do manifesto é dividida em sete partes durante a primeira hora do
documentário. Ela tem a função de introduzir, complementar e amarrar assuntos das outras
narrativas. A leitura também é aliada com imagens que complementam seu sentido. Por
exemplo, temos o começo do filme com a leitura do começo do manifesto, que explica o
sequestro do embaixador americano como parte das ações revolucionárias que vinham
sendo feitas pelos grupos de esquerda. Durante a leitura do trecho, aparecem imagens do
avião Hércules 56 partindo, do próprio manifesto impresso em jornais, além de outras
notícias e manchetes sobre o sequestro, entre outras imagens de pessoas circulando em
centros urbanos.
No documentário, não há nenhum depoimento que mostre o lado dos militares e do
Estado. Silvio Da-Rin acredita que a produção de documentários sempre é parcial, mesmo
que se tente mostrar dois pontos de vista sobre um mesmo assunto. Logo, para ele, é
melhor assumir um só ponto de vista. No caso, foi o ponto de vista dos militantes de
esquerda. O documentário constrói seu discurso a partir de relatos e entrevistas, o que
Michel de Certeau define como história vivida, ou seja, reviver a História através de relatos.
Duas narrativas dentro do filme foram tratadas de formas distintas nesse sentido: a
mesa de discussão reuniu um grupo de pessoas que participaram – ativamente ou não – do
sequestro do embaixador. A decisão de fazer a entrevista em grupo já denota parcialidade
por parte de Da-Rin, de colocar essa narrativa como secundária no discurso, além da
própria escolha de quem iria compor a mesa. A entrevista em grupo, porém, conferiu uma
pluralidade e contradição de lembranças ao discurso que talvez não fosse alcançada se as
entrevistas fossem apenas individuais.
As entrevistas individuais feitas para construir a narrativa da trajetória dos 15
presos políticos definiram o foco principal do filme. A personalidade de cada personagem é
construída a partir da entrevista, que por ser individual é mais intimista e acaba explorando
mais a visão particular de cada um, e da montagem.
O contraponto feito com as entrevistas antigas e atuais também é essencial ao
discurso. Nos depoimentos antigos, a maioria dos presos aparece abatida, com outros
ideais por conta da realidade da época. Nas entrevistas atuais, a realidade é outra e já
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houve tempo para cada um dos envolvidos construírem uma opinião a partir da reflexão
sobre o período. Esse contraponto traz uma diversidade de opiniões e visões, que faz o
espectador refletir sobre o fato histórico representado.
Considerações finais
Enquanto adaptação histórica, O que é isso, companheiro? pode se enquadrar
enquanto uma contra análise da sociedade, conceito descrito por Ferro, pois a obra
representa uma visão particular sobre um determinado fato histórico, fazendo uma análise
particular a partir dessa visão, buscando elementos que provoquem o potencial de
identificação e afetividade descritos por Morin. O filme é, portanto, válido enquanto
documento histórico se o espectador tiver conhecimento de que a obra em questão se trata
de uma adaptação fundamentada na visão de Barreto.
Bernadet e Ramos dizem que o documentário é uma interpretação do real, não uma
simples reprodução. Em Hércules 56, ao assumir que o objetivo é retratar a visão dos
militantes de esquerda durante a ditadura, Da-Rin constrói a narrativa fundamentada em
depoimentos e entrevistas, formando um discurso plural composto pelo debate de
memórias. O documentário é válido enquanto documento histórico por retratar um dos lados
da luta armada e por recuperar imagens e depoimentos fundamentais da época.
As adaptações históricas podem reconstituir fatos e memórias, além de incentivar a
discussão de questões que já foram esquecidas. Entretanto, as representações
cinematográficas, seja no gênero documentário ou ficção, não são reproduções
completamente fieis aos fatos. A própria construção historiográfica significa uma construção
de discurso da História pelo historiador, isso não seria diferente na produção
cinematográfica. É necessário compreender que a construção de cada discurso é realizada
a partir de escolhas feitas por indivíduos, escolhas baseadas em valores e ideias
particulares. Ou seja, filmes que retratam acontecimentos históricos são na realidade
interpretações dos fatos, e não uma reprodução exata. Tendo isso em vista, podemos
encarar obras cinematográficas em questão como documentos históricos.
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Referências
ADONIAS FILHO. A ficção e o cinema. Edição fac-similar 13-23. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, CTAv, 2010. 793 p.
BERNADET, J. C. ; RAMOS, A. F. Cinema e História do Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 1988. 93 p.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1982. 414 p.
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1992. 143 p.
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 424 p.
MEIRELLES, William Reis. O cinema como fonte de estudo para a História. V.3. Londrina, 1997. p.113-122.
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário: ensaio de antropologia. 2º ed. Lisboa: Ed. Moraes, 1980. 261 p.
HÉRCULES 56. Direção: Silvio Da-Rin. Produção: Suzana Amado. Roteiro: Silvio Da-Rin. Música: Berna Ceppas. Brasil: Projeto Cinema, 2007. 94 min, sonoro. Color.
O QUE É ISSO COMPANHEIRO? Direção: Bruno Barreto. Roteiro: Leopoldo Serran. Brasil: Luiz Carlos Barreto Produções Cinematográficas, RioFilme. 1997, 110 min, sonoro, colorido.
Documentário Hércules 56. Entrevista com o diretor Silvio Da-Rin. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-anteriores/8497-documentario-hercules-56-entrevista-com-o-diretor-silvio-da-rin. Acesso em 20 de outubro de 2012.
O Oscar perto de nós. Disponível em http://www.sinpro-rs.org.br/extra/mar98/entrevis.htm.. Acesso em 20 de outubro de 2012.
Personagens em Roteiros de Cinema: um estudo dos antagonistas da trilogia
Batman, de Christopher Nolan1
Maria Lua Ternes Andriani
Rafael Jose Bona
Introdução
Toda estrutura narrativa dramática é regida por um protagonista e, por
vezes, por um antagonista. No cinema e na televisão as coisas não são diferentes.
Todas as histórias têm um conflito, assim como existem heróis e vilões. Desde cedo,
podemos perceber os vilões nas telas do cinema. De Nosferatu (1922), ainda no
cinema mudo, com Graf Orlock, à Cidade de Deus (2002), com Zé Pequeno, pode-
se perceber o quanto um antagonista é importante na construção de uma história.
Muitas vezes, principalmente nas adaptações de histórias em quadrinhos
para o cinema, a criação de um antagonista pode se tornar tão importante - ou até
mais – quanto a do próprio herói.
Segundo Brait (1985) o antagonista ou oponente, se tratam de um
determinado obstáculo que possibilita o conflito. Na adaptação V de Vingança
(2006), por exemplo, pode-se perceber que o antagonista pode, ao mesmo tempo,
ser o protagonista. O personagem de “V”, que apesar de ser um justiceiro que
defende a liberdade, é visto como vilão por ir totalmente contra o sistema.
Nesse meio também encontra-se o personagem Batman, que é também um
justiceiro, porém em alguns ângulos é tratado como herói e, em outros, como
antagonista. Na recente trilogia do herói, dirigida por Christopher Nolan, os vilões
não são meros obstáculos ao desfecho da trama, mas personagens complexos e
autênticos que acabam despertando certa simpatia.
Dentro deste contexto, o presente trabalho estudou os personagens
antagonistas da trama da trilogia do herói Batman composta pelos filmes: Batman 1 Uma versão deste artigo foi apresentada no XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, 2013.
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
Begins (2005), Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008) e Batman – O Cavaleiro
das Trevas Ressurge (2012).
O lançamento do segundo filme da trilogia Batman, gerou discussão por
parte do público sobre os papeis dos antagonistas da trama (sobre o Coringa e o
Batman). A partir deste argumento, que se ouve falar por muitos, esse trabalho
surgiu a partir de alguns questionamentos como: qual a importância de um
antagonista em uma narrativa dramática? Como foi desenvolvido o antagonismo na
trilogia Batman, de Nolan?
O objetivo geral foi analisar a construção dos personagens antagonistas na
trilogia Batman do diretor Christopher Nolan. Em seguida, foram formulados os
seguintes objetivos específicos: (1) estudar a estrutura do roteiro/narrativa dos filmes
que compõe a trilogia; (2) analisar os principais antagonistas da trama na trilogia; (3)
definir os personagens a partir das construções discorridas por Syd Field (2001),
Doc Comparato (2000) e Robert Mckee (2006).
Fundamentação teórica
Cinema
A invenção dos irmãos Lumiére já foi vista de várias maneiras, mas hoje é
quase impossível não concordar com a importância da sétima arte para a cultura
mundial. Segundo Martin (2005), o cinema foi uma arte desde o início e é fácil
perceber isso a partir da obra de Méliès – o criador do primeiro filme de ficção
científica da história Viagem à Lua (1902) – com o qual se passou a ver o cinema
como obra artística.
Martin (2005) afirma que o cinema apenas se tornou uma linguagem pela
escrita própria e que, exatamente por este motivo, se transformou em um meio de
comunicação, de informação, de propaganda, o que não constitui uma contradição
na sua qualidade de arte.
Para Araújo (2002, p. 14), "o cinema é uma arte em que a obra-prima e o
filme medíocre distinguem-se frequentemente pelos detalhes". Martin (2005, p. 24)
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
considera o cinema como uma forma mais recente de linguagem definida como
“sistema de signos destinados à comunicação” e afirma que o que difere o cinema
dos demais meios de expressão culturais é o fato de a sua linguagem funcionar a
partir da reprodução fotográfica da realidade.
Bernardet (1985) compara cinema à literatura e à pintura, afirmando que
enquanto nestes dois últimos havia a interferência de quem o faz, no cinema, a
mecânica certificaria a objetividade, e o “olho mecânico” - como foi chamado o
cinema na época - refletiria o real, o movimento da vida. Porém, logo depois o autor
afirma que a posição da câmera, assim como o recorte da cena e o enquadramento
dos personagens são feitos de modo a insinuar interpretações e sentimentos. Ou
seja, o cinema também é feito com as intenções de quem o cria. Ao discorrer isso,
Martin (2005) afirma que apesar da câmera reproduzir exata e objetivamente a
realidade, a cena ainda é dirigida no sentido preciso desejado pelo realizador.
Roteiro
Field (2001, p. 15) designa roteiro como “uma história contada em imagens,
diálogo e descrição, dentro do contexto de uma estrutura dramática”. O autor afirma
que mesmo sem uma ordem definida, todo roteiro tem seu início, meio e fim. “Essa
estrutura linear básica é a forma do roteiro, ela sustenta todos os elementos do
enredo no lugar” (FIELD, 2001, p.2). Já Comparato (2000), afirma que roteiro é a
forma escrita de qualquer projeto audiovisual.
Rodrigues (2007) afirma que um bom roteiro não é a única condição para o
planejamento eficiente do tempo e do custo de filmagem, mas contribui para que o
filme seja preparado de modo mais adequado.
É quase impossível se falar de roteiro, sem falar de estrutura, que segundo
Field (2001), é o que sustenta a história no lugar, o relacionamento entre as partes
que unificam o roteiro.
Field (2001) afirma que se o roteiro fosse uma pintura pendurada na parede,
ela se pareceria com esta imagem:
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Revista Livre de Cinema v.1, n.1, jan/abr, 2014
Figura 01: paradigma de Field
Fonte: < http://i562.photobucket.com/albums/ss63/blodega/paradigma.gif> Acesso
em: 2 nov. 2012.
O ato I, ou Apresentação, se trata da unidade de ação dramática com
aproximadamente 30 páginas, que serve para contextualizar, ou seja, é o conteúdo
que segura a história no lugar. É considerada a parte mais importante do roteiro, no
qual deve acontecer a apresentação do protagonista e determinar para o leitor qual
a premissa e a situação dramática da história.
O ato II, também chamado de Confrontação, é a unidade do roteiro com
aproximadamente 60 páginas. Neste ato o personagem principal enfrenta obstáculos
que o impedem de alcançar sua necessidade dramática.
E, o ato III, conhecido como Resolução, tem início no final do ato II e vai até
o final do roteiro. Ele resolve a história. Não se trata do fim da história, mas sim, da
resolução da mesma. Sendo assim, os três atos cumprem a linha de início, meio e
fim.
Quando o assunto é roteiro tudo está interligado, no qual cada parte da
história depende diretamente da outra para existir, e é o que quer dizer Field (2001
p. 05), quando afirma que “todo drama é conflito. Sem conflito não há personagem;
sem personagem, não há ação; sem ação não há história; e sem história, não há
roteiro”.
Personagem
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O personagem é um dos itens mais importantes em um roteiro, como afirma
Field (2001), em uma narrativa, o personagem é o fundamento essencial do roteiro,
ou seja, é o coração, alma e sistema nervoso de uma história. Comparato (2000),
afirma que personagens sustentam o peso da ação e são o ponto de atenção mais
imediato para os espectadores.
Quando se pensa em um personagem, logo vem à cabeça algo ligado ao
protagonista da trama e é também o que reforça Brait (1985), quando se refere a
protagonista como aquela que ganha o primeiro plano na narrativa.
No contexto de protagonista também se pode destacar o herói que, segundo
Vogler (2006), a definição de herói se dá como alguém que se dispõe a realizar
sacrifícios em benefício dos outros. Campos (2007, p. 79), define herói como “um
personagem correto, justo, audaz, talvez bonito, mas com certeza atraente e bom”.
Segundo o autor, trata-se do personagem pelo qual o narrador e o espectador
torcem e querem estar próximos, com quem querem se emocionar e se identificar.
Sentem a necessidade de vê-lo vitorioso e feliz.
Muitos pensam que se pode chamar de anti-herói aquele que contrapõe o
herói, mas Vogler (2006) argumenta que o anti-herói não é o oposto do herói e sim,
um tipo especial deste. Alguém que é mal visto pela sociedade, mas que ganha a
torcida da plateia. O autor afirma que nos identificamos com esses marginais pelo
fato de pelo menos uma vez na vida, nos sentirmos parecidos com eles.
A maioria das histórias trazem dois lados, assim como afirma Mckee (2006),
que todos os personagens buscam o desejo contra as forças do antagonismo, que
segundo Brait (1985, p. 88), “é o opositor, o protagonista às avessas. Muitas vezes,
o antagonista é uma só personagem. Outras, pode ser manifestado por um grupo de
personagens, individualizadas ou representantes de um certo grupo.”
Mckee (2006) afirma que apesar de nos relacionarmos com os personagens
como se fossem reais, eles são superiores a realidade, são uma obra de arte, uma
metáfora para a natureza humana. Ainda segundo o autor, a construção de um
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personagem é dividida em dois aspectos principais: Caracterização e Verdadeira
Personagem.
Caracterização é a soma de todas as qualidades observáveis, uma
combinação que faz da personagem única: aparência física e maneirismos, estilo de
fala e gesticulação, sexualidade, idade, QI, profissão, personalidade, atitudes,
valores, onde ela mora, como ela mora. A Verdadeira Personagem se esconde atrás
dessa máscara. Apesar dessa caracterização, no fundo do coração, quem é essa
pessoa? Leal ou desleal? Honesta ou mentirosa? Amável ou cruel? Corajosa ou
covarde? Generosa ou egoísta? Voluntariosa ou fraca? (MCKEE, 2006, p. 351)
Segundo Campos (2007, p. 154), o “vilão é personagem errado, pérfido,
talvez feio e vestido de preto, mas com certeza repulsivo e mau”. O autor se refere
ao antagonista, como o personagem que o narrador e o espectador amam condenar,
adoram odiar e trata-se de quem querem estar distante, com quem não se
identificam e é aquele que querem ver desmascarado, punido e infeliz.
Mckee (2006) alega que a força do antagonismo não se refere
necessariamente a um antagonista ou vilão específico, mas sim à soma total das
forças que se opõe ao desejo e a necessidade do personagem. Para o autor, o fato
de um protagonista se tornar um personagem completamente desenvolvido,
multidimensional e profundamente empático se deve, principalmente, ao lado
negativo da história. “Quando uma história é fraca, a causa inevitável é que as
forças do antagonismo são fracas” (MCKEE, 2006).
Normalmente os antagonistas estão diretamente envolvidos com o conflito,
que é algo indispensável, segundo Field (2001, p. 18), “sem conflito não há drama.
Sem necessidade, não há personagem. Sem personagem, não há ação”.
Procedimentos metodológicos e análise
A partir dos autores estudados na revisão de literatura, foi feita uma análise
sobre a estrutura dos antagonistas nos roteiros/narrativas, na última trilogia do herói
Batman. A coleta de dados foi feita por meio dos próprios filmes, sendo assistidos
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por volta de três vezes cada um, analisando a construção dos personagens levando
em conta os conceitos, principalmente de Field (2001), Mckee (2006) e Comparato
(2000). Foram observadas as questões sociais, físicas e psicológicas nos
personagens.
Os personagens escolhidos na amostra desta pesquisa, com perfil
antagonista da trilogia Batman de Christopher Nolan, foram 7: Ra’s Al Ghul e o
Espantalho do primeiro filme, o Coringa e o Duas Caras do segundo filme, e Talia
Al Ghul, Bane e a Mulher Gato, do terceiro filme. Todos eles foram analisados com
base no quadro tecido e exposto a seguir
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QUADRO 01: QUADRO DE ANÁLISE DOS PERSONAGENS
Gênero: ( ) Feminino ( ) Masculino
Personalidade: ( ) Insano ( ) Humorado ( ) Misterioso ( ) Mentiroso ( ) Vingativo ( ) Psicótico ( ) Sedutor ( ) Articulado ( ) Inteligente
Cabelo: ( ) Loiro ( ) Castanho ( ) Ruivo ( ) Grisalho
Habilidades: ( ) Artes Marciais ( ) Manipulação ( ) Sedução ( ) Força ( ) Inteligência
Idade: ( ) 20 a 30 ( ) 30 a 40 ( ) 40 a 50 ( ) Mais de 50
Tem influência em que parte da história? ( ) Conflito principal da história ( ) Conflito paralelo
Altura: ( ) Alto ( ) Mediano ( ) Baixo
Em que momento este personagem aparece como antagonista? ( ) Ato I ( ) Ato II ( ) Ato III
Estrutura: ( ) Grande/forte ( ) Médio ( ) Pequeno/fraco
O personagem cria algum vínculo emocional com o protagonista? ( ) Sim ( ) Não
Cor dos Olhos: ( ) Azuis ( ) Verdes ( ) Castanhos
O personagem morre no final? ( ) Sim ( ) Não ( ) Indefinido
Usa algum traje especial (máscara/roupas) ou característica única? ( ) Sim ( ) Não
Como o personagem pode ser classificado? ( ) Antagonista ( ) Anti-herói
Classe social: ( ) Rico ( ) Pobre ( ) Médio
O personagem sofre alguma mudança de personalidade no decorrer do filme? ( ) Sim ( ) Não
Fonte: elaborado pelos autores a partir da fundamentação teórica.
Ra’s Al Ghul
Aparentemente de origem árabe, Ra‟s Al Ghul é o líder de uma associação
secreta, chamada de Liga das Sombras. No filme, ele é uma figura que ganha
diversos representantes. Foi o mentor e o responsável pelo treinamento de Bruce
Wayne.
Talvez um dos maiores inimigos de Batman, Ra‟s Al Ghul tem um ideal justo,
porém seus meios de consegui-lo é o que o torna um antagonista. No seu plano de
salvar a humanidade de uma catástrofe ambiental, ele é movido pelo ideal
maquiavélico no qual os fins justificam os meios, tendo como objetivo aniquilar a
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maior parte da população humana, dando um fim na democracia e total submissão
dos sobreviventes a um único homem, no caso, ele mesmo.
Ra‟s Al Ghul é um homem com cerca de 50 anos de idade, alto, com cabelos
castanhos, pouco grisalhos, pele clara, olhos azuis, de classe social alta e bem
apresentado. Apesar de primeiramente aparecer encorajando e treinando o
protagonista e também não revelar sua identidade desde o primeiro momento, ele já
aparece como antagonista no primeiro ato, quando apresenta para Bruce Wayne o
seu objetivo e intenção de tê-lo como aliado na Liga das Sombras. Diferente dos
demais vilões desta trilogia, Ra‟s Al Ghul não tem nenhum distúrbio psicológico, ele
tem uma personalidade bem definida e determinada em atingir o seu objetivo. Entre
suas habilidades, estão o treinamento ninja e domínio de diversas artes marciais.
O fim de Ra‟s Al Ghul na trilogia acontece no final do primeiro filme, no qual
após fracassar em destruir Gotham, é morto por Batman, que além de derrotar um
inimigo, teve a vitória ao desafio de derrotar o próprio mestre.
Espantalho
O Espantalho é o alter ego mentalmente perturbado do psicofarmacologista
Jonathan Crane. Ele trabalha no Asilo Arkham e desenvolveu uma droga que induz
o medo nas pessoas em que ele a aplica. Crane assume a personalidade de
Espantalho durante seus experimentos.
O Espantalho é o principal antagonista do filme Batman Begins e trabalha
com Ra's Al Ghul. Apesar de ser mais articulado do que outros vilões como o
Coringa e o Duas Caras, isso não o faz menos perigoso e insano. O personagem
comparado com o mesmo nos quadrinhos é mais uma vez trazido pra realidade de
Nolan, utilizando o terno que já é de seu uso diário, com a adição de apenas uma
máscara de espantalho que esconde todo seu rosto.
Johnathan Crane é um homem que aparenta ter entre 30 e 40 anos, alto,
com olhos azuis, pele clara, cabelos castanhos, da classe social alta e de boa
aparência. O espantalho aparece como antagonista já no ato I, no qual ele se vira
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contra seu próprio aliado, Carmine Falconi, deixando-o literalmente pirado. Nos
tempos da escola e da faculdade, Crane era um jovem com jeito nerd, que era
atormentado pelos valentões. Sendo assim, o antagonismo do Espantalho pode
também ser visto como uma forma que ele encontrou de se vingar da sociedade.
O Espantalho é preso no começo de Batman – O Cavaleiro das Trevas e
também faz uma pequena participação em Batman – O Cavaleiro das Trevas
Ressurge, não tendo um final definido, até onde se pode perceber, para Nolan o
Espantalho continua vivo.
Coringa
O Coringa é um criminoso anarquista brilhante, que tem como único objetivo:
testar e destruir o psicológico de seus oponentes, assim como perturbar a ordem
dominante e estabelecer o caos. O passado do Coringa é um mistério para todos.
Na trama podemos ver algumas histórias que o próprio inventa para justificar sua
aparência.
Coringa é um homem com idade entre 30 e 40 anos, alto, com cicatrizes no
rosto, com uma maquiagem de palhaço totalmente obscura e uma aparência que
transmite sua insanidade.
Ele é, talvez, o mais popular entre os vilões, não só da trilogia, mas de todo
universo Batman, ganhando a aclamação do público, sendo apresentado como um
palhaço psicopata, assassino em série, esquizofrênico, rude, cruel e sarcástico. O
vilão está sempre armado com diversas armas, porém entre as principais
habilidades do Coringa, está principalmente a inteligência, que é o que o dá
subsídios para a tortura psicológica de seus oponentes.
A história do Coringa acaba na trilogia quando o antagonista é preso pelo
Batman no fim de O Cavaleiro das Trevas.
Duas Caras
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O promotor público Harvey Dent fica conhecido como Duas Caras após uma
batalha contra o Coringa, no qual algumas consequências – principalmente a perda
de sua amada Rachel Dawes – acabam levando ao desenvolvimento de um lado
obscuro de Dent. Sendo o antagonista secundário de Batman – O Cavaleiro das
Trevas, Dent sofre um acidente em um incêndio causado a mando do Coringa. Ele é
internado e passa por cirurgias, porém o Coringa acaba complicando a sua cabeça e
o tornando um demente.
Harvey Dent é um homem com idade entre 40 e 50 anos, alto, com pele
clara, cabelos loiros, de classe alta, é bem apresentado e possui uma carreira
consolidada. Assim como Batman, no início Harvey também utilizava seu poder
contra o crime em Gotham. Sendo assim, a desfiguração de Harvey e origem do
antagonista Duas Caras acontecem apenas no ato II.
Além de ser altamente inteligente, possuir grande conhecimento em quase
todos os assuntos relativos ao direito penal, o Duas Caras possui habilidades com
armas, estando sempre com uma pistola. Suas decisões são sempre feitas por meio
de sua moeda, por meio do cara ou coroa, ou melhor, cara ou cara, já que a moeda
tem dois lados iguais. Após o acidente, um dos lados da moeda é queimado,
fazendo com que ele passasse a decidir o destino de seus reféns pela sorte entre
vida e morte (do lado queimado o destino seria morte, do outro lado, o refém seria
poupado).
Após ameaçar o comissário Gordon e sua família, o Duas Caras é morto
pelo Batman no fim de O Cavaleiro das Trevas. Harvey Dent acaba imortalizado
como herói de Gothan, após a decisão de Batman, ao lado de Gordon, de assumir a
culpa pelas mortes, para que a cidade continuasse com seu espírito de luta pelo
bem inspirado por Harvey Dent como promotor. Fato que foi desmentido por Bane
em O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Bane
Enquanto protegia a ainda criança Talia Al Ghul, Bane foi cruelmente
massacrado por prisioneiros, sendo obrigado a viver com uma máscara de gás que
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garante a sua sobrevivência. Bane é o antagonista principal do filme O Cavaleiro das
Trevas Ressurge. Um líder terrorista, que assim como Batman, também foi treinado
por Ra‟s Al Ghul e chega a fazer parte da Liga das Sombras, porém é expulso do
grupo por ter se apaixonado por Talia, filha de seu supremo líder.
Bane é um homem com idade entre 30 e 40 anos, alto, forte, de olhos
castanhos, pele clara, cabelos raspados, de classe social média, utiliza roupas
especiais para combate, como coletes que oferecem algum tipo de proteção. A voz
de Bane é um ponto que também o distingue dos demais antagonistas, com um
caráter mecanizado por causa de sua máscara, ele amedronta Gotham ao emitir
palavras. Bane rouba a cena como antagonista já no ato I, nos primeiros cinco
minutos do início de O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Bane é como um desafio para Batman, tanto em nível físico, como mental.
Entre suas principais habilidades naturais estão a força, inteligência e poder de
persuasão. Bane pode ser considerado um vilão à altura de Batman, já que
consegue, de certa forma, derrotá-lo. Na cena em que Bane quebra a coluna de
Batman percebe-se que o vilão não está apenas quebrando o corpo do herói, mas
também a alma. O terrorista não tem um plano bem definido no filme, além de
destruir o Batman, mas é evidente que o mesmo quer chamar a atenção a fim de
mudar a maneira de pensar dos cidadãos de Gotham, isso fica evidente na cena da
explosão no campo de futebol.
O final de Bane é rápido e repentino, quando está prestes a matar o
Cavaleiro das Trevas, é morto pela Mulher Gato no desfecho do filme.
Talia Al Ghul
No início, conhecida como Miranda Tate - uma executiva membro do
conselho executivo da Wayne Enterprises, Talia Al Ghul é a filha do super vilão Ra‟s
Al Ghul, ela nasceu em uma prisão, na qual conseguiu fugir com a ajuda de Bane.
Talia é a antagonista secundária de O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Ainda como Miranda, ela tem um romance com Batman, quando esconde seu
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objetivo de vingar e dar continuidade aos planos do pai que foi impedido em Batman
Begins.
Talia Al Ghul é uma mulher com idade entre 30 e 40 anos, olhos azuis,
cabelos castanhos, pele clara, de altura mediana, alta classe social e com boa
aparência. Além de ter um intelecto genial, uma de suas principais habilidades é o
combate, tanto com armas, quanto sem. Talia é sedutora, inteligente e bem
articulada. Ela apenas aparece com antagonista no ato III, quando revela que é a
filha de Ra‟s Al Ghul e expõe seu objetivo, o que acaba sendo uma grande
revelação que abala o desfecho do filme.
Talia acaba morrendo no final de O Cavaleiro das Trevas Ressurge, após
colidir o caminhão que dirigia.
Mulher Gato
Selina Kyle também conhecida como a Mulher Gato, é uma habilidosa ladra
noturna que se sustenta com pequenos furtos. Procura uma chance de limpar seu
histórico criminal e começar uma vida nova. No início, ela ajuda Bane na destruição
de Batman.
Faz parte do filme O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Diferente dos outros,
Selina não é uma antagonista e sim uma anti-heroína, que está bem mais próxima
do herói que do vilão.
Selina Kyle é uma mulher com cerca de 30 anos, alta, de pele clara, cabelos
e olhos castanhos, de classe social média, com uma boa aparência. Entre as suas
principais habilidades estão o domínio de artes marciais. Selina aparece no ato I
como antagonista, mas ao decorrer do filme, ela acaba tendo um romance com o
Batman e o ajudando em vários momentos, o que a faz mais uma anti-heroína do
que vilã.
Considerações da análise
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Durante a observação e análise dos sete personagens, percebeu-se o tempo
todo a presença dos dois conceitos nos antagonistas: Caracterização e Verdadeira
Personagem, conforme Mckee (2006). A Mulher Gato, por exemplo, sua
Caracterização é o que se pode perceber: ela é morena, com olhos castanhos,
sedutora e ótima em artes marciais. Porém, sobre a Verdadeira Personagem se
encontram os itens que nos deixam com a dúvida: afinal, o que ela quer? Está do
lado do Batman ou quer arruiná-lo? De que lado ela está?
A maior parte dos antagonistas que foram analisados apresentam essa
dualidade, o que causa dúvidas e surpresas no público em relação a seus próximos
passos. Dos personagens analisados, 71,4% deles são do gênero masculino, a
maioria também tem cabelos castanhos e idade entre 30 e 40 anos, com
características próprias de cada um.
Apesar da maioria dos antagonistas da trama ser do gênero masculino, isso
não diminui, em nenhum momento, a importância da figura feminina, que além do
grande envolvimento com o conflito principal, 100% dessas personagens criam um
vínculo afetivo com o protagonista, o que acaba sendo, na maioria das vezes, um
trunfo em suas batalhas.
Em relação ao Paradigma de Roteiro/Narrativa, visto na revisão bibliográfica,
71,4% dos personagens aparecem como antagonista ato I, que segundo Field
(2001), é o momento de apresentação dos personagens e também o momento em
que o público determina, consciente ou inconscientemente, se gosta ou não de tal
personagem.
Alguns personagens continuam com a característica antagonista do início ao
final do filme, enquanto outros se revelam ao decorrer da trama. Um caso específico
que vale ser citado novamente é o da Mulher Gato, que foi definida como anti-
heroína, que de acordo com Vogler (2006), é o contrário do antagonista. O autor
afirma que anti-herói não passa de um tipo de herói.
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A maioria dos antagonistas analisados tem um fim pertinente ao mal que o
mesmo proporciona para a sociedade, o que confirma o fato visto na fundamentação
teórica, segundo os conceitos de Campos (2007), em que os antagonistas são
aqueles que o público quer ver desmascarado, punido e infeliz.
A partir da pesquisa realizada, podemos traçar um perfil do antagonismo na
trilogia Batman, de Nolan: a maioria são homens, morenos, com idade entre 30 e 40
anos, com características psicológicas que envolvem a dualidade, ou seja, a maioria
desses personagens apresenta algum distúrbio mental, o que acaba surpreendendo
o telespectador a cada cena.
Considerações finais
Batman é um herói clássico de quadrinhos, porém, a trilogia de Christopher
Nolan veio para consolidar o herói já retratado em várias versões no cinema, dessa
vez trazendo personagens marcantes que viraram ícones no mundo todo.
Este trabalho abordou como tema o estudo do antagonismo presente na
trilogia Batman. Traz importância para área da comunicação, pois poderá servir
como referência para futuros trabalhos. O tema abordado é importante, pois
possibilitará uma compreensão do antagonismo em uma narrativa dramática.
Após a análise, os objetivos foram alcançados e pode-se entender sobre o
antagonismo presente na trilogia. Pode-se considerar que há muitas características
em comum entre os personagens analisados, além de confirmar o fato de que
realmente havia atitudes antagônicas em cada um destes sete personagens, mesmo
não sendo exatamente em todos os momentos do filme.
Sugere-se como tema para outras pesquisas estudar o antagonismo nos
filmes do herói Super-Homem, ou até mesmo analisar os protagonistas da mesma
trilogia estudada, que apresenta muitos personagens interessantes como o próprio
Batman, seu aliado Alfred, o comissário Gordon, entre outros.
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Encerra-se este estudo com as palavras de Mckee (2006, p. 351), quando
diz: “conhecemos as personagens melhor que conhecemos nossos amigos, pois
uma personagem é eterna e constante, enquanto as pessoas mudam – quando
pensamos finalmente tê-las entendido, descobrimos que não estamos nem perto
disso”.
Referências
ARAÚJO, I. Cinema: O mundo em movimento. São Paulo: Scipione, 1995. BERNARDET, J. O que é Cinema. 2a ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. BRAIT, B. A personagem. 3ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1985. CAMPOS, F. Roteiro de cinema e televisão: A arte e a técnica de imaginar, perceber e narrar um estória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. COMPARATO, D. Da criação ao roteiro. 5a ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. FIELD, S. Manual do roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico. 14a ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. MARTIN, M. A linguagem cinematográfica. Rio de Janeiro: Brasiliense, 2005. MCKEE, R. Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiros. Curitiba: Arte & Letra, 2006. RODRIGUES, C. O cinema e a produção. 3a ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2007. VOGLER, C. A jornada do escritor. 2a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.