revista política social e desenvolvimento #16

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Código ISSN: 2358-0690 ano 03 Março 15 Políticas de austeridade econômica: o debate sobre alternativas 16 Fernando Nogueira da Costa | Carlos Pinkusfeld Bastos | Roberto Pires Messenberg Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E QUESTÃO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D REVISTA

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O núcleo Plataforma Política Social – Agenda para o Brasil do Século XXI é multidisciplinar e suprapartidário. Reúne pesquisadores e profissionais de mais de duas dezenas de universidades, centros de pesquisa, órgãos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social. Pretende participar do debate nacional, identificar desafios e contribuir para a formulação de uma agenda de desenvolvimento para o país. Visa fortalecer alianças com os movimentos sociais e organizações da sociedade civil em sua luta por uma sociedade mais justa.

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  • Cdigo ISSN: 2358-0690ano 03 Maro 15

    Polticas de austeridade econmica: o debate sobre alternativas

    16Fernando Nogueira da Costa | Carlos Pinkusfeld Bastos | Roberto Pires Messenberg

    Srie Especial AUSTERIDADE ECONMICA E QUESTO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D

    REVISTA

  • 2Revista eletrnica idealizada e produzida pela rede Plataforma Poltica Social que rene cerca de 300 pesquisadores e profissionais de mais de uma centena de univercidades, centros de pesquisa, rgos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social.

    plataformapoliticasocial.com

    revistapoliticasocialedesenvolvimento.com

    EDITOR Eduardo Fagnani

    EDITOR ASSISTENTE Thomas Conti

    JORNALISTA RESPONSVEL Davi Carvalho

    REVISO Caia Fittipaldi

    PROJETO GRFICO Renata Alcantara Design

    DIREO DE ARTE E EDITORAO Coletivo Vaidap

    CONSELHO EDITORIAL Ana Fonseca NEPP/UNICAMP

    Andr Biancarelli Rede D - IE/UNICAMP

    Erminia Maricato USP

    Lena Lavinas UFRJ

    APOIO PARCERIA

    www.fes.org.br

    Cdigo ISSN: 2358-0690

  • 306Estado da arte da poltica econmicaFernando Nogueira da Costa

    16No existe no haver alternativaCarlos Pinkusfeld Bastos

    24Regimes macroeconmicos e o Brasil ps-crise Roberto Pires Messenberg

    ndice

  • 4R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 6

    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    Nesta edio #16 da Revista Poltica Social e Desenvolvimento, seguimos no debate sobre a gesto macroeconmica e seus impactos sobre o desenvolvimento e a questo social. Os trs artigos desta edio fornecem subs-dios para um questionamento dos ajustes e

    um panorama das opes disponveis, como elas aparecem no cenrio internacional, e as possibilidades abertas para o Brasil.

    O artigo Estado da Arte da Poltica Econmica, de Fernando Nogueira da Costa, lana uma questo para debate: com base na experincia internacional, quais so as alternativas para a gesto da poltica econmica brasileira neste cenrio ps-crise? Qual o estado das artes desse debate no plano internacional?

    Em No existe no haver alternativa, Carlos Pinkusfeld Bastos retoma a traje-tria dos fenmenos econmicos no sculo XX e seu impacto na formao de

    Andre Biancarelli R E D E D

    Eduardo FagnaniP L ATA F O R M A P O L T I C A S O C I A L

    Pedro Rossi B R A S I L D E B AT E

    Thomas Conti P L ATA F O R M A P O L T I C A S O C I A L

    Apresentao

  • 5S R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N M I C A E Q U E S T O S O C I A L

    consensos de poltica econmica. O autor busca semelhanas e divergncias entre o perodo atual e a etapa do consenso keyne-siano no ps-guerra. Ele fornece pistas para repensar o presente momento e as poss-veis oportunidades para uma alternativa progressista e inclusiva.

    Por fim, em Restries e perspectivas do crescimento econmico no Brasil, Roberto Pires Messenberg analisa a con- juntura atual ressaltando que o impacto das presses cambiais e de balano de paga-mentos est sendo respondido pela poltica de juros visando atrair o capital externo, deixando em segundo plano a necessria remodelagem da base produtiva, da qual

    o desempenho da economia inexoravel-mente depender no longo prazo. Para o autor, o investimento seria a alavanca para se buscar o crescimento econmico, pr-condio necessria para reduzir o oneroso patamar dos juros em que o pas se encontra.

    Convidamos todos os leitores a refletirem sobre esses temas que hoje, talvez mais que em qualquer outro momento da hist- ria recente, colocam-se no epicentro do debate poltico.

  • 6R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 6

    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    Este artigo lana uma questo para debate: com base na experincia internacional, quais so as alternativas para a gesto da poltica econmica brasileira neste cenrio ps-crise? Qual o estado das artes desse debate no plano internacional?

    De acordo com a suposio dos econo-mistas ortodoxos, a Cincia Econmica

    est integrada por vrios Teoremas de Validez Universal: s h uma Cincia Econmica. Os economistas social-de-senvolvimentistas, porm, filiam-se tradio latino-americana que rechaa a Tese da Monoeconomia. Os pases em desenvolvimento possuem caractersticas econmicas distintas dos pases industria-lizados avanados. A sabedoria econmica convencional, inspirada nestes ltimos pases, necessita ser adequada, em alguns aspectos importantes, quando se aplica queles pases.

    Embora seja instrumento de interveno

    Fernando Nogueira da CostaProfessor Livre-Docente do IE-Unicamp. Autor de Brasil dos Bancos (Edusp, 2012).

    http://fernandonogueiracosta.wordpress.com E-mail: [email protected].

    Estado da arte da poltica econmica

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    na realidade, a poltica econmica no est isolada do resto do mundo, pois ela tem limites sociais e polticos. Portanto, no existe algo que possa ser considerado uma Teoria Econmica Pura da Poltica Econmica. Essa proposio fica clara, se consideramos uma metodologia correta para enquadr-la.

    No nvel mais elevado de abstrao, esto as teorias puras que revelam a consistncia no uso dos instrumentos de poltica econ-mica. No nvel intermedirio de abstrao, o analista deve reincorporar todos os conhecimentos das cincias afins e todos os conflitos de interesse antes abstrados. neste mbito dos conflitos sociais e polticos entre interesses antagnicos, via eleies democrticas, que se estabelece a definio do regime macroeconmico.

    Escolhemos, recentemente, um Projeto Social-Desenvolvimentista de Pas, o futuro que desejamos em renda real, emprego e qualidade de vida.

    No nvel mais baixo de abstrao, quando (e onde) h a necessidade de se contextua-lizar, ou seja, datar e localizar os eventos, que se captam os imperativos de dada conjuntura na prtica da arte de tomadas de decises prticas. O chamado Vcio Ricardiano, cometido recorrentemente por economistas ortodoxos, saltar, dire-tamente, do abstrato para o concreto, por exemplo, da idealizao da ordem espon-tnea ao tateio dos preos relativos de referncia cmbio, juro e fisco para obter o imaginado equilbrio geral.

    Os economistas ortodoxos s discursam,

    Odwarific / Pixabay

  • 8R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 6

    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    retoricamente, em torno da Economia Normativa: o que deveria ser de acordo com o credo neoliberal deles. A la Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, que liberou geral o sistema financeiro norte--americano e provocou a Grande Depresso mundial, que ainda vivenciamos, imaginam que dando total liberdade s foras de O Mercado, este, racional e automatica-mente, alcanar uma ordem espontnea.

    Crentes na premissa racionalista de seus modelinhos, construdos de acordo com o mtodo racional-dedutivo, idealizam o que a realidade deveria ser, e no percebem o que . Em outras palavras, no praticam uma Economia Positiva porque lhes falta sensibilidade para o que, de fato, ocorre. O mtodo histrico-indutivo tornaria sua formao doutrinria muito mais fecunda.

    Exemplo dessa alienao autista, isto , com perda da relao com os dados e as exigncias do mundo circundante, foi a insistncia em uma Trindade Impossvel, durante o primeiro mandato de FHC (1995-1998), cujo verdadeiro alvo era assegurar a reeleio do presidente. Esse objetivo foi alcanado custa do dficit do balano de pagamentos brasileiro, devido sobreva-lorizao da moeda nacional no regime de banda cambial. Houve imensa elevao da dvida pblica a externa, pela necessidade de contrabalanar o dficit no balano de transaes correntes; e a interna, porque foi necessrio oferecer hedge cambial para evitar a fuga do capital estrangeiro. Essa desnacionalizao da economia brasi-leira foi consequncia direta do neolibera-lismo que combina abertura comercial e financeira com a trivial desestatizao- privatizao-desnacionalizao.

    Foto: Keynes / Brasil Escola

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    O conhecimento da Trindade Impossvel advertiria, de antemo, aos economistas sensveis ao conhecimento de o que em vez da pregao de o que deveria ser, que no seria possvel conciliar plena abertura comercial e financeira, taxa de cmbio estabilizada e regulao via poltica monetria.

    Os responsveis pela poltica econmica no poderiam alcanar, simultaneamente, esses trs objetivos. Eles teriam que: ou restringir a mobilidade de capital (contra-riando o Fundo Monetrio Internacional a quem recorreram); ou aceitar que a taxa de juros interna acompanhasse a taxa de juros internacional (contrariando seus financiadores rentistas patrimonialistas); ou adotar o regime de cmbio flutuante. Restou este ser adotado, somente aps a reeleio de FHC, dado o compromisso com seus apoiadores, seja os exporta-dores do agronegcio, seja os industriais paulistas competidores com a invaso de importaes.

    Da se instalou, na inteligncia miditica tipo 2 Neurnios, a cobrana do moto perptuo, nico que ela consegue entender. tal como uma gangorra infantil: ora sobe a taxa de inflao, ora sobe a taxa de juro. Quando esta sobe demasiadamente, a taxa de cmbio cai. Para evitar essa calamidade, o neoliberal ou eleva a carga tributria ou prega o corte de gastos pblicos, inclusive os sociais, para demonstrar aos rentistas a solvabilidade governamental, isto , a capacidade de pagamento de sua dvida. E jura que no haver aqui, nesta terra abenoada, a eutansia dos rentistas: a inflao jamais ultrapassar o juro!

    No entanto, equivocado e inoportuno, agora, em momento de tenso pr-gover-namental, estigmatizar instrumentos de poltica econmica. Seus usos no so ideo-lgicos, tipo de direita ou de esquerda. Sempre elevar gastos pblicos ou taxa

    de cmbio no ser desenvolvimentista, assim como a receita nica de cortar gastos pblicos e elevar taxa de juros no neoli-beral: simplesmente autista. No se pode analisar a poltica econmica de curto prazo com maniquesmo ideolgico. Por

    E S TA D O D A A R T E D A P O L T I C A E C O N M I C A

    Da se instalou, na inteligncia miditica tipo 2 Neurnios, a cobrana do moto perptuo,

    nico que ela consegue entender. tal como uma gangorra infantil: ora sobe a taxa

    de inflao, ora sobe a taxa de juro. Quando

    esta sobe demasiadamente, a taxa de cmbio cai.

    Para evitar essa calamidade, o neoliberal ou eleva a carga tributria ou prega o corte

    de gastos pblicos, inclusive os sociais, para demonstrar aos rentistas a solvabilidade

    governamental, isto , a capacidade de pagamento

    de sua dvida.

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    R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 6

    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    definio, se a conjuntura se altera, o uso desses instrumentos tem de se alterar. A arte da economia discricionria e no baseada em regras nicas universais.

    Por exemplo, o Escritrio de Avaliao Independente (IEO, na sigla em ingls), rgo que funciona como um auditor do Fundo Monetrio Internacional, avalia que o FMI fez um alerta no momento adequado sobre a importncia de um estmulo fiscal global coordenado em 2008. Mas a exigncia do Fundo, de um aperto das contas pblicas de algumas economias avanadas em 2010 e 2011, foi precipi-tada. O mix recomendado de polticas no foi apropriado, uma vez que a expanso

    monetria relativamente ineficaz para estimular a demanda privada depois de uma crise financeira, criticou o IEO.

    Em 2012, a poltica fiscal teria sido mais eficiente para incentivar a demanda, contribuindo para que a poltica monetria fosse menos expansionista. A combinao de polticas perseguida pelos pases avan-ados teve impactos desestabilizadores nos mercados emergentes, exacerbando a volatilidade nos fluxos de capitais e nas taxas de cmbio. Evidentemente, se tem de circunstanciar a poltica econmica de acordo com o contexto, no pregar sempre as mesmas aes.

    RyanMcGuire / Pixabay

  • 1 1S R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N M I C A E Q U E S T O S O C I A L

    O contra-argumento em defesa de erros cometidos no passado por adoo de receita prematura que essa avaliao a posteriori se beneficia de uma viso retrospectiva da situao, ou seja, constitui a fcil sabe-doria ex-post. Porm, a deduo correta que o gradualismo do ajuste fiscal deve estar condicionado s condies espec-ficas e variveis dos pases.

    Olivier Jean Blanchard, autor de manual de Macroeconomia keynesiana, muito utili-zado nos cursos de graduao em Cincia Econmica, tornou-se economista-chefe do Fundo Monetrio Internacional, desde setembro de 2008, logo antes da exploso da Crise Sistmica Mundial. O economista francs, naturalmente, manteve o cargo no mandato da diretora-gerente do FMI, a tambm francesa Christine Lagarde. Esta, justamente por no ter formao acad-mica em Economia, j que se formou em Direito Social, talvez seja tambm consi-derada heterodoxa na profisso, mesmo porque mulher, vegetariana, nunca bebe lcool, e tem como hobbies yoga, mergulho, natao e jardinagem!

    O FMI prope agora, em vez da poltica de austeridade, uma retomada em trs velocidades. Redues de despesas gene-ralizadas no a estratgia mais adequada, disse Blanchard. O ideal seria haver menos aperto no curto prazo e a definio de um plano de consolidao fiscal para o mdio e o longo prazo.

    Outro debate diz respeito reviso do papel dos bancos centrais no mundo ps-crise. Para Olivier Blanchard, a caixa de ferra-mentas da poltica econmica ps-crise

    inclui as tradicionais polticas fiscal e monetria, mas tambm a acumulao

    de reservas, as medidas macroprudenciais e os controles de capital. Blanchard deixa claro que o papel do Banco Central vai alm da viso estrita de perseguir um nico obje-tivo, a meta de inflao, com somente um instrumento, a taxa bsica de juros.

    Claudio Borio economista do Banco para Compensaes Internacionais (BIS, na sigla em ingls) e tem conduzido uma das reflexes mais detalhadas e bem funda-mentadas sobre a expanso do papel dos bancos centrais para alm do paradigma um objetivo, um instrumento que preva-lecia antes da crise. Mas h economista acadmico que continua assumindo o papel de ctico em relao ao conceito ampliado do papel dos bancos centrais e da poltica econmica, levantando dvidas sobre a

    O FMI prope agora, em vez da poltica de austeridade,

    uma retomada em trs velocidades. Redues

    de despesas generalizadas no a estratgia mais

    adequada, disse Blanchard. O ideal seria haver menos

    aperto no curto prazo e a definio de um plano

    de consolidao fiscal para o mdio e o longo prazo.

    E S TA D O D A A R T E D A P O L T I C A E C O N M I C A

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    R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 6

    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    capacidade de governos para saberem mais do que os agentes do mercado na hora de decidir que determinado movimento de ativos ou de expanso de crdito tem caractersticas de bolha. Os acadmicos se tornaram mais idelogos que os prticos! Na crise, o pragmatismo torna-se domi-nante. Exceto entre os professores autistas!

    Os fundamentalistas do livre-mercado temem que a nova abordagem multifun-cional dos bancos centrais seja fachada para polticas de desvalorizao competi-tiva. Afinal, controles de capital e acumu-lao de reservas tambm fazem parte da caixa de ferramentas pregada pelo econo-mista-chefe do FMI.

    A tendncia contempornea parece ser a de abrir o leque de atribuies e instrumentos dos bancos centrais. Pode-se dizer que h quase um consenso de que a estabilidade financeira passou por upgrade em termos

    de prioridade. Hoje, figura lado a lado com o controle da inflao e a expanso do emprego como objetivo primordial da ao dos bancos centrais. Agora se requer da autoridade monetria uma atuao mais proativa. No se trata mais apenas de fazer o monitoramento microprudencial, isto , a fiscalizao individual das insti-tuies financeiras, e de o banco central estar preparado para atuar como empres-tador de ltima instncia em caso de crise sistmica. A regulao macroprudencial preventiva passou a ser pea-chave.

    Idealmente, a autoridade monetria e as autoridades econmicas em geral devem preocupar-se em prevenir ou desinflar o acmulo de riscos sistmicos. Em vez de assistir, passivamente, o inflar de bolhas de ativos, devem exigir que bancos desen-volvam colches de resistncia a choques. Esses colches, naturalmente, no podem ser inflveis. Tm de ser sim regulveis,

    Foto: Eduardo Fagnani

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    de acordo com indicadores que reflitam a instabilidade financeira.

    A lista de instrumentos para impor a resistncia dos bancos a choques inclui requerimentos de capital contra excesso de alavancagem financeira, provises dinmicas, razo ajustvel e anticclica entre crdito e colateral, etc. Antes da crise global, havia regulao financeira de menos. Agora, a dvida se demasiada...

    Mas isso no um novo consenso de Washington, ou seja, um arcabouo consensual sobre a atuao do banco central e da poltica econmica em geral. Por enquanto, h muito mais dvidas do que certezas. Qual o papel da poltica monetria tradicional na conteno de bolhas especulativas? Eleva-se apenas a taxa bsica? Usam-se s medidas macro-prudenciais? Combinam-se as duas aborda-gens? Acionar a taxa bsica para controlar a inflao e a regulao macroprudencial para combater instabilidades financeiras tem a preferncia das mentes Tico-e--Teco de economistas adeptos das regras de combinao de instrumentos de poltica econmica.

    A regra de Tinbergen afirma que a condio necessria, mas no suficiente, para que poltica econmica seja eficaz, que existam tanto instrumentos indepen-dentes quanto objetivos a atender. A regra de Mundell a da atribuio dos instru-mentos: conveniente atribuir poltica monetria a busca do equilbrio externo, isto , no balano de pagamentos; e pol-tica fiscal, a busca do equilbrio interno no combate ao desemprego e inflao, pois

    cada qual tem a eficcia relativamente mais forte nesses objetivos.

    Definir o momento de agir diz respeito Arte da Economia, ou seja, habilidade da equipe econmica para tomar decises cruciais nos momentos exatos. E quais so esses, havendo diferenas entre bolhas de ativo, bolhas de crdito e mesmo entre bolhas e instabilidades financeiras?

    Idealmente, a poltica econmica deveria controlar o excesso de crdito. Como definir esse limite entre o necessrio e o excessivo? A interveno de poltica econmica nessas situaes deve ser discri-cionria ou apoiar-se em indicadores que sirvam de gatilhos automticos para acio-narem-se diferentes instrumentos contra a excessiva alavancagem financeira?

    Isso significaria, na prtica, frear subita-mente o enriquecimento abusivo, baseado em maximizao da rentabilidade patri-monial com o uso de capital de terceiros. O banco central tem independncia em relao a O Mercado suficiente para contra-ri-lo justamente quando ele est feliz da vida?

    H, ento, o risco de comprometer-se a sustentao social e poltica da auto-nomia dos bancos centrais, se eles forem manipular os mltiplos objetivos e instru-mentos. Manipular apenas a taxa bsica de juro ou mesmo a compra de diferentes classes de ativos de longo prazo do afrou-xamento quantitativo mais palatvel, politicamente, porque atinge a economia de forma mais generalizada.

    E S TA D O D A A R T E D A P O L T I C A E C O N M I C A

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    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    J a regulao macroprudencial diferencia o porte e o grau de internacionalizao dos bancos sujeitos s restries. Congres-sistas norte-americanos questionam at se deve existir banco grande demais para falir. Trata-se do debate sobre o que fazer com as Instituies Financeiras Sistemi-camente Importantes (Sifi, na sigla em ingls): regul-las mais duramente, inibir o surgimento de novas e o crescimento das que j existem, desmembr-las, etc.

    Saindo do be-a-b limitado do regime de metas, necessria a coordenao entre os instrumentos de poltica econ-mica do Banco Central e do Ministrio da Fazenda. Os neoliberais temem ento o risco da influncia poltica na ao anti-in-flacionria que privilegia a preservao da riqueza em desfavor do emprego.

    As polticas monetria e macropruden-cial tm de ser coordenadas entre si. Com isso, h a tendncia ps-crise a concentrar autoridade regulatria no Banco Central, alis, como ocorre j no Brasil. Mas alguns analistas estrangeiros veem um problema de definio do que microprudencial e do que macroprudencial. Assim, o Banco Central deveria ser o responsvel apenas por esta regulao financeira, e deveria ter agncias independentes para a fisca-lizao de entidades individuais que no representem risco sistmico ( o que ocorre na Inglaterra).

    Se tudo isso tornar as crises sistmicas muito improvveis, os participantes de mercado se sentiriam to seguros que provavelmente tomariam riscos cada vez maiores e afrouxariam os procedimentos

    de cautela. Este risco moral exatamente o tipo de comportamento que leva a novas crises. Ressurgiria a mesma tendncia ao excesso puxado pelo sucesso e pela memria curta. Isso sempre ocorreu nas mais diferentes bolhas ao longo da histria econmica.

    Em determinada conjuntura recessiva, o fraco crescimento econmico resul-tante de ajuste fiscal prematuro torna ainda mais difcil para pases altamente

    endividados reduzir a relao dvida/PIB e colocar o endividamento numa traje-tria sustentvel de queda. No se pode depender demais da poltica monetria expansionista e no usar a poltica fiscal em situao de armadilha de liquidez. Oferta de crdito dirigida pela demanda. Se esta no ativada, no h como efetivar aquela. O gasto pblico autnomo face demanda presente e multiplica renda que representar demanda futura.

    Em determinada conjuntura recessiva, o fraco crescimento

    econmico resultante de ajuste fiscal prematuro torna ainda mais difcil para pases

    altamente endividados reduzir a relao dvida/PIB e colocar

    o endividamento numa trajetria sustentvel de queda

  • 1 5S R I E E S P E C I A L A U S T E R I D A D E E C O N M I C A E Q U E S T O S O C I A L

    Todo esse receiturio keynesiano de poltica econmica universalmente conhecido pelos economistas de diferentes matizes. Na realidade, o modo de sua conduo que varia de acordo com a abordagem de cumprir determinada regra, ou de adotar a discricionariedade, ou mesmo de achar que o relevante seu anncio ter credibili-dade, com o que o pacote acompanhado de uma srie de adjetivos: transparente, eficiente, consistente, robusto, etc. etc.

    A poltica monetarista de regra busca atingir certa taxa de crescimento estvel em algum agregado monetrio, para no perturbar o livre funcionamento das foras de mercado. A regulao macroprudencial de arbtrio prope atitude passiva quanto oferta de moeda, porm com rgida fiscali-zao administrativa sobre a atuao dos bancos e/ou controles financeiros seletivos. A sinalizao para o mercado com credibi-lidade busca alcanar uma meta no ndice geral de preos com o uso discricionrio do instrumento da taxa de juros bsica.

    Tudo isso muito conhecido dos econo-mistas. Porm, muitas vezes eles no atentam que a poltica econmica no apenas a aplicao da teoria econmica. Ela requer que se ultrapassem as fronteiras estreitas do conhecimento econmico e que se leve em considerao, igualmente, a esfera da poltica e dos conflitos de inte-resses sociais.

    A poltica econmica bem-sucedida existe apenas quando uma viso multidisciplinar combina as aes econmicas e as aes polticas. Este relacionamento entre o

    apoio ao governo e as variveis econmicas que o afetam chamado de funo de popularidade. A relao direcional inversa que parte de aes do Governo e afeta a Economia chamada de funo poltica.

    Em sntese, no existe algo que possa ser considerado uma Teoria Econmica Pura da Poltica Econmica. As experincias histricas concretas das sociedades demo-crticas, no mundo ocidental, sugerem uma Prtica Multidisciplinar da Poltica Econmica Democrtica.

    Tudo isso muito conhecido dos economistas. Porm,

    muitas vezes eles no atentam que a poltica econmica no apenas a aplicao da teoria

    econmica. Ela requer que se ultrapassem as fronteiras estreitas do conhecimento

    econmico e que se leve em considerao, igualmente,

    a esfera da poltica e dos conflitos de interesses sociais.

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    R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 6

    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    No h consenso de que o mundo viva uma grave crise econmica. Afinal, os EUA crescem moderadamente, e a China, ainda que em ritmo mais lento que em anos anteriores, se desenvolve a passos firmes, exercendo efeito positivo sobre outros pases do Sudeste Asitico e frica. Por outro lado, Europa e Japo continuam,

    na melhor das hipteses, estagnados.

    Entretanto, se o quadro econmico passvel de discusso, no paira dvida quanto crise de representao poltica na maioria dos pases. Especialmente no caso da Europa, que se debate num mar de desemprego, assombrada pelo fantasma da impotncia poltica. Anos aps o incio de uma crise autoinfligida, a receita para supe-r-la, aparentemente, em nada mudou: consolidao fiscal, ou seja, restringir a expanso do gasto pblico.

    Mesmo nos EUA, cuja recuperao s

    No existe no haver alternativa.

    Carlos Pinkusfeld BastosEconomista, professor e pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ)

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    gerou, seis anos depois, uma volta a nveis de desemprego de 2008 (os quais por sua vez estavam muito abaixo dos registrados em 2007), a virtual estagnao de salrios um dos elementos da manuteno da tendncia regressividade na distribuio de renda que j antecedia a 2008.

    A interveno pblica macia ps-crise, dominantemente relacionada susten-tao de crdito, fez com que alguns mais aodados entendessem esse fenmeno como a volta do keynesianismo. No s no o era em termos tcnicos, afinal envolveu mais sustentao do preo de ativos que gasto fiscal, como, em pouco tempo, j se iniciava um processo de conso-lidao fiscal que persiste at hoje.

    A era neoliberal est marcada por reduo sensvel da taxa de crescimento econmico e elevao da taxa de desemprego que so acompanhadas por reduo de proporo

    igual ou at maior da capacidade poltica de se criarem consensos que se antepo-nham s polticas fiscais, monetrias e de regulao da ordem do capitalismo que geram tal resultado. Afinal, os gestores, e no caso Europeu, os criadores da institucio-nalidade econmica que tornou realidade as medidas regressivas ps-2008, foram os prprios partidos social-democratas. Nos EUA, a pfia recuperao ps-crise d-se sob a gide do partido Democrata, que por sua vez empreendeu a maioria das reformas liberalizantes do sistema financeiro durante os governos Carter e Clinton.

    certo que a conjuntura poltica ps-Guerra Fria tem papel crucial para explicar essa virada dos partidos progressistas e o enfra-quecimento dos movimentos operrios, mas a derrota no campo das ideias no deve ser menosprezada. Tambm verdade que a vitria poltica conservadora reforou

    Foto: Eduardo Fagnani

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    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    o espao acadmico e social das leituras ortodoxas e conservadoras, mas os erros da prpria abordagem crtica e progressista colaboraram para tal dominao.

    A origem da retomada conservadora nos pases centrais pode ser identificada com a exasperao da contestao ordem capitalista no final dos anos 1960, cuja exteriorizao macroeconmica foi a acele-rao inflacionria; e que, num quadro mais amplo, acarretou tambm uma forte turbulncia sociopoltica.

    A acelerao inflacionria nestes pases decorreu inicialmente da presso sala-rial que em boa medida refletia o prprio sucesso da Golden Age. Nesse perodo, podem-se conciliar alto crescimento, baixo desemprego, elevao do salrio real, em linha com os ganhos (expressivos) de produtividade, e criao de um estado do bem-estar. Parecia que o capitalismo tinha

    superado seu carter intrinsecamente conflitivo.

    Entretanto, como lembra o texto clssico de Kalecki, Aspectos Polticos do Pleno Emprego, escrito na dcada de 1940, tal situao terminou por estimular o acirra-mento das demandas laborais e a presso por elevao dos salrios nominais. A uma trajetria de inflao ascendente soma-se uma presso de custos de commodities, e, em pouco tempo, de cmbio, com a suspenso da conversibilidade do dlar e posterior flutuao das moedas. Final-mente, o golpe de misericrdia: o primeiro choque do petrleo.

    A persistncia da inflao acabou trans-formando-se em elemento central para enfraquecimento do movimento social progressista na dcada de 1970. Esta dcada foi, assim, um momento crucial de tran-sio entre os anos progressistas da Golden

    Foto: RyanMcGuire / Pixabay

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    Age e a reao neoliberal. Especificamente no campo da disputa das ideias, a narra-tiva conservadora mostrou-se bem mais convincente que as respostas progressistas de ento.

    A ideia chave da ortodoxia foi reforar a existncia de um equilbrio natural de pleno emprego da economia, ou alguma taxa de desemprego abaixo da qual as inten-es de aquecer a economia s causariam inflao maior. Ao fim e ao cabo, taxas de desemprego mais baixas, distintas da traje-tria natural da economia, expressa em taxas naturais de juros e de desemprego, estas ltimas dada por frices no mercado de trabalho (valores de equilbrio entre oferta e demanda de pleno emprego), s seriam alcanadas pela insistncia equivocada da poltica do governo, sejam monetrias ou fiscais, em levar a economia para fora de tal equilbrio. Da decorreria a inflao com suas consequncias daninhas ao bem-estar e mesmo ao crescimento de longo prazo, atravs da distoro dos sinais dos mercados.

    A leitura progressista alternativa a este ataque interpretativo conservador pode ser dividida em duas, ambas dbeis.

    Pelo lado da escola keynesiana tradicional, que deu sustentao terica ao pacto da Golden Age, a adoo de um marco terico imperfeccionista, ou seja, a no ruptura radical com os fundamentos margina-listas da teoria econmica, praticamente forou a aceitao do retorno de uma teoria que utilizava tais princpios para explicar logicamente a crise do perodo. Em termos do combate inflao, a verso

    aceleracionista da Curva de Phillips de Friedman passou a ser adotada no modelo cannico keynesiano. A nova ordem seria o governo evitar gastos em excesso do produto de pleno emprego ou polticas monetrias incompatveis com os juros de equilbrio, ambos motivados por razes polticas inconfessveis ou populistas.

    Quanto explicao do desemprego, o foco passou para as rigidezes, nominal e real, existentes na economia, impostas pelo capitalismo regulado da Golden Age, e no falta de demanda efetiva. Agora, os novos keynesianos, seguindo logicamente um programa de pesquisa mais de enten-dimento e explicitao de tais rigidezes, concluam que o papel do governo deveria ser o de desregular a estrutura de organi-zao do trabalho e da produo, para se alcanar o equilbrio de pleno emprego e no gastar mais.

    Por outro lado, a reao terica, ou de interpretao dos fatos econmicos, de correntes mais radicais, tambm no foram bem-sucedidas, em grande parte devido a suas limitaes intrnsecas. Apon-tava-se para um suposto esgotamento da organizao fordista da produo com reflexos macroeconmicos na produti-vidade agregada. Associado a este esgo-tamento, argumentava-se que o avano do Estado na economia, que permitiu a gestao do Welfare State, estaria conde-nado por contradies decorrentes da sua incapacidade de financiamento susten-tvel. Ambas as explicaes apontam para uma viso de crise do sistema capitalista e no de crise dentro do sistema capitalista.

    N O E X I S T E N O H AV E R A LT E R N AT I VA

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    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    Em outras palavras, percebia-se uma crise na capacidade de reproduo do sistema, e no uma crise transitria que resultava de suas contradies distributivas, ou da luta de classes pelas parcelas do exce-dente social.

    Este embate nos pases centrais que marcou a transio da hegemonia do keynesianismo/Welfare State para o neoli-beralismo, tem sua contrapartida abaixo do Equador com a crtica ao desenvolvi-mentismo. A rigor, a crtica convencional/ortodoxa desde sempre se centrou nas distores causadas pela interveno que o desenvolvimentismo trazia ao sistema de preos. Este, em razo de tais distor-es causadas pela ao estatal, no mais refletiria a escassez relativa dos fatores de produo.

    Mas mesmo no campo progressista, a reviso crtica do desenvolvimentismo j havia comeado desde o incio da dcada de 1960, tanto pela excessiva f no trickle down, ou seja, a capacidade de o desenvol-vimento das foras produtivas trazerem

    efetivos ganhos s populaes de forma geral, como na prpria capacidade de a industrializao sustentar-se dentro dos parmetros usuais de emulao de tal processo nos pases centrais.

    Assim como no centro, a crtica a uma inviabilidade do prosseguimento do processo de acumulao capitalista, agora em sua verso perifrica, se radicaliza no final dos anos 1960. Este vaticnio pessimista no se confirmou, ao menos no Brasil. Porm, assim como nos pases desenvolvidos, abate-se sobre as econo-mias perifricas a mesma crise inflacio-nria que atingiu os pases centrais nos anos 1970, e posteriormente, em alguns pases, e especificamente no Brasil, a crise hiperinflacionria, agora acompanhada de estagnao, nos anos 1980. Tambm aqui na periferia, ser sobre o desgaste causado pela crise inflacionria que se erigir o consenso neoliberal.

    Nem Brasil, nem Amrica do Sul estavam sozinhos na crise da dvida que atingiu toda a periferia. Ela resultou de uma

    Foto: skeeze / Pixabay

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    indita elevao dos juros internacionais, cujas consequncias foram drsticas: dete-riorao dos termos de troca, recesso mundial e estrangulamento financeiro. A quebra do Mxico em 1982 fechou, de vez, o mercado financeiro internacional, jogando a Amrica do Sul, e o Brasil em particular, em uma crise que, pelo menos no aspecto financeiro, foi pior que a dos anos 1930.

    Entretanto, uma gravssima crise de balano de pagamentos, que marca, como afirma o texto clssico de Conceio Tavares, a retomada da hegemonia ameri-cana, passa a ter, especificamente no caso brasileiro, novas interpretaes.

    Inicialmente, nossas dificuldades em termos de crescimentos no seriam resul-tado desta crise e sim de um suposto esgo-tamento do modelo de industrializao. De alguma forma, como previram os neoclssicos desde o incio dos anos 1960, finalmente as distores no sistema de preos, fruto do intervencionismo estatal, cobravam seu preo em termos de baixo crescimento como resultado da alocao ineficiente dos fatores de produo.

    Tambm, a alta/hiperinflao no estaria ligada a esta crise externa, como, alis, todos os episdios de hiperinflao esti-veram ligados, mas, sim, a um problema de excesso de demanda e/ou financiamento do setor pblico. interessante notar que no incio dos anos 1980 a leitura menos ortodoxa fornecida por autores brasileiros keynesianos tradicionais centrava-se no carter inercial da alta inflao. Sem descontar a forte indexao existente

    ento na economia brasileira, o fracasso de programas de desindexao neutra em vez de revelar o bvio, ou seja, que a alta inflao tinha como fonte central a crise de financiamento externo e no simples-mente a indexao, comeou a ser lido como uma questo de excesso de demanda.

    Este diagnstico que era descartado at mesmo a partir da estimao econo-mtrica de Curvas de Phillips para o Brasil pelos prprios autores brasileiros keynesianos mais convencionais, com a virada ps-fracasso dos planos de esta-bilizao, passa a ser o mais importante para explicar a inflao no perodo. O gasto, e especialmente o dficit pblico, passaram a ser os suspeitos de sempre, na verdade, os condenados de sempre, da crise inflacionria.

    Para piorar, a essa virada da interpretao da inflao somou-se um argumento que propunha a existncia de uma suposta crise fiscal. verdade que parte da dvida

    Tambm, enquanto nos pases desenvolvidos o

    Welfare State seria o principal culpado por excessos

    de gasto e engessamento no mercado de trabalho, aqui o intervencionismo

    desenvolvimentista que distorceria a alocao

    tima do mercado.

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    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    externa sendo pblica, haveria uma carga de juros a ser paga em dlar, mas a dificul-dade de pagamentos em dlares decorreria da prpria crise do financiamento externo. Entretanto, em moeda domstica, quando se busca um indicador objetivo de difi-culdades de financiamento domstico, como, por exemplo, uma presso sobre os juros domsticos da dvida pblica, no se encontra episdio relevante para dar suporte tese da crise fiscal. Estranha-mente apesar da falta de provas empricas , a crise fiscal ganhou status de verdade estabelecida dentro de um espectro muito amplo de interpretaes para o mau desem-penho da economia brasileira no perodo.

    Assim, a construo da hegemonia neoli-beral no Brasil seguiu a linha geral do desgaste inflacionrio como nos pases desenvolvidos, mas com peculiaridades. A alta inflao daqui foi decorrncia direta, na dcada de 1980 da crise externa, no de presses salariais e do primeiro choque do petrleo. O suposto papel do setor pblico, ou mais precisamente, do dficit pblico, estabelece-se tardiamente e associa-se a uma crise fiscal sem compro-vao emprica. Tambm, enquanto nos pases desenvolvidos o Welfare State seria o principal culpado por excessos de gasto e engessamento no mercado de trabalho, aqui o intervencionismo desenvolvimen-tista que distorceria a alocao tima do mercado.

    At aqui, mostramos, mesmo com distin-es, uma convergncia da interao entre fenmenos econmicos e formao de um consenso conservador neoliberal em pases desenvolvidos e em pases em

    desenvolvimento nos anos 1980. H, todavia, no sculo XXI uma bifurcao poltica importante.

    Nos pases em desenvolvimento, a inca-pacidade para gerar maior crescimento, e o aguamento das disparidades naturais no capitalismo menos regulado, resul-taram numa reao que, em conjunto com mudanas favorveis nas condies externas, iniciaram um novo ciclo de governos marcados por polticas pblicas com carter redistributivista.

    Entretanto, se verdade que essa novidade sul-americana contraps-se na prtica ao discurso ento hegemnico, por outro no foi capaz de criar novos consensos tanto para polticas macroeconmicas como para estratgias de desenvolvimento que dessem sustentao a opes polticas redistributivistas e inclusivas.

    Entretanto, se verdade que essa novidade sul-americana

    contraps-se na prtica ao discurso ento hegemnico,

    por outro no foi capaz de criar novos consensos tanto para polticas macroeconmicas

    como para estratgias de desenvolvimento que dessem sustentao a opes polticas redistributivistas e inclusivas.

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    Logo, esta bifurcao do sculo XXI at certo ponto parcial. A dinmica poltica permitiu que partidos progressistas, no vcuo da insatisfao social com o neolibe-ralismo, conseguissem impor uma agenda social e redistributivista. Mas isto ocorre sem que se tivesse erigido um arcabouo terico e programtico de sustentao para tal movida. Historicamente, nem seria grande novidade: o fim da era liberal nos anos 1930 tambm gerou experimenta-es sociais e de poltica econmica que precederam uma formulao terica consistente.

    Entretanto, aos poucos foram-se formando os consensos tericos e de gesto econ-mica que viriam a ser dominantes no mundo desenvolvido, keynesianismo/Welfare State; e subdesenvolvido, desen-volvimentismo. A dvida : estaria ocor-rendo o mesmo processo agora, ao menos em certos pases da periferia?

    No presente momento histrico, a dupla tarefa de releitura terica consistente dos fatos passados, bem como da formulao de propostas claras, sofre, alm das difi-culdades tericas inerentes a tal tarefa, a desvantagem da prpria bifurcao entre norte e sul, a no permitir que ocorra a sinergia intelectual e poltica que decor-reria de um movimento conjunto do mundo desenvolvido e subdesenvolvido.

    Mesmo na Amrica Latina, a velocidade das experimentaes menos ortodoxas de poltica econmica variaram de pas para pas, sendo o Brasil, entre os que tentaram tais experimentaes, aquele onde, a despeito da existncia de um pensamento

    acadmico heterodoxo mais sistemtico e representativo, menos se avanou.

    Entretanto, quaisquer que tenham sido os graus de maior ou menor radicalidade destas mudanas, a dura realidade que os anos mais favorveis da primeira dcada do sculo j so passado. O ciclo de elevao dos preos e de forte demanda de commo-dities, caracterstico da primeira dcada do sculo XXI, j se reverteu, reduzindo, em diferentes graus dependendo do pas, a janela de oportunidade de expanso doms-tica sem encontrar grandes problemas pelo lado da restrio externa. Agora o relgio corre veloz, e a reflexo progressista v-se forada, premida pela dinmica poltica, a pensar alternativas que permitam, num quadro menos favorvel, a continuao das experincias progressistas, to raras num continente historicamente conservador e com elites extremamente ciosas de seus privilgios.

    Quem sabe o relgio quebrado Europeu no seja forado a voltar a andar, empurrado pelos resultados sociais desastrosos que decorrem de sua prolongada depresso, e, assim, como na primeira metade do sculo passado, nos auxiliem a encon-trar os consensos de reflexo que deem sustentao a uma ao poltica progres-sista? Seria uma lstima deixar fechar-se a importante janela de oportunidade que a histria nos deu no incio deste sculo.

    Foto: Keynes / Brasil Escola

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    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    A partir de 1999, a adoo do sistema de metas para a inflao pretendia a subs-tituio formal da taxa de cmbio como ncora nominal do nvel geral de preos na economia brasileira. Segundo suas premissas, a taxa de cmbio livre deveria ajustar as contas externas do pas, e haveria precariedade na utilizao do estoque de moeda como ncora nominal dos preos, em funo das flutuaes em sua

    velocidade-renda ao sabor das inovaes financeiras e dos ventos das expectativas, inclusive sobre os rumos da poltica fiscal. Assim, sob o regime de metas para a inflao, sobre o alicerce fiscal e atravs da administrao exclusiva da taxa bsica de juros, a misso da poltica monetria seria coordenar (ancorar) as expectativas infla-cionrias, promovendo a ligao temporal consistente entre prazos curtos e longos na economia.

    No obstante a observncia dos quesitos anteriores, a implantao do novo sistema no impediu que a economia brasileira

    Roberto Pires MessenbergTcnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea/Diest

    Restries e perspectivas

    do crescimento econmico

    no Brasil

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    Foto- Tasso Marcelo/ Fotos Pblicas

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    R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 6

    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    passasse a enfrentar, sistematicamente, situaes nas quais, em graus variados, combinavam-se presses inflacionrias latentes e baixo crescimento do produto potencial.

    Desse modo, as insuficincias do sistema de metas para inflao acabaram por ensejar em flagrante contradio com o que dele se pretendia inicialmente uma subordi-nao crescente da poltica econmica busca da convergncia das expectativas de curto prazo prevalecentes nos mercados de ativos financeiros. Ao longo do tempo,

    contudo, os limites e os custos de longo prazo impostos por este condicionamento da poltica econmica passaram a ficar cada vez mais evidentes.

    Nesse sentido, a brusca desacelerao do crescimento da economia internacional a partir de 2008 e, consequentemente, tambm, da significativa elevao dos preos reais das commodities exportadas pelo Brasil desde 2004 tornou mani-festa, uma vez mais, a tendncia de falta de funcionalidade do regime de cmbio flutuante com vistas a um ajustamento

    Foto: Eduardo Fagnani

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    R E S T R I E S E P E R S P E C T I VA S D O C R E S C I M E N T O E C O N M I C O N O B R A S I L

    positivo das exportaes lquidas. Em que pesem, assim, as dificuldades postas desde ento pelo prprio movimento de desacele-rao dos fluxos de comrcio internacional, esta carncia persistente de funcionalidade do regime cambial (idealizado no mbito do sistema de metas para a inflao) deve ser atribuda, essencialmente, ao recurso siste-mtico da valorizao da taxa de cmbio como recurso privilegiado da poltica de conteno inflacionria.1

    Do ponto de vista das relaes entre o formato da poltica econmica (sob o sistema de metas para a inflao) e a din-mica do crescimento, deve-se destacar que o movimento expansivo da economia brasileira entre os perodos iniciais das duas primeiras dcadas do sculo XXI constituiu, essencialmente, um reflexo da conjuntura econmica mundial. Esta ltima, atravs de seu impacto favorvel sobre os termos de troca envolvidos nas

    mercadorias comercializadas pelo Brasil, estimulou fortemente os investimentos e a produo nos setores produtores de commodities, compensando com folga (ao menos enquanto manteve-se vigorosa) a progressiva fragilidade dos investimentos e da produo domstica na indstria manu-fatureira, em decorrncia dos movimentos sistemticos de valorizao cambial e de elevao do custo unitrio do trabalho.

    Assim, enquanto cresciam, os ganhos deri-vados dos termos de troca nas exportaes lquidas de commodities determinavam, por um lado, uma reduo significativa da fragilidade externa na economia brasi-leira (relaxamento da restrio utilizao de divisas estrangeiras) e, por outro, um influxo positivo de renda responsvel pelas elevaes concomitantes (embora decres-centes no tempo) do consumo privado, das importaes, da poupana nacional e, finalmente, do prprio ritmo de cresci-mento do produto, sem contrapartida em aumentos sistmicos de produtividade.

    Cabe aqui, portanto, uma considerao sobre a ocorrncia de uma eventual mudana estrutural na economia brasi-leira, marcadamente a partir de 2004, com a emergncia de um novo padro de demanda agregada determinante do fortalecimento do mercado interno e do estmulo ao crescimento.

    Em ltima instncia, essa mudana estaria ligada adoo intensa de polticas pblicas redistributivas, como aumentos reais do salrio mnimo e das Transferncias Pblicas Previdencirias e Assistenciais (TAPS), alm da expanso significativa do

    Desse modo, as insuficincias do sistema de metas para

    inflao acabaram por ensejar em flagrante contradio

    com o que dele se pretendia inicialmente uma

    subordinao crescente da poltica econmica busca

    da convergncia das expectativas de curto prazo

    prevalecentes nos mercados de ativos financeiros.

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    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    Foto: Jaelson Lucas/SMCS(arquivo)

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    crdito, com o crescente financiamento do consumo privado pelos bancos pblicos. Dadas as caractersticas gerais do novo padro da demanda agregada, bem como sua suposta dominncia sobre a dinmica do crescimento econmico brasileiro, passou-se, usualmente, a identific-lo como modelo de crescimento baseado no consumo.

    A esse respeito, contudo, deve-se notar que o funcionamento do modelo de crescimento baseado na expanso do consumo pres-supe, fundamentalmente, a ocorrncia de uma estreita e cumulativa interao dinmica entre as demandas de consumo e de investimentos na economia. Vale dizer, a efetividade desse modelo depende do fato de que a acelerao da demanda de consumo independentemente da identificao de seus fatores propulsores primrios seja estimulante o suficiente para deflagrar a dinamizao sustentada da demanda de investimentos na economia; algo que efetivamente no ocorreu a partir da crise de 2008. Este fato contraditrio, portanto, com o entendimento da expanso econmica at recentemente observada no Brasil nos termos de um modelo de cresci-mento sustentvel liderado pela demanda de consumo.

    Na verdade, o movimento de expanso da economia brasileira no momento atual apresenta evidncias de um esgotamento e enfrenta riscos para sua continuidade. Isto porque, do ponto de vista do setor externo, a cumulativa dominncia temporal da pol-tica monetria sob o regime de metas de inflao acabou por levar constituio de

    uma deformidade estrutural: um espaa-mento na base produtiva determinante de variaes positivas dos saldos comerciais pouco sensveis s desvalorizaes reais do cmbio, mais dependentes da reduo nos nveis de atividade interna e do sopro extraordinrio dos bons ventos (nacio-nais e estrangeiros) para as exportaes de produtos bsicos; e incapazes, consequen-temente, de difundir efeitos dinmicos de longo alcance sobre o conjunto do sistema econmico.

    Por o utr o la do, da p ersp e ctiva do mercado interno e dos fluxos domsticos de produo, a dominncia monetria (ou financeira) com cmbio valorizado durante um perodo extenso acabou por estimular influxos lquidos crescentes

    Desta perspectiva, os avanos nos investimentos pblicos

    e das concesses pblicas ao investimento privado

    constituem o ponto central da poltica econmica. Atravs

    deles, obter-se-iam o alargamento do horizonte

    de clculo empresarial e a continuidade da trajetria

    de queda das taxas domsticas de juro, cujo piso passaria

    a refletir os nveis das taxas praticadas no mercado

    internacional.

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    R E V I S TA P O L T I C A S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O 1 6

    P O L T I C A S D E A U S T E R I D A D E E C O N M I C A : O D E B AT E S O B R E A LT E R N AT I VA S

    de capital, vinculando, ao mesmo tempo, os incentivos domsticos de produo expanso da oferta de bens com menor grau de tradeability, ou seja, justamente das atividades de setores caracterizados pelo reduzido potencial de comercializao externa dos produtos e de mobilizao dos investimentos produtivos transfor-madores. Associou-se, assim, crescente mobilidade e influncia dos fluxos finan-ceiros externos na economia brasileira, uma perda contnua de flexibilidade em sua base produtiva. No momento atual, esta ltima encontra-se ressentida pela:

    a) ampliao acentuada da presena de bens complementares produo doms-tica na pauta de importaes; o que limita o alcance no tempo de um padro mais equilibrado de comrcio exterior (objetivo ltimo da colapsada estratgia anterior, de substituio de importaes);

    b) especificidade do movimento de diver-sificao da pauta de exportaes; movi-mento este realizado a partir do aumento das participaes de produtos bsicos, e de produtos manufaturados com maior incli-nao ao emprego intensivo de insumos importados (fsicos e financeiros) e ao atendimento de demandas cativas (doms-tica ou regional).

    Resta considerar ento as possibilidades de empregar-se a poltica fiscal para relaxar a restrio retomada dos investimentos que hoje limita as possibilidades de cres-cimento econmico sustentvel a partir da expanso industrial e do fortalecimento dos saldos comerciais.

    Dada a reduzida capacidade de resposta dos fluxos de produo de bens tradea-bles aos sinais nem sempre confortveis emitidos pela demanda externa e pela a taxa de cmbio, no se pode conceber o relaxamento dessa restrio pela mera tenacidade para alcanar ajustes fiscais crescentes. Tomada nesses termos, tal postura serviria exclusivamente s condi-es imediatas de sustentao da afluncia de capital externo na economia, com a convergncia das expectativas de mercado no curto prazo, mas ao custo, entretanto, de permanecer a instabilidade latente da taxa real de cmbio e dos elevados patamares da taxa real de juros.

    Do ponto de vista da absoro domstica, o ajuste fiscal obtido por meio da conteno ao gasto pblico dada a composio setorial deste ltimo , elevaria o excesso de oferta vigente sobre os setores produ-tores de bens non-tradeables, com efeitos marginais de curto prazo sobre a oferta excedente de bens tradeables.

    Ainda assim, no entanto, uma conteno fiscal que contemplasse a ampliao das despesas pblicas de investimentos e a queda da carga tributria no setor produtor de bens tradeables poderia ser considerada superior a qualquer variante de aperto monetrio: seus efeitos positivos sobre as expectativas empresariais estimulariam os investimentos privados e, consequen-temente, contribuiriam para eliminar a deformidade estrutural construda ao longo dos anos de proeminncia da poltica monetria.

    Em essncia, o arranjo dos instrumentos

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    da poltica fiscal deveria focalizar os obst-culos postos pela necessidade de realo-carem-se os fluxos internos de produo. Assim, caberia poltica econmico-fiscal a tarefa de incentivar a remodelagem da base produtiva na economia brasileira, em direo superao definitiva dos problemas trazidos de forma recorrente pela inconsistncia dos movimentos de valorizao cambial.

    Desta perspectiva, os avanos nos investi-mentos pblicos e das concesses pblicas ao investimento privado constituem o ponto central da poltica econmica. Atravs deles, obter-se-iam o alargamento do horizonte de clculo empresarial e a continuidade da trajetria de queda das taxas domsticas de juro, cujo piso passaria a refletir os nveis das taxas praticadas no mercado internacional.

    Ao longo do tempo, a elevao da taxa agregada de investimentos tornaria as trajetrias declinantes das taxas reais de juro e de cmbio compatveis com a menor averso (relativa) ao risco dos investidores internacionais e a maior oferta relativa de bens tradeables na economia. Consistentes, portanto, com a robustez do balano de pagamentos e o pleno emprego dos recursos produtivos. Sem inflao.

    NOTA1. Implicitamente, reconhecer este ponto implica reconhecer tambm a patente inoperncia da tentativa de calibragem do hiato do produto na economia, mediante a manipulao da taxa bsica de juros, como via primordial de controle da inflao.

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