revista raiz #10
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A REVOLUÇÃO DIGITAL por Marcelo BrancoTRANSCRIPT
Conheça mais os tons e cores de Ranchinho.
RANCHINHO Conheça mais os tons e cores de Ranchinho.
A ARTE VISIONÁRIA DE
A SENSIBILIDADE FALA MAIS DO QUE UM MILHÃO DE PALAVRAS
Ele tem um talento artístico extraordinário.Agora, sua história e sua obra estão descritos nesse livro.
Ricamente ilustrado com dezenas de obras do artista Texto dos experts Antônio Fernando Franceschi, Oscar D´Ambrósio e Roberto Rugiero.
MINISTÉRIO DA CULTURA, ASSOCIAÇÃO RAIZ E GALERIA BRASILIANA APRESENTAM
RANCHINHO
Nas melhores livrarias ou no portal Raiz: www.revistaraiz.com.br
Realização
A edição 11 da RAIZ. apresenta muitas ideias e caminhos para se pensar a nossa cultura e a nossa identidade. São tantas as perspectivas
abordadas, que vamos descrevê-las acompanhando o sumário da revista, para que juntos possamos entender seus múltiplos desenvolvimentos.
Começamos com nossa religiosidade, misturada nas procissões católicas dos europeus, nas festas de matriz africanas e na fé em santos
não-canônicos, traduzidas em belos retratos cearenses e pernambucanos. Então, apresentamos o Fórum Internacional de Gestão Cultural
na USP realizado em São Paulo, para discutir a cultura como um bem social, fora dos meandros mercantilizadores e achatadores de
diferenças e possibilidades.
Continuando em São Paulo vamos o Instituto Tomie Otake acompanhar uma exposição ímpar que se inicia, com 10 artistas da maior significância
para nossa arte popular oriundos de 8 estados brasileiros. Eles vem para expor e dialogar diretamente com o público, sem intermediários ou
tradutores. E nós agraciados com o texto sempre elegante e profundo de Maria Lucia Montes.
Dos nosso artistas populares, homenageamos os 100 anos de Jorge Amado, com mais um texto marcante, este de Gustavo Rossi, que nos apresenta o
grande legado desse autor popular e erudito para a definição de nossa identidade brasileira. Nossa negritude aceita pelo endosso do autor.
Das letras aos bits com a ocupação digital do espectro eletromagnético e milhares de ondas, que as tecnologias nos permitem utilizar, assim como
já fazemos no mundo da Internet. Seguimos com a potencialização das redes do Fora do Eixo, que tem feito escola e realizado um dos trabalhos
mais sérios na geração de um economia colaborativa.
Daí mergulhamos em nossa identidade. Com a apresentação de uma das coleções mais belas da nossa arte popular, a coleção Gambarotto e indo
direto para Iguape, em São Paulo, onde o carnaval é mais do que uma festa popular.
Em uma edição, focada na formulação de políticas para a cultura, abordamos dois casos de sucesso de metodologias inclusivas: os trabalhos do
Instituto Olga Kos e da Associação Cultural Cachuera! O primeiro, incluindo portadores de deficiência intelectual através da arte e do esporte; o
segundo, trazendo os folguedos para o entendimento e consumo ampliado dos centros urbanos. Continuando para o novo MinC, já mais rodado
agora, que apresenta seus diferenciais no debate sobre a Economia Criativa e na análise do processo de Gilberto Gil a Ana de Hollanda, a dobrada
da MPB, que mudou e pretende mudar a Cultura do país.
Para se divertir, rótulos de cachaças históricos e iconográficos para o deleite do olhar. Continuando nosso entretenimento, nada como escutar a
música analógica do Acervo Origens, com os LPs antológicos da música brasileira e pegar a estrada com a Rede de Turismo Comunitário, que com
muito conforto oferece uma experiência diferenciada aos viajantes.
Para terminar, um bom cafezinho. Ainda mais se misturado com o caldo de cana em uma receita tradicional. Nunca experimentou? Não sabe o
que está perdendo.
Boa leitura!
Edgard Steffen Junior
EXPEDIENTEEDITOR-CHEFE: Edgard Steffen Junior
EDITORA ASSISTENTE: Thereza Dantas
JORNALISTA: Cleber Erik da Silva
PROJETO GRÁFICO: Uirá Peixeiro
DIREÇÃO DE ARTE: Uirá Peixeiro e Igor Busquets
VÍDEOS: Célia Harumi Seki
VINHETA: Rodolfo Nakakubo
INTERNET: Leo Flauzino
ADMINISTRAÇÃO: Marcela Carvalho Campos
COLABORADORES: Cristina Astolfi, Lauro Ramos, Marcos Linhares, Mauro
Dias, Patrícia Dunker, Raul Lody e Roberto Ruggiero (TEXTOS); Fernando
Cavalcante, Guma, Julio Pereira, Lauro Rocha, Luiz Claudio Mayerhofer e
Luiz Santos (FOTOGRAFIAS)
JORNALISTA RESPONSÁVEL: Thereza Dantas – MTB 22.194
APOIO INSTITUCIONAL
Este é um projeto com o apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91)
COLABORADORES
Jefferson Duarte Apaixonado e disseminador da cultura
popular brasileira. Nasceu em Cascadura subúrbio do Rio de
Janeiro, mora atualmente em São Paulo. Cenógrafo autodi-
data por ofício, foi responsável pelas exposições: Na Terra de
Macunaima; 100 anos de Cordel - a história que o povo conta;
O Chão de Graciliano; Choro do Quintal ao Municipal; Estação
Cartola; Cariri Sertão Cultura; Sertão Brasil – uma viagem pelas
veredas do Rosa, Memorial da Inclusão – Mostra permanente
da Secretaria estadual da pessoa com deficiência; A Arte nos
tempos do café; entre outras. Hoje está à frente da Celophane
Cultural como produtor, cenógrafo e blogueiro.
Gustavo Rossi éGraduação em Ciência Sociais pela Unesp
(Araraquara) e Mestrado e Doutorado em Antropologia Social
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor do
livro As cores da revolução: a literatura de Jorge Amado nos
anos 30.
RAIZ É UMA PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO RAIZ. COM APOIO DA EDITORA CULTURA EM AÇÃO.
E-MAIL: [email protected]
PORTAL RAIZ.: www.revistaraiz.com.br
AGRADECIMENTOS AOS PARCEIROS DA 10ª EDIÇÃO DA REVISTA RAIZ:
Muda Cultural - Race Gestão Cultural - Primavera Filmes - Programa
Cultura Viva - Galeria Brasiliana – Rede Mocambos (Margareth Silva, TC e
PC) – Rede Cananéia – Museu Afro Brasil – Emanoel Araújo - Felipe Melo
- Bárbara Tércia – MinC Regional São Paulo.
IMPRESSÃO E ACABAMENTO: RR Donnelley
Diego Dionísio Jornalista e assessor de comunicação com
atuação há 10 anos na cultura popular brasileira, Pesquisador,
membro da Comissão e Paulista de Folclore com especialização
em inventário de Patrimônio Imaterial pela Crespial/Unesco.
Raquel Gonçalves é jornalista, formada pela Universidade
Federal do Ceará - UFC. Mestre em Comunicação e Semiótica
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC
SP. Membro fundador do extinto grupo Tr.e.m.a. (Território
de Expressão no Mundo Anônimo) que atuou na cidade de
Fortaleza com intervenções e produções alternativas de comu-
nicação. Trabalhou no caderno de cultura do jornal O POVO,
em Fortaleza. Desde 2009 mora em São Paulo. Possui um blog
jornalístico de viagem. www.estradadosventos.blogspot.com`
SUMÁRIO
O que rola de bom em nossa cultura
Debates sobre os caminhos da cultura brasileira
Livros, filmes, DVDs e CDs de RAIZ
O libertador de livros: João Corujão
Fernando Duarte, exclusiva com o secretário de cultura de Pernambuco
A exuberante Porto Alegre
A fala digital de Marcelo Branco
Caboclinho 7 Flexas, o índio urbano do carnaval
O erudito e o popular do Sagrama, PE
Tracunhaém, a cidade feita de barro
A coleção de João Maurício de Araújo Pinho
Comida com axé
Arte e transformação social em ação
ACONTECE......................6
RAIZ DA QUESTÃO...........40
BENS DE RAIZ....................70
VERSO...............................30
20
POLÍTICAS.........................56
VIAGENS...........................88
PROSA..............................
60
PATRIMÔNIO....................48
MÚSICA............................84
FIGURAS............................36
ENSAIOS...........................
COMIDAS.........................96
PONTOS DE CULTURA.....102
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EM SUA DÉCIMA EDIÇÃO, O FESTIVAL INTERNACIONAL DE
BONECOS DE BRASÍLIA DESCENTRALIZOU O EVENTO E FEZ
ARTISTAS DE ONZE PAÍSES PARTILHAREM EXPERIÊNCIAS E SONHOS
DEZ ANOS, DEZ PAÍSES E DES...CENTRALIZAÇÃO
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Por Marcos Linhares
Fotos Artur Leonardo, Flávio Manoel e Karim Sauro
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“O fato é que o mundo do teatro de bonecos já há muito encanta o Brasil, e a capital federal também não conseguiu
resistir à criatividade e à irreverência dessa nobre manifestação de cultura popular.”
Público interage no Festival Internacional de Bonecos de Brasília
ano, pôde-se notar uma preocupação
com a descentralização, no sentido de
realizar apresentações não só no centro da
capital federal (no chamado Plano Piloto)
mas também alcançar as outras regiões
administrativas, antigamente chamadas de
cidades-satélites, com população ávida por
atrações culturais e normalmente esqueci-
da dos grandes espetáculos.
“Nós apostamos na descentralização.
Nós queremos consolidar esse projeto.
Afinal, fora do Nordeste, o DF o local
com a maior concentração de bonequei-
ros do Brasil, e o festival deve cumprir
uma função social: gerar empregos dire-
Emoção. Brilho nos olhos do
espectador que brota quando da
manipulação de um boneco que
ganha vida. O fato é que o mun-
do do teatro de bonecos já há
muito encanta o Brasil, e a capital federal
também não conseguiu resistir à criativi-
dade e à irreverência dessa nobre mani-
festação de cultura popular. Colocando o
Distrito Federal na rota mundial, o Festival
Internacional de Bonecos de Brasília tem
aberto espaços, discutido o fazer cultural,
e construído um ambiente democrático
da arte humanística. Na décima edição,
realizada de setembro a outubro deste
tos e indiretos, tanto para artistas quanto
para prestadores de serviços de áreas
variadas. São dez anos e isso também
faz parte de nossa missão,” defende o
coordenador-geral, Ricardo Moreira. Mo-
reira conseguiu reunir grupos brasileiros
de várias unidades da Federação (CE,
DF, GO, MG, PB, PE, PI, PR, RJ, RN, RS,
SP) com artistas da Argentina, Bolívia,
Colômbia, Costa Rica, Chile, Espanha,
Quênia, México, Portugal e Uruguai.
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Breve histórico dos bonecos no Brasil
O mamulengueiro, ventríloquo, edu-
cador e um dos precursores da arte dos
bonecos no DF, Chico Simões, explica
que no Brasil os bonecos chegaram com
os primeiros portugueses. Religiosos ou
profanos tinham vários nomes: Presépio
de Fala, Bonifrates, Briguela, Engonços,
mas logo adquiriram o sabor africano e
indígena e novos apelidos.
“O mamulengo é para todos, sem
distinção de idade, credo religioso ou
classe social. Apresenta-se em qual-
quer parte, desde os salões da realeza
até as feiras e casas mais pobres, da
casa grande à senzala. Os bonecos são
feitos, geralmente de madeira e tecido,
de feições caricaturais e movimentos
engraçados, sempre lembram algum
conhecido nosso, um político, um reli-
gioso, um aventureiro, um patrão, um
empregado, alguns bichos naturais e até
criações do outro mundo. O palco pode
ser qualquer tecido onde o mamulenguei-
ro se esconda atrás e os bonecos possam
subir para brincar,” explica Simões.
Quando não existia a televisão e outras
formas de diversão o mamulengo fazia
muito sucesso em todo o Brasil, depois
passou por uma grande crise, mas hoje
em dia tem se tornado meio de vida de
muita gente que vai descobrindo novas
funções para os bonecos. Outras carac-
terísticas marcantes do mamulengo são
o improviso e a comunicação direta com
o público. A cultura popular brasileira
compõe um universo vivo em permanen-
te estado de ebulição. “As histórias ge-
ralmente partem de roteiros transmitidos
oralmente, são clássicos que, adaptados
livremente por cada mamulengueiro, se
renovam. De vez em quando um mamu-
lengueiro inventa um texto totalmente
novo, o que é muito bom pois renova a
tradição,” finaliza Simões.
Mestres
Presentes em todas as edições do
Festival, os mestres chamados de ma-
mulengueiros são um capítulo à parte:
talentosos, normalmente com pouco
estudo, de certa idade e com muitos anos
de estrada, eles encantam pela simplici-
dade de seu brincar que demove barreiras
culturais, étnicas, etárias e sociais. Em
comum, o riso fácil, a alegria de viver e
a honra pela profissão sofrida e normal-
mente carente de apoio governamental.
Representando o estado do Ceará,
o mestre Gilberto Calungueiro participa
do Festival há anos e em 2006, recebeu
do governo cearense o título de Mestre
da Cultura. “Participar do Festival foi a
maior alegria que já tive na vida. Gostei
da viagem, do povo de Brasília. Minha
vida é assim mesmo. Nunca pensei em ser
calungueiro. Nunca pensei em andar de
avião. Nunca pensei em ir para Brasília.
E olha só: deu tudo certo e estou muito
feliz,” contou o artista.
O evento conseguiu ocupar o status
de maior Festival de Bonecos do país,
graças ao público de cerca de 400 mil ex-
pectadores, sendo que aproximadamente
80% do total era composto por alunos
de escolas públicas urbanas e rurais que
puderam assistir a tudo gratuitamente.
“Quando não existia a televisão
e outras formas de diversão o
mamulengo fazia muito sucesso em
todo o Brasil.”
“Minha vida é assim mesmo.
Nunca pensei em ser calungueiro.
Nunca pensei em andar de avião.
Nunca pensei em ir para Brasília. E olha só: deu tudo certo e
estou muito feliz”, mestre Gilberto
Calungueiro
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Espetáculo “O princípio do Espanto” da Morpheus Teatro de São Paulo
LIVRO CONTA HISTÓRIA DOS MAMULENGOS DO PAÍS
a casa com o cachê recebido pelas
apresentações no evento, anos atrás.
Finalmente, com a participação dele este
ano, conseguirá finalizar a tão sonhada
moradia. “Sem o Festival de Brasília eu
jamais conseguiria,” revela feliz.
Fazendo um devido registro de seus
sonhos, dores e amores, os autores
abordam a maravilhosa dádiva da cultu-
ra popular por meio de seus protagonis-
tas e da paixão pelo teatro internacional
de bonecos.
“Os artistas exibem os diversos “sotaques” desse
‘brinquedo’”
Os artistas que trabalham com
bonecos exibem os diversos “sotaques”
(características, estilos) desse “brin-
quedo” mais conhecido pelo nome de
mamulengo, como é chamado em Per-
nambuco. No Brasil há outras alcunhas
que mudam de acordo com a região.
Na Paraíba, por exemplo, é chamado de
Babau; no Rio Grande do Norte, de João
Redondo ou Calunga; no Ceará, Piauí,
Maranhão e Pará como Cassimiro Coco;
na Bahia, quando existiu, se chamou
João Minhoca.
Mais do que falar do Festival Inter-
nacional de Bonecos de Brasília, o livro
Uma década de Brincadeiras – Uma
desculpa para falar de Bonecos, dos
jornalistas Marcos Linhares e Vitor Ferns,
foca em quem o faz: os artistas. É o caso
do cearense Toni Bonequeiro que com-
prou o lote onde reside com o dinheiro
do Bolsa-Família e começou a construir
Serviço:
Livro: Uma década de Brincadeiras –
Uma desculpa para falar de Bonecos
de Marcos Linhares e Vitor Ferns
Editora Thesaurus, 144 págs.
Quanto: 30 reais
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Da Redação
Fotos Divulgação
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BRINQUEDOS DO BRASIL
Brincar com Arte – O Brinquedo Popular do Nordeste traz objetos da coleção de David Glat, curador do Museu do Brinquedo Po-
pular na Bahia. A exposição tem uma grande diversidade de objetos, de bonecos representando figuras populares, como bailarinas
e forrozeiros, e mitológicas, como o saci e sereias, a miniaturas de veículos feitas de materiais diversos, tais como madeira, arame,
tecido e latinhas de refrigerante. O Museu Afro Brasil pretende nessa mostra, com mais de mil itens, pela via da estética, recuperar
as raízes brasileiras contidas nesses brinquedos, que embalaram gerações de infâncias de meninos e meninas brasileiros.
Serviço:
Exposição: Brincar com Arte – O Brinquedo Popular do Nordeste
Até dia 01 de abril de 2012, de terça a domingo das 10h às 17h
Local: Museu Afro Brasil – Avenida Pedro Álvares Cabral, s/n - Parque do Ibirapuera, portão 10, São Paulo
Fone: (11) 3320-8900 ramal 8921
Agendamento para visitas monitoradas www.museuafrobrasil.org.br
BRINCAR COM ARTE – O BRINQUEDO POPULAR DO NORDESTE, COM MAIS DE MIL OBJETOS DA COLEÇÃO DE DAVID GLAT.
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da Redação
Fotos Acervo Associação RAIZ
Na coleção do curador David Glat brinquedos criados com materiais diversos, tais como madeira, arame, tecido e latinhas de refrigerante.
UMA MANEIRA DE OUVIR O BRASILAFRO-SAMBAS
Talvez Vinicius de Moraes não
tenha incorrido em redun-
dância, afinal, ao chamar de
afro-sambas (ou afro sambas,
as duas grafias são corretas)
o resultado de seu trabalho em parceria
com Baden Powell realizado no início
dos anos 1960, um grupo de canções
inspiradas em personagens, timbres,
pulso rítmico do candomblé. Seria
redundância se consideramos que todo
samba brasileiro tem origem africana.
Não seria redundante se Vinicius pen-
sasse – e nem mesmo que José Castello,
seu melhor biógrafo, que se debruçou
sobre a questão – que o samba, tal
como era praticado comercialmente
naquele momento, estava um tanto
afastado de suas origens, acomodado,
adocicado de modo a ser palatável para
a classe média formadora do crescente
negócio da fonografia.
Seja como for, Vinicius apenas adotou
o nome “afro-sambas”. Quem batizou
assim o conjunto de peças foi o produtor
Roberto Quartin, dono da gravadora
independente Forma. Homem de grande
conhecimento musical, bom gosto e tino
comercial, Quartin havia criado a Forma
em 1960. Lançou, pelo selo, discos im-
portantes (as estreias de Moacyr Santos
e do Quarteto em Cy, a trilha sonora
de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”)
e seria o produtor do encontro de Tom
Jobim com Frank Sinatra. Pois bem, foi
esse sujeito especial que viu o que havia
de especial naqueles sambas que Baden
e Vinicius haviam composto ao longo
de alguns anos. E percebeu que seria
interessante reuni-los de forma temática.
Por Mauro Dias
Fotos Guma
gente importante do mundo do rádio
– tocando valsas, boleros, beguines,
modas, muito samba-canção.
Seu contato com o samba foi,
portanto, quase nenhum. E seu conhe-
cimento da música mais próxima das ra-
ízes africanas praticamente não existiu.
Na cidade natal, porque era muito novo.
Na capital, porque foi frequentar outro
meio. Mas histórias certas escrevem-se
por linhas tortas.
E foi assim que, em 1962, acom-
panhando Sílvia Telles, Baden fez uma
viagem à Bahia. Lá foi ouvido pelo
compositor (também cantor, jornalista,
homem de teatro etc.) Carlos Coqueijo,
que, encantado com sua habilidade, lhe
deu de presente um disco de sambas
de roda e temas do candomblé. Aquilo
era totalmente novo para o violonista.
Baden ficou extasiado. Muito estudioso
e disciplinado (apesar da imagem pública
de boêmio não muito responsável), mer-
gulhou de cabeça nos sambas de roda e
músicas de terreiro. Baden isolou células
harmônicas, examinou intervalos, escan-
diu os complexos rítmicos e, ao cabo,
redimensionou as possibilidades técnicas
do violão de modo que o instrumento
Quando Quartin bolou o nome “afro-
-sambas” e lançou o disco, em 1966,
vários dos temas já haviam sido gravados
e feito sucesso (nas vozes de Odete Lara,
Elisete Cardoso, Rosinha de Valença,
Nara Leão, por exemplo).
E, seja como for, os afro-sambas de
fato têm, como conjunto, um grande
peso simbólico – tão ideológico quanto
musical ou poético. Em linhas gerais,
pode-se dizer que o samba, de fato,
afastou-se de seu berço quando passou
a ocupar lugar de importância na cadeia
da indústria de entretenimento. O que
seria mesmo inevitável – ou não entraria
“Os afro-sambas
de fato têm, como conjunto, um grande peso simbólico – tão
ideológico quanto musical ou poético.”
na cadeia da indústria de entretenimento.
Abandonou a temática de origem (dos
jongos, das rodas do recôncavo baiano),
sempre reverente às divindades de ori-
gem africana, para abarcar universo mais
amplo. E como não há conteúdo novo
sem forma nova, esse universo mais
amplo solicitou do criador uma nova
estética. Que deu no samba tal como
era criado pelo carioca Noel Rosa, pelo
baiano Assis Valente ou pelo mineiro
Ari Barroso.
Baden Powell de Aquino nasceu
numa cidadezinha do interior do Estado
do Rio, uma antiga pousada de boia-
deiros. Seu pai era mestre de banda e
mudou-se com a família quando Baden
era garoto. No Rio de Janeiro, Baden
começou a conviver com chorões –
muito mais do que com sambistas.
Pois seu pai, que tinha conhecimento
teórico de música, era amigo de gente
musicalmente instruída como ele – os
instrumentistas do choro. A turma do
samba era outra, mais intuitiva, sem
dúvida talentosa, mas de outro mundo.
Em pouco tempo o precoce violonista
Baden Powell começou a acompanhar
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pudesse abrigar e explicitar a quantidade
de novas informações.
O primeiro afro-samba – que, nunca é
demais lembrar, não era chamado de “afro-
-samba” na ocasião – foi “Berimbau”, e é
notável o fato de que não haja alusão
religiosa na letra da canção. Pois o que
encantou tanto Baden quanto Vinicius
não foi a religiosidade da música do
candomblé e do samba de roda, mas a
riqueza harmônica, melódica e rítmica
contida naquelas formulações, e o uni-
verso – musical, poético – que se abria
como direta consequência.
Os afro-sambas, hoje, são totens da
expressão criativa popular, página sofisti-
cada que definiu critérios qualitativos para
autores que os ouviram. Edu Lobo diz que
sua música não seria a mesma sem aquela
série de canções; Chico Buarque faz coro, e
assim por diante. O violão brasileiro ganhou
dimensões novas e passou a ser reconheci-
do como um dos mais importantes – senão
o mais importante – da cena internacional.
Os nomes das divindades de origem africa-
na, os orixás, integraram-se ao vocabulário
cotidiano inclusive como reforço na afir-
mação de brasilidade que a cultura tentava
estabelecer naquele momento em que se
vivia o início da ditadura militar.
Baden – Vinicius com ele, mas Baden,
em primeiro lugar – criou um marco
divisório ali naquele início dos anos 1960,
um marco ainda não bem examinado
(mesmo que muito mencionado), talvez
de compreensão menos imediata do que
o outro, um pouco anterior, da bossa
nova, que veio pelas mãos de João Gilber-
to. São em tudo oponentes. Se João é a
contenção, a economia, o intimismo, o
distanciamento, Baden é a explosão, o
ruído, a busca da harmonia no ruído,
a porta aberta para a rua em festa, o
corpo, o contato. Essas expressões,
esses brasis estiveram em contraponto
naquela época, estão em contraponto
ainda hoje. Para entender Brasil é preci-
so ouvir essas duas vozes, estudá-las em
suas características e, fundamentalmen-
te, estudar o que as distancia.
“E como não há conteúdo novo
sem forma nova, esse universo mais amplo solicitou do criador uma nova
estética.”
“Em qualidade sonora – foi a pior naquele tempo; só existiam dois canais em hi-fi. Foi gravado num daqueles dias, em que caía um temporal histórico – o estúdio estava transbordando de água e chuva – cantava e tocávamos em cima de algumas caixas de cerveja e uísque que há muito já havíamos consumidos – estávamos todos com muita raça, mas também bastante bêbados. Poucos profissionais – até as namoradas, mulheres e amigos participaram da gravação”.
(Baden Powell em carta ao amigo Joel em 1º de novembro de 1990)
2012, ano em que se completam cinquenta anos da primeira parceria entre Baden Powell e Vinícius de Moraes, a Cia Jazzcira
de Repertório, buscando trazer luz a esta importante obra, coloca em circulação o Projeto Afro Sambas – 50 anos:
Ficha Técnica do show:
Show: O Amor nos Tempos de Baden e Vinícius
Direção Musical: Igor de Bruyn
Direção Artística: Henrique Barros
Cia Jazzcira: Adriana Aragão (percussão), Daisy Cordeiro (voz), Edson Negrita (cavaquinho), Igor de Bruyn (violões),
Mauricio Paixão(percussão), Paula Souto(voz), Susie Mathias (voz), Vinicius Batucada (percussão)
Exposição: Doze Artes, Doze Canções
Cida Carvalho, Malu Perlingeiro (Brasilia/DF), Carlos Martins (Teresina/PI), Heraldo Candido (Belém/PA),
R. Francolino (Guarulhos/SP), Jair Guilherme, Shidon Soares, Sopa Grafix, Zaza Jardim (São Paulo/SP)
Liga dos Raros: www.ligadosraros.com.br
Afro Sambas: www.afrosambas.com.br
O Amor nos Tempos de Baden e Vinícius: oamornostempos.wordpress.com
Circulação do show O Amor nos Tempos de Baden e Vinícius, que além da série de músicas dos Afro-Sambas, traz os
clássicos “Apelo”, “Deixa”, “Formosa”, “Samba em Prelúdio”, “Samba da Benção”, “Tem Dó”, “Pra que chorar”, “Queixa”,
“Tempo Feliz” e “O Astronauta”. O show teve a sua estreia em maio de 2011, e já foi apresentado nas bibliotecas municipais de
Pinheiros, Vila Mariana, Vila Maria e Guaianazes, no SESC Santo Amaro, e na AABB–Associação Atlética do Banco do Brasil.
Circulação da exposição coletiva Doze Artes. Doze Canções. Nove artistas brasileiros recriam nas artes plásticas os doze afro-
-sambas que compõem a coleção de Baden Powell e Vinícius de Moraes (“Berimbau”, “Bocochê”, “Canto de Iemanjá”, “Canto
de Ossanha”, “Canto de Xangô”, “Canto do Caboclo Pedra Preta”, “Consolação”, “Labareda”, “Lamento de Exu”, “Samba da
Benção”, “Tempo de Amor” e “Tristeza e Solidão”). Exposição inaugurada na Galeria do Banco do Brasil.
Produção de documentário (ainda sem título). A partir do depoimento de alguns protagonistas (Quarteto em Cy, Dulce Nu-
nes, Alfredo Bessa, Betty Faria, César Proença, Otto Gonçalves Junior), recria os quatro dias da gravação do LP, ocorrida nos dias
03, 04, 05 e 06 de janeiro de 1966.
50 ANOS DE AFRO SAMBAS
O Projeto e a agenda dos shows podem ser acompanhados no blog: www.afrosambas.com.br
Serviço:
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brapa, criou e produziu diversos projetos de inclusão digital
para a prefeitura de Porto Alegre e para o governo do Estado
do Rio Grande do Sul. Foi um dos consultores em cultura
digital na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura.
Em meio à gestação da primeira filha e aos encontros nacio-
nais e internacionais sobre os temas do ciberespaço, concedeu
uma entrevista no café da Casa de Cultura Mario Quintana, na
capital gaúcha, Porto Alegre, para a revista RAIZ. Marcelo Bran-
co fala das mudanças do século 21 com segurança e da certeza
de que o mundo já mudou. Militância, ativismo, políticas públi-
cas e direito autoral foram alguns temas das quase duas horas
de bate-papo. Sem pressa, desplugado...
MARCELO BRANCODESPLUGADO
Segundo a Wikipedia, ele é “consultor para socieda-
de da informação e também ocupa o cargo de pro-
fessor honorário da Cevatec, além de ser membro
do conselho científico do programa internacional de
estudos superiores em Software Livre na Universida-
de Aberta de Catalunha.
Foi coordenador do projeto Software Livre Brasil, através
do qual também coordenou o Fórum Internacional de Softwa-
re Livre. Também foi diretor do Campus Party Brasil por três
anos. Deixou estas duas funções para se dedicar à coordena-
ção de campanha nas redes sociais da candidata Dilma Rous-
seff do PT nas eleições 2010 do Brasil”. Uma das referências
da cultura digital no Brasil, Marcelo D’Elia Branco frequenta o
ciberespaço há mais de trinta anos. Iniciou sua carreira na Em-
Marcelo D’Elia Branco mantém uma discreta porém ativa militância na implementação da Cultura Digital no Brasil.
21
Por Thereza Dantas
Fotos Fernando Cavalcante
prosa
RAIZ.: Você tem uma longa experiência
no desenvolvimento da Cultura Digital.
Como foi a sua relação com o Ministério
da Cultura na gestão Gilberto Gil, na
qual esse movimento se transformou em
política pública?
Marcelo Branco: Primeiro, eu acredito
e compartilho essa opinião com outras
pessoas: que estamos vivendo uma revo-
lução digital e não tecnológica que está
alterando de forma intensa as relações
pessoais. E de forma tão profunda como
foi a revolução industrial do século 18
para o século 19.
Durante mais de dois séculos todas
as organizações, instituições e relações
foram mediadas por formas criadas
na revolução industrial. As disputas
políticas, econômicas se deram nesse
espaço que tem como base a revolução
tecnológica industrial. A internet está
mudando isso. Ela tem alguns atributos
que ampliam de forma intensa os rela-
cionamentos humanos. A Cultura Digital
é uma das novidades que surgem com
essa revolução digital. Na economia, a
acumulação do capitalismo era baseada
no segredo industrial, na propriedade
intelectual, na reserva do conhecimento,
esses eram os valores que acumulavam
capital. Na economia hoje, diante da re-
volução tecnológica digital, o valor a ser
perseguido até por grandes corporações
é o valor da abertura, do compartilha-
mento, da busca do conhecimento que
está distribuído na rede, para agregá-lo
às empresas e à vida das pessoas.
A Cultura Digital tem origem no início
da internet. O movimento do Software
Livre surge nos anos 1980 com o hacker
Richard Stallman e com ele os primeiros
conceitos de copyleft e Creative Com-
mons. E aí surgem os primeiros sujeitos
políticos da internet. A origem da Cul-
tura Digital está ligada a movimentos de
acadêmicos e hackers. A primeira grande
comunidade, a primeira grande rede
social de pessoas que se aglutinaram em
torno das possibilidades colaborativas
foi a do Software Livre da qual eu faço
parte.
Hoje a Cultura Digital está associada
a cultura nerd, geek e hacker. O próprio
ministro Gilberto Gil se considerava
um ministro hacker, porque ele tentou
construir as ações do Ministério a partir
“Estamos vivendo
uma revolução digital e não
tecnológica que está alterando de forma intensa as
relações pessoais.”
RAIZ.:No processo de criação dos Pontos
de Cultura eram cedidos equipamentos
como computadores, câmeras fotográ-
ficas e filmadoras para diversos grupos
como comunidades indígenas, quilom-
bolas ou grupos urbanos do movimento
hip-hop. Vocês chegaram a fazer uma
avaliação sobre o que foi produzido a
partir desse encontro da Cultura Popular
com a Cultura Digital?
Marcelo Branco: Não chegamos a fazer
essa avaliação, mas posso dizer que
existem vários programas de inclusão
digital de instituições como o Banco do
Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Se-
cretaria Nacional de Inclusão Digital com
políticas nacionais de inclusão digital.
Todas essas iniciativas são incomparáveis
à iniciativa de inclusão digital do MinC.
E a grande diferença é que a maioria
dos programas já vinha com projetos
criados dentro do governo, e os Pontos
de Cultura, dentro de um pequeno
orçamento, é um projeto horizontal que
respeita o trabalho das organizações
culturais já existentes e potencializa suas
ações. Foi um projeto ousado e exitoso
porque transferiu toda a gestão para a
própria organização, para a sociedade
civil. Não havia ninguém do governo
dizendo o que tinha o que ser feito. O
segredo do sucesso foi esse: foi deixar
os quilombolas, as aldeias indígenas, as
comunidades urbanas que já tinham sua
Genebra (2003) e Túnis (2005), o Brasil
defendeu posições já baseado nas orien-
tações das políticas do Gil. Ele é um cara
ligado e isso tem origem lá na Tropicália,
quando ele e o Caetano utilizaram a
tecnologia no campo da música popular
brasileira. Na época também foram
muito combatidos porque adicionaram a
guitarra à música brasileira... O Gilberto
Gil projetou o país internacionalmente
na área da Cultura Livre, da cibercultura,
da Cultura Digital!
dessa cultura. É bom deixar claro que há
diferenças entre hackers e crackers. Os
hackers são os criadores (ou desenvolve-
dores) que usam seu conhecimento para
ampliar a ação da rede através de par-
cerias, já os crackers são os que violam
privacidade, criam vírus, os que invadem
sites ou trabalham na CIA. Então, os
valores de origem da Cultura Digital são
os valores da colaboração, do comparti-
lhamento do conhecimento e do conhe-
cimento aberto. E na Cultura Digital não
existe o antigo conceito de obra original,
porque a obra pode sofrer uma colabo-
ração e virar uma obra derivada a partir
de várias obras originais.
No Rio Grande do Sul há mais de dez
anos incentiva-se o Fórum Internacional
do Software Livre, mas como uma polí-
tica de desenvolvimento da tecnologia.
No governo Lula iniciei a provocação e a
crítica sobre a questão do Software Livre
e conheci o Gilberto Gil no primeiro ano
do governo. Poderia ter sido o ministro
da Ciência e Tecnologia ou o ministro da
Indústria, não foi nenhuma Secretaria
da Tecnologia da Informação, mas foi o
Gilberto Gil que abraçou a questão. A
Cultura Digital só surgiu como política
pública na gestão do Gilberto Gil, quan-
do ministro da Cultura. Já havia grandes
redes sociais, mas na gestão Gil muitas
delas foram incentivadas – como foi o
caso da rede das Mídias Livres. Nas duas
cúpulas da Sociedade da Informação em
“Poderia ter sido o ministro da Ciência e Tecnologia ou o ministro da Indústria, não foi nenhuma Secretaria da Tecnologia da
Informação, mas foi o Gilberto Gil
que abraçou a questão da
Cultura Digital.”
23
prosa
história, ampliarem seus trabalhos com o
apoio da Cultura Digital. Não foi neces-
sário construir nada a partir da iniciativa
do governo, ao contrário, os Pontos de
Cultura eram instituições que já existiam,
nunca foram órgãos do governo!
A grande sacada da gestão Gil foi
inverter a ordem. Sair da política da
cultura dos consagrados – e não tenho
nada contra os consagrados – e poten-
cializar a Cultura Popular que não tem
espaço na indústria criativa – indústria
do cinema, indústria fonográfica, até nas
comunicações. Foi um espaço de prota-
gonismo da cultura popular – Selma do
Coco, Mestre Felipe do Tambor de Criola
do Maranhão ou projetos culturais de
grupos quilombolas puderam ser vistos
e se entenderem como criadores de
cultura. Pela primeira vez, nunca antes
no Brasil...[risos]
RAIZ.: Mas foi feito algum balanço?
Marcelo Branco: Eu sei que o Programa
Pontos de Cultura atingiu cerca de oito
milhões de pessoas, que são quase dois
mil pontos de cultura, mas não fizemos
um balanço final sobre isso porque
acreditávamos que esse programa teria
uma continuidade...
Mas, voltando, as ações do MinC
impulsionaram as mídias livres, a
CulturaDigital.Br, a ideia da meta-recicla-
gem, de transformação dos equipamen-
tos digitais em arte, tudo isso associado
a uma discussão de possibilidades de
remuneração da nova cadeia produtiva
da cultura a partir da chegada da inter-
net. Foi um período de intensa discussão
que foi interrompido...
Vimos nesses oito anos de governo
Lula uma grande discussão, e não havia
“Poucos tinham a “sorte”, o “talento” ou a “oportunidade” de expor suas obras, porque todo bem cultural tinha uma
indústria que intermediava, que tinha a capacidade e a tecnologia do poder da
cópia e o monopólio da distribuição.”
a “oportunidade” de expor suas obras,
porque todo bem cultural tinha uma
indústria que intermediava, que tinha a
capacidade e a tecnologia do poder da
cópia e o monopólio da distribuição.
Então funcionava assim: a extração da
matéria-prima – o autor ou compositor,
entregava suas obras para a indústria da
cópia – impressão de CDs ou livros, que
um modelo acabado mas que valorizava
a internet como nova possibilidade de
produção colaborativa de arte, uma
nova possibilidade de divulgação da
arte – essa que não tem espaço nos
grandes meios de comunicação. Iniciou-
-se a discussão sobre a remuneração,
como o autor se sustentaria nesse novo
modelo, como o produtor, enfim não se
negou o desafio da remuneração nesse
novo contexto mas abria a discussão
contando com a internet como aliada e
não como inimiga!
No mundo inteiro os maiores ataques
contra as liberdades civis na internet vêm
da chamada indústria criativa, que histo-
ricamente vê a internet como inimiga. A
indústria do cinema, a indústria fono-
gráfica, a indústria do copyrigth, têm
lobbys fortes com a adesão de políticos
e governos para que se adotem ações de
vigilância, controle e censura na internet,
porque a internet ameaça o modelo de
negócio deles.
RAIZ.: No século 20 a economia
era baseada no bem material, e no
século 21 se baseia na informação
ou no bem imaterial. Quais seriam
as alternativas de remuneração, com
exemplos, e as questões do direito do
autor com as novas licenças Creative
Commons (CC) ou copyleft.
Marcelo Branco: Olha, a gente tem
que partir do princípio de que o modelo
de remuneração e reconhecimento do
século 20 não era justo. O modelo an-
terior era excludente, a grande maioria
dos artistas não conseguia chegar ao
conhecimento do grande público porque
o sistema funcionava como um funil.
Poucos tinham a “sorte”, o “talento” ou
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Para Marcelo Branco a Cultura Digital viveu seu melhor
momento na gestão do ministro “hacker” Gilberto Gil.
25
prosa
também detém o poder da distribuição
dos produtos culturais, para chegar ao
público. Entre o criador e o público havia
uma indústria intermediária, talvez a
indústria mais poderosa do século 20,
a indústria do copyright que detinha
a tecnologia da cópia e o monopólio
da distribuição. O autor recebia uma
pequena parte desses rendimentos
financiados pelo público, e o varejo, que
vendia o produto, também ganhava uma
pequena parte. A maior parte do valor
que nós cidadãos pagávamos pelo bem
cultural ficava na mão dessa indústria
intermediária que controlava a cópia e
a distribuição. O que acontece quando
chega a internet? Esse produto imaterial
– a obra, que não precisa de um suporte
físico – não precisa da produção fabril
e muito menos do controle da distribui-
ção... ou seja, a indústria da interme-
diação evapora com a internet. Ela não
é mais necessária – não existe mais a
necessidade de fábrica de cópias de CDs
ou de livros, nem precisa mais de uma
estratégia de distribuição – e ela precisa
se reinventar. Mas ela ainda quer dar as
cartas do jogo, ela ainda é poderosa, ela
ainda quer manter as regras de quanto
o músico ou o autor devem ganhar ou
quanto a loja pode lucrar com a venda
do produto, ela quer também censurar
a internet... Então nós tínhamos um
modelo injusto, que, se não contasse
com as “bençãos” de uma gravadora ou
editora para ter seu trabalho exposto,
não chegava ao grande público. Quem
enfrentava esse modelo era chamado de
marginal, meio “hippongo”, mas eles
também repetiam o mesmo modelo de
produção de cópias e tentativas de distri-
buição. Então a internet veio para alterar
tudo isso, e as licenças alternativas como
a Creative Commons ou o copyleft vie-
ram de forma incidental.
A ideia das licenças alternativas co-
meçou com o movimento dos programa-
dores, na área da tecnologia digital. A
Microsoft e várias indústrias de software
vendem programas em forma de códigos
binários (01) aos consumidores e os pro-
gramadores não têm como reprogramar
sem o acesso ao código fonte. O Richard
Stalmann, um hacker do MIT (Massachu-
setts Institute of Technology) percebeu
que os programas de computadores
compartilhados pelos desenvolvedo-
res ou programadores passaram a ser
“Existem crimes no mundo virtual,
mas, como no mundo real, as pessoas têm direitos de defesa e
todos são inocentes até que se prove sua culpa via investigação, provas e
uma decisão judicial.”
licenciados e secretos. O código-fonte
não estava mais disponível. Percebendo
o movimento dessas apropriações, ele
criou quatro regras na comunidade do
Software Livre, ainda nos anos 1980:
liberdade do uso a qualquer propósito;
liberdade da cópia; liberdade de modi-
ficar a obra original, poder transformá-
-la em obra derivada; e distribuir a
obra derivada com a mesma licença. E
mesmo com essas quatro regras não há
nenhuma limitação de uso comercial do
código livre. Inclusive várias empresas
usam os softwares livres comercial-
mente, mas o que não é permitido é a
restrição do acesso - o conhecimento e
tudo o que for desenvolvido abaixo da
licença livre tem que ficar a disposição
de outros desenvolvedores.
E o Richard Stalmann, percebendo
a apropriação de um conhecimento
compartilhado, criou, com um grupo
de advogados, o copyleft. Ao invés de
criar uma nova lei, ele criou a licença
copyleft que está baseada no copyright.
Ele subverteu a ideia do direito autoral.
Com o passar do tempo a internet foi
atraindo outros usurários, além dos
desenvolvedores, e nessa evolução
percebeu-se que era necessário expandir
a questão do direito das obras de artistas
que começavam a utilizar a rede para
divulgar suas obras. Nos anos 2000 não
eram somente os códigos-fonte que
estavam na rede, mas músicas, filmes,
textos, e surgiu a ideia de um tipo de
copyleft para proteger a obra cultural.
Essa discussão começou a fervilhar no
ciberespaço. A licença número 1 (Gene-
ral Public Licence) do Software Livre, que
tem como base a defesa do direito do
autor, foi criada para os desenvolvedo-
res. Em 2001, por iniciativa do advogado
norte-americano Lawrence Lessig foi
lançado o Creative Commons, uma
alternativa de licença para proteger as
obras culturais. Era uma necessidade da
área da cultura e ela flexibiliza o uso da
obra. O Creative Commons não é uma
empresa “gringa”, é uma licença. Existe
uma entidade jurídica criada para esti-
mular o debate e ela reconhece o direito
do autor, que deve ser reconhecido ao
ser criada uma obra derivada, pois essa
é uma prática comum no mundo virtual.
Na licença Creative Commons há várias
formas de você disponibilizar seus tra-
balhos, permite-se a livre circulação com
direito a remix ou não, mas ela fecha o
atributo comercial. Enfim, essa licença dá
o direito de utilizar a obra de um autor,
mas sem fins comerciais. Há licenças
CC que são quase as mesmas regras da
licença do copyleft – pode remix, cópia
e distribuição, desde que o autor seja
citado, – ou mesmo próximas das regras
do copyright – onde se bloqueia o remix
e a cópia e permite-se a divulgação da
obra citando o autor.
RAIZ.: Afinal, por que a criação e a exis-
tência dessas licenças?
Marcelo Branco: Era uma necessidade
do ciberespaço que fossem criadas licen-
ças. No caso da CC, houve uma grande
sacada por que ela tem três linguagens:
a linguagem jurídica, para que os advo-
gados entendessem e pudessem tratar
das questões legais ligadas ao direito do
autor, uma linguagem para leigos, onde
artistas e criadores pudessem facilmen-
te indicar como utilizar sua obra no
ciberespaço, e a linguagem binária, onde
a licença pode ser interpretada pelas
máquinas. É uma evolução do direito
autoral na perspectiva de se adequar aos
novos tempos e às novas relações que
surgiram através da internet. E quero
deixar claro que nunca existiu da parte
da gestão Gilberto Gil ou de grupos da
sociedade civil a defesa da obrigatorie-
dade de utilização de quaisquer dessas
licenças. Sempre houve ativismo para
divulgar essas licenças, mas sempre res-
peitou-se o direito do autor de proteger
a sua obra a partir de suas escolhas!
No caso do CC no site do MinC,
durante a gestão Gilberto Gil, foi uma
opção política licenciar o conteúdo no
Creative Commons – por entender que
aquilo que é feito a partir do dinheiro
público deve estar livremente à disposi-
ção dos internautas e cidadãos brasilei-
ros. O MinC estimulava através de seus
programas de governo o uso das licenças
livres. Agora presenciamos uma opção
política ao retirar essa mesma licença
do site do MinC. E essa antiga política
dos direitos autorais nunca beneficiou o
Brasil, beneficia um grupo seleto – que
merece o reconhecimento de seu valor
artístico, mas que permite que milhões
de royalties saiam do Brasil para pagar os
direitos de autor ou do fonograma para
selos de gravadoras multinacionais. E o
MinC tem que pensar como poder
27
prosa
público e desenvolver políticas públicas
para os milhões de artistas populares
ou não que precisam de espaço para
divulgar a sua obra.
Graças a essa indústria cultural multi-
nacional, ao Brasil não foi permitido criar
a sua própria indústria cultural. E duran-
te a gestão Gil estávamos num processo
de efervescência de discussão das novas
possibilidades criadas pela internet.
Quem sabe não seria nesse processo de
abertura de novos modelos econômi-
cos que o Brasil finalmente criaria uma
indústria cultural?
RAIZ.: Há uma onda conservadora para
preservação do copyright no mundo.
Inclusive com montagem de lobbys e
reuniões com representantes da política
nos parlamentos e governos no mundo.
Como você vê isso?
Marcelo Branco: Realmente há uma
onda conservadora há alguns anos que
está tentando reprimir as novas possibili-
dades. Por exemplo, a indústria fonográ-
fica há dez anos arrecadava 26 milhões
de dólares ao ano, e dez anos depois ela
arrecada 10 milhões de dólares ao ano.
Esse é um exemplo de uma indústria
ameaçada por esses novos modelos, mas
que, ao invés de se reinventar, resol-
ve reprimir o seu público – no jargão
empresarial, os seus clientes. A indústria
fonográfica se voltou contra o público,
através da vigilância e quebra do direito
da privacidade. Os artistas historicamen-
te sempre quiseram ser ouvidos e conhe-
cidos pelo público e não ficar caçando
quem ouve suas músicas.
Há várias ações contra as novas
mídias e a mais recente é a ACTA. Esse
é um acordo contra a falsificação que
está sendo orquestrado por alguns
países como o Japão e Estados Unidos
de forma secreta, e, graças ao Wiki-
Leaks, documentos sobre esse acordo
vazaram e iniciou-se um movimento de
oposição a esse acordo que defende que
todo usuário deve ser vigiado através
de um filtro na porta da sua conexão da
internet. Eles defendem que entidades
privadas como Associações de Combate
a Pirataria analisem as ações dos inter-
nautas e avaliem se você está usando
obras protegidas ou não; que provedores
ganhem poderes de polícia que gram-
peiem a sua internet, e que se um usuá-
rio for descoberto assistindo uma cópia
de um filme seja acionado judicialmente.
A França foi o primeiro país a penalizar
internautas com as leis duras que podem
até desconectar o usuário. Essa mesma
lei inspirou o Brasil, com a Lei Azeredo,
que chega ao extremo de culpabilizar
qualquer usuário que copia um CD para
seu pendrive com uma pena de prisão
de até três anos!
Nesse momento há questões curiosas
como a grande imprensa que elogia
a queda de “ditadores” árabes pela
mobilização de jovens via internet e rede
sociais, e se cala sobre a tomada das
praças espanholas mobilizadas através
de um protesto contra a Lei Sind – que é
o sobrenome da ministra da Cultura da
Espanha, Ángeles González Sind – que
restringiu de forma severa os direitos
civis dos internautas para defender o
direito autoral convencional, fechando
sites ou desconectando a internet de al-
gumas pessoas. Nesse momento, os mi-
litantes da Cultura Digital iniciaram uma
reação com o movimento “No Les Vote”
contra os partidos PSOE, Convergência e
União e o Partido Popular que aprova-
ram essa Lei, e incitaram a ocupação das
praças espanholas no dia 15 de março,
o 15M, e deram origem ao movimento
“Democracia Real Ya”... Creio que nós
devemos refletir sobre o que aconteceu
na Espanha. A partir de um movimento
de defesa dos direitos civis na internet,
estudantes e desempregados tomaram
as praças, ampliaram suas reivindicações
com críticas ao sistema financeiro e der-
rubaram o primeiro ministro Zapateiro...
Nesse sentido, o Marco Civil da Inter-
net que está em trâmite no parlamento
brasileiro é uma vitória. De acordo com
o projeto, só quem pode retirar um site
do ar é o poder judiciário através de uma
decisão judicial, e não um provedor, um
prestador de serviço alçado a condição
de órgão fiscalizador das ações dos
internautas como determina essa AI-5
Digital brasileira, a Lei Azeredo. Existem
crimes no mundo virtual, mas, como no
mundo real, as pessoas têm direitos de
defesa e todos são inocentes até que se
prove sua culpa via investigação, provas
e uma decisão judicial.
RAIZ.: Existe uma vigilância na inter-
net. Não só do ponto de vista da uso
da obra cultural mas também do uso
de informações do usuário por gran-
des empresas.
Marcelo Branco: Há uma luta dos
ativistas da Cultura Digital pelo direito
a privacidade. Hoje as grandes em-
presas são responsáveis pela violação
da nossa privacidade e não os hackers
como espalham por aí. Nossos dados,
preferências e desejos são utilizados e
vendidos – aí sim há um uso econômico
abusivo – por grandes empresas e para
grandes empresas. Nós que estamos no
início da internet sempre defendemos o
direito a privacidade.
RAIZ.: E na sua opinião como a internet
pode ajudar a “economia criativa”?
Marcelo Branco: Na minha opinião, o
Brasil pode criar uma indústria cultural a
partir desses novos modelos que surgem
com a internet. Incentivos de negócios
na área da cultura podem ser criados
pelo poder público. Há casos de grupos
como o Teatro Mágico que tem toda a
sua obra disponível na internet e fazem
shows com casa lotada ou mesmo como
o Leoni (ex-Kid Abelha) – que declarou
ter nessas novas formas uma possibili-
dade real de divulgação e vendas de seu
trabalho. O Paulo Coelho, numa ação
curiosa de marketing, declarou recen-
temente que tinha um site pirata para
vender sua obra. Ele é um defensor do
Pirate Bay... [risos]
Participei de uma mesa no Seminário
do Plano Estadual de Cultura em Porto
Alegre com um poeta muito respeitado,
o Arlindo Trevisan, que tem mais de cin-
quenta livros editados. Ele declarou que
não tem esse apego ao livro impresso,
que existe uma grande dificuldade para
vender mil livros e que o seu blog tem
milhares de visitas diárias de pessoas dos
mais diferentes lugares como Rússia ou
China. Afinal, o que estamos discutin-
do? O livro ou a literatura? O CD ou a
música? Antes do advento da indústria
cultural já existia músicos e música, livros
e autores, eles viviam de suas obras
e agora essa indústria quer se impor
através de mecanismos de repressão. Os
nativos digitais nasceram baixando músi-
ca, compartilhando conhecimento. Tente
explicar para esses jovens que eles estão
pirateando, que eles podem responder
judicialmente por essa troca de informa-
ções. Cópia privada é bem diferente de
pirataria: a pirataria é o uso comercial de
algo que não é seu, e a cópia privada é o
direito de ouvir, ler ou assistir uma obra
copiada, sem fins comerciais, para seu
conhecimento, sua formação e prazer.
A verdade é que a música, a literatura,
o cinema não estão sob ameaça, nunca
se produziu tantos filmes, nunca se leu
tanto, mas os intermediários da indústria
cultural estão sob a ameaça de sumir!
“Afinal, o que estamos discutindo? O livro ou a literatura? O CD ou a
música? Antes do advento da indústria cultural já existia músicos
e música, livros e autores, eles viviam de suas obras e agora essa
indústria quer se impor através de mecanismos de repressão.”
29
prosa
O SARAU CARIOCA CORUJÃO DA POESIA COMPLETA SEIS ANOS
COM ENCONTROS ESPECIAIS E CENTENAS DE BIBLIOTECAS
MONTADAS EM ESPAÇOS PÚBLICOS
A ANIMADA POESIA DO JOÃO DO CORUJÃO
Foto
: Ju
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ira
O Sarau do Corujão da Poesia
nasceu na zona sul carioca e
hoje distribui livros pelo estado
do Rio de Janeiro.
31
Da Redação
Fotos Julio Pereira
verso
O Rio de Janeiro tem uma
longa tradição de saraus,
literatura e poesia. E essa
tradição é mantida no
Corujão da Poesia, uma
vigília literária que acontece todas as
terças-feiras, das 21h até o último poeta,
no Bar Cariocando, no Catete, um bairro
histórico da cidade.
Organizado pelo animador João Luiz
de Souza, o João do Corujão, assessor
de Cultura da Universidade Salgado de
Oliveira, o Corujão da Poesia promove
a “inclusão do livro nos espaços de
convivência e a formação do prazer da
leitura individual e coletiva”, segundo
João. São seis anos de existência do
Corujão da Poesia - Universo da Leitura.
Durante cinco anos e três meses os
encontros aconteceram na Livraria Letras
& Expressões no bairro do Leblon, da
meia-noite às seis horas da manhã, mas,
com o fechamento da Livraria 24 horas,
há quase dois anos encontraram outro
abrigo, o Bar Cariocando, onde o sarau
acontece das 21h às 4h da madrugada,
“para que as pessoas pudessem usufruir,
mais cedo, um espaço democrático, cria-
tivo e aglutinador de amantes dos livros
e da leitura,” avisa João. “O movimen-
to estimula os poetas e escritores em
geral a editarem seus livros, mas nossa
principal missão é a formação do prazer
da leitura e a difusão da literatura em
geral. Formar leitores é um compromisso
político primordial no Corujão da Poesia-
-Universo da Leitura. Se eles vão tornar-
-se autores, ainda é uma decisão que
julgamos de cunho muito pessoal que
cada um estabelece para a sua vida,”
explica. Com curadoria e apoio emocio-
nal do músico Jorge Benjor, não é difícil
encontrar músicos e atores conhecidos
nas noites do Corujão da Poesia.
João do Corujão é um personagem
sui generis no universo dos amantes da
literatura. Quem já presenciou as suas
performances sabe que ele lidera com
firmeza e certa graça as intervenções po-
éticas dos artistas que sobem ao palco.
“Eu sou um Animador Cultural, tal como
fui designado pelo Mestre Darcy Ribeiro.
O que posso garantir é que vivo per-
manentemente num estado poético e a
minha percepção do dia-a-dia passa pela
lente da poesia, mas, o que amo mesmo
é ler poemas”, avisa. O único alerta para
quem participa é que esteja sempre pre-
parado, pois o microfone está aberto à
sua apresentação/ performance/ leitura,
Foto
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aç
ão
Kopp, Paulo Betto Meirelles, Beatriz Pro-
vasi, Juliana Hollanda e um poeta mais
antigo, mas que precisa ser revisitado,
o Éle Semog. O Semog é um gênio, e
embora sua trajetória tenha começado
nos anos 1970, década em que nasciam
ou nem eram nascidos os outros poetas
que citei, ele tem a cara do nosso tempo
e fala de nossa negritude. Semog precisa
ser lido por todos nós”.
O Corujão da Poesia mantém um
trabalho social, o programa Universo da
Leitura - Bibliotecas Solidárias que ocorre
graças à mobilização de centenas de
pessoas que o frequentam. O programa
consiste na arrecadação permanente
de livros novos e usados para a forma-
ção de bibliotecas solidárias e caixas de
leitura que chegam aonde os recursos
da população não permitem o acesso
aos livros. Já são centenas de Bibliotecas
montadas, com acervo de até dois mil
livros, elas estão em presídios, orfanatos,
hospitais, espaços culturais, cineclubes e
tantos outros lugares que se dispuserem
a receber os livros e atender a população
que os queira ler. “Em todos os eventos
que realizamos pelo estado do Rio de
Janeiro, promovemos sorteios de livros
e brindes como estímulo à cultura e
formação de plateias para os produtos
de arte em geral. É por isso que, mais do
que nunca, precisamos de colaboradores
e de pessoas dispostas a receber os livros
e dinamizar os pontos de leitura. Não
aceitamos dinheiro, queremos livros e
agentes voluntários e solidários para a
promoção do prazer da leitura. Muitos
livros são destinados à formação de lei-
tores e cidadãos sensíveis aos problemas
de nosso tempo, mas também às infini-
tas possibilidades que temos de reinven-
tar a vida e melhorar este planeta que é
nossa casa-mãe,” explica João Luiz.
A Universidade Salgado de Oliveira
vem disponibilizando transporte para re-
colher as doações e realizar a entrega do
acervo aos destinatários, além de profes-
sores e alunos que colaboram na seleção
dos livros e no encaminhamento deles às
bibliotecas que estão sendo montadas
nos mais diversos pontos do estado.
O telefone para contato e doações é
(21) 2138-4851 ou (21) 9856-3543, com
João Luiz, das 16h30 às 22h, e o e-mail
Para saber mais sobre as datas dos encontros do Corujão da Poesia:http://www.softzonebr.com/corujao
tal como manda a democrática e libertá-
ria tradição do evento que mantém um
formato único em toda a América Latina.
Além da presença de moradores da Zona
Sul carioca e de diversos bairros da cida-
de, o espaço é de intercâmbio também
com poetas e escritores de outros locais
do país e do exterior que, ao chegarem à
cidade, apresentam ali seus trabalhos em
suas próprias línguas ou sendo traduzi-
dos por algum voluntário.
“Formar leitores é um compromisso
político primordial no Corujão da Poesia-Universo
da Leitura.”
Com tantas referências fica uma
curiosidade: quais são os poetas que
João Corujão lê? Ele responde: “Agora
complicou. Neste momento eu estou
debruçado sobre os livros de poetas
afrodescendentes. Gosto de muitos no-
vos poetas. Destaco Pedro Lago, Pedro
Rocha, Marcos Vinícius Rodrigues, Betina
Mais uma biblioteca solidária montada com os livros enviados pela UNIVERSO e Corujão da
Poesia e da Música, no Lar Samaritano no bairro do Zé Garoto, em São Gonçalo, RJ.
33
verso
QUEM É JOÃO DO CORUJÃO?
Animador Cultural, ele diz,
“tal como fui designado
pelo Mestre Darcy Ribeiro”.
João Luiz de Souza é o João
do Corujão, assessor de
Cultura da Universidade Salgado de Oli-
veira, e responsável pela criação do Sarau
Corujão da Poesia. Formado em Letras,
João do Corujão é um apaixonado pela
poesia e divulga esse gênero lírico em en-
contros semanais onde podem participar
livremente poetas e músicos. Promover
a poesia, apesar de não criar, é o desafio
autoimposto pelo animador cultural.
O sarau, criado há seis anos na
Livraria Argumento do bairro carioca do
Leblon, tem hoje “filiais” na Barra da
Tijuca e na cidade de Niterói. “O que
posso garantir é que vivo permanente-
mente num estado poético e a minha
percepção do dia-a-dia passa pela lente
da poesia, mas, o que amo mesmo é ler
poemas. Ainda não sinto muita necessi-
dade de escrevê-las. Uma vez ou outra
sou tomado por uma premência de
escrever e aí nasce um poema escrito em
caderno… bem à moda antiga. Ressalvo
que o grande entusiasmo realmente é ler
os poetas e apresentá-los ao público em
geral,” explica.
A irreverência de João Luiz de Souza, o João do Corujão, não esconde o trabalho sério e libertador do livro.
Foto
: Ju
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Da Redação
Foto Julio Pereira
“Eu sou um Animador Cultural, tal como fui designado
pelo Mestre Darcy Ribeiro.”
verso
A CIDADEFEITA DE BARRO
Tracunhaém é sinônimo do barro. Cidade nascida pela exploração do
pau-brasil e da cana, é na década de 60, que milhares de utensílios de
barro vendidos nas ruas vão contando um pedaço importante da histó-
ria do artesanato e da arte popular brasileira.
Das cerâmicas utilitárias e decorativas do começo, vão surgindo os
santeiros e artistas do barro, muitos com produção de sotaque próprio, que muito
influenciou a maneira de se esculpir e queimar esse elemento primal da nossa arte
popular. Ao contrário do Alto do Moura, também em Pernambuco, os artistas de
Tracunhaém primam pela técnica e pelo estilo do barro puro, sem cores ou outros
acabamentos. Queimados em rústicos fornos à lenha nos ateliês, sempre abertos à
visitação do público interessado.
Tracunhaém fica a setenta quilômetros de Recife. Na entrada da cidade, uma
singela exposição de peças de tamanho avantajado dos artistas locais. Seguindo o
fluxo encontramos muitas placas dos artesãos, algumas com a chancela do Gover-
no do Estado. As ruas são simples, mas espaçosas, com casas pequenas e nenhum
edifício. Tão comum em nosso urbanismo colonial, aqui também as praças se
organizam em volta das igrejas.
O barro construiu muitas famílias, a cidade que se expandiu e vive de sua cul-
tura. Levou vários artistas locais para todo país e o exterior. Agora Tracunhaém en-
frenta o paradigma da continuidade e da renovação de seus saberes, uma vez que
o primeiro ciclo de seus artistas e artesãos já não produz como antigamente, seja
pela idade avançada, ou por doenças como a diabete ou a artrose. Alguns foram
agraciados como Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco, como os mestres
Nuca e Zezinho – o primeiro com seus leões imponentes, o outro com seus santos
delicados, mesmo quando em grandes dimensões. Alguns já se foram, como Baé,
Severino e Lídia Vieira. Outros artistas continuam atuantes, como Manoelzinho
perpetuando a tradição dos santeiros ou Betinho, o estranho no ninho, com sua
arte erótica.
Mas, os famosos ateliês hoje são tocados pelos filhos dos grandes mestres da
região, ainda sob os olhares atentos de Zezinho, Nuca ou Maria Amélia, mas sem
o toque direto das mãos dos artistas que marcaram época.
A seguir, uma pequena homenagem que a RAIZ. presta à cidade símbolo da
arte feita de barro. Uma menção de três ícones, que emprestaram tecnologia,
fama e beleza, não só para Tracunhaém, mas para a arte brasileira.
O LEÃO DA ZONA DA MATA NORTE
Os leões sentados do mestre Nuca são conhecidos em todo o Brasil. Feitos do barro de Tracunhaém,
uma das cidades da zona da Mata Norte de Pernambuco, onde a tradição popular vai dos maracatus do
baque virado às cerâmicas de mestres como “Seu” Nuca. Seus leões, galinhas e anjos de cabelos encara-
colados fazem parte do acervo de alguns dos grandes colecionadores de arte popular brasileira.
Mestre Nuca ou Nuca dos Leões trabalha com o barro desde os dez anos de idade e foi com a sua esposa,
a também artista Maria Gomes da Silva, que iniciou e desenvolveu na década de 60 em Tracunhahém, toda
a sua obra em terracota. Considerado dono de uma obra original pelos críticos de arte, Manuel Borges da
Silva nasceu em Nazaré da Mata em 1937, e, hoje, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC), man-
tém a produção de sua obra pelas mãos de seu filho Marco. Em 2006 o governo de Pernambuco prestou
uma justa homenagem quando o reconheceu como um Patrimônio Vivo do estado.
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Da Redação
Fotos Acervo Associação RAIZ.
Da Redação
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figuras
OS SANTOS DE MARIA AMÉLIAA santeira Maria Amélia nasceu em 1924 em Tracunhaém e de lá nunca saiu. Uma das ceramistas
pioneiras da cidade, seus santos de terracota primam pelas faces expressivas e mantos pregueados.
Filha de ceramista, Maria Amélia inicia sua vida com o barro através de peças utilitárias, passando a
modelar animais, e finalmente encontra sua fonte de inspiração na criação de imagens de santos.
Suas peças feitas em terracota mantém a tradição da queima em forno a lenha e medem de cin-
quenta a setenta centímetros. De todas as imagens que faz, a que Maria Amélia gosta mais de criar
é a de São José.
AS GRANDE IMAGENS DE ZEZINHOInspirado no trabalho da santeira Lídia Vieira (1911 – 1974), José Joaquim da Silva, o Zezinho de Tra-
cunhaém, se encantou pela modelagem do barro quando foi trabalhar numa olaria da cidade. Começou
modelando imagens de seu cotidiano como animais e cangaceiros, mas ficou conhecido com a criação de
imagens de São Francisco segurando pássaros, sua peça preferida.
Suas obras costumam medir entre setenta centímetros e dois metros de altura, e possuem um colorido
vermelho brilhante resultado de uma pintura com açúcar e café torrado antes da queima das peças. Para
os delicados detalhes, o artista costuma utilizar espátulas de cobre e madeira. No seu ateliê, Zezinho de
Tracunhaém conta com a ajuda de seus filhos e de ajudantes que estão sendo iniciados no ofício de cera-
mistas. Em 2007 ele foi escolhido como Patrimônio Vivo de Pernambuco.
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Da Redação
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Da Redação
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figuras
Em minhas centenas de viagens aos Pontos de Cultura
pelo interior do Brasil, eu sempre cantarolava a música
Notícias do Brasilde Milton Nascimento com letra de
Fernando Brant. Queria compartilhar este país que eu
tinha oportunidade de ver com meus próprios olhos,
um Brasil energizado e compartilhado pelos Pontos de Cultura,
com gente criativa e valente, fazendo coisas diferentes na
defesa do bem comum. De certa forma, pude contar essas
histórias no meu livro PONTO de CULTURA – o Brasil de baixo
para cima, tanto que abro o livro fazendo um diálogo com
esta música e a história dos Meninos e Meninas de Araçuaí
(Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais) e o presente que deram
à sua cidade: um cinema.
“Queria compartilhar este país que eu tinha
oportunidade de ver com meus próprios olhos, um Brasil energizado e compartilhado
pelos Pontos de Cultura”
Agora, estando há mais de um ano e meio fora do ministério
da cultura, me lembro da música e apenas faço uma mudança
na letra, trocando “interior”por “exterior”. A vida tem me leva-
UMA NOTÍCIA ESTÁ CHEGANDO LÁ DO EXTERIORNÃO DEU NO RÁDIO NO JORNAL OU NA TELEVISÃO
CULTURA VIVA NAAMÉRICA LATINA
do para fora do Brasil, e desde março tenho recebido incontáveis
convites para conferências e cursos em outros países, sobretudo
América Latina, mas também Europa. No período em que estava
trabalhando no Ministério da Cultura evitei as viagens oficiais
ao exterior, pois tinha consciência de que, naquele momento,
minhas responsabilidades estavam em dar conta de meu traba-
lho para o povo brasileiro, atendendo às milhares de entidades
culturais comunitárias do Brasil, e assim fiz. Agora, sem respon-
sabilidades de governo, posso sair difundindo, não mais um
programa governamental, mas teoria, conceitos e experiências
que podem e devem ser compartilhadas. Com isso já estamos
realizando uma campanha continental pela Cultura Viva Comu-
nitária, que busca assegurar em lei um orçamento mínimo de
0,1% do orçamento público para o “fazer cultural” autônomo
e protagonista, potencializando os Pontos de Cultura existentes
em cada país. Esta é uma experiência de lei continental, que se
estende da Terra Fogo ao Rio Grande (o rio seco que separa o
México do estado norte-americano do Texas), unindo 21 países.
Uma primeira percepção com estas viagens: é tudo tão comum!
Eu nos vejo quando estou na Guatemala, junto com a Caja
Lúdica fundada por um casal de colombianos de Medellin. Neles
encontro os tantos casais que diariamente levam adiante seus
Pontos de Cultura no Brasil (entre os muitos Pontos de Cultura
que conheci, aqui e no exterior, sempre encontro a presença
dedicada e cúmplice de casais). Em verdade, a Caja Lúdica de
Guatemala atua como um Pontão de Cultura, articulando,
capacitando e difundindo Pontos de Cultura por todo o país e
mesmo entre seus vizinhos da América Central. São cinquen-
ta pessoas em trabalho diário, vivendo da caixa lúdica, sendo
remunerados por ela (não muito, pois sabemos o quanto é dura
a vida de quem opta para trabalhar em uma perspectiva do bem
comum, mas suficiente para uma vida digna e feliz). Des-silen-
ciam um povo silenciado pelos genocídios recentes (a guerra civil
que assolou o país até o final do século XX deixou mais de 50
mil desaparecidos e 200 mil mortos, isso em um país com pouco
mais de 14 milhões de habitantes) e passados (a Guatemala está
no centro da civilização Maya), recuperando a medicina tradicio-
nal dos povos Maya, seus ritos e histórias; mobilizando jovens e
difundindo a cultura e a paz no país com o segundo maior índice
de homicídios do mundo (setenta assassinatos para cada 100 mil
habitantes - no Brasil, a taxa é de 22 por 100 mil); recuperando
“Estamos realizando uma campanha continental pela
Cultura Viva Comunitária, que busca assegurar em lei um orçamento mínimo de
0,1% do orçamento público para o “fazer cultural”
autônomo e protagonista”
41
Por Célio Turino
raiz da questão
brincadeiras infantis e ocupando as ruas
e praças com teatro, dança e música.
Lá na Guatemala eles não contam com
uma política pública como o Cultura Viva
e obtém recursos financeiros através de
acordos de colaboração internacional;
mas querem que o Estado assuma sua
responsabilidade reconhecendo a Cultura
como um direito humano inalienável. Em
agosto deste ano participei de uma Com-
parsa (passeata festiva) nas ruas da Cida-
de da Guatemala, a capital; estávamos
em mais de quinhentos manifestantes,
gente em perna de pau (lá descobri que
a perna de pau era usada pelos Mayas há
milênios), com roupas diferentes, másca-
ras, e muito sorriso no rosto. O que que-
riam e querem? Pontos de Cultura como
base e a Cultura Viva como alavanca para
o desenvolvimento sustentável.
Em outro extremo da América, a
Argentina, nova manifestação (foi em
novembro de 2010, se bem me recordo):
El Pueblo Hace Cultura! Igualmente, mais
de quinhentas pessoas nas ruas. Grupos
de Teatro do Oprimido se apresentaram
en las calles (com sotaque bem portenho,
em que dois eles formam “gê”). As ave-
nidas largas de Buenos Aires foram palco
de uma linda manifestação com tambo-
res e caminhões artísticos do Calderon
Timbal (outro Pontão de Cultura que pre-
enche a periferia da grande Buenos Aires
com arte). Juntos, saímos do Congresso
Nacional e fomos até a Casa Rosada (pa-
lácio presidencial), concentrando-nos na
histórica Plaza de Mayo e provando que
Crear vale la pena! (mais um Ponto de
Cultura). E para lavar a festa, uma chuva
de verão, com direito a sol e arco-íris. Na
Argentina já há edital do governo para
seleção de Pontos de Cultura e projeto de
lei no Congresso.
Mais ao norte, no Peru, novas manifes-
tações pela Cultura Viva por una Nueva
Lima! O governo da capital do Peru já
está implantando o programa como
estratégia para o desenvolvimento local,
e o Ministério da Cultura, após a vitória
do presidente Ollanta Humalla, definiu
os Pontos de Cultura como prioridade;
há até um slogan no site do ministério:
“Punto de Cultura, la identidad en la
diversidad!”. Tudo começou com uma
moça peruana que esteve presente na
Teia de Fortaleza e que leva o nome de
pomba: Paloma; mas hoje já são tantas
as pessoas engajadas nas terras Incas que
nem é possível contá-las. Tudo em tão
pouco tempo e já voam como a Cultura
Viva que se espalha pelo mundo.
Atravessando os Andes, e regressando
à América Central: Costa Rica. Pura Vida!
É assim que eles definem a vida por lá,
Pura Vida, um país de gente corajosa,
que há sessenta anos decidiu viver sem
forças armadas e priorizar o investimento
em cultura e educação. Um país peque-
no, com um povo feliz e educado; eles
se autodefinem como ticos, isso porque
têm o hábito de se referir a tudo no
diminutivo. O ministro da cultura e ju-
ventude, Manuel Obregón, é um músico
entre o erudito, o tradicional e o jazz
e há anos sai recolhendo ritmos e sons
da cultura popular da América Central,
depois compõe em coisas novas com a
Orquesta de la Papaya – pura mistura,
como a realizada a partir dos prêmios do
Interações Estéticas do Cultura Viva. Há
redes de cultura no interior do país, na
montanha, no litoral, entre vulcões, na
capital; surpreendam-se: em San Jose (a
capital, com 1 500 000 habitantes) há
vinte teatros com programação regular,
de quarta a domingo. Todos querem ser
Ponto de Cultura; ou melhor: PunTICOS
de Cultura!
Mais ao norte: México. Um país con-
tinente como o Brasil. A terra das cores
vibrantes, das mil culturas, das pirâmides
e da sabedoria ancestral ameríndia. O
ponto de encontro foi a Cidade do Mé-
xico, enorme, e para lá foi gente de todo
país. Na divisa com os Estados Unidos,
uma cidade assolada pelos cartéis do
tráfico de drogas e a super exploração da
mão de obra em fábricas maquiladoras,
Ciudad Juarez combate o genocídio de
mulheres com biblioteca comunitária
e ações de leitura e gênero; mais um
Ponto de Cultura que já é. Há outros, na
periferia da capital, nos estados de Oxaca,
Chiapas, falando em espanhol ou em
idiomas indígenas. Além de um enorme
interesse das universidades mexicanas por
toda a experiência brasileira; na faculdade
de economia da UNAM (Universidade
Nacional Autônoma do México) a con-
ferência foi “Economia Viva e Economia
Criativa?”, na IberoAmericana, sobre
Cultura Digital, e na Universidade do
Distrito Federal, sobre Cultura e Direitos
Humanos. Pura troca em que fui acompa-
nhado por um Ponto de Cultura do Brasil,
o Vídeo nas Aldeias.
Unindo as partes desta América
diversa e ensolarada, a Colômbia. Uma
surpresa! Eu próprio, acostumado a
combater estereótipos e preconceitos, me
surpreendi com aquele país. Um povo tão
gentil e amável. Como podem viver em
meio a tanta violência? Narcotraficantes,
contras, guerrilheiros. Como pode? Em
sua cultura ancestral, vi uma das mais
delicadas metalurgias, só trabalhos em
ouro, com imagens de flores, pássaros,
macacos, nenhuma arma, nenhuma
cena de violência. Enquanto visitava esta
bela ourivesaria no Museu do Ouro de
Bogotá, comparava com a cultura grega,
romana ou dos demais povos europeus
ou asiáticos e lembrava das imagens de
guerra e destruição, das armas e batalhas
aterradoras. Com a arte dos primeiros
habitantes do El Dorado (os conquista-
dores espanhóis supunham que a cidade
de ouro estava no território da atual
Colômbia) só vi beleza e paz. Para eles,
os Pontos de Cultura tem um significado:
des-esconder a Colômbia ancestral e reli-
gar o presente com a paz. Em Bogotá, há
toda uma articulação da prefeitura muni-
cipal pela Cultura Viva; em Cali, mais de
cem grupos a defender os conceitos da
Cultura Viva (autonomia, protagonismo
e empoderamento social) e em Medellin,
um dos mais instigantes laboratórios
de tecnologias sociais no mundo. Uma
cidade que se reinventa pela Cultura (5%
do orçamento público vai para a pasta
da Cultura), que faz lindas bibliotecas
em meio a favelas, que estabelece um
compromisso cidadão e trata bem ao seu
povo; assim estão superando as marcas
do narcotráfico e das desigualdades. Mas
faltava um ponto a aproximar ainda mais
governo e povo, um ponto de potência
que só se encontra nas comunidades
ativas. Quem fez este ponto e alavanca,
foi um Ponto de Cultura que já é, Nuestra
Gente, uma casa comunitária em meio
à favela, com Jorge Blandon e tantos
amigos gentis.
Nuestros hermanos, em todos os paí-
ses, gente comum a todas as outras que
conheci em cada viagem pelo interior do
Brasil e agora por nuestra América.
Célio Turino - Historiador, escritor e
gestor de políticas públicas. Foi idealiza-
dor e gestor do programa Cultura Viva e
dos Pontos de Cultura, tendo exercido di-
versas funções públicas, entre elas: Secre-
tário de Cultura e Turismo em Campinas/
SP (1990/92), Diretor de Esporte e Lazer
em São Paulo/SP (2001/2004) e Secretário
da Cidadania Cultural no Ministério da
Cultura (2004/2010). Autor dos livros: Na
Trilha de Macunaíma – ócio e trabalho na
cidade (Ed. SENAC, 2005) e PONTO de
CULTURA – o Brasil de baixo para cima
(Ed. Anita Garibaldi, 2009), entre outros.
“Com a arte dos primeiros habitantes do El Dorado (os conquistadores espanhóis supunham que a cidade de ouro estava no território da atual
Colômbia) só vi beleza e paz. Para eles, os Pontos de Cultura tem um significado: des-esconder a Colômbia
ancestral e religar o presente com a paz.”
43
raiz da questão
A cultura é tão importante
para as políticas públicas
de desenvolvimento da
educação e da economia
do país quanto para o
desenvolvimento da própria cultura de
um país. Não existe cultura sem cultura.
E avanço do conhecimento não significa
avanço da cultura tal como crescimento
da economia pode significar avanço da
economia. Um país entendido como
célula planetária da civilização e como
lei da existência coletiva e multiplicadora
das soberanias nacionais que não se
dignifica a estruturar sua identidade,
simplesmente, destitui seus cidadãos do
direito à sociedade. Direito à sociedade
pressupõe plenitude, aplicação do que é
apreendido por meio da educação supõe
também que a educação seja cultivada
e exercida pela inteligência local e pela
globalidade das inteligências. Este direito
depende das “reservas de mercado”
para sua construção. São elas a arte,
a noção da inteligência e a memória
organizada pela história, além da mani-
festação livre e as inúmeras formas de
registro social que produz.
Muito embora haja várias definições de
cultura propaladas pela sociologia, a maior
noção que se pode ter da cultura é que
ela é o “DNA de uma sociedade”– aliás,
ela é o “DNA da humanidade” em suas
diversas formas de organização a partir
de um contexto próprio que possibilita
a identificação de uns pelos outros com
a mesma autenticidade de 7 bilhões de
rostos diferentes entre si que compõe
uma população em busca permanente de
integração no tempo de hoje. Ninguém
mais é brasileiro sem ser coexistente a
outros povos; e a relação não é mais de
hegemonia de uns pelos outros, é pela
notoriedade das diferenças e semelhanças
existentes entre culturas diversas.
Um dos exemplos mais potentes que
possuímos nesse sentido é o fato da arte
ser responsável não pela existência da
cultura, mas pela criação das passagens
entre ciência e sociedade, ciência e eco-
nomia, educação e inteligência, sistemas
privados e política. Uma sociedade pode
possuir cultura e não possuir arte, mas não
pode possuir arte e não possuir cultura. A
cultura da cultura, por um lado, não leva
necessariamente o desenvolvimento da arte
à noção de cultura; mas, a arte, por outro
lado, depende, visceralmente, da cultura
da própria arte para existir. E a arte, naquilo
que é sua atribuição como forma de conhe-
cimento, ou seja, possibilitar ao ser humano
o exercício das diferenças humanas, longe
da exatidão da ciência como existência
e daquilo que é, via de regra, aceito pela
sociedade, poderia parecer antítese da
ciência que domina nosso tempo. Mas não
é. Isso é apenas o que se quer que a arte
pareça para que não se perceba o quanto a
arte tem influenciado as principais áreas de
poder e a formação da personalidade das
principais lideranças de nossa época assim
como um grande número de estratégias de
poder público e privado.
Durante a Revolução Industrial o homem
foi perdendo espaço para a máquina;
durante o século 20 – graças à genialidade
inventiva de muitos artistas e da extrapo-
lação de suas linguagens na sociedade via
meios de comunicação de massa e, princi-
palmente, rádio e cinema – a hegemonia
da máquina foi exaltada por uma década
e esfacelada por nove décadas no século
20 também com o auxílio involuntário da
difusão da psicanálise nas nações ociden-
tais. E como a anatomia pregnou o sentido
de organização da sociedade, chegando
ao ápice no século 17 e não nos deixou até
hoje, a noção de máquina também persiste,
mas sua persistência não permanece nas
posturas individuais e sim nos sistemas
políticos da nação. A mecânica mais po-
derosa é a que se apropriou da lógica das
instituições, comprovando pela primeira vez
em 2 000 anos que Aristóteles estava erra-
do ao vincular a arte à mimésis. A mimésis
não é arte. Mimésis é cultura. Arte é poder,
pois na sua epistemologia ela não copia,
mas cria e regenera. Portanto, o poder se
utiliza da capacidade criadora para dominar
a cultura e impor modelos culturais com e
sem cultura: é uma questão de opção.
E como nos dias de hoje a hegemonia
do poder é a dos intelectuais do mercado
financeiro e mesmo os que não são são
contratados por eles, forma-se o grupo dos
engenheiros máximos das dinâmicas de
uma economia pós-utópica e mais defensi-
va do que a tradicional economia territo-
rial de séculos antes, que só pode sofrer
alterações pela prática do desconhecimento
econômico. Ou seja, a informalidade é um
fenômeno fundamental para a criatividade,
tanto quanto a artesania da exatidão foi
necessária para a arte ser inventiva, contra-
dizendo a informalidade, há quatro décadas
atrás, com a presença do Concretismo. É
como se o melhor que temos em termos
tecnológicos e de educação tivesse que
depender da outra face do pêndulo, onde
estão a ignorância e a privação da ciência.
Não há regra para se definir a posição
da arte em nenhum tempo da história. A
arte para existir, necessariamente, muda de
lugar na sociedade de seu tempo. Mas a
cultura é o organismo que, embora rajado
por uma infinidade de ocorrências, perma-
nece ali. Essa permanência compõe o corpo
das nações. A noção individual, por outro
lado, é o novo elemento da cultura que
faz com que a cultura, estando ao mesmo
tempo baseada em seu local de origem,
circule, dissemine e colha elementos de
outras culturas para retornar a sua cultura
de origem. Este fenômeno de universali-
dade colaborativa é o maior exemplo do
que não acontece quando um país se furta
de cultivar a cultura. O problema maior é
quando a cultura fica sem a sociedade, ou
seja quando a sociedade deixa de agir em
45
Por Saulo Di Tarso
Foto Fábio Domingues
CULTURA SEM SOCIEDADE OU O ERRO DE ARISTÓTELES
“Direito à sociedade pressupõe plenitude,
aplicação do que é apreendido
por meio da educação supõe
também que a educação
seja cultivada e exercida pela
inteligência local e pela
globalidade das inteligências.”
raiz da questão
2% do orçamento para a cultura quando
na verdade 100% do PIB brasileiro é resul-
tado da cultura brasileira. Se é a cultura que
queremos ou não, são outros quinhentos.
E, no fundo esta é a pergunta fundamental:
nós não temos cultura ou a nossa cultura
está sem sociedade?
Nada se cria tudo se copia, ou tudo se
cria e nada se copia – mas aquilo que se
cria, quando agrada aos olhos de quem
vê, se copia.
Foto
: Fá
bio
Do
min
gu
es
Saulo Di Tarso
favor do organismo da cultura. Isso não
quer dizer que sejamos uma sociedade sem
cultura, mas que somos uma sociedade que
não distribui a cultura como direito.
Se um país educar sem cultura, a educa-
ção não terá sentido; e, se a educação não
tiver sentido, a economia não terá um dire-
cionamento dinâmico do ponto de vista da
constituição social. Sem esse dinamismo a
cultura de um país não transita e estaciona.
E tudo que não pode ocorrer no tecido de
um país da sociedade atual é a paralisação,
pois os biomas naturais e culturais, vale
dizer, patrimônio natural e urbano, só se
distinguem através da identidade de suas
populações. Sem a cultura como força de
ação estratégica nos modelos de governo
o que haverá é um território ocupado mas
não um país. Nossa educação está sem
cultura. Se alguém não percebe a importân-
cia estratégica da cultura nos modelos de
integração econômica e nas distinções dos
conteúdos de educação, basta começar a
imaginar um mundo onde não haja a possi-
bilidade de ler, ouvir música, ver cinema, vi-
ver, lembrar, vender e comprar. Se ninguém
for às próximas eleições, não haverá eleitos;
e se nossos eleitos não compreenderem
que cultura é estratégia de educação,
ficaremos condenados ao PIB quando, na
verdade, a propriedade intelectual e os bens
culturais necessariamente passam a compor
a nova lógica do capital. A nós brasileiros
basta saber se queremos continuar expor-
tando minério e importando inteligência
ou se queremos sentir conforto cultural
dentro de nossos corpos e do nosso locus,
longe das violações do darwinismo social e
próximos da reverberação de uma máxima
poética deixada para nós pelo geógrafo
Milton Santos: “o Brasil não tem que ser
feito para ser potência, o Brasil tem que ser
feito para os brasileiros”.
Esse Brasil não ouso dizer quem pode
fazê-lo, mas afirmo com todas as letras que
ele só poderá ser construído por brasileiros
cultos acerca do que é a cultura brasileira e
do que são as riquezas que o Brasil dispõe
para o mundo enquanto nação. E o grande
desafio para que isso ocorra é que temos
que baixar a guarda, economistas preci-
sam fazer arte e artistas precisam respeitar
o que a economia pode lhes prover pois
ambas são forças produtivas da sociedade
e nascem dos modelos de educação. Mas,
se a cultura continuar sendo mal educada
e a educação continuar se fazendo sem
cultura, o que veremos é a disputa pelos
47
“E, no fundo esta é a pergunta fundamental:
nós não temos cultura ou a nossa cultura está sem
sociedade?”
raiz da questão
Foto
: Ace
rvo
Ass
ocia
ção
RAIZ
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NO FIM DA TARDE, CHEGANDO NA RUA ESTREITA DE
PARALELEPÍPEDOS NO BAIRRO DE ÁGUA FRIA, ZONA NORTE DO
RECIFE, UM NEON VERDE E VERMELHO SE SOBRESSAI
RITUAIS INDÍGENAS NAS RUAS DE RECIFE
AS SETE FLECHASDO CABOCLO
49
Da Redação
Fotos Acervo Associação RAIZ.
patrimônio
Foto
: Ace
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Ass
ocia
ção
RAIZ
.
Nas fantasias dos Caboclinhos 7 Flexas existe um grande cuidado com a beleza e o luxo
Foto
: Ace
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Ass
ocia
ção
RAIZ
.
Paulinho 7 Flexas é o responsável por manter a tradição do folguedo
O neon marca a presença
da iluminada sede do
Caboclinho 7 Flexas. A
agremiação foi fundada
no início dos anos 1970
por José Severino dos Santos, o Mestre
Zé Alfaiate, hoje com 84 anos. São mais
de quarenta anos de atividades na cul-
tura do caboclo, seus ritmos e danças,
expressos em inúmeras apresentações
no Brasil e no mundo.
Vizinha à sede fica a residência do
mestre Alfaiate e dona Marlene, com
portas sempre abertas à comunidade,
num entra e sai frenético de pessoas
que vão beber uma água ou trocar uma
prosa. A casa simples com porta e janela
para a rua contrasta com os panos
de vidro, o neon, os cadeados e o ar
condicionado da sede ao lado. Ter uma
sede é a maior preocupação do mestre,
talvez por conta de sua idade avançada.
“O clube com sede é difícil de se acabar.
Mesmo que não tenha um presidente, a
gente tem onde botar a cabeça”. Com-
pleta: “Temos vida porque temos sede”.
joulas, espelhos, plumas e tudo que for
preciso para tornar a apresentação do
7 Flexas um deleite estético. Na dança
é o filho que puxa a qualidade. Pina
Bausch, depois de ver Paulinho dançan-
do, convidou-o para inúmeras oficinas
e apresentações na Europa. Antônio
Nóbrega, sempre que pode, tem o mes-
mo Paulinho ensinando no seu Espaço
Brincante, em São Paulo.
Algumas das tribos de caboclinhos
são seguidoras do candomblé ou da
umbanda. Para esclarecer; o 7 Flexas não
Zé Alfaiate vive da construção e pre-
servação da cultura do Caboclinho e do
culto ao Caboclo 7 Flexas, entidade que
descreve em detalhes. “Sujeito forte,
moreno, alto, do rosto afilado, que sen-
do filho de um casamento entre casal
de tribos rivais, foi expulso e vive nas
matas,” explica. A religiosidade, sempre
perpassando nos nossos folguedos é o
grande motivador do Caboclinho.
Paulinho 7 Flexas, filho do mestre Zé
Alfaiate, conta que: “Quando estava
com o braço deslocado na Europa, todo
enfaixado e proibido de dançar, minha
paixão foi tão grande pelo Caboclinho,
que bati com o ombro na parede e o
braço encaixou. No dia seguinte, fui
ao mercado e comprei ervas como a
jurema, alfavaca-de-caboclo e outras e
fiz um chá. Logo depois, pela graça do
Caboclo, dancei normalmente”. A lenda
vai virando história.
José Severino, alfaiate de profis-
são, desenha e tece com maestria as
fantasias e adereços que sua agremiação
desfila. Usa e abusa das palhas, lante-
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patrimônio
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Mestre Zé Alfaiate, um dos Patrimônios Vivos de Pernambuco.
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Detalhes das fantasias dos integrantes do Caboclinhos 7 Flexas
é tribo, mas é da vertente da jurema ou
catimbó, outro componente da religio-
sidade dos caboclos. A jurema, como
apresentada na literatura de José de
Alencar no século 19, tem Iracema como
a guardiã da bebida e é ela quem pro-
tege a brincadeira do Caboclinho. Com
vários preparos, a receita do 7 Flechas
pede ervas da mata, vinho, champanhe,
mel, alfavaca–de-caboclo, liamba, mas-
truz e cimento de caboclo.
Zé Alfaiate dança o Caboclinho
desde os dez anos de idade, quando
se iniciou com os Carijós de Alagoas.
Seguindo a tradição da nossa cultura
popular, onde a vida do comandante se
funde com a entidade que representa, o
mestre passou recentemente o coman-
do para seu filho Paulinho 7 Flexas.
Além de Paulinho, outros integrantes da
família também participam. A estrutu-
ra do Caboclinho obedece a seguinte
hierarquia: o cacique, a “cacica”, o
pajé, o capitão ou guia, o tenente ou
contra-guia, as crianças chamadas de
curumins. Toda essa dedicação e busca
pela perfeição tornaram o Caboclinho 7
Flexas uma referência cultural nacional.
A agremiação é um dos destaques do
carnaval pernambucano e foi reconheci-
da como “Patrimônio Vivo” do estado.
O Caboclinho é uma expressão bas-
tante recorrente no estado de Pernam-
buco, mais numeroso que o Maracatu,
por exemplo. Presente há mais de um sé-
culo na região, com agremiações como
os Carijós, de 1889, e os Canindés, de
1897, o caboclinho é uma dança tradi-
cional do carnaval pernambucano. Seus
53
patrimônio
Mestre Zé Alfaiate entre os troféus da agremiação
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RAIZ
.
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RAIZ
.Dona Marlene, a parceira de toda a vida de Zé Alfaiate.
participantes vêm vestidos de índios,
ornamentados com caprichados cocares,
adornos de pena e colares, represen-
tam cenas de caça e de combate. Uma
dança de muita agilidade nos pés, que é
acompanhada do arco e flecha rítmicos
– chamados de preacas, instrumentos de
marcação que produzem um som seco.
Os instrumentos musicais também são
bem particulares: a flauta, chamada de
gaita; as maracas ou chocalhos; e um
surdo de zinco com couro de bode em
ambos os lados. Na frente, o apito para
o caboclos puxarem o cordão para os rit-
mos do toré, mais lento; depois, guerra e
baião, mais acelerados – sempre varian-
do conforme a agremiação praticante.
Assim, dançando habilmente e esta-
lando suas preacas, homens, mulheres e
crianças, os caboclos e as caboclas, vão
contagiando a assistência. Todos que
passam pela rua param para acompa-
nhar o ensaio do 7 Flexas. Muitos da
zona norte de Recife participam da vida
da agremiação, sempre rigidamente
orientados pelo Mestre Alfaiate e seu
filho Paulinho 7 Flexas. A vida associativa
começa cedo e vemos muitas crianças
participando do ensaio. Algumas bem
pequenas nos mostrando a importân-
cia que um Caboclinho tem nesse exer-
cício intuitivo de perceber o mundo,
de pertencer a esse mundo e de ser
reconhecido por ele.
A militância pela identidade que o
mestre Zé Alfaiate e seu Caboclinho 7
Flexas praticam tem a força da verdade
que os impulsiona a atravessar a zona
norte do Recife para os palcos eruditos
da Pina Bausch em Paris. É tão popular, é
tão bem feito, que é do erudito.
Loa (cântico de louvor)do caboclo 7 Flexas
Tupiriçá, Taquá. Que caboclo são vocês? 7 flexas. 7 flexas em cima, do alto daquela serra pede o grito de paz ou guerra. Guerra! Vinte e quatro candeia. Corta o pau do caboclo. Corta o pau tira o mel. Uma abelha no sul, Outra no céu.
55
patrimônio
“A complexidade está em estabelecer os parâmetros para acomodar tantas diferenças,
sem hierarquizar ou proteger algumas em detrimento de outras”. (Fernando Duarte)
FERNANDO DUARTE, VIVA A CULTURA DA DIVERSIDADE!Da Redação
Foto Acervo Associação RAIZ.
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ere
ira
políticas
como um artista militante. Some-se a
isso, muita disciplina. Seja na produ-
ção artística constante de pinturas
e xilogravuras, seja nos expedientes
administrativos culturais de Pernam-
buco. Exemplo desses empenhos são
os Cadernos de Arte e os Diários que
escreve compulsivamente. Hoje já são
240 cadernos de folhas sem pauta
com 35 mil páginas desenhadas.
Como administrador, o artista
atua na gestão pública desde 2001,
quando assumiu a secretaria-adjunta
de Cultura na Prefeitura do Recife; na
gestão de José Roberto Peixe, também
artista plástico e hoje Secretário de
Apoio Institucional do Ministério da
Cultura. O resultado dessa administra-
ção é notório no Carnaval Multicultural
do Recife. Uma política de valoriza-
ção da diversidade artística marcante
desse estado tão plural no campo da
cultura. Ao mesmo tempo, traz artistas
renomados para os shows emblemáti-
cos no Marco Zero, no centro histórico
do Recife, promovendo os diálogos e
os encontros multiculturais, que dão
nome ao evento.
O Carnaval Multicultural do Recife
se revelou uma política pública de-
mocratizante, também nos processos
que cria, descentralizando o evento
em Polos nos diversos bairros da
cidade, valorizando os mestres e suas
agremiações. Tudo sem cordões de
isolamento, ou venda de pacotes de
fantasias ou abadás. Hoje, o carnaval
pernambucano é um dos maiores do
país em visibilidade, movimentação
Em 27 de dezembro de 2010, o
Governador de Pernambuco,
Eduardo Campos, nomeou
Fernando Duarte para substituir
o famoso Ariano Suassuna na
Secretaria de Cultura do Estado. Uma
secretaria que em Pernambuco tem um
significado maior, pois a rica cultura
pernambucana tem sido a chave mestra
da propulsão do seu reconhecimento
diferenciado como estado no país, ala-
vancando várias outras economias como
a do turismo e do carnaval.
Fernando Duarte da Fonseca tem 53
anos, é piauiense de nascimento, mas
pernambucano de vida. Uma vida dedi-
cada à política e às artes, como gestor
público e artista plástico. Iniciou-se nas
artes na década de 70. Sua militância
política vem de longa data também, nos
anos 1970 e 1980. Estudante militante
da POLOP (Organização Revolucionária
Marxista Política Operária) na Engenharia
Civil na UFPE (Universidade Federal de
Pernambuco) e sindical, quando atuOU
no Sindicato dos Bancários pelo Banco
do Brasil. Fernando também é um dos
fundadores do PT (Partido dos Traba-
lhadores) no estado, do qual é filiado
desde 1979. Entre 2005 e 2008, ele foi
presidente da Fundação de Cultura da
Cidade do Recife e foi assessor-executivo
da Secretaria, em 2009 e 2010, até a sua
nomeação como Secretário do Estado.
Fernando Duarte tem se desdobrado
entre as duas vocações, a política e a
arte, que busca articular de manei-
ra equilibrada, uma vez que sempre
dialogou no cenário pernambucano
Todas as proposições e iniciativas da
gestão pública da Secretaria de Cultura
podem ser acompanhadas pelo projeto
“Pernambuco Nação Cultural”. O total
de ações é alto, disponibilizou quase 124
milhões de reais em editais de fomento,
com mais de 20 mil shows realizados e
a criação de 175 mil postos de trabalho,
para apresentarmos alguns parâmetros.
O “american way of life” do pós-
-guerra; que vendeu a cultura americana
por todo planeta, fruto de uma política
com fortes intuitos territorialistas e eco-
nômicos; percebeu que a cultura vale por
mil tanques em operação. Hoje o Jazz,
Blues, R&B, Rock, Rap, Hip Hop fazem
parte do nosso cardápio e de nossa eco-
nomia de consumo. Que o “Pernambuco
way of life” possa levar sua riqueza para
todos também. Sem tendências imperia-
listas, mas pela sua estética: diversa, har-
mônica, bela e fruto de nossa identidade
jovem e renovadora.
da economia local e captação financeira
de patrocínio e publicidade. Tudo feito
sem abrir mão de suas características
e ritmos próprios. No famoso carnaval
da Bahia, por exemplo, o frevo tocado
nos trios elétricos, foi substituído pelo
“dial” das rádios FM.
A preocupação com a identidade e de
todo universo que a cerca é a locomoti-
va sobre a qual as políticas culturais em
Pernambuco tem trilhado seu caminho.
Essa valorização da cultura própria é
intensa e intrínseca à alma pernambu-
cana. No caso de Fernando Duarte é a
premissa básica da sua maneira de fazer
política cultural. Ele nos diz: “A complexi-
dade está em estabelecer os parâmetros
para acomodar tantas diferenças, sem
hierarquizar ou proteger algumas em
detrimento de outras”.
O secretário continua desafiando
seu conhecimento sobre a grande di-
versidade que administra: “Na música
temos frevo, coco, maracatu, afoxé,
ciranda, caboclinho, blocos líricos,
samba, entre outros. Já na literatura
temos João Cabral de Melo Neto, Ma-
nuel Bandeira, Joaquim Cardozo, Josué
de Castro. Nas artes plásticas temos
manifestações em cerâmica, telas e tin-
tas, xilogravuras, barro. São tantas as
possibilidades, que isso realmente nos
oferece um cenário desafiador”.
A política da cultura de Pernambuco
foi estruturada sobre quatro eixos que
visam preparar a infraestrutura legal e
institucional para apoio às demais inicia-
tivas, como a geração de redes locais e
regionais, intenso programa de fomento
e finalmente a promoção e divulgação
das ações programadas. São eles:
EIXO 1 - Constituinte Cultural de Pernam-
buco e Reestruturação Organizacional.
Gerando leis e equipamentos necessários.
EIXO 2 - Dinamização da Rede de
Equipamentos e Implantação da Rede
Regional nos 185 municípios com as
Escolas Públicas.
EIXO 3 - Desenvolvimento da Política
Cultural, que visam o fomento, a preser-
vação, a formação, a difusão, a distribui-
ção da cultura no estado.
EIXO 4 - Comunicação, conexões e
difusão cultural, também responsá-
vel pela implementação do portal de
internet Pernambuco Nação Cultural
(www.nacaocultural.pe.gov.br).
“No famoso carnaval da Bahia, por
exemplo, o frevo que era tocado
nos trios elétricos, foi substituído pelo ‘dial’ das
rádios FM. ”
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reira
políticas
João Mauricio Ottoni Wanderley de Araujo Pinho, nascido
em 1936, é um dos advogados tributaristas mais requisi-
tados do país, em especial no Rio de Janeiro onde nasceu
e reside. Foi professor de 1967 até 1992, trilhou vários
percursos públicos e privados até formar seu concorrido
escritório em 1979 no centro da cidade, com janelas voltadas
para o Palácio Tiradentes e a Baia de Guanabara ao fundo.
No campo da cultura, foi dirigente dos grandes museus da
cidade maravilhosa. João Maurício presidiu o Museu Histórico
do Rio de Janeiro, a Associação de Amigos do Museu Nacional
de Belas Artes, a Casa de Cultura Laura Alvim, a Casa de Rui
Barbosa, o Museu do Pontal de Arte Popular, a Casa França-
Brasil e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Num
incansável amor pela arte.
Amor maior, Araújo Pinho nos revela através de sua enorme
e belíssima coleção de arte popular brasileira. O advogado tribu-
tarista trata da sua paixão pela arte popular – coleciona também
peças africanas – com um conhecimento que desfila sua eru-
dição. Muita diversidade, variedade, artistas e estilos, mas com
foco total na contribuição de cada peça para o seu olhar e a sua
alma. Como ele nos diz: “Eu não me motivo pela coleção, mas
pelo que me diz cada peça. Elas conversam comigo”. E foi de
peça em peça, que o colecionador gerou as dimensões do seu
vasto acervo. Se perguntado sobre o volume de obras adqui-
ridas, em sua longa trajetória de colecionador, diz não saber.
Mas, não há onde olhar no escritório do tributarista, que não se
veja as milhares de obras, onde a cor, o barro, a madeira, o ferro
esculpido não estejam presentes. Outros ambientes no centro e
no bairro de Botafogo estão à serviço de sua coleção. Humilde
ele revela: “Sou um curioso da beleza”.
Vitalino é um dos artistas populares de maior destaque da
sua coleção. Em uma prateleira de vidro vemos o dentista e o
paciente sempre tenso; uma procissão de beatos e bêbados,
onde o padre é protegido do sol por uma mesa de bar; os
famosos e tão particulares bois; os cangaceiros de barro, mas
com olhos vivos; são muitas as peças do gênio pernambucano
JOÃO MAURÍCIO DE ARAÚJO PINHO, O CURIOSO DA BELEZA
“Eu não me motivo pela coleção, mas pelo que me diz cada peça. Elas
conversam comigo”
famoso na tradução do modo de vida dos sertanejos. Como
de todos os pontos produtores de arte do país, são vários os
artistas de Pernambuco presentes: Manoel Eudócio, J. Borges,
Ana das Carrancas, os artistas de Tracunhaém. João Maurício
tem predileção por aqueles que retratam o seu entorno e a sua
realidade, daí a força das obras que encantam seus ambientes
de estar e trabalhar. Dialoga também com as várias superfícies.
Vemos obras em três dimensões, mas também muitas pinturas:
Ranchinho, João da Silva, Heitor dos Prazeres, Mirian, Alcides,
Zé do Carmo, e tantos, e muitos. A coleção de João é um pai-
nel do melhor da nossa arte popular. A arte que o colecionador
chama de pura. “Coleção é a busca da beleza por assemelha-
ção, coleção é a busca da verdade,” arremata João Maurício.
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Esculturas africanas fazem parte do acervo de João Maurício de Araújo Pinho
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Texto e Fotos por Edgard Steffen Jr.
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A BARKA AFRICANA
Na semana da consciência negra estreou o docu-
mentário Barka na Cinemateca, em São Paulo.
Filmado em 2008, Barka é um retrato de uma co-
munidade de Burkina Faso, na África. Dirigido por
Carlinhos Antunes e Márcio Werneck, o média-
-metragem vai muito além do dia-a-dia da população, reve-
lando os valores, a identidade cultural e os sonhos de jovens e
adultos moradores da cidade de Koudougou. O documentário
não cai na tentação de retratar o país como uma terra exótica,
distante e diferente. Nas cenas finais, a montagem intercala
com agilidade cenas de Burkina e da periferia de São Paulo e o
espectador se dá conta de que as semelhanças são muitas.
Dentro de uma realidade difícil, ganham destaque iniciativas
que buscam a superação da pobreza, da opressão, do desem-
prego e do analfabetismo, promovendo o desenvolvimento e
a cultura dos habitantes. Um dos exemplos é o da Associação
Benebnooma, dirigida pelo protagonista do documentário
Koudbi Koala, que provê a educação de cerca de quinhentas
crianças e adolescentes. Para o diretor Márcio Werneck, o
documentário mostra uma África que muitos não conhecem.
“O documentário mostra uma África que tem muita dignida-
de, com pessoas magníficas tentando com suas possibilidades
melhorar suas vidas e as que estão ao seu lado. O continente
africano é muito grande, são muitas realidades diferentes.
Burkina Faso é um país especial. Felizmente lá não há guerras
étnicas e o número de aidéticos é pequeno em relação a outros
países da África. O país é pobre, mas ser pobre num país pobre
é bem diferente de ser pobre num país rico como o Brasil. Mas
para entender melhor este conflito só assistindo o documentá-
rio”, explica o diretor.
Barka é o segundo documentário dirigido por eles nessa
região. Em 2007, os músicos e documentaristas Carlinhos
Antunes e Márcio Werneck participaram do Festival NAK
de música e dança e produziram Sete Dias em Burkina, que
retrata a experiência deles naquele país. Em 2008, eles vol-
taram para Koudougou, em Burkina Faso, tocaram nova-
mente no Festival NAK, apresentaram ao ar livre o docu-
mentário nos vilarejos por onde passaram e aprofundaram
ainda mais a relação com essa comunidade, realizando esse
segundo documentário na região.
Serviço:
Documentário: BARKA
Direção: Carlinhos Antunes e Márcio Werneck
Elenco: Koudbi Koala, participações de Alpha Blondy, Didier Awadi, Sinfonia da Kora do Mali (família Diabate), Balé nacional de
Burkina, entre outros.
Produção: Divina Imagem Produções e Mundano Produções
Realização: SESCTV
Trailer no Youtube: Trailer Barka
O documentário Barka nos mostra a vida na
cidade Koudougou, em Burkina Faso.
VAMOS TODOS CIRANDAR...
Na estrada desde 2005, jovens músicos dão cara
nova à tradicional ciranda caiçara de Paraty, RJ.
Pandeiros, violas, tambores, baixos e guitarras,
trazem uma nova forma e um novo tempero para
a roda. De lá pra cá, o interesse por suas raízes e
tradições gerou um grande movimento cultural na cidade. “Só
os mais velhos tocavam ciranda e só os mais velhos dançavam
ciranda. O mesmo jovem que faz as baladas de música eletrôni-
cas, a gente está trazendo para dançar ciranda também”, diz
o percussionista e vocalista Leandro Campelo. Cada músico
foi trazendo a sua influência musical – rock, hip hop, samba,
funk – para a mistura com os ritmos caiçaras, com destaque
para cana-verde, caranguejo, ciranda, felipe, jongo e canoa.
Criaram, assim, uma nova maneira de se tocar ciranda: uma
Ciranda Elétrica!
Com um CD na praça, Caiçaras de Raça, o espírito da
novidade da banda Ciranda Elétrica agora está na internet.
A banda criou o site Cirandas de Paraty, fruto de uma parceria
com a Secretaria do Estado da Cultura do Rio de Janeiro. Um
espaço virtual sobre a rica história desse estilo musical caiçara.
O projeto é motivo de orgulho para Leandro Campelo, o Dou-
tor. Para ele, o site é um espaço “importante para a divulgação
de nossa cultura. Pela primeira vez os cirandeiros tradicionais
de Paraty terão a chance de apresentar e compartilhar suas
histórias, sua arte e suas músicas de maneira profissional e com
alta qualidade”.
Para Leandro, graças às conexões digitais “a secular tradição
caiçara mostra seu ritmo e seu legado para o mundo. Pela
internet, a velha guarda da ciranda paratiense (os Coroas
Cirandeiros) apresenta seu perfil autêntico, sua simplicidade
e grandeza cultural junto com a Ciranda Elétrica de Paraty e
a proposta de uma Ciranda Eletrônica representada pelo DJ
Kobna”, avalia.
Serviço:
Cirandas de Paraty – Passado, Presente e Futuro
www.cirandasdeparaty.com.br
Ciranda Elétricawww.myspace.com/cirandaeletrica
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Da Redação
Foto Divulgação
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Da Redação
Foto Divulgação
bens de raiz
SOBRE O OLHAR DE PIERRE VERGER
Pierre Verger fez da África a inspiração de sua obra.
O antropólogo francês
Jérôme Souty lançou
o livro Pierre Fatumbi
Verger: do olhar livre ao
conhecimento iniciático.
Nesse trabalho, ele analisa o processo
de transformação do fotógrafo Pierre
Verger, um dos mais respeitados fotó-
grafos franceses do século 20, em um
etnólogo, botânico e historiador da vida
de brasileiros e africanos.
Jorge Amado escreveu certa vez
que Pierre Verger (1902-1996) “de tão
extraordinário, parece uma invenção”.
De fato, a trajetória do fotógrafo francês
é bastante singular. Aos trinta anos,
deixou Paris, sua cidade natal, para
descobrir o mundo, libertar seu olhar e
se afastar de seu meio familiar e cultural.
Fotógrafo e viajante, desenvolveu uma
curiosidade por outras formas de viver
que o levou muito além da fotografia.
Os cinquenta anos que dedicou às
pesquisas sobre as culturas negras do
Brasil e da África, especialmente na
Nigéria e no Benim, fizeram com que se
tornasse etnólogo, botânico e histo-
riador e o levaram a desenvolver um
conjunto de saberes que o fizeram uma
espécie de embaixador entre os dois
continentes, restituindo laços rompidos
pela escravidão. Homem da imagem
que custou a enveredar na escrita,
acabou por escrever obras etnográficas
Serviço:
Livro: Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático de Jérôme Souty
Editora Terceiro NomePatrocínio: Banco Pine
Apoio: Fundação Pierre Verger, Maison de France, MinC, Secretaria de Cultura do Estado da Bahia
Quanto: 60 reais
site: www.terceironome.com.br
definitivas, em que registrou a riqueza
e a especificidade dessas culturas e de
sua oralidade. O itinerário singular e o
método de trabalho original permitiram
que ele recolhesse um material artístico,
documental e científico notável.
Este livro, que se aproxima de um es-
tudo biográfico, é mais que uma análise
da produção científica e artística de Pierre
Verger ou uma reflexão geral sobre a ori-
ginalidade de sua experiência. Ao narrar
os passos dessa vida-obra, o antropólogo
francês Jérôme Souty interroga com
profundidade a etnologia, seu valor e
seus limites, e contribui para a renovação
dos métodos e para a reconsideração dos
objetivos da antropologia.
Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático, de Jérôme Souty
71
Da Redação
Da Divulgação de Pierre Verger
benz de raizbenz de raiz
SÃO PAULO TEM UM NOVO ESPAÇO CULTURAL: A CASA DA IMAGEM
Voltado à pesquisa e difusão
da história da imagem
documental da cidade e à
preservação dos acervos
Iconográfico e Gestões
Municipais, o novo espaço da fotografia:
A Casa da Imagem. Instalado na cen-
tenária Casa nº 1, depois do restauro
iniciado em 2008, seu acervo, que reúne
710 mil imagens da cidade de São Paulo
(entre as quais 120 mil já digitalizadas),
recebeu tratamento para conservação,
além de ter sido constituída uma base de
dados de gerenciamento e recuperação
de informações. Localizada na antiga Rua
do Carmo, hoje Rua Roberto Simonsen, a
Casa da Imagem fica ao lado do Beco do
Pinto e do Solar da Marquesa de Santos,
que também passaram por processo de
restauro e foram reabertos ao público.
“Promover ações de pesquisa junto
ao acervo da Secretaria Municipal de
Cultura garante o conhecimento, difusão
e preservação de suas coleções, como é
caso desta exposição”, afirma Henrique
Siqueira, gestor do novo museu.
Eventos de abertura
Muita gente conhece o trabalho de
Guilherme Gaensly, mas poucos são
aqueles que conhecem a exata dimen-
são de sua importância para a icono-
grafia da cidade de São Paulo. Por isso,
a obra do fotógrafo foi escolhida para
inaugurar o novo museu da Secretaria
Municipal de Cultura de São Paulo, que
fará parte da rede do Museu da Cidade.
Esta exposição – Guilherme Gaensly,
o fotógrafo Cosmopolita – inaugura
a Casa da Imagem, com curadoria de
Rubens Fernandes Junior, coloca luz
sobre o mais importante conjunto de
fotografias produzidas ao longo de
três décadas – entre 1890 e 1920 –,
momento em que a cidade radicalizou
sua transformação urbana.
Gaensly não se preocupou em docu-
mentar a cidade em obras, mas produziu
uma coleção de fotografias cuja principal
preocupação foi evidenciar a nova dinâ-
mica da cidade: seus edifícios públicos,
seus parques e praças reurbanizados,
benz de raiz
Fachada do novo espaço cultural da cidade de São Paulo: A Casa da Imagem
seus palacetes e os trilhos dos bondes
elétricos recém-chegados ao espaço
urbano. Esse conjunto de imagens, espe-
cialmente criado para divulgar os novos
atributos da capital, foi decisivo para São
Paulo adquirir um status de metrópole
emergente. “Essas fotografias são um
dos mais expressivos documentos visuais
da história da cidade e estimulam o
visitante a se envolver com o passado da
cidade, por isso escolhermos mostrá-las
na inauguração da Casa da Imagem”,
afirma Rubens Fernandes Junior. Ele
aponta, por exemplo, como a fotogra-
fia do Largo do São Bento de Gaensly
deverá se chocar com a imagem metal
que o visitante tem hoje do mesmo
espaço. A proposta busca estimular a
criação de vínculos afetivos que possam
dar ao cidadão uma leitura crítica sobre
o desenvolvimento econômico da cidade
e, ao mesmo tempo, capacitá-lo para
uma melhor compreensão da evolução
do espaço urbano.
Beco do Pinto – No ar, de Laura Vinci
A Casa da Imagem é responsável pela
programação do Beco do Pinto, logra-
douro público, entre o novo museu e o
Solar da Marquesa de Santos. Era uma
passagem utilizada na São Paulo colonial
para o trânsito de pessoas e animais,
ligando o largo da Sé à várzea do rio
Tamanduateí. A proposta é convidar
artistas plásticos para conceberem insta-
lações para o local que será inaugurado
com a obra da artista Laura Vinci, No ar.
A instalação (site specific) sugere uma
reflexão sobre a transformação e a pas-
sagem do tempo. A passagem do tempo
é tema recorrente na obra da artista
paulista. Sua obra também se destaca
por estabelecer um diálogo com o espa-
ço no qual se insere. Essas características
sublinham a instalação criada para o
Beco do Pinto, onde a artista instaura
ainda uma delicada poética sobre um
tempo em suspensão.
Serviço:
Exposição: Guilherme Gaensly, o fotógrafo Cosmopolita
Instalação: No ar, de Laura Vinci
Até 8 de abril de 2012 - de terça a domingo, das 9h às 17h - Entrada gratuita
Casa da Imagem - Rua Roberto Simonsen, 136-B, Centro, SP
fone: (11) 3106 5122 – e-mail: [email protected]
Visitas monitoradas: Equipe disponível para atendimento de grupo escolares, organizações da sociedade civil, associações e visitantes.
O fotógrafo Guilherme Gaensly produziu imagens da cidade de São Paulo entre os séculos 19 e 20
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Da Redação
Fotos Divulgação de Nelson Kon e Guilherme Gaensly
Foto
: Nel
son
Kon
Foto
: Gui
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Ga
ensly
benz de raiz
Duas versões de livros de
Pedro Martinelli, fotógrafo
brasileiro que conquistou
o prêmio Esso (1996) e diver-
sos prêmios Abril de Jornalis-
mo, foram lançadas no segundo semestre
de 2011. Uma com custo acessível e
outra para colecionadores, mas ambas
apostando na divulgação do trabalho de
um ícone do fotojornalismo tupiniquim.
O livro Martinelli, Pedro, da coleção Fo-
tógrafos Viajantes, chegou às livrarias em
agosto pela Terra Virgem Editora e reúne
64 imagens feitas durante os quarenta
anos de carreira em que Martinelli atuou
em grandes jornais e revistas do país.
A coleção Fotógrafos Viajantes teve
início com Pierre Verger (2009), seguido
de Cássio Vasconcellos (2010). “A cole-
ção apresenta grandes fotógrafos, suas
imagens e viagens, editadas de forma a
contar um pouco sobre a visão peculiar
de cada um deles. O que me interessa é
a diversidade de olhares, de lugares, de
desejos,” diz Linsker, editor da coleção.
“Pedro Martinelli se encaixa perfeita-
mente nessa proposta. Desde os anos
1970, realiza um trabalho importantís-
simo sobre a Amazônia e suas imagens
carregam uma reflexão essencial,
e muitas vezes incômoda, sobre as
escolhas da sociedade brasileira para a
região,” completa.
Uma versão do livro tem formato
de bolso e capa dura. O livro é gigante
no que se refere à variedade de temas,
épocas e emoções retratadas por Pedro
Martinelli. A outra versão foi criada para
amantes da fotografia, colecionadores de
obras de arte ou para quem quer adquirir
fotografias exclusivas de artistas impor-
tantes a preços acessíveis. As paisagens,
os índios, o desmatamento e os detalhes
da Amazônia permeiam todos os livros e
dividem espaço com campos de futebol;
políticos como Lula, Maluf ou Juruna;
uma modelo tcheca em Paris, e uma
versão “dona de casa” de Sonia Braga,
cozinhando em Paraty. “Pela primeira vez
um livro mostra os diversos temas com
PEDRO MARTINELLI GANHA LIVRO DA COLEÇÃO FOTÓGRAFOS VIAJANTESTERRA VIRGEM EDITORA LANÇA TERCEIRO VOLUME DA COLEÇÃO EM AGOSTO
os quais trabalho. É um primeiro balanço,
uma amostra do meu arquivo editada
pelo Roberto Linsker, de quem recebi o
convite para fazer o livro e a quem dei
total liberdade para recontar minhas his-
tórias,” diz Pedro. “Vivi mais da metade
da minha vida no mato, conheço o Brasil
todo, e acompanho a desgraça na Ama-
zônia desde os anos 1970. Em 1995 pedi
demissão e fui fotografar o que sobrou
Serviço:
Livro: Martinelli, Pedro
Texto: Pedro Martinelli e Roberto Linsker
Terra Virgem Editora64 imagens
Características e preços:
Edicão limitada (100 exemplares)
20 livros assinados e numerados de 1/100
a 20/100, acompanhados de cópia foto-
gráfica no tamanho 55 X 44 cm numera-
da e assinada pelo autor, com impressão
da floresta e resgatar o que existia dos ín-
dios, que agora usam camisa de time de
futebol, bermuda até o meio da canela,
tênis desamarrados e boné,” completa.
Linsker é responsável pela escolha
e sequência das imagens do livro. “A
edição do livro é uma leitura minha, muito
particular, sobre a obra do Pedro”, explica
o curador. “Gosto desta ideia do vai e
volta, das semelhanças e contrastes entre a
floresta e a cidade, da Amazônia impreg-
nada na vida do Pedro, desses diálogos
silenciosos entre mundos que pela primeira
vez se encontram lado a lado nas páginas
do livro. Como o saltador em Acapulco
que se larga para o mar e para a vida e a
vítima que, durante o incêndio de 1974,
pula para a morte no edifício Joelma em
chamas,” completa Linsker.
em jato de tinta K3 sobre papel
Hahnemühle Classic Velour 290g/m2
Quanto: 3.000 reais
80 livros assinados e numerados de
21/100 a 100/100
Quanto: 190 reais
Edição simples
Quanto: 45 reais
Onde encontrar:A edição simples está disponível nas
principais livrarias do Brasil.
A edição limitada estão à venda na pró-
pria editora e em galerias selecionadas.
Informações: [email protected].
Mosaico das imagens produzidas nos 40 anos do fotógrafo Pedro Martinelli
75
Da Redação
fotos Pedro Martinelli
Foto
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APLICATIVOINSTAGRAMREVELA OBRASIL
Com 25 anos no mercado de
fotografia, Mônica Maia foi
responsável pela primeira
exposição em São Paulo de
fotos tiradas com o aplicativo
Instagram impressas em papel algodão,
que aconteceu no Clube Alberta em abril
de 2011. A coleção Revelar #azulejos nas-
ceu no processo da montagem dessa
exposição. “Eram cópias 20x20cm e na
parede lado a lado me veio a imagem
de azulejos decorados. Fiz várias pesqui-
sas e a técnica da impressão brilhante
se aproximou muito do aplicativo e
dos efeitos retrôs obtidos através dos
filtros,” comenta a fotógrafa. Seguiu-se
a mostra Inspir.ação, o Revelarparaty,
cobertura colaborativa do evento de
fotografia Paraty em Foco, e a Insta-
Sampa, que selecionou trinta imagens
entre as 1.200 inscritas, no Armazém
Piola, em São Paulo.
A coleção Revelar #azulejos traz para
o mundo real as fotos feitas através do
Instagram, um dos aplicativos mais po-
pulares para iPhone. O aplicativo, criado
pelo brasileiro Mike Krieger e pelo
americano Kevin Systrom, atingiu, em
apenas um ano de lançamento a marca
de 10 milhões de usuários com mais de
200 milhões de imagens. Atualmente o
sistema possibilita o uso de diversos fil-
benz de raiz
tros que recriam estéticas de processos
fotográficos que remetem às câmeras
analógicas como Lomo e Polaroid. O
azulejo tem 15 x 15cm e a moldura,
de cor nogueira, tem 16,5 x 16,5 x
3,7cm. O preço do azulejo na moldura
é 240 reais. A foto compartilhada na
rede social é quadrada, por isso quando
aplicada neste suporte fica muito fiel ao
que se vê na tela do aparelho. Além do
formato, a impressão brilhante ressalta
o estilo retrô das fotos.
As fotos selecionadas pela dona da
Agência Revelar, Mônica Maia, mostram
um Brasil de verdade em todos os aspec-
tos, com fotos reais, documentais, que vão
desde grandes acontecimentos até cenas
do dia a dia. As imagens são impressas em
azulejos, que podem ser emoldurados ou
aplicados diretamente na parede. Profissio-
nais experientes estão entre os fotógrafos
selecionados pela curadora para esta
primeira linha Revelar #azulejos. São eles:
Aurch, Ana Beatriz, Chebel, Daigo Oliva,
Filiperama, Garrida, Helena de Castro,
Letsvamos, Paulo Pampolin, Renato Sto-
ckler, Ricky Arruda, Rosa Bastos, T.Pires,
entre outros. Fotógrafos selecionados por
Mônica Maia direto do aplicativo Insta-
gram. “Procuro selecionar aqueles que
criam uma identidade visual, seja pelas
cores, enquadramentos, filtros, temas
fotografados, ou seja, procuro trabalhos
com personalidade e, claro, que ficam
bem em paredes, prateleiras e ambientes
internos e externos,” explica.
Existe a intenção de fazer exposições
pelo país, não só de azulejos mas com
ações na rede Instagram. “Fizemos em
São Paulo a exposição InstaSampa, onde
fotos da cidade eram compartilhadas
na rede,” conta Mônica Maia. Mas caso
haja interesse em adquirir algum dos
azulejos a compra pode ser feita pelo site
www.revelarbrasil.com.br na sessão
Impressões - coleção #azulejos, ou sob
encomenda pelo email:
Sob a curadoria da fotógrafa Mônica Maia foi criada uma nova possibilidade de colecionar imagens do Brasil.
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77
Da Redação
Fotos Renato Stockler, Rosa Bastos e Ana Beatriz Chebel
VÍDEOS NAS MUITAS ALDEIASAshaninka, Asurini, Baniwa, Enawenê-Nawê, Gavião–Parakatejê, Guarani-Kaiowá, Guarani-Mbya, Kaxinawá, Ikpeng, Kaingang, Kanoê, Kisêdjê, Krahô, Kuikuro, Makuxi, Manchineri, Maxacali, Nambiquara, Panará, Pankararu, Parakanã, Tariano, Waiãpi, Waimiri (alguns dos 250 povos indígenas do Brasil)
Foto
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esto
de
Ca
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lho
perder o elã inicial, como os Médicos
sem fronteiras, a nível mundial, e o
Vídeo nas Aldeias, aqui no Brasil.
O Projeto Vídeo nas Aldeias – ori-
ginário da ONG Centro de Trabalho
Indigenista e, em particular, da atuação
militante de Vincent Carelli - desde 1986
é um exemplo ímpar na construção de
uma política cultural estruturante, demo-
cratizante e de visibilidade da questão
indígena. Com uma produção audiovi-
sual constante e invejável, o VNA não
impõe, ao contrário, compõe com seu
Vídeo nas Aldeias é uma
ONG, um Ponto de Cultura
e um projeto precursor do
audiovisual indígena no
Brasil. Com mais de quarenta
títulos de autoria indígena lançados, o
acervo do VNA proporciona uma visão
única no diálogo com a temática dos
nossos índios. Um diálogo cultural direto
da fonte. Uma fonte complexa e que traz
o mito de origem do país, que envolve
memórias e lendas, mas também manejo
florestal e divisas territoriais. O VNA aporta
equipamentos de áudio e vídeo, forma
técnicos e fotógrafos, e ajuda no processo
de distribuição dos produtos gerados. Traz
à tona nossa grande diversidade de povos
e etnias, abordando parte significativa dos
mais de 250 povos indígenas do país.
Em meio a caça às bruxas das ONGs,
fruto do aparelhamento partidário
de algumas entidades envolvidas em
escândalos recentes, falar do Vídeo nas
Aldeias é colocar de volta à mesa, a
temática realizadora e impulsionadora
original dessas empresas militantes de
suas causas.
As ONGs têm sido um fenôme-
no mundial com forte influência na
formação da humanidade. Atuando em
causas nobres como meio-ambiente,
trabalho infantil, minorias, tortura,
entre outros; estando presente, muitas
vezes, na ausência do Estado ou do res-
ponsável pelos direitos. ONGs também
cresceram como empresas, rompen-
do fronteiras e se configurando em
verdadeiras multinacionais. Muitas sem
Vincent Carelli na aula de edição com o Ashaninkas, no Acre
“Um diálogo cultural direto
da fonte.”
79
Da Redação
Fotos Ernesto de Carvalho e Carlos Fausto
bens de raiz especial
benz de raiz especial
interlocutor com o respeito às caracterís-
ticas e a história de cada povo indígena
abordado. Os produtos audiovisuais do
VNA surgem do olhar dos próprios ín-
dios, que em oficinas e reuniões dispõem
como quiserem dos recursos intelectuais
e ferramentais aportados para construir
uma narrativa própria e autônoma.
No primeiro trabalho, com os
Nambiquara, com o equipamento VHS
do próprio Vincent (pronuncia-se em
francês ‘vanssant’) sempre à disposição,
uma surpresa: Os índios não gostaram
de muita coisa que viram e promove-
ram ajustes na sua imagem, uma vez,
revelada pelo espelho das câmeras. Esse
potencial de gerar novas dinâmicas,
que se configuram em alavancas para
a expressão individual e coletiva das
aldeias, é a chave do sucesso do projeto
VNA. Mais do que o seu fim como
produto consumível, o filme, pelo olhar
intimista e diferenciado do realizador de
cada povo, alavanca uma interlocução
especial com quem não conhece o tema
– os de fora. Mas também, movimenta,
na sua confecção e resultado final, os
povos retratados – os de casa. Num
círculo virtuoso em que os processos se
alavacam positivamente; com os de fora
rompendo o estranhamento comum e
compreendendo que o nosso índio não
é só aquela figura mítica do alto Xingu,
forte, desnudo e dançando o Quarup. E
os de casa se vendo e se reconhecendo
como uma cultura específica.
“Os índios não gostaram de muita
coisa que viram e promoveram ajustes na sua
imagem...“
Se num primeiro momento o VNA
retrata, num segundo forma cineastas
índios. Em 1997 foi realizada a primeira
oficina de formação na aldeia Xavante
de Sangradouro. Numa ciranda que não
para nunca. Em 2004, o encontro com o
Programa Cultura Viva alavancou ainda
mais a iniciativa indigenista audiovisual
do VNA. Vincent nos conta: “O projeto
levou tempo para decolar. Havia muita
ignorância sobre as questões indígenas.
Até nos tornarmos Ponto de Cultura,
nunca tínhamos recebido nenhum centa-
vo. Agora podíamos equipar as aldeias
e dar mais autonomia a elas”. Vincent
continua: “Junto, vem a revolução digital
e a política de fortalecimento da nossa
diversidade cultural na gestão do Minis-
tro Gilberto Gil”. Estruturado e prepara-
do, o Vídeo nas Aldeias ganha energias
renovadas num cenário favorável.
Com mais musculatura, amplia a
extensão de suas ações em novas e dife-
rentes nações indígenas. Caminha então
para a terceira via de suas atividades.
Entra a distribuição e a promoção dos
conteúdos gerados, sempre apresenta-
dos em português e mais uma língua,
além da indígena falada. O Vídeo nas
Aldeias vai para a TV aberta no progra-
ma de Marcos Palmeira “A’uwe”, na TV
Cultura por quase três anos, com boa
aceitação do público, em uma empatia
que envolveu humor, intimidade e toda
densidade das várias histórias indíge-
nas do presente.
Atualmente, o Vídeo nas Aldeias vive o
paradigma da esperança e da decepção.
Esperança nas novas Leis 11 645 e 10
630 de inclusão das culturas indígenas
e afrodescendentes no ensino médio,
onde a distribuição dos produtos do VNA
podem atingir os três dígitos. Decepção
com o desmonte de vários programas em
favor da diversidade e da cultura popular
no Ministério da Cultura e outras institui-
ções culturais hegemônicas.
Independente dos cenários que o
cercam, o Vídeo nas Aldeias se renova
e começa a focar o público infantil,
com conteúdo adequado e dublado
para as crianças. Iniciando uma nova
fase de sua evolução como entidade
e projeto indigenista.
Em um quarto de século o VNA gerou
um acervo de mais de 3 mil horas de
imagens de quarenta povos indígenas
brasileiros e uma coleção de oitenta víde-
os, metade de autoria dos próprios índios.
Para celebrar uma vida rica de histórias
e momentos publica: Vídeo nas Aldeias
– 25 anos. Um livro que apresenta uma
abordagem diferenciada, que privilegia
os processos de sua centena de produ-
tos e seus principais atores, os cineastas
indígenas, valorizando cinco povos que
mais produziram pelo projeto: os índios
Ashaninka (AC), Kuikuro, Xavante (MT),
Huni Kui (AC) e Mbya-Guarani (RS). Diz
Vincent: “Os depoimentos revelam o
impacto da chegada do vídeo às aldeias:
a apropriação do meio incita a retomada
de rituais esquecidos, evidencia disputas
políticas entre facções diversas, expõe
conflitos geracionais; mais do que tudo,
possibilita projetar para o mundo uma
imagem mais fiel dos realizadores”. Em
uma edição caprichada, o livro com 255
páginas ricamente ilustradas e dois DVDs
busca captar a visão dos realizadores,
oficineiros, produtores e público na busca
de contar como chegaram até aqui, 25
anos depois.
“Em 25 anos de vida o VNA gerou
um acervo de mais de 3 mil
horas de imagens de quarenta
povos indígenas brasileiros e uma
coleção de oitenta vídeos, metade de autoria dos
próprios índios.”
Serviço:
Livro-Vídeo: Vídeo nas Aldeias – 25 anos
256 páginas, 10 filmes
Quanto: 200 reais
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Vincent Carelli entre os Kuikuru
81
Foto
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E AS FRONTEIRAS DOPOPULAR E ERUDITO
SAGRAMAM
úsica erudita é aquela consagrada, a dos compositores universais. Ela possui estruturas formais muito bem demar-
cadas: abertura, desenvolvimento, a construção de um clima de tensão e depois relaxamento”. Foi assim que Sérgio
Campello, flautista e diretor artístico do Sagrama, começou a contar a sua visão sobre a música erudita × música
popular. Para ele, música erudita é aquela que interpreta fielmente a composição do autor, respeitando-a nota por
nota. O erudito estuda a música de maneira formal, tem mais bagagem e referências musicais que o músico popular.
“Veja os sanfoneiros, a maioria não conhece teoria musical, mas tocam por intuição e pelo aprendizado que tiveram com os pais,
com as pessoas da sua comunidade, em casa, nas festas”.
“
Ensaio do grupo pernambucano Sagrama
Sagrama é:
Sérgio Campelo (Direção artística / arranjos) - Flautas
Frederica Bourgeois - Flautas
Crisóstomo Santos - Clarinetes
Cláudio Moura (Assistente de direção) - Violão / Viola nordestina
Fábio Delicato - Violão
João Pimenta - Contrabaixo
Antônio Barreto - Marimba / Vibrafone / Percussão
Tarcísio Resende - Percussão
Hugo Medeiros - Percussão
85
Por Cristina Astolfi
Fotos Divulgação
música
Para entender um pouco melhor a
relação entre o erudito e o popular na
música, e para avaliar a produção do
próprio Sagrama, recorri ao professor
José Roberto Zan, da Unicamp, que
iluminou a minha investigação com ge-
nerosidade a partir de um olhar histórico
muito pertinente à questão. Segundo o
professor, a música erudita remonta à
Idade Média, mas a partir do século 19
ela estabelece uma relação especial com
a música popular. Nessa época, a Europa
passa por uma grande crise e reconfi-
guração socioeconômica: o desenvol-
vimento do capitalismo industrial; os
desdobramentos da Revolução Francesa;
o desencanto com os ideais iluministas; e
a necessidade de consolidar a incipiente
unificação de países como Inglaterra,
Itália e Alemanha.
Impulsionadas pela necessidade de
erigir um projeto nacional, as elites in-
telectuais desses jovens Estados buscam
na cultura popular elementos para a
constituição de uma identidade co-
mum, de Povo, de Nação, para aquele
agrupamento artificial de comunidades
tão diversas. Surgem as pesquisas dos
folcloristas, dos quais podemos destacar
os alemães. Se, por um lado, o conhe-
cimento das diferentes comunidades
tradicionais sempre existiu; por outro, é
essa elite que o traz à tona, tornando-
-o visível ao valorizá-lo e pesquisá-lo.
De certa forma, é o folclorista quem
inventa o folclore (do inglês, folk e lore:
“povo” e “saber”). Os artistas dessas
Enquanto a música erudita é inserida
em um campo artístico até certo ponto
autônomo, com músicos seguindo regras
rigorosas e em um diálogo interno com
os compositores que os antecederam e
seus contemporâneos, a música popular
se dá intrinsecamente ligada ao contexto
das culturas de onde emergem, vincula-
da a práticas, festividades periódicas, a
aspectos religiosos e sociais. Além disso,
ela é mais solta, espontânea. Também
possui determinadas regras, mas são me-
nos amarradas, abertas a improvisações e
recriações constantes dos seus autores.
Para Sérgio, “o erudito cria a obra a
partir do popular, que traz em si a essência,
onde nasce tudo, o ritmo, o gênero, o
autêntico. Expressa um povo, um costume,
um lugar, uma cultura”. Ele define a músi-
ca feita pelo Sagrama como uma mistura
baseada na cultura popular, nas fontes,
nos folguedos (festas populares), mas feita
em uma “linguagem mais elaborada”. O
grupo não altera a rítmica (baião, mara-
catu, frevinhos etc.) e a instrumentação
aplicada é um misto de popular e erudito.
Muito dessa miscelânea se deve à própria
formação heterogênea dos nove músicos:
há desde integrante da Orquestra Sinfônica
do Recife a percussionista com “formação
de rua”. Além disso, Sérgio reconhece a
influência do Movimento Armorial, do
Manguebeat, das Orquestras de Frevos e
do Ciclo Carnavalesco. Só mesmo quem
visitou Recife pode ter a dimensão de
como a música e a cultura pulsa viva nas
ruas daquela cidade.
“A música erudita é inserida em um campo artístico até certo ponto autônomo, com músicos seguindo regras rigorosas e em um diálogo
interno com os compositores que os antecederam e seus contemporâneos.”
classes hegemônicas no contexto do
Romantismo brasileiro, do qual também
faziam parte músicos, compositores de
tradição clássica, passam a pesquisar
as práticas, festas e sonoridades do
povo não para reproduzi-las, mas para
reelaborá-las e rearranjá-las de forma a
construir o verdadeiro Espírito do Povo
(Volksgeist, em alemão).
Do lado de cá, o Brasil proclama a
sua independência em relação a Portu-
gal. O dilema que o funda é a busca da
sua própria identidade, procurando se
distinguir da metrópole que o coloni-
zou. Um movimento de construção de
um projeto nacional semelhante ao
europeu, firmado na reelaboração e
organização das práticas
populares, inicia-se e
pode ser observado nos
ideais do movimento
romântico brasileiro. No
entanto, ele ganha força
e repercussão a partir
do século 20, com a
vanguarda dos modernis-
tas, tendo como marcos a
Semana de Arte Moderna
de 1922 e o Manifesto
Pau-Brasil (1924).
Nas discussões sobre música desta-
cou-se o escritor Mário de Andrade com
o seu Ensaio Sobre a Música Brasileira
(1929). Para ele, era fundamental o
desenvolvimento da música brasileira,
que deveria ser erudita, a partir da fonte
popular. É o que fazia Heitor Villa-Lobos
(que se apresentou, inclusive na Semana
de 22) em trabalhos como Uirapuru
e Amazonas: colhia no folclore, na
cultura indígena e popular determina-
dos elementos e os trabalhava a partir
dos procedimentos formais da música
europeia. Ele sinfonizava o folclore.
Mais uma vez, como na Europa, temos
o entrelaçamento da música erudita e
da música popular segundo um projeto
da classe dominante: a expressão da
identidade nacional através do rearran-
jo de elementos populares segundo a
estrutura formal erudita.
Até agora tratamos da música
popular como aquela produzida fora
do mercado, sem fins lucrativos, ligada
aos valores e práticas de comunidades
específicas, ligadas à vida cultural e
religiosa. Porém, a partir da indus-
trialização do século 20, temos uma
tendência mundial de descaracterização
do folclore devido à separação entre
artista e obra, que passa a ser comercia-
lizada, a ser construída para o mercado.
A música popular se profissionaliza e
se racionaliza, perde a espontaneidade,
transforma-se em resultado de estudo
e pesquisa. Além disso, o diálogo entre
as sonoridades de diferentes lugares se
acirra na proporção do desenvolvimen-
to da comunicação e da globalização.
Surge o pop, o popular internacional.
No Brasil tivemos um grande floresci-
mento dessa música popular de mercado
(a nossa riqueza musical é mundialmente
notória), mas também a manutenção
de práticas folclóricas. Aqui coexistem
diferentes estéticas, sonoridades, hege-
mônicas ou não. Por outro lado, a esfera
da nossa música erudita, comparada à
europeia, é frágil, um reduto de poucos
artistas e ouvintes. E por requerer uma
estrutura cara, com um grande elenco de
músicos, ela é dependente de subsídio
estatal para sobreviver. Como aponta
Sérgio, “a música erudita feita no Brasil é
restrita, mas respeitada. Existem grandes
orquestras, grandes escolas. Mas há uma
ligação muito forte com o governo”.
E como podemos ler essa relação en-
tre popular e erudito no caso do Sagra-
ma? O grupo pode ser visto como uma
manifestação inserida em um movimen-
to regional, e não no movimento de pro-
jeto nacional, que ocorreu com a música
erudita brasileira até a década de 60.
O Sagrama realiza cortes
locais e regionais, em bus-
ca não da construção de
uma identidade nacional,
mas sim da construção
da sua própria identida-
de, os músicos afirmam
os valores do lugar onde
moram, da cultura pul-
sante que vivenciam. Algo
parecido aconteceu com o
movimento Manguebeat,
também pernambucano.
Mas se o Sagrama seleciona e colhe
determinados elementos da música
folclórica pernambucana e dá a eles
um tratamento erudito, os grupos do
movimento Manguebeat recolhem esses
mesmos elementos, mas dão a ele um
tratamento pop. Zan arrisca: talvez pos-
samos afirmar que no contexto global o
projeto nacional perde força, enquanto o
movimento regional se fortalece. É uma
boa aposta, não?
“A música popular se dá intrinsecamente ligada ao
contexto das culturas de onde emergem, vinculada a práticas,
festividades periódicas, a aspectos religiosos e sociais.”
87
música
PORTO ALEGRE
Foto
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uro
Ro
ch
a
Texto e Fotos por Lauro Rocha
E O TURISMO CULTURAL
69
viagens
Anoitecer em Porto Alegre
O mês é novembro. As cal-
çadas estão tomadas de
flores, caídas dos
ipês-roxos que, assim como
os manacás e os jacarandás,
dão graça às ruas. A primavera é a mais
generosa das estações do ano para os que
querem conhecer Porto Alegre, a capital do
Rio Grande do Sul, um estado conhecido –
quase caricaturado – por seu inverno e pela
imagem de um povo descendente de eu-
ropeus, ou então, a do gaúcho pampiano,
uma figura mítica tal qual a de Centauro
na mitologia grega.
A beleza da cidade pode ser percebida
em qualquer das quatro estações, mas o
rigor do inverno fica mais bonito no inte-
rior do estado, especialmente na serra,
acompanhado de um bom vinho.
O verão é impiedoso. A cidade é
banhada por um enorme lago, o Guaíba.
A combinação da baixa altitude com a
“A primavera é a mais generosa das estações do ano para os que querem conhecer
Porto Alegre”
Foto
: La
uro
Ro
ch
a
que se tem é de que o centro da cidade
inteiro se transformou em uma imensa
livraria a céu aberto. Não muito distante
dali, a Bienal do Mercosul e suas insta-
lações também agregam vida e cultura
ao cenário colorido da Capital gaúcha.
Dois quarteirões acima, a Praça da
Matriz, berço histórico da cidade está
tomada de manifestantes. Pedem o
fim da impunidade e da corrupção. Na
rua acima fica o Palácio Piratini, sede
do Governo do Estado, e a Assembleia
Legislativa. Do outro lado, fica o cente-
nário Theatro São Pedro e o novíssimo
Multipalco, que juntos formam o maior
complexo cultural da América Latina.
teatros, auditórios e espaços públicos,
oferecendo cultura a preço baixo e até
mesmo de graça.
O centro da cidade, agora rebatizado
para Centro Histórico, concentra grande
parte dos chamados pontos turísticos de
Porto Alegre.
Mas é em novembro que a cidade
mostra aquela que talvez seja a sua
característica mais marcante, a diversida-
de artístico-cultural. Por onde se passa
há uma exposição, um show, uma busca
pela interação das pessoas com a arte de
rua e da arte na rua.
A Praça da Alfândega está lotada com
as bancas da Feira do Livro. A impressão
proximidade do estuário transforma a
cidade numa panela de pressão entre
os meses de dezembro e março. Em
2010, por exemplo, a cidade figurou
como o lugar mais quente do mundo
durante quase uma semana. Imagino
que pontos do deserto do Saara ou de
Gobi não tenham aferição permanente
de temperatura, mas a sensação térmi-
ca de 50ºC é suficiente para espantar
qualquer viajante.
Mas, ainda assim, a cidade guarda
boas atrações aos que se aventurarem
ao turismo durante o verão. A cidade
ferve - perdoem o trocadilho, foi inevitá-
vel – com atrações artísticas que lotam
Centro Histórico no fim da tarde
71
viagens
É no centro que está a Casa de
Cultura Mario Quintana. O prédio era
um antigo hotel, o Majestic, e serviu,
durante anos, de residência ao poeta
que lhe dá nome. Bem perto, na Praça
da Alfândega, ficam dois museus: Júlio
de Castilhos, que conta a história do
Estado e o MARGS, que possui em
seu acervo obras de artistas brasileiros
como Xico Stockinger, Ado Malagoli e
Cândido Portinari e estrangeiros como
Jean Geoffroy.
Outro ponto, e certamente o mais
movimentado de todos, é o Mercado
Público, que segue sendo referência de
produtos alimentícios de boa qualidade,
bons restaurantes e ponto de encontro
A cidade está tomada de cor, cultura,
arte e inconformismo.
É também no centro que fica o Cais
do Porto e seus galpões, cuja utilização
principal, atualmente, é para abrigar fei-
ras e eventos culturais. Há anos se espera
pela sua revitalização e um projeto ambi-
cioso pretende, finalmente, transformá-lo
numa espécie de Puerto Madero.
“A cidade está tomada de cor, cultura, arte e
inconformismo.”
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Artistas de rua se apresentam no Cais do Porto
Foto
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Foto
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de trabalhadores que buscam um chope
no fim de tarde.
Não muito longe dali está a Usina
do Gasômetro, uma antiga estação
de geração de energia que, desde sua
reforma e transformação em espaço
cultural, é uma referência em lazer e
cultura aos porto-alegrenses. Atualmen-
te, ela abriga nada menos que dezesseis
companhias de teatro e dança, além
de possuir cinema e amplo espaço para
exposições e shows. Ela possui também
um mirante, de frente para o lago, de
onde se tem uma das mais belas vistas
para o pôr do sol.
A cidade tem inúmeros festejos ao lon-
go do ano. O mais famoso deles é o Vinte
dades carnavalescas, a Esmeralda e os
Venezianos. A história conta que a riva-
lidade dos grupos era grande e os car-
navais memoráveis, tanto na rua quanto
nos bailes de gala, realizados no Theatro
São Pedro. Atualmente o bairro conta
com o bloco Maria do Bairro, que faz a
alegria daqueles que optam por ficar na
capital e fugir dos engarrafamentos em
direção ao litoral.
Visitar Porto Alegre sem conhecer
o Parque da Redenção é como não ter
passado pela cidade. Localizado entre os
bairros Bom Fim, Centro e Cidade Baixa,
ele é uma espécie de “quintal” dos mo-
radores locais. A ampla área verde, com
direito a chafariz, lago, espelho d’água
de Setembro, alusivo à Revolução Farroupi-
lha, com direito a desfile de gaúchos com
roupas típicas montados em cavalos e
tudo mais. O segundo, adivinhem, é o
carnaval. No bairro Cidade Baixa, berço da
colonização açoriana da cidade, ainda no
século 18, uma brincadeira de rua chama-
da “entrudo”, onde os recém chegados
portugueses jogavam frutas, ovos e água
uns nos outros, é considerada a introdução
da festa de Momo na capital. Mais tarde,
os chamados “negros urbanos”, no perío-
do pós abolição, inseriram o ritmo africano
na brincadeira lusitana e colocaram o
carnaval na história da cidade.
No início dos anos de 1930 a cidade
tinha pelo menos duas grandes socie-
Travessa Venezianos
Bloco de carnaval Maria do Bairro
73
viagens
derivação de brique, expressão francesa
para tijolos vermelhos, em alusão ao cal-
çamento. A segunda, de bric-a-brac, uma
gíria utilizada para denominar os mercados
de pulgas da Inglaterra, cujas mercadorias
eram colocadas também no chão.
Um pouco mais distante da região
central, costeando a margem do Lago
Guaíba e rumando para a zona sul
da cidade cruza-se com um prédio
imponente. Fachada curva, de con-
creto branco, incrustado no pé de um
morro. É o prédio da Fundação e Museu
Iberê Camargo. O acervo possui obras
(pinturas, gravuras e desenhos) e mais
de 20 mil documentos que registram a
trajetória do artista que lhe dá nome,
além de acolher inúmeras exposições ao
e jardins temáticos é tomada por mora-
dores de todos os cantos da cidade.
Aos domingos, ele abriga o Brique
da Redenção, onde artistas, artesãos e
colecionadores vendem suas obras e anti-
guidades. Há duas versões sobre o nome
“Brique”. A primeira é de que seria uma
“Visitar Porto Alegre sem
conhecer o Parque da Redenção
é como não ter passado pela
cidade.”
Parque da Redenção
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talvez seja o caminho mais curto para o
sucesso nesta empreitada. Mas é preciso
que a cidade receba investimentos
efetivos na manutenção e conservação
dos pontos turísticos. Recentemente, o
Ministério Público do Estado precisou
intervir junto ao município para que este
revitalizasse o viaduto Otávio Rocha,
obra inaugurada em 1932, que se en-
contra em péssimo estado de conser-
vação. Se tudo der certo, será mais um
destino merecedor de visita por parte
dos turistas.
restaurantes, das mais diversas corren-
tes gastronômicas, famosos por servir
porções de tamanho avantajado.
O poder público vem tentando ao
longo dos últimos anos alavancar a
cidade como um pólo turístico no Brasil.
A aposta na sua multiplicidade cultural
longo do ano. Projetado pelo arquiteto
português Álvaro Siza, o prédio do mu-
seu é, igualmente, uma obra merecedora
de admiração.
Uma viagem só é completa quando
se tem acesso à culinária local, e neste
caso, é impossível não pensar numa
visita a uma das inúmeras churrascarias
existentes na cidade. Uma indicação
óbvia são aquelas que possuem algum
dos chamados “shows típicos”, mas, se
o seu interesse for tão somente comer
bem, procure ir às mesmas churrascarias
que os moradores locais costumam ir.
Seu bolso irá agradecer.
No geral, o preço das refeições é
baixo se comparado com outras capitais
do país. A cidade tem variedade de
“É impossível não pensar numa
visita a uma das inúmeras churrascarias
existentes na cidade.”
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Viaduto Otávio RochaIberê Camargo
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COM AXÉ NÃO TENHO FOME
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Pai Brivaldo oferece o ajeum, termo yorubano usado para designar a comida, uma
das motivações para que as pessoas participem das festas dos terreiros.
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Por Raul Lody
Fotos Luis Santos
comidas
Sem dúvida, o papel históri-
co, social e nutricional dos
terreiros de matriz africana
no Brasil reafirma sua função
de dar de comer a milhares
de brasileiros que se alimentam com
fartura e qualidade. Isso se dá nas
muitas festas dos calendários em louvor
aos Orixás.
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Nos terreiros, os animais são abatidos
como acontece com a carne kosher dos
judeus; como no Ramadã dos muçulma-
nos, quando são sacrificados milhares de
carneiros, cujas carnes são partilhadas e
consumidas. Assim, a comida ritual é um
exercício de dignidade e de identidade, e
tudo isso é garantido na liberdade religio-
sa como está na Constituição Brasileira.
No terreiro, costuma-se fazer comida
farta, variada e gostosa. Essa comida
é servida para os membros do terreiro,
para a comunidade do entorno, e para os
visitantes. O valor dessa comida une-se
ao sentido ritual, como acontece com
qualquer religião organizada.
A comida é um elo sagrado da vida,
por isso o que se come nos terreiros é
preparado com o maior cuidado culinário.
Tudo é gostoso e tem estética própria, pois
os Orixás apreciam o que é bom e belo. As
carnes dos animais são preparadas, como
nas nossas casas, com as técnicas culiná-
rias apropriadas. As carnes são cozidas,
guisadas ou fritas. Há acompanhamentos
como: feijão, milho, acarajé, abará, acaçá,
inhame, vatapá, caruru, farofa de dendê.
Mãe Neide oferece o xinxim de porco afinal a comida enquanto elo de renovação da relação entre os iniciados e seus orixás
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comidas
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A pasta branca tem como base a
farinha de milho branco. O milho deve
ficar alguns dias de molho, e depois
deve ser passado no moinho ou pilado.
Essa farinha deve ser cozida com água
até formar uma pasta, e, então, deve-
se pegar uma porção da pasta ainda
quente e envolvê-la em um pedaço de
folha de bananeira e deixá-la esfriando
até enrijecer. Em alguns países da África
é utilizada folha do èpàpo.
O acaçá de Mãe Elza é uma comida de
santo tradicional nos rituais e oferendas da
religião afrobrasileira. O acaçá é a única comi-
da capaz de restituir o axé e restaurar a paz,
segundo os que seguidores do Candomblé.
RECEITA DO TRADICIONAL ACAÇÁ
Pai Cleiton oferece o acaça. O acaçá é uma
comida feita com milho branco ou com massa
de arroz, geralmente sem tempero Foto
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Enseada da Baleia no litoral sul do estado de São Paulo
Pontos de Cultura do Vale do Ribeira.
Outra ação do projeto está focada na divulgação do turismo
comunitário de Cananéia. Isso se dará através da elaboração de
um site e de um vídeo que mostrem um pouco da essência da
cultura local, ou seja, o que o visitante poderá entrar em conta-
to e vivenciar ao realizar algum dos roteiros dentro da proposta
do turismo comunitário de Cananéia. O projeto também prevê
campanhas e oficinas para a difusão de informações sobre
turismo comunitário e consumo consciente para a comunidade
cananeense, entre outras atividades.
A Rede Cananéia faz parte da Rede Turisol – Rede Brasilei-
ra de Turismo Comunitário, que se caracteriza pela união de
diversas organizações no Brasil que desenvolvem projetos de
turismo solidário e que buscam, através da união e troca de
experiências, fortalecer as iniciativas existentes e despertar outras
comunidades para a construção de um turismo diferente. Devido
a um apoio da TAM a esta rede, será possível que lideranças de
comunidades e grupos de Cananéia conheçam a experiência da
Rede Tucum, no Ceará.
Entre as comunidades e grupos que participam da rede
de turismo comunitário de Cananéia estão: as comunidades
tradicionais caiçaras do Itacuruçá, Marujá e Enseada da Baleia,
que se localizam na Ilha do Cardoso; a comunidade tradicional
caiçara do Ariri; a comunidade tradicional do Santa Maria,
a comunidade quilombola do Mandira, localizadas na parte
continental do município; seis sítios da agricultura familiar;
grupos culturais e grupos de artesanato local, além do Ponto
de Cultura Caiçaras.
TURISMO COMUNITÁRIO
Teve inicio em julho de 2011 o projeto de turis-
mo comunitário intitulado “A vivência da cultura
tradicional gerando renda para a comunidade local,
através do turismo cultural de base comunitária: rede
de produtores culturais”, com apoio da Secretaria da
Cidadania Cultural, do Ministério da Cultura, através do Prêmio
Economia Viva em 2010. Sendo assim, uma série de ações
estão sendo realizadas no município de Cananéia, litoral sul
de São Paulo. O projeto é em parceria com o Ponto de Cultura
Caiçaras. O Ponto de Cultura terá um importante papel na
elaboração dos meios de divulgação do turismo comunitário
e no fortalecimento de uma rede virtual entre os pontos de
cultura do Vale do Ribeira, para a discussão sobre temas como
o turismo comunitário, comunidades tradicionais, entre outros.
Busca-se fomentar o turismo comunitário em Cananéia com
ações locais de fortalecimento de seis grupos/comunidades, que
fazem parte da Rede Cananéia, e ações coletivas. Entre as ações
coletivas está prevista a estruturação de uma Rede de Turismo
Comunitário. Esta Rede é formada por comunidades e grupos
do município que trabalham direta ou indiretamente com o tu-
rismo e pretendem desenvolver o turismo comunitário, colocan-
do-os em contato para a troca de experiências e a construção
colaborativa de roteiros de turismo cultural de base comunitária
de Cananéia. Para isso foram levantados os possíveis atrativos
junto às comunidades e grupos envolvidos e os roteiros serão
formados com apoio do Projeto Bagagem, organização que
trabalha com a elaboração de roteiros de turismo comunitário
com comunidades de todo o Brasil. Um dos roteiros elaborados
será testado pelos participantes do projeto e representantes dos
Para mais informções acesse: www.redecananeia.org.br/
Serviço:
Por Patrícia Dunker
Fotos Luis Meyerhofer
EM CANANÉIA
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ENCONTROS DE PARATY
da Redação
Fotos Divulgação
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Na sala do cineclube da Casa na Praça, a Associação Casa
Azul organizou um ciclo de palestras e debates sobre a iden-
tidade e o patrimônio cultural de Paraty, cidade no sul do es-
tado do Rio de Janeiro. O evento que aconteceu no segundo
semestre de 2011 reuniu personagens do cenário cultural da
cidade para falar da cultura popular paratiense, sua evolução
e estratégias de promoção e preservação deste patrimônio no
século 21.
Os temas tratavam do patrimônio imaterial – como as Festas
de Paraty ou 3x Cultura – A Ciranda ontem, hoje e amanhã
– aos personagens culturais da cidade – como o poeta José
Kleber e a criação ciclo do cinema em Paraty. Os outros temas
trataram das experiências culturais da cidade: A origem e a
tradição do Bloco da Lama; A Eco TV e o patrimônio cultural de
Paraty; A poesia e o teatro em Paraty e as Histórias da Banda
Santa Cecília, onde se reuniram pensadores e artistas como
Luiz Perequê, Lia Capovilla, Thêmis Corrêa, Leônidas Passos,
Marcelo Assis, Pardinho da Tarituba, Hélio Braga, Zé Malvão e
Leandro Doutor, entre outros.
Todos os “Encontros de Paraty” foram gravados e serão
reunidos em um DVD que ficará disponível para o público em
geral, mas especialmente para a rede escolar de Paraty, para
ser utilizado em pesquisas e como suporte pedagógico em
Educação Patrimonial.
Serviço:
Blog da FlipZona: flipzona.wordpress.com
O músico Luiz Perequê e o artista Hélio Braga em um encontro sobre sobre o ciclo do cinema em Paraty, RJ
Foto
: Div
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107
TENDA DOS SABERES
A Pajelança Quilombólica aconteceu em outubro de 2011.
Reuniu mestres, griôs e aprendizes de diversas comunidades qui-
lombolas do Brasil em Campinas, cidade do interior do estado
de São Paulo, para discutir e trocar experiências. As Pajelanças
têm a função de apontar soluções práticas para os vários temas
que vem surgindo: novas tecnologias, questões sociais, econômi-
cas e ambientais, direitos humanos, territórios e outros. O nome
Pajelança Quilombólica é uma homenagem à miscigenação, às
fusões de culturas, que foi dado por mãe Dango, uma referência
da cultura afro-brasileira na região de Campinas (SP).
No quarto encontro promovido pela Rede Mocambos, o
tema da reunião foi o bambu e o compartilhamento de conhe-
cimento ancestral e atual de técnicas de seu desenvolvimento
e manejo. Os mestres dividiram seus saberes, metodologias,
pedagogias e tecnologias das formas de construção de casas
como feito antigamente por seus pais e avós. Esses conheci-
mentos respeitam as características de cada lugar, segundo
muitos dos mestres presentes.
Alguns dias antes do encontro, o mestre de obras Raimundo
Chagas do Maranhão ministrou uma oficina sobre o feitio do
tijolo adobe, considerado um tijolo ancestral onde o processo
construtivo é uma forma rudimentar de alvenaria. Para essa ofici-
na ele utilizou barro e água na confecção dos tijolos e tudo foi
seco ao sol, exatamente como se fazia antigamente.
Do Rio Grande do Sul, da cidade de Porto Alegre, vieram o
mestre Paraqueda e o griô Paulo Romeu. Do Quilombo de Morro
Alto, que fica na Serra Gaúcha, mestre Antônio também esteve
presente no encontro; ele aprendeu com seus avós o método
de construção baseado nas paredes forradas com guanxuma e
erva-da-bruxa, ervas típicas do Rio Grande do Sul. Esses saberes
que vão do Norte ao Sul do Brasil serão reunidos em forma de
catálogo e a proposta é que no ano de 2012 o material possa
ser apresentado ao governo brasileiro e organizações privadas e
públicas que tratam da moradia no Brasil.
da Redação
Fotos Divulgação
Problemas da terra
Nas rodas, mestres, griôs, aprendizes, quilombolas rurais
e urbanos, povo de Santo (terreiro), representantes do poder
público de Campinas (SP) e Hortolândia (SP), movimentos
sociais e ativistas dos movimentos de software livres, MNU e da
Rede dos Pontos de Cultura, voltaram a discutir a questão da
posse da terra. Mestre Antonio, do Quilombo Morro Alto do
RS, relatou suas vivências na comunidade quando ocuparam
o INCRA. “Os grandes agricultores que invadiram as terras
quilombolas estão se articulando com políticos locais da região,
deputados e senadores para a legalização da posse das terras
cercadas. Existe um clima de medo por parte dos quilombo-
las, pois existem casos de Quilombos que foram ameaçados e
constrangidos por parte dos “brancos”, denunciou o mestre
Antonio. Mas em todo país essa situação não é diferente, e,
na reunião, muitos dos presentes reforçaram que o poder
público tem agido de forma branda e lenta, tolerando uma
série de injustiças, aceitarndo uma série de recursos a favor dos
invasores do território quilombola. Segundo muitos mestres, a
Justiça muitas vezes tem dificultado o andamento do processo
de regularização fundiária no país.
Bambu
O bambu como matéria-prima permite a fabricação de
diversos produtos, como móveis, e pode também ser aplicado
na construção civil. Assim, o levantamento, desenvolvimento
e transferência de conhecimento acerca do bambu para as
comunidades quilombolas, permite geração de renda por um
cultivo ecologicamente sustentável e criação de moradia com
técnicas desenvolvidas a partir dos conhecimentos tradicionais
das próprias comunidades. Geração de renda, impacto am-
biental positivo, solução de moradia – assim o bambu pode se
tornar um caso de Tecnologia Social segundo os organizadores
da Pajelança Quilombólica.
O estudo do bambu que já vem sendo feito por membros da
Rede Mocambos com o apoio de diversos parceiros, entre eles o
Instituto Agronômico de Campinas, e encontra agora na “Lei do
Bambu” (Lei nº 12 484/2011), publicada em 09 de setembro de
2011 no Diário Oficial da União (DOU), institui a Política Nacional
de Incentivo ao Manejo Sustentado e ao Cultivo do Bambu
(PNMCB). Com a lei, o governo visa estimular a transformação
do bambu brasileiro, são cerca de duzentas espécies em flores-
tas, e gerar renda a partir de uma matéria-prima que permite
a produção de artesanato, móveis, alimentação, moradia e,
inclusive, geração de créditos de carbono.
Participantes do IV Encontro Pajelança QuilombólicaCasa de Cultura Tainã: Antônio Carlos Santos Silva -TC, Denise Xavier,
Layla Xavier, Kimba Xavier, Jorge Matheus Dersu, Fábio Invamoto- Peetssa,
Alcídes Antonio, Anatalino José da Silva e Mercedes dos Santos
Projeto Território Livre da Cultura Afro Brasileira: Alceu José Estevan
Ponto de Cultura Jongo Dito Ribeiro: Heberth de Souza
Ponto de Cultura Nos Caminhos de São Paulo Grupo UrucungosMST de AmericanaQuilombo de Brotas (SP)Quilombo de Jaó – Itapeva (SP)Quilombo de Cafundó Ponto de Cultura NINA/Ação GriotCasa de Cultura Aquarela Brasil: Marcos Brytto
Centro de Cooperativa ToninhaDiretora de Cultura de Hortolândia (SP): Elaine Tozzi
Inzo Musambu Hongolo Menha - Casa do Arco Íris: Mãe Dango
Mestre do Maranhão Raimundo Chagas – São Luiz (MA)
Instituto Agronômico de Campinas: Chico de Assis e Leandro Pereira
Mestres do Griôs do Rio Grande do Sul Ação Griô: Antonio Carlos, Paulo Romeu e Eugênio Alencar
Cooperativa Rizoma: Paulo Barbosa
Serviço:
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COMMUNE NO CORAÇÃO DA CIDADE
O Teatro Commune fica em plena Avenida da Consolação, no centro da cidade de São Paulo.
Luta com tantas informações – bares, restaurantes, e outros teatros – que poderia fazer seus
responsáveis procurarem por um lugar mais calmo. Mas o espaço é Ponto de Cultura e trata de
aglutinar artistas e produtores culturais para discussões sobre teatro e política cultural.
O ator José Augusto Marin é o responsável por este trabalho. E ele concedeu uma entrevista
para a RAIZ. contando detalhes do processo que busca na estética da Commedia dell’arte – um
tipo de teatro tradicional italiano baseado no improviso e comicidade, mas com personagens fixos
- contar a história de tantos brasileiros. Segundo o produtor José Augusto, “esses personagens
da urbis paulistana podem se transformar no jogo da comédia ao mesmo tempo que revelam a
característica mais marcante dessa gente: a construção da tolerância em relação à diversidade,
mesmo após conflitos, desconfianças e preconceitos.”
da Redação
Fotos Augusto Paiva
RAIZ.: Quantas oficinas foram oferecidas?
José Augusto Marin: São sete oficinas,
sendo uma delas o processo de monta-
gem do espetáculo teatral que perma-
nece dois meses em cartaz no Teatro
Commune, algo raro nos dias de hoje.
O projeto compreende a realização
de Oficinas de Commedia dell’arte
(interpretação e confecção de máscaras)
nas quais o jovem apreende a fazer e
jogar com a máscara, Oficina de Circo
e Expressão Corporal, Dramaturgia,
Produção e Formatação de Projetos,
Iluminação e Sonoplastia, Oficina de
Cenografia e Figurinos e conhecimen-
tos gerais sobre as necessidades de
um espetáculo e um teatro (bilheteria,
limpeza, contra-regragem, etc.)
RAIZ.: O Ponto de Cultura Commune
abriu um espaço para a discussão sobre
a Commedia dell’arte e o teatro em ple-
no burburinho do centro de São Paulo…
José Augusto Marin: Sim, na verdade, o
Ponto de Cultura vem subsidiando o pro-
jeto de pesquisa, criação e formação do
Coletivo Teatral Commune desenvolvido a
partir da metodologia das máscaras e da
estética da Commedia dell’arte, aliadas à
obra de Dario Fo, de outros dramaturgos
italianos e da dramaturgia do próprio
grupo, coordenada por mim e Michelle
Gabriel. Temos desenvolvido uma drama-
turgia voltada para a adaptação de textos
clássicos, a criação de farsas, a encenação
de roteiros (canovacci) de Commedia
dell’arte e de paródias.
RAIZ.: Como foi a montagem do
projeto do Ponto de Cultura?
José Augusto Marin: O projeto do
Ponto se chama Teatro Cidadão
e prevê a formação de jovens
atores e aprendizes por meio da
metodologia das máscaras, ou
seja, da formação de um ator cô-
mico, um jogador, um fabulador,
uma máscara!
O projeto vem sendo desenvol-
vido desde 2004, e no Ponto de
Cultura desde 2005. Atendemos
aproximadamente quarenta jovens
por ano e pessoas de várias idades e
condições sociais, por meio de ciclos
de leituras, palestras, workshops,
debates e apresentações públicas.
Um dos personagens da Commedia dell’arte no palco do Teatro Commune em São Paulo.
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múltiplas a gente da nossa nação.
Os jovens vivenciam todo o processo
de criação e montagem de um espetáculo
teatral, percebendo como um espetá-
culo é construído e quais atividades e
profissionais estão envolvidos – desde as
leituras e ensaios até as apresentações
públicas e a criação de cartazes, banners,
fotografias, vídeos e imagens.
As aulas, oficinas e ensaios do
Laboratório de Montagem Teatral serão
conduzidas de forma sistemática e
integrada, permitindo ações simultâneas:
enquanto os jovens do grupo teatral
criam gags (cenas), máscaras, figurinos e
cenários e ensaiam a peça, os jovens da
área técnica montam projetos de luz e
som, participam da produção executiva
O trabalho com as máscaras cria uma
versatilidade subjetiva que favorece a
assunção dos papéis sociais que o aluno
virá a desempenhar ao longo de sua vida
pessoal e profissional como cidadão,
possibilitando que ele transite com
mais desenvoltura por esses papéis. O
processo de construção das identidades
é desenvolvido no projeto a partir da
utilização das máscaras e personagens
da Commedia dell’arte para a criação de
personagens-tipos brasileiros, paulistas e
até paulistanos, revelando a diversidade
da maior capital da América do Sul e,
ao mesmo tempo, o espírito de amálga-
ma cultural do Brasil, em que levas de
imigrantes italianos e de várias outras
etnias vão pintando com cores próprias e
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e os jovens da cultura digital registram
em foto e vídeo o dia-a-dia do trabalho
e criam propostas para o layout dos
cartazes e programa do espetáculo.
Todo o processo e a montagem são
desenvolvidos no Teatro Commune, sede
do Ponto de Cultura, no qual os jovens
apreendem o oficio teatral na prática, re-
alizando temporada de 24 apresentações
consecutivas (dois meses), algo cada vez
mais raro no mundo profissional e quase
impossível para alunos que se formam
em escolas de teatro.
O projeto visa não apenas a manuten-
ção do núcleo estável de atores profissio-
nais e jovens do Teatro Commune, mas,
também, a formação de monitores e
agentes multiplicadores, entre os jovens
do atual projeto, que possam replicar
a experiência bem sucedida e gerando
dessa forma autossustentabilidade.
RAIZ.: E quais foram os resultados prá-
t icos? Exposição ou montagem
de espetáculos?
José Augusto Marin: Os resultados fo-
ram a criação de alguns espetáculos, A
verdadeira História de Adão e Eva (paró-
dia), com dramaturgia feita por mim; O
Arlecchino e Nem Todo Ladrão vem para
Roubar, de Dario Fo; O Mentiroso de
Carlo Goldoni; e A Comédia da Esposa
Muda, de autor anônimo do século 16.
Agora, Liberatropa e a Greve das Pernas
Cruzadas (inspirada em Lisístrata, de
“Este ano foi tudo muito difícil para nós e para os outros pontos de cultura do país. Verbas foram
brutalmente cortadas, a burocracia venceu temporariamente a criatividade e a inovação!”
O Teatro Commune também tem uma galeria onde acontecem exposições de fotos e máscaras.
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Aristófanes) que estreiam em janeiro.
Paralelamente aos espetáculos,
realizamos na Galeria de Exposições do
teatro, que leva o nome do cenógrafo
Cyro Del Nero, uma mostra de todo
o processo de criação da peça, com
esboços de cenários, figurinos, maque-
tes, máscaras, recortes de jornais etc.
dialogando com o público de hoje sobre
os temas em discussão na peça.
RAIZ.: Quais são os novos projetos
para 2012?
José Augusto Marin: Temos um projeto
de uma pesquisa sobre a comédia. O
projeto se chama O Cômico, a Comi-
cidade e os Comediantes, e prevê a
montagem de um roteiro de Commedia
dell’arte, uma oficina sobre a comicidade
realizada por mim e pela Imara Reis, pa-
lestras e debates sobre o cômico e uma
pequena exposição sobre comediantes
do teatro brasileiro, além da apresen-
tação de todo o repertório do Coletivo
Teatral Commune.
Outro projeto é a montagem da
peça Os Figurantes, de Jose Sanchis
Sinisterra, com direção e adaptação
minha e tradução de Daniela De
Vecchi., A peça foi lida recentemente
no Projeto Letras em Cena, do Masp,
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com grande sucesso. Participaram
com dezenove renomados atores
– entre eles, Carlos Capeletti, Djin
Sganzerla, Imara Reis, Salete Fraca-
rolli, Nyrce Levin, Eudes Carvalho.
Outro projeto – estamos cheios
de projetos [risos] –, chama-se Teatro
Obrigatório e propõe a discussão de pra
quê e pra quem fazemos teatro hoje
em São Paulo, a partir dos textos Teatro
Obrigatório e Por que os teatros estão
vazios? de Karl Valentin.
RAIZ.: Houve grandes mudanças na
relação com o Ministério da Cultu-
ra (MinC)?
José Augusto Marin: Infelizmente, sim.
Este ano foi tudo muito difícil para nós e
para os outros pontos de cultura do país.
Verbas foram brutalmente cortadas, a
burocracia venceu temporariamente a
criatividade e a inovação!
Vencemos o Prêmio Areté em 2010
para realizar a TEIA da Capital dos
Pontos de Cultura e no meio de 2011,
o edital foi cancelado e o prêmio foi
destinado a outro grupo, sem a menor
consideração nem respeito pelo nosso
trabalho. Nós sequer fomos avisados
do cancelamento.
Até hoje não conseguimos receber o
Prêmio Asas por termos sido classifica-
dos em primeiro lugar entre os pontos
de cultura de todo o país por culpa da
burocracia dos setores de prestação
de contas do MinC. Agora estamos
acionando advogados e a Justiça para
tentar receber o prêmio que é nosso
por mérito e direito.
Estamos pasmos como um governo
que fez tantas coisas importantes para a
cultura pôde mudar tanto em tão pouco
tempo. Mas como temos esperança,
esperamos que as coisas mudem em
2012! E que a Cultura volte a ser uma
prioridade política deste governo.
Oficinas sobre Commedia dell’arte são oferecidas aos jovens de diversos bairros da cidade de São Paulo.
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O AFROTRAÇODA BÁRBARAB
árbara Tércia da Silva Almeida, a Bárbara Tércia, foi
uma das artistas selecionadas no Prêmio Interações
Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de
Cultura 2010 promovido pela Fundação Nacional
de Artes (Funarte) em parceria com a Secretaria de
Cidadania Cultural (SCC) do Ministério da Cultura, na catego-
ria nacional. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal
da Bahia, Bacharel em Design Gráfico pelo Centro Universitário
Belas Artes de São Paulo, a ex-aprendiz do Liceu de Artes e Ofí-
cios da Bahia ganhou uma residência de seis meses no Museu
Afro Brasil em São Paulo. Sua residência rendeu, além da troca
de experiências, um outro olhar para com o Museu Afro Brasil
e sua esquipe.“ O Museu é um espaço importante para co-
nhecer a nossa ancestralidade africana. E todos os integrantes
da equipe, dos bombeiros ao Emanoel Araújo, entendem essa
responsabilidade,” explicou a artista.
Os ganhadores do Prêmio Interações Estéticas têm que
oferecer contrapartidas, e a artista plástica baiana promoveu
oficinas. “Dei oficinas para o público do Museu e para algumas
pessoas da equipe. E aproveitei e pesquisei muito sobre arte
afro-brasileira, principalmente as obras do Mestre Didi, artista
baiano, hoje com 93 anos,” conta. A partir das famosas escul-
turas de Mestre Didi, ela produziu uma série chamada AFRO-
TRAÇO, que consiste em 28 imagens PB. Para Bárbara Tércia,
além da produção das obras, a residência foi uma oportunida-
de para entender as etapas pelas quais uma obra de arte passa.
“Deu uma ampliada no conceito do que é Arte. Que ele vai
desde o meu lápis até as crianças que participam do projeto de
arte educação do Museu Afro Brasil”.
Com esse trabalho, Bárbara Tércia foi convidada para a ex-
posição coletiva Espiritualidades Atávicas – Diálogos entre a an-
tropologia y arte contemporânea em Cuernavaca, no México.
“Criei duas imagens exclusivas para a exposição no México, fiz
performance projetando e editando ao vivo todas as imagens,”
conta Bárbara Tércia. Agora ela está desenvolvendo obras com
cores. “É a segunda etapa do processo que já foi visto na expo-
sição do México. Mas o Brasil também terá a oportunidade de
ver essas obras pois já recebi o convite para uma exposição no
Museu Afro Brasil em 2012,” avisa.
AFROTRAÇO, de Bárbara Tércia
Em exposição virtual no site oficial da artista plástica www.barbaratercia.com Venda: na Galeria da Bárbara Tércia - R. Laranjeiras, 25 – Pelourinho, Salvador, BA
Fone: (71) 3488-2273
Serviço:
da Redação
O tambor de crioula, o maracatu, o carnaval de rua, o cordel.
A Arte e a Cultura de do nosso Brasil vem que cada canto, de cada gueto,
vem do sertão, vem do artesão mineiro, da escritora baiana, do
cordel pernambucano, da pintora catarinense, vem da Raiz do nosso país.
E da Raiz., vai pra todos os lugares. Onde existir alguém
conectado vai haver um artista brasileiro em destaque,
seja nas páginas impressas da Raiz., no Portal, no tablet ou nas redes sociais.
A #NovaRevistaRaiz vai trazer muito mais informação,
dicas e acesso a uma cultura genuinamente brasileira.
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