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MS 16 - De 7 a 13 de fevereiro de 1972 Rio- Cr$ 2,00 política e economia É COM OCTÁ VIO IANNI 09I Ás confissões de Paschoal s Carlos Magno ' *' BR ^^*T:3raMWr f; / ¦ :'-H ^^¦^gRHHBv^HI 1*" AETKAD0 MAIS FORTE sm i j **4BB3mfb2v. ' •' jj*y^ *'<ti£: ¦j#'1 HBE .•,»*. v ><£ .., 3.^ W'- : t ;- -

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Page 1: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

MS 16 - De 7 a 13 de fevereiro de 1972

Rio- Cr$ 2,00

política e economia

É COM OCTÁ VIO IANNI

I

Ás confissões

de Paschoal

s

Carlos Magno

' *' BR

^^*T:3raMWr f; /

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AETKAD0

MAIS FORTE

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Page 2: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

I *

POUTIKA

V

koluna

aberta

HPIl -v&j!' -.JMHHaaBNB»MB!HHMBHHv *¦

A Editoria

Perfil da atleta

Abreu Sodré

Célio Borja (Arena-GB), apontado co-

mo possível substituto de Geraldo Freire

na função de líder de bancada de gover-

no na Câmara dos Deputados, não é

ainda um político conhecido fora da

Guanabara. Mas não demorará muito a se

tornar conhecido. Vamos ajudar.

Embora advogado e professor de Di-

reito Constitucional (ó, inclusive, perito

da ONU em questões de conflitos ra-

ciais), Célio Borja tem a mentalidade de

um tecnocrata. A própria Ciência do

Direito ó, para ele, campo de pesquisa e

não de formulações brilhantes e teóricas.

Deputado estadual em 1962, ficou

alguns meses como líder de Lacerda e foi

logo chamado para a Secretaria de Go-

verno. Tentou, em 1966, a Câmara Fede-

ral, mas não foi bem sucedido. Ele pró-

prio se considera um pé frio em matéria

de disputas eleitorais. Mas em 1970, com

Rafael de Almeida Magalhães fora da

chapa e com dona Letícia Lacerda con-

fessando que votaria nele, Célio Borja

apanhou a votação lacerdista ainda ligada

à Arena chegou à Câmara, como o mais

preparado, o mais sério, o menos hábil

dos políticos cariocas da nova geração.

O legislativo não é o campo de atua-

ção de sua preferência. A experiência

como Secretário de Estado de Lacerda,

e, posteriormente (governo Costa e Silva)

como diretor da Carteira Hipotecária da

Caixa Econômica Federal, deu-lhe gosto

da ação executiva, administrativa.

Não é bom orador. Um excesso de

autocrítica o faz policiar permanente-

mente a sua linguagem. Um anti-hiperbó-

lico. Frio, mas não distante, nunca teve e

jamais terá êxito de palanques ou de

tribunás. Se for líder, precisará de um

Clóvis Stenzel, por exemplo, para gritar

por ele.

Entende que a estrutura de poder

implantada pela revolução só evoluirá

para formas institucionais orgânicas por

amadurecimento interno e nunca por

impactos externos. Traduzindo: não

adianta a oposição tentar arrombar as

portas: quanto mais esfôrço houver para

que as portas sejam abertas de fora para

dentro, mais se avolumarão as trancas

por dentro."OS

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I

Sua campanha eleitoral, discreta co-

mo ele próprio, foi feita na base de

reuniões em casa de amigos. Nessas reu-

niões, ele mesmo se perguntava o que

poderia fazer um deputado federal para

ajudar o processo de reinstitucioriali-

zação do país. E como quem proferia

uma aula, não de direito constitucional,

mas de sociologia do poder, ele próprio

respondia: a classe política precisa ga-

nhar a confiança do sistema, mostrar-se

responsável, neutralizar, pelo comporta-

mento público e privado, o falso julga-

mento que sobre ela pesa de irresponsa-

bilidade, demagogismo, oportunismo.

| Um dado importante sobre a conduta

de Célio Borja: quase todos os deputados

federais da Arena (até o Martinelli) estão

fazendo chegar, por trás das cortinas,

pedidos de empregos (e bons empregos)

para seus cabos eleitorais ao governador

da Guanabara, que é (ou deveria sentir-

se) do MDB. Quando os assessores de

Chagas comentam o fato, fazem questão

de assinalar: o único que não quis nada,

nem converta, foi o Célio Borja. Isto

merece uma reflexão: Martinelli saiu da

revolução, como um de seus inquisido-

res, para terminar fazendo política no

velho estilo peleguista; Célio Borja, nun-

ca precisou sair da política profissional

para continuar tendo compostura.

0 Outro dado importante sobre Célio

Borja: o seu batismo em conflitos políti-

cos e psicológico. Quando secretário de

. governo de Lacerda, acompanhava a po-

sição política do governador, mas discor-

dava de sua opinião sobre a política

econômico-financeira do governo fede-

ral. Ia mais longe: não concordava com o

julgamento de Lacerda, na ocasião, sobre

Castelo Branco e Roberto Campos. Isto

não o impediu de correr todos os riscos

políticos do governo carioca, até o últi-

mo dia do mandato de Lacerda. Só

quando Lacerda saiu para a jogada do

PAREDE e depois para a Frente Ampla é

que Célio Borja, sem nenhum rumor,

afastou-se politicamente de Lacerda, vol-

tando a seu escritório de advocacia. Por

indicação de Hélio Beltrão é que ocupou,

na administração Costa e Silva, a Carteira

Hipotecária da Caixa Econômica Fede-

ral.

Yfièt' • 'i'K0. ' ¦ à

'¦ •¥ c•**?, - •; ' - -v -

tSÉii

Célio Borja

A editora Civilização Brasilei-

ra acaba de lançar a segunda

edição do livro de Darcy Ribeiro

"O processo civilizatório", o pri-

meiro de uma série de estudos

para explicar as causas do desen-

volvimento desigual dos povos

americanos. Nesse trabalho,

Darcy Ribeiro retoma a tese evo-

lucionista sob uma perspectiva

antropológica que incorpora o

copioso material etnográfico, ar-

queológico e histórico descritivo

das sociedades humanas de diver-

sos tipos, bem como uma série

de estudos especiais sobre os

processos de mudança cultural.

Betty J. Meggers, no prefácio à

edição americana desse livro, si-

tua Darcy Ribeiro como um dos

grandes cientistas sociais dos

nossos dias. É preciso ler. Princi-

palmente os que querem ou pre-

cisam discordar.

I Aos jornalistas que estão per-

dendo tempo em entrevistar a

gente sobre a "semana

de Arte-

moderna", aconselhamos a leitura

imediata da "História

do Moder-

nismo Brasileiro", de Mário da

Silva Brito. A consulta a esse

livro evitará muitas barbaridades

que estão sendo ditas. Aliás, so-

bre a "Semana"

dois trabalhos

devem ser lidos, quando saírem

publicados. O primeiro é um ar-

tigo de Prudente de Moraes Ne-

to, escrito a pedido do "Jornal

do Brasil". Versa sobre os dois

Andrades (Mário e Oswald) e é

uma obra-prima de estudo das

diferenças de personalidade que

ligavam e opunham os dois gran-

des escritores e líderes do movi-

mento.

O outro trabalho será publica-

do aqui mesmo no POLITIKA,

em nossa próxima edição e é um

inventário de todas as imbecil ida-

des que estão sendo escritas so-

bre a famosa "Semana".

Abreu Sodré, governador,

mandou baixar o pau nos es tu-

dantes; agora, fora do governo e

de cogitação, proclama que os

jovens não estão tendo vez na

vida política. Assim não dá para

entender.

Daniel Krieger e Cândido

Mendes de Almeicía almoçando

uma longa conversa. Assunto

principal: a entrevista de Cândi-

do ao POLITIKA, que Krieger

anotou cuidadosamente.

Aumentam os estudos univer-

sitários americanos (pesquisas,

teses, etc.) sobre o regime políti-

co do Peru. Os militares perua-

nos estão revelando, aliás, extra-

ordinário tato político: vão esta-

tizando, desapropriando empre-

sas americanas, reformando o

país, mas sem afetar nenhum

preconceito anti-americanista. E

vejam como anda o PNB do

Darcy Ribeiro

Peru. Cresce mais que peru de

fanfarrão.

Em nossa próxima edição, pu-

blicaremos importante matéria '

sobre a visão que a Igreja tem do

problema nordestino. Trata-se de

material colhido e manipulado

pelo CEAS (Centro de Estudos e

Ação Social), que Rômulo de

Almeida considera o mais impor-

tante órgão de pesquisas da Igre-

ja em toda a América Latina.

Nós também achamos.

Sebastião Santana, que era

apontado como substituto certo

de Otávio Gouvêa de Bulhões na

presidência do Banco do Estado

da Guanabara (Santana foi o sub

de Roberto Campos, no Ministé-

rio do Planejamento) afirmando

que a notícia não tem nenhuma

procedência. Integrado, hoje, no

grupo Banco Mineiro do Oeste.

(João Pires), Sebastião Santana

considera que o governo é o pior

patrão do mundo em matéria de

remuneração. Pelo que diz, o

melhor é o Joãozinho Pires.

Por falar em BEG, é incrível

que o Carlos Alberto Vieira, de-

pois de tudo que fez, ainda dê às

caras nessa instituição. Por certo,

saudades dos velhos tempos.

Mauritônio Meira que assina-

va, neste espaço, a Koluna Aber-

ta, pediu (e obteve) dispensa pa-

ra assumir importante função

exeòutiva numa importante

publicação.'• A TV-Rio, voltando com eu-

foria colorida, vai deixar a Tupi

e a Globo brigarem peta audiên-

cia de novelas e humorísticos e

se concentrará na faixa do jorna-

lismo. Politicamente, cada ponti-

nho da TV-Rio passará a valer

três da Globo e da Tupi. Espe-

rem as eleições de 1974 e nos

digam.

O nosso Sebastião Néry, que

é de esticadas, entrou anônimo

no "Sambão",

onde José Messias

comanda um show de MPB com

muitas mulatas diplomadas em

samba. Mal senta-se o Néry e o

Messias, deixando apenas a bate-

ria em banho-maria, faz um co-

municado ao público:

"Acha-se

presente o jornalista Sebastião

Néry, colunista da "Tribuna

da

Imprensa" e diretor do jornal

mais bem escrito do Brasil:

POLITIKA". Foi aquela ovação.

Como vêem, POLITIKA dá

samba.

iuna

Page 3: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

POUTIKA

Philomena

Gebran

Com 12 anos publicou

um livro,

com 20 anos ganhou

o Grande

Prêmio da Academia Brasileira

de Letras. Aos 60 anos é o

padroeiro da cultura do Pais.

depoimento

/

Políticas

Carlos Magno

i-. '

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•' C-1 >' :

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H

!.tn

Pascoal Carlos Magno

Com 12 anos publicou

"Templos",

livro de poemas com prefácio

do Conde de Afonso Celso.

Com 16 anos publicou

"Tempo que

Passa", segundo livro de poemas

com estudo-prefácio de Luiz

Carlos. Com 20 anos, a Academia

Brasileira de Letras lhe deu o

Grande Prêmio de Teatro, pela

peça

"Pierrot". No mesmo ano,

_

a mesma Academia lhe dá menção

honrosa pelo romance

"Drama

da Alma e do Sangue". Com 22

anos, "Esplendor",

terceiro

livro de poesias, é sucesso

nacional com duas edições

seguidas. Depois, veio "Sol

Sobre as Palmeiras", seu grande

romance lançado em Londres e

traduzido em vários paises. ^

Agora, após 40 anos de silêncio

literário, Paschoal Carlos

Magno vai voltar com "Poemas

do Irremediável" (estudos de

Roberto Alvim Correia,

Audalio, Nataniel Dantas,

Moacir Lopes) e "Sitio

do

Anjo Cego" (contos). O mesmo

escritor que Abgar Renault

chamou de "verdadeiro

poeta,

neste Brasil de tantos versos

e tão pouca poesia".

Mas não foi este o ponto da

conversa.. Queríamos as memórias,

as confissões políticas desse

homem que é o padroeiro da

cultura nacional, e sem jamais

ocupar um posto do Executivo,

realizou a maior

(mais vasta e mais profunda)

obra cultural do País.

4

Page 4: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

POUTIKA1

1

I

depoimento

O menino pediu um autógrafo,

Jânio ficou furioso : "

Não

sou cantor de radio. "

Entrou

no carro, tirou o paletó e

dormiu, roncando muito alto

ConfissõesPolíticas de

Páscoa/Carlos Magno

Lacerda : " Janto é o nosso homem. Vamos

deixar a UDN e entrar para o partido dele ff

Sua vida política começou poracaso. Ele estava na Grécia, como

Conselheiro da nossa Embaixada,

Cônsul do Brasil em Atenas e Dele-

gado Adjunto da Missão do Brasilna Unscob. A UDN apresenta suacandidatura a vereador. Embora au-

sente, ganha longe, de maneira so-berba. Era a primeira vez que um

diplomata, distante, merecia a con-

sagração do povo através das urnas.Você alguma vez sonhou ser

•político?

De maneira alguma.Por

quê aceitou esse manda-to?

Para voltar ao Brasil. Fora doBrasil, não vivo. Vá lá uma ausênciade poucos meses. E voltar quandose desejar. . . Quando embarqueiem Gênova, no

"Marco Polo", vin-

do da Grécia, para me empossar co-mo Vereador, estava decidido a não

mais voltar à carreira diplomática.Essa eleição perturbara a rotina doItamarati. Recusaram-me qualquerajuda de viagem. O Secretário Ge-ral, Embaixador Ciro de Freitas

Valle, conseguiu, por ser meu ami-

go, que o Departamento de Admi-nistração ao menos pagasse minha

passagem de volta .. ."

Quatro anos como político, PCM

não empregou pessoa alguma, nem

mesmo quando, no terceiro ano de

mandato, o elegeram primeiro Se-

cretário da Câmara, que é talvez o

mais importante da administração.

Nunca usou carro «de placa branca à

noite, a não ser em cumprimento de

obrigações oficiais. Apresentou to-

da uma série de projetos ligados à

educação e à cultura, muitos dos

quais, somente acionados pelo seu

entusiasmo, não encontravam per-nas «para andar no chão de uma as-

sembléia eminentemente eleitoreira.

O escritor Raimundo Magalhães Ju-

nior, seu companheiro de Câmara

nessa época, lembra-o assim"

.. .durante quatro anos tive-o co-

mo um dos companheiros de ve-

rança: Foi uma des grandes figuras

do legislativo, amigo de todos, em-

bora só votando o que era necessá-

rio e decente"

JÂNIO E LACEROA

Era eu primeiro Secretário da

Câmara - conta-nos PCM - quando

Jânio Quadros foi eleito prefeito de

S Paulo. A Câmara o convidou para

vir ao Rio. Todo um programa lhe

Getulio:"Nâo

gosto

de politica"foi preparado com recepções e mui-

to discurso. Nesse programa, um ai-

moço em nossa casa de Santa Tere-,

za, pago do meu bolso. Chegou

atrasado precedido de batedores da

polícia estadual. Seriam 16 pessoasà mesa, prefeitos, Secretário de Es-

tado, líderes. Para minha surpresa,JQ veio acompanhado de sua senho-ia, filha e de Uês uu qualru assessu-res. Fiquei atordoado por um ins-

tante. Que fazer se a mesa tinha so-mente 16 lugares e nenhuma senho-ra em casa para receber Dona Eloá e

a filha? Dei uma ordem para quefossem servidos os aperitivos. E de-sapareci por um instante na copa.

Falei ao "maitre"

do serviço, queera todo da Colombo. Ele estava

acostumado a esses contratempos

de última hora. Fato desses não

aconteceria na Inglaterra, onde vivi

quase* 14 anos. Outra mesa foi

armada junto à do banquete. Dona

Eloá percebe a situação. E me diz

com sim piicidade:-"Secretário

Carlos Lacerda

não se preocupe conosco .,. . Qual-

quer mesa para a gente serve ..."

Minutos antes de começar o ah*

moço, sou chamado ao telefone. Té

Carlos Lacerda. Gostaria de entre-

vistar JQ para a "Tribuna

da lm-

prensa".A

que horas terminará o almo-

ço?Precisamos chegar à Câmara às

duas.

CL, com papel e lápis na mão,

chegou na hora mesma em que Jâ-

nio, de pé, com a taça de champa-

nha na mão, dizia de seu contenta-

mento em ser homenageado na casa

de um homem "cuja

vida e obra

acompanho e admiro". Terminado

o aimoço, fazia-se uryenle partir. Os

batedores se movimentam. Havia,

um excesso de fotógrafos, jornal is-

tas, radialistas, no jardim, na rua, na

sala do Teatro Duse, instalada no

andar térreo. CL não precisa ser

apresentado a JQ, que o elogia e ou-

ve pedir-lhe uma entrevista. "Ago-

ra? "

indaga o prefeito de S. Paulo.

CL o leva a sentar-se num dos gran-des sofás baianos da sala de re-

cepção. Os dois líderes, entre telas

de velhas igrejas brasileiras, falam

baixo, rapidamente. Marcam uma

hora para um encontro mais demo-

rado. Levantam-se e encaminham-se

para a varanda. JQ aparece na porta

de cima, vai descendo a escada de

mármore. Cercado do prefeito João

Carlos Vital, de Castro Menezes,

presidente da Câmara, do líder Má-

rio Martins, de Dona Eloá, da filha.

Havia muita gente na rua, alvoroça-

da com sua presença. Mulheres, ho-mens, crianças, que batiam palmas e

davam-lhe vivas. Ele levantou o bra-

ço, fez um gesto de agradecimento

com as duas mão unidas. Caminha

para o carro oficial em que vou con-.

duzi-lo à Câmara. Um colegial avan-

ça. Estava à sua espera, com um li-

vro aberto para pedir-lhe o autógra-

fo. Jânio desilude o menino. E diz,

irritado:—"Mas que idéia. Eu não

sou cantor de rádio".

Na manhã seguinte fui buscar

Jânio no Serrador. é que o PDC

oferecia-lhe um churrasco em Santa

Cruz. Lacerda pediu para nos acom-

panhar. JQ apareceu novamente

atrasado. Sentou-se no fundo do

Nash com a mulher e a filha. CL

sentou-se ao meu lado, junto ao

motorista. Fazia um calor danado.

A entrevista ainda não fora obtida.

Nessa longa jornada a Santa Cruz, o

diálogo surgiria. JQ estava fatigado.

Quase não falou. Dona Eloá e a fi-

lha, que sofriam o calor e as obriga-

ções do programa, jogaram a cabeça

de encontro às ai mofadas do fundo

e já dormiam, quando JQ desabo-toou a camisa, puxou o laço da gra-vata para a esquerda, desafogou o

pescoço e depois, num só arranco,

tirou o paletó. E caiu num sono sol-

to, roncando alto. CL o vê fatigado

e fala baixo para não perturbar-lheo ronco: —"Este é o nosso homem.

Vamos deixar a UDN e entrar parao partido dele."

A juventude do mundo

— Em 1954, chegou-me da Ale-

manha um convite da Universidade

de Erlangen para ser seu "Hóspede

de Honra", na Semana Internacio-

nal de Teatro Universitário, do qual

participariam 400 jovens dos mais

importantes teatros universitários."A

juventude acadêmica do mundo- dizia o convite - quer dizer-lhe

obrigado pelo seu trabalho no Bra-

sil. O Festival seria aberto com mi-

nha peça "Amanhã

será diferente",

em turco, pelo Teatro Universitário

de Istambul. Os jornais deram imen-

so espaço ao convite. A todos con-

fessei que gostaria de aceitá-lo. Mas

faltavam-me recursos para a viagem.

Page 5: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

PGLITIKA

Confissões

Políticas de

Pascoal

Carlos Magno

Em quatro

anos de política,

nunca compreendi porque

os

adversarios eram sempre

classificados como cornudos,

castrados, ladrões, pederastas

» f

^m' 4^»-

|B| - S .^l

"

Ser político

ó sabor odiar o

eu, por

feitio, não sei odiar

99

Nessa mesma noite encontrei

em casa um recado de Lourival

Fontes, para que o chamasse ao te-

lefone. Liguei para o Catete:-"0

Presidente quer falar com você. Po-

de vir amanhã ao Palácio? "

Fui. 0 Presidente Getúlio, que

me sabia na UDN, perguntou se es-

tava gostando da pol ítica.

De maneira alguma.

"Eu também não", disse-me

sorrindo.

"Vais à Alemanha para o Festi-

vai?"

Antes que lhe pudesse dar uma

resposta: — Mal vi a notícia dos jor-

nais, dei ordens ao Itamarati para

conceder-te uma passagem e dez.

diárias". E diante da minha surpre-

sa: -"Tu acharias justo que

o:

Brasil perdesse a oportunidade de

ser homenageado diante de acadê-

micos do mundo inteiro"? Despe-

diu-me: — "Aposto

que vais enten-

der tua peça em turco".

Na manhã seguinte, chegando ao

gabinete do Secretário Geral do Ita-

marati sou informado de que já es-

tavam à minha espera a passagem

aérea e a ordem correspondente a

dez diárias em dólares.

Voltei ao Rio na véspera da re-'

núncia do presidente Vargas. A

UDN levantava estandartes de ódio.

Em quatro anos de exercício poli-

tico, nunca me foi possível com-

preender porque os nossos adversá-

rios eram classificados pela maioria

de meus correligionários, com raras

exceções, de cornudos, castrados,

ladrões, pederastas. 0 suicídio de

Getúlio me deixou atordoado. A»

multidão rugia em torno da Cama-

ra. Homens e mulheres ameaçavam

os líderes udenistas. 0 homem cujo

caixão eu vira, da distância do terra-

Ço da minha casa de Santa Teresa,

ser conduzido sobre os ombros e so-

bre as cabeças de milhares de ho-

mens, que nele sempre encontraram

o intérprete de suas aspirações para

um mundo melhor, também me co-

movia como brasileiro. No dia se-

guinte ao seu enterro, dirigi ao

deputado Maurício Joppert, presi-

dente da UDN, uma carta solicitan-

do que meu nome fosse retirado da

lista dos candidatos a Deputado Fe-

deral "porque

ser político é saber

odiar. E eu, por feitio, religião, co-

mo brasileiro acima de tudo, não sei

odiar". Mandei tirar cópias para dis-

tribuir aos jornais. A notícia criou

asas. Adauto Cardoso e Raimundo

Moniz de Aragão me procuram na.

Câmara. E me fazem um apelo para

que eu retire a carta. "Nesta

hora

prejudicará a UDN". Nesse instante,

revejo em Adauto Cardoso o estu-

dante pobre, corajoso, que morava

com a mãe, os irmãos e alguns cole-

gas, na Tijuca. 0 Adauto que, aos

vinte anos, já era um I íder de mãos

limpas, coração limpo. E retirei a

carta.

A'"CARRIÊRE"

Não tendo vocação alguma para ser

político, Paschoal resolveu voltar à

carreira. Mandaram-no para Milão.

Surgiram em toda a imprensa-la-

mentações de cronistas, associações,

entidades, porque se afastaria do

Brasil esse que, num grande banque-

te de despedida, era saudado, em

nome de seus amigos e admiradores,

por Gilberto Amado: —

"um ho-.

mem como esse, animador dos jo-

vens e da cultura, não se exporta"

JK o encontra numa recepção em

Roma, quando visitava a Europa co-

mo presidente eleito. E o traz para

o Palácio do Catete, como seu asses-

sor para assuntos universitários e

culturais. Durante cinco anos sua

presença resolveu todas as greves

de

estudantes, JK o promove a Minis-

tro de Segunda (era um dos primei-

ros da lista de antigüidade). Dias an-

tes de terminar seu mandato, o faz

embaixador.

— Eu tinha que partir novamente

para o estrangeiro. Não há exílio

mais amargo, mais melancólico, do

que ser diplomata no estrangeiro.

Mas eu estava cheio de dívidas. Só a

um amigo eu devia 7.400 dólares.

Dívidas assumidas com os encargos

da Aldeia de Arcozelo,Teatro

Duse, Teatro do Estudante, obriga-

ções de família. Desde os tempos de

guerra vividos em Londres, sofria de

uma terrível alergia nervosa, que me

fez procurar especialistas e mais es-

pecialistas na Inglaterra, Alemanha,

França, Itália, Espanha, Portugal e

Brasil. Um dinheirão de viagens,

dietas injeções, aplicações de raio

X, remédios, o diabo. Tudo isso fei-

to e renovado com desconto de pro-

missórias em bancos. Mas, fazendo

o possível e o impossível para não

pedir posto, para continuar no Bra-

sil, cada vez mais endividado. Viver

no estrangeiro sempre me pareceu

um sacrifício danado. Mesmo no

tempo em que meu romance "Sol

Sobre m Palmeiras" fazia tanto su-

cesso na Inglaterra, mesmo quando

minha peça

"Tomorrow will diffe-

rent" era estrelada em Londres, vi-

via como um desesperado, pensan-

do dia e noite no Brasil. Vasco Lei-

tão da Cunha me falou num jantar

que talvez me mandassem para Cu-

ba. Eu silenciava. Não manifestava

nenhum interesse. Não insistia. Ou-

tros países me eram apontados.

Pomona Pollitis, na sua famosa co-

luna, que é uma espécie de boletim

diário do Itamarati, sugeria meu no-

me para este ou aquele País —

se-

gundo ouvira dizer nos corredores e

gabinetes do

^asarão da rua Larga.

Por fim, não *ji|iia.fecusar a embai"

xada em Varsóvia^ Uto ano antes, o

Governo da Polônia me convidara

para participar das solenidades de

centenário de Chopin. Fui um des

depoimento

"UDN

tinha

estandartes

de ódio99

quatro convidados do mundo intei-

Quando cheguei a Brasília, soube

que, naquela tarde, JQ retirara mi-

nha indicação para dirigir a Embai-

xada em Varsóvia. Nesse dia, havia

perdido a indicação do Senhor Er-

miro de Moraes para nosso Embai-

xador em Bonn. O fato deveria tê-lo

irritado. Mas o que tinha contra

mim, que, na nossa casa de Santa

Tereza, confessava diante dos gran-

des da política da Guanabara, o

contentamento de ser homenageado

na casa de um homem cuja vida e

cuja obra acompanho e adrfliro?

"

Qual foi a sua reação?

Nenhuma de revolta ou melan-

colia. Eu ia para Varsóvia como

quem vai para o cativeiro. Nunca

ninguém se sentiu mais humilhado

do que eu, de viver na terra

alheia...

Mas não escolheu a diplomacia

como sua prof issão?

A diplomacia foi meu

"hobby". Minha profissão

foi e se-

rá, até morrer, servir ao Brasil e à

sua cultura, lutar pela educação da

I minha gente e acima de tudo pela

juventude brasileira.

Havia meses que diariamente

tomava aulas de polonês. Gostaria

de chegar a Varsóvia manejando o

idioma de sua gente. Quando voltei

de Brasília, encontrei nossa casa de

Santa Tereza toda iluminada como

para uma festa. Meus irmãos, mi-

nhas irmãs, toda minha tribo de so-

brinhos de verdade, sobrinhos ado-

tados, afilhados, me esperavam feli-

zes. Minha irmã, Rosa, mais que os

outros, não escondia o seu e o con-

tentamento dos outros: —

"Agora

você não vai tão cedo para o estran-

geiro. Você só vai para

as estranjas

pagar nossas dividas." Rosa tinha

algumas casas na Ilha do Governa-

dor e me perguntou aflita:

— "Se

as

vendo, ajuda a pagar seus compro-

missos, não? "

Eu precisava pagar

os 7.400 dólares. E paguei-os, ven-

dendo grande parte da

jninha casa-

museu. Jânio não só não me fizera

mal algum, como viera ao encontro

dos meus desejos de continuar per-

manecendo pobre, de vida apertada

em cruzeiros. Mas, ao renunciar à

presidência da República, fez um

crime sem perdão, diante da histó-

ria, contra todo o Brasil.

*

Page 6: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

POLITIKA

depolmen to

"

Não sei se é verdade que

Jânio não me fez embaixador

porque

lhe disseram que eu

era um sujeito de maus

atos,

e um indivíduo adamado

Confissões

Políticas de

Pascoal

Carlos Magno

«

Mo governo

do Juscehno, todos as

greves

estudontis terminaram

com mutha presença

99

— Não sei se é verdade que JQ,

influenciado por pessoas da^sua ro-

da, retirara minha designação para

um país estrangeiro, por ser eu, se-

gundo lhe foram contar, um sujeito,

de maus costumes, um indivíduo

adamado.

ESSA HISTÓRIA ME DIVER-

TIU QUANDO M'a contaram. E

certo que não bebendo, não fre-

qüentado boates, porque

não tenho

tempo a perder com o inútil de co-

quetéis, como o vazio dos lugares

onde se perde o tempo que nunca

me sobra para estudar, ler, ajudar os

outros com o meu entusiasmo e o

pouco que Deus me deu, não usan-

do calão, não cuspindo nas ruas,

restaurantes, cafés, não coçando os

testículos em público, como é do

hábito de tantos que se consideram

homens, super-homens, fui leviana-

mente julgado, não sei por quem da

corte do planalto. Mas quem assim

me julgou, ignorou que, homem da

cabeça aos pés, sofri todos os anos

da guerra em LIVERPOOL e Lon-

dres, havendo efetuado palestras so-

bre o nosso país e nossa gente em„

Universidades, associações literárias,

rotaris. Houve mesmo um tempo,

de menos de 15 dias em que falei, a

convite do Foreign Office, em fábri-

cas, quartéis, navios, hospitais de

guerra, palestras sobre o Brasil. E as

realizava, na maioria, de rosto in-

chado, sofrendo da terrível alergia,

com o rosto coberto de pomadas e

azeite para aliviar-me as penas.

Gostaria de ver a cara de JQ, se é

verdade que agiu comigo segundo

essa versão leviana, se fosse Vice-

Cônsul em Liverpool e visse nosso

Consulado encravado numa Zona

perigosa, com bombas retardadas

nas imediações. A cada instante es-

talava uma, esboroando edifícios,

incendiando quarteirões. Zorayma.

de A I m e i d a Rodrigues, mulher

admirável de inteligência e coragem,

era minha chefa. Resolvemos salvar

a bandeira, as estampilhas, o dinhei-

ro do Brasil que estavam no cofre

do Consulado. Atravessamos, sob

protestos dos soldados em guarda,

dos curiosos postados nas distâncias

das esquinas, nossa rua ameaçada,

os quatro andares, abrimos apressa-

damente o cofre, subimos embru-

lhamos bandeira, estampilhas, di-

nheiro e saimos do prédio, que no-

ras mais tarde acabaria ruindo. Me-

recemos do grande Osvaldo Aranha,

diante de todo o Ministério reuni-

A imagem

preocupava

do, o elogio pela nossa coragem e

pelo nosso patriotismo,

com aquele

gesto.

— Depois que me tiraram a indi-

cação para um posto

no exterior,

fiquei também sem função alguma

no Itamaraty. Um tempão de bra-

ços cruzados. O que mais motivaria

uma crônica de Dinah Silveira de

Queiroz, esta aqui... Paschoal re-

tira de uma pasta cheia de recortes

'

de jornais a crônica, onde a escrito-

ra famosa de "Floradas

na Serra"

escreveu:

"Pode-se ajuizar o disper-

dício que significa para o Brasil o

fato de que Paschoal não esteja po-

dendo oferecer ao Itamarati sua

contribuição tão honrosa quanto

absolutamente apolítica"...

PELA CULTURA

- Uma noite, já em pleno gover-

no parlamentar, meu amigo Péricles

Madureira de Pinho me telefona. O

ministro da Educação, dr. Oliveira

Brito, queria me falar. Vou ao Mi-

nistério certo que o Ministro estava

interessado em me ajudar na Aldeia

de Arcozelo, pois lhe mandara um

longo memorial sobre o assunto.

Não era não, ele me diz que precisa

da minha juda para chefiar a campa-

nha que vai desencadear contra o

analfabetismo. Mestre Anisio Tei-

xeira estava presente à nossa entre-

vista. E intervem para dizer, com

sua alta autoridade moral, que mi-

nha presença em todos os rincões

do Brasil interessará os jovens, estu-

dantes ou não, para a conscientiza-

ção da campanha. Repete — insiste

Mestre Anizio na sua generosidade

êxito que

eu alcançara, em 1929,

quando fundei a Casa do Estudante,

semeando esse ideal através do Pais.

Lembra o sucesso extraordinário

da excursão do Teatro do Estudan-

te ao Norte e ao Nordeste, em

1952. Darcy Ribeiro ajunta, para

me convencer a aceitar o posto, que

durante o governo JK, sendo eu seu

assessor para assuntos culturais e

universitários, não houve greve de

estudantes de 1956 a 1961 que não

terminasse com minha presença,

meu espírito de conciliação, minha

compreensão dos problemas jovens *

Péricles Madureira de Pinho invo-

cou qual a União Nacional de Estu-

dantes me fizera "Estudante

perpé-

tu o do Brasil", quando eu comple-

tava 50 anos e me encontrava au-

sente, à frente do Consulado do

Brasil em Milão. Observei, com or-

gulho, que essa homenagem nunca

fora nos prestada, antes oü depois,

a nenhum outro brasileiro.

— Comuniquei ao Chanceler San

tiago Dantas o convite recebido do

Ministro da Educação. Era ele um

dos grandes homens do Brasil, pela

densidade de conhecimentos, pela

superioridade, de caráter, pela sen-

s i b ilidade apurada. O Chanceler

admitia meu empréstimo ao Mec,

pela significação da cruzada, que

contaria com minha colaboraçao.

Ac r e s c entando: —

"Mas sera por

pouco tempo, pois quero ^aprovei-

tá-lo à fcente de uma missão _Cor-

tei-lhe a frase: —

"Desde que

nao se-

ja para me ausentar por muito tem-

po do Brasil". Santiago Dantas me

traçou então rapidamente um pia-

no, que não conseguiu executar, de

impor a imagem do Brasil através de

uma missão cultural inicialmente

em toda América Latina. Assim me

vi no MEC. (Mostra-nos a carta que

recebeu de Santiago Dantas, onde

diz: — Meu profundo

reconheci-

mento pelos serviços prestados ao

'

Itamarati, através de intensa ativida-

de desenvolvida... dinamismo e efi-

ciência que tem caraterizado sua de-

dicação ao serviço público.

— Não houve recursos para ser

iniciada a campanha contra o anal-

fabetismo, Mario Pedrosa pedira de-

missão do cargo de secretário—Ge-

ral do Conselho Nacional de Cultu-

ra. O Ministro me oferece esse car-

go. Aceitei. Conselho sem verbas,

pobre de funcionários. Mas o Brasil

todo sabe de ação que desenvolvi

nele: festivais de dança, teatro, mú-

sica, exposições de artes plásticas,

concentrações de corais universita-

rios, publicação de livros, semina-

rios de música, auxílios de viagens

ao estrangeiro a compositores, dire-

tores teatrais, cursos de cultura bra-

sileira.

9

>OJ

Page 7: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

[POLITIKA

Confissões

Políticas th

Pascoal

Carlos Magno

"Minha

casa

vai ser uma

Fundação

"

E a Caravana da Cultura?

Eram 256 brasileiros chefiados

pelo meu entusiasmo e pela minha

fé. Oito ônibus, seis automóveis,

dois caminhões carregando tonela-

das de livros e discos, uma kombi

transportando exposições de qua-

dros, fotografias, painéis. A Carava-

na percorreu o Estado do Rio, Mi-

nas, Bahia, Sergipe, Alagoas. Demo-

rava-se um dia em cada cidade. Dis-

tribuía livros, discos. Apresentou

em 29 cidades 274 espetáculos para

crianças, e 29 para adultos. Todas

as cidades do percurso a acolheram,

decretando feriado municipal. Em

Maceió terminou sua marcha. Ma-

ceió a recebeu triunfalmente sob

uma chuva de papel picado, faixas

enchendo suas ruas. E não houve

jovem que, sendo dono de motoci-

cleta, vespa, lambreta, não fosse ao

encontro da caravana, dando-lhe

uma guarda de honra de centenas

desses veículos.

Escolhido como um dos "40

no-

táveis do Brasil", no 40o. aniversá-

rio de "0

Globo", Paschoal, que

nunca teve cartão de visita, e so-

mente usa gravata preta e trajes

escuros, não bebe, nem fuma, já

mereceu de muitos países comendas

de toda sorte, e entre estas, a Co-

menda.da Legião de Honra, que o

General DeGaulíelhe mandou, sen-

do um dos poucos brasileiros que a

têm, pois há muitos cavalheiros,

oficiais da Legião de Honra, mas,

comendadores poucos. É visto to-

das as manhãs descendo a pé as

ladeiras de Santa Teresa, rumo à

cidade. E todas as noites voltando,

tomando seu bondinho no largo da

Carioca, descendo no Courvelo,

sempre carregado de livros e revis-

tas.

- Há

quase 30 anos moro na

mesma casa e espero morrer nela.

Quando falta água na minha rua,

nunca usei de meu pseudo prestígio

para solicitar água, especialmente

Para minha casa. No tempo do Car-

•os Lacerda, embora dele afastado

havia muito tempo, escrevi-lhe pe-dindo

providências, pois às vezes

era minha casa, plantada numa cur-

va de morro, a única a sofrer de

'alta d'agua. CL ouviu-me a voz.

Apareceram operários do Departa-

mento de Obras, engenheiros, o dia-

oo. Concertaram os canos. E não

faltou mais água. . .

Para pagar

as dividas da

Aldeia de Arcozelo, vendi

tudo quanto

amealhei durante

anos : quadros,

obras de

arte. A casa ficou nuazinha

"

Depoimento

PaacoatCarlo*Magno

"

Se não morrer, povoarei

o pais

de Albergues da Juventude

"

é verdade que pretende vender

sua casa de Santa Teresa?

? — Pretendia. Para pagar dívidas

da Aldeia e compromissos de famí-

lia. Não vendi a casa. Mas, num

abrir-fechar de olhos, vendi tudo

i quanto amealhei durante anos: qua-

dros bizantinos, velhos móveis bra-

sileiros, oratórios, mais de 200 san-

tos barrocos, de todas as regiões do

Brasil, uma stela funerária do século

V da Grécia, tocheiros, altares,

vendi tudo. A casa ficou nua, nuasi-

nha.

E a casa?

Podia vendê-la por 600.000

cruzeiros. Para que ficar rico com

ela? Que faria eu com essa dinhei-

rama? Quero morrer tão pobre

como nasci. Vou transformá-la

numa fundação, com o nome de

meu Pai. Terá o Teatro Duse, uma

sala de música, para nossos jovens

compositores, biblioteca aberta ao

público, sala de dança, escolinha de

arte, uma galeria para artistas novos

que terá o nome de Ana Elia, uma

sobrinha neta que morreu atropela-

da por um automóvel numa esquina

de Copacabana. Tinha onze anos

somente. Era menos que um pássa-

ro "Se

eu tivesse sido embaixador

na Polônia" não teria realizado a

Caravana da Cultura, nem as Con-

centrações de Corais Universitários

do Nordeste e do Sul, nem os festi-

vais nacionais de teatros de estudan-

tes, nem os cursos de cultura brasi-

leira, não teria ajudado, com o me-

lhor de mim mesmo, essa obra for-

midável que é a

"Nova Jerusalem ,

em Pernambuco, e não teria dado,

ao mundo e ao Brasil a Aldeia de

Arcozelo. Por ;do isso sou grato

ao Presidente Jânio Quadros por

haver retirado minha indicação ao

Senado para

"embaixador do Brasil

na Polônia". Agora eu vou lutar

pelos albergues da juventude.

Se

não morrer nos próximos doze me-

ses, ajudarei a povoar o Brasil de

albergues da juventude.

OS ALBERGUES

Um albergue não é de maneira

alguma um hotel, é uma pousada

simples, à disposição dos jovens, em

suas viagens para descobrir o Brasil,

a pé, ônibus, trem, automóvel, ca-

minhão. Os que nele se hospedam

trazem sua roupa de cama, toalhas

de rosto e banho e demais objetos

pessoais de viagem.

é somente destinado a estu-

dantes?

De maneira alguma. Para gente

de 15 a 30 anos, estudantes ou não.

Os albergues, em geral, não dão

refeições. Em alguns há uma cozi-

nha coletiva onde o viajante poderá

preparar sua refeição, exigindo o

regulamento que a deixe limpa, as-

sim como todas as dependências

que ocupar no albergue.

E quanto ao pagamento

da diá-

ria?

Orçada atualmente entre 4 e 5

cruzeiros. Uma taxa modesta de

manutenção. Há cerca de seis mil na

Europa, mais de 2 mil na América

do Norte e no Canadá, aproximada-

mente 900 no Japão. Seu número

cresce na América Latina de tal

jeito que recentemente se realizou o

1o. Congresso Latino-Americano de

Albergues da Juventude, ao qual o

Brasil compareceu com seis repre-

sentantes: um professor e cinco es-

tudantes.

Chegou agora a vez do Brasil.

Em maio último, na Casa do Estu-

dante, com a presença do Ministro

Jarbas Passarinho, foi lançado o

"Movimento Nacional de Albergues

da Juventude". Idéia nobre, genero-

sa, obteve e não podia se dar o

contrário —

uma repercussão imen-

sa em todo o país. A CEB promo-

veu a fundação da "Federação

das

Associações Brasileiras de Albergues

da Juventude", sendo eleito para

sua presidência o Dr. Luiz Alves

Santiago de Mesquita, seu secretá-

rio-Geral. Associação de caráter as-

sistencial, cultural, educacional,

sem finalidade lucrativa, filiada a

"International Youth Hostel Fede-

ration", a Federação "desenvolverá

o turismo educativo e esportivo en-

tre os jovens, interditada toda e

qualquer ação política, filosófica ou

religiosa.

FABAJ tem caráter eminentemente

mundialista e sua finalidade mais

alta é a aproximação dos jovens de

todo o mundo".

Paschoal Carlos Magno, fundador

da Casa do Estudante e seu atual

presidente, criador do Teatro do

Estudante, fundador e mantenedor

da Aldeia de Arcozelo,

'é,

como

dizem os estatutos da recém-funda-

da Federação, não somente seu Pre-

sidente-Honorário, mas o "Grande

Animador" do mòvimento.

No ato inaugural do movimento, o

Ministro da Educação teve ocasião

de dizer: "Há

homens doadores, e

entre esses homens, temos evidente-

mente de reconhecer, está o embai-

xador Paschoal Carlos Magno, que

se doou à juventude brasileira e que

enobrece sua própria vida e ganha

muito mais conteúdo e muito mais

força, mas também a Nação que

teve o privilégio de vê-lo nascer".

Page 8: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

I konjuntura

j

—.—. I

Anunciam os jornais que uma

nova safra de papeis já está

pronta para chegar á Bolsa de

Valores. Onde esses bons ou

maus papéis ficarão ? Como ?Coentro

¦

¦ ¦

...

»

h

/ ^\ )l ^ÔVS* DE ******* 'u W^^^^MI^^k

il *§i lf FOA*/ESSE]

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votWMoo... y

Jwwá 9m\ —

l/M-^r1 *^\¦

Page 9: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

Jorge

França

As frases feitas, de grande

efeito começaram a aparecer

e a confundir a todo mundo

até que

o americano revelou

que o economês é uma farsa

POLITIKA

revelação

¦

0 economês surgiu com

Celso Furtado e ganhou

intensidade com Campos

HhNPP '

'JBBL ;,. .

¦%;. # mi -w?l

F"HwiH&l5?5te M ylfTO/-

*W.J.pir - < ? ,'^r^^HHppp^: ...

i

De uns 10 a 15 anos pa-

ra cá a imprensa começou

a divulgar uma linguagem

nova, inusitada, em termos

de economia, desenvolvi-

mento. 0 povo não enten-

dia nada, os jornalistas que

a difundiam, também nao.

Era o economês, assim de-

finido pelos profissionais

de imprensa encarregados

de cobrir os acontecimen-

tos nas áreas econômica e

financeira.

Muitos jornalistas não

entendiam, como conti-

nuam não entendendo,

muitas coisas ditas pelos

economistas encarregados

da política do governo

e

alguns, até, pediam aos

que declaravam alguma

coisa para trocar em miú-

dos o que estavam dizen-

do, pois só assim

poderiam

redigir as matérias para os

seus jornais e levar os leito-

res a um entendimento.

As frases pomposas fo-

ram se acumulando. Desde

o tempo de Celso Furtado

e atingiram ao ápice com a

administração Roberto

Campos, no Ministério do

Planejamento. Frases de

efeito que impressionavam

°s circundantes, alguns até

se sentiam diminuídos

diante de tanta erudição,

.que não tinham coragem

de pedir o significado do

que as autoridades estavam

dizendo, para não passar

atestado de ignorância.

Reversão de expectati-

va, Instrumentação Opcio-

nal Combinada, Dinâmica

Direcional Insumida, Dinâ-

mi ca Dimensional Eqüili-

brada e outras frases de

grande efeito e nenhuma

significação. Era o econo-

mês institucionalizado.

Passou-se, então, a exa-

minar o conteúdo das fra-

ses de efeito, depois que a

imprensa se refez do

impacto sofrido com o

aparecimento dos neologis-

mos frasísticos. Certa im-

prensa, pretensiosa, passou

a adotar os termos oriun-

dos sobretudo do Ministé-

rio do Planejamento e que

foram se difundindo por

outros setores do governo,

atingindo a Fazenda, Edu-

cação até se atingir toda a

administração. Hoje só e

' administrador erudito o

homem capaz de armar

uma frase de efeito, jogar

na cara do interlocutor um

argumento irrespondível,

pela sua falta de conteúdo.

O que há de curioso no

economês é que ele não

significa nada, apesar de

sua pompa. Quando um

técnico cita uma frase de

efeito, ninguém ousa con-

testá-lo, mesmo porque ele

já tem armadas outras tan-

tas para responder aos ar-

gumentos com outras tan-

tas frases vazias de conteú-

do, mas impressionante-

mente bem armadas. Ocas

de conteúdo. Enganadoras.

Os economistas com

pós-graduação em Princen-

ton, Oxford e passagem

por Breton Woods domina-

ram o cenário econômico

nacional. Os masteres são

os que mais enganam e

nós, pobres mortais tupini-

quins, ficamos de es-

pectadores botocudos, as-

si st indo boquiabertos à

erudição, sem saber o que

dizer quando um dos me-

ninos, e são muitos os me-

ninosda Fazenda, nos expli-

ca que o aumento da carne

não houve, que o preço do

ônibus não subiu, e o que

ocorreu foi uma Flexibili-

dade Estrutural Insumida,

ou coisa parecida, e nós

simples mortais, sem nun-

ca termos tido acesso ao

olimpo econômico ficamos

na nossa. Mas como é pos-

sível, se temos que pagar

mais por um quilo

de car-

ne ou por uma passagem

de ônibus? Aí vem uma

enxurrada de citações de

números acompanhada da

verborragia economêsmica

e o pobre mortal se vê for-

çado a aceitar tudo, antes

que sua cuca se funda.

Explicação

Mas como para cada fe-

nômeno existe pelo menos

uma explicação, já dizia

Platão, muito antes de Ro-

berto Campos, o economês

veio a furo, e quem desço-

briu a mecânica da coisa

foi um norte-americano —

Philip B roughton —

mo-

desto funcionário burocrá-

tico, afeito às coisas sim-

pies, mas mesmo por Isso

não incompetente, que co-

meçou a sentir na própria

carne que estava sendo

preterido por colegas de

linguagem empolada e fra-

ses de grande efeito. Pas-

sou a observar o que eles

diziam, o que significava e

o que existia de real nelas.

Tanto observou que che-

gou a uma constatação es-

tarrecedora: as frases nada

significavam e havia mes-

mo uma fórmula mágica

de se impressionar aos me-

nos avisados.

Partiu dessas conclusões

para armar um esquema,

que foi divulgado pela re-

vista NEWSWEEK, e por

ele provou que só fazia

carreira em Washington

quem falasse empolado. O

funcionário, de qualquer

categoria, que optasse pela

simplicidade, era, e é, su-

mariamente relegado _a

uma posição inferior. Não

merece consideração. Lá

como cá.

Philip Broughton criou

uma chave para o uso das

palavras-chaves em conver-

sação, de maneira a con-

verter frustrados em vito-

riosos. São 30 palavras-

chave, agrupadas em três

colunas, com a numeração

de 0 a 9. Com elas você

pode se transformar num

erudito, discutir com Ro-

berto Campos, impressio-

nar o Delfim Neto, deixar

o Vilar de Queirós bo-

quiaberto. Só tem que fa-

zer um esforçozinho e de-

vorar as três colunas. Não

é preciso fazer curso de

master em Princenton, o

Philip teve a cortesia de

lhe dar a chave para entrar

no olimpo dos semideuses.

Com um esforçozinho vo-

cê pode, agora, ser um

igual aos cobras nacionais

e POLITIKA, colaborando

com o MOBRAL de pós-

graduação, lhe oferece esta

chance. É a Loteria Espor-

tiva dos economistas. Eis a

chave do sucesso econômi-

co:

COLUNA -

1

- Programação

— Estratégia

- Mobilidade

- Planificação

- Dinâmica

— Flexibilidade

- Implementação

- Instrumentação

- Retroação

- Projeção

COLUNA -

2

— Funcional

— Operacional

— Dimensional

— Transicional

— Estrutural

- Global

— Direcional

— Opcional

— Central

— Logística

COLUNA -

3

— Sistemática

— Integrada

— Equilibrada

— Totalizada

— Insumida

— Balanceada

— Coordenada

— Combinada

— Estabilizada

— Paralela

O método para você

usar estas palavras-chave é

muito simples, basta esco-

lher ao acaso um número

qualquer de três algarismos

(uma centena) e procurar

o número correspondente

em cada coluna. Está for-

mada uma frase de grande

efeito e nenhum conteúdo.

Por exemplo: 345 — Plani-

ficação Estrutural Balan-

ceada —

solte esta frase

em meio de uma conversa

sobre economia e veja o

efeito que ela causa. Só

que não significa nada. £

zero à esquersa. Outro

exemplo: 921 —

Projeção

Dimensional Integrada —

que pompa! Mas o que ela

significa? Pergunte aos

economistas. Eles também

não sabem.

¦

:9HPK|. .

mm* gR§K

lO

Page 10: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

i I II

POLITIKA

|soclologlaj

Nem sempre o crescimento da

renda nacional foi resultado

da política

econômica do

govêrno, planificada ou não.

Cresce sem qualquer

direção.

Octavio

lanni

1

^hh^^h

AS RELAÇÕES

ENTRE0 POLÍTICO

E 0 ECONÔMICO

A evolução do sistema político-

econômico brasileiro, conforme

ocorreu nos anos 1930-70, revela o

desenvolvimento e a convergência

de duas tendências importantes, pa-

ra a compreensão do tipo de capita-

lismo vigente no País. Em primeiro

lugar, o Estado foi levado a desem

penhar funções cada vez mais com-

plexas no conjunto da Economia

Essa participação crescente teve ca-

ráter direto e indireto, desde a fré-

qüente formulação e reformulação

das "regras

do jogo". das forças

produtivas no mercado até a criação

de empresas estatais. Em segundo

lugar, a política econômica governa-

mental tornou-se cada vez mais

complexa e ambiciosa, chegando a

configurar-se como política econô

mica planificada. Note-se, entretan-

to, que a política econômicagover-

namental brasileira nem sempre foi

política deliberada de desenvolvi

mento. Às vezes ela foi apenas, ou

principalmente, política de estabili

zação. Outras vezes, orientou-se no

sentido da harmonização (ou inte

gração) de setores produtivos e sub-

sistemas regionais do País. Portan-

to, nem sempre o crescimento da

renda nacional foi resultado da po

lítica econômica governamental,

planificada ou nãò. Ao contrário,

em diversas ocasiões o crescimento

da Economia não foi senão o resul-

tado de decisões^ investimentos e

condições de mercado funcionando

sem qualquer direção governamen-

tal.

Essas duas tendências (crescente

participação estatal na Economia e

política econômica planificada) e a

sinqularidade da convergência de

ambas, devem ser consideradas ma-

nifestações básicas do sistema poli-

tico-econômico brasileiro. Sem elas

não se pode compreender o tipo de

capitalismo vigente no Brasil. Em

um nível mais geral, elas correspon-

dem à progressiva

"racionalização"

do referido sistema, racionalização

essa provocada pela crescente dife-

renciação das relações e estruturas

de poder político e econômico no

País. Em outro nível, no entanto,

essas tendências convergentes estão

associadas à formação do Estado

propriamente burguês, em substitui-

ção ao Estado de tipo oligárquico

vigente até 1930.

Vejamos, pois, quais foram as

condições históricas e estruturais

(fundamentalmente econômicas e

políticas) que provocaram o desen

volvi mento e a convergência dessas

duas tendências. Essas condições —

apresentadas em seguida —

corres-

pondem àquelas que parecem expli-

car (quando combinadas) algumas

das peculiaridades do sistema políti

co-econômico brasileiro, nas déca-

das de 1930 a 1970. Todavia, elas

foram, individualmente, mais ou

menos decisivas, conforme o con-

texto político e econômico em que

ocorreram.

Em geral, as crises econômicas

criam as condições a partir das

quais o Estado é levado a desempe-

nhar papéis mais ativos na econo-

mia dos países capitalistas, domi

nantes ou dependentes. O Brasil

não escapa a essa regra geral. A

história da economia cafeeira, por

exemplo, mostra como os diferen-

tes governos (inicialmente estaduais

e, depois, federais) adotaram medi-

das de cunho anticíclico, para pro-

teção e incentivo aos interesses eco-

nômicos dos fazendeiros e comer-

ciantes de café. E quando uma crise

econômica combina-se com uma

crise política (ambas geradas nas

mesmas condições históricas, como

ocorreu, por exemplo, em 1929-33)

então o poder público pode mesmo

ser bastante reformulado, para pro-

teger e incentivar as atividades eco-

nômicas mais importantes; ou criar

e estimular novas atividades produ-

tivas. Aliás a Guerra Mundial de

1939-45 também adquiriu, para o

Brasil, o caráter de uma crise políti-

ca e econômica de grandes propor-

ções. Em conseqüência, provocou a

formulação de novos órgãos e técni-

cas de atuação governamental, com

relação aos diferentes setores pro-

dutivos às finanças e aos salários.

No caso de países dependentes,

como o Brasil, nos quais muitas

crises irrompem de fora para dentro,

por intermédio do setor externo da

Economia (simplesmente exporta-

das pelos páises dominantes) elas

adquirem com freqüência caráter

catastrófico. Pelo fato de não serem

geradas internamenté, em geral sur-

preendem até mesmo os governan-

tes, além dos empresários, comer-

ciantes e banqueiros, todos ligados

ao setor externo por meio do qual

irrompe a crise. Em conseqüência,

esse tipo de crise adquire o caráter

de cataclismo afetando, em primei-

ro lugar, o setor externo e os inte-

resses econômicos e políticos a ele

ligados. Em seguida, ou simultanea-

mente, afeta outros setores produ-

tivos, com os interesses econômicos

e políticos respectivos. Assim,

quanto mais dependente do setor

externo, mais extensas tendem a ser

as conseqüências internas da c™^

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Page 11: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

, %*

AS RELAÇÕES

EHTRE O POLÍTICO

f O ECONÔMICO

Os países dependentes, como

o Brasil, nos quais as crises

irrompem de fora para dentro,

elas adquirem um caráter de

catástrofe, por causa disso

POLITIKA

11sociologia

Essa é provavelmente, uma das

ra/ões por que em países depen-

dentes o Estado participa, nas deci-

soes e atividades relativas a econo-

mia muito mais que nos países

dominantes. É nas situações de crise

que se revelam, mais abertamente,

as limitações e as perspectivas da

Economia, bem como as implica-

cões políticas das relações economi-

cas Nessas situações as contra-

dições se tornam mais desenvolvidas

e evidentes, seja pela aceleração de

certos processos econômicos (por

exemplo, tendência para o entesou-

ramento, em bancos dos países do-

minantes), seja pela intensificação

dos conflitos sociais e das lutas pelo

controle do poder político. Nesse

contexto, entre outras conseqüên-

cias, os governantes são levados a

tomar medidas para proteger e in-

centivar os diferentes setores produ-

tivos, bem como preservar as condi-

ções sociais e políticas de funciona-

mento do regime. Seja para sócia-

lizar as perdas sofridas pelo setor

privado em crise (inclusive pela en-

campação de empresas privadas de-

ficitárias), seja para dar-lhe defesas

e estímulos, o poder público refor-

mula órgãos e técnicas de ação, ou

cria outros especiais. Em conse-

qüência, o Estado se insere mais e

mais no centro do sistema econômi-

co. Isto é, desenvolve-se mais e mais

um dos seus conteúdos essenciais,

como expressão e síntese do regime

político-econômico.

Assim, as crises econômicas (ou

as crises ao mesmo tempo econômi-

cas e políticas) têm sido aconteci-

mentos importantes para a explica-

ção de porque o Estado passa a

desempenhar funções cada vez mais

complexas na economia do Brasil.

Note-se, entretanto, que as reações

governamentais (isoladas ou planif i-

cadas) às situações de crise não

significam, necessária e automática-

men le a fuiinuldçcíü e execução ~.~

políticas econômicas de desenvolvi-

mento. Antes de mais nada, o que

entra em jogo é a preservação do

regime; isto é, das relações e estru-

turas de dominação e apropriação

vigentes.

Note-se, no entanto, que a histó-

ria econômica do Brasil (nos anos

1930-70) mostra que o desenvolvi-

mento econômico, em geral, e^a

industrialização, em particular, não

foram o resultado do jogo espontâ-

neo e automático das forças produ-

tivas no mercado, em combinação

com a atividade empresarial. É ine-

gável que elementos autônomos

também desempenharam papéis

dinâmicos nas diversas fases do de-

senvolvimento econômico verifica-

do no Brasil nesses quarenta anos.

Entretanto, as mudanças graduais e

os crescimentos moderados, paulati-

nos, não produziram as principais

transformações econômicas ocorri-

das no País. Em diferentes ocasiões

e em setores produtivos distintos,

ocorreram insuficiências e obstácu-,

los de tipo institucional, financeiro,

cambial, tecnológico, trabalhista, e-

ducacional, organizatório, de lide-

rança, etc. Entretanto, o livre jogo

das forças produtivas no mercado e

a criatividade empresarial não pro-

duziram, automaticamente, as solu-

ções possíveis. Ao contrário, algu-

mas dentre as principais manifesta-

ções do desenvolvimento economi-

co brasileiro resultaram da ação di-

reta ou indireta do Estado. Em

geral o poder público teve um pa-

pei decisivo na criação de condições

mais favoráveis para o funciona-

mento e a expansão da empresa

privada nacional e multinacional.

Para isso, organizou e aperfeiçoou

os mercados de capital e de força de

trabalho, segundo as conveniências

do setor privado.

Essa participação decisiva do po-

der público na economia brasileira

(ao menos em algumas fases do

desenvolvimento econômico) resul-

tou de certas condições estruturais.

Houve momentos em que o setor

privado (nacional ou estrangeiro)

não poderia continuar a desenvol-

ver-se sem que se resolvessem certos

problemas institucionais; ou se pro-

.movessem determinados investi-

mentos infra-estruturais. Assim, a

medida que o sistema ecunuimco

evoluía, surgiam problemas tais co-

mo- necessidade de investimentos

de capital social e criação de econo-

mias externas; necessidade de invés-

timentos desproporcionais, relativa-

mente às possibilidades e conve-

niências financeiras do setor priva-

do; problemas de complementaria-

de técnica e econômica intra e in-

tersetorial, quanto a exigências de

capital, tecnologia e força de traba-

lho.

Em outros termos, poderíamos

dizer que essas condições estrutu-

rais refletiram a necessidade de criar

n o v as condições (institucionais,

quanto a disponibilidades de capi-

tal, tecnologia e força de trabalho)

para que crescesse o volume e a

taxa de produção de excedente eco-

nômico. Isto é, a intervenção gover-

namental, mais ou menos profunda,

conforme o caso, destinou-se a aee-

lerar o processo de transformação

do excedente econômico potencial

em excedente econômico efetivo.

Em outras palavras, a ação estatal

favoreceu a "racionalização" do sis-

tema produtivo, segundo as exigen-

cias da reprodução e acumulação

estabelecidas pelo setor privado.

Ocorre é que há certas fases do

desenvolvimento econômico que

dependem de saltos qualitativos no

processo econômico. A criação de

um setor industrial no Brasil, por

exemplo, não foi o resultado de

mudanças quantitativas de pequeno

vulto. É fato que houve também

essas mudanças; e elas foram impor-

tantes. Mas a transição para a fase

de produção de bens de produção,

por exemplo, esteve associada a

transformações qualitativas; isto é,

estruturais. E estas não ocorrem

sem saltos. As transformações dei

tipo qualitativo, conforme ocorre-/

ram na economia brasileira, nos

anos 1930-70, estiveram ligadas à

participação crescente do poder pu-'

,bliC0D nas decisões, estímulos e in-

vestimentos relacionados com o

conjunto do sistema econômico do

País. Aliás, a essência do salto quali-

tativo, nesse caso, é a acentuação

do elemento político, inerente às

políticas econômicas governamen-

tais. A maneira pela qual o Estado

foi inserido nas transformações do

sistema econômico, estava relacio-

nada às transformações ou desen-

volvi mentos das estruturas de po-

uei c aqui reside o nocnnma H;

questão. Para que haja aceleração

do desenvolvimento econômico, é

necessário quê ocorram também

modificações nas estruturas e rela-

cões políticas. Note-se que o desen-

volvimento econômico, conforme

ocorre concretamente no Brasil,

nesses anos, é um elemento impor-

tante das relações entre as classes

sociais; bem como das relações en-

tre os diferentes grupos sociais den-

tro de cada classe.

Como vemos, as relações entre

processos e estruturas políticas e

econômicas é um problema central,

quando queremos esclarecer as con-

dições e conseqüências não econô-

micas do desenvolvimento brasilei-

ro. Essas relações surgem também

no âmbito das políticas econômicas

governamentais, planifiçadas ou

não. As referidas relações estão no

centro dos encadeamentos entre Es-

tado, economia e sociedade.

Nesse sentido, desde logo im-

põe-se o problema do nacionalismo,

bastante presente na realidade brasi-

leira, nos anos 1930-70. Não há

dúvida de que tem havido alguma

relação entrypolítica econômica

planif içada, política de desenvolvi-

mento econômico e intervencionis-

mo estatal na Economia, por um

lado, e nacionalismo, por outro.

Mas não é certo que essa relação

tenha sido constante. Nem é verda-

deiro que ela foi uma relação neces-

sária. Aliás, as diferentes políticas

econômicas governamentais revela-

ram que, em certas ocasiões, a ação

não esteve comprometida nem com

o nacionalismo econômico nem

com o nacionalismo político. Ou-

trás vezes, o que ocorreu foi que as

f o r mulações nacionalistas situa-

ram-se apenas em nível ideológico,

enquanto que as medidas e ações

reais do governo eram de tipo inter-

nacionalista; isto é, destinavam-se

também a facilitar ou incentivar

investimentos de origem externa no

País. Assim, em muitas ocasiões, o

intervencionismo governamentais

destinava-se a reduzir ou a controlar

os riscos políticos a que poderiam

estar sujeitos os investimentos pri-

vados, de origem nacional ou multi-

nacional.

Em todos os níveis, pois, revê-

lam-se as relações entre o político e

o econômico. Em especial, mam fes-

tam-se 0$ mnteúdos Dolíticos das

decisões e ações relativas àsativida-

des produtivas. A verdade é que as

atividades produtivas são ininteligi-

veis enquanto não se explicitam as

relações de produção, por meio das

quais elas se realizam. É que os dois

momentos da realidade (o econômi-

co e o político) estão sempre imbri-

cados, determinando-se mutuamen-

te.

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Page 12: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

POLITIKA

12baciadas almas

Reparem só. Todo cara que assume a presi-dencia da Embratur começa logo a anunciar

grandes estudos sobre turismo e a participar de

um sem número de mesas-redondas, nos Esta-

dos e no exterior, sobre o assunto. O Paulo Pro-

tásio, que até prometia, já está no circuito das

águas, isto é, dos coquetéis que se sucedem fas-

tidiosamente, sem nenhum resultado concreto

para o turismo nacional. No Brasil, só os diri-

gentes da Embratur fazem turismo.

Turismo

Está para aparecer um cara que tome posse

da Embratur e resolva fazer uma consolidação

dos "planos"

já existentes. Esse cara, podem

anotar, vai revolucionar o órgão. Por enquanto,

temos que aturar a confusão que se faz entre

administrar a Embratur e fazer turismo. Ainda

não ocorreu a nenhum presidente do órgão quesão duas coisas bem distintas.

/•*>-_> *

Arenuca

tle Saiu nr a

A TV Globo, em 1966,

tinha um programa: — "Ci-

dade Contra o Crime". 0

nível era tão baixo, o pu-blico reagia tanto, que um

dia a própria equipe de

funcionários da TV foi à

direção e exigiu o cancela-

mento do programa. E o

programa foi tirado do ar,

passando para a Rádio

Globo.

O homem de "Cidade

Contra o Crime" chama-se

Samuca, conviva do sub-

mundo de Caxias e arredo-

res.

Esta semana, os jornais;dão a notícia: — "O

depu-

tado Samuel Correia, re-.

presentante de Caxias, queapresenta numa rádio do

Rio o programa "Cidade

Contra o Crime", resenha

humorística dos fatos poli-ciais, é desde ontem o no-

vo líder da bancada da

ARENA na Assembléia Le-

gislativa".Fica-nos a dúvida atroz:

- qual dos dois, ARENA

do Estado do Rio ou Sa-

muca, é mais digno do ou-

tro?

Miltone nós

9-W •* ^B3_t^_____k

No número 10 de

POLITIKA publicamos

uma longa matéria intitu-

lada "Cartilha

Política de

Milton Campos". Era uma

longa reportagem montada

a partir de notas e traba-

lhos de Milton Campos,

não divulgados, versando

todos sobre a crise e o des-

tino da democracia. O Se-

bastião Néry foi recebido

por Milton Campos, no

próprio hospital, e ali te-

ceu enormes considerações

sobre a importância deste

semanário. Sua família, to-

das as semanas, já sabia

que o senador queria ler

POLITIKA. Como, na oca-

sião, estivesse lá, também

em visita, o senador Maga-

Ihães Pinto, Milton Cam-

pos pediu a Néry que vol-

tasse em outra ocasião poisele fazia questão de nos

conceder uma entrevista

exclusiva.

Para não perder a via-

gem, Néry recolheu com

familiares e ex-auxiliares

diretos de Milton Campos

alguns documentos do

grande político, com os

quais compôs a matéria járeferida. Todo mundo sa-

be, agora, porque Milton

não nos concedeu a entre-

vista prometida.

Quanto à importância

do POLITIKA, que Milton

Campos fez questão de as-

sinalar, nós tivemos mais

uma prova logo depois queo próprio Milton morreu.

Todos os grandes jornaisbrasileiros inspiraram-se

em nossa "Cartilha

Politi-

ca de Milton Campos" pa-ra falar do grande morto.

Com uma única diferença:

quando publicamos a carti-

lha. Milton Campos ainda

era um vivo enorme, politi-camente imenso.

Analista

É um líder do governo,

por isso recusa-se a analisar

a realidade nacional em

profundidade. E se justifi-ca:

"bancada do governo é

para apoiar e não para ana-

li sar". É, muita análise

atrapalha.

A taxa

(w)

Sabe-se lá porque crises

de modéstia, o ministro

Delfim Neto está espalhan-

do, na Europa, que o nos-

so PNB crescerá em 1972 a

uma taxa de 9%. Se assim

for já será, convenhamos,

um extraordinário cresci-

mento. Mas, para quem já

se habituou a taxas supe-

riores a 10%, esses 9%

anunciados parecem um

recuo na escada ou na es-

calada. Com as virtuali-

dades do país e com in-

gresso maciço de capital

estrangeiro programado —

já se fala até numa ponteBrasil—Japão - era de es-

perar que a nossa taxa de

crescimento se mativesse

pelo menos estável durante

alguns anos mais. O exem-

pio do próprio Japão vem

logo à memória. Afinal o

Japão manteve uma taxa

de crescimento superior a

10% durante muitos anos.

Se caiu, agora, é porque o

Japão esgotou a mina. Coi-

sa que o Brasil está longe

de fazer, pois as nossas

possibilidades de enrique-

cimento são infinitas.

Há, ainda, um outro as-

pecto a considerar, este de

natureza política. O Brasil

foi apontado, pelos Esta-

dos Unidos, como modelo

de comportamento econn-

mico e como principal fa-

tor de estratégia políticana América Latina. Ora, is-

so nos coloca sob um foco

de luz. Não podemos, sob

hipótese alguma, desandar.

Mas não é só. Ao nosso

lado, todo complicado

com crises políticas diárias

e de profundidade, o Chile

promete para 1972 um

crescimento da ordem de

10%. E o Peru, pelo seu

governo, afirma que fecha-

rá o ano com uma taxa da

ordem de 12%.

Nesse jogo de prestígioexterno e de motivação in-

terna, o Brasil não pode fi-

car por baixo. O ministro

que refaça seus cálculos e

verifique, com atenção,

que o Brasil não pode crês-

cer, em 1972, a uma taxa

inferior a 12%. Hoje, o de-

senvolvimento é o ópio do

povo.

Editorial - I

"A ajuda externa tem um

grande futuro atrás de si".

Esta frase, um editorial

perfeito, é de Isaiah

Franck e foi citada porRoberto Campos, em seu

livro "Ensaios

contra a ma-

ré". Como se vê da cita-

ção, agora editorial, nem o

Roberto Campos acredita

mais em "ajuda"

externa.

Vi«*«* - lideres

da PI DE

DIGA*

•PORTUGAL!

Os deputados Clovis

Stenzel (Rio Grande do

Sul) e Flavio Marcilio (cea-rá), não satisfeitos de te-

rem passado meses fazen-

do turismo no exterior à

custa do Congresso, quan-.do estava funcionando,

agora que o Congresso está

em recesso, foram gozarférias em Portugal, Angola

e Moçambique, fazendo*

turismo a soldo do gover-no português. Voltaram delá dizendo:

-A) CLOVIS: "Na

ONU,

desenvolve-se uma campa-

nha mentirosa e agressiva

contra Portugal. Numa

época em que tanto se fala

no direito de determinação

dos povos, representantes

de nações livres apoiam a

política de agressão contra

um povo que quer e luta

pelo direito de ser portu-

guês. Portugal em África

luta só, defendendo sua so-

berania e também seus in-

teresses. Quando alguém

defende a tese de que a

África pertence aos africa-

nos,' parece desconhecer

que africanos são também

os portugueses que há mais

de 400 anos estão naquele

continente".

B) FLAVIO: "O

Brasil

vê em Angola e Moçambi-

que uma continuação do

território português e con-

sidera-as, como tal, perfei-tamente integradas ao es-

pírito luso-brasileiro. A

posição do Brasil deve sera de negar-se a apoiar asresoluções de apoio a orga-

nizações subversivas e ter-

roristas, que contra Portu-

gal são cada ano aprovadas

pela Assembléia-Geral da

ONU".

Quer dizer, então, não

é, doutores, que os portu-

gueses são também africa-

nos, porque há mais de

400 anos colonializam e

exploram Angola e Mo-

çambique? Então, os in-

gleses eram americanos,

porque passaram 300 anos

na colônia dos Estados

Unidos e Washington, Lin-

coln, J ef fersonforam

subversivos e terroris-tas"? Então, os ingleseseram indianos porque passaram 500 anos na colôniada índia, e Ghandi e Nehruforam

"subversivos e ter-

roristas"? Então, os por-tugueses eram brasileiros,

porque passa.d.ii 322 diiuòna colônia do Brasil, e Ti-radentes, Felipe dos San-tos, José Bonifácio, foram'

subversivos e terroris-tas"?

Pois é. Clovis e Flavioacham pouco serem vice-lí-,deres da ARENA. Assumi-ram a vice-lideranca daPIDE.

Page 13: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

sO

^T^y^M^

Plantando, nilo ilá

A situação dos fruticultores, principalmenteno interior de Sáo Paulo, é a mais dramática

possível. Para dar um exemplo. Em Jundiai, oproprietário do sítio São João está oferecendouma caixa com 20 maçãs por cinco cruzeiros eninguém aparece para comprar. Culpa-se o atra-vessador, o custo dos transportes, a falta de fri-

goríficos, etc. E o governo?O ano de 1970 foi todo ele atravessado com

um anúncio institucional da AERP dizendo

"Plante, que o Governo garante". Para o rádio e

a televisão pediram a ajuda de Miguel Gustavo e

este compôs um jingle mandando plantar que o

Governo garantiria. E agora, José?

Ao menos em homenagem à memória de Mi-guel Gustavo o Governo deveria garantir mes-mo. Ou, então, sair com um outro anúncio,mais realista: "Plante

se quizer, porque o Gover-no não garante nada".

POLITIKA

13baciadas almas

Falou «* disse

W . /V^

Depois que publicamos

a nossa reportagem "Jar-

bas Passarinho: um líder

na encruzilhada", dando

conta das dificuldades do

ministro da Educação com

suas bases pol íticas, no Pa-

rá, muitas coisas acontece-

ram. 0 ministro, em pri-

meiro lugar, resolveu botar

para quebrar: foi a Belém,

distribuiu descomposturas

a valer (no melhor e mais

eficiente estilo baratista),

demitiu secretários, enqua-

drou todo mundo. Com as

bases soterradas, ele voou

para Brasília, condecorou

o presidente, foi, por sua

vez, condecorado pelo pre-sidente e deu um show de

televisão falando sobre

problemas de sua pasta.Para mostrar que não é co-

mo certos ministros quevão para a televisão cerca-

dos de jornalistas biso-

nhos, para responder o ób-

vio e parecerem inteligen-

tes, Jarbas Passarinho desa-fiou e foi desafiado porLuiz Alberto^ Bahia, Vilas-

boas Corrêa'e outros co-bras. Gente que não se do-bra a ministros, mas que securva, dócil, diante deuuns argumentos, t Passa-rinho tinha, de fato, bonsargumentos. O principal é

que ele é, do governo, oministro que melhor se co-munica. Embora, às vezes,se trumbique.

Num momento da en-trevista o ministro da Edu-cação foi supremamentesarcástico:

quando confes-sou não ter elementos paraexplicar o fechamento deuma escola primária manti-da pelo BASA, em Belém.Passarinho transferiu a per-

gunta para outro ministro,

o do interior, mas a gente

percebia, no seu riso mor-

daz e enigmático, que o

ministro que pode respon-

der essa pergunta é outro.

Nome da escola fechada,

em Belém, pela atual admi-

nistração do BASA: "Esco-

la Jarbas Passarinho". No-

me do ministro que indi-

cou o atual presidente do

BASA: Costa Cavalcanti

(?)*

Opus Dei

JSrWíL

Quer dizer: somente

pela OPUS DEI, pois Car-rero Blanco é a cunha daorganização do governo deFranco.

David,

ponlo

Assim que o POLÍTI- '

KA publicou a matéria de

Sebastião Néry sobre o

Cursilho, choveram cartas

e telefonemas (alguns in-

dignados) protestandocontra a incrível

"falta de

informação" do nosso jor-

nal. O que se dizia (e a in-

sistência apenas exprimia a

necessidade de negar liga-

ções) é que o Cursilho na-

da tinha a ver com a OPUS

DEI e que a OPUS DEI na-

da tinha a ver com o gover-

no de Franco. Pois, sim!

Nesta mesma semana e

antes que tomássemos

qualquer providência para

esclarecer certas dúvidas, o

Jornal do Brasil -que se

considera um órgão super-

católico — transcrevia des-

pacho de seu representante

em Bruxelas dando conta

de uma entrevista concedi-

da pela duquesa Luiz3

Alvarez Toledo y Maura

sobre a situação política

espanhola. Nessa entrevis-

ta, a duquesa afirma que

Franco já não governa e

manifesta apreensões

quanto ao futuro da Espa-

nha nas mãos do Principe

Juan Carlos, um bobalhão

que só pensa em iates e

carros-esportes. Diz solene-

mente a duquesa: "O

país

continuará a ser dirigido

pela OPUS DEI e pelo Vi-

ce-Presidente Carrero Blan-

co".

e virgula\

O Paraná tem um histo-

riador que virou museu.

Quer dizer, criou o "Mu-

seu David Carneiro", um

monumento de preciosida-des e bom gosto. Agora,

sabe-se que o professor Da-

vid Carneiro não é apenas

o cultor do passado. É

também o homem do pon-to e vírgula.

Escreve, todo domingo,

um canto de página na"Gazeta

do Povo" de Curi-

tiba: "Veterana

Verba"

(Velhas Palavras). E escre-

ve assim (domingo, 16 de

janeiro de 1972):

- "Depois do artigo so-

bre o paranismo que publi-

quei; tive idéia de lançar o

fruto de uma meditação'

mais profunda; em termos

de auto-julgamento; isto é;

de como o paranaense de-

ve julgar-se a julgar os que;

ao seu redor; labutam; no

anseio de ascender e proje-

tar-se; projetando também

seu Estado; e as institui-

ções locais que ele repri?-

sente; Nesse sentido; vi; na

secretaria de Educação;

um pequeno cartaz; muito

sugestivo; que dizia..."

È vai em frente, trope-

çando em ponto e vírgulas,

como se fossem lombadas

ortográficas. Há muita re-

forma da língua por aí. A

do doutor David é muito

mais. É uma reforma dati-

lográfica: usando apenas

ponto e vírgula, a máquina

economizaria meia dúzia

de sinais.

Reminghton, Olivetti,

Smith-Corona, Olympia,

Facit, vós todas humildes

servas de neuróticos escri-

bas apressados, estais de

parabéns. Cinco batidas de

menos deve ser um alívio.

Ganhaste um bíblico pa-

trono paranaense!

JB e DIP

Editorial do "Jornal

do

Brasil": - "São remotas,

para não dizer nulas, as

perspectivas de chegar o

MDB ao Governo. Sem ca-

nais eficientes para a mobi-

lização popular, o MDB, a

fazer oposição prefere tra-

çar planos de governo. E

põe-se a sonhar".

É só procurar nos jor-

nais de 1937 a 1945. Ou

perguntar ao doutor Dan-

ton Jobim, boy do DIP.

Dizia-se absolutamente a

mesma coisa da oposição

daquela época.

O mais ridículo dos

erros políticos —ou do

jornalismo político —é a

falta de memória. Pensar

que o sol (o Poder) é que

se move. Quando desde a

Idade Média Galileu pro-

vou que é a terra (o País).

E nasceu aí toda a sabedo-

ria moderna. Inclusive a sa-

bedoria política.

Editorial -2

"Nem tudo passa sobre a

terra, ó José de Alencar.

Sobretudo a liberdade".

(Tristão de Athayde, 80

anos de coerência).

O Golpe do

eoelhinho

Inconformado com "a

falta de uma diretriz

moderna"na direção de

sua peça "Faça

Alguma

Coisa Pelo Coelho, Bicho",

o jornalista Pedro Porfírio

resolveu ser diretor e, pracomeço de conversa, abo-

liu o cenário, a maquila-

gem, os objetos de cena,

pôs os animais para senta-

rem no chão ou nas cadei-

ras da platéia e determinou

uma maior cobertura musi-

cal. Dentro de suas con-

cepções, pôs uma menina

para fazer o papel de coe-

lho (melhor do que certos"homens") e acabou com"a

marcação pela marca-

ção". Aos atores - em sua

maioria novos — recomen-

dou que pesquisassem as"almas"

dos animais que

representavam e acabassem"com

esse negócio de cão

latir em cena". Justifican-

do sua intervenção — afãs-

tou a própria mulher da

produção porque dava co-

bert ura a um diretor me-

díocre, sem jeito para diri-

gir — explicou que

"não

adianta fazer um texto

sem frescura e permitir

frescuras na direção" por-

que o teatro infantil do

ano 72 não comporta mais

frescurices.

O MOBRAL d<-

IBEX SAID

João Dantas, agora

homem de negócios, de-

pois de ter deixado

a direção do"Diário

de Notícias", con-

seguiu se estabilizar no ra-

mo de exportações e está

colhendo os frutos de seu

trabalho quando "Embai-

xador 11 i neran te" de

Jânio Quadros. O sucesso

que conseguiu no jor-

nalismo está alcançando

nas exportações. Para ini-

cio de conversa, João Dan-

tas está até exportando al-

fabetização. Acaba de fir-

mar um contrato com a

Árabia Saudita para um

programa de cultura no

país, semelhante ao do

MOBRAL aqui no Brasil, e

só de cartilhas vai exportar

um milhão de exemplares.

Quem está confeccionando

os livros é a Artes Gráficas

Gomes e Sousa. Joãozinho

quer alfabetizar até as oda-

Iiscas dos soberanos ára-

bes. Será o primeiro brasi-

leiro a devassar os harens

do Rei Iben Saud. Esta

vendendo também uma

grande partida de café para

a Tunísia, após ter inunda-

do o mercado alemão com

sardinhas em lata do Esta-

do do Rio.

***.

Page 14: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

dokumento/

O general Miguel Costa. Luís

Carlos Prestes e Juarez não

agiram com violência para se

instalarem na casa paroquial,

foram convidados pelo padre

Frei

José M.

Audrin, OP

Como enfrentei a Co/una Prestes (II)*H_______fc^'__9_L__i_ «*JÊ9^ÊÊ WÊTJB* mmmm Hj

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Cordeiro dt Faria

i - ..

DEOCUPAÇÃO E FUGAP0f.ro -NACJONAl

__

ppf j %,

O General Miguel Costa,

o Coronel Luiz Carlos Prestes

e o tenente-coronel Juarez Tavora

aceitaram instalar-se em nossa

casa, mas somente depois de

muitas instâncias nossas e

conosco ficaram sete dias. Não

houve, portanto, como ousaram

publicar mais tarde certas

folhas, requisição violenta,

muita depredação e desrespeito

às nossas pessoas. Pelo

contrário; e desses dias jábem longínquos de agradável

convivência, conservamos até

hoje saudosa recordação.

Eram prolongadas palestras,amistosas, e confidencias

íntimas. Às refeições, servidas

na sala da biblioteca conventual,

compareciam quinze, e mesmo

vinte oficiais, convidados

sucessivamente pelo General.

As Irmãs do Colégio

multiplicavam-se em atenções,

preparando com esmero e

mandando tudo o que sua ciência

culinária podiainventar para reconfortá-los.

ar* »

.ÜPO PE GBÁDÜADOS DA -COLUNA

i-) "i . i -}, ?<?.) t

Page 15: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

POLITIKA

OCUPAÇÃO í FUGA

D£ PORTO -NACIONAL

As "expropriações"

ordenadas

pela Coluna deixavam o povo

pobre reduzido á miséria, de

nada adiantando 0€> documentos

oferecidos pelos confiscadores

15dokumento

^^mamtmÊtttimmmmmmmtmmmmtmm^

Disciplina

reinava

na cidadeEntretanto, rigorosa disciplina

reinava na cidade ocupada, e muitos

dos moradores fugitivos atendendo

aos nossos apelos voltavam dos seus

esconderijos para as suas casas. Nas

re/as do mês do Rosário, à noite, a

igreja enchia-se de soldados vindo

unir-se às nossas orações. No do-

mingo, os gaúchos pediram licença

para cantar os "benditos"

da sua

terra longínqua, durante a missa as-

sistida por toda oficialidade. Hou-

ve mesmo alguns batizados pitores-

cos de crianças cujas mães acompa-

nhavam a Coluna. Tudo enfim era

para nós motivo de real simpatia

acompanhada de imensa compaixão

para tantos brasileiros que víamos

cansados por longas lutas, tortura-

dos por indizíveis saudades e que

sabíamos destinados a novos e mais

duros sofrimentos.

Chegamos assim a perguntar-nosse não existiria um meio dever ter-

minar-se tão prolongada, tão san-

grenta e, finalmente, tão inútil cam-

panha. Depois de ter muito pensadoe tomado o parecer de amigos, tive-

mos a ousadia de apresentar uma

proposta num documento oficial,

dirigido ao Estado Maior. Translada-

mos aqui este ofício que teríamos

imaginado dever ser publicado. Seus

destinatários, porém, julgaram bom

publicá-lo, um mês depois, na vila

de Floriano, no Estado de Piauí, em

um número de jornal local, trans-formado pelos revoltosos em

"Li-

bertador - Órgão da -Revolução".

A proposta"limo. Senhor General Miguel Cos-

ta. - Os poucos dias decorridos de-

pois que V. Exa. e seus distintos au-xiliares du Estado Maior se diyiid-ram aceitar uma humilde hospeda-

gem em nossa casa conventual, têmsido suficientes para patentear-nos,além do seu fino cavalheirismo, abondade de seu coração e a sinceri-dade de suas aspirações patrióticas.Somos e permaneceremos, depoisdeste rápido contato, seus admira-dores e, ao mesmo tempo, amigoscompadecidos e dedicados."Primeiro,

porque acreditamosem homens que o vil interesse nãoQuia e que pretendem, pelo contra-'•O,

tudo sacrificar pela defesa eobtenção dum ideal. Segundo,Porque além dos sofrimentos físicospue verificamos em sua dura jorna-da, adivinhamos o sem número de

J

4

* ¦ * FÊk *À *

^f^ KXflVflflL

ViP^^Npwl P* "*% * **"* 'tflflfll

Coluna em movimento

"A generosidade de seu coração,

Sr. General, facilmente lhe fará

compreender que nosso silêncio se-

ria falta grave às obrigações da nos-

sa missão religiosa. Não poderá V.

Exa., ofender-se ouvindo-nos repe-

tir uma palavra sagrada: Não pode-mos não falar".

"Cumprido este dever, Sr. Gene-

ral, volveremos novamente os olhos

para seus dignos companheiros.

Mais uma vez o afirmamos: parte-se

de dor nosso coração ao. vermos

essa plêiade de jovens e distintos

brasileiros metidos nesta luta insa-

na, entranhados em nossos remotos

sertões, separados há tantos meses

de seus pais, esposas talvez e filhos,

persegujdos por seus próprios patrí-

cios, e por cúmulo de desgraça,

ignorando quando há de raiar para

todos a aurora da paz.

que animavam esses lutadores, mes-

mo, e sobretudo, podemos afirma-

lo, o então Cel. Luiz Carlos Prestes."Exmo.

e Rvmo. Frei José-M.

Audrin - dd. Superior do Convento

de S. Rosa em Porto-N.acional —

Acusamos desvanecidos o recebi-

mento de sua prezada carta de 21

do corrente. Penhorados agradece-

mo-lhe a gentileza das palavras

com que se dignou cumular-nos. E,

como bons brasileiros, rendemo-lhe

sincero preito de admiração pelonobre interesse que temdemons-

trado em prol da pacificação.

"Não ignoramos nenhuma das

vicissitudes deploráveis que consti-

tuem o séquito sombrio da guerra

civil. Bem medimos a grandeza da

penúria em que fica a debeter-se a

população pobre das regiões serta-

nejas por onde temos transitado.

Concordamos com V. Rma. em que

O padre propôs ao general tentar

junto ao governo a recosacrifícios. íntimos que, desde lon-

gos meses, suportam estoicamente

para alcançar um fim almejado. Na-

da mais precisamos acrescentar, Sr.

General, para obter de V. Exa. a li-

cença de apresentar algumas obser-

vações e formular alguns desejos.

"Antes de tudo, seja-nos lícito

cumprir um dever. A passagem da

Coluna Revolucionária através de

nossos sertões, e por esta cidade,

tem sido lamentável desastre, que

ficará por alguns anos irreparável.

Em poucos dias, nosso povo, em

sua maioria pobre, viu-se reduzido à

quase completa miséria. Isto é tanto

mais deplorável que este humilde

povo nenhuma culpa teve nos acon-

tecimentos passados, ignorante que

é, em sua totalidade, dos distúrbios

h'p 1Q74. em São Paulo e no Rio

Grande do Sul.

"Portanto, Sr. General, se nos é

grato reconhecer a elevada disci-

plina mantida na Coluna, quanto ao

respeito aos lares a aos cuidados do

Estado Maior e Comandos dos bata-

Ihões em prevenirem e castigarem

qualquer ofensa à moralidade e ao

sossego do povo - se acreditamos

que os danos materiais sofridos em

gado e animais sobretudo, longe de

serem motivados pelo instinto do

roubo, são apenas a imposição fatal

das duras necessidades da guerra -

sentimo-nos, não obstante, forçados

a deplorar tais prejuízos e a erguer,

contra eles, perante V. Exa., o nos-

so protesto.

"Pelo mesmo sentimento que nos

faz lamentar as misérias do nosso

povo, somos agora impelidos a dese-

jar e procurar um meio de obter-se

a conclusão de tantas angústias. E

eis-nos, Sr. General, perguntando a

V. Exa. se não existiria uma possibi-Iidade de tentarmos juntos, perante

as altas autoridades da República,

um esforço de reconciliação entre o

Governo e os Revolucionários. Não

seria possível escolhermos, pelo

menos, alguns intermediários capa-

zes de iniciarem alguma troca de

idéias, alguma tentativa de pacifi-

cação?"Se

V.Exa. achar este nosso pro-

pósito digno de atenção, pedimos o

obséquio de indicar-nos quais

devem ser nossas palavras e quais as

condições convenientes para sermos

atendidos pelos depositários do Po-

der."Dirigindo-lhe

estas linhas, Sr.

General, ditadas tão somente por

sentimento de caridade cristã, mas

também pelo sincero amor que tri-

butamos à sua Pátria, esperamos

que V. Exa. as receberá com agrado

reconhecendo a lealdade de quem

as escreveu."Porto-Nacional,

21 de outubro

de 1925 - Fr. José-M. Audrin o.p."

A resposta . .* Eis agora a resposta a nos dirigida

do Quartel General instalado, como

já dissemos, no convento dominica-

no. Relendo-a faz reviver, depois de

tantos anos, a lembrança das con-

vicções ardentemente patrióticas

o povo — esse humilde povo que,

tantas vezes, tem sido alvo das mes-

mas injustiças e violências que nos

atiraram nos braços da revolta e por

cujo bem nos debatemos — é, nesse

embate de paixões, a vítima mais

sacrificada."Aceitamos,

por isso, de bom

grado, os protestos que, em favor

dele, nos dirige V. Rma., como res-

salta de seus sagrados misteres após-

tólicos. Afiançamo-lhe, entretanto,

que só temos retirado do patrimô-nio do povo aquilo que é indispen-

sável à satisfação das necessidades

imprescidíveis da tropa. E si não in-

denizamos em particular os prejuí-zos que lhe causamos, é porque

contrariamente ao que má fé de ai-

guns tem propalado, transitamos na

Revolução tão pobres como quando

para ela entramos. De qualquer for-

ma, porém, temos procurado asse-

gurar indistintamente a amigos e

adversários, por meio de documen-

to idôneo, o recurso de reaver, mais

tarde, pelos trâmites legais, a impor-

tancia total dos bens de que houve-

rem sido despojados."Bem

sentimos a angústia dos

que sofrem a privação dos bens ma-

teriais sorvidos pela voragem insa-

ciável das necessidades de um exér-

cito. Lamentamo-lo, como se de-

vem lamentar os que, já no fim da

vida, tem talvez de recomeçar as

provações da luta, para legarem à

família o pão sagrado da subsistên-

cia. ^^

. _

Page 16: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

mm

I dokumonto I

Os chefes da Coluna estavam

interessados no entendimento

com o governo, a exceção de

Prestes que queria continuar

lutando, apesar dos reveses

OCUPAÇÃO f FUGA

DE PORTO -NACIONAL

Miguel Costa reconheceu a privação dos bens

sorvidos pela voragem insaciável do exército"Há,

entretanto, no fundo desse

quadro, alguma coisa mais dolorosa

ou mais trágica. Há o sacrifício

mudo - e por isso mesmo ignora-

do - dessa numerosa legião de pere-

grinos que mal pode, às vezes, desa-

fogar a saudade do lar distante,

abandonado há quinze meses. Há a

angústia dos que naufragaram no

meio da jornada e tombam longe da

família, anônimos, no túmulo das

refregas. Há, enfim, espalhados pe-

los recantos todos do Brasil, alguns

milhares de lares desamparados, on-

de corações confrangidos sofrem o

suplício indefinido da incerteza ou

do desespero."E

atrás dessa cortina de pranto

e de dores, de luto e de misérias,

que encobrem o viver, outrora feliz,

do povo brasileiro, enxergamos com

infinita tristeza a retrogradação

material e, sobretudo, moral da nos-

sa Pátria! Não julgamos oportuno

discutir, aqui, sobre quem pesará,mais tarde, a responsabilidade dessa

catástrofe. O país inteiro conhece,

entretanto, a gravidade das circuns-

tância que nos impuseram o sacrif í-

cio dessa jornada cruenta e doloro-

sa. E a consciência nos diz que nun-

ca faltamos à palavra jurada, nem

abjuramos a fé de defensores since-

ros de um ideal de justiça e de liber-

dade."As

palavras de paz com que V.

Rma. encerra os últimos tópicos da

sua prezada carta, nem são exagera-

dos, nem nos parecem importunas.

Cremos que a maioria- do povo

brasileiro, saturado de ilusões e

amarguras, almeja ardentemente

por essa aurora de reconciliação que

lhe restitua a alegria e a tranqüilida-

de."Por

isso dizemos a V.Rma., com

a serena franqueza de convencidos,

que aceitamos contentes esses bons

ofícios. Ninguém mais do que nós

deseja ver acabado esse ceifar ingra-

to de vidas preciosas de irmãos e

amigos que o egoísmo dos homens,

ajudado pela fatalidade do destino,

atirou aos campos opostos, para en-

sopar de sangue o solo igualmente

amigo da mesma Pátria, boa e gene-

rosa.'''Não

sabemos nem podemos di-

tar a V.Rma. esta ou aquela atitude,¦

em se tratando de assunto tão deli-

cado. Agradecemos sinceramente a

sua generosa interferência e deixa-

mos aos impulsos da sua caridade

cristã a escolha das palavras com

que se houver de dirigir, através de

novos intermediários, ao Governo

da República. Julgamos, com os

nossos prezados chefes, Marechal

Isidoro Lopes e Sr. Assis Brasil, queo melhor e o mais fácil meio de

tranqüilizar o País será um entendi-

mento leal e desapaixonado entre o

Governo e a Revolução. Por isso, e

em atenção ao sincero patriotismode seus propósitos, nenhuma condi-

ção impomos para aceitá-las."Sem

mais, confessamo-nos gra-tos pela generosa deferencia com

que nos distinguiu a rendemos a

V.Rma. uma humilde homenagem

de admiração pelo sadio pátrio-tismo e pela caridade cristã com

que se interessou pelo bem da nossa

Pátria. - Porto-Nácional, 22 de Ou-

tubro de 1925-Gl. Miguel Costa,

Coronel Luiz Carlos Prestes, Tte.

Cl. Juarez Tavora.

MALOGRO

Através das conversas e conf idên-

cias fácil nos era perceber que de

bom grado aceitariam a solução

providencial que viria por um termo

honroso às suas insanas pelejas. E

disso convictos ficamos quando,reunidos conosco à noite, pediram-nos servir-lhes de intermediários

junto ao Presidente da República.

Apresentar-nos pessoalmente ao

Chefe do Governo era coisa impôs-

sível, devido às distâncias fabulosas

e às chuvas torrenciais da estação

invernal. Deliberou-se, então, esco-

lher três nomes de personagens in-

fluentes capazes de aceitarem e de-

sempenharem o papel de interven-

tores do Rio. Apresentamos, pois,os nomes de Dom Sebastião Leme,

coadjutor do Cardeal Arcoverde, de

Dom Miguel Kruse, Abade Benedi-

tino de São Paulo e amigo pessoaldo Gl. Miguel Costa, do dr. Francis-

co Ayres da Silva, Deputado Fede-

ral por Goiás e filho de Porto-Na-

cional.Infelizmente, um sem número de

dificuldades impediram finalmente

a realização de tão belo sonho. Para

poder tentar-alguma comunicação

não dispunhamos nem de telégrafo,

nem de correio. Era preciso ou se-

guir ou despachar por terra até

Goiás, numa extensa viagem a cava-

lo de vinte e tantos dias, ou descer

o Tocantins até Carolina, ponto

-^BÊmW*'*\.**-WÊHmtmJ WÊ

Siqueira Campos

Um sonho

que nao se

realizoumais próximo da estação, telegrá-

fica. Sabíamos, aliás, que dessa ci-

dade maranhense até Barra do Cor-

da a linha estava totalmente sub-

mergida pelas enchentes. Prevíamos

que mais de um mês seria necessário

para obter uma bem duvidosa solu-

ção favoráyel. E imaginávamos en-

tão qual haveria de ser a situação do

nosso povo com um exército de

1.700 homens estacionado dentro e

nos arredores imediatos da pequenacidade, consumindo os poucos ha-

veres dos moradores, enquanto mui-

tas famílias continuariam escondi-

das nos matos, sofrendo privações e

as intempéries invernais.

Outra dificuldade mais séria ain-

da opunha-se aos nossos desejos.

Por mais ardentes que fossem seus

anseios de paz, nossos briosos mili-

tares continuavam a opor-nos um

obstáculo capital. Não admitiam

nas negociações a empreender a pa-lavra anistia.

"Anistia, diziam eles, é

para culpados; e nós não somos cri-

minosos. Aceitamos apenas a pala-vra entendimento".

E quanto a esse "entendimento"

com o Governo, íamos descobrindomotivos de suspeitar fortemente

que não era desejado por todos oscompanheiros de Prestes. Chegamosmesmo a ser informados a tempoque muito deles preferiam prosse-guir na luta insana até."a vitória oua morte".

Foi no meio dessas hesitações

que vimos a Coluna começar silen-

ciosa a sua retirada. Um por um se-

guiram os quatro batalhões no mais

completo mistério que, aliás, não

tentamos desvendar. Pelos estafetas

chegando dia e noite do Sul ao

Quartel General julgamos que notí-

cias pouco favoráveis apressaram a

saída dos revoltosos. O Estado

Maior despediu-se grato e amável,

deixando-nos telegramas oficiais a

serem passados, salvo-conduto para

garantir nossa possível viagem, e

também um documento legalizado

em cartório federal das requisições

operadas em nossa fazend inha do

Gorgulho (gados e onze animais).

Alguns oficiais confiaram-nos

correspondências e fotos que conse-

guimos^mais tarde fazer chegar fe-

lizmente até as famílias respectivas.

E abalaram-se sem, todavia, nada

nos revelar a respeito ae suas inten-

ções e novos rumos. Poucos dias de-

pois invadiam Piabanha e Pedro

Afonso. Atravessando o Rio do

Sono, afluente do Tocantins, a Co-

luna dividiu-se: uma parte seguindo

para Carolina e o interior do Mara-

nhão, outra indo pelo Jalapão para

penetrar no Piauí e mais tarde no

Ceará. O prosseguimento do avan-

ço audacioso e das notícias de re-

petidos combates travados com os

Legalistas, em particular nos muni-

cipios de Oeiras e Fioriano, acaba-

ram de convencer-nos plenamenteda inutilidade de qualquer tentativa

em favor da pacificação, um mo-

mento sonhada. E demos graças a

Deus por nos vermos assim dispen-

sados, sem prejuízo moral, duma

missão por demais espinhosa.

Onze meses depois, nossos Revo-

lucionários, - repelidos com graves

perdas dos Estados do Nordeste,

penetravam novamente no Estado

de Goiás. Desta vez era mais uma

corrida desesperada que devia leva-

los até a Bolívia. Tinham deixado

numerosos mortos pelo interior do

Piauí e Ceará; outros, como o Cl.

Juarez Tavora, tinham caído em

mãos dos legalistas. Vinham todos

esfarrapados, conduzindo feridos, e

sem tempo de renovar trajes eequi-

pamentos. O Gl: Miguel Costa anda-

va carregado em padiola, em conse-

qüência de sério ferimento no bra-

ço. Felizmente para nós, passaram a

umas quarenta léguas de Porto-

Nacional.

Page 17: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

POLITIKA

Sebastião

Nery

Até a semana panada, contai, am cada número, histórias da uma pessoa só:

quinze folclores de políticos brasileiros, numa média de seis histórias de

cada um. Agora, vai ser por Estados. Cada semana, histórias de um Estado.

Como hé Estados de folclore mais rico (Minas a Paraíba, por exemplo),

vencidos os 22 recomeço o mapa de novo. Chiem souber de histórias a

puder colaborar com esta página escreva e mande. O fundamental é o

nome e a cidade dos folclorados, dos personagens.

É só por no envelope e mandar para o endereço de POLITIKA.

(Av. Rio Branco, 133, grupo 1601 - Rio). E muito grato pela colaboraçSo.

Quanto ao selo, "quem

alegra o povo Deus ajuda."

[folklore

politiko

^

1 RIO GRANDE DO NORTE

Dinarte Mariz, prefeito,

governador, hoje senador,

dono da metade do bolo

político do Estado (a ou-

tra metade é do ex-gover-

nador Aluísio Alves), an-

dava zangado com o sena-

dor Mahoel Vilaça, depois

seu amigo, aliás muito ami-

go. Em um grupo

de jor-

nalistas, Dinarte analisava

os políticos do Rio Grande

do Norte:

E o Manoel Vilaça, se-

nador?

É meio para a esquer-

da.

Esquerda, como? Na

juventude foi comunista,

quando estudante no Reci-

fe. Mas isso há 35 anos

atrás. Hoje, é um democra-

ta e senador da ARENA.

É, meu filho, mas

sempre fica qualquer coisa.

2

0 correligionário do se-

nador Dinarte chegou de

Natal:

-Como vão as coisas

Ia?

-Tudo bem, senador.

Alguma novidade?

Não. Só que o Chico,

cabo eleitoral do Aluísio,

deu para beber muito.

fala nada não.

Nao diz a ninguém. Deixa

«le viciar.

3

Irineu Joffily, juiz aus-

tero e durão, foi o primei-

ro interventor da Revolu-

ção de 30 no Estado. Era

uma parada. Não fazia

concessões.

Uma noite, estourou o

major tiroteio na zona

boêmia de Natal. E a culpa

era de uma patrulha da

Polícia Militar. O interven-

tor chamou seu secretário,

Confúcio Barbalho, e di-

tou um ofício indignado

ao comando da PM. O

comando ficou melindra-

do, reuniu-se e mandou-

uma comissão ao palácio.

Devolvia o ofício e pedia

outro em termos mais cor-

tezes.

Irineu Joffily os rece-

beu, mandou sentar, cha-

mou o secretário:

Confucio, vem cá.

Pois não, doutor I ri -

neu.

Lé aí, em voz alta,

este ofício que eu mandei

para o comando da PM.

Confúcio leu. O inter-

ventor pôs os óculos,

olhou um a um bem deva-

gar e disse apenas:

Dinarte Mariz

— Corta Cordiais Saúda-

ções.

4

Irineu Joffily foi visitar

o Colégio Estadual. O dire-

tor pôs a garotada

de ban-

déirinha na mão, gritando:

Viva doutor Irineu!

Viva doutor Irineu!

Doutor Irineu correu o

colégio, despediu-* do di-

retor, foi para o palácio,

chamou o secretário:

Confúcio, prepara

um

ato demitindo o diretor no

Colégio Estadual.

Por que, doutor Iri-

neu?

Ele está ensinando,

muito cedo, aqueles meni-

nos a bajularem autori-

dade.

5

A morte andou cruel

com o Estado, no ano pas-

sado. José Augusto Bezer-

ra de Medeiros, Walfredo

Gurgel, Manoel Vil laça,

Severino Bezerra, José Car-

valho, José Ariston. Tudo

gente ilustre. Cada mes,

um. Um dia, chega ao Rio

mais uma notícia: a morte

de Roberto Freire, jovem e

industrial. Djalma Mari-

nho, deputado, imensa fi-

gura humana, que sofre de

um problema cardíaco crô-

nico, soube depois do al-

moço, passou mal, foi leva-

do às pressas para o Pron-

tocor.

No caminho, dentro do

taxi, os amigos aflitos, um

deles, major Eronildes, os

olhos úmidos, pergunta

com a maior cara dura:

— Djalma, quem

é seu

suplente?

Zero Quilômetro?

Não tem esse hotel não.

Tem, sim. Em frente

ao Hotel Ambassador.

Ah, Hotel OK. Sena-

dor Dantas, não é?

Não, senhor. Deputa-

do Antonio Baiú, de Natal.

7

6

O deputado do Rio

Grande do Norte desceu

no aeroporto Santos Du-

mont, pegou um taxi:

— Hotel Zero Quilôme-

tro.

Agnelo Alves era prefei-

to de Natal. Criou uma

guarda para a Prefeitura:

recrutas da PM, vindos do

interior. Ensinaram aos ra-

pazes que gente mais im-

portante tinha saudação

com apresentação de ar-

mas e para gente menos

importante era só conti-

nência.

Um dia, para visitar o

prefeito, apareceu um ho-

mem alto, cabelos averme-

lhados, calças curtas, me-

dalhas no peito e alamares

a tiracolo. Os guardas fica-

ram embasbacados. Fazer

o que? Apresentar armas?

Continência? O chefe do

grupo resolveu o proble-

ma: ajoelhou-se e beijou a

mão do estranho homem.

Era o Comandante In-

ternacional dos Escoteiros.

Wetfredo Gurgel

N

Page 18: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

I charge J

HÃO ACEITO

AÇÕES DA

BOLSA

S^GammWb /V^ V^JUÍlJÍ/i_yl

Coentro

APÓS O PEfilODO t>É ftECEQSO,

VOLTA A &E REOMíft O CONSELHO,

AGORA CIA SUA tfoVA ESTRUTURA.

- ————^—_^^_^^_^^^^^^^^^^^^mm^^mmmmmmmsmWÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊIRÊUÊÊÊÊIÊÊÊÊÊÊI^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^l

A6R6Ü ^ODRE APiftMA Oué A8ENA

DA' POUCA CHAiüCÉ AOS JOVENS.

MMM>

A GErvlTE MANDA

HMTftftA o PESSOAL

OO PODE* TOVEM?

n/ao! wao! o nosso

RiTMO ATUAL E5TA/

MUI TO &OIA !

^/vh^Yljfr JS /—'

_# \cT^-^~ lãk-WCJm

|||||||!n!||||||l||l|l||[jJ|||| IMI

Page 19: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

Maria

Luiza Penna

Eurípedes é a instigação. A

partir dos temas e teses

de seu teatro, Maria Luiza

põe o

problema fundamental

da é (ó)

tica de todo Poder.

POLITIKA

|

kultiira

Maria Luiza Penna é a

mulher mais inteligente do

Brasil. A mais atualizada.

A mais aberta à participação

da Cultura na definição

das linhas (e das camisas)

de força da sociedade moderna

fe tão primitiva nos seus

preconceitos, nos seus

impulsos). OB(ab)JETO.

0 que é humano é cultural.

E nada do que é cultural lhe

é estranho. Da tragédia grega

à música "pop",

de Eurípedes

a Caetano Veloso, o que está

em jogo é a situação do

homem no mundo. Osí ardis

a sua liberdade. As arapucas

do terror. A dialética do

"herói" como alienação

(e sujeiçãoI do mais fraco.

Maria Luiza pensa.

Logo, é das poucas que existem.

v>.:':

Fotografias do filme "As

mulheres de Tróia'

A ética do mais forte

UM

a

Quando Eurípides concorreu

à nonagésima olimpíada, com sua

tragédia "As

Troianas", ganhou

apenas um modesto segundo

lugar para um tal de Xênocles, que

ninguém até hoje sabe quem foi.

Não se pode mesmo dizer de

Eurípedes que tenha seguido

sempre os cânones aristotélicos

da tragédia: não mantém a

convenção das três unidades

(tempo, espaço, ação), não dá

grande ênfase ao côro

e nem separa rigidamente o

trágico do cômico.

Essas coisas, entretanto, são

meras tecnicalidades de uma

época (o chatérrimo teatro

neo-clássico julgou-as depois

essenciais), princípios formais

que não constituem a intenção

mais profunda da Poética de

Aristóteles, nem o conteúdo

autêntico da tragédia ática ou

de qualquer outra. A essência

da tragédia está em se levar à

catarse através da vivência de

duas emoções básicas:

o terror (fobus) e a com-paixão

(eleos, sofrer com) e por isso

Aristóteles considerou Eurípedes

"o mais trágico dos poetas".

I

K* ¦ii^a ¦

I

Page 20: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

POLITIKA

kultura

v

Eurípedes exprime (condena)

a violência dos homens para

com as mulheres, dos fortes

para com os fracos, de

quem

vence para

com os vencidos.

EURÍPEDES

. UM GREGO

QUE SABIA

DAS COISAS

C—tano Vefoso

NINGUÉM melhor

que ninguém

Se os eruditos ficam irritados, no

caso concreto das Troianas, o que

nos espanta, considerando-se as cir-

cunstâncias políticas do tempo, é

que a peça tenha sido levada. Numa

única frase —"Vossa inteligência

grega é simples barbárie" (As Tróia-

nas, V. 765) —

está todo o ateni-

enses. Eurípedes usou uma ação

simbólica - a guerra de Tróia

-

submete, porém, o mito homérico a

cima reinterpretação totalmente di-

ferente do tratamento original. Ex-

pressa, de modo dramático e ao

mesmo tempo simples, a violência

dos homens para com as mulheres,

dos vencedores para com os venci-

dos, dos fortes para com os fracos.

Utiliza a trama do mito homérico

de maneira versátil e pessoal. O que

toma mais valiosa essa tragédia,

como todas as demais, é a ousadia

da estilização livre de um tema pri-

mitivo.

Por detrás, como pano de fundo,

estão os acontecimentos de seu

tempo: guerras, entre Atenas e Es-

parta, numerosas chacinas, o maio-

gro da expedição à Sicflia. Como

não relacionar Tróia com os fatos

vecentes de Meios? O paralelo é evi-

dente: Meios, ilha neutra, é saquea-

da pelos atenienses. Os homens, tiru-

cidados. As mulheres, com as crian-

ças, aprisionadas (Tucídedes V.

116). Em algumas de suas primeiras

peças afirma a maldade intrínseca

do inimigo, como, por exemplo, nas

Heráclides, onde a guerra é conside-

rada justa, se conduzida em

"espíri-

to de sacrifício e em defesa de uma

sociedade especial" (democrática? \

Em 415, porém, Eurípedes che-

gou à conclusão que, pelo menos no

tratamento dado aos presos políti-

cos, ninguém é melhor que nin-

guém. A confiança que se obteve

com a vitória de Maratona e que en-

controu na oração fúnebre de Péri-

cies o seu ponto máximo, dá lugar a

uma crescente conscientização e a

dúvida.

A FORÇA DO MEDO

Nas Troianas — nisso está a força

de sua intensidade dramática — a

tragédia gira ao redor de um só ei-

xo: a degradação da guerra. Através

dessa idéia central, toda uma série

de cenas vai, gradualmente, intensi-

ficando seu pathos:

"Aqueus! Vossa

força reside toda nas espadas, não

na inteligência. De que tinham me-

do para ser preciso

matar esta crian-

ça (Hécuba se refere a Astianax, fi-

lho de Heitor e Andrômaca) tão

cruelmente? Vossa força não signi-

fica nada, portanto

"(As Troianas,

V. 1160)". Então, como agora, o

medo parece ser a causa das ações

humanas mais destruidores. Os efei-

tos exteriores do receio são incon-

fudíveis: "Este

bebê ainda os amen-

drontava até mesmo quando a cida-

de já caíra e todos os troianos cha-

cinados? Desprezo o medo que é

puro terror numa mente que não ra-

ciocina." (As Troianas, V. 1165).

RITMO SEM NUANCES0

Kafka abandonou uma série de

convenções da novela do século

XIX, Eurípedes algumas das con-

venções da tragédia esquiliana (isto

não significa, porém, que se possa

julgá-lo com os mesmos padrões na-

turalísticos de Zola). Três elemen-

tos se juntam na formação de seu

estilo: 1) a sociedade burguesa, ur-

bana (no sentido social, não-políti-

co -

contrapondo-se à aristocracia

- em lugar dos heróis nobres intro-

duz em cena, para grande escândalo

da época, mendigos esfarrapados);

2) a retórica poética e lírica; 3) a

preocupação filosófica.

Se há uma maior abertura para a

realidade —através da expansão

comercial, cultural e política da po-

lis ateniense — há, também, e justa-

mente por causa disso uma maior

dificuldade de enquadramento, de

categorização dessa mesma realida-

de. E o tempo da mudança do verso

para a prosa, do mito para o concei-

tp, da estória para a análise. Não

Chico Buêrqu»

se trata, porém, de um processo ra-

dical mas de um sincretismo híbri-

do que faz da tragédia euripidiana

uma curiosa misture de situação e

conceito. As coisas não são mais de-

limitadas nem no mundo físico nem

no mundo moral. Saber muito signi-

fica, socreticamente, desconfiar de

muita coisa.

Da palavra ritmada, sensorial-

mente percebida, à estruture morfo-

lógica sintática de sua obra, chega-

se ao mundo revelado por Eurí-

pedes numa tentativa de des-vela-

mento ontológico, num achegar-se a

outra coisa, à sobre-coisa.

"Nenhum

pensamento, nenhum

ato deverá ultrapassar as velhas

crenças. Custa pouco, muito pou-

co, acreditar nisso: o que é divino

é forte; aquilo que o tempo anti-

go sancionou é lei para sempre; a

lei que a tradição faz é a lei da

natureza,"

(As bacantes, V. 890).

ou:

"Então na terra nenhum homem

é verdadeiramente livre. Todos,

são escravos do dinheiro ou da

necessidade. A opinião dos ou-

tros ou o medo de perseguição

Força cada um, em desacordo

com sua consciência

A conformar-se.

(Hécuba, V. 864)

Nas tragédias de Sófocles, cuja vi-

são é a do homem no campo, tudo

é subsumido a um modelo, a um

esquema. Pare Eurípedes, os acon-

tecimentos não se sucedem uns aos

outros dentro de uma seqüência ló-

gica.

A não ser talvez nas Bacantes -

onde a atmosfera ritual ística é in-

tensa —

há menos oportunidades

para as personagens (em especial o

coro) se expressarem através de so-

bretons gradativos. 0 ritmo é o da

cidade, convulsivo, aos arrancos. £

mais'flexível, pode colocar mais coi-

sas nas suas tragédias por que não se

incomoda tanto com a maneira pela

qual as coisas se encaixam. Está ao

mesmo tempo perto e longe daquilo

que vê entre as elaboradas odes poé-

ticas do coro e a linguagem realista,

muitas vezes prosaicos, dos diálogos.

Nestes, simplifica. Vai direto à coi-

sa. Escreve sem purismos, espasmo-

dicamente, o que fez Goethe notar

em seu diário:

"Parece estranho que a

aristocracia dos filólogos não

consiga perceber seus méritos e,

com ares tradicionais, baseando-

•se em Aristófanes, o situe abaixo

de seus predecessores." Isso quer

dizer que Eurípedes apresenta

"deslizes" literários, mas tais

críticos (Schlegel, por exemplo)

"deveriam criticá-lo de joelhos."

Atrás da aparente desarmonia de

sua lírica parece ocultar-se uma

personalidade complexa, ambivalen-

te, que seria talvez a síntese da indi-

vidualidade atual. Na canção lírica

se resolvem muitas dissonâncias in-

solúveis para o intelecto. Seu estilo

trágico é o reflexo da enorme evolu-

ção subjetivista dos sofistas e de Só-

orates. 0 elemento lírico, essencial

ao drama, é transposto do coro para

los personagens. Torna-se o funda-

mento do pathos individual. A mú-

Isica, criticada por Aristófanes como

moderna e inovadora, consegue ex-

primir sentimentos elementares tão

importantes para a compreensão do

poeta quanto suas considerações re-

flexivas.

John Cage (compositor dos mais

importantes do movimento pop) di-

zia que

"o objeto é o fato, não o

símbolo", é preciso acordar pare a

vida que nós vivemos, aqui e agora.

Isso significa que não se pode fe-

Ichar os olhos para a realidade, ela

está por aí, tudo influenciando tu-

do. A música pop (como a música

de um Chico Buarque ou de um

Caetano Velloso) grita o que vê, o

que sente e, como poeta, parece ter

menos ilusões e incompreensões pe-

rente a vida.

*

I

Page 21: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

euripedes

. UM GREGO

QUE SABIA

DAS COISAS

POLI TI K A

Penteu, personagem

de uma das

peças de Euripedes, não

podia

aceitar o que

via e se negava

a ver o que

não podia (ou

não

deixavam) aceitar. É atual.

kultura

Euripedes não usa meias pala-

vras: choca, desperta a sensibilida-

de. Não se importa de escangalhar

com a simetria da trama para ven-

der seu peixe, ou seja,

"mostrar"

(e

não demonstrar) alguma coisa. Os

críticos da música pop são como

Penteu (personagem das Bacantes):

não aceitam o que não vêem e recu-

sam ver aquilo que não podem (ou

não querem? ) aceitar. O que im-

porta é desmontar as estruturas, fa-

zer as pessoas perceberem o swing

das coisas, e não apenas raciocina-

rem dentro de esquemas pré-fabri-

cados.

Mas nem todas as viagens são

uma delícia. Há sempre a possibili-

dade do mêdo, nossa percepção e

sensibilidade são aumentadas dolo-

rosamente, escapa-se talvez menos

do sofrimento do que da morte por

congelamento. O que se procura

não é o nirvana, mas o risco e a

disponibilidade.

UMA AMBIGÜIDADE INSO-

LUVEL

0 que os poetas gregos herdaram

da Iliada não foi só forma, design,

estilo direto (três quartos da Iliada

são discursos), mas a coragem de es-

pecular sobre o conflito permanen-

te da existência humana. Euripedes

põe em questão a moralidade, a fé

tradicional e a ética do mais forte.

A preocupação intelectual do poeta

é tão intensa quanto sua paixão._E

difícil e paradoxal rejeitar-se a visão

moralista ou moralizante de uma

época baseando-se em fundamentos

morais. Isto, entretanto, êle fêz. As

razões para se negar o moralismo

são, em parte, morais, essencial-

mente as mesmas. Por definição, a

ética filosófica se preocupa com

princícipios morais e não com reali-

dades humanas concretas. Poderá,

desta forma, adequar-se à variedade

de ações e atitudes humanas? Será

suficientemente sensível ao sofri-

mento humano? Estes dilemas fi-

cam evidentes, por exemplo, em

Medéia, em Hécuba, etc. Até que

ponto os valores morais podem ser

absolutizados? Euripedes se preo-

cupou com problemas morais (enfo-

que de Ésquilo) e com problemas

psicológicos (sofoclianamente), mas

está, antes de mais nada, superlati-

vãmente interessado na realidade

humana total.

A religião tradicional tem para

ele o peso de um fardo insuportá-

vel. Critica tanto os deuses cuja jus-

tiça questiona e cuja adoração con-

sidera inútil, quanto o mito que

exprimira um mundo de exemplari-

dade intocável e ideal, é evidente

que com "As

Troianas" destrói to-

do o esplendor dos conquistadores

gregos e os heróis, orgulho da nação

(Agamenon, que patife! Odisseus,

Hécuba simplesmente o voltiza!)

são desmascarados como homens de

ambição brutal, todos dominados

pela simples fúria destruidora. A

força purificadora dessa critica a

assuntos específicos de seu tempo

acha-se na negação do conven-

cional, do pretensioso e na apresen-

tação do problemático. Por essas e

outras coisinhas mais, foi persegui-

do por Cleon num processo

de

"impiedade", mas que

significava,

provavelmente, uma perseguição

política. Acabou deixando Atenas

amargurado, incompreendido.

Essa

humanidade e euripidiana (revolu-

cionária para o espírito grego por-

que considera heróis os anti-heróis,

os que morrem e não os que ma-

tam) faz-nos ver a morte simples-

mente como morte: "Nem

a vida,

nem a luz podem ser como a morte,

pois a morte é o nada e na vida a

esperança ainda pode existir" (As

Troianas, V. 630); o sofrimento co-

mo sofrimento: "A

morte eu sei é

como nunca ter nascido, mas é

melhor que uma vida de sofrimen-

to, pois os mortos, sem percepção

do mal, não sentem amargura". (As

Troianas, V. 636).

A VULGARIDADE DA VIDA

Se seu estilo é julgado por muitos

como de "mau

gosto", ele, como

Brecht, acha-se possuído de tremen-

da desconfiança pelo sublime; As

coisas aparentemente sublimes não

suportam uma análise de perto: as

palavras nos parecem

bobocas e es-

condem, muitas vezes, motivações

inconfessas e safadas. Por isso mes-

mo, penetra profundamente na

alma humana. Sua perspectiva é di-

ferente. Dá um novo sentido, pes-

quisador e inquisidor, ao mundo

dialético dos sentimentos e das

paixões. Quebra as paredes

da

psique em sua luta de forças antagô-

nicas. Cria uma patologia da alma.

A loucura, com todos os seus sinto-

mas, é introduzida pela primeira vez

em cena. Geniais as palavras de

Hécuba a Cassandra, nas Troianas:

"Deixe-me carregar a tocha:

louca, apaixonada, não conse-

gue carregá-la direito, pobre

criança. Seu destino é imode-

rado, como você sempre foi.

Não há salvação para você".

(V.347)

Em Medéia, anti-heroína da tra-

gédia matrimonial burguesa, temos

os efeitos da patologia erótica, em

Hipólito, a erótica deficiente. Coin-

cidência da descoberta do mundo

subjetivo e do conhecimento racio-

nal da realidade. Torna-se maisvisí-

vel o caráter problemático da socie-

dade humana. Os heróis de Sófo-

cies, embora de carne e osso, sem

proporções místicas, são ainda He-

róis, figuras inspiradoras cuja perfei-

ção,

*âs vezes, irrita. As personagens

euripidianas são daquele tipo que

"dá vida para

uma discussão", suas

figuras heróicas (ou anti-heróicas? )

quase sempre, sem exceção, mu lhe-

res. Contraditónas (Medéia é um

vir-a-ser constante), dando função o

tempo todo, superincrementadas.

Nenhuma delas é jóia. Ou todas

são? De qualquer modo, ele as co-

loca como acusações vivas (muitas

vezes, mortas) aos homens que as

cercam e ao seu público. Faz aspes-

soas perderem o rebolado e não é

de admirar que recebesse o troco e

fosse impopular. Sua tragédia é vul-

gar, radicalmente teatral. Seus te-

mas, que muitos consideram ultra-

passados, são o comum: amor, vida,

morte, repressão das pessoas, etc.,

etc., etc.. Dinamismo, fluxo, violên-

cia, constituem seu núcleo.

Kierkegaard, em "Temor

e Tre-

mor", nos diz que, se tirarmos a

auréola legendária, o mito de

Abraão é a estória simples de um

pai que se presta ao papel de assassi-

no de seu próprio filho. Abraão,

para Kierkegaard, permanece mes-

mo assim o herói.

Na tragédia de Euripedes, quan-

do Clitemnestra, Orestes, Electra,

Medéia, Hécuba realizam seu desti-

no, quando o happy-ending é im-

possível, o poeta

faz-nos sentir que

as figuras santas e imaculadas são

epifenômenos e os mitos aceitos

sem reflexão crítica, perigosos.

D

Page 22: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

POLITIKA

|

kultura

j

Eurípedes viu longe. A Razão

não é instrumento suficiente

para conjurar a Anti-Razão.

Daí o clima de angústia de

suas tragédias sempre novas.

EURÍPEDES

¦ UM GREGO

QUE SABIA

DAS COISAS

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Bncht

A DISTANCIA necessária

Tivesse, pois, seu público

cho-

rado um bocado,

"sentido" a

sorte das troianas, bacantes, ou

Penteu, voltando para casa acríti-

cò, sem pensar, sua tragédia não

chegaria aonde desejava. Eurípe-

des, poeta, engagé no sentido

sartriano, mas talvez muito mais,

perto de Brecht, que

lhe deve,,

aliás, muito. Em determinados,

interlúdios, é preciso abstrair to-

da a emoção a fim de que as

pessoas pensem; separar a platéia

da ação no palco, criar uma dis-

tância psicoloógica, Para Brecht:;

"Remover de acontecimentos que

estão abertos a influência social

o selo familiar que os protege

de Interferência". Daí o uso de,

efeitos de distanciamento (Ver-

fremdungeffekt) variados: mitos,

máscaras, coró, danças, o fato de

todas as figuras femininas serem

homem com trajes de mulher, a

música, etc.

A CONTRADIÇÃO DA RAZÃO

Acusado por Nietzsche de oti-

mismo antitrágico e de racionalis-

mo, Eurípedes teria dado o gol-

pe (te morte na tragédia. Na ver-

dade, otimismo e pessimismo, ra-

cíonalismo e irracionalismo, pare-

oem-nos categorias simplistas, in-

troduzidas por Nietzsche na dís--

cussSo da tragédia, sob a influên-

da de Schopenhauer.

Rara que a tragédia grega ter-

minasse, seria necessária uma

confluência .de fatores. Uma épo-

ca terminara definitivamente: a

derrota, depois de uma guerra de

quaçe trinta anos, a morte dos

três grandes trágicos, de Tucíde-

des,* de Sócrates. A nova gera-

ção, nascida durante ou depois

dela, já se acha possuída por ou-

tra atitude em relação à vida e

ao sofrimento. As guerras já não

são aquela glória, o heroísmo pa-

rece inútil. De certa maneira,

Eurípedes, com seu ceticismo fi-

nal, teve uma antevisão, tornan-

do-se o profeta de um novo

tempo. Goethe (Conversações

com Eckerman —

1o maio 1825)

critica a opinião muito difundida

de que Eurípedes foi o responsa

vel pela decadência do drama

grego. Diz ele: , .

"O homem é simples. E

tão rico, multifacetado e in-

domável quanto possa ser, o

círculo de suas vivências é

em breve percorrido . ..

Pode-se supor que material

e conteúdo idas tragédias)

foram aos poucos se esgo-

tando e que poetas vindos*

depois dos três grandes não

saberiam realmente (se não

dizer:) : E o que mais? "

As obras de Eurípedes estão

cheias de argumentos e contra-

argumentos devido à influência

da dialética retórica sofistica. As

cenas de julgamento, como a de-

fesa de Helena nas Troianas, su-

gerem antes a impossibilidade da

comunicação e a irrelevância da

argumentação face a ações já

predeterminadas. Há, algumas ve-

zes, um excesso de fogos de ar-

tifício dialéticos, mas o que

acontece mais freqüentemente

são análises -da frescura) da razão

e sua impotência diante da tragé-

dia. Para E. R. Dodds, (+) nun-

ca houve um 3 escritor fáceis e

totais.

Para Nietzsche, o "herói"

euri-

pidiano é virtuoso e feliz. Qual

a heroína virtuosa? Electra? He-

lena? Clitemnestra? Medéia?

"Reconheço", diz esta última,

"o

mal que estou por fazer, mas;

minha paixão é mais forte que

minha consciência" (V. 1078). A

razão faz Medéia compreender

que seu gesto é um "assassinato

adoidado" (V. 1383). Mas não a

influencia. A mola da ação está

no timos (paixão), isto é,_ além

do alcance da razão. Não há

portanto

'"ilusãode.

perspectiva

socrática, nem erro de matemáti-

ca moral (2 + 2 =

4? ou 5? ).

Nisto «reside a extrema qualidade

trágica de Eurípedes.

A máxima socrática é impra-

ticável: virtude é conhecimento?

a felicidade vem de um conheci-j

mento intelectual, racional? Não,

se pode propriamente dizer que

Medéia termine com uma

"justi-

ça poética". Onde está a virtu-

de? Aliás, o que é a dita? On-

de a felicidade? Onde a conexão

necessária entre virtude e conhe-

cimento, fé e moralidade? Que

fé? A de Hécuba?

Não. Pelo menos neste^sentido

nietzschiano, Eurípedes não é ra-

cionalista. Ao contrário, toda a

sua obra nega que a razão ( o

logos ) seja o único e suficiente

instrumento para se chegar à ver-

dade, que a estrutura da real ida-

de é em si mesma, e num certok

sentido, racional, e que o erro

intelectual, como o moral, resul-

ta de uma falta de conhecimen-

to. Se Nietzsche acusa Eurípedes

de "racionalista"

(junto com Só-

crates e Platão), Dodds (+), por

outro lado, acusa o trágico de

"sistemático irracionalismo", fi-

cando o poeta sempre na pior.

Talvez mais importante que

uma discussão a respeito da me-

táfora "morte

de tragédia" seja a

análise da validade de se conside-

rar (ou nãò) como irfacional a

negação euripidiana da suprema-

cia da razão no governo do

universo e na vida humana. Sua

obra reflete não apenas a visão

do mundo já racionalizante de

seu tempo, mas também uma

reação contra tal perspectiva. Há

um clima de permanente angústia

em quase toda a sua tragédia, por-

que oscila entre a necessidade de

dar um valor determinado a cada

coisa e a impossibilidade de fazê-lo.

Que filósofo atual consideraria a

razão como suficiente para a des-

coberta da verdade (aliás, que ver-

dade?), principalmente quando é

oposta esquematicamente à percep-

ção sensorial? Quem teria coragem

de afirmar que os erros humanos -

como a guerra e as torturas —são

curáveis por um processo puramen-

te intelectual? E por que não dar-

mos crédito a um homem que se

desesperou da teologia racional?

Eurípedes aceita (e não nega) o fato

concreto do irracional, do não cap-

tável na realidade. Em outras pala-

vras: a razão como instrumento de

conhecimento, mas não como seu

objeto único. Na luta entre o artista

e o filósofo, quem ganha a parada,

ainda que por pouco, é o primeiro.

Como Brecht, Eurípedes possui

dentro de si uma dicotomia básica:

racionalista até certo pbnto -

para

Brecht, este racionalismo teria a

forma de socialismo marxista -

mas

com uma percepção aguda da im-

possibilidade da realização da jüsti-

ça na terra (As Troianas, Mãe Cora-

gem).

* 0 desenvolvimento da física

quântica significou o fim para cer-

tos "sistemas"

filosóficos. O princí-

pio de Indeterminação de Heisen-

berg nos diz justamente que não se

pode calcular, ao mesmo tempo, o

momento e a posição do encontro

de duas partículas atômicas. Pode-

se falar da luz como feita, ora de

ondas, ora de partículas. Algumas

experiências sugerem que a luz se

comporta como se fosse uma cor-

rente de partícupas, outras como se

fosse uma áérie de ondas. Usamos as

duas imagens, e não tentamos con-

ciliáhlas. Se não há mais sistemas fi-

losóficos que proclamem uma certe-

za absoluta, há, no fim, apenas eu,

minha experiência e a dos outros,

na medida em que posso compreen-

dê-la por analogia com a minha. A

atitude mental de Eurípedes, como

aliás de todo o poeta, é antes a de

uma síntese imaginativa e não ape-

nas a de uma análise lógica:* combi-

na razão x emoção, logos x paixão

primitiva, convenção x natureza.

As definições são cristalizadoras.

A tragédia não parece ser unicamen-

I te o que os filósofos definem nem o

que os críticos proclamam;é muito

mais simples e está na ironiazinha

absurda da condição humana. A tra-

gédia grega, como romance moder-

no e a música pop, celebra o misté-

rio do desmembramento, da desin-

tegração do ser na vida e no tempo,

sua tentativa de assumir-se diante

de suas contradições. Nenhuma

comparação, nenhuma pesquisa de

fontes é suficiente para nos explicar

totalmente Eurípedes (nem nin-

guém ...).

Fala de uma nova realidade que é,

em si mesma •

e ao mesmo tempo,

racionalizávei e insuportável de ser

dita. Sua. obra é toda ela uma antí-

tese da ultra-literatura. Seu insight

abrange o "gran

teatro dei mondo"

e talvez, em suas próprias palavras,

se consiga a resposta para a não so-

lução de seu enigma: "O

éter inteiro

está livre para o voo da águia" (Eu-

rípedes, frag. 1047 N).

(+) -

E. R. Dodds, Introdução às Ba-

cantes (XLIII)

(+) - E. R. Dodds

- Os Gregos e^

irracional —

UCP, pág.187

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Page 23: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

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A Editoria | fH_i____________K^H (^^ ,Antônio Carlos Magalhães

Cursilho ou o protesto da Igreja dopada

João Almeida (Rio Pre-

to) - "Anexo segue uma

pequena reportagem sobre

a dificuldade da oposição

no interior. Junto umas fo-

tografias, para ilustrar. A

validade dela é que o caso

deve se repetir, com pe-

quenas variações, em todo

o Brasil. Daí a sua oportu-

nidade. Sou um jornalista

que se cansou de fazer jor-

nal e rádio no interior e re-

solveu sair pela estrada. É

a tal atração dos abis-

mos... Aliás, muito em

voga e quase uma saída pa-ra uma série infindável de

problemas... Se vocês pu-blicarem, reservem por ela

um almoço regado a qual-

quer batida, que um dia

apareço por aí. Isto é, se

vocês sobreviverem .. "

- Vamos aproveitar o tex-

to, sim, João. Mas não re-

cebemos, como você anun-

cia, as fotos para ilustra-

ção. Vai ver, João, sucum-

biram à atração dos abis-

mos.

Ivan Maurício (Recife) -

"Alô pessoal de POLI-

TIKA. Estamos enviando

um exemplar do nosso jor-nalzinho RESUMO para

que vocês dêm uma olha-

da. A idéia é transcrevertudo o que de melhor foi

publicado na imprensa na-cional, local e internado-

nal. E, como sempre, na

parte nacional, POLITIKA

tem aparecido com desta-

que. Vejam nesse exemplar

que estou mandando. No

mais toquem pra frente. 0

que quiser da gente por

aqui no Recife, RESUMO

tá às ordens".

- Alô. Vimos e gostamos.Continuem a transcrever.

Lemos, no cabeçalho, que

RESUMO é de "circulação

dirigida". Pois vocês são

uns sortudos. A praxe é a

redação dirigida.

Gurgel do Amaral, padre

Calazans e outros (São

Paulo) - "Para ser cristão

é necessário ser homem pt

A imprensa marron feliz-

mente está sendo escafedi-

da pt Sejam honestos con-

tinuem polêmica cursilhis-

tas".

- Ninguém, aqui, está

querendo provocar polêmi-

cas, embora não sejamos

de fugir delas. A reporta-

gem assinada pelo Néry,

sobre o Cursilho, resultou,

como ele próprio escreveu,

de declarações de um cato-

lico (também muito ho-

mem) que saiu sangrando

do Cursilho. Já tivemos

uma conversa telefônica

com o diretor do Cursilho,

em São Paulo, que nos

TELEGRAMA

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concederá ampla entrevista

sobre o assunto. Espera-

mos que esse diretor, para

o bem de todos e conheci-

mento geral da Nação, ex-

plique tudo o que é o Cur-

silho. Desminta as infor-

mações dadas ao Néry com

informações indesmentí-

veis. Nosso espaço como

nosso espírito estão aber-

tos e desarmados para suas

explicações. Quanto aos

termos do telegrama, já

constituem um mal sinal.

Nós sabemos, por exem-

pio, em que sentido o pa-

dre Calazans interpreta

essa frase de que "para

ser

cristão é preciso ser ho-

mem". A imprensa mar-

rom, se ainda não foi, deve

ser logo escafedida (a lin-

guagem dos cursilhistas é

fogo). Assim como a Igreja

marrom, o clero marrom, a

política marrom. O estra-

nho, o insólito nisso tudo,

é que enquanto o CEAS

nos procura e afirma que

este semanário realiza tra-

balho de grande alcance

político e pedagógico, o

pessoal do Cursilho (a Igre-

ja dopada) insinua que so-

mos da imprensa marrom.

Marrom é a mãe. Tá?

Mauritônio Meira (passan-

do pela nossa redação e

não encontrando o Néry)

- "Compromissos profis-

sionais, de grande porte,

que acabo de assumir, me

impedem de continuar a

fazer a "Koluna

Aberta",

semanalmente, para o nos-

so POLITIKA, cujo cresci-

mento é orgulho para to-

dos nós. Isto não impedirá

que eu compareça, de vez

em quando, colaborando.

Fica pois o abraço e o

compromisso do M.M.".

— Lá é a obrigação, Mauri-

tônio; aqui, a devoção. Ve-

nha contrito, ainda quemenos vezes.

Arthur Porfírio (Niterói)

"Não esmoreçam, não

desanimem, não fujam".

Que é que é isso, Ar-

thur? A euforia é cada vez

mais contagiante, mas não

fulminante. O nosso esfor-

ço vai sendo recompen-

sado inclusive pela pene-

tração, que nos anima, nos

meios universitários. Mes-

tres da Cândido Mendes,

da Universidade de Minas

Gerais, da Universidade de

São Paulo, do CEAS (o

mais importante centro de

pesquisas sociais da Igreja,

no Brasil). Depois, fugir de

quê? -E, se tiver de que,

para onde?

Bernardino Santos (Vitó-

ria)-"Que é feito, no

momento, do grande Pru-

dente de Moraes Neto que

vocês nos devolveram nu-

ma soberba entrevista?"

— Do velho Prudente nun-

ca foi feito nada. Agora,

ele continua a fazer muitas

coisas. Continua escreven-

do para "O

Estado de São

Paulo" e como o "Esta-

dão" é muito lerdo na pu-blicação de seus artigos,

ele mergulhou num amplo

ensaio sobre Teoria do Co-

nhecimento. O melhor

crítico de romance que es-

te país já teve, deixou a

crítica de lado quando per-

cebeu e proclamou que o

romance estava morto.

Quando, para desmenti-lo,

começaram a citar bons ro-

mances que continuavam a

aparecer. Prudente respon-

deu: "Isto

não quer dizer

nada. Mesmo depois de

mortos, nossas unhas e a

barba continuam a crescer.

Esses romances que estão

aparecendo sâo a barba do

morto. Mas o romance, cq-

mo gênero literário, já é

defunto". Não deu outra

coisa.

- João Romano Dutra

(Salvador) - "Vocês,

sem-

pre que podem, metem a

ripa no Antônio Carlos

Magalhães. Mas, pó. Se vo-

cês fizerem uma análise

isenta verão que o governa-

dor aqui da Boa Terra é

um dos poucos políticos

que foi imposto por pos-

suir liderança popular pró-

pria. Venham à Bahia e ve-

iam".

- Meter a ripa no Antônio

Carlos Magalhães, não é

verdade. Não é o estilo do

POLITIKA. Você tem ra-

zão quanto à liderança po-

pular. A Bahia se esvaziou

muito, depois de 1964. Ti-

nha que cair tudo no pra-

to, sempre à mesa, do An-

tônio Carlos. Mas o gover-

nador de vocês, pô, com

toda a liderança própria

que possui comporta-se co-

mo se fosse mero delega-

do. Ele que subiu graças à

política, renega a política.

E de vez em quando, es-

cor rega. Como político

que chega ao poder em

função de seu prestígio po-lítico, nós admiramos o

Antônio Carlos. Mas esta-

mos a espera de que ele de-

sempenhe o seu papel. Que

é político. Na idade dele,

descobrir outra vocação,

não leva a nada. Você, queé Romano, pode gostardessa versão do Antônio

Carlos. Nós, positivamen-te, estamos com saudades

do Antônio Carlos da ban-

da de música.

Haroldo Buarque Neves

(Terezína) — "Até agora

não recebi nenhum exem-

plar".

Espera, homem, que es-

tamos apenas resolvendo

alguns problemas burocrá-

ticos, junto aos Correios.

Syllene Almeida (Rio) -"Por

que foram interrom-

pidas as reportagens-con-

fissões do Murilo Marro-

quim? "

Ué! Foram interrompi-

das porque ele se mandou

para Olinda e para os seus

canaviais e nos deixou a

ver navios. Agora, de férias

gozadas, o Murilo já com-

pareceu com seu trabalho

para o próximo número.

Voltou tinindo. Aguarde.

Page 24: Rio- Cr$ 2,00 MS 16

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