rio pardo 200 anos

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Estudo sobre a história de Rio Pardo RS

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  • Uma luz para a histria

    do Rio Grande

    Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Santa Cruz do Sul Rio Grande do Sul Brasil

    2010

    Olgrio Paulo Vogt Maria Rosilane Zoch Romero (Organizadores)

    Incentivadores

    Apoio cultural Proponente cultural

  • Coordenao editorial e organizao: Maria Rosilane Zoch RomeroCoordenao histrica e organizao: Olgrio VogtSuperviso geral: Romeu Incio NeumannTextos: Olgrio Vogt, Maria Rosilane Zoch Romero, Jos Augusto Borowsky, Guido Ernani Kuhn, Elemir Polese, Lus Fernando Ferreira, Otto Tesche,

    Cristina Severgnini, Dejair Machado

    Pesquisadores: Melina Perussatto, Fbia Behling, Rafael Brito ViannaDesign e projeto grfico: Paulo Cesar MeinhardtEdio de fotografia, arte-final e superviso grfica: Mrcio Oliveira MachadoCapa (antiga Escola Militar, hoje Centro Regional de Cultura), mapas e ilustraes: Fernando BarrosReviso: Lus Fernando FerreiraProduo executiva cultural: Edemilson Cunha Severo Coordenao cultural: Nvio StefainskiImpresso e acabamento: Grfica e Editora Coan Tubaro SCProponente cultural: Editora Gazeta Santa Cruz Ltda.Apoio: Ministrio da Cultura Lei de Incentivo Cultura Lei Rouanet Pronac 085735

    Patrocnio: Souza Cruz S. A.

    CRM - Companhia Riograndense de Minerao

    Caixa Estadual S. A. - Agncia de Fomento RS

    BANRISUL S/A Corretora de Valores Mobilirios e Cmbio

    Copyright 2010

    Todos os direitos da publicao reservados. A reproduo total ou parcial de

    textos ou de fotos deste livro depende de autorizao expressa, por escrito,

    da direo da Editora Gazeta Santa Cruz.

    Santa Cruz do Sul Rio Grande do Sul Brasil 2010

    Ficha Tcnica

    Uma luz para a histria do Rio Grande: Rio Pardo 200 anos: cultura, arte e memria / Org. Olgrio Paulo Vogt; Maria Rosilane Zoch Romero. Santa Cruz do Sul: Editora Gazeta Santa Cruz, 2010.208 p. : il.

    ISBNBibliografia

    1. Rio Pardo (RS) Histria. 2. Rio Grande do Sul Histria. I. Vogt, Olgrio Paulo; Romero, Maria Rosilane Zoch.

    Catalogao : Bibliotecria Edi Focking CRB-10/1197

    L979

    CDD : 981.65

  • 3Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Sumrio4 Introduo 6 Os primeiros habitantes 20 Disputas pelo territrio 32 A vida urbana 52 A organizao poltica 66 Rio Pardo, me de muitos 80 Guerras civis abalam o Rio Grande 104 A Rio Pardo dos militares 116 A escravido e suas marcas 136 A atividade criatria 148 Os rios e as ferrovias 158 Projetos colonizatrios 172 Culturas ao longo do tempo 180 A religiosidade 202 Referncias

  • Introduopresente livro o resultado de um projeto proposto pela Editora Gazeta Santa Cruz Ltda., em parceria com o Departamento de Histria e Geografia da Universidade de Santa Cruz do Sul, desenvolvido a partir de outubro de

    2008, e que teve como objetivos comemorar a passagem do bicentenrio de elevao de Rio Pardo condio de municpio e responder s questes fundamentais sobre a formao socioeconmica e cultural do Estado.

    Um dos quatro municpios iniciais do Rio Grande do Sul,

    Rio Pardo foi criado, com Rio Grande, Porto Alegre e Santo Antnio da Patrulha, pela Proviso de 7 de outubro de 1809. A instalao, no entanto, ocorreria somente dois anos e meio depois, em 20 de maio de 1811. J a sua elevao condio de cidade se daria aps o trmino da Revoluo Farroupilha, ou seja, em 31 de maro de 1846.

    Ao contar a histria desses 200 anos, o livro aborda

    aspectos e acontecimentos de Rio Pardo e do Rio Grande do Sul. O trabalho se iniciou enfocando os primeiros ha-bitantes do territrio, que foram ndios de diferentes tra-dies. Passou pela funo militar estratgica que coube localidade e tratou da conquista militar e a apropriao das terras na Fronteira de Rio Pardo; pela evoluo pol-tica e administrativa e pelas lutas polticas ocorridas no municpio e no Rio Grande do Sul; pelo desenvolvimento econmico de Rio Pardo e regio; por um olhar sobre a fragmentao do territrio primitivo de Rio Pardo em centenas de municipalidades; por aspectos urbanos e do cotidiano da vila e da cidade no passado; pela escravido e pela resistncia ao trabalho compulsrio dos traba-lhadores feitorizados; pelos projetos colonizatrios com imigrantes europeus ocorridos na regio; pelos mltiplos aspectos religiosos que caracterizam a populao rio-pardense; pela representao de Rio Pardo na literatura, por espaos culturais existentes e por rio-pardenses que se destacaram no mundo das cincias, letras e artes; por

    alguns lugares que marcaram a vida da sua gente; por algumas personagens nascidas, ou que viveram parte de suas vidas no municpio, e que deixaram marcadas suas trajetrias. Finalmente, trata de alguns saberes e fazeres da populao de ontem e de hoje da bicentenria Rio Pardo.

    Em termos de recursos humanos e financeiros, esse foi

    o projeto especial mais arrojado e de maior envergadura j desenvolvido pela Editora Gazeta, pois contou com o envolvimento de mais de 40 profissionais na sua produo, com a realizao de mais de 200 entrevistas e 2.100 regis-tros fotogrficos, com cerca de 40 municpios visitados e 14.000 km percorridos.

    O livro tem como meta se constituir em material

    didtico-pedaggico. Espera-se que ele possa contribuir, com a indispensvel mediao do professor, para que alunos consigam construir e reelaborar conhecimentos em sala de aula a partir da sua utilizao. Nesse sentido, acreditamos que tenhamos contribudo para minorar a carncia de material didtico sobre o municpio, a regio e o Estado.

    Esta obra tem tambm o escopo de colaborar com

    o conhecimento acerca da histria local e regional. Na historiografia brasileira, a histria local se caracteriza por ocupar um espao marginal e por ser escrita, quase sempre, por pesquisadores diletantes. Os textos aqui veiculados, alm da autoria dos coordenadores deste trabalho, so tambm produo de um grupo de jor-nalistas abnegados que integram o corpo funcional do jornal Gazeta do Sul, pertencente Gazeta Grupo de Comunicaes. Embora o foco seja Rio Pardo e o seu entorno, fatos significativos da histria rio-grandense so aqui analisados, uma vez que a histria local est imbricada com a regional em diferentes escalas. Da a razo do ttulo Uma luz para a histria do Rio Grande Rio Pardo 200 anos cultura, arte e memria.

    O

    4

  • 5Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Para desenvolver este trabalho, recorremos a uma vasta bibliografia. Fontes primrias foram consultadas em arquivos histricos, museus e centros de documentao. Inestimveis nos foram, tambm, as contribuies repassa-das por pesquisadores universitrios e por pesquisadores diletantes. A todos que colaboraram com nossa equipe de trabalho cedendo fotografias, documentos, depoimen-tos ou indicando pistas, a nossa gratido. Deixamos de nome-los individualmente porque a lista seria grande e, fatalmente, cometeramos a injustia de omitir o nome de um ou de outro. Que se sintam homenageados nas pessoas de Jos Ernesto Wunderlich (seu Nanati) e de Ciro Saraiva, que sempre se mostraram solcitos e foram incansveis em colaborar com nossa equipe.

    Agradecemos tambm ao Ministrio da Cultura do

    Brasil (MinC) que, por meio da Lei de Incentivo Cultura Rouanet, acolheu a proposio cultural da Editora Gazeta. Permitiu, dessa forma, a produo de conhecimento a partir da histria e da memria coletiva, ultrapassando as fronteiras acadmicas e abrindo novas possibilidades de compreenso da realidade. Destacamos, ainda, a indis-pensvel contribuio de nossos incentivadores culturais, que tornaram possvel a concretizao desta obra.

    Como todo e qualquer trabalho histrico, este tambm

    se constitui de verses sobre o passado. No temos a pre-tenso de esgotar os temas, muito menos a de escrever a histria de Rio Pardo. Sem deixar de lado atores contados pela historiografia tradicional, temos a inteno de trazer

    tona os ignorados ou completamente desconhecidos. Ao lado das batalhas heroicas e das enaltecidas conquistas militares ocorridas na fronteira de Rio Pardo, queremos colocar os ndios, esses expropriados esquecidos. Na pujante Rio Pardo comercial do sculo XIX, aspiramos enfatizar o trabalho realizado pelos cativos africanos e a sua luta contra a escravido. Evidentemente, a escolha dos temas que integram o livro e a interpretao dada a determinados fatos expressam uma teoria e um conjunto de conceitos dos coordenadores do projeto. Mais do que esgotar qualquer tema, almejamos levantar uma srie de questes que possam ser alvo de pesquisas em futuro bastante prximo.

    Esperamos que, com esse trabalho, leitores no espe-

    cializados na cincia histrica, pesquisadores, professores e alunos, sintam-se desafiados a buscar novas leituras e conhecimentos sobre o Rio Grande do Sul e a fazer cone-xes e reflexes entre esse passado e a realidade presente do municpio e do Estado.

    Os organizadores

    5

  • 6 Uma luz para a histria do Rio Grande

    Onde tudo comeou

    OS PRIMEIROS hABITAnTES

    A origem do planeta Terra remonta a aproximadamente 4,5 bilhes de anos. H cerca de 3 bilhes de anos apareceu a vida, com o surgimento das bactrias primitivas.

    A formao do planeta se deu ao longo de milhes de anos. Nesse tempo, significativas mudanas ambientais e climticas ocorreram. Foi apenas h cerca de 6 mil anos que o clima na Terra se estabilizou, tornando-se bastante parecido com o atual. Havia muito a era dos enormes rpteis terrestres os cinodontes, dicinodontes, tecodontes e rincossauros havia ficado para trs.

    Erika Collishonn, professora de Geografia da Universidade Federal de Pelotas, explica que, em termos de transformaes do relevo do Rio Grande do Sul, acredita-se que as ltimas ativaes tectnicas significativas tenham ocorrido h cerca de 70 milhes de anos. A nica superfcie que se formou posteriormente, em virtude das regresses e transgresses marinhas, foi a Plancie Litornea e suas lagunas. Essas transgresses e regresses esto relacionadas s grandes glaciaes que ocorreram no Pleistoceno (poca compreendida entre 1 milho e 800 mil e 11 mil e 500 anos atrs). Assim, somente a partir de 6.000 anos antes do presente que as caractersticas geogrficas gerais do territrio sul-rio-grandense se apresentam com uma fisionomia semelhante atual. Mesmo assim, a professora chama a ateno que oscilaes climticas entre perodos mais quentes e midos (6.000 a 4.000 antes do presente A.P.) e outros mais secos (4.000 a 2.000 A.P.) continuaram a ocorrer. O clima se estabilizou e ficou mais semelhante ao atual h cerca de 2.000 anos.

    A origem da Terra, h 4,5 bilhes de anos, e do gnero Homo; a chegada do homem ao continente americano; os grupamentos indgenas que ocuparam o Rio Grande do Sul h pelo menos 12 mil anos.

    O aparecimento do homem na TerraA histria trata de toda a jornada do homem ao longo de sua existncia. O historiador Jorge Eiroa, da Universidade de Mrcia, Espanha, explica que o homem, como gnero homo, surgiu somente entre 2 e 1,5 milhes de anos. Trata-se do Homo erectus, que se desenvolveu at cerca de 100.000 anos antes do presente e se expandiu por todo o Velho Mundo, adotando diversas variantes formais que s afetaram partes secundrias de sua estrutura ssea. Atualmente, h a tendncia de denominar Homo ergaster aos erectus da frica, reservando o termo erectus para os asiticos do tipo Java.A histria dos antecedentes do gnero homo, os australopitecos (homindeos), remonta a 6 ou 7 milhes de anos. O exemplar mais antigo desse gnero o Sahelanthropus chadensis (Toumai, o Velho homem de Chade). Seus restos foram descobertos em 1998 por Michel Brunet, da Universidade de Poitiers, e por David Pelbean, no deserto setentrional do Chade. Brunet acredita ser esse o possvel ancestral dos homindeos posteriores. Em 2005/07, foram descobertos novos restos de Toumai.

  • 7Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Devido intensa e bem distribuda pluviosi-dade ao longo do ano, o Rio Grande do Sul tem farta rede

    hidrogrfica. Alm da enormidade de rios e riachos, possui igual-mente um grande nmero de lagos e lagunas costeiras.

    A vegetao natural depende, basicamente, das caractersticas do solo e do clima. Antigamente, pelo menos metade do territrio era coberta por campos. Os campos se dividiam em campinas e campos do planalto. As campinas so os campos limpos, que cobriam prati-camente toda a metade sul e oeste do territrio. Integram um conjun-to maior de campos que tambm abrange o territrio do Uruguai e parte da Argentina, chamado de Pampa. Essas campinas foram essenciais para o desenvolvimento

    do gado chimarro. Os campos do planalto, tambm chamados de campos sujos por apresen-tarem arbustos misturados s gramneas, aparecem no nordeste do Estado. Sua pastagem infe-rior das campinas.

    Originariamente, encontrava-se no Estado dois tipos de flores-tas: a mata subtropical e a mata dos pinhais. A subtropical ocu-pava a encosta do planalto, o alto vale do Rio Uruguai e a encosta nordeste, onde aparecia como uma continuao da Mata Atln-tica. Possua muitas rvores de madeira de lei com grande valor econmico. J a mata dos pinhais se situava no planalto, no norte e nordeste. Juntamente com os pinhais aparecia a erva-mate. Es-sas duas rvores foram essenciais para a vida dos primeiros habi-tantes do Rio Grande do Sul.

    RS j foi habitado por dinossaurosCampos e matas Atlntica e subtropical cobriam o territrio gacho

    O que j foi encontradoO Vale do Rio Pardo uma das regies que preserva mais fsseis de dinossauros no Rio Grande do Sul. Candelria tem o maior nmero de afloramentos. Um deles o Guaibasaurus candelariensis, conforme a paleontloga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Marina Bento Soares. Os fsseis mais antigos do Vale do Rio Pardo, segundo ela, so do perodo trissico 245 a 205 milhes de anos atrs. A idade dos fsseis da regio pode ser estipulada em 225 a 220 milhes de anos. Em Santa Cruz do Sul e Venncio Aires foram descobertas ossadas de animais que viveram no trissico mdio 245 a 228 milhes de anos. Tambm importante ressaltar a presena do nico fitossauro da Amrica do Sul, encontrado em Candelria. Alm desses, ocorrem na regio dicinodontes, rincossauros e tecodontes, diz Marina. Dentre os herbvoros, os animais mais comuns eram os dicinodontes (di = dois; cynos = co; odontos = dentes), que alcanavam quatro metros de comprimento por 1,70 metro de altura. Tambm foram encontrados rincossauros que podiam medir mais de trs metros e 90 centmetros de altura e cinodontes traversodontdeos, que mediam um metro de comprimento por 50 centmetros de altura. Entre os carnvoros os maiores foram os tecodontianos, com seis metros de comprimento e 1,70 metro de altura. Segundo os paleontlogos, nessa regio chamada de Depresso Central que ficaram as rochas do perodo trissico, quando todos os continentes estavam reunidos em uma massa de terras denominada Pangea.

    Guaibasaurus candelariensis

  • 8 Uma luz para a histria do Rio Grande

    Hiptese ainda predominante aponta que os primeiros homens entraram pelo Estreito de Bering, no Hemisfrio Norte

    O homem chega na Amrica

    Mais de dois mil anos j se passaram. Estamos na chamada Era Crist. Mas foi muito antes disso, entre 12 e 11 mil anos atrs, que os primeiros seres humanos comearam a habitar os campos e encostas do atual Estado do Rio Grande do Sul. Os grupos pioneiros, constitudos de caadores-coletores, possivelmente vieram migrados da Patagnia, territrio situado no Sul da Argentina.

    Esses antigos povos desconheciam a agricultura. Como sobreviviam? Da caa, da coleta e da pesca. No entanto, suas atividades para obteno de alimento eram dependentes da oferta existente no ambiente. O professor Srgio Klamt, da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), defende a ideia de que a horticultura (agricultura em pequena escala) foi praticada em tempos bem mais recentes, ou seja, comeou a ser cultivada somente com o ingresso dos guaranis e dos gs no Estado. Por isso, e para entender melhor, vamos analisar como se deu a ocupao do Vale do Rio Pardo.

    Quem pisou primeiro no RS

    Ainda que atualmente vrios investigadores proponham outras vias

    de entrada do homem na Amrica, at agora a mais segura e defendida a passagem pelo Estreito de Bering, entre a Sibria e o Alasca.

    O professor Jorge Eiroa explica que a passagem de seres humanos j plenamente formados deve ter ocorrido em diversas ocasies, em pequenos grupos e em levas sucessivas. A passagem da Sibria para o Alasca deve ter se dado em fases de avanos glaciares, quando o nvel da gua dos oceanos baixou por causa da grande quantidade de gua retida na forma de gelo nas calotas polares do planeta. As primeiras passagens devem ter ocorrido entre 40 e 45 mil anos atrs. Passados alguns milnios, seres humanos poderiam ser encontrados em diferentes pontos das trs Amricas.

    Escavaes feitas na Amrica do Sul tm proporcionado dataes bastante antigas para a presena de grupos humanos. o caso da Cueva Fell, na Patagnia argentina (12.000 a. C.), com pontas de cola de pescado, ou as de outros jazigos na Argentina, Colmbia e Peru (anteriores a 14.000 a. C.). Monte Verde, no sul do Chile, foi um povoado de caadores-coletores cujos indcios datam de 12.000 a. C. Perto dali foi encontrado outro jazigo que pode ter uma cronologia anterior, de at 30.000 a. C.; no noroeste do Brasil, os achados de Pedra Furada datam de 30.000 a. C. e os mais recentes, de Toca da Esperana, devem ser ainda anteriores.

    Essas cronologias sul-americanas sugerem que, se aceitarmos a direo Norte-Sul para a penetrao humana no continente americano, ela deve ter se realizado h pelo menos 40.000 anos. Entretanto, o tema no est esgotado e os estudiosos no descartam outras possibilidades, surgidas a partir de novas pesquisas e de dados arqueolgicos seguros.

    Possveis correntes migratrias do homem para a Amrica

  • 9Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Artefatos

    Nos sculos XVI e XVII, quando se deram os primeiros con-tatos do homem de origem europeia com a terra e a gente aqui j estabelecida,

    todo o Rio Grande do Sul era habitado por indgenas. O padre jesuta e arque-logo Pedro Igncio Schmitz, da Unisinos, estima que poderiam ter vivido, ao todo, cerca de 80 mil ndios no atual territrio do Estado. Esses indgenas, alm de possurem lngua e cultura diferentes, tambm ocupavam espaos distintos. Os povos guaranis ou os guaranizados aqueles que tinham adotado a cultura guarani eram amplamente predo-minantes. Correspondiam, segundo clculos do padre Schmitz, a cerca de 90% do total de indgenas existentes. Mas tambm havia outros grupos. Os gs, por exemplo, representariam cerca de 6% e os pampeanos, grupo minorit-rio, os restantes 4%. Isso significa que os nativos da cultura guarani constituam a grande maioria.

    O Vale do Rio Pardo favoreceu a ocupao humana desde um passado

    remoto. Com reas de campo ao Sul e as encostas do Planalto ao Norte, a regio est situada num espao de transio. Com base nas dataes conseguidas por pesquisas feitas pelo Centro de Ensino e Pesquisas Arque-olgicas (Cepa) da Unisc, possvel afirmar que grupos caadores-coleto-res (denominados por especialistas de tradio umbu) povoaram a rea desde pelo menos 1.000 anos antes de Cristo. O arquelogo Srgio Klamt, no entanto, acredita que a ocupao seja bem mais antiga: Esperamos que com o avano das pesquisas e com o desenvolvimen-to das tecnologias possamos, no futuro, comprovar que essa ocupao bem anterior datao obtida atravs do exame com Carbono 14.

    Os primeiros grupos eram nmades e se instalaram em locais mais elevados, nas proximidades de arroios e riachos, especialmente nas coxilhas e costas planas de morros. Deixaram registrada sua arte com inscries e desenhos em blocos rochosos, chamados de petrgli-fos. Klamt: ocupao deve ser anterior a 1.000 a.C.

    Culturas indgenasEstimativa de que, apenas no Rio Grande do Sul, havia perto de 80 mil ndios

    testemunha da produo cultural dos indgenas uma srie de instrumentos de pedra como percussores, raspadores, talhadores, bolas de boleadeira e pontas-de-flecha. Klamt explica que o arsenal de artefatos fabricados pelos grupos pioneiros provavelmente era bem mais rico e representativo, pois ferramentas simples confeccionadas a partir de lascas de madeira, ossos, dentes e chifres de animais raramente sobrevivem ao do tempo. Embora no sejam encontrados com frequncia nas escavaes de stios, devem ter sido bastante utilizados.

    Bolas de boleadeira

    Pontas-de-flechas

    INO

    R/A

    G. A

    SSM

    AN

    N

    Fonte: Acervo do Cepa/Unisc

  • 10 Uma luz para a histria do Rio Grande

    Na poca do descobrimento do Brasil o Vale do Rio Pardo era povoado, ma-joritariamente, por tribos da tradio tupi-guarani. Elas tinham as suas al-deias de preferncia nos vales dos rios,

    sobretudo nas margens do Jacu e do Rio Pardo. No Rio Grande do Sul, os guaranis receberam diversas denominaes. No litoral foram chamados de carijs; nas proximidades da Laguna dos Patos receberam o nome de arachanes; e nos vales dos rios Jacu e Taquari foram alcunhados de tapes.

    Os guaranis so de origem amaznica, portanto provenientes de reas florestais. Penetraram em territrio gacho por volta do ano 100 da nossa era. Klamt explica que, com o poder de suas armas lanas, tacapes, arcos e flechas somado ao seu esprito guerreiro, conquistaram terras ocupadas por povos indgenas de outras tradies.

    Eram ceramistas-horticultores. Isto , alm da caa, da pesca e da coleta, produziam alimentos cultivados em pequenos roados de terras frteis. Dentre outros cultivares obtinham o tabaco, o milho, a mandioca, a abbora, o algodo, o amendoim e o porongo.

    Os homens caavam, pescavam, guerreavam e faziam a derrubada do mato para abrir clareiras onde eram implanta-das as hortas. As mulheres teciam,confeccionavam cermica e seresponsabilizavam pela atividade agrcola.

    Normalmente, as aldeias guaranis ficavamlocalizadas nas proximidades de um cursodgua e no meio de uma mata ciliar. Aps alguns pares de anos, quando os vveres necessrios sobrevivncia do grupo escas-seavam, os indgenas se deslocavam para outra rea.

    Os guaranis foram tambm considerados exmios canoeiros. Faziam suas embarcaes escavando robustos troncos de rvores. Utilizando ca-nudos de taquara, bebiam uma infuso de erva-mate com gua que era servida em pequenos porongos. Desse hbito deve ter se originado o chimarro.

    Em um perodo bem mais recente 600 ou 500 anos atrs , insta-laram-se pelo Vale do Rio Pardo. Da sua cultura material foram encon-trados machados de pedra polida, cachimbos e uma grande varie-dade de vasilhas de cermica.

    Povo penetra no territrio gacho por volta do ano 100

    A chegadados guaranis

    Urnasfunerrias:

    testemunho da produo cultural dos

    guaranis

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    Cachimbos de barro

    ndios guaranis

    Fonte: Cepa/Unisc

  • 11Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria Cultura incipienteOs gs eram caadores, coletores, pescadores e praticavam uma horticultura bem mais incipiente do que a dos guaranis. Sua cermica, quando comparada com a guarani, era menos resistente e feita de vasilhas de formato menor.

    Os gs so hoje os caingangues

    Para os colonizadores, esses indgenas eram os bugres

    Charruas, minuanos ou pampeanos

    No Planalto e no Nordeste do Estado se localizavam os gs, denominados de coroados ou botocudos. Os caingangues so seus atuais descendentes. Os colonizadores

    das reas florestais do Rio Grande do Sul os identificaram, posteriormente, como bugres.

    Os gs chegaram ao Estado mais ou menos na mesma poca dos guaranis. Migraram, possivelmente, da regio Central do Brasil. Eles deixaram sua arquitetura caracterstica as casas subterrneas. Eram casas de formato circular ou elptico escavadas no solo, que possuam uma cobertura formada de ramos de rvores, palha e barro, sustentada por um esteio central e outros radiais. Exemplares foram encontrados nos municpios de Passa Sete, Sinimbu e Herveiras.

    Os grupos gs se mostraram bem mais refratrios do que os pampeanos e os guaranis ao contato com os brancos. No sculo XIX e incio do sculo XX, foram perseguidos pelos governantes e pelas empresas colonizadoras, interessados na usurpao e ocupao de suas terras com imigrantes

    e descendentes de imigrantes europeus, notadamente alemes e italianos. Parcela dos caingangues aquela que no foi exterminada ou incorporada ao estilo de vida dos conquistadores foi confinada s reservas indgenas ainda hoje existentes no Estado, sobretudo no Alto Uruguai.

    Perseguidos pelos governantes

    Os ancestrais dos pampeanos esto no Estado desde h pelo menos12 mil anos. Localizavam-se predominantemente nas reas de campo do Uruguai, da Argentina e do Sul e do Sudoeste do atual Rio Grande do Sul, mas ocupando em menor escala outras reas do Estado. Eram caadores, pescadores e coletores. Teriam se instalado na regio do Vale do Rio Pardo h pelo menos 1.000 anos a.C. No sculo XVIII, quando se intensificaram os contatos entre brancos e ndios, seu nmero possivelmenteno ultrapassava a casa de dois mil indivduos.

    Com a chegada dos portugueses e espanhis, tornaram-se exmios cavaleiros. Fizeram alianas com os colonizadores ibricos e participaram nas guerras de fronteira aliando-se parte aos portugueses, parte aos espanhis. Os ndios do campo desapareceram do cenrio, enquanto povo, durante o incio do sculo XIX. Os que no morreram em combates se empregaram como pees nas estncias de criao de gado e acabaram se miscigenando com o homem da fronteira, contribuindo na formao do chamado pelo duro.

    Diferentemente do que se acredita, uma cultura indgena no desapareceu, necessariamente, com o surgimento ou ocupao da mesma regio por um outro grupo. Srgio Klamt explica que diferentes grupos viviam em diferentes locais ao mesmo tempo. Assim, importante frisar que, no atual espao geogrfico do Vale do Rio Pardo, grupos de caadores-coletores conviveram com os ceramistas-horticultores, cada um em um territrio especfico. O professor defende que, certamente, houve contatos entre os grupos. Esses contatos se davam por meio do comrcio, atravs de enfrentamentos em guerras, da incorporao de indivduos ou de outras formas de troca. Todos os indicadores que temos para a regio demonstram que houve situaes de convivncia. Como ela ocorreu, se foi conflituosa ou no, se houve elementos incorporados por outro grupo, tudo isso no sabemos com certeza.

    Os contatos dediferentes grupos

    Casa subterrnea

  • 12 Uma luz para a histria do Rio Grande

    Em 1494, Portugal e Espanha firmaram a Capitulao da Partio do Mar Oceano, mais conhecida por Tratado de Tordesilhas.

    De acordo com o Tratado, um meridiano, traado de polo a polo a 370 lguas a oeste das ilhas do Cabo Verde, dividiria as terras e mares situados no Oceano Atlntico entre as duas coroas ibricas. Embora essa linha divisria nunca tivesse sido demarcada, a posio mais aceitvel que ela passaria, nos seus dois pontos extremos do atual territrio brasileiro, nas proximidades de Belm (Par) e Laguna (Santa Catarina).

    Assim, toda as atuais terras sul-rio-grandenses pertenciam, inicialmente, Espanha. No princpio, as terras do Rio Grande do Sul no atraram o interesse dos portugueses e dos espanhis. Aqui, aparentemente, no havia metais preciosos. O meio foi igualmente considerado imprprio para a produo comercial da cana-de-acar ou de outro produto tropical que pudesse render grandes lucros. Tambm no havia uma populao organizada com quem os europeus pudessem entabular um comrcio altamente lucrativo. Alm disso, o litoral carecia de um porto natural para as embarcaes.

    No incio do sculo XVII, a parte da Amrica que em tese pertencia Espanha era enorme. Os espanhis, definitivamente, no tinham condies materiais nem contingentes humanos suficientes para ocupar e guarnecer todo esse territrio. Com a finalidade de assegurar a posse de vastas regies, os espanhis se valeram de nativos.

    Para tanto, encarregaram padres da Companhia de Jesus de reunir ndios guaranis em redues, misses ou pueblos. As Misses Jesuticas, portanto, alm de seu carter evangelizador, cumpriam tambm uma clara finalidade poltica. Eles, os jesutas, vieram de diferentes nacionalidades para trabalhar no Rio Grande do Sul. Mas foi sob a bandeira da Espanha que os padres se estabeleceram na ento chamada Provncia do Tape, nome escolhido em funo dos nativos que ali viviam.

    Foram duas as fases missioneiras no Rio Grande do Sul. A primeira entre 1626 e 1641, quando foram fundadas 18 redues, conforme se pode verificar no mapa. A segunda se estendeu de 1682 a 1768, quando foram formados os Sete Povos das Misses.

    Espanha domina o ContinenteTratado de Tordesilhas, de 1494, dividia terras e mares entre dois reinos

    As 18 reduesMisses Jesuticas

    REDUO AnO

    So Nicolau 1626 Candelria do Ibicuhi 1627Caaro 1628Assuno 1628Candelria do Piratini 1628Mrtires 1629So Carlos 1631Jesus Maria 1632Santa Tereza 1632So Tom 1632So Miguel 1632Natividade de Nossa Senhora 1633Santa Ana 1633So Joaquim 1633Apstolos 1633So Jos 1634So Cristvo 1634So Cosme e Damio 1634

    Fonte: Porto (1954); Jaeger (1939)

    LOPO HOMEM REINS/1519/PORTUGLIA MONUMENTA CARTOGRFICA

  • 13Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Herosmo

    Depois de terem suas Misses devastadas pelos bandeirantes em Guair, a oeste do atual Estado do Paran, e

    Itatins, onde hoje o Mato Grosso do Sul, padres jesutas se empenharam em estabelecer uma srie de redues no Rio Grande do Sul. O processo comeou em 1626, com a fundao de So Nicolau pelo padre Roque Gonzles de Santa Cruz, e prosseguiu com a criao de outras 17. No Vale do Rio Pardo, foram estabelecidas as mais avanadas redues a leste que os jesutas constituram em solo rio-grandense: Jesus Maria, So Joaquim e So Cristvo. Possivelmente, a inteno dos evangelizadores foi de ocupar o territrio, at atingir o litoral.

    Redues na regioJesutas estabeleceram trs Misses indgenas onde hoje fica o Vale do Rio Pardo

    Foi a ltima das redues a ser criada, em19 de fevereiro de 1634. Foi fundada pelo padre Agostinho Contreras aps a confluncia dos rios Pardinho e Pardo, na margem direita desse ltimo rio. Apesar de ter durado apenas dois anos, ali os padres e os guaranis cristianizados iniciaram o plantio de roas e a criao de gado. A reduo tambm contava com uma linda igreja toda caiada pintada com gua de cal e a casa dos procos. Foi a que mais prosperou e chegou a ter 2.300 ndios aldeados.

    A reduo se localizava na margem direita do Rio Pardo, hoje municpio de Candelria. Foi fundada em 1632 e teve como cura o padre Pedro Mola. Os ndios da reduo exploravam a erva-mate, cultivavam milho e trigo e iniciaram a criao de vacas, ovelhas e porcos. Foi a mais importante reduo da regio. Porto registrou que ela tinha por matrcula, com chcaras, mais de 1.600 ndios e uma capela com cobertura de palha e paredes de taipa. Quatro anos depois foi destruda pelos bandeirantes.

    Foi erigida em 1633 pelo padre Juan Suarez. Ficava na Serra do Botucara, nas pontas do Rio Pardo, cercada de ervais nativos. Comunicava-se com Jesus Maria por um pique. O aldeamento chegou a congregar mais de mil famlias catequizadas. Alm de uma pequena capela, em So Joaquim tambm foi erguida uma modesta casa para o proco. Como ali no havia lugar apropriado, no foi feita a criao de gado. No entanto, conforme Aurlio Porto, havia na reduo algumas cabeas para o atendimento das necessidades dos habitantes do povoado.

    Jesus Maria

    So Joaquim

    So Cristvo

    A historiografia tradicional brasileira enaltece o herosmo dos bandeirantes paulistas. A eles creditada uma srie de epopeias e feitos patriticos. Os bandeirantes so enaltecidos por terem feito avanar o domnio portugus alm do meridiano de Tordesilhas e terem descoberto metais preciosos na regio das Gerais. no por um mero acaso que a sede do governo de So Paulo o Palcio dos Bandeirantes. Em todo o Estado, possvel encontrar inmeras obras e monumentos que homenageiam as bandeiras.Foram esses mesmos heris paulistas que, com sua belicosidade, escravizaram e destruram impiedosamente populaes de cultura diferente, a indgena. Ou seja, mocinhos para uns, bandidos para outros. Depende do lado em que o observador se coloca.

    RIO PARDO

    S. Ana

    S.Jos

    Candelria do Ibicuhi

    S.Thom

    Natividade

    Caaro

    Apstolos S.Carlos

    S.Miguel

    Assuno

    Candelria do Piratini

    Mrtires

    S. Cosme e S. Damio

    Fon

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    4)

    S.Thereza

    S.Joaquim

    Jesus Maria

    S.Cristvo

    S.Nicolau

  • 14 Uma luz para a histria do Rio Grande

    Em 1636 Antnio Raposo Tavares, mais 120 paulistas, includos dois padres e cerca de mil ndios tupis, atacaram as redues da margem direita do Rio Pardo. De

    acordo com o historiador Aurlio Porto, os bandeirantes vinham fortemente armados de mosquetes e arcabuzes. As redues foram tomadas e saqueadas e os ndios, aprisionados. Os que conseguiram fugir voltaram sua situao original. No caminho a bandeira foi engrossada por mais algumas centenas de indgenas, adversrios dos jesutas e de sua obra. O assalto s redues se iniciou pela de Jesus Maria, em 2 de dezembro de 1636. Para defend-la, foram erguidas paliadas com valadas e taipa ao seu redor. O pedido de auxlio dos jesutas s autoridades de Buenos Aires e Assuno foi negado.

    Emig. Guarani do Tape e Uruguai

    Emig. Guarani do Itatns

    Combate de Mboror

    Manuel Preto/Raposo Tavares

    Antnio Pires/ Raposo Tavares

    Raposo TavaresAndr Fernandes

    Fernando Dias Paes

    Manuel Pires

    Ascencio Quadros

    Francisco Pedroso Xavier

    Emig. Guarani desde Guair

    Combate de Caazapamin

    UrUgUai

    ARGENTINArS

    SC

    Pr

    Ataques dos bandeirantes

    Investida bandeiranteRedues margem direita do Rio Pardo foram atacadas e destrudas em 1636

    Sem apoio externo, os padres prepararam a conteno do inimigo, contando para isso com algumas poucas armas de fogo, arcos e flechas e alguns farpes de ferro. Aps cinco horas de uma luta desigual e encarniada, a reduo Jesus Maria se rendeu. Muitos foram os mortos e feridos. Centenas de nativos foram capturados e as poucas construes existentes, arrasadas.

    Entre 1580 e 1640 houve a Unio Ibrica. Durante esse perodo, Portugal e todas as suas colnias estiveram sob a suserania da Espanha. Nessa condio, as possesses portuguesas passaram a ser palco de disputas na luta que os holandeses travavam para se tornarem independentes da Espanha. E o Brasil tambm foi envolvido. Em 1630, a Companhia das ndias Ocidentais conquistou Pernambuco, importante centro aucareiro do Brasil-Colnia. Dali os holandeses seriam expulsos somente 24 anos depois. Na mesma poca, importantes praas portuguesas na frica, fornecedoras de escravos, ficaram sob o domnio holands. Isso causou drstica reduo no nmero de cativos importados, que eram fundamentais nas lavouras de cana-de-acar.

    Com a falta de fora de trabalho nas reas que no estavam sob o domnio holands, os indgenas comearam a ser aprisionados e vendidos como escravos. Os paulistas se tornaram especialistas nessa tarefa. Inicialmente bandeirantes, com a conivncia de autoridades da colnia espanhola, lanaram-se sobre as redues de Guair e Itatins e escravizaram milhares de nativos. Diferentemente da mata, onde viviam dispersos,nas Misses havia maior nmero de ndios, mais bem adestrados para o trabalho e a obedincia.

    Arrasadas as aldeias em Guair, sob o comando espiritual do padre Montoya, 12 mil ndios em 700 barcas teriam descido as correntezas do Rio Paran para se estabelecerem em terras da atual provncia de Misiones, na Argentina. S uma parcela desses indgenas chegaria a seu destino.

    O ndiovirou escravo

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    Fonte: Adaptado de Atlas historco del nordeste argentino

  • 15Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Depois da reduo Jesus Maria, foi a vez de So Joaquim, Santa Ana e So Cristvo conhecerem seu trgico

    fim pela bandeira de Raposo Tavares. Recompondo suas foras, os ndios catequizados ainda fizeram um novo confronto de quatro horas e meia com os paulistas em So Cristvo, no Natal de 1636. Mas no lograram xito. O bandeirismo de apresamento no deu trgua aos padres e aos indgenas cristianizados. Alm de Raposo Tavares, outros bandeirantes conhecidos que atuaram na caa ao ndio do Rio Grande do Sul foram Ferno Dias Paes Leme que mais tarde seria imortalizado na epopeia das esmeraldas Andr Fernandes e Francisco Bueno.

    Uma a uma, as redues foram destrudas ou abandonadas e os ndios escravizados pelas bandeiras. Para evitar sublevaes, lideranas indgenas eram assassinadas. Velhos e crianas, para no atrasarem a marcha para So Paulo, eram sacrificados. As mesmas terras ficaram por quase um sculo sem contato com a civilizao. Somente em 1715, Francisco de

    Em cada uma das 18 redues, os jesutas introduziram lotes de cabeas de gado. A criao de vacas, bois, novilhos, cavalos, mulas e ovelhas foi considerada essencial para a economia e a sobrevivncia das redues. Mas as razias invases predatrias dos bandeirantes convenceram os jesutas que lhes era impossvel se manterem no territrio da margem esquerda do Rio Uruguai.

    Fugindo do ataque dos paulistas, que at por volta de 1660 persistiram fustigando a regio em busca dos nativos, os padres transmigraram a populao guarani remanescente para a margem direita do Rio Uruguai. No entanto, quando caados pelos bandeirantes, deixaram algumas centenas de cabeas de gado nos campos situados ao sul do Rio Jacu. Os animais, abandonados sua prpria sorte entre as bacias dos rios Jacu

    e Ibicu, rumaram em direo ao Sul. Ali se multiplicaram e deram origem ao gado chimarro, ou seja, gado xucro e selvagem.

    O domnio espanhol sobre Portugal teve seu final em 1640. Foi ento que subiu ao trono lusitano a dinastia de Bragana. Prioridade: expulsar os holandeses sediados no Nordeste do Brasil. De So Paulo saram tropas, uma delas inclusive comandada por Antnio Raposo Tavares, para auxiliar os pernambucanos a repelir os holandeses. Ao mesmo tempo, os padres da Companhia de Jesus conseguiram do Papa Urbano VIII a expedio de uma bula que proibia, sob pena de excomunho:

    Cativar os sobreditos ndios, vend-los, compr-los,

    troc-los, d-los, apart-los de suas mulheres e filhos, priv-los de seus bens e fazenda, lev-los e mand-los para outros lugares, priv-los de qualquer modo da liberdade, ret-los na servido (...).

    Claro que nem aos paulistas e nem aos cariocas agradou a resoluo do pontfice.

    Queriam continuar

    comercializando os ndios e

    utilizando sua fora de trabalho em afazeres domsticos

    e lidas na agricultura. Resultado: nas vilas de Santos e So Paulo, os prprios membros das Cmaras Municipais chefiaram a revolta contra os padres jesutas, expulsando-os dos colgios que ento mantinham naquelas vilas.

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    Paulistas atacam Misses e levam ndios para serem escravos. Idosos e crianas so mortos

    Mais destruio

    Brito Peixoto, capito-mor da Vila de Laguna, de Santa Catarina, veio ao Sul procura de jazidas de pedras e metais preciosos e tambm com o objetivo de encontrar locais seguros, que servissem para futuras povoaes.

    Como ocorreu a introduo do gado

    Igrejacondena

    Bandeirantes derrotadosA nica vitria dos missioneiros sobre os escravizadores ocorreu em 1641, nas margens do Rio MBoror, afluente do Rio Uruguai, quando a bandeira chefiada por Jernimo Pedroso de Barros foi derrotada por um exrcito de cerca de 4 mil ndios.

    Redues foram destrudas e os ndios escravizados

  • 16 Uma luz para a histria do Rio Grande

    Precavendo-se contra a atividade predatria praticada ao gado chimarro concentrado na regio de Maldonado e s margens da Lagoa Mirim, no somente por parte de luso-

    brasileiros mas tambm por homens de Santa F e de Buenos Aires, os padres jesutas tomaram duas providncias.

    Primeiro, reuniram cerca de uma centena de milhar de cabeas de gado e a direcionaram para um lugar menos acessvel na Vacaria dos Pinhais. O local, de boas aguadas e campos pastosos, tambm passou a ser conhecido pelo nome de Campos de Cima da Serra. As reses ali deixadas se reproduziram com o passar do tempo, formando outra grande reserva.

    A segunda providncia tomada pelos curas foi planejar o retorno dos guaranis cristianizados s terras que haviam pertencido aos seus antepassados. Isso se concretizou a partir de 1682, com a formao dos Sete Povos das Misses.

    Mas no se pode desconsiderar a funo geopoltica da retomada das misses no Rio Grande do Sul. Os Sete Povos so uma reao da Espanha fundao de Sacramento pelos portugueses. Como sditos da coroa espanhola, padres e ndios cristianizados atuariam para impedir a expanso lusa na direo do Prata. Vrias vezes as autoridades de Buenos Aires iriam requerer o auxlio dos guaranis missioneiros em guerras e obras pblicas.

    Em 1680 o governador do Rio de Janeiro, D. Manuel Lobo, financiado por comerciantes lusos, chefiou a expedio que fundou, na margem oposta a Buenos Aires, a Colnia do Santssimo Sacramento. Vrias vezes sitiada e tomada pelos castelhanos e depois devolvida pela ao diplomtica portuguesa, Sacramento se destacou na cultura do trigo, na exportao de couro e no comrcio de contrabando com sditos da Espanha.

    Em 1684, iniciou-se a povoao de Santo Antnio dos Anjos de Laguna, no litoral de Santa Catarina. Laguna foi criada para dar suporte e servir de retaguarda a Sacramento. Mas se constituiria, tambm, em um importante polo de povoamento e ocupao do Rio Grande do Sul. Lagunistas e paulistas, ao percorrerem o litoral gacho e do Uruguai rumo a Sacramento, entraram em contato com rebanhos de gado existentes nas Vacarias do Mar. Eles passaram a extrair dali todo o gado que conseguiam. Inicialmente, interessavam-se somente pelo couro, que era exportado por Sacramento. A carne era desprezada. Com a descoberta de jazidas de ouro em Minas Gerais o gado passou a ser tropeado, via Curitiba e Sorocaba, para aquela rea. Ao mesmo tempo, colonos espanhis de Corrientes e Entre Rios que se dedicavam criao de mulas em razo da decadncia das minas de Potos passaram a fornecer esses animais para a rea mineradora do Brasil. Eles eram empregados no transporte de gente e de mercadorias.

    Os Sete Povosdas Misses

    Jesutas planejam o retorno dos guaranis

    De Laguna aSacramento

    Sete Povos

    So Francisco de Borja

    1682So Nicolau

    1687So Luiz Gonzaga

    1687

    So Loureno Mrtir

    1690So Joo Batista

    1697Santo ngelo Custdio

    1706

    So Miguel Arcanjo

    1687

    Runas da Igreja de So Miguel

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    Vrios dos padres jesutas que procuraram reduzir e catequizar ndios acabaram sendo martirizados por ndgenas que defendiam a sua liberdade e forma de vida. Entre outros, isso aconteceu com os padres Roque Gonzles de Santa Cruz, Cristvo de Mendoza e Pedro Romero.

    Martirizados

  • 17Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Na Amrica do Sul, as Misses eram unidades de produo autossuficientes. Cada Misso Jesutica contava, em mdia, com uma populao de 4 a 4,5 mil indivduos. A propriedade da terra era dividida em duas partes. O abamba (propriedade do homem) era culti-vado em regime de posse individual por cada famlia, que dali retirava o bsico para seu sustento. O ndio podia dispor livremente dos bens obtidos no abamba. J o tupamba (propriedade de Deus) exigia o trabalho coletivo dos indgenas reduzidos. Ali trabalhavam os ndios solteiros e, dois dias por semana, tambm seus pais. Faziam parte do tupamba as estncias de criao de gado e os ervais nativos e cultivados. Artistas, pro-fessores, vivas, rfos, velhos e invlidos tinham seu sustento proveniente do tupamba. Dali tambm saa o tributo que cada indgena, como vassalo do monarca espanhol, tinha que pagar, alm da parte destinada Companhia de Jesus.

    A Companhia de Jesus, cujos membros so conhecidos como jesutas, uma ordem religiosa catlica fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderado por igo Lpez de Loyola conheci-do posteriormente como Incio de Loyola. Os primeiros

    jesutas participaram ativamente da Contra Reforma e do esforo de renovao teolgica da Igreja Catlica, ocorrida para combater a Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero em 1517, na Alemanha, e que se expandiria para outros pases da Europa.

    Em poucos anos, os jesutas conquistaram grande prestgio em razo do seu dinamismo e slido preparo teolgico e cultural.

    A ordemdos jesutas

    Provncia do ParaguaiNa Provncia Eclesistica do Paraguai, os padres jesutas consolidaram 30 povos durante os sculos XVII e XVIII. Eles faziam parte do sistema colonial espanhol. Sete deles se localizavam em territrios do atual Rio Grande do Sul, oito no Paraguai e quinze na Argentina. Na atualidade, seis dessas antigas Misses integram o Circuito Internacional das Redues Jesuticas. Constituem um dos maiores atrativos tursticos do Cone Sul.

    Economia nos povoados

    Companhia de Jesus foi criada em 1534 por estudantes

    MISSES JESUtICO - GUARANIS

    Levam o nome de Misses as iniciativas religiosas catli-cas destinadas a propagar os princpios do cristianismo entre povos no cristos. No incio dos tempos modernos, iniciativas de catequizao de novos adeptos foram realizadas na prpria Europa, frica, Oriente e Amrica. As Misses desenvolvidas na Amrica, que buscavam converter os povos silvcolas em mas-sa, deram origem a uma cultura sincrtica, onde as tradies indgenas acabaram se perdendo em larga medida. As Misses Jesuticas variaram no tempo e no espao. Nem todas tiveram uma organizao em povos, como as que se desenvolveram na Provncia do Paraguai.

    O que eram as Misses

    Runas da Reduo de Trinidad, no Paraguai

  • 18 Uma luz para a histria do Rio Grande

    O surgimento de Rio Pardo est ligado umbilicalmente assinatura do tratado de Madri. Esse acordo de fronteiras foi subscrito na

    cidade espanhola de Madri por D. Joo V, rei de Portugal, e por D. Fernando VI, rei da Espanha. Foi uma tentativa para pr fim ao litgio entre Portugal e Espanha sobre os seus vastos limites coloniais, especialmente os situados na Amrica do Sul.

    As epopeias dos bandeirantes em busca de metais preciosos, o interesse dos portugueses pelas drogas do serto existentes na Amaznia e pelo contrabando na Colnia do Sacramento haviam favorecido a fundao de pequenos povoados, bastante alm da linha imaginria de tordesilhas. O tratado de Madri reconheceu a expanso lusa na Amrica do Sul, mas tambm a ocupao, na sia, das Ilhas Filipinas e Molucas pela Espanha. Prevaleceu nas negociaes o princpio de direito internacional do uti possidetis. Seguindo esse princpio, a monarquia, que devido ocupao feita pelos seus sditos possua de fato os territrios, deveria possu-los tambm de direito.

    No que diz respeito s terras localizadas no Sul do Brasil e na regio do Prata, o princpio no foi aplicado.

    A disputa travada entre as coroas de Portugal e Espanha pela posse do vasto territrio situado entre Laguna e o Rio da Prata pareceu ter fim em 1750, quando foi assinado o tratado de Madri. No que tange s terras do Sul, esse acordo estabelecia que Portugal entregaria a Colnia do Sacramento Espanha, recebendo em compensao a regio dos Sete Povos. A populao, de cerca de 30 mil guaranis missioneiros, deveria deixar seus povoados, roas e estncias e migrar para o lado direito do Rio Uruguai, em terras argentinas. Como se negaram a abandonar suas casas, lavouras,

    igrejas e cemitrios, motivaram a Guerra Guarantica (1754-1756), ocasio em que os indgenas rebelados combateram as tropas militares reunidas de Portugal e Espanha. Nessa guerra, os ndios das Misses foram fragorosamente derrotados.

    O tratado de Madri est estreitamente ligado histria de Rio Pardo. A demarcao da nova fronteira traz ento Comandncia Militar o capito-general Gomes Freire de Andrade. por sua ordem que criada a Fortaleza Jesus, Maria, Jos, que aquartelaria o Regimento de Drages.

    So Nicolau

    So Luiz

    So Loureno

    So Borja

    Santo ngelo

    So Joo

    Colnia de Sacramento

    Linha de demarao do Tratado de Madri (1750)

    So Miguel

    ..-..-..-..-..-..-..-..-

    O Tratado de Madri Acordo entre Portugal e Espanha delimitava fronteiras nas reas coloniais

    O artigo do tratado de Madri que fez os ndios dos Sete Povos se rebelarem:Art. XIV - Das povoaes ou aldeias que cede Sua Majestade Catlica na margem oriental do Uruguai, sairo os missionrios com todos os mveis, e efeitos, levando consigo os ndios para aldeiar em outras terras de Espanha; e os referidos ndios podero levar tambm todos os seus bens mveis e semoventes, e as armas, plvora e munies que tiverem; em cuja forma se entregaro as Povoaes Coroa de Portugal, com todas as suas casas, igrejas e edifcios e a propriedade e posse do terreno [...]

    O Tratado de Madri

    Deciso gerou uma guerraFonte: Adaptado de Ferreira Filho (1965)

    Porto Alegre

  • 19Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

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    Antnio Gomes Freire de Andrade, o conde de Bobadela, era um nobre militar e administrador colonial portugus. Foi governador e capito-general do Rio de Janeiro entre 1733 e 1763. Posteriormente, passou a administrar tambm as Minas Gerais e as capitanias de Gois e Mato Grosso. Em funo do tratado de Madri, deslocou-se ao Sul em fevereiro de 1752, j com 67 anos, para chefiar a comisso portuguesa nas delimitaes de fronteira. Com ele vieram cartgrafos, astrnomos, engenheiros, matemticos e outros profissionais. Em 6 de abril, entrou na Vila do Rio Grande.

    Para estimular o povoamento da terra, passou a conceder sesmarias (grandes propriedades de terra) no Chu, em Viamo, em Cima da Serra, no Vale do Rio do Sinos, no Jacu, no Ca e no Rio das Antas. Gomes Freire ambm foi responsvel pela introduo dos casais de nmero vindos das ilhas do arquiplago de Aores e da ilha da Madeira.

    Comandou as tropas luso-espanholas que venceram os guaranis dos Sete Povos na Guerra Guarantica (1754-1756). Regressou ao Rio de Janeiro em 1759, onde faleceu em 1 de janeiro de 1763.

    Como seria o Forte Jesus, Maria, Jos, construdo s margens do Rio Jacu no sculo XVIII, e que originou a povoao e depois a cidade de Rio Pardo? A arte feita sobre a foto acima, no local onde existiu a fortaleza, d uma ideia de como poderia ter sido a edificao, erguida inicialmente com madeira, palha e troncos de rvores.

    O local onde est sediada a cidade de Rio Pardo integrava a antiga estncia do Povo

    de So Lus. Em 1751, antes de vir ao Rio Grande, Gomes Freire de Andrade determinou que no caminho para as Misses fossem criados dois depsitos de munio e de vveres para apoio das tropas portuguesas. Neles seriam estocados fardamentos e outras peas de vesturio militar, apetrechos blicos, material de montaria, couros, instrumentos agrcolas, ferramentas, material de construo, sabo, fumo, bebidas, remdios e mantimentos. O furriel de drages, Francisco Manoel de tvora, que frente de um grupo de paulistas fora mandado para explorar e reconhecer a regio, indicou como locais estratgicos Rio Pardo e Santo Amaro, ambos na margem esquerda do Rio Jacu.

    Dada a sua excelente localizao, na confluncia dos rios Pardo com o Jacu, Gomes Freire ordenou ao engenheiro Joo Gomes de Mello que ali fosse erigido o forte batizado de Jesus, Maria, Jos. A construo

    do forte, com o aquartelamento dos Drages, deu origem fundao essencialmente militar de Rio Pardo. O forte e, por consequncia, o povoado que se formou em seu entorno estavam em posio estratgica. O local elevado permitia ampla viso dos arredores. Ao mesmo tempo, os rios formavam barreiras naturais que, em caso de guerra, dificultariam a sua tomada. Era, ento, o ponto mais extremado dos portugueses em direo s Misses. Quando constitudo, o forte visava, tambm, a impedir a passagem dos ndios missioneiros para atacar os campos de Viamo, que vinham sendo ocupados por luso-brasileiros. Na madrugada de 23 de fevereiro de 1754, a fortaleza foi atacada por grande nmero de missioneiros. O ataque foi repelido depois de horas de combate. A confiar nos dados de Aurlio Porto, do lado dos ndios restaram 19 mortos e um grande saldo de feridos. Os portugueses perderam s um homem e tiveram quatro feridos, dentre eles o comandante da trincheira, Francisco Pinto Bandeira, com uma flechada em um dos braos.

    No comeo, apoio a tropas

    Ponto estratgico, na confluncia de dois rios, foi o escolhido

    Gomes Freirede Andrade

    Os DragesDepois do ataque missioneiro, Gomes Freire transferiu de Rio Grande para o Forte Jesus, Maria, Jos, em maro de 1754, um contingente do Regimento de Drages. Em 29 de abril do mesmo ano, a fortaleza foi novamente atacada. Cerca de 400 guaranis missioneiros, liderados por Sep Tiaraju e munidos com quatro peas de artilharia, foram repelidos e perseguidos aps quase duas horas de combate. 53 ndios, incluindo Sep, foram aprisionados e levados ao forte. Dias depois ele conseguiria fugir quando, escoltado por soldados, foi localizar cavalos que os missioneiros haviam subtrado aos portugueses. Os demais refns foram encaminhados para Rio Grande, mas apenas 15 chegaram vivos. Os sobreviventes teriam sido postos em liberdade por Gomes Freire. Fustigada em 1754 pelos ndios missioneiros e em 1762, 1773 e 1777 pelos castelhanos, Rio Pardo resistiu, tornando-se barreira intransponvel para seus adversrios. Da surgiu a denominao de Tranqueira Invicta. Por dcadas, portanto, foi a tranqueira de Rio Pardo a fronteira extremo-oeste das posies lusitanas no Rio Grande de So Pedro.

  • 20 Uma luz para a histria do Rio Grande

    DISPuTAS PElO TERRITRIO

    Aretirada dos povos indgenas e dos jesutas de seus povoados no seria tarefa simples para as potncias ibricas. Quando da efetivao do tratado de Madri, cerca de 30 mil ndios cristianizados viviam nos Sete Povos. Pelo

    acordo, eles deveriam deixar as Misses e se estabelecer, da forma que pudessem, do outro lado do Rio Uruguai, em terras do Imprio espanhol. Acontece que a margem direita do rio j estava ocupada por indgenas missioneiros. A mudana pretendida, certamente, levaria dezenas de milhares deles fome e misria. Assim que fossem retirados os missioneiros dos Sete Povos, Portugal pretendia assentar ali os aorianos, que j chegavam s centenas. Portugal queria que os ndios sassem da rea porque temia uma rebelio. Como eram sditos espanhis, vrias vezes eles haviam sido usados como guerreiros nos confrontos contra portugueses pela posse de Sacramento.

    Para a colocao dos marcos de fronteira estabelecidos pelo tratado, foram institudas duas comisses militares demarcatrias. A Comisso do Sul era chefiada pelo Marqus de Valdelrios, nomeado pela Espanha, e por Gomes Freire de Andrade, representando Portugal. O primeiro marco de fronteira foi chantado somente em 9 de outubro de 1752. Em 27 de fevereiro de 1753, quando a demarcao estava s alturas de Santa tecla (Bag), foi impedida de continuar por um grupo de guaranis liderados por Sep tiaraju. Depois disso as naes ibricas, embora decididas a evacuar se necessrio pela fora militar a regio das Misses, aguardariam ainda por dois longos anos at efetivar o assalto final aos Sete Povos.

    ndios resistem expulso promovida por portugueses e espanhis; Guerra Guarantica; distribuio de sesmarias refora o poder dos militares; os silvcolas na literatura e no cinema.

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    Guerra Guarantica

    Local onde ocorreu a Batalha de Caiboat, quando tropas portuguesas e espanholas mataram mais de mil indgenas e fizeram 154 prisioneiros

  • 21Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Devido resistncia dos ndios, que se negaram a abandonar seus ervais, plantaes, estncias de criao de gado, casas, templos e cemitrios,

    espanhis e portugueses mandaram contra eles um poderoso exrcito. A guerra foi desigual. De um lado havia as tropas luso-espanholas, bem armadas e equipadas e contando com mais de 3.700 combatentes. De outro, os silvcolas lutando com arco e flecha, lanas, boleadeiras, algumas velhas espingardas e improvisados canhes feitos de taquara e revestidos de couro. Alm disso, os missioneiros estavam bastante divididos e desarticulados.

    Havia padres que, silenciosamente, pregavam a resistncia; a maioria, no entanto, trabalhou no sentido de que os guaranis se sujeitassem aos desgnios da Coroa. Caciques acusaram os sacerdotes de traidores, inclusive de terem vendido os Sete Povos, e outros concordaram com a mudana. Essas diferenas dividiram os ndios missioneiros. Como resultado, houve confuso e discrdia nas Misses. Finalmente, em 16 de janeiro de 1756, o exrcito luso-espanhol se reuniu nas

    cabeceiras do Rio Negro, de onde marchou em linha dupla para as Misses. Em 7 de fevereiro, numa das primeiras escaramuas, tombou o cacique Sep. Aurlio Porto narra que, em um rpido combate na entrada de um matagal, aps o cavalo de Sep tropear, um soldado portugus armado de lana o derrubou. Ao tentar se reerguer, foi alvejado pelo governador de Montevidu, general Jos Joaquim Viana, que lhe desferiu o tiro fatal.

    A clebre Batalha de Caiboat ocorreu trs dias depois, em 10 de fevereiro de 1756. Comandados por Nicolau Neenguiru, corregedor do Povo de Conceio, os missioneiros enfrentaram as foras de Portugal e Espanha em campo aberto, na coxilha de Caiboat (So Gabriel). Conforme Graell, em apenas uma hora e quinze minutos os ndios foram fragorosamente derrotados. Perderam 1.200 combatentes, incluindo 154 prisioneiros. Os espanhis tiveram trs mortos e 10 feridos e os portugueses, um morto e 30 feridos. A derrota de Caiboat acabou com a resistncia guarani. Da por diante, portugueses e espanhis no tiveram dificuldades para invadir as Misses.

    O massacre deCaiboat

    Espanhis e portugueses usaram exrcito poderoso e dizimaram os ndios

    Homenagem feita a Sep no local da sua morte, no municpio de So Gabriel

    INO

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    G. A

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    Depois de tomadas as Misses, o tratado de Madri no se concretizou. Os padres e os silvcolas puderam retornar ao que restava das Misses: casas queimadas, lavouras destrudas, gado espalhado nos campos e matos.

    Os padres da Companhia de Jesus que haviam sido fiis s coroas ibricas tiveram sorte semelhante aos ndios. Pombal os considerou uma espcie de bode expiatrio para todos os males da Colnia e um poder paralelo. Em nome da liberdade dos indgenas, atacou o poder temporal da Companhia de Jesus nas aldeias. Em 1759, expulsou-os da Amrica portuguesa. Os padres jesutas tiveram a mesma sorte nos domnios espanhis: foram expulsos de l por um decreto real de 1767. Em maio de 1768 estava concluda a expulso de todas as Misses. Os ndios assistiram com relativa resignao sua sada.

    Jesutasso expulsos

    Guaranis em Rio Pardo

    A Guerra Guarantica no acabou com os Sete Povos. Porm, como escreve Moacyr Flores, destruiu-os moralmente, abalando a confiana dos ndios nos padres jesutas e nas autoridades espanholas, de quem eram sditos. A derrota de Caiboat abriu caminho para a tomada dos Sete Povos. Em 17 de maio do mesmo ano, So Miguel foi invadida. Os demais povoados caram um aps o outro, quase sem resistncia, como um baralho de cartas.Conquistadas as Misses, Gomes Freire l permaneceu com seu exrcito por 10 meses. Retornou, ento, com seus soldados aos quartis de Rio Pardo. Com ele vieram aproximadamente 700 famlias de guaranis, para constiturem a Aldeia de So Nicolau.

  • 22 Uma luz para a histria do Rio Grande

    Uma parcela de historiadores analisa o trabalho missionrio da Companhia de Jesus na Amrica como sendo uma atividade civilizadora: faz dos padres santos salvadores de almas. Outra

    parcela de historiadores enaltece o igualitarismo, o trabalho e a vida coletiva existentes nos Sete Povos. Sem pretender fazer julgamento de espcie alguma, no se pode omitir o fato de que, mesmo nas Misses, os ndios passaram por um profundo e doloroso processo de mudana de comportamento. tiveram que assimilar as culturas crist e espanhola.

    O trecho escrito pelo padre Jos Cardiel, ento cura da reduo de Japeju e outras, possibilita fazer algumas reflexes nesse sentido:

    O ndio, entregue a si mesmo e ao seu gnio, no quer mais do que uma choa ou cabana coberta de palha de quatro

    ou cinco varas (jardas) em quadro, junto a um pequeno terreno de roa para poucos meses e com isso est mais contente que os reis nos seus palcios [...] Seu corao no se levanta a mais, no tem capacidade para aspiraes maiores, nem pretende, nem o deseja. Tir-lo da tir-lo da sua espera. Porm, como necessrio retir-los dessas condies mesquinhas, para que vivam como bons cristos e cidados teis ao Estado, aos padres toca o grave encargo de ensinar-lhes tudo, serem mestres de tudo e induzi-los a agir contra seu gnio.

    Os padres jesutase a cultura indgena

    Nas Misses, ndios tiveram que assimilar culturas crist e espanhola

    Dada a reao dos ndios missioneiros, o tratado de Madri no chegou a ser consumado, sendo anulado em 1761 pelo tratado de El Pardo.

    Apesar de todos os percalos provocados pela Guerra Guarantica, os Sete Povos continuaram a existir. Entraram na mais plena decadncia somente a partir de 1768, quando os padres da Companhia de Jesus foram expulsos no somente dos Sete Povos, mas de todos os territrios espanhis da Amrica. O pretexto para a expulso dos curas jesutas foi o de terem sublevado os guaranis catequizados contra o tratado de Madri.

    Sob administrao leiga, e totalmente despreparada, que os Sete Povos declinaram.

    Declnio dos Sete Povos

    Jos tiary ficou conhecido pela alcunha de Sep, que designativo de chefe, condutor de homens ou caudilho. Era ndio missioneiro, provavelmente j cristo de terceira gerao. Foi Alferes Real e Corregedor do Povo de So Miguel. Ops-se com tenacidade entrega da regio dos Sete Povos e liderou a revolta dos missioneiros contra o que determinava o tratado de Madri. Gozava de largo prestgio entre os ndios e indiscutveis qualidades de mando. Suas aes militares, entretanto, no foram das mais bem-sucedidas. Morreu no dia 7 de fevereiro de 1756, s margens da Sanga da Bica, em So Gabriel, nas proximidades onde se encontra a rodoviria da cidade. Seu corpo fora jogado no mato pelos soldados. noite, os companheiros deram sepultura ao seu cadver.

    Sep tiaraju se tornou um mito. Seus feitos lendrios foram imortalizados por Baslio da Gama, Joo Simes Lopes Neto, Manoelito de Ornelas, Mansueto Bernardi e Moiss Velhinho. Consta que teria sido o historiador Walter Spalding que colocou na sua boca a frase: Esta terra tem dono, que provavelmente ele nunca dissera.

    A lenda que se formou em torno do seu nome o consagrou popularmente como um santo. O povo do Sul do Brasil, por sua prpria conta, canonizou-o como heri guarani. Sep tiaraju se faz mestre para as lutas populares, especialmente dos que lutam pela terra.

    Sep Tiaraju

    Alm da msica, os guaranis cristianizados tambm demonstraram talento para a escultura. O estilo foi o barroco. Conforme Armindo Trevisan, a arte missioneira no visava fruio esttica; ela estava a servio da catequese. Visava a prover os templos de imagens e iniciar os ndios em atividades manuais. Como poucos eram letrados, a imagem ficava acessvel a todos, tornando-se uma Bblia para os pobres. Os indgenas que se destacavam nas artes gozavam de privilgios.

    Arte missioneiraDIVULGAO/GS

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    Escultura de Sep Tiaraju existente no Museu Joo Pedro Nunes, em So Gabriel

  • 23Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    As tropas portuguesas lideradas por Gomes Freire de Andrade, ao retornarem da guerra empreendida contra os Sete Povos das Misses, trouxeram

    consigo um squito de famlias guaranis. Esses ndios totalizavam cerca de 700 famlias ou em torno de trs mil almas. Foram arranchados, no ano de 1757, nas proximidades do Forte de Rio Pardo, formando o ncleo inicial da Aldeia de So Nicolau.

    A aldeia se localizava a quatro quilmetros ao nordeste da atual cidade. Voluntariamente, novas levas de famlias guaranis teriam, em seguida, se somado ao contingente inicial. Pouco tempo depois, por determinao da administrao portuguesa, um pequeno grupo desses ndios foi deslocado s proximidades da atual cidade de Cachoeira do Sul, onde foi fundada uma outra aldeia com o nome de So Nicolau. A maior parte dos indgenas foi levada para os Campos de Viamo, onde deu origem, em 1763, Aldeia de Nossa Senhora dos Anjos (hoje Gravata).

    Os nativos das aldeias eram utilizados como mo de obra barata nas estncias de criao de gado, em construes e nas

    Cristo com feies indgenas, ainda hoje existente na capela da aldeia

    So NicolauGomes Freire traz guaranis que sobreviveram guerra para formar a aldeia

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    Capela da Aldeia So Nicolau guarda resqucios do primeiro templo e tambm um sino missioneiro

    O professor Pedro Ribeiro, analisando os livros de batismo da Freguesia de Rio Pardo, constatou que de maro a junho de 1781, de oito batizados de filhos de ndias seis eram de pai incgnito. J entre dezembro do mesmo ano e abril de 1782, de 12 batizados de filhos de indgenas nove eram de pai incgnito. Nos livros de casamento, entre 1759 e 1832, foram encontrados 18 casamentos de ndia com branco; 10 de ndia com negro; quatro de ndio com negra e quatro de ndio com branca.

    Os acasalamentos de ndias com escravos e de escravas com ndios no eram incomuns. J o casamento de um branco com negra ou indgena era considerado vergonhoso, pois se dava com um cnjuge tido como inferior. Mas os brancos, em unies extramatrimoniais, tiveram muitos filhos com ndias e com escravas. Poucos reconheciam a paternidade dos filhos; a maioria silenciava. Mas era normal estancieiros, comerciantes e militares terem concubinas ndias e negras.

    Procurando incentivar a unio familiar de brancos com indgenas, o governador da capitania, Jos Marcelino de Figueiredo, fez em 1773 um edital para dar preferncia a eles na aquisio de terras.

    ndias e negrascomo amantes

    Em 1983, o professor Pedro Mentz Ribeiro, ento coordenador do Cepa das Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul, orientou escavaes no local onde se encontrava a aldeia. Ali foi encontrada uma srie de vestgios materiais, que esto sob a custdia da unisc.

    Escavaes

    lavouras. No ano de 1780, eram 438 os ndios existentes na Aldeia de So Nicolau de Rio Pardo. Em 1854, esse nmero cairia para 254.

  • 24 Uma luz para a histria do Rio Grande

    Em fevereiro de 1761 Espanha e Portugal concordaram, atravs do tratado de El Pardo, em anular as prerrogativas do tratado de Madri. Com isso, os Sete Povos continuaram pertencendo ao imprio espanhol e Sacramento, aos domnios lusos.

    No transcurso de uma dcada, muita coisa havia mudado. Ambos os lados ficaram insatisfeitos com o pacto anteriormente firmado. De um lado, os Sete Povos haviam despertado a cobia dos espanhis. Joaquim Viana, autor do tiro que matou Sep, ao entrar no povoado de So Miguel em 1756, teria se maravilhado com as belezas da localidade e afirmado: E este um dos povos que nos mandam entregar aos portugueses? Deve estar louco o pessoal de Madri, para se desfazer de um povoamento que no encontra nenhum rival em Paraguai.

    De outro lado, havia o interesse de comerciantes portugueses, que no queriam entregar Sacramento aos espanhis e perder os extraordinrios lucros proporcionados pelo comrcio ilegal. Ao mesmo tempo, a situao diplomtica na Europa mudara bastante. Na Guerra dos Sete Anos, Portugal e Espanha estavam em polos opostos. Na Amrica do Sul, portugueses e espanhis novamente entraram em conflito por causa de suas possesses coloniais. Disso se aproveitou D. Pedro Ceballos para tomar a Colnia do Sacramento, que estava em poder dos portugueses, e para recuperar as terras que, por direito, pertenciam Espanha.

    Conquista espanholaAnulao do Tratado de Madri restituiu a fronteira ao traado que tinha antes

    O tratado de El Pardo

    Grande parte da historiografia brasileira distorce o real significado da conquista espanhola, ocorrida entre 1763 e 1777. Imputa-se aos

    castelhanos a pecha de invasores. Mas, na realidade, a anulao do tratado de Madri restabeleceu a fronteira ao que era antes de 1750.

    Em outubro de 1762, enquanto ocorria na Europa a Guerra dos Sete Anos, que colocaria em campos contrrios Portugal e Espanha, castelhanos atacaram e tomaram Sacramento contando com o auxlio de foras missioneiras. Em abril do ano seguinte, liderados pelo general e governador de Buenos Aires, Dom Pedro de Cevallos, apoderaram-se do forte de Santa tereza, em Angustura de Castilhos (Uruguai); do Forte de

    So Miguel (Uruguai) e das vilas do Rio Grande e de So Jos do Norte. s pressas, a administrao da Capitania do Rio Grande do Sul, sediada em Rio Grande, se deslocou para Viamo, que em 1773 foi elevada vila. Objetivando manter suas posies, os espanhis comearam a construir o forte de Santa tecla, nas proximidades de Bag.

    Com a tomada de Rio Grande e So Jos do Norte pelos castelhanos, quase toda a populao que vivia naquelas vilas e em seus arredores fugiu. A maioria foi se instalar nos Campos de Viamo, mas uma parcela considervel se estabeleceu na bacia do Jacu, prximo de Santo Amaro e Rio Pardo.

    Durante os 13 anos de ocupao espanhola, o Rio Grande portugus se limitou a uma estreita faixa litornea e ao Vale do Rio Jacu.

    Pena de enforcamento tomaz Lus Osrio, que em 1754

    fora designado por Gomes Freire para comandar o Regimento de Drages estabelecido no forte de Rio Pardo, conheceu seus dias de infortnio. Em 1762, ele havia recebido do mesmo Gomes Freire a misso de construir um forte em Angustura de Castilhos, para barrar uma eventual investida castelhana a Rio Grande. Mal as primeiras pedras da fortaleza haviam sido sentadas, ela foi sitiada por Cevallos. Em 19 de abril de 1763, Osrio optou pela rendio. Assim, sem dar um tiro sequer, Cevallos fez 156 prisioneiros,

    incluindo o comandante da tropa. Um ano depois, iniciava-se o processo

    contra o coronel tomaz Osrio e o governador Eli Madureira, responsvel pela Vila de Rio Grande. Reunidas em Rio Pardo durante cinco meses, autoridades portuguesas colheram depoimentos de soldados, oficiais, civis e escravos sobre os fatos que culminaram na rendio de Santa tereza e da Vila de Rio Grande. Julgado pela corte de Lisboa, Osrio foi enforcado na capital portuguesa em 1768. O governador Madureira morreu durante os depoimentos.

    GU

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    Colnia de Sacramento, hoje em territrio uruguaio, servia aos interesses portugueses

    MUSEU DEL AZULEJO, COLNIA DE SACRAMENtO

  • 25Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Mais terras

    Aps as guerras de reconquista efetuadas pelos sditos da coroa espanhola, em 1777 foi celebrado o tratado de Santo Ildefonso. Por esse

    acordo, Portugal reconhecia a soberania espanhola sobre a Colnia do Sacramento, os Sete Povos, Santa tecla e os territrios

    meridionais. A Espanha, por seu turno, abandonou a ilha de Santa Catarina. O pacto criou ainda, na divisa dos imprios, os Campos Neutrais, entre as lagunas da Mangueira, Mirim e a costa do Atlntico. Eram para ser reas desmilitarizadas e despovoadas, localizadas entre os territrios luso e castelhano.

    So Nicolau

    So Luiz

    So Loureno

    So Borja

    Santo ngelo

    So Joo

    Colnia de Sacramento

    So Miguel

    Porto Alegre

    Santo Ildefonso Tratado mantm os Sete Povos sob domnio da coroa espanhola

    O tratado de Santo Ildefonso garantiu aos portugueses no somente a posse de reas j ocupadas Rio Grande, os campos de Viamo e Rio Pardo , mas tambm de territrios situados a norte e a oeste desses locais. Sesmarias foram ento distribudas, principalmente a combatentes lusos. Os novos sesmeiros passaram a manter ligaes com os ndios missioneiros. Adquiriam seu gado, utilizavam seu trabalho e tomavam como esposas ou concubinas as ndias missioneiras.

    Portugal reage

    Em 1770, havia 175 Drages em Rio Pardo e 185 destacados em So Jos do Norte. Depois de 13 anos de dominao espanhola, Portugal finalmente reagiu. Aps a organizao de um poderoso exrcito, foras lusas retomaram Rio Grande em 1776. Em seguida, sob o comando de Rafael Pinto Bandeira, o Forte de Santa Tecla foi arrasado e parte da Campanha foi tomada. Em contrapartida, os espanhis se apoderaram da ilha de Santa Catarina. A reconquista contou com a decisiva participao dos soldados sediados em Rio Pardo.

    Durante a dominao espanhola do Rio Grande, Rio Pardo sofreu vrios assdios, mas todos eles foram rechaados. Um desses episdios cmico.

    Consta que no final de 1773, o governador de Buenos Aires, general D. Vertiz y Salcedo, frente de uma fora regular vinda das campinas do sul, defrontou-se com batalhes de Drages e estacionou s alturas do Arroio Pequeri. A partir da o comandante militar espanhol ameaou cair sobre a Fortaleza Jesus, Maria, Jos e exigiu sua rendio. O governador Jos Marcelino de Figueiredo, que se encontrava no Forte, mandou comunicar a Salcedo que estava aguardando a chegada do

    governador (que era ele mesmo), pois somente ele poderia tratar da rendio. Horas depois, mandou fazer exerccios de plvora seca na Fortaleza, com um simples morteiro e duas peas de ferro de calibre 2. Procedeu, igualmente, ao embandeiramento do Forte, fez rufar tambores e tocar os clarins.

    O ambiente ficou com ares de celebrao de uma grande festa. Simulava, assim, a chegada do governador (o prprio Figueiredo) com um grande contingente de reforos. Acampado a cerca de uma lgua, o inimigo ficou atnito com a barulheira. Imaginando que a tranqueira havia recebido um reforo de monta, voltou s pressas pelo caminho por onde havia chegado.

    Um blefe portugusFonte: Adaptado de Ferreira Filho (1965)

  • 26 Uma luz para a histria do Rio Grande

    A vida dos guaranis dos Sete Povos se modificou muito quando administradores civis espanhis passaram a gerenciar os povoados. Paralelo ao aviltamento da fora de trabalho, ocorreu o desregramento moral da populao reduzida. Assim surgiu a prostituio, o consumo de bebidas aumentou e os furtos se multiplicaram. Desmanchada a antiga organizao coletiva dos missioneiros, j no havia mais telheiros, pedreiros nem carpinteiros para consertar as casas e os prdios, que comeavam a ruir. As oficinas e as escolas cedo desapareceram. Explorados, padecendo tormentos e fome, os ndios das Misses abandonavam seu povoado e procuravam por trabalhos precrios e mal remunerados nas estncias de criao de gado que comeavam a aparecer.

    Em 1801, ano em que Jos Borges do Canto, Gabriel Ribeiro de Almeida e Manoel dos Santos Pedroso, comandando um grupo de quatro dezenas de guerrilheiros, conquistaram as Misses, restavam cerca de 14 mil ndios nos Sete Povos. Explorados pelos espanhis e seduzidos pela ideia de que teriam melhor sorte com os portugueses, os indgenas pouco se opuseram dessa vez. Mas os novos conquistadores no demonstraram ser menos gananciosos e corruptos do que os espanhis. Em pouco tempo, dividiram entre si o que restava das estncias e do gado missioneiros. Os conflitos entre castelhanos e brasileiros, que culminaram na criao do Uruguai em 1828, tambm arrastaram guerra muitos indgenas. Em 1822, ano da Independncia do Brasil, no restavam nas Misses mais do que 2.350 guaranis. Em 1830, praticamente no havia mais ndios nos Sete Povos.

    A Rio Pardo coube, como escreveu Dante de Laytano, a funo sociolgica de consolidar as

    conquistas e os domnios portugueses no Sul do Brasil. Dali saram, fronteira afora, Drages e estancieiros armados dispostos a se apropriarem do territrio pertencente aos ndios e aos espanhis, no exatamente para o rei de Portugal, mas principalmente para si mesmos. A conquista da fronteira de Rio Pardo no obedeceu a uma poltica planejada e definida. Ela foi decorrente de conquista militar, beneficiando, por isso mesmo, os homens da guerra. Ou seja, para a posse e concesso de sesmarias, prevaleceu a fora social dos militares e das pessoas vinculadas administrao colonial.

    A distribuio das sesmariasEstancieiros armados conquistaram os territrios dos ndios

    Sesmarias e datas poca do Brasil Colnia, as terras eram concedidas por meio de sesmarias e de datas. A sesmaria correspondia, em mdia, a 3 x 1 lgua. Assim, uma sesmaria equivaleria a 13.068 hectares. As datas correspondiam a de lgua quadrada, o que representava 272 hectares. As primeiras sesmarias no Rio Grande do Sul foram concedidas j em 1732, nos Campos de Viamo. Na Bacia do Jacu, as terras comearam a ser povoadas a partir do Tratado de Madri. Com a dominao espanhola, a ocupao da regio se intensificou e foi garantida militarmente por Rio Pardo e Santo Amaro.

    Borges do Canto

    A disporados guaranis

    BANCO DE IMAGENS/GS

    Jos Borges do Canto era um soldado desertor do Regimento de Drages de Rio Pardo e um contrabandista. Manuel dos Santos Pedroso era um mameluco estancieiro e Gabriel Ribeiro de Almeida, um militar. Embora tenham sido rio-grandenses que, com armas em punho, anexaram a rea dos Sete Povos, eles tiveram a complacncia e o incentivo do comando do Regimento dos Drages. uma vez

    conquistado o territrio, para l se deslocaram tropas para manter a regio sob o domnio portugus. Inicialmente foram os estancieiros luso-brasileiros mas, depois, tambm os colonos de origem italiana e alem que aproveitaram os materiais dos prdios missioneiros para a construo de suas casas. As poucas runas ainda existentes testemunham a devastao da experincia das Misses.

    Os confrontos travados com os castelhanos entre 1762 e 1776 reforaram o poder dos militares e dos estancieiros j estabelecidos no Rio Grande do Sul, indispensveis para a reconquista do territrio. Durante e aps o conflito com os castelhanos, inmeras terras foram distribudas aos que tinham prestado servios causa portuguesa. No ano de 1808, o contratador Manoel Antnio de Magalhes se mostrou indignado com o fato de haver na capitania moradores com trs ou mais sesmarias. De acordo com ele, um homem que tinha a proteo tirava uma sesmaria em seu nome, outra em nome do filho mais velho, outras em nome da filha e filho que ainda estavam no bero e, desse modo, h casos de quatro e mais sesmarias .

  • 27Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    Conforme Dante de Laytano, um personagem que bem ilustra a figura do soldado-estancieiro

    Rafael Pinto Bandeira, Comandante do Continente do Rio Grande. Homem laureado pelos seus feitos militares, contrabandista de gado e de couros e profundo conhecedor da regio e da gente, Pinto Bandeira fez valer seu poder e influncia para obter concesses de terras. Dentre suas propriedades encontram-se a Estncia das Pombas, em Rio Pardo, com duas lguas quadradas, sobrados e muitas benfeitorias, e a Fazenda do Pavo, no Camaqu, em Passo da Armada, com 12 lguas quadradas. Outra fazenda de duas lguas por uma, no Capivari, em Rio Pardo, e muitos outros campos, casas, chcaras e capes, alm de 23 mil reses, tambm faziam parte de suas posses.

    Sede da Fazenda

    das Pombas, em Rio Pardo, que

    pertenceu a Pinto

    Bandeira

    O legendrio Pinto Bandeira

    Soldados sediados em Rio Pardo tambm auxiliaram nas guerras que culminaram com a conquista e posterior perda da Cisplatina (atual Uruguai).

    Em 1808, com os exrcitos de Napoleo Bonaparte se apoderando de Portugal, houve a transmigrao da famlia real e da corte portuguesa para o Brasil. A partir de ento se intensificou o desejo de estender o imprio luso at o esturio do Prata.

    No Prata, a situao se complicaria a partir de 1810, quando o cabildo de Buenos Aires se declarou independente da Espanha e procurou organizar as Provncias Unidas do Prata que reuniria os atuais Peru, Paraguai, Uruguai e Argentina. Alm disso, o caudilho Artigas prometia colocar em prtica um projeto revolucionrio com redistribuio de terras na Banda Oriental. Entre 1811 e 1812, um Exrcito Pacificador de 3 mil soldados paulistas, catarinenses e gachos invadiu o Uruguai e tomou Montevidu. Nessa oportunidade, foi anexada grande parte do distrito de Entre Rios, base em que atuava Artigas. O territrio anexado corresponde aos atuais municpios de Uruguaiana, Santana do Livramento e parte dos municpios de Rosrio do Sul e Dom Pedrito.

    Em 1816, 4.800 veteranos soldados de guerra vindos de Portugal e comandados pelo general Lcor voltaram a intervir no Uruguai. Artigas e seus correligionrios foram derrotados e a Banda Oriental foi anexada ao Brasil com o nome de Provncia da Cisplatina. Quinze anos aps a conquista das Misses, o sonho portugus de anexao de terras em direo ao rio da Prata finalmente se realiza.

    Contra a dominao

    A partir de 1825, Juan Antonio Lavalleja inicia o movimento de resistncia contra a dominao que, a essas alturas, no mais portuguesa, mas brasileira. Os revoltosos ganham o auxlio dos argentinos. Derrotado nas batalhas de Sarandi e Passo do Rosrio, o Brasil aceita a interferncia da diplomacia inglesa e consente na criao de um novo pas. Surge assim, em 1828, o Uruguai.

    Uruguai j foi do Brasil

    Tpico soldado-estancieiro, usou seu poder para acumular bens

    Pinto Bandeira

    Carta pede terra para afugentar os ndiosIlustrssimos e excelentssimos senhores

    Diz Ignacia Zeferina e Souza, filha do Alferes Joz Caetano de Souza, morador na fronteira do Rio Pardo, que existindo muitos terrenos devolutos no serto entre aquele distrito e o da Vacaria, serto ocupado pelos ndios brabos, se tem alguns vassalos animados a entrar e a querer povoar parte do mesmo serto, assim afugentar os ditos ndios e tornarem teis os terrenos, e porque a suplicante com assistncia de seus pais, pretende tambm povoar e formalizar uma estncia no dito serto por gozar deste benefcio do referido seu pai roga a Vossas Excelncias se digne conceder suplicante por sesmaria a extenso de uma lgua de frente com trs de fundos compreendendo campos faxinais e matos no referido serto e no lugar aonde findar a sesmaria que tem referido o Tenente Coronel Joo Maria de Brito.

    Senhores conceder a graa imploradaE requer merc.

  • 28 Uma luz para a histria do Rio Grande

    O escritor gacho Apolinrio Porto Alegre (Rio Grande,1844-1904) inclui o ndgena em seu principal romance, O Vaqueano (1872). No texto, o autor acentua o lado selvagem da tribo dos guaicans filhos da selva, como ele os chama , que se sobrepuja a qualidades ressaltadas em outros personagens da trama, como a lealdade e a amizade. O desfecho de sua narrativa coincide com o extermnio da tribo. Inspirado em O gacho, de Jos de Alencar, O vaqueano conta uma histria de vingana. O protagonista Jos de Avenal, que conduz parte das tropas do exrcito farroupilha at Santa Catarina.

    Na literatura e nas artes, o indianismo significou a idealizao do indgena, retratado como heri nacional. Essa viso se baseou no mito do bom

    selvagem, apresentado pelo filsofo francs Jean-Jacques Rousseau no livro Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755). Rousseau afirma que o homem nasce bom e sem vcios, mas pervertido pela sociedade civilizada. Sua teoria fundamentou, dcadas mais tarde, o indianismo romntico. No sculo XIX, o ndio se torna o tema central dos escritores brasileiros. Representa a pureza e a coragem do homem no corrompido pela sociedade. Os romances Iracema (1865), O Guarani (1857) e Ubirajara (1874), de Jos de Alencar, marcam o perodo. Na mesma linha vai o poema I-Juca Pirama (1857), de Gonalves Dias, que relata a morte do ltimo remanescente da tribo tupi,

    devorado por membros da tribo dos timbiras. No Rio Grande do Sul, a mesma valorizao

    se reflete na produo literria. O poeta romntico Francisco Lobo da Costa (Pelotas, 1853-1888), no seu poema pico (inacabado) Os farrapos ou A Revoluo de 1835 no Rio Grande do Sul, vincula a figura do gacho do ndio, na medida em que ambos so valentes, nobres e dominam com preciso a sua montaria. O texto destaca a participao dos indgenas na Revoluo Farroupilha, mostrando-os como heris destemidos.

    Bernardo taveira Jr. (Rio Grande, 1838-92), no poema Rio Grande do Sul, enfatiza a origem do povo rio-grandense como descendente da raa tupi: Descendes bela / Da raa tupi / Da raa dos fortes / Dos livres aqui. E ao definir o carter do gacho, logo trata de associ-lo ao ndio. um raciocnio semelhante ao do romancista e crtico literrio Alcides Maya (So Gabriel, 1878-1944): para ele, o gacho surge como fruto da mestiagem entre o ndio e o tipo ibrico.

    A idealizao do ndio foi alvo da stira de Lima Barreto em 1911, com a publicao de Triste fim de Policarpo Quaresma. O romance conta a saga de um brasileiro nacionalista que busca, na recuperao das tradies indgenas, a sada para os problemas polticos, culturais e econmicos do Brasil. O major Quaresma chega a sugerir Assembleia Legislativa a adoo do tupi-guarani como lngua oficial. Quaresma considerado louco e termina seus dias encerrado em um manicmio.

    O heri da literatura nacional

    Misses

    lvaro fitou no ndio um olhar admirado. Onde que este selvagem sem cultura aprendera a poesia simples, mas graciosa; onde bebera a delicadeza de

    sensibilidade que dificilmente se encontra num corao gasto pelo atrito da sociedade?A cena que se desenrolava a seus olhos respondeu-lhe; a natureza brasileira, to rica e brilhante, era a imagem que produzia aquele esprito virgem, como o espelho das guas reflete o azul do cu. (O Guarani, de Jos de Alencar)

    Baseado no mito do bom selvagem, ndio retratado como ser puro e corajoso, inclusive na fico rio-grandense

    Sep Tiaraju, heri guarani na guerra contra as tropas luso-brasileiras e espanholas, morto em combate em 1756, tema do livro Sep Tiaraju Romance dos Sete Povos das Misses, de Alcy Cheuiche. Assim ele vislumbra a queda de Sep: A fuzilaria redobra de intensidade. J poucos guaranis restam de p no campo de batalha. Sep rene os remanescentes e parte para uma nova carga. Sua lana levanta da sela um drago portugus. Trs, quatro soldados inimigos o cercam. uma lana o atinge pelas costas. Seu corpo tomba sobre o pescoo do cavalo. A saga de Sep tambm lembrada no poema pico O Uraguai, de Baslio da Gama, e em O Continente, de Erico Verissimo. J o romance Ibiamor O Trem-fantasma, de Roberto Bittencourt Martins, traz o personagem do ndio Teiret. Ele conseguiu fugir da ltima reduo jesutica destruda e passou a viver no fundo de um despenhadeiro, onde ergue cruzes lembrando os irmos mortos. As cruzes, levadas pelas guas do desfiladeiro, sempre tm de ser reerguidas. Esse trabalho contnuo, sem fim, simboliza o protesto e a resistncia de Teiret.

    Guaicans

    Jos de Alencar

    Porto Alegre

  • 29Rio Pardo 200 anos Cultura, Arte e Memria

    muito frequente o uso de filmes como material didtico em sala de aula. Um dos mais utilizados pelos professores de Histria no Ensino Fundamental e Mdio A Misso.Produzido em 1986, tem astros de peso como Robert De Niro e Jeremy Irons. Recebeu oito indicaes para o Oscar e venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O tema a Guerra Guarantica, ocorrida no sculo XVIII. Apesar do seu prestgio, A Misso apresenta uma srie de incorrees histricas e geogrficas. Abaixo, as mais graves:

    1) Foram os territrios e ndios dos Sete Povos das Misses que estiveram diretamente envolvidos no tratado de Madri de 1750, e no as misses guairenhas. Essas j haviam sido arrasadas h mais de cem anos.

    2) O palco dos conflitos no foi os Altos do Rio Paran nem a Mata Atlntica, mas as coxilhas do atual territrio do Rio Grande do Sul. Foi em Caiboat (hoje So Gabriel) que se deu o genocdio guarani quando a infantaria, a artilharia e a cavalaria de Portugal e da Espanha destroaram a guerri