rodrigo franklin - dependencia relações economicas brasil contemporaneo
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RODRIGO STRAESSLI PINTO FRANKLIN
UM ENSAIO SOBRE A DEPENDNCIA A PARTIR DAS RELAESECONMICAS DO BRASIL CONTEMPORNEO
Dissertao submetida ao Programa de Ps-Graduao em Economia da Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para a obteno do ttulo de Mestre emEconomia, com nfase em Economia do De-senvolvimento.
Orientador: Prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fon-seca.
PORTO ALEGRE2012
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)
Responsvel: Biblioteca Gldis Wiebbelling do Amaral, Faculdade de Cincias Econmicas da UFRGS
F833e Franklin, Rodrigo Straessli PintoUm ensaio sobre a dependncia a partir das relaes econmicas do Brasil
contemporneo / Rodrigo Straessli Pinto Franklin.Porto Alegre, 2012.130 f. : il.
Orientador: Pedro Cezar Dutra Fonseca.
nfase em Economia do Desenvolvimento.
Dissertao (Mestrado em Economia)Universidade Federal do Rio Grande do Sul,Faculdade de Cincias Econmicas, Programa de Ps-Graduao em Economia, PortoAlegre, 2012.
1. Relaes econmicas : Brasil. 2. Desenvolvimento econmico. 3. Teoriaeconmica. I. Fonseca, Pedro Cezar Dutra. II. Universidade Federal do Rio Grande doSul. Faculdade de Cincias Econmicas. Programa de Ps-Graduao em Economia.III. Ttulo.
CDU 338.92(81)
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AGRADECIMENTOS
Realizar um trabalho de tal monta requer um esforo que com certeza no pode ser re-
alizado sem a ajuda de muitas pessoas, no apenas no plano intelectual, mas tambm no plano
afetivo. Sendo assim, tenho muito que agradecer aos meus familiares e amigos, que souberam
compreender minha ausncia e privao nestes ltimos dois anos.
Agradeo tambm aos amigos que fiz em Porto Alegre e que muito contriburam com
conversas descomprometidas pelos cafs da Cidade Baixa ou pelos bares da Calada da Fa-
ma, tornando minha estada nesta maravilhosa cidade um momento de minha vida que nunca
esquecerei. Tanto os amigos que fiz no mestrado da UFRGS, dentre eles Rafael Guimares,
Fbian Domingues, Carlos Vincius Soares, Alexandre Markoski, Giliad de Souza, Augusto
Beteba, quanto aos amigos e camaradas do curso de especializao da FAPA e do Sindbanc-
rios, dentre os quais Fernando Mattoso, Vanessa Gil, Slvio Carneiro ( claro!), Francisco
Magalhes e Jlio Vivian.
No poderia deixar de fora os meus irmos que calorosamente me acolheram no frio
glacial de Porto Alegre. Para Airton Bonacheski, Antnio Meireles, Abrao Rocha, Luiz
Mousquer, e para todos os demais envio meu trplice e fraternal abrao.
Agradeo ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Economia da UFRGS,
que contribuiu de modo mpar para minha formao intelectual, em especial ao meu orienta-
dor, professor Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca, por todo seu apoio, contribuio e compreen-
so durante minha jornada.
Aos meus amigos que me auxiliaram a refinar os pensamentos que aqui depositei, com
logos debates, sugestes e indicaes dos caminhos que poderia seguir. Sou muito grato Lyncoln Wchoa e Heldo Siqueira pela amizade e apoio intelectual.
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Ser que nunca faremos seno confirmarA incompetncia da Amrica catlicaQue sempre precisar de ridculos tiranos?Ser, ser que ser, que ser, que serSer que esta minha estpida retricaTer que soar, ter que se ouvir por mais zil anos?
Caetano Veloso (p2005)
certo que a arma da crtica no pode substituir a crticadas armas, que o poder material tem de ser derrubado pe-lo poder material, mas a teoria converte-se em fora ma-terial quando penetra nas massas.
Karl Marx (2005, p. 151).
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RESUMO
O presente trabalho busca, por meio de uma anlise crtica da teoria da dependncia, estabele-
cer os princpios metodolgicos e os elementos centrais para a aplicao do aludido referenci-
al terico ao caso concreto brasileiro das ltimas duas dcadas. Para tanto, resgata-se os de-
senvolvimentos anteriores da teoria, buscando desde suas origens na escola estruturalista da
CEPAL, com os trabalhos de Ral Prebisch e Celso Furtado, at a sua consolidao nas duas
vertentes marxistas da teoria da dependncia, os neomarxistas, com as contribuies de Ruy
Mauro Marini, e os cardosianos, a partir da anlise das obras de Fernando Henrique Cardoso e
Enzo Faletto. realizada, ento, uma crtica metodolgica das referidas vertentes marxistas,
com o intuito de extrair dos escritos precedentes aquilo que poderia servir de base para a
construo de uma teoria adequada tanto situao histrica atual quanto s interpretaes
contemporneas da obra de Karl Marx. Por fim, com base nas crticas realizadas, busca-se
construir uma nova proposta para a anlise, em que a categoria da dependncia se constri
como sntese das relaes de explorao, subordinao e vinculao entre pases centrais e
perifricos. Para que a referida categoria e suas mltiplas determinaes sejam compatveis
com a realidade brasileira contempornea, utiliza-se para a sua construo de dados referentes
s relaes econmicas entre o Brasil e os Estados Unidos nos ltimos vinte anos.
Palavras-chave: Economia do desenvolvimento. Teoria da dependncia. Relaes internaci-
onais. Materialismo dialtico.
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ABSTRACT
Through a critical analysis of the dependency theory, the present work attempts to create the
methodological principles and core elements for the usage of the aforementioned theoretical
framework to the Brazilian case of the last two decades. To do that, the prior developments of
the theory are rescued, since its origins in the structuralist school of ECLAC, with the work of
Ral Prebisch and Celso Furtado, until its consolidation in two different Marxists strands of
dependency theory, the Neo-Marxists, with the contribution of Ruy Mauro Marini, and the
Cardosians, through the work of Fernando Henrique Cardoso and Enzo Faletto. Then, a
methodological critic of these Marxists strands is done, in order to extract what could be used
as base for the construction of an adequate theory both to the present historical situation as tothe contemporary interpretations of the work of Karl Marx. Finally, based on these critics, a
proposal for a new framework is made, in which the dependency category is built as a
synthesis of relations of exploitation, subordination and linking between central and
peripheral countries. For this category and its multi-determinations to be compatible with
contemporary Brazilian reality, data concerning about the relations between Brazil and United
States in the last twenty years are used in its construction.
Keywords: Economic development. Dependency theory. International relations. Dialectical
materialism.
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SUMRIO
1 INTRODUO .................................................................................................................... 82 BASES TERICAS DA DEPENDNCIA ...................................................................... 122.1 O estruturalismo cepalino ............................................................................................... 162.1.1 Prebisch e a deteriorao dos termos de troca .............................................................. 172.1.2 A dinmica dependente de Celso Furtado .................................................................... 182.2 Neomarxistas .................................................................................................................... 212.2.1 Ruy Mauro Marini e a Dialtica da Dependncia......................................................... 232.3 Cardosianos ...................................................................................................................... 322.3.1 O weberianismo cardosiano: a classificao falaciosa ................................................. 342.3.2 Mtodo da anlise integrada do desenvolvimento ........................................................ 372.3.3 Dependncia e desenvolvimento .................................................................................. 403 ENTRE O ECONOMICISMO E O SOCIOLOGISMO: BUSCA DE UM MTODOPARA OS ESTUDOS DA DEPENDNCIA ........................................................................ 483.1 Impasses do neomarxismo .............................................................................................. 483.1.1 A crtica cardosiana ...................................................................................................... 483.1.2 Para alm da crtica cardosiana ..................................................................................... 563.2 A insuficincia da dialtica cardosiana ......................................................................... 703.3 Base metodolgica para uma nova abordagem sobre a dependncia ......................... 764 PROPOSTA PARA UMA NOVA ABORDAGEM DA DEPENDNCIA ................... 814.1 A dependncia nas relaes Brasil x EUA nas dcadas de 1990 e 2000 ..................... 824.1.1 Explorao dos desiguais .............................................................................................. 834.1.2 Subordinao econmica da independncia formal ................................................... 1064.1.3 Vinculao ou desenvolvimento combinado .............................................................. 1124.2 A lgica concreta da dependncia no Brasil contemporneo .................................... 1155 CONCLUSO .................................................................................................................. 123REFERNCIAS ................................................................................................................... 128
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1 INTRODUOA dcada de 1980 vivenciou o triunfo do pensamento liberal de uma forma inimagin-
vel at mesmo pelos seus maiores entusiastas. Ao mesmo tempo em que o capitalismo decla-rou sua vitria sobre o socialismo real, pondo fim ao mais tenso cenrio internacional que a
humanidade j presenciou, o livre mercado atestava sua soberania sobre as polticas desenvol-
vimentistas e keynesianas, acusadas de terem mergulhado grande parte do mundo em uma
prolongada estagnao. Dito de outra forma, no s o capitalismo comprovaraa sua superi-
oridade, como ficara claro tambm que ele deveria ter um carter liberal.
A fora com que a histria alou a hegemonia do pensamento liberal permitiu que seus
adeptos difundissem em todo mundo a ideia de que um consenso havia sido alcanado entre
os economistas das principais correntes tericas. E essepensamento nico, cristalizado no
Consenso de Washington, se constituiu na base das polticas que seriam implantadas no de-
correr das duas dcadas seguintes tanto nos pases que abandonavam a alternativa socialista
quanto naqueles que experimentaram o fracasso das polticas desenvolvimentistas (ou inflaci-
onistas como diriam os mais crticos).
O fim da histria foi decretado. A humanidade entraria agora em uma lenta fase de di-
fuso das democracias liberais de mercado que, em funo da prosperidade que trariam para
todos os pases que aderissem aos seus princpios, em algum momento culminaria no surgi-
mento do Estado homogneo universal hegeliano1.
Na outra face da moeda, o pensamento crtico passava por uma grave crise. Vrios te-
ricos marxistas, vendo na queda do muro de Berlim uma prova da insuficincia do pensamen-
to marxista, abandonaram sua perspectiva terica, havendo at mesmo aqueles que foram se
filiar ao pensamento liberal. Os que restaram no conseguiram dar voz a uma proposta alter-
nativa, talvez por uma caracterstica intrnseca da esquerda de no conseguir se aglutinar em
torno de uma unidade.
No Brasil, a implantao das polticas liberais foi intensificada a partir da ascenso de
Fernando Collor de Mello Presidncia da Repblica em 1990. Mas foi no governo de Fer-
nando Henrique Cardoso que esse conjunto de polticas tornou-se hegemnico no debate eco-
nmico dentro do pas. A abertura comercial e financeira, a privatizao das empresas estatais
e o incio do desmantelamento da rede de proteo social caminharam a passos largos nesse
1 Essa tese foi apresentada por Francis Fukuyama em um artigo intitulado O fim da histria e posteriormenteno livro O fim da histria e o ltimo homem (FUKUYAMA, 1992).
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perodo, e as reformas estruturais de cunho liberal que estavam na pauta do dia eram consi-
deradas como inevitveis tanto que mesmo a ascenso de um governo de oposio, em
2003, no foi capaz de refre-las, seno ao contrrio, de aceler-las.
Por fim, chegara a vez de o liberalismo dar as cartas. Mas, da mesma intensidade do
entusiasmo que dominava o pensamento liberal no incio da dcada de 1990, foi a frustrao
diante dos resultados colhidos aps duas dcadas de polticas liberalizantes. Mesmo tendo se
consolidado como nica alternativa, mesmo sem contar com crticas capazes de mobilizar a
opinio pblica, em outras palavras, dispondo de todos os meios necessrios para a implanta-
o de suas polticas, a difuso do Consenso de Washington no s gerou pfios resultados em
termos de desenvolvimento para os pases perifricos como levou a uma das maiores crises
que o capitalismo j viu e que, inclusive, veio a eclodir exatamente no centro do capitalismo
mundial.
No cenrio nacional, as ltimas duas dcadas apresentaram uma taxa de crescimento
do PIBper capitamuito inferior no s se comparado s trs dcadas precedentes como tam-
bm em comparao aos pases mais ricos do mundo. Alm disso, muitos autores tm aponta-
do para uma modificao na pauta de exportao brasileira, indicando a ocorrncia de um
processo de reprimarizao da economia, como resultado do desmantelamento do parque in-
dustrial nacional ocorrido durante o processo de abertura comercial.
Esse panorama deixou os tericos liberais de tal forma desconcertados que os mesmos
foram obrigados a fazer uma avaliao das polticas que defendiam ardentemente at ento. O
Consenso de Washington foi declarado parte do passado e o debate sobre as funes do Esta-
do como regulador do mercado voltou pauta do dia.
Com isso, o pensamento crtico toma um novo flego. Resgatam-se os debatesorigi-
nrios da dcada de 1950 sobre os limites e possibilidades do desenvolvimento em um pascom insero perifrica no cenrio internacional, como o caso do Brasil. Dentre as vrias ma-
tizes tericas sobre o tema, destaca-se a teoria da dependncia, que busca compreender o de-
senvolvimento brasileiro como um desenvolvimento capitalista, dotado de dinmica prpria,
mas ao mesmo tempo influenciado pelo capital internacional.
Por outro lado, o desempenho dos pases perifricos durante a recente crise financeira
internacional contraria, ao menos na aparncia, as concluses tericas da teoria da dependn-
cia. Dentro dessa teoria, os pases perifricos, de insero dependente do mercado mundial,teriam seu desenvolvimento vinculado ao desempenho das economias centrais. No obstante,
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esses mesmos pases foram os que, aparentemente, se recuperaram mais rpido da crise e so
apontados como os novos motores do crescimento mundial. Alm desse aspecto, pelo menos
no Brasil, o desempenho econmico foi acompanhado de um processo de reduo do nvel de
pobreza e da concentrao de renda, algo que tambm contraria a tese de muitos dos autores
dependentistas.
Diante do exposto, levando em considerao que compreenses equivocadas sobre a
realidade podem levar a resultados desastrosos em termos de ao prtica, o presente ensaio
apresenta uma proposta de pesquisa no sentido de repensar a teoria da dependncia como pa-
radigma terico capaz de explicar o desenvolvimento brasileiro nos ltimos vinte anos. Teoria
essa entendida como um esforo do marxismo em adaptar-se s peculiaridades latino-
americanas, motivo pelo qual acreditamos que promover uma releitura desse pensamento ,
ao mesmo tempo, uma reafirmao do marxismo como um corpo terico adequado para o
entendimento do capitalismo em sua fase atual.
Essas relaes de dependncia manifestam-se de vrios modos tais como polticos,
sociais, ideolgicos, tecnolgicos e financeiros sendo que aqui nos focaremos nas formas
econmicas que determinam as relaes de dependncia. No que consiste essas relaes de
dependncia econmica, quais so suas determinaes e sua lgica, e como essa relao se
manifesta na realidade brasileira contempornea so, portanto, os pontos centrais de nossa
pesquisa.
Em certo sentido, o presente trabalho se atm a tentar responder uma das questes que
central nos estudos da economia do desenvolvimento, e um dos primeiros temas da econo-
mia em geral: por que uns pases so ricos e outros pobres? Ou ento, qual a natureza e
quais so as causas da riqueza das naes?
Desde a obra seminal de Adam Smith, economistas de todo o mundo buscam respon-der a essa questo. O que apresentamos aqui, portanto, no nada de novo, mas apenas uma
forma de abordar essa mesma pergunta com um olhar que vai alm da economia tradicional.
Um olhar que v na existncia da riqueza a prpria pobreza, que v o capitalismo como um
sistema por essncia desigual. Um sistema que tenta varrer para baixo do tapete todos os ma-
les que cria, apontando a culpa da misria nos prprios miserveis.
Nossa pesquisa encontra-se dividia em quatro partes, alm dessa introduo. A primei-
ra delas, nosso segundo captulo, consiste em um levantamento das verses da teoria da de-pendncia e como se desenvolvem seus principais conceitos. Essa parte da pesquisa com-
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posta por uma reviso bibliogrfica, na qual recorremos tanto aos autores dependentistas
quanto queles que os precederam. Apresentamos os elementos centrais da anlise estrutura-
lista, tendo por base o pensamento de Celso Furtado, e das vertentes marxistas da teoria da
dependncia, os neomarxistas e os cardosianos.
No captulo seguinte, realizamos uma crtica metodolgica s vertentes marxistas da
teoria da dependncia com o objetivo de averiguar sua adequao para a aplicao em uma
tentativa de interpretar a realidade brasileira de hoje. Nesse captulo, indicamos quais so os
aspectos metodolgicos que exigem um esforo para a reelaborao da teoria da dependncia,
assim como os elementos trabalhados pelos autores precedentes que devem ser preservados.
O quarto captulo apresenta uma proposta para uma nova leitura da teoria da depen-
dncia, indicando os caminhos que podem ser seguidos para a construo da categoria abstra-
ta da dependncia a partir da anlise das relaes econmicas entre Brasil e Estados Unidos
no perodo que vai de 1991 a 2010. Nesse captulo, contrapomos a economia brasileira nor-
te-americana por esta se constituir naquela que hegemonizou o cenrio internacional do per-
odo analisado. A partir de dados estatsticos sobre as relaes entre ambos os pases que evi-
denciam a forma que as relaes materiais se desenrolam na sociedade contempornea, pro-
pomos uma nova interpretao do conceito de dependncia e indicamos como ele poderia ser
utilizado para compreender o movimento do capital em escala mundial.
Dessa forma, usando um conceito j trabalhado anteriormente, no entanto repensado
para apresentar uma maior adequao terica tanto realidade atual quanto s interpretaes
contemporneas do materialismo histrico e dialtico, propomos uma teoria da dependncia
cujo sentido ltimo se encontra no em compreender a influncia que a dinmica capitalista
mundial gerar no desenvolvimento da sociedade brasileira, mas ao contrrio, compreender
como a sociedade brasileira, com suas relaes com outras economias, ir influenciar a din-
mica capitalista mundial.
Por fim, apresentamos uma concluso com os principais elementos de nossa anlise e
uma indicao dos prximos passos que devero ser seguidos nesse amplo projeto de pesqui-
sa.
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2 BASES TERICAS DA DEPENDNCIAO debate acerca da teoria da dependncia foi extremamente frutfero nas dcadas de
1970 e 1980, tendo-se reduzido bastante nos ltimos vinte anos. Suas origens remontam sprimeiras interpretaes cepalinas sobre as economias latino-americanas.
O pensamento cepalino se desenvolveu como crtica s concepes do mainstreamso-
bre o comrcio internacional, cuja base remonta teoria das vantagens comparativas de David
Ricardo, erguendo-se como contraponto s proposies etapistas desenvolvidas posteriormen-
te por Walt Whitman Rostow, que via o desenvolvimento do capitalismo como um processo
linear no qual as economias latino-americanas se encontrariam em uma etapa anterior a das
economias europeias e norte-americanas. A teoria cepalina buscou evidenciar as dinmicas
prprias das economias perifricas, as quais se diferenciariam das economias centrais, de mo-
do a deixar clara a inexistncia de uma linearidade que levaria a transformao de uma nas
outras.
A primeira crise da teoria cepalina, que veio com a estagnao econmica que assolou
diversos pases latino-americanos no incio da dcada de 1960, impulsionou alguns autores
marxistas a se debruarem sobre o tema. Esses, ao mesmo tempo, seriam tentados a se afastar
das teses do marxismo ortodoxo, propalado pelos quadros burocrticos da Unio das Repbli-
cas Socialistas Soviticas, ao contrastarem tais teses com os processos histricos que culmina-
ram na revoluo socialista cubana, chamando a ateno para a geopoltica latino-americana.
Desses autores nasceu a teoria da dependncia, que buscava evidenciar as peculiarida-
des da formao histrico-social dos pases latino-americanos, afirmando-os como plenamen-
te capitalistas, mas com um capitalismo diferente, fadado ao subdesenvolvimento. Apresenta-
vam, ento, como caminho de superao desse subdesenvolvimento a revoluo socialista.
Tal teoria recebeu uma crtica feroz de vrios setores da academia e de segmentos da
prpria esquerda, sendo a mais severa a crtica de Fernando Henrique Cardoso, que buscou
evidenciar os desvios desses autores com relao dialtica marxista. Como resultado natural
do processo da crtica cardosiana, o referido autor lanou as bases de uma segunda vertente
marxista da teoria da dependncia, diferenciada da anterior, sobretudo, quanto ao mtodo.
Antes de nos aprofundarmos no debate sobre a dependncia, perscrutando as argumen-
taes presentes em cada uma das vertentes, importante esclarecermos alguns conceitosacerca do status terico desses estudos. Alguns autores questionam se essas investigaes
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teriam envergadura o suficiente para trat-las como uma teoria2. Ao invs disso, preferem
utilizar os termos abordagem, escola,ou aporte da dependncia. A origem dessa quere-
la remete a um debate entre Francisco Corra Weffort e Fernando Henrique Cardoso no incio
da dcada de 1970, em um seminrio promovido pela Faculdade Latino-Americana de Cin-
cias Sociais FLACSO, em Santiago. Weffort (1971) apresenta uma crtica ao conceito de
dependncia tal como utilizado pelas teorias tanto marxistas quanto estruturalistas. Para o
autor, a dependncia:
[...] oscila, irremediavelmente do ponto de vista terico, entre um approachnacionale um approachde classe. No primeiro, o conceito de nao opera como uma premis-sa de toda a anlise posterior das classes e relaes de produo; ou seja, a atribui-o de um carter nacional (real, possvel e desejvel) economia e estrutura declasses joga um papel decisivo na anlise. No segundo, pretende-se que a dinmica
das relaes de produo e das relaes de classe determine, em ltima instncia, ocarter (real) do problema nacional (WEFFORT, 1971, p. 6).
Assim, ao utilizar a categoria da dependncia para buscar compreender a dinmica de
classes, os dependentistas incorreriam no erro de substituir a categoria de classes pela de na-
o, sendo esta ltima insuficiente para o entendimento da sociedade como conjunto
(WEFFORT, 1971, p. 9).
Em resposta crtica de Weffort, Cardoso em um texto intitulado Teoria da de-
pendncia ou anlises concretas de situaes de dependncia? argumenta: [...] rigorosa-mente no possvel pensar numa teoria de dependncia. Pode haver uma teoria do capit a-
lismo e das classes, mas a dependncia, tal como caracterizamos, no mais do que a expres-
so poltica, na periferia, do modo de produo capitalista quando este levado expanso
internacional (CARDOSO, 1973, p. 128). Fica claro que a argumentao do autor refere-se
tentativa de se pensar a dependncia dissociada de uma teoria de classes (ou seja, como pau-
tada unicamente no conceito de nao).
Mas as palavras fortes do autor, combinadas com o ttulo de seu referido texto, difun-diriam a tese de que o prprio Cardoso possuiria um comportamento hesitante ao tratar sobre
a dependncia. Isso o leva a tentar corrigir o equvoco no artigo Notas sobre o estado atual
dos estudos sobre a dependncia3, publicado originalmente em 1972. Explica:
Eu no penso que a categoria [...] de dependncia possua o mesmostatusterico dascategorias centrais da teoria do capitalismo. A razo para isto bvia; no se pode
pensar na dependncia sem os conceitos de mais-valia, expropriao, acumulaoetc. A idia de dependncia se define no campo terico da teoria marxista do capita-lismo.
2 Cf., por exemplo, Machado, 1999.3 Aqui citada a verso publicada sob o ttulo A dependncia revisitada (CARDOSO, 1993).
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Isto posto, no h razo para negar a existncia de um campo terico prprio, embo-ra limitado e subordinado teoria marxista do capitalismo, no qual se inscrevem asanlises sobre a dependncia. E neste caso, no h por que utilizar as aspas na ex-
presso teoria. Existe, pois, a possibilidade de pensar-se na teoria da dependncia,sempre e quando ela se inscreva no campo terico mais amplo da teoria do capita-
lismo ou da teoria do socialismo [...] (CARDOSO, 1993, p. 100-101).
Mas a polmica j estava lanada. E a tese de que os estudos sobre a dependncia no
constitua uma teoria ganhava adeptos. Em um texto de divulgao de Gabriel Palma, publi-
cado em 1978, seis anos depois da correo de Cardoso, sob o ttulo Dependency: a formal
theory of underdevelopment or a methodology for the analysis of concrete situations of un-
derdevelopment?4, o autor afirma que, para Cardoso, seria enganoso ver a dependncia como
uma teoria formal, e que nenhuma implicao geral poderia ser abstrada de sua anlise.
Parece-nos que a interpretao de Palma deriva de uma leitura descontextualizada dos
textos de Cardoso. Mais ainda, no fim do referido artigo, Palma afirma : I have shown that
there is no such thing as a single 'theory of dependency'; under the dependency label we find
approaches so different that we may at best speak of a 'school of dependency ' (PALMA,
1978, p. 912). O autor parece forar uma tentativa de abandonar o status terico da dependn-
cia. Mas, a argumentao de que existem tantas abordagens distintas dentro do mesmo que
elas no conseguem se articular em uma metodologia nica, a despeito de ser verdade, no
nos parece permitir a desqualificao proposta por Palma. Como tema relevante para a reali-dade latino-americana, de se esperar que diferentes autores de diferentes inclinaes tericas
se debrucem sobre o assunto. Nesse sentido, a relao de dependncia um objeto de estudo,
objeto sobre o qual trataro vrias correntes tericas, cada uma com a sua prpria teoria da
dependncia.
A extrapolao do argumento de Palma a outros ramos da pesquisa econmica eviden-
ciam o equvoco de sua lgica. Seria similar a uma tentativa de se refutar a existncia de uma
teoria do desenvolvimento econmico, j que no h unidade metodolgica nos que a desen-
volvemuma vez que se trata de um tema ao qual j se dedicaram autores neoclssicos, insti-
tucionalistas, keynesianos, schumpeterianos, marxistas, entre vrios outros. Claro que h um
debate entre os autores de diferentes correntes tericas, mas eles no procuraram, em nenhum
momento, construir um pensamento nico juntamente com os autores de outra escola. O
mesmo pode-se dizer, por exemplo, da teoria da firma. No entanto, esses temas no so alvos
da mesma crtica que sofrem as teorias da dependncia.
4 Vale observar a semelhana do ttulo com o texto-resposta de Cardoso. Tal similitude nos indica que, mesmotendo acesso e conhecimento sobre o segundo texto, Palma opta por se alinhar ao lado da polmica.
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Portanto, no s autntico falar de uma teoria da dependncia, como tambm fun-
damental caracteriz-la pela abordagem terica que utiliza. Mesmo porque no houve a tenta-
tiva, at hoje, de se construir uma teoria sobre o assunto dissociada de mtodos e categorias
de anlise dadas por uma perspectiva terica a priori. Alm disso, cada vertente da teoria da
dependncia pode ser diferenciada das demais tanto devido ao ncleo de hipteses fundamen-
tais como ao mtodo. Claro est que, mesmo assim, essas teorias se inserem em programas de
pesquisa mais amplos, tratando-se de fato da forma como esses abordam a questo da relao
entre pases.
Nesse sentido, cabe destacar a diferenciao entre a teoria cepalina e as demais corren-
tes no que tange ao prprio entendimento da relao de dependncia. Enquanto os tericos
estruturalistas da CEPAL compreendem a dependncia como uma dinmica de desenvolvi-
mento econmico de um pas, de modo que sua superao compreenderia apenas modifica-
es nas estruturas econmico-sociais internas do mesmo, os tericos das vertentes marxistas
a compreendem como a relao que se d entre esses pases e os pases centrais. Ou seja, para
a teoria cepalina, a despeito da dependncia se expressar nas relaes do comrcio internacio-
nal, ela fruto dos elementos estruturais internos dos pases perifricos, de modo que sua su-
perao pode ser alcanada por meio de uma transformao desses elementos sem prejudicar
a lgica de acumulao do capital nos pases centrais. Enquanto que para as vertentes marxis-
tas, a dependncia resulta no s da lgica interna de cada pas, mas tambm dos processos de
expanso imperialistas do capital oriundo dos pases centrais.
No que tange ao mtodo, o estruturalismo cepalino consiste em complementar a viso
do mainstreamcom variveis que antes se achavam ignoradas por essas teorias. A base dessa
construo metodolgica consiste em reconhecer que as teorias tradicionais foram elaboradas
com o intuito de se observar os movimentos econmicos dos pases centrais, pases que pos-
suem certas semelhanas em termos de estruturas poltico sociais. Nesse sentido, aplicar o
mesmo mtodo de anlise s economias perifricas sem considerar as divergncias nas vari-
veis estruturais comprometeria o resultado da anlise.
A argumentao que so essas variveis estruturais que modificam a lgica das soci-
edades perifricas e, portanto, seu mtodo deveria consistir em uma dinamizao do modelo
do mainstream. Partem, assim, da hiptese de que, uma vez resolvidas as divergncias estru-
turais, esses pases perifricos abandonariam esse status e passariam a se comportar como as
economias centrais.
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J as vertentes marxistas da dependncia se apoiam em distintas leituras sobre o mto-
do do materialismo dialtico. Nesse ponto, podemos dividir os tericos marxistas em dois
grupos: os neomarxistas, que se apoiam na construo metodolgica de Ruy Mauro Marini,
com uma dialtica que privilegia os processos econmicos materiais; e os cardosianos, que se
alinham com as elaboraes de Fernando Henrique Cardoso sobre a dialtica marxista, colo-
cando a luta de classes e os elementos polticos como o principal fator dinmico para explicar
as especificidades de cada situao concreta de dependncia.
Vejamos agora, os elementos centrais presentes nas distintas teorias que tratam sobre a
dependncia.
2.1 O estruturalismo cepalinoA Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL) um rgo das
Naes Unidas criado em 1948 com o intuito de apoiar o planejamento econmico dos pases
latino-americanos. Do ponto de vista acadmico, o rgo ganhou notoriedade com a publica-
o do artigo seminal O desenvolvimento econmico da Amrica Latina e alguns de seus
principais problemas de seu ento secretrio-executivo, Ral Prebisch (1949). Nesse texto,
que foi calorosamente recebido pelos intelectuais latino-americanos, o autor apresentou o n-
cleo do que viria a ser conhecido como a tendncia deteriorao dos termos de intercmbio,
que consiste no fato de que os pases da Amrica Latina no se aproveitam dos frutos do pro-
gresso tcnico do mesmo modo que os pases industriais, ocasionando uma situao perversa
no comrcio internacional que se manifesta nos preos dos bens primrios.
Muitos outros intelectuais proeminentes integraram tambm a CEPAL nesse perodo,
de modo que a Comisso ganhou projeo como uma escola de pensamento econmico, a
primeira genuinamente latino-americana de proeminncia mundial. Dentre estes, destaca-se
Celso Furtado, que veio a se tornar o maior expoente do pensamento estruturalista. Foi Furta-
do que introduziu a dependncia como lgica prpria dos pases subdesenvolvidos, de modo
que sua contribuio tem importncia para a fundao da teoria da dependncia, corpo terico
que se ergueria a partir da crtica primeira gerao do pensamento cepalino.
A teoria estruturalista cepalina no se configura, ela prpria, como uma teoria da de-
pendncia visto que, a despeito de considerar a existncia de uma dinmica dependente nos
pases perifricos, no possui essa relao como objeto central de suas anlises. Ao invs dis-
so, trata-se de fato de uma teoria do desenvolvimento econmico, ampla o suficiente para
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conceber a existncia de caminhos distintos de desenvolvimento. A seguir analisaremos al-
guns elementos fundamentais do pensamento destes dois autores e que serviro de base para
uma adequada compreenso da teoria da dependncia.
2.1.1 Prebisch e a deteriorao dos termos de trocaAt a publicao da seminal obra de Prebisch, a teoria econmica sobre o comrcio in-
ternacional baseava-se, sobretudo, na obra de David Ricardo e na teoria das vantagens compa-
rativas. Do ponto de vista dessa teoria, a especializao produtiva no setor de maior produti-
vidade relativa de um determinado pas levaria sempre a um ganho absoluto para o comrcio
internacional. Essa teoria apontava, ento, para a formao de uma diviso internacional dotrabalho, em que os pases da Amrica Latina acabavam por se especializar na produo de
bens primrios (devido ao excesso de terras e mo-de-obra desqualificada, o que tornava a
produtividade relativa desse setor maior do que a dos setores industriais), enquanto os pases
dito avanados (nos quais se incluam grande parcela dos pases europeus e os Estados Uni-
dos) concentravam-se na produo industrial. Mantido tudo o mais constante, as premissas
dessa teoria garantiriam que o progresso tcnico seria repartido de modo igual entre todos os
pases.
No artigo de 1949, Prebisch questionou a validade da teoria clssica das vantagens
econmicas da diviso internacional do trabalho, ao colocar em questo a premissa de que os
frutos do progresso tcnico se repartem igualmente entre todos os pases por meio do comr-
cio internacional. Tal proposio no teria validade ao se inserir na anlise os pases perifri-
cos da economia mundial. O fundamento do questionamento consiste em que os fatos no
corroboram a premissa, uma vez que haveria uma tendncia secular de deteriorao dos pre-
os dos produtos primrios em comparao aos produtos manufaturados, causado por diversosfatores. Vejamos, ento, a argumentao de Prebisch para a existncia de tal tendncia.
Em primeiro lugar, considerando-se que os produtos manufaturados apresentam um
elevado contedo tecnolgico, em contraste com os bens produzidos pelas economias prim-
rio-exportadoras, aqueles observariam ampliaes de produtividade mais elevadas do que
estes. No entanto, mesmo que a ampliao da produtividade passasse para os setores exporta-
dores dos pases perifricos por meio de aquisio de equipamentos, esse progresso tcnico
no seria igualmente distribudo entre os pases. O autor aponta que h uma tendncia de seampliar a remunerao tanto do trabalho quanto do capital nos pases centrais a partir dos au-
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mentos de produtividade, de modo que os frutos do progresso tcnico se dividam por todas as
classes econmicas. Essa tendncia deriva do grau de organizao da fora de trabalho nesses
pases, que conseguem pressionar os salrios para cima quando h uma ampliao das mar-
gens de lucro, e dos grupos empresariais, que conseguem manter os preos elevados a despei-
to dos ganhos de produtividade alcanados.
J nos pases perifricos, tal tendncia no se verificaria, pois o progresso tcnico tra-
duz-se normalmente em preos mais baixos. A falta de uma organizao sindical capaz de
pressionar para a ampliao da remunerao da classe trabalhadora arrolada pelo autor como
o elemento responsvel por essa transferncia da produtividade para os preos.
Desse modo, haveria um elemento estruturale no meramente conjunturalrespon-
svel pela ampliao da desigualdade entre os pases industrializados e os pases perifricos
primrio-exportadores. Para reverter esse processo seria necessrio lanar mo do Estado para
incentivar o setor privado a desenvolver produo de maior contedo tecnolgico, acelerando
o processo de industrializao. Tambm seria necessrio mudar o foco da produo, voltando-
a para o mercado internoe novamente aqui o Estado teria o papel fundamental de aquecer a
demanda desse mercado.
Essas seriam as linhas gerais da teoria de Prebisch apresentada em seu artigo de 1949.A tendncia deteriorao dos termos de intercmbio viria a servir de inspirao para uma
variada gama de economistas, dentre os quais Celso Furtado que, juntamente com Prebisch,
seriam os maiores nomes da escola estruturalista.
2.1.2 A dinmica dependente de Celso FurtadoA ampla obra de Celso Furtado apresenta uma viso sobre o subdesenvolvimento que
o reconhece no como uma etapa de um processo de desenvolvimento que culminaria em uma
estrutura produtiva similar aos pases avanados5, mas como fenmeno que apresenta uma
lgica econmica distinta. A viso de Furtado foi apresentada com maestria e de forma mais
completa na obra Teoria e poltica do desenvolvimento econmico(FURTADO, 1983).
Considerando-se o desenvolvimento em seu aspecto puramente econmico, isto , co-
mo ampliao da produo por unidade de trabalho, o autor aponta para a existncia de duas
lgicas econmicas distintas, uma referente aos pases centrais e outra aos pases perifricos.5 Como fazia crer Walt Whitman Rostow em sua obra Etapas do desenvolvimento econmico: um manifesto
no-comunista (ROSTOW, 1974).
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Os pases centrais possuiriam uma dinmica que Furtado denominou de autnoma, contra a
dinmica dependente dos pases perifricos. Para compreender a diferena entre essas duas
dinmicas, vejamos primeiro como o autor compreende o processo de desenvolvimento eco-
nmico.
Para Furtado, o desenvolvimento, compreendido como ampliao da produtividade,
pode ser resultado de trs fatores distintos, mas relacionados: a) aumento da dotao de capi-
tal por trabalhador; b) progresso tecnolgico; e c) modificaes na estrutura produtiva decor-
rente da alterao no perfil da demanda, ou seja, transferncia de recursos de um setor menos
produtivo para um setor mais produtivo (FURTADO, 1968, p. 20). O primeiro desses fatores,
o aumento de dotao de capital por trabalhador, ou a ampliao do investimento, um ele-
mento necessrio para o desenvolvimento econmico, mas ocorrer sempre combinado com
algum dos outros dois elementos. Nesse sentido, o impulso original do desenvolvimento re-
pousar ou sobre o progresso tecnolgico ou sobre a modificao do perfil da demandaou
ainda, uma combinao desses dois elementos.
Alm do mais, a dinmica econmica funciona, na viso de Furtado, dentro de uma
lgica causal circular, de modo que independente de qual seja o impulso original, todos os trs
elementos iro se combinar para elevar a produtividade do trabalho. Sendo assim, seja a am-
pliao da produtividade fruto do progresso tecnolgico ou da modificao no perfil da de-
manda, seus efeitos levaro necessariamente ocorrncia do outro fator, intermediados pela
acumulao de capital.
A diferena, ento, entre as lgicas de acumulao autnoma e dependente consiste
exatamente no impulso original que anima o desenvolvimento econmico (FURTADO, 1968,
p. 22). Para as economias de dinmica autnoma, o impulso original encontra-se no progresso
tcnico, que, ento, materializado em ganhos de produtividade quando alvo de novos in-
vestimentostanto como empreendimento novo quanto como investimento para reposio de
capital j depreciado. Esses ganhos de produtividade sero distribudos pelas classes econ-
micas conforme a capacidade dos trabalhadores em reivindicar melhores salrios, por meio de
sindicatos organizados, e a capacidade dos empresrios em manterem preos elevados. Essa
distribuio da renda levar a uma modificao no prprio perfil da demanda, que exigir
novos investimentos (j incorporando os novos progressos tecnolgicos).
A dinmica dependente, tpica das economias subdesenvolvidas, possui sua fora mo-triz na modificao do perfil da demanda. As economias primrio-exportadoras no alcanam
um grau de ampliao da produtividade como ocorre nas economias industriais. A dinmica
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dessas economias repousa, ento, na alterao da distribuio de renda, normalmente fruto das
transaes comerciais com o exterior, cujos rendimentos so apropriados nas mos de um
seleto grupo de empresrios. A demanda que essa nova situao de renda ir incentivar pro-
vavelmente ser de bens de consumo durveis, cuja indstria ser alvo de investimentos. Co-
mo esses investimentos baseiam-se em bens de capital importados, os pases subdesenvolvi-
dos obtm, assim, os ganhos de produtividade dos avanos tecnolgico dos pases centrais.
Desse modo, aponta Furtado (1968, p. 23) que [...] O desenvolvimento de uma eco-
nomia dependente o reflexo do progresso tcnico nos plos dinmicos da economia mundi-
al. Contudo, convm assinalar que o elemento dinmico no a irradiao do progresso tec-
nolgico, e sim o deslocamento da curva de demanda.
A dinmica dependente resulta, portanto, de dois fatores. Em primeiro lugar da especi-
alizao produtiva tpica dos pases dependentes, que se concentram, sobretudo, em bens pri-
mrio-exportadores. Mas, mesmo quando um pas perifrico como o Brasil abandona a lgica
primrio-exportadora pela acumulao voltada para o mercado interno, h alguns elementos
estruturais que impedem que o desempenho econmico desse pas se iguale ao dos pases cen-
trais.
Dentre esses elementos estruturais estariam a elevada concentrao da riqueza e darenda, a concentrao fundiria, o elevado grau de oligopolizao do setor produtivo, o exces-
so estrutural de mo-de-obra e a baixa organizao dos trabalhadores para lutarem por ampli-
ao de seus salrios. Esses elementos restringem os prprios efeitos da ampliao da produ-
tividade derivado das modificaes no perfil da demanda. Com a renda cada vez mais concen-
trada, o mercado interno de bens de consumo durveis apresenta um pblico sempre muito
restrito. Como os bens de capitais importados dos pases centrais so desenvolvidos baseados
em uma economia em que h escassez de mo-de-obra e que possuem um mercado interno
muito amplo, o resultado da aplicao desse tipo de tecnologia nos pases dependentes du-
plamente prejudicado: cada vez gera-se um maior excesso estrutural de mo-de-obra; e diante
de um pblico muito restrito e uma capacidade produtiva muito elevada, a indstria nacional
no capaz de se aproveitar dos ganhos de escala derivados da aplicao dessa tecnologia
(FURTADO, 1968, p. 41).
Por fim, o processo de desenvolvimento perde fora na medida em que se torna cada
vez mais dependente de bens restringidos (seja pela importao de bens de consumo durveisou de bens de capital para a internalizao da produo) com impactos de longo prazo no ba-
lano de pagamentos. Em suma, os mecanismos de propagao de um impulso inicial em uma
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economia dependente como a brasileira no permitem que se aproveitem plenamente os fru-
tos, em termos de aumento da produtividade, do progresso tecnolgico.
Convm observar, agora, as caractersticas especficas da teoria da dependncia que se
depreende dos escritos de Celso Furtado. Em primeiro lugar, a dependncia a que se refere
sua teoria consiste na dependncia tecnolgica, que gera um desenvolvimento restringido pela
importao de bens de capital e no que o autor denominou de deslocamento dos centros de
deciso, ou seja, com a ampliao dos oligoplios de participao estrangeira nos pases peri-
fricos, grande parte das decises sobre os investimentos nessas economias passam a ser to-
madas levando-se em conta interesses que no se relacionam diretamente com as necessidades
nacional.
Em segundo lugar, a dependncia fruto unicamente de fatores internos economia
perifrica. No h influncia de fatores externos que coaja algum pas a ocupar a posio peri-
frica. Desse modo, a dependncia poderia ser resolvida mediante algumas reformas estrutu-
rais que, inclusive, contrariaria apenas os interesses de alguns grupos nacionais reduzidos
em termos numricos, mas no, obviamente, em termos de poder econmico.
2.2 NeomarxistasA teoria cepalina do desenvolvimento econmico pareceu dotar os pases do entendi-
mento necessrio para pr em marcha um processo de industrializao capaz de superar a
dinmica dependente da periferia latino-americana. De fato, algumas de suas prescries fo-
ram adotadas como poltica econmica por alguns pases da Amrica Latina de modo cons-
ciente ou noque lograram, por certo, algum grau de industrializao. Mas, no decorrer da
dcada de 1960 parecia que esses pases encontravam os limites da expanso industrial diante
das estruturas sociais postas. Iniciou-se a fase das teorias estagnacionistas, que afirmavam a
impossibilidade do desenvolvimento econmico (ampliao da produtividade e diversificao
da indstria) nos pases latino-americanos.
Por outro lado, a teoria crtica marxista apregoava as formulaes tericas eurocntri-
cas do marxismo ortodoxo, propalado localmente pelos Partidos Comunistas nacionais e deri-
vado das teses para os pases coloniais e atrasados apresentadas pela III Internacional Comu-
nista (Komintern)organizao fundada por Vladimir Lenin para reunir os partidos comunis-
tas de todo o mundo. As teses do Komintern apregoavam que esses pases atrasados se encon-
trariam em um momento histrico de passagem de uma realidade feudal ou semifeudal para o
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capitalismo industrial, mas que esse processo seria dificultado pela ao imperialista do capi-
tal internacional que, aliados s oligarquias rurais, pilhavam e extraiam o excedente gerado na
periferia.
Para romper com esses limites, caberiam aos partidos comunistas articularem o prole-
tariado nascente, aliando-se ao campesinato e burguesia industrial nacional (tambm nas-
cente) para lutar por uma revoluo democrtico-burguesa, pondo fim s amarras das relaes
tradicionais. Esse seria o caminho a ser seguido pelos pases latino-americanos, adequando-os
s etapas histricas de desenvolvimento de uma sociedade: o comunismo primitivo, seguido
pelos modos de produo escravista, feudal, capitalista e, ento, socialista.
Esse esquema do marxismo ortodoxo se viu ameaado pela realidade com que se de-
paravam os militantes e intelectuais de esquerda a partir da dcada de 1960, tanto por verem o
avano da industrializao desses pasese os golpes militares que prosperavam no continen-
te, demonstrando que a burguesia nacional no estava disposta a formar aliana com o prole-
tariado e campesinatoquanto pela revoluo cubana de 1959, que tomava rumos socialistas,
evidenciando que poderia haver uma divergncia entre o grau de desenvolvimento das foras
produtivas e a organizao polticaou seja, colocava em xeque a tese etapista do marxismo
ortodoxo.
Para responder a esse cenrio latino-americano, alguns intelectuais marxistas comea-
ram a desenvolver teses que seriam compreendidas como uma teoria do imperialismo do
ponto de vista dos pases perifricos a teoria da dependncia em sua vertente neomarxista6.
Esses autores, animados pelos escritos de Paul Alexander Baran, sobretudo por sua obra
Economia poltica do desenvolvimento(BARAN, 1977), em que aponta para uma dinmica
de desenvolvimento diferenciada para os pases da periferia mundial (desviados do seu cami-
nho tradicional pelos processos imperialistas do capitalismo avanado), buscaram explicar o
destino da Amrica Latina a partir da categoria da dependncia.
Entre os neomarxistas, comumente enquadram-se os seguintes autores: Andr Gunder
Frank, Ruy Mauro Marini, Theotnio dos Santos, Vania Bambirra, entre outros. Andr Gun-
der Frank apontado como aquele que inaugurou o debate da teoria da dependncia na ver-
tente neomarxista. A obra de Frank que apresenta os elementos fundantes dessa corrente
6 Cabe deixar claro que apenas utilizamos esta nomenclatura visto que muitos dos autores dessa corrente dateoria da dependncia assim se denominam (cf. SANTOS, 2000), alm de tambm ser amplamente utilizada
pela historiografia da teoria da dependncia (HUNT, 1989 e HETTNE, 1990). Mas importante salientar quealguns dos autores assim caracterizados, como o caso de Ruy Mauro Marini, nunca pretenderam ser nadamais que um marxista. No acreditamos, de todo modo, que o dito neomarxismo constitua -se em um cor-
po terico prprio, mas apenas uma releitura peculiar da obra de Karl Marx.
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Capitalismo e subdesenvolvimento na Amrica Latina (FRANK, 1970). Nela, o autor de-
senvolve o que seria um modelo de um sistema capitalista mundial, descrito como uma cons-
telao composta pelas metrpoles (centros) em torno das quais girariam os pases satlites
(perifricos). O autor vai contra as teses vigentes no marxismo ortodoxo, que apontava a pre-
dominncia de relaes feudais nos pases atrasados. Para Frank, seguindo uma linha que j
havia sido apontada por Caio Prado Jnior, o capitalismo j se encontrava presente e predo-
minante nas relaes sociais de produo dos pases perifricos7.
Frank ainda indica a existncia de um processo de transferncia de mais-valia da peri-
feria em direo ao centro, motivo que levaria, na anlise do autor, ao estagnacionismo eco-
nmico nos pases perifricos. Sendo assim, o capitalismo possvel nos pases perifricos seria
apenas um capitalismo subdesenvolvido, baseado em uma superexplorao do trabalho, ne-
cessria para garantir a acumulao tanto da classe capitalista local como a transferncia de
mais-valia para os pases centrais. Assim, os pases perifricos se encontrariam inseridos em
uma relao de dependncia que fortaleceria seu subdesenvolvimento. A nica soluo poss-
vel para esse dilema seria a opo por uma via socialista.
Os trabalhos de Frank sofreram grandes crticas nos meios marxistas, principalmente
no que tange a sua viso tida como mecanicista e esttica de tratar as relaes sociais de pro-
duo, sendo acusado de abandonar a anlise da luta de classes. Crtica que buscou superar,
sem sucesso, em Acumulao dependente e subdesenvolvimento(FRANK, 1980). No obs-
tante Frank possa ser apontado como aquele que inaugurou a vertente neomarxista da teoria
da dependncia, foi a Ruy Mauro Marini que coube resgatar a dialtica do processo da depen-
dncia e a dar um tratamento econmico para o tema.
2.2.1 Ruy Mauro Marini e a Dialtica da DependnciaA compreenso econmica do fenmeno da dependncia, conforme concebido pela
vertente neomarxista dessa teoria, tributada a Ruy Mauro Marini, o primeiro autor a dar um
tratamento propriamente econmico para o tema. A despeito de possuir obra muito vasta, seu
modelo da dependncia elaborado em um pequeno conjunto de ensaios intitulados Dialt i-
ca da dependncia, Em torno dadialtica da dependnciae As razes do neodesenvolvi-
7 No obstante, como bem ressalta Santos (2000), Frank incorria no equivoco de definir um sistema como capi-
talista a partir das relaes presentes na circulao.
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mentismo8, esse ltimo constituindo uma resposta ao texto crtico As desventuras da dial-
tica da dependncia(CARDOSO; SERRA, 1980). Outros ensaios do autor abordam o tema
da dependncia, mas representam antes uma aplicao da teoria referida em situaes histri-
cas concretas do que elaboraes posteriores do modelo da teoria da dependncia. Figuram
entre esses, Subdesarrollo y revolucin, Dialtica do desenvolvimento capitalista no Bra-
sil, El movimiento revolucionario brasileo e, por fim, Processo e tendncias da globali-
zao capitalista.
O ensaio intitulado Subdesarrollo y revolucin(MARINI, 1977) descreve o proces-
so de integrao da Amrica Latina ao mercado mundial, desde o perodo colonial at a eclo-
so das ditaduras tecno-burocrticas. Nesse ensaio, o autor apresenta o movimento como se d
no mbito da luta de classes, tendo por base a teoria da dependncia.
Nos ensaios Dialtica do desenvolvimento capitalista no Brasil(MARINI, 2000.) e
El movimiento revolucionario brasileo(MARINI, 1977), Marini aborda a luta de classes
no Brasil desde o perodo varguista at meados da ditadura militar de 1964. Trata-se, de fato,
de uma tentativa de compreender os movimentos que geraram o golpe militar de 1964, contra
as expectativas da esquerda revolucionria brasileira, e as posteriores possibilidades de resis-
tncia. Nesses ensaios, Marini enquadra o Brasil no processo de subimperialismo que deriva
da perspectiva terica elaborada em Dialtica da dependncia.
Em Processo e tendncias da globalizao capitalista (MARINI, 2000), escrito em
meados da dcada de 1990, Marini analisa os novos fenmenos do perodo neoliberal sobre a
lgica da dependncia. Observa o recrudescimento das relaes trabalhistas no s na Amri-
ca Latina, mas at mesmo nos pases do centro capitalista, como os Estados Unidos. Sem
apresentar, entretanto, qualquer lgica que represente uma ruptura com a teoria da dependn-
cia, mas to somente a sua reafirmao em termos mais rgidos.
De modo geral, esses ensaios apresentam um processo de luta de classes que, diante
das impossibilidades de se reverter as leis econmicas inexorveis do capitalismo dependente,
apontam apenas para a revoluo socialista como alternativa para a melhoria da qualidade de
vida do trabalhador. Discurso que muda um pouco em seu ltimo ensaio, onde enfatiza a luta
para a ampliao da democracia e do controle do Estado sobre os mercados. Vejamos, pois, as
bases da teoria da dependncia de Marini que sustentam tais interpretaes feitas pelo autor.
8 Os trs ensaios, originalmente em espanhol, foram publicados pela primeira vez em portugus em Dialticada dependncia: uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini (MARINI, 2000), obra utilizada aqui como re-ferncia.
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Para a elaborao de sua teoria da dependncia, Marini busca mimetizar o mtodo uti-
lizado por Marx na elaborao dO Capital e seguir suas indicaes metodolgicas na Intro-
duo contribuio crtica da economia poltica(MARX, 2008a). O autor reafirma, ento,
a clebre frase de Marx de que a anatomia do homem a chave para a anatomia do macaco
(MARX, 2008a, p. 264), que diz que a partir das formas mais complexas que se pode com-
preender as formas mais simples ainda no desenvolvidas.
No obstante, Marini conclui que o estudo da dependncia deve ser coincidente com o
estudo dos movimentos histricos que lhe deram origem, j que [...] o desenvolvimento ain-
da insuficiente de uma sociedade, ao ressaltar um elemento simples, torna mais compreensvel
sua forma mais complexa, que integra e subordina esse elemento(MARINI, 2000, p. 106-
107). Isso quer dizer que, mesmo concordando que para se compreender as formas econmi-
cas que antecedem a dependncia preciso compreender a prpria dependncia, o autor acre-
dita que a compreenso desta ltima deriva da anlise histrica de sua formao (ou seja, da
forma mais simples para a mais complexa). Esse seria o duplo sentido da verdade, como
afirma Marini, por trs da referida citao de Marx.
Com isso o autor conclui que, para compreender a dependncia, precisa-se avaliar o
processo histrico do surgimento do capitalismo na Amrica Latina a partir das categorias
marxistas de anlise. Agindo assim, tais categorias seriam capazes de antecipar seu desenvol-
vimento posterior. Mas devem ser utilizadas de modo ponderado, visto que no se constituem
nas categorias concretas de tais sociedades.
O caminho que usa, ento, para compreender esse desenvolvimento histrico atribu-
do, pelo autor, ao modo como Marx expe sua pesquisa nO Capital. A pesquisa da depen-
dncia deve seguir, diz Marini, um caminho que vai da circulao produo, da vincula-
o ao mercado mundial, ao impacto que isso acarreta sobre a organizao do trabalho,
para voltar ento a recolocar o problema da circulao(MARINI, 2000, p. 131). Caminho
esse que, para o autor, corresponde ao movimento real da formao do capitalismo depen-
dente(MARINI, 2000, p. 130).
No entanto, no iremos reproduzir aqui esse caminho traado por Marini. Ao invs
disso, iremos expor primeiramente o que o autor compreendia por dependncia, para depois,
ento, evidenciar o caminho do desenvolvimento histrico que legou aos pases da Amrica
Latina um capitalismo dependente. Inverter a lgica de exposio de Marini traz tona, deimediato, um problema: como o autor busca explicar a dependncia pelo seu desenvolvimento
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histrico, em nenhum momento se dedica a esclarecer exatamente em que consiste essa cate-
goria de anlise.
No incio do ensaio Dialtica da dependncia, Marini (2000, p. 109) afirma compre-
ender a dependncia como uma relao de subordinao entre naes formalmente indepen-
dentes, em cujo mbito as relaes de produo das naes subordinadas so modificadas ou
recriadas para assegurar a reproduo ampliada da dependncia. Mas o que isso quer dizer?
O que significa essa subordinao? O que caracteriza essas naes formalmente independen-
tes? E quais so essas relaes de produo que reproduzem essa relao de subordinao?
Vejamos.
A primeira coisa a se deixar claro que Marini, ao tratar da dependncia, refere-se a
relaes entre pases capitalistas em uma poca que se compreendia um pas tipicamente
capitalista como um pas industrial. Mas que tipo de industrializao era essa que se verifica-
va nos pases subordinados? Era uma industrializao que se focava na produo de matrias-
primas9para o mercado internacional e para a produo de bens de consumo sunturio para
consumo interno, restringido a uma pequena parcela da populao (excluindo a massa prolet-
ria).
Portanto, uma nao dependente aquela que, a despeito de atingir elevado nvel dediversificao industrial, direciona grande parte da sua produo para as exportaes da a
subordinao, ou seja, a determinao, por parte de grupos estrangeiros, sobre o que ser pro-
duzido em um pas que formalmente independente (que, em teoria, teria autonomia para
decidir sobre seu prprio modo de produo)e que apresenta um problema de realizao na
parcela de sua produo que direcionada para o mercado interno.
A resoluo desse problema interno de realizao em parte dada por meio da ao do
Estado e em parte pela prtica do subimperialismo, que a busca pelo domnio de mercadosde consumo sunturio em outros pases perifricos. Esse subimperialismo, no entanto, no
suficiente para permitir que o pas rompa com a lgica dependente, j que no capaz de in-
verter a relao de produo que reproduz a dependncia: a superexplorao do trabalho.
A superexplorao do trabalho , para Marini, a essncia da dependncia e pode ser
compreendida como uma maior explorao da fora fsica do trabalhador, em contraposio
9 E outros bens intermedirios que correspondem ao que Marini chamou de etapas inferiores da produo indus-trial (MARINI, 2000, p. 145).
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explorao resultante do aumento de sua produtividade(MARINI, 2000, p. 160)10. Ela con-
templa trs mecanismos distintos: a mais valia gerada de forma absoluta, por meio da exten-
so da jornada de trabalho; a mais valia gerada pela ampliao da intensidade do trabalho; e a
mais valia apropriada pelo capitalista por meio da reduo do consumo do trabalhador alm
do nvel normal. Como resultado, a superexplorao [...] tende normalmente a expressar-se
no fato de que a fora de trabalho se remunere por baixo de seu valor real(MARINI, 2000,
p. 160), gerando um desgaste maior da fora de trabalho, que a impediria de se reproduzi de
modo adequado, tendo como resultado uma reduo progressiva da vida til do trabalhador,
assim como nos transtornos psicofsicos provocados pelo excesso de fadiga(MARINI, 2000,
p. 163).
Essa superexplorao deriva de uma tendncia presente no capitalista da periferia de
buscar a compensao pela reduo de seus lucros nessa explorao extensiva, ao invs de
busc-la na ampliao da produtividade do trabalho. E, uma vez que um determinado modo
de produo se paute na superexplorao do trabalho, ele v obstruda a possibilidade de pas-
sar para a etapa seguinte, que a da produo de mais valia relativa. Isso porque a superex-
plorao engendra um modo de circulao que lhe corresponde, ou seja, um modo de circula-
o que no s fruto da superexplorao como a refora. Nos pases dependentes, a supe-
rexplorao do trabalho impede que a massa proletria participe do mercado de bens de con-
sumo de luxo, que corresponde ao que Marini chamou de alta esfera da circulao. Com
isso, o desenvolvimento tecnolgico, que se concentra nesse segmento da produo, no
capaz de influenciar o valor da fora de trabalho nos pases perifricos.
Em contraposio lgica dependente, os centros imperialistas se concentram nas eta-
pas mais elevadas da industrializao, que correspondem produo de elevada concentrao
tecnolgica, permitindo que os mesmos se apropriem do monoplio dessas referidas tecnolo-
gias. Esses pases, ento, exportam para os pases dependentes bens de capital, que so ade-
quados para a produo dos pases centrais. Da que o desenvolvimento tecnolgico tende a se
concentrar na produo de bens sunturios.
Mas, nos pases centrais, o efeito dessa concentrao do desenvolvimento tecnolgico
gera um efeito diferenciado. Como os pases centrais encontram limites para expandir as ex-
portaes de bens de luxo, sobretudo derivada da baixa distribuio de renda nos pases de-
10Em um ensaio precedente, ao qual este faz referncia, o autor apresenta uma definio um pouco diferentesobre a superexplorao. Resolvemos considerar essa definio, pois se trata da ltima releitura do autor sobreo tema.
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pendentesque cria um mercado de dimenses insuficientes para sustentar a referida expan-
soa expanso dessa indstria resulta em uma converso desses produtos em bens de con-
sumo popular no interior dessa referida economia (MARINI, 2000, p. 139). Assim, uma am-
pliao da produtividade do trabalho nessa referida indstria reduz o valor da fora de traba-
lho nos pases centrais, reforando um modo de produo baseado na mais valia relativa.
A grande questo que aflora nesse ponto que, para que os pases centrais se concen-
trem em formas de produo que apresentem um grau de explorao mais amena, permitindo
inclusive a massificao de consumo de produtos de luxo, necessria a existncia, na outra
ponta do mercado mundial, de economias dependentes onde ocorre a superexplorao do tra-
balho. Ou seja, a concentrao das etapas superiores tanto da circulao quanto da produo
nos pases centrais faz com que parte do excedente gerado pelas economias dependentes se
transfira para aquelas e l seja distribudo entre as diversas classes (inclusive a classe traba-
lhadora).
Essa transferncia de valor se d, sobretudo, pelo fenmeno da deteriorao dos ter-
mos de intercmbio, que resulta do que Marini denominou de intercmbio desigual.Este
consiste em um distanciamento entre preos e valor, ou seja, em preos que expressem trocas
entre no equivalentes. O autor classificou os mecanismos que geram o intercmbio desigual
em dois grupos: um relativo a relaes dentro de uma mesma esfera de produo e outro rela-
tivo a esferas de produo distintas (MARINI, 2000, p. 120).
Dentro de uma mesma esfera de circulao ocorre uma diferenciao entre os preos
de produo praticados por diferentes pases de modo que aquele que apresenta um nvel de
produtividade mais elevado capaz de obter preos de produo mais reduzidos. Nem por
isso esses pases vendem suas mercadorias por preos mais reduzidos, ao contrrio, eles sus-
tentam os preos de mercado similares aos dos pases dependentes, o que permite uma absor-
o de um lucro extraordinrio que se desloca destes para aqueles. Como indica Marini, esse
mecanismo age de forma similar mais valia extra obtida por meio de uma ampliao da pro-
dutividade em um empreendimento dentro de um pas11.
Quando se trata de mecanismos atuantes em distintas esferas de circulao, o autor
afirma que a partir do momento que um determinado pas obtm o monoplio da produo de
determinado ramo, ele se torna capaz de estabelecer preos superiores ao valor de suas mer-
11Isto se expressa, para a nao favorecida, em um lucro extraord inrio, similar ao que constatamos ao exami-nar de que maneira se apropriam os capitais individuais do fruto da produtividade do trabalho (MARINI,2000, p. 120).
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cadorias. Normalmente essas duas formas de intercmbio desigual se combinam, de modo que
uma parcela do valor excedente gerado pelas economias dependentes se direcione para os
pases centrais, contrapondo tendncia declinante da taxa de lucro nestes, mas ampliando
sua queda naquelas.
A forma de os pases perifricos responderem a essa queda em suas taxas de lucro
por meio da ampliao da superexplorao do trabalho. Assim, ao ampliarem a jornada ou a
intensidade do trabalho, os capitalistas dos pases dependentes so capazes de produzir uma
massa cada vez maior de valor excedente (mesmo mantendo-se o valor individual de cada
mercadoria constante). Com isso, lanam no mercado mundial uma quantidade de mercadori-
as que vai alm da demanda social, o que reduz o preo de mercado das mesmas. Esse o
resultado prtico observado da deteriorao dos termos de intercmbio conforme a teoria de
Marini.
Alm da transferncia de valor por meio do intercmbio desigual, os pases dependen-
tes tambm desempenham outras funes essenciais para a acumulao dos pases centrais.
Em primeiro lugar, os pases dependentes so responsveis pela produo de alimentos que
so consumidos pelos trabalhadores dos pases centrais. Esses artigos, cujos preos so cons-
tantemente pressionados para baixo (conforme acima exposto), auxiliam na reduo do valor
da fora de trabalho dos pases centrais, ampliando a massa de mais valia gerada e a taxa de
explorao (e, portanto, a taxa de lucro), permitindo ainda que esses pases abandonem (ou
reduzam) a forma de produo baseada na superexplorao do trabalho.
Em segundo lugar, os pases dependentes tambm se especializam na produo de ma-
trias-primas para o ciclo industrial dos pases imperialistas. Assim, como essas matrias-
primas tambm so alvos do intercmbio desigual, a composio valor do capital dos pases
centrais se reduz j que reduz o custo com uma parte do capital constante, constituindo-se
em outro modo da relao de dependncia colaborar como uma contra tendncia do declnio
da taxa de lucro.
Mas, qual a origem da relao de dependncia? Por que os pases da Amrica Latina
se encontrariam presos na espiral da dependncia, enquanto os pases centrais floresceriam
com a produo de mais valia relativa? E mais importante: seria a dependncia uma relao
gerada pela lgica do capital ou apenas uma forma que calhou de acontecer devido a fatores
histricos conjunturais?
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Em seus ensaios, Marini responde a essas questes apontando a formao econmica
da Amrica Latina como a causa fundamental da dependncia. A integrao da Amrica Lati-
na ao mercado mundial foi fruto da expanso da economia europeia, que estabeleceu no con-
tinente um conjunto de colnias ligadas diretamente s metrpoles na Europa e cujo modo de
produo correspondiam aos interesses e necessidades dos pases centrais.
A produo de ouro, artigos exticos e produtos alimentcios, em que se concentrava a
economia colonial, teria sido fundamental para impulsionar o processo industrializao euro-
peu. Em primeiro lugar, o excesso de meios de pagamentos gerou um fortalecimento do capi-
tal bancrio e comercial, permitindo que esses pases se concentrassem na produo industri-
al. Aps a industrializao europeia e da independncia das colnias americanas, juntamente
com o fim do trabalho escravo, as jovens naes voltaram-se para a produo de matria-
prima, de modo a complementar a matriz produtiva dos pases europeus. Nesse momento ini-
ciou-se o processo que resultou no intercmbio desigual, pois: a) os pases latino-americanos
no se especializavam em mercados de maior grau tecnolgico, monoplios dos pases cen-
trais; e b) mesmo quando os pases centrais e perifricos concorriam em um determinado se-
tor, a elevada produtividade relativa dos pases centrais legava a eles um lucro extraordinrio.
Essa etapa correspondeu a uma fase intermediria da industrializao dos pases latino-
americanos, a qual se completaria a partir do que outros autores denominariam de choques
exgenoscom as crises comerciais limitando a oferta de produtos industrializados anterior-
mente importados. A indstria na Amrica Latina surgiu, assim, para fazer frente a uma de-
manda pr-existente que passava a no ser mais atendida pelas importaes.
Como a superexplorao, que impulsionada pelo intercmbio desigual, separava a
circulao nos pases dependentes em uma esfera baixa, de consumo interno de bens de mas-
sa, e outra alta, de consumo de bens sunturios provenientes de mercados estrangeiros, esse
processo de internalizao da produo de bens de luxo no foi capaz de integrar essas duas
esferas de circulao, mas apenas de separ-las ainda mais. Uma vez que a produo de bens
manufaturados no influenciava o valor da fora de trabalho, a sada para a realizao do con-
sumo dessas mercadorias seria a ampliao do consumo das camadas mdias, cuja remunera-
o deriva da mais valia.
Alm disso, a busca pelo aumento da produtividade dar-se-ia, nesses pases, quase que
exclusivamente pela absoro de tecnologias estrangeiras. Mas,
[...] dado que no representam bens que intervenham no consumo dos trabalhadores,o aumento de produtividade induzido pela tcnica nesses ramos de produo no
pde traduzir-se em maiores lucros atravs da elevao da taxa de mais-valia, mas
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to-somente mediante o aumento da massa de valor realizado (MARINI, 2000, p.148).
Os bens sunturios produzidos na Amrica Latina no encontravam, ento, um merca-
do interno capazes de absorver sua produo. A sada para essas economias foi, de um lado, aatuao do Estado e a gerao de um processo inflacionrio que pressionava os preos dos
bens salrios (ampliando a superexplorao da fora de trabalho). De outro lado, iniciou-se o
processo de subimperialismo, em que o capital dos pases dependentes busca resolver esse
problema de realizao da esfera alta de circulao expandindo-se para os mercados de ou-
tros pases tambm dependentes. O resultado uma economia que funciona mediante a lgica
dependente, anteriormente descrita: pautado na superexplorao do trabalho e sem perspectiva
de super-la enquanto se mantiver a lgica de produo capitalista.Fica claro que, para Marini, as economias latino-americanas no esto em uma fase
anterior do desenvolvimento capitalista em comparao com as economias europeias. Ao con-
trrio, a Dialtica da dependnciamostra que a dependncia dos pases da Amrica Latina
fruto de um desenvolvimento concomitante e ao mesmo tempo desigual ao observado na Eu-
ropa. A grande divergncia com o processo histrico que resultou em um modo de produo
baseado na ampliao da produtividade do trabalho (em contraposio superexplorao)
que, naqueles pases, a industrializao se deu pelo processo da acumulao primitiva. Assim,a criao do mercado de massa ocorreu concomitante ao surgimento da grande indstria. Ou
seja, a oferta e a demanda de bens manufaturados surgiram ao mesmo tempo, diferente do que
ocorreu na Amrica Latina.
Alm disso, diante da impossibilidade dos pases centrais avanarem sobre os merca-
dos de bens sunturios dos pases perifricos (tendo em vista a concentrao de renda e redu-
zida dimenso desse mercado), a soluo para esse problema da circulao se deu pela assimi-
lao da massa dos trabalhadores nesse mercado. Essa transformao de bens sunturios embens de consumo de massa s foi possvel devido ampliao do salrio real dos trabalhado-
res do centro, resultado da oferta de alimentos fornecida pela Amrica Latina com preos
abaixo do valor.
Esse o caminho que percorre a dialtica da dependncia dos pases latino-
americanos, e com isso Marini busca demonstrar que:
[a] produo capitalista, ao desenvolver a fora produtiva do trabalho, no supri-
me, mas acentua a maior explorao do trabalhadore [...] que as combinaes deformas de explorao capitalista se levam a cabo de maneira desigual no conjuntodo sistema, engendrando formaes sociais distintas segundo o predomnio de uma
forma determinada(MARINI, 2000, p. 160).
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Em outras palavras, o sistema como um todo apresenta a tendncia de ampliar a explo-
rao do trabalho, mas uma explorao que se concentra de forma mais intensa na periferia
(na forma da superexplorao) e se apresenta mais amena nos pases imperialistas do centro.
2.3 CardosianosA segunda vertente marxista da teoria da dependncia a que denominamos de cardo-
siana. Tal nomenclatura serve para nos referirmos a todos aqueles autores que se alinham ou
se aproximam das perspectivas metodolgicas elaboradas por Fernando Henrique Cardoso.
Dentre os principais autores da referida corrente, alm claro do prprio Cardoso, citamos
Enzo Faletto e Francisco Weffort, entre outros.
A referida perspectiva metodolgica comeou a se materializar na obra Capitalismo e
escravido no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul
(CARDOSO, 1962), pesquisa que se inseria dentro de um programa mais amplo, proposto por
Florestan Fernandes para ampliar a compreenso da sociologia sobre o fenmeno do precon-
ceito racial no Brasil. Em tal obra, Cardoso apresenta uma primeira consolidao de sua com-
preenso sobre o mtodo do materialismo dialtico, fortemente influenciado tanto por seu
orientador, Florestan Fernandes, como pelo seminrio de estudos marxistas, composto por
professores e alunos da Universidade de So Paulo que ocorreu no perodo que vai de 1958 a
1964. Alm disso, em Capitalismo e escravido no Brasil meridional Cardoso j evidencia-
va o poder explicativo que o patrimonialismo teria em seus escritos posteriores.
Em seguida, o autor se dedica aos estudos sobre a formao ideolgica do empresaria-
do brasileiro, em Empresrio Industrial e Desenvolvimento Econmico (CARDOSO,
1972), publicada em 1963. Na referida obra, Cardoso evidencia o importante papel que os
elementos ideolgicos, ou os mveis do empresariado(como poderia sugerir Florestan Fer-
nandes), possuiriam dentro de seus esquemas tericos. Aps uma pesquisa emprica junto
burguesia industrial brasileira, o autor conclua que a burguesia nacional no aspirava for-
mao de qualquer aliana com o proletariado, nem se afastava tanto da oligarquia rural como
do capital estrangeiro. Essas concluses iam em direo contrria s teses do marxismo pro-
paladas pelo Partido Comunista Brasileiro, de que a revoluo burguesa no pas aconteceria a
partir da aliana entre o proletariado e a burguesia nacional contra o imperialismo e os gran-
des latifndios rurais.
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2.3.1 O weberianismo cardosiano: a classificao falaciosaA partir da primeira dcada do sculo XXI, surgiu uma tendncia entre aqueles que es-
tudam o pensamento latino-americano de classificar a obra de Cardoso e Faletto como umavertente weberiana da teoria da dependncia12. Acreditamos que essa interpretao tenha sur-
gido como forma de afastar a obra de Cardoso do campo de estudos da dependncia, sobretu-
do aps os mandatos presidenciais que exerceu no Brasil, perodo em que ganhou grande an-
tipatia no s por parte da esquerda marxista como por amplos setores da academia, sobretudo
na rea da sociologia.
No obstante, no possvel se observar elementos objetivos suficientes para endossar
tal categorizao da teoria da dependncia desenvolvida por Cardoso e Faletto. Nem, tampou-
co, essa a posio em que se colocam os prprios pesquisadores. Tanto Cardoso quanto Fa-
letto so enfticos a afirmar que seus pensamentos so influenciados muito mais pela obra de
Karl Marx do que de Max Weber. Comecemos analisando o mtodo sociolgico proposto por
Weber e sua no correspondncia com o praticado por Cardoso.
Do ponto de vista metodolgico, os elementos essenciais da sociologia compreensiva
weberiana podem ser apontados como a ao social, evidenciando o individualismo metodo-
lgico, e o tipo ideal como instrumento de anlise. A ao social, o objeto central de estudo da
sociologia segundo Weber, refere-se a uma ao tomada por um agente ou conjunto de agen-
tes, tendo em vista o comportamento dos outros. Nesse sentido, o adjetivo social diz respeito
exatamente ao fato de que s pode ser compreendida se analisada dentro do contexto social
em que foi expressa.
A ao social exprime o foco nos elementos subjetivos que animam o comportamento
do agente, que podem ser de origem racional (tanto com relao aos objetivos do agente ou a
um conjunto de valores pelos quais se pauta), afetiva ou tradicional. Portanto, a compreen-
so do motivo por trs da ao social a forma de se desmistificar a conduta do agente social.
A relao do individualismo metodolgico com o conceito de ao social consiste exatamente
no fato de que no h que se presumir a existncia j dada de estruturas sociais dotadas de
um sentido intrnseco; vale dizer, em termos sociolgicos de um sentido independente daque-
les que os indivduos imprimem s suas aes(COHN, 2002, p. 26).
12Cf., por exemplo, RIBEIRO; SALOMO, 2010.
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Podemos perceber que a anlise cardosiana no partilha dessa perspectiva metodolgi-
ca. Pode haver alguma confuso nesse sentido tendo em vista que, como Cardoso e Faletto
explicitam, uma das perspectivas de sua anlise consiste exatamente em compreender, nas
situaes estruturais dadas, os objetivos e intersses que do sentido, orientam ou anima o
conflito entre os grupos e classes e os movimentos sociais que pem em marcha as socieda-
des em desenvolvimento (CARDOSO; FALETTO, 1970, p. 21). Mas, em primeiro lugar,
para Cardoso e Faletto, esses interesses no abarcam os elementos afetivos e tradicionais pre-
sentes na sociologia compreensiva. Os autores definem os mveis dos movimentos sociais
como objetivos, valores e ideologias, de modo que consideram apenas a perspectiva raci o-
nal da questo. Em segundo lugar, e o ponto mais fundamental desse aspecto, o mtodo car-
dosiano no , de forma alguma, individualista. Para os autores, h uma estrutura econmica esocial que antecede e vincula a ao dos grupos e classes sociais. Para compreender as estru-
turas de dominao13que da se erguem necessrio partir das estruturas (macroestruturas)
econmico-sociais que as antecedem. Como deixa claro Cardoso:
De qualquer forma, um dos aspectos implcitos na idia de histria, neste contexto,salienta que em sentido delimitado existe uma inveno do mundo. Mas, ao mes-mo tempo, nem todas as opes so socialmente viveis. Convm insistir, apesarda obviedade da assero, que a rigor esta opo no tem a ver diretamente comos valores e com as escolhas individuais, nem pode ser concebida n o plano de
uma dialtica da conscincia. Ela, se bem se expresse por intermdio de objetivose ideologias que se exteriorizam individual ou grupalmente, tem suas leis de movi-mento assentadas nas contradies postas pela articulao dos componentes do mo-do de produo (CARDOSO, 1993, p. 96).
Portanto, no h nada de individualismo metodolgico, nem constitui a motivao dos
agentes o elemento central para a significao das aes sociais que animam as transforma-
es da sociedade. Transformaes, inclusive, que para Cardoso derivam exclusivamente da
luta de classes. Devemos lembrar que Weber reconhece a existncia da luta de classes, mas
nega o carter irreconcilivel das mesmas. No mbito do marxismo, esse conflito insuper-
vel dentro do capitalismo, visto que a manifestao da relao de explorao tpica da acu-
mulao de capital. Para Weber, essa oposio entre capital e trabalho no nem um elemen-
to necessrio, nem nico, para explicar os processos de transformao social. Desse modo, na
perspectiva weberiana, o marxismo teria ignorado importantes elementos relacionados com
outras formas de poder (que, para Weber, no uma varivel dependente da questo econ-
mica).
13 Conceito que tambm no se articula com o homnimo weberiano, como gostaria Ribeiro e Salomo(RIBEIRO; SALOMO, 2010, p. 15).
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A prpria definio de classes sociais da anlise marxista foi fortemente criticada por
Weber. A crtica vai no sentido de Marx ter ignorado, com esse modo de segmentar os inte-
resses da sociedade, outras possveis formas de hierarquizao social derivada de situaes
no econmicas, como os grupos de status, formados pelas condies de riqueza, prestgio e
honra. Alm disso, h a relao de poder derivada da situao estamental. Em ambas as situa-
es, grupos formados por questes no econmicas podem interferir inclusive nas condies
de mercado.
A anlise de Cardoso pautada em ltima instncia nas classificaes sociais deriva-
das da estrutura econmica. At mesmo o tratamento que o autor d aos elementos estamen-
tais serve para subjug-los s classes econmicascomo os conceitos de burguesia de esta-
do e anis burocrticos os quais, apesar de significarem o reconhecimento de um grupa-
mento derivado de uma situao estamental, mostra a subordinao do estamento aos interes-
ses das classes econmicas. Portanto, a hierarquizao social cardosiana se mostra derivada
da anlise marxista, e no weberiana.
Quanto ao tipo ideal enquanto instrumento de anlise, at mesmo uma leitura super-
ficial da obra de Cardoso e Faletto pode evidenciar que este no utilizado pelos autores