roquette-pinto: o carÁter educativo do rÁdio · mas, ao cair da tarde, as pessoas começaram ao...

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012 1 ROQUETTE-PINTO: O CARÁTER EDUCATIVO DO RÁDIO OLIVEIRA, Silvana Aparecida Guietti de (UEM) COSTA, Maria Luisa Furlan (UEM) Introdução: Este estudo tem por objetivo a reflexão acerca do caráter educativo assumido pelo rádio, projeto elaborado e proposto por Roquette-Pinto nas décadas de 1920 e 1930. Projeto de cunho social voltado para a escolarização de grande parcela da sociedade brasileira. Roquette não se deteve em discutir a educação institucionalizada, mas, sim, preocupou-se com meios e instrumentos pedagógicos para educar uma população sem acesso à escola. Mediante estudos e pesquisas, Roquette-Pinto descobriu no rádio um grande potencial a ser explorado com fins pedagógicos. Fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, PRA - 2 (1923) e a Rádio Escola Municipal, PRD - 5 (1933), a estação do Largo da Carioca, rebatizada em 1945 de Rádio Roquete Pinto, para que pudesse escapar do cunho comercial assumido por todas as outras rádios preservando seu propósito inicial: educação. Dentre os muitos intelectuais nacionais de grande valor para a realização desse estudo, Roquette-Pinto destaca-se devido a seu comprometimento, atuação política, social e produção escrita. Sua vida e obra retratam o esforço que alguns homens fizeram para que a ciência, a cultura e a educação se desenvolvesse no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. No entanto, segundo Costa (2004), são raras as referências que analisam o trabalho de Roquette-Pinto como educador. As informações sobre ele encontram-se dispersas em artigos, textos, sites, que de modo geral, tratam da História do Rádio. Assim, as raras referências ao educador, na História de Educação do Brasil, estão direcionadas para a sua atuação coletiva: Manifesto dos Pioneiros (1932).

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012

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ROQUETTE-PINTO: O CARÁTER EDUCATIVO DO RÁDIO

OLIVEIRA, Silvana Aparecida Guietti de (UEM)

COSTA, Maria Luisa Furlan (UEM)

Introdução:

Este estudo tem por objetivo a reflexão acerca do caráter educativo assumido

pelo rádio, projeto elaborado e proposto por Roquette-Pinto nas décadas de 1920 e

1930. Projeto de cunho social voltado para a escolarização de grande parcela da

sociedade brasileira. Roquette não se deteve em discutir a educação institucionalizada,

mas, sim, preocupou-se com meios e instrumentos pedagógicos para educar uma

população sem acesso à escola.

Mediante estudos e pesquisas, Roquette-Pinto descobriu no rádio um grande

potencial a ser explorado com fins pedagógicos. Fundou a Rádio Sociedade do Rio de

Janeiro, PRA - 2 (1923) e a Rádio Escola Municipal, PRD - 5 (1933), a estação do

Largo da Carioca, rebatizada em 1945 de Rádio Roquete Pinto, para que pudesse

escapar do cunho comercial assumido por todas as outras rádios preservando seu

propósito inicial: educação.

Dentre os muitos intelectuais nacionais de grande valor para a realização desse

estudo, Roquette-Pinto destaca-se devido a seu comprometimento, atuação política,

social e produção escrita. Sua vida e obra retratam o esforço que alguns homens fizeram

para que a ciência, a cultura e a educação se desenvolvesse no Brasil, nas primeiras

décadas do século XX.

No entanto, segundo Costa (2004), são raras as referências que analisam o

trabalho de Roquette-Pinto como educador. As informações sobre ele encontram-se

dispersas em artigos, textos, sites, que de modo geral, tratam da História do Rádio.

Assim, as raras referências ao educador, na História de Educação do Brasil, estão

direcionadas para a sua atuação coletiva: Manifesto dos Pioneiros (1932).

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Desta forma, este trabalho busca contribuir com a História da Educação no

Brasil ao enfocar uma das faces de Roquette-Pinto: o educador. Roquette, ao logo de

sua vida preocupou-se com as necessidades de sua época, principalmente, com a

educação. E assim esteve a frente de vários projetos: o museu educativo, o rádio

educativo, o cinema educativo, dentre outros. Entretanto, neste estudo nos deteremos a

enfocar o rádio educativo.

Contudo, para essa discussão do processo de constituição e implementação do

projeto de educação radiofônica, faz- se necessário conceituar a proposta desse

intelectual enquanto uma proposta liberal de democracia. De comprometimento com a

institucionalização das instituições públicas e democráticas e com a constituição do

campo educacional brasileiro.

Para Rangel (2010, p. 13) Roquette “[...] firmou-se não somente como cientista

social, mas também enquanto intelectual engajado, construtor de homens, autor e ator,

socialmente empenhado, em fazer valer a ciência como instrumento de transformação

da sociedade”.

Um pouco de sua história

Considera-se que para este estudo, que busca apreender o caráter educativo do

rádio proposto por Roquette-Pinto, exige-se uma retrospectiva que leve em conta os

anos que esse intelectual se propôs a refletir sobre as questões brasileiras,

principalmente a educação.

Segundo Rangel (2010), Edgard Roquette-Pinto nasceu em 25 de setembro de

1884, em Botafogo e morreu no Rio de Janeiro em 1954. Em 1899, influenciado pelos

conselhos do doutor Francisco de Castro opta por seguir a carreira de medicina. Por

volta do ano de 1900 concluiu o curso de humanidades e em 1905 o de medicina na

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi nomeado pelo Presidente da República

em 1906 ao cargo de assistente da Quarta Seção se Antropologia e Etnografia do Museu

Nacional do Rio de Janeiro. Torna-se médico-legal do Instituto Médico-Legal do Rio de

Janeiro em 1908 e publica dois trabalhos científicos: Fauna cadavérica do Rio de

Janeiro e Etnographia indígena do Brasil.

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Em 1912, publica três obras antropológicas: Os índios nambiquaras do Brasil

Central, Relatório da excursão ao litoral e às regiões das lagoas do Rio Grande do Sul e

O guaraná. Participa do Congresso Internacional de Americanistas, em Londres. Nesse

mesmo ano integra a quarta Comissão Rondon em direção à Serra do Norte. No ano de

1914 torna-se secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Em

1915 trabalha como livre-docente da cadeira de história natural da Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro e apresenta Dinoponera Grandis.

No primeiro trimestre de 1917 torna-se regente de turma da cadeira de história

natural aplicada à agricultura e à criação de animais da Escola Normal e publica o livro

Rondônia, obra que é fruto da excursão realizada em companhia de Rondon. Já em

1920 é aprovada a proposta da Congregação Do Museu Nacional para, em comissão,

Roquette-Pinto realizar estudos de antropologia e colher material para o Museu

Nacional.

Em setembro de 1922, lança pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, o

Dicionário histórico, geográfico e etnográfico brasileiro e na sequência, no ano de 1923,

funda com Henrique Morize a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro – PRA -2. Sua

intenção era democratizar o ensino por intermédio das ondas do rádio, que levaria ao

interior do Brasil educação, cultura e informação. Nesse mesmo ano Roquette cria a

Revista do Rádio.

No ano de 1926 é nomeado ao cargo de diretor interino do Museu Nacional do

Rio de Janeiro. Em 1927 publica a obra Seixos Rolados, assume o cargo de diretor do

Museu Nacional do Rio de Janeiro e toma posse na Academia Brasileira de Letras. Nos

anos de 1928, 1929 publicou: “Notas sobre os typos anthropológicos do Brasil” e

“Glória sem rumor” em homenagem ao naturalista alemão Friz Muller. Em 1931 é

nomeado pelo presidente da República, Getúlio Vargas, a exercer o cargo de professor-

chefe da Quinta Seção de História Natural do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Roquette-Pinto participou do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,

lançado no ano de 1932, tornando-se um dos 26 intelectuais que elaborou e assinou esse

documento propondo a reconstrução educacional do Brasil. Dentre as contribuições de

Roquette para o Manifesto destacam-se as ideias de utilização do rádio e do cinema na

educação.

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No ano seguinte foi designado por Anísio Teixeira, a Diretor Geral de Instrução Pública

do Distrito Federal para exercer função em comissão, na Escola de Professores, do

Instituto de Educação do Rio de Janeiro e fundou a Rádio Escola Municipal – PRD - 5.

Publica, em 1935, “Etnografia americana” que é a terceira edição de Rondônia.

O ano de 1936 é marcado pela doação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro ao governo

Getúlio Vargas, com a condição de que a rádio deveria servir exclusivamente para fins

educacionais, sem fins comerciais. Nesse mesmo ano funda o Instituto Nacional do

Cinema Educativo, do qual se torna diretor. Já em 1939 passa a exercer a função de

vice-presidente do Conselho Nacional de Proteção ao Índio.

Na ocasião do I Congresso Internacional Indianista no México, realizado em

abril de 1940, Roquette-Pinto recebe a incumbência de Representar o Brasil. Nos anos

de 1941 publica três artigos pela Revista Resenha Médica: Notas sobre algumas

vitaminas; Meditação sobre o índio; Guerra e vitaminas. Em 1944, publica “O Cinema

brasileiro”.

Os últimos anos de vida de Roquette-Pinto foram igualmente marcados por uma

intensa atividade, mesmo após sua aposentadoria. Em 1948 ele é designado pelo então

ministro da Educação e Saúde, Clemente Mariani, para compor a Comissão do I

Congresso Brasileiro de Antropologia. Em 1950 é designado para o Departamento de

Difusão de Cultura. Em 1951 torna-se articulista do Jornal do Brasil e morre em outubro

de 1954 escrevendo um artigo para a coluna Notas e Opiniões desse mesmo Jornal.

Em suma, Roquette-Pinto centrou seu trabalho na defesa dos interesses

nacionais. Elaborou um diagnóstico dos problemas brasileiros fundamentando-se no

debate antropológico sobre a mestiçagem das décadas de 1910 e 1920. Trabalhou para a

institucionalização da ciência no Brasil, defendeu a necessidade de desenvolver o país

mediante a educação. Participou do debate para a institucionalização da educação,

propôs e implementou projetos de educação mediados pelo rádio.

O rádio no Brasil

A partir da década de 1920, Roquette-Pinto muda significativamente o foco de

suas atividades. A antropologia passa a ocupar um segundo plano, na ordem de suas

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prioridades a ideia do rádio passa a ser predominante. Neste sentido, Ruy Castro

assinala:

Não eram apenas as mulheres que o interessavam - tudo o interessava. Dez anos antes, a caminho de juntar-se a Rondon na selva, Roquette percebera a importância da telegrafia na integração dos grotões mais distantes. Agora, em 1922, durante as comemorações do Centenário da Independência do Brasil, ele começara a perceber a importância dessa nova invenção: o rádio. (CASTRO, 2011, p. 8)

Segundo Ruy Castro, os primeiros a chegar à inauguração da Exposição do

Centenário, no dia 07 de setembro de 1922, instalada no morro do Castelo, no Rio de

Janeiro, não deram muita importância àquelas estranhas cornetas metálicas instaladas

em alguns postes. Mas, ao cair da tarde, as pessoas começaram ao ouvir sons que

pareciam vir das nuvens. Ouviu-se o Hino Nacional e o discurso do presidente Epitácio

Pessoa. Afinal, aquelas cornetas metálicas eram alto-falantes, era o rádio chegando ao

Brasil.

Para as comemorações do Centenário da Independência do Brasil, duas

companhias americanas de energia elétrica, a Western e a Westinghouse, obtiveram

licença para demonstrar seus aparelhos irradiando sons que iam do Corcovado e da

Praia Vermelha, para o local da exposição. Assim que Roquette-Pinto ouviu as

primeiras transmissões radiofônicas realizadas no Brasil teve a seguinte reação:

Na minha sala havia um mapa do Brasil. Meus olhos se cravaram naquela imensidade de terra, enquanto aquela voz longe cantava e dizia coisas e depressa passou no meu pensamento essa idéia: como é que a gente não aproveita isso para levar o pensamento por extensões de terra, levantando essa gente que está morrendo por aí afora por ignorância? (ROQUETTE-PINTO, 2011, p. 12)

Assim, a primeira demonstração pública da transmissão radiofônica no Brasil,

apesar de acompanhada de muito ruídos, causou espanto e curiosidade entre os

presentes, na Exposição do Centenário, em 1922. Seu sucesso foi tamanho que não

tardaria para que esse fosse instalado em nosso país. Em abril de 1923, Roquette-Pinto

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juntamente com Henrique Morize instalaram a primeira rádio brasileira: a Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro.

Ruy Castro relata que o rádio operava de forma regular nos Estados Unidos

desde 1920, três anos depois tinha um alcance de aproximadamente 12 milhões de

americanos com mais de 100 estações. Na Europa, por intermédio de Marconi, já era

possível operários ouvirem Mozart, analfabetos beberem as palavras de Bernard Shaw e

era possível, pessoas dos mais distantes lugares, saber as últimas notícias de Wall

Street ou do palácio de Buckingham, tudo através do rádio.

Roquette visualizou imediatamente o grande potencial educativo do rádio para

o Brasil e decidiu propor uma rádio educativa com fins científicos e sociais.

Entretanto, os trâmites para a implantação definitiva do rádio não foram fáceis,

necessitou equacionar algumas situações: comprar os equipamentos e mudar a

legislação para que essa permitisse a difusão radiofônica por todos os espaços do Brasil.

Nesse período, no Brasil, os serviços de radiotelegrafia e radiotelefonia, ou

Telefonia sem Fio, como eram chamados, eram questão de segurança nacional, portanto

era de monopólio do Governo Federal e se restringia quase que somente aos militares.

Havendo impedimento legal para civis montarem uma emissora de rádio, Roquette

buscou apoio por meio de articulações.

A primeira tarefa foi pedir apoio ao presidente, Henrique Morize, da Academia

Brasileira de Ciências, da qual era secretário. Este ficou entusiasmado com a ideia como

os demais membros da Academia. Restava ainda resolver a situação legal. Havia uma

regulamentação do Estado que proibia a popularização do rádio. Cidadãos comuns não

poderiam possuir aparelhos de transmissão domésticos.

O rádio entra no Brasil sem liberação de uso doméstico. No entanto, Roquette-

Pinto iniciou uma campanha, pela Gazeta de Notícias, para a sua liberação. Com o

argumento de que na ocasião das comemorações do Centenário da Independência, os

Correios haviam fornecidos 536 licenças especiais nos primeiros três meses de 1923,

tal número comprovava que o Brasil todo queria o rádio.

Desta forma, com a instalação do rádio no Brasil, forçaria a mudança da lei e

Roquette fundou a primeira rádio educativa, para fins científicos e sociais. Então, no

dia 20 de abril de 1923, na sala de física da Escola Politécnica, juntamente com os

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membros da Academia Brasileira de Ciências fundaram a Rádio Sociedade do Rio de

Janeiro. Em agosto desse mesmo ano o então presidente, Arthur Bernardes, autorizou

oficialmente o início das radiações no Brasil para fins educativos.

Portanto, no dia 01 de maio de 1923, a Rádio Sociedade fez sua primeira

transmissão pela estação da Praia Vermelha. Exatamente às 20h30, Cauby Araújo

anunciou a declaração de Roquette-Pinto informando a fundação da rádio. Segundo Ruy

Castro, com microfone na mão, Roquette-Pinto pronunciou as seguintes palavras: “A

partir de agora todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasil receberão

livremente o conforto moral da ciência e da arte, pelo milagre das ondas misteriosas

que transportam, silenciosamente, no espaço, as harmonias.” (CASTRO, 2011, p. 11)

Relata Ruy Castro que certa vez quando perguntado sobre seu lema, ele

respondeu prontamente: crer e agir. E assim era, primeiro ele precisava acreditar e logo

começava a agir. Era capaz de aplicar sua inteligência e envolver-se com assuntos tão

amplos e diversos que se caracterizava como um verdadeiro “homem de multidão”.

O rádio entrava, no Brasil, como elemento modernizante e civilizatório. Sem

interferência do poder executivo ou de bases político-religiosas. Era, portanto, o

primeiro veículo em território brasileiro com uma programação composta por

conferências literárias, artísticas, números infantis, poesia, música, além de algumas

notícias de interesse geral. A Rádio Sociedade nasce com slogan: “Pela cultura dos que

vivem em nossa terra e pelo progresso do Brasil”.

O potencial educativo do rádio

Para além de cientista, antropólogo, médico, Roquette-Pinto foi um educador.

Sua trajetória comprova o esforço despendido para que o Brasil se desenvolvesse,

principalmente, nos aspectos científicos, culturais e educacionais. Comprometido com

as questões de sua época, Roquette-Pinto, conhecedor da realidade brasileira pensou,

projetou e agiu.

Sua experiência como médico e antropólogo, o levou a concluir que era preciso

radiografar o Brasil, conhecendo suas peculiaridades sociais, econômicas e culturais, a

fim de diagnosticar seus males sociais.

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Espontaneamente, porém, o Brasil está sendo um imenso laboratório de antropologia; e os casos de herança Mendeliana que pessoalmente tenho observado nas famílias populares, aqui são já numerosos e documentados. Mostram que, mesmo sem intervenção de outro elemento branco, o cruzamento de mestiços fornece prole branca, que a antropologia é incapaz de separar de tipos europeus. Todavia, não o esqueçamos, por amor ao preconceito disfarçado ou manifesto, que o problema nacional não é transformar os mestiços do Brasil em gente branca. O nosso problema é a educação dos que se acham, claros ou escuros. (ROQUETTE-PINTO apud RANGEL, 2010, p. 79)

Contribuiu para a institucionalização da ciência no Brasil, mediante suas

pesquisas, expedições e publicações. Na educação foi precursor de um amplo projeto

pedagógico. Ele não visava apenas à educação formal, através do projeto do rádio

educativo Roquette-Pinto propôs que a educação chegasse aos lugares mais distantes e

dispersos de nosso país, onde a escola não poderia chegar.

O Brasil, no início do século XX existiam várias questões a serem resolvidas,

dentre elas destacam-se a formação do sentimento de nação. A República já havia sido

promulgada há algumas décadas, entretanto, não havia consolidado o conceito de nação.

Com uma população composta por brancos, negros e índios, além de imigrantes, havia

a necessidade de “civilizar” a população brasileira e dessa forma a educação passa a ser

defendida por vários intelectuais, dentre eles Roquette-Pinto.

Sua trajetória de experiência de vida construiu a identidade de intelectual e

educador. Sintonizado com a realidade brasileira do início do século XX, Roquette-

Pinto entendia que os brasileiros necessitavam de educação. As escolas formais nesse

período eram escassas e uma grande parte da população brasileira era analfabeta.

No texto intitulado Cinzas de uma fogueira (1923-1926), transcrito por Rangel

(2010), Roquette-Pinto explicita seu projeto de radiodifusão educativo. Ele assegura que

assim como imprensa tipográfica interferiu na cultura da Idade Média, ao promover o

contato com livros, possibilitando a ligação entre homens desconhecidos e distantes,

da mesma forma, o rádio também poderia ser um instrumento muito eficaz na educação.

Defendeu incansavelmente a ideia de que o Brasil só poderia se desenvolver mediante

a educação.

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Há um trabalho de desbravamento intelectual e moral a realizar antes daquilo tudo. É obra de educação inicial que hoje, felizmente, pode ser feita em condições muito favoráveis. Essa grande empresa depende do telefone sem fios, do aeroplano e das estradas de rodagem. O aeroplano levará o correio ao país todo, no dia em que os brasileiros se lembrarem de que uma grande fortaleza custa muito mais que uma dúzia de bons aviões capazes de recortar o céu, em busca de povoações perdidas no interior. Sem bom correio, seguro e rápido, não pode haver progresso moral ou material de um povo, em nossos dias. (ROQUETTE-PINTO apud RANGEL, 2010, p. 123)

Ao defender o rádio educativo para o povo brasileiro, relata que apesar de muita

gente não acreditar no papel educativo do rádio, considerar como desejável, mas

impossível de se realizar, há documentos que provam a possibilidade de executar, no

Brasil, um grande plano de educação pública, através do telefone sem fio.

Segundo Roquette, havia cerca de trinta mil lares providos de aparelhos

receptores, sendo que a cada receptor serviria em média a meia dúzia de pessoas. No

interior, cada alto-falante é rodeado pela população da vila ou da fazenda, totalizando

umas cento e cinquenta mil pessoas que ouvem diariamente as lições, conferências,

notícias, notas de ciências, música, História do Brasil, conselhos úteis à agricultura, etc.

Se para muitos dos ouvintes, cultos, é só um passatempo, para alguns milhares,

homens, mulheres do povo, sem saber ler é uma forma de aprender um pouco.

Em linhas gerais, Roquette descreve com grande propriedade o plano idealizado

para transformar em cinco ou seis anos a mentalidade da população brasileira da década

de 1920. Caso o estado, na sua capital, dispusesse de estabelecimentos de ensino de

certo vulto, fundaria uma grande radioescola. Numa união entre governos, o governo

federal, permitiria a aquisição de vinte poderosas estações. Sendo todas do mesmo tipo,

por economia, fornecidas em concorrência pública. A função dessas vinte Radioescolas

Estaduais, seria diretora. Seus programas serviriam de exemplo a ser seguido pelas

cidades do interior.

Caberia aos municípios limítrofes entrar em acordo e subvencionar um mais

rico e melhor situado para nele fundar a Rádio Escola Municipal, prestando serviços

diretamente ao povo, de acordo com as orientações das Radioescolas Estaduais. Nesses

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municípios centrais, há sempre um juíz de direito, um estudioso da história e da

geografia do Brasil; pessoas capazes de tratar de versos e literatura. Há um ou dois

médicos para as lições de história natural ou de higiene; há professoras do Grupo

Escolar. Pessoas que tocam e cantam na igreja. Era, portanto, preciso mobilizar todas

essas pessoas em benefício da educação dos pobres.

Em relação aos receptores, cada brasileiro que carece de cultura, deveria

encontrar no município, meios de possuir seu par de fones e o seu cristal. Os

municípios deveriam conseguir facilmente esse tipo de receptor popular. Assim caberia

ao estado oferecer

[...] pelo preço do custo, a cada brasileiro, o seu modesto rádio, em que ele, descalço, até mesmo roto, esfarrapado, amarelo, mole de doença e de ignorância, aprenderá, antes de saber ler, que a preguiça é quase sempre doença; que é preciso plantar o melhor da colheita para obter maior rendimento; que ser soldado não é ser escravo e sim receber instrução e educação, em lugares asseados, dirigidos por patrícios dedicados, fraternalmente, a serviço do país; que o Brasil não é de fato o país mais rico do mundo, mas que o pode vir a ser, se os seus filhos souberem tirar da terra tudo o que ela pode dar; que os povos fortes, são hoje em dia, os povos que sabem aplicar a ciência e a arte em melhorar a vida. (ROQUETTE-PINTO, apud RANGEL, p. 125)

Ao defender a necessidade de se oferecer educação ao povo brasileiro, Roquette-

Pinto propõe o rádio educativo tendo como princípio básico equacionar os problemas

nacionais de saúde e educação. Por meio desse instrumento se promoveria a integração

da nação, construiria a identidade nacional e possibilitaria a educação dos que não

tinham escola.

Nas palavras do próprio educador, transcritas por Ruy Castro:

O rádio é a escola dos que não têm escola. É o jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem não pode ir à escola; é o divertimento gratuito do pobre, é o animador de novas esperanças, o consolador dos enfermos e o guia dos sãos – desde que realize com espírito altruísta e elevado. (CASTRO, 2011, p.13)

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Assim, aos 39 anos incompletos, segundo Ruy Castro, Roquette-Pinto fundou a

primeira emissora de rádio no Brasil. Não era nada, do que logo se faria no Brasil. O

programa de rádio destinado à “educação em massa” parecia a princípio com uma

extensão da Academia de Ciências. Os acadêmicos produziam, escreviam e

apresentavam programas. Roquette era considerado exemplo: acordava às 5 horas da

manhã, lia os manuscritos, separava o que era mais interessante e duas horas depois

apresentava o jornal da manhã. Lia notícias com destaque para o noticiário

internacional e comentava para os ouvintes.

A programação da Rádio Sociedade era essencialmente educativa. Foi a primeira

radioescola a tentar unir o erudito e o popular afim de ocupar os vazios da escola

tradicional, dentro de uma programação que incluía em 4 de junho de 1923, a ópera

Rigolleto de Verdi, numa versão completa. A rádio trazia um leque diário de programas

com atividades educativas muito diversificadas. Há relatos de que o próprio Roquette

levava discos de clássicos e óperas, de sua coleção pessoal, para a rádio. Segundo Ruy

Castro, ninguém era pago, tudo era feito por amor.

Nem tudo era música e literatura. Havia palestras proferidas pelos acadêmicos,

de acordo com suas especificidades: português, biologia, história, francês, geografia e

silvicultura. Lições de química, física, literatura brasileira, dentre outras. Nesse período

o Rio de Janeiro recebia personalidades da área cultural e científica que eram vistas nas

instalações da Rádio Sociedade. Um deles, em 1925, foi Albert Einstein.

Assim, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro procurava associar a ciência, a arte,

a cultura e educação, promovendo a educação nacional. Possibilitando a rádio

educativa chegar aonde não existia escola. Essa tradição inspirou a criação do

departamento escoteiro com o objetivo de instruir estudantes a ter aulas de rádio, de

eletricidade, radiotelegrafia e radiotelefonia.

O referido departamento se destinava à formação profissional dos escoteiros em

operadores em radiotelegrafia integrando-os ao campo da difusão. Recebiam aulas

teóricas e práticas, no laboratório da Rádio Sociedade, havia um pequeno transmissor

que servia para demonstração técnica.

Segundo Rangel (2010), Roquette maravilhava-se ao ver o potencial do rádio

direcionado à educação dos que não tinham escola. A rádio podia manter várias

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orquestras, um conjunto de música antiga, coral, um trio, vários duos em um fabuloso

quadro. Gostava de ver os programas educativos em forma de radioteatro. Vibrava com

os programas sobre literatura, poesia, cinema, folclore e jazz.

Observa-se que Roquette fez um enorme esforço para que a Rádio Sociedade

mantivesse o seu propósito oficial, o cunho educativo, mas com decreto-lei de 21.111,

de 01 de março de 1932, assinado pelo presidente Getúlio Vargas que autorizava a

veiculação de propaganda comercial nas rádios a situação se complicou. A partir de

então, surgiram os patrocinadores, os cachês, programas de auditório, humorísticos, as

disputas dos artistas para a divulgação de seus trabalhos. Os aparelhos baratearam e a

rádio se tornou comercial.

Nesse período, as emissoras de rádio deixam de ser difusoras de educação e

passam a cobrar por seu tempo e a competir no mercado. Em função da necessidade de

industrialização e do crescimento Brasil, a rádio passou a buscar, então, o lucro através

da conquista de público e de anunciantes.

Segundo Ruy Castro, ele se recusava entrar nessa briga, possuía a convicção de

que a rádio deveria continuar educativa, pelo menos a sua rádio. Ele fez algumas

concessões, como acolher em seus quadros famosos como Ademar Casé e seu Programa

Casé, Noel Rosa, Haroldo Barbosa, Paulo Roberto, Nássara, Sandi Amaral, Francisco

Alves, dentre outros. Entretanto, Roquette entendia que com o decreto-lei que

permitia a veiculação de propaganda no rádio, seu ideal de rádio estava em perigo.

Roquette, em 1933, convenceu o educador Anísio Teixeira, então secretário da

educação, a fundar a Rádio Escola Municipal – PRD -5, mantida pela prefeitura do Rio

de Janeiro, para servir de exemplo para outras no futuro. Anísio aceitou e a rádio foi

fundada. Dessa forma, nasce a estação do Largo da Carioca (rebatizada em 1945 de

Rádio Roquete Pinto) a fim de escapar do cunho comercial assumido por todas as outras

rádios.

Assim, no dia 6 de janeiro de 1934, efetiva-se a PRD-5, Rádio Escola Municipal,

a qual já vinha operando em caráter experimental desde 31 de dezembro. Com ela

definitivamente Roquette inicia parte de seu projeto transcrito no texto As Cinzas de

uma fogueira (1923 -1926) e começa a disseminar o saber, não em forma de livros,

mas por ondas eletromagnéticas.

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No entanto, apesar da Rádio Escola se guiar pela experiência da Rádio

Sociedade houve um redirecionamento do foco de atendimento. A proposta da Rádio

Sociedade se pautava na difusão da cultura erudita para todos os lugares do nosso país.

Já a Rádio Escola Municipal foi projetada enquanto emissora escolar que atenderia o

público infantil escolar, a educação de adultos e os professores.

Observa-se, no entanto, que Rádio Sociedade possuía um projeto que

privilegiava a erudição, com perspectiva não voltada unicamente ao escolar. Na

Rádio Escola coexistia a cultura erudita e a de civilização. Em se tratando da educação,

Roquette dizia ser preciso dar ao “povo” o que ele precisa e não o que ele quer.

Ruy Castro relata que ele se orgulhava em saber que as aulas do “Colégio do ar”

eram transmitidas em dois turnos durante o ano letivo e contava com milhares de

alunos matriculados. Seu grande sonho se tornara realidade: o rádio levando educação

aos lugares mais dispersos e distantes.

Nos primeiros tempos do rádio no Brasil, os prefixos eram implantados sempre

em sociedade ou clubes, financiados por seus associados. Tinham por objetivo difundir

a cultura e promover a integração nacional. Roquette por não veicular publicidade na

Rádio, possuía dificuldade em arrecadar fundos suficientes para a manutenção e

atualização dos equipamentos, então a Rádio passou por várias crises financeiras.

Para evitar que a sua rádio se desfigurasse, Roquette só viu uma saída: reverter

seus canais a um órgão oficial: o Ministério da Educação e da Saúde. Em 1936, apenas

13 anos depois da implantação da primeira emissora de rádio no país – a Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro-, Roquette-Pinto decidiu doá-la ao Ministério da

Educação. O então Ministro da Educação, Gustavo Capanema, em nome do Presidente

Getúlio Vargas, agradeceu e informou que a emissora seria incorporada ao DIP –

Departamento de Imprensa e Propaganda. Então Roquette escreveu outra carta ao

Ministro Capanema, explicando que a rádio não estava sendo entregue ao governo

brasileiro, mas sim à Educação do Brasil.

Desta forma, a doação da Rádio Sociedade foi legitimada mediante a

irrevogável condição de que a Rádio mantivesse seu lema cultural e educativo. Não

deveria prestar serviços de outra natureza irradiando propagandas política ou comercial.

Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012

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E assim foi feito. E a Radio Sociedade deixou de existir para nascer a Rádio do

Ministério da Educação (MEC).

Os dois primeiros anos da Rádio MEC contaram com a direção do seu fundador

e sua programação se manteve conforme projeto inicial. Com o passar do tempo, a

Rádio foi assumindo características semelhantes às que possuíam em outros países:

mais entretenimento do que cultura.

Embora, Roquette-Pinto não tenha colhido os resultados favoráveis de sua

proposta educacional via rádio, as sementes plantadas se desenvolveram em décadas

posteriores. O Projeto Minerva, por exemplo, valeu-se da vocação da rádio para fins

educativos. Transmitido pela Rádio MEC, com o apoio de material impresso,

possibilitou que milhares de pessoas realizassem seus estudos básicos.

Considerações Finais

Refletir sobre a produção do intelectual e educador Roquette-Pinto nos leva à

compreensão do cenário educacional brasileiro de sua época. A educação para ele

deveria ser considerada elemento fundador da sociedade. Quando questionado acerca da

miscigenação do povo brasileiro ele afirmava que o problema nacional não era de

inferioridade racial, mas sim de educação.

O objetivo do antropólogo, médico e educador era levar a “civilização” a todas

as partes do país resgatando o “povo” do seu suposto estado de atraso, trazendo para

um estado de civilização, capaz de promover o desenvolvimento econômico e nacional

do país.

Assim, a proposta da rádio educativa encampada por Roquette-Pinto se deu no

intuito de construir o sentimento de nação do povo brasileiro e de civilizar, nas décadas

de 1920 e 1930 através da educação. A rádio educativa assumiu o papel de superar o

atraso educacional de nosso país, herança de nossa tradição colonial.

Num período marcado pela efervescência no debate acerca do rádio como

tecnologia educacional, em alguns anos, ele implementou no Brasil o projeto da Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro - PRA - 2 (1923) e a Rádio Escola Municipal - PRD - 5

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(1933). Sendo que a PRD - 5 inspirou-se nas várias experiências radioescolares no

mundo, bem como em alguns programas já promovidos pela PRA - 2.

A rádio, proposta por Roquette-Pinto, afirmava-se como um veículo de políticas

públicas destinado a difundir cultura e educação a todo povo brasileiro, impedido de ir

à escola. A radiodifusão aparecia ligada à ideia de divulgação da ciência e da

modernidade para assegurar a educação dos brasileiros na luta contra o analfabetismo.

Embora os objetivos de Roquette-Pinto não tenham sido completamente

alcançados naquele momento, há de considerar que ele abriu caminhos, através de suas

experiências, para que outros pudessem pensar a rádio como um meio de comunicação

capaz de promover a instrução da população brasileira.

Portanto, o estudo desse intelectual é significativo na medida em que se defende

a ideia de que no passado se encontram os elementos que podem explicar os problemas

atuais da educação brasileira, principalmente os impasses enfrentados pela

democratização do ensino, nos mais variados níveis.

REFERÊNCIAS

CASTRO, Ruy. Roquette-Pinto: o homem multidão. Disponível em: <http:// aminharadio.com/radio/brasil80_roquette.html>. Acesso em: 20 jun. 2011. COSTA, Maria Luisa Furlan. Rádio Educativo: a contribuição de Edgar Roquette-Pinto para a democratização do conhecimento no Brasil. Curitiba: 2004. In: III Congresso Brasileiro de História da Educação: A educação escolar em perspectiva. Vol. 1, 2004.

MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA. In.: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 65, n. 150, p. 407-425, mai-ago, 1984. RANGEL, Jorge Antônio. Edgard Roquette-Pinto. Fundação Joaquim Nabuco, Recife: Massangana, 2010. 144 p. Coleção Educadores.

ROQUETTE-PINTO, Vera Regina. Roquette-Pinto, o rádio e o cinema educativos. Disponível em: <http:// www.usp.br/revistausp/56/02-veraregina.pdf >. Acesso em 25 jun. 2011.