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43 QUALITÁ SOCIOAMBIENTAL Ano 2 N5 da expressão urbana a ETERNA FEBRE REPORTAGEM DE ADRIANE BALDINI FOTOS DE ADRIANE BALDINI E MARCELO ACRA CULTURA URBANA

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43QUALITÁ SOCIOAMBIENTAL

Ano 2 N5

da expressão urbanaa ETERNA FEBRE

reportAgem de AdriANe bAldiNi fotos de AdriANe bAldiNi e mArcelo AcrA

CULTURA URBANA

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expressão surgiu da mesma forma que a pichação. Segundo ele, antigamente, os suburbanos vinham até o centro da cidade para escreverem suas revoltas, medos e anseios, mas que foi e ainda é considerada como vandalismo. “É também rela-cionado, indiretamente ao “dane-se”; sinônimo de atitude, de deixar sempre a marca pessoal”, relata. Explicando: o pichador faz parte de um grupo de amigos, que tem uma outra rival. Quanto mais eles picharem o centro da cidade para deixarem suas marcas, é melhor. Para o menor N.S., de 17 anos, morador da grande capital de São Paulo na zona sul, diz que “muitas pessoas pensam que sou um criminoso. Me sinto um bandido maltratado pela população. Mas o que quero é só dizer que estive ali, que passei e sei o que está acontecendo no local”, diz o menor, que confessa, quando ques-tionado se todos entenderão o que ele escreveu: “Escrevo somente para eles, meus “manos”. Sei que só eles e outras gangs contrárias que também picham é que vão entender”complementa, dizendo que já viu muita gente morrer por um membro de uma gang rival pichar em cima das letras da turma dele. “É como se houvesse uma invasão dos locais onde sempre estão, coisas típicas de adolescente”, diz a psicóloga Daniele Barbieri, especializada em psicoterapia pessoal e infanto-juvenil. “Por serem

A foto acima é a parte superior de um prédio desocupado na rua XV, famosa por ser um dos locais preferidos dos turistas, em curitiba. Ao analisar bem a foto, além de se entender muito pouco os apelidos escritos pela gang, muitos se arriscaram para pichar em lugares de dificil acesso. Na outra página estão os stickers, coladas em diversos lugares do centro da cidade, para análise pessoal dos transeúntes. o tamanho dos desenhos podem variar entre 5cmX5cm até o tamanho de uma folha A3.

cada nascer do sol, milhares de pessoas ini-ciam a clássica rotina de um novo dia. Muitos se arrumam com a melhor gravata que tem,

preocupados para procurar um bom emprego. Aqueles que já possuem, se apressam para não se atrasarem, correndo ofegantes para parar a porta do elevador dos velhos edifícios comerciais, que geralmente estão no centro da cidade. Perdidos em seus próprios pensamentos, a maior parte dos cidadãos que pelas ruas caminham apressa-dos, não percebem cartazes, pinturas, pichações e outras formas de expressões urbanas. Esta cena é comum em todos os lugares do mundo. Enquanto você passou despercebido por um adolescente que estava de costas para uma parede qualquer, naquele momento, ele colou um “sticker” - dese-nho considerado uma nova forma de expressão e que com certeza, pode estimular – e muito – a sua curiosidade. É nada menos do que o movimento de um mundo paralelo ao dos adultos, sem correrias, alienação das preocupações de contas a pagar e apenas a adrenalina na cabeça – a simples forma de querer ser se comunicar e ser entendido.

TEMPOS ATRÁS O publicitário curitibano Marcelo Acra,

estudioso de artes visuais, destaca que essa nova

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jovens, eles têm sede de grandes mudanças – força encontrada somente nos adolescentes – de querer criticar, mudar tudo o que veio das gerações ante-riores e transformar em melhor, mas que, ainda não conhecem a amplitude das conseqüências” ressalta.

DESTREZAS DO CENTRO Independente das tantas outras diversas

formas de expressões existentes, ainda há muita resistência, principalmente por parte dos mais velhos e comerciantes, a olhar com bons olhos esta cultura adolescente. Para Estela Rohde, re-presentante da Associação dos Condomínios Ga-rantidos do Brasil - empresa que faz cobranças de condomínios na capital do Paraná - muitos prédios perdem valor comercial. “Ninguém gosta de ver nada sujo. Isso torna o local muito empobrecido, perigoso até. Você não vai investir em um lugar que está pichado. A primeira coisa que se pensa é: “Se eu pintar, eles vão pichar de novo”. E com isso, os mercados de imóveis, aluguéis, cobrança e comércio perdem”.

A REVOLUÇÃO DAS ETIQUETAS O publicitário Marcelo Acra volta a de-

fender a arte urbana: “Nem tudo também é ruim. Existem muitos pichadores que se profissionalizam e investem no grafitti, uma forma de arte com o spray, mas que tem o consentimento do dono do muro e é preciso uma aparelhagem específica, além do talento”. O grafitti é considerado um desenho muito bem mais trabalhado e nele se apresenta outras técnicas de pintura, como o rolo e tinta lá-tex – onde muitos poucos conseguem migrar para esta técnica. E Marcelo não está errado. Muitos que pelos muros passam, não entendem a mensagem que o grafitti ou a pichação quer passar, então, o adolescente deixa este interesse de lado – até porque surgem outros, como a responsabilidade social do trabalho, por exemplo – e ele deixou de se expressar para a sociedade, se adaptando a ela.

Mas, como adolescentes ainda existem e novas tendências sempre surgem com uma velo-cidade muito mais rápida do que antigamente, eis que surge o “sticker”. Considerado como um dos precursores da técnica, no início dos anos 90, o norte-americano Shepard Fairey criou uma imagem em preto-e-branco do campeão de luta-livre Andre the Giant, com a inscrição “Obey Giant” (obedeça ao gigante). A imagem foi vista em 1995 em quase todos os EUA e grandes centros da Europa, e claro, no Brasil. Considerada por muitos uma técnica pós-grafite, o sticker é um adesivo que traz dese-nhos ou mensagens subliminares. “Não é só uma forma de expressão visual, é um pouco intelectual também, pois o desenho semioticamente quer te dizer alguma coisa, é algo meio psicológico. No desenho pode estar inserido ou uma palavra ou frase que pode fazer você divagar.

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Pier, onde você conheceu essa forma de expressão? Conheci vendo esse tipo de arte nas ruas. Via lambes na zona leste daqui de São Paulo. Aí comecei a me interessar mais e a conhecer mais esse tipo de intervenção; arte.

Como você conheceu a técnica? Meus stickers são feitos graficamente. Uso Photoshop, Corel Draw, etc, pra criar os desenhos. Eu gostaria de ter técnica com as mãos, mas infelizmente não consigo. Depois, ou eu imprimo e xeroco, ou mando fazer uma tela de serigrafia (silk) ou faço stencil. Não lembro exatamente como conheci essas coisas. Foi na rua mesmo, vendo trabalhos de outras pessoas. E indo atrás pra conhecer.

O teu sticker, ao que me parece, é o rosto de Karl Marx. Estou correta? Não é o rosto de Karl Marx, apesar de parecer. Muitos já me perguntaram se é o rosto de Bakunin, um revolucionário. Também não é, é o rosto de um velho qual-quer. (...) Teve uma época que eu comecei a reparar em como as pessoas olham pra idosos, nos transportes coletivos, nas ruas, em todo lugar por onde eu passava. Eu percebi que muitas vezes as pessoas encenam respeito, mas no fundo, o que realmente sentem é menosprezo. Eu criei a imagem do velho. E comecei a colar, mas quando comecei isso, já sabia que stickers existiam. Eu quero fazer com que as pessoas pensem e reparem na cidade, em meros detalhes que podem ser simples, mas que podem fazer muita diferença.

Então a interpretação de cada um é livre? Depende. Os motivos são unânimes, do ponto de vista dos stickers. Mas a inter-pretação varia, e muito. As pessoas que vêem a arte acabam se perguntando: por que alguém faz isso? Cola esse desenho por aí? Qual será o objetivo dele com isso? Eu gosto disso. De fazer mentes trabalharem para alguma coisa que sai da rotina, alguma coisa alternativa e que possa ter algum sentindo que pode parecer simples, mas que no fundo tem um significado e uma tese interessante.

Como você interpreta o seu? “Um velho. O que é o velho? Olhe pro velho. Imagine-se sendo velho. Vivendo o velho. No corpo dele. Com sua alma e sua essência. Imagine um dia sendo um velho. Barbudo, sujo e mundrungo. Como você se sente sendo menosprezado, ignorado, muitas vezes desrespeitado? Talvez não seja fácil ser um velho. Pelo lado social. O que você deve fazer? Ame um velho.” (...) Você poderia publicar uma frase junto? É simples.

Claro. O que? Que eu amo minha namorada Maristela. Só isso. (Risos)

pier ricardo, morador da periferia da capital de são paulo, 18 anos, estudante. seu sticker está na abertura desta matéria, do qual ainda

o cola em diversos lugares por onde passa.

eu, STICKER É uma cultura para incentivar você a descobrir o que ele pensa” diz Marcelo. Essa técnica ganhou adeptos principalmente depois da popularização da internet, que permite que muitos troquem imagens com pessoas de todo o mundo. Também com outras variações, a mesma idéia de expressão pode ser vista pelo o stencil (pinturas na parede feitas por meio de molduras vazadas – muitos usam chapas de raio-x) e lambe-lambe (imagens impressas em folhas, geralmente em tamanhos A4 e A3 e são coladas com pincéis, da mesma forma que os outdoors - e em qualquer lugar). Só no site de discussões Orkut, existem (até a publicação desta revista) o mínimo de 200 fóruns sobre as técnicas. Dentre os mais populares estão “Eu colo stickers!!!!”, com 1.611 membros, “STENCIL”, com 2.852 membros e “Pichações VS Grafitti”, com 981 membros.

PENSO, PORTANTO EXISTO O estudante Pier Riccardo, 18 anos,

também morador da periferia de São Paulo – capital, é um adepto da técnica: “Eu colo os desenhos para quem quer olhar, ver. Poucas pessoas reparam.Geralmente são as que se interessam por arte, seja qual for o tipo dela”, diz o adolescente (confira a entrevista na pró-xima página). Mas, a psicóloga Daniele explica o motivo pelo qual você, leitor, ainda pode não ter visto um na rua. “Eles colam em lugares estratégicos, como topos de muros altos ou então quase escondidos, pois, de certa forma, por melhores artistas que se considerem, não gostam de críticas. Caso isso aconteça, para eles que ainda não conhecem os dissabores do mundo, é muito mais dolorido. Então, preferem receber apenas elogios ou comparações de quem também conhece a técnica, que sabem onde estão os lugares que colam. É uma forma de não receber a crítica o tempo todo” explica.

De certa forma, para os que vêem como forma negativa estas ou outra qual-quer forma de expressão urbana, sente-se incomodado. “Sente-se por ser uma crítica. Ninguém se incomoda com telas de flores, por exemplo. Frases pichadas incentivam o pensamento, expressam que algo está errado, é proposto outros valores diferentes daqueles que já estão impostos”, diz Daniele. Para ela, é um erro não enxergar grandes revoluções, como a que ocorreu na Semana de Arte de 1922 – e que a história comprova que houve grandes estratégias para que fosse abafada. “Quando se inibe a expressão, a criatividade e a arte, infelizmente não existem outras formas de mudanças além do vandalismo, violência e guerras. Quando se investe na educação e criatividade, é o contrário” complementa.

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PICHAÇÃO Uma das formas mais tradicionais de protesto

dos jovens nos grandes centros urbanos ainda é através da pichação com a lata de spray. Como nela se encontra apenas palavras com letras estilizadas, somente quem picha é que entende. É possível também fazer a pichação com estreitos rolos de tinta.

THROw-UPUsado como um laborató-

rio para o grafitti, o throu-up significa “chegar no muro e vomitar rapidinho suas letras”, segundo o publicitário Marcelo Acra. Desenhados com um rolo estreito de tinta, muitos raramente optam pelo acaba-mento com spray; é também uma forma estilizada de mar-car território.

As variações

GRAFITTI Os poucos que tem o talento

reconhecido, migram para o grafitti - o que exige mais tempo para se fazer grandes desenhos, com excelente acabamento (e entendimento). Os temas podem ser escolhidos pelos proprietarios dos muros, que geral-mente optam por imagens suaves.

STêNCILDecalcados em lâminas de raio-x (ou qualquer

outro material flexível e resistente), as formas são as mais variadas possíveis. Muitos personagens históricos são evidentes, assim como desenhos próprios com mensagens subliminares. Para você que não encontrou nenhum na rua ainda, qual seria sua interpretação, por exemplo, ao deparar-se com a personagem do filme francês, Amelie Poulain ou Ghandi?

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fontes de pesquisa:http://www.fotolog.net/pierconverge, http://www.choquecultural.com.br, http://www.stencilbrasil.com.br http://www.stencilrevolution.com, http://www.streetstickers.co.uk, http://www.obeygiant.comAssociação dos condomínios garantidos do brasil - http://www.acgb.com.br - (41) 3223-7708

Já para Píer, o garoto que cola stickers, questiona: “Acho que a questão aqui seria: O que é vandalismo? A rua é de todos. Claro, dentro do seu limite. Muitas pessoas podem achar que isso é vandalismo, talvez, e em algumas circunstâncias, realmente seja. Eu não me importo muito com isso. Sendo vandalismo ou não, nunca deixará de ser uma forma de expressão”.

EDUCAR DESDE PEQUENOS Para inibir a pichação, Estela Rohde, da Associação dos Condo-

mínios Garantidos do Brasil, ministra palestras educativas da campanha “Despiche sua Cidade” em escolas de Ensino Fundamental. Lançado em 2000, um total de 48 mil jovens já participaram do incentivo da não-pi-chação até hoje. “Mas ainda precisamos de mais voluntários fazendo a mesma ação, que abracem também esta causa em todo país. O que não pode é parar”. Durante a palestra, são distribuídos folders e pequenos livros de bolso, onde um deles chama-se “O pesadelo de Guto”. Nele, o pequeno personagem Guto está andando pelas ruas quando vê ga-rotos pichando um muro, mas não toma nenhuma atitude. Ao dormir, sonha que está fazendo a mesma coisa e acaba preso. Quando se vê entre as grades, reflete na vergonha que os pais sentirão dele e chora. Ao acordar nervoso e constatar que era um sonho, decide que, cada vez que ver um ato de vandalismo, denunciará à polícia, um bom ato de cidadania que deve ser seguido pelos leitores infantis. Também na campanha, os alunos ajudam a pintar os muros externos pichados com cal – doação de grandes empresas desse setor, que também incentivam uma cidade mais limpa. “Para criar uma conscientização, não adianta fazer somente a limpeza e a pintura do lugar. É preciso antes de tudo identificar os problemas sociais e investir na educação”, completa Estela.

E como a sociedade pode ajudar nisso? Não sendo apenas assistencialista, mas investir no futuro de jovens e crianças - descobrir o que eles têm de melhor, o que poderá ser o sustento deles quando adultos. A sociedade ainda tem a dificuldade de ver a arte como um trabalho, e sim como apenas mérito. “Se existisse um museu de Arte Contemporânea para qualquer adolescente se expor, o caminho seria diferente. Claro que não seriam grandes artistas, mas de uma forma ou outra, estaria lá sua forma de expressão”, complementa Daniele.

Mas como tudo depende de decisões de altas sociedades e comunidades que julgam que a atenção para este assunto não é importante, os stickers, stencil, grafitti e pichações serão parte de uma rotina diária que não tem fim, e que acabará por ocupar cada vez mais ruas e galerias das quais você leitor, também passa. “Cabeça vazia é oficina do diabo. Tudo é uma questão de interesse”, finaliza o publicitário Marcelo.

com excelente criatividade, é através de desenhos como estes que os stickers compôem parte do atual cenário urbano. mas, como estão no centro da cidade, a maioria não permanece mais do que cinco dias colados; são arrancados por funcionários de limpeza das prefeituras ou de entidades que prezam pela limpeza da região central. muitos também desbotam, perdem a durabilidade da cola provocadas pelas ações do tempo ou então, novamente caem no anonimato quando um cartaz de banda ou político é colado por cima.