saÚde escolar no paranÁ nos anos de 1920/30 · do paraná, especialmente aos caboclos e...
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SAÚDE ESCOLAR NO PARANÁ NOS ANOS DE 1920/30
VALQUIRIA ELITA RENK
PPGB- PUCPR
Resumo
Neste artigo objetiva-se analisar a importância da educação e da saúde na formação da população paranaense, nas primeiras décadas do século XX manifestado na ‘Revista Médica do Paraná’. As fontes de pesquisa são: a Revista Médica do Paraná e os Relatórios de Governo, que trazem os registros dos discursos dos médicos e das autoridades, sobre a educação e saúde, para os professores nas escolas do Paraná. As fontes primárias de pesquisa constituem-se de indícios que publicizaram o discurso médico para a infância e as ações do Estado para higienizar, disciplinar e homogeneizar a população. O uso de fontes documentais na pesquisa em História da Educação possibilita ampliar o entendimento de objetos, a dimensão do tempo e sua relação histórica e sociocultural. Os aportes teóricos da História Cultural orientam a análise do corpus documental, na discussão com Foucault (2002, 2012) e Vidal (2005). No período em análise, a atenção e vigilância das autoridades estavam em ensinar os cuidados pessoais com a boca, os piolhos e as mãos, e também a sexualidade recebia atenção especial, pois a sífilis era um problema de saúde individual e pública. Também se tornaram objeto das políticas o álcool, tabagismo e os vícios, que degradavam os valores morais e deveriam ser prevenidos e debelados pela escola. A educação e a saúde foram consideradas as molas propulsoras do progresso e inseridas numa proposta mais ampla de redimir a nação e consolidar a República nas primeiras décadas do século XX. No período em análise, a atenção e vigilância dos professores estavam em fiscalizar, examinar e ensinar os cuidados pessoais, a higiene, a alimentação, debelar e prevenir os vícios e ensinar o amor ao trabalho.
Palavras chave: Educação, Saúde, Medicina escolar, Higiene
Introdução
No Brasil, a educação e a saúde tinham a missão de redimir a nação e
consolidar a República, nas primeiras décadas do século XX. A partir dos anos
1910, os cuidados com a saúde do povo brasileiro passaram a compor as
discussões sobre a formação da nação brasileira incluindo as políticas
educacionais. A saúde e a educação foram consideradas as molas propulsoras
do progresso e, portanto, consolidaram-se como objeto das políticas públicas
para a infância. Acabar com o analfabetismo e levar a saúde tornaram-se
sinônimo de levar o processo civilizatório e as luzes do saber a todos os cantos
do Paraná, especialmente aos caboclos e sertanejos, símbolos do atraso.
Pretende-se analisar a importância da educação e da saúde na
formação da população paranaense, manifestado na Revista Médica do
Paraná- RMP, nos anos de 1930. No período em análise, a atenção e vigilância
das autoridades estavam em ensinar os cuidados pessoais com a boca, os
piolhos e as mãos, e também a sexualidade recebia atenção especial, pois a
sífilis era um problema de saúde individual e pública. Também se tornaram
objeto das políticas o álcool, tabagismo e os vícios, que degradavam os valores
morais e deveriam ser prevenidos e debelados pela escola.
Deve-se considerar que o Paraná recebeu milhares de imigrantes
europeus, desde o século XIX, que substituíram as “classes baixas”, com seus
costumes representativos da barbárie (PEREIRA, 1996, p. 91). Isto denota que
a questão racial trazia a representação do imigrante que iria tonificar o
organismo nacional. Nilo Odália (1997) afirma que o branqueamento da
população brasileira caracterizava-se pelo ideal de uma população branca e
européia como representação do trabalho e da civilização. No campo teórico e
político teorias eugênicas e de branqueamento da população brasileira
ganhavam espaço no Paraná, no início do século XX, com a pretensão de
melhorar a constituição física e mental da população (BERTUCCI, 2007;
MARQUES, 1994; SCHWARCZ, 1993). A eugenia pode ser entendida como o
“estudo dos meios de controle social que podem beneficiar os prejudicar as
qualidades raciais das gerações futuras, tanto física quanto mentalmente’
(GALTON, 1988, p. 27- tradução livre).
As fontes de pesquisa são os Relatórios de Governo (1920-1924) e a
Revista Médica do Paraná- RMP1, publicada pela Sociedade Médica do
1 Órgão da Sociedade Medica dos Hospitaes do Paraná (grafia original), fundada em dezembro de 1930, iniciou suas atividades em dezembro de 1931 tendo como editor o médico Milton Macedo Munhoz. A
Paraná. Foram localizados oito exemplares desta Revista, dos anos de 1931 a
1933, com publicação trienal. A RMP registrou o discurso eugênico dos
médicos, em uma versão mais ‘suavizada’, que foi a de higiene e medicina
escolar (profilática). Apresenta o protagonismo social dos médicos engajados
na cruzada pela melhoria da sociedade. As fontes se constituem em indícios
como diria Farge (2009), para se compreender o discurso eugênico, a começar
pela infância na perspectiva de regeneração da raça/nação (LAROCCA, 2009).
Para Certeau (2002, p. 82), “o estabelecimento das fontes solicita, também,
hoje, um gesto fundador representado como ontem, pela combinação de um
lugar, de um aparelho e de técnicas“. O uso de fontes documentais na
pesquisa em História da Educação possibilita ampliar o entendimento de
objetos, a dimensão do tempo e sua relação histórica e sociocultural
(CELLARD, 2008). Neste sentido, Corsetti e Luchesi (2010, p. 473), inferem
que os documentos são “plenos de relações de poder, de jogos de sentido e
significação, construídos e preservados no tempo.
Foucault (2012) discute que, a partir do final do século XIX, o poder
representa uma “grande medicina social” que se aplica a população a fim de
controlar a vida, denominado de biopolítica. Foucault (2002) permite analisar
que o Estado por meio da biopolítica controla os corpos sociais, normatiza e
controla as ações e a “vida e seus mecanismos entram no domínio dos
cálculos explícitos, fazendo do poder-saber um agente de transformação da
vida humana”. Assim, consideram-se as políticas de higiene e medicina escolar
como biopolíticas.
Saúde e Medicina Escolar
Nas primeiras décadas do século XX, intelectuais e médicos afirmavam
que, para modernizar o Brasil, era necessário sanear, higienizar e educar o
povo. “Vitalizar pela educação e pela higiene”, como queria Miguel Couto
Revista mantém sua periodicidade até os dias atuais, agora sob a chancela da Associação Médica do Paraná. Os números pesquisados encontram-se na Biblioteca Pública do Paraná
(1927, p. 14). Neste sentido, intelectuais como Afrânio Peixoto, Fernando de
Azevedo, Belisário Penna e outros, associavam a brancura da pele à força,
saúde e virtude, valores preservados e reforçados na escola (RENK, 2014).
Considerando que a degeneração era adquirida, portanto era remediável e os
indivíduos podiam escapar da categoria social de negritude por meio da
melhoria da saúde, da educação e da cultura (DÁVILA, 2006). Assim, a
degeneração racial também era entendida como fonte de degeneração moral,
pois as classes pobres, consideradas perigosas, não controlavam seus
instintos, aumentando a miserável prole. Assim, haviam alternativas para
‘melhorar’ a população, como vigiar, controlar a sexualidade, inculcar novos
hábitos de higiene, a começar pela infância, no espaço escolar. Assim, as
teorias eugênicas passaram a ser uma possibilidade de reabilitar a nação e
melhorar a raça (MARQUES, 1994, SCHWARCZ, 1993, SKIDMORE, 1976,
SEYFERTH, 1996).
As principais preocupações com a saúde dos escolares nas primeiras
décadas do século XX eram os cuidados com a higiene, a vacinação, a falta de
bons hábitos de saúde e alimentares, a prevenção de moléstias contagiosas,
doenças sexualmente transmissíveis e de vícios. Os primeiros serviços de
saúde escolar foram criados em Bruxelas (1874), Paris (1879), Japão (1903).
Posteriormente foram incorporados em outros países, como nos Estados
Unidos, Argentina e Brasil, com estruturas e planos semelhantes: atendimento
aos alunos, especificações da arquitetura e mobiliário escolar para atender os
preceitos de ergonometria e higiene, avaliação e complementação nutricional,
triagem e problemas de visão (SANCHO RAMIREZ, 1981).
A saúde na escola brasileira acompanhou as tendências mundiais da
educação e da saúde. Inicialmente, no início do século XX o movimento
higienista, seguindo o modelo alemão, de controle e fiscalização, para evitar
que as doenças contagiosas alcançassem o ambiente escolar, com a inspeção
e fiscalização escolar, sendo parte de uma política mais ampla de
enquadramento das camadas populares (IERVOLINO, 2000). No sentido
eugenista-higienista, a saúde era pensada em termos físicos, mentais e morais.
Os médicos defendiam que o povo deveria ser informado, e salvo da
ignorância, assim como deveria haver a incorporação de hábitos e práticas de
vida saudáveis (STEPHANOU, 1998). A educação em saúde objetivava o
desenvolvimento da raça sadia, a partir do disciplinamento da infância,
corrigindo desvios de condutas. Nesta perspectiva, médicos, professores,
enfermeiros, dentistas e outros tinham a missão de higienizar e moralizar
individualmente cada sujeito e também a cidade, em uma perspectiva
civilizatória.
O espaço escolar tornou-se o ‘laboratório’ de formação dos futuros
cidadãos, neste sentido, a Constituição Federal de 1934, no Art 138
estabelecia que a União, os Estados e os Municípios deveriam estimular a
educação eugênica, cuidar da higiene mental e social e adotar medidas para
restringir a moralidade e a morbidade infantil. A escola era considerada como
o centro irradiador das políticas de formação de sujeitos saudáveis, higiênicos
e educados, culminando com as políticas sanitárias e eugênicas e as políticas
de formação da nação (MARQUES, 1994).
As primeiras décadas do século XX foram de expansão da educação
escolar e também da formação do sentimento de brasilidade (VIDAL, 2005;
BENCOSTTA, 2005). Considerando que no Paraná, a maioria da população
era descendente de imigrantes europeus, com a cor da pele branca, as
políticas eugenistas traduziam-se em políticas de higiene e de saúde. Para
tornar esta situação real, várias medidas foram implantadas nas escolas, como
a criação do Serviço de Inspeção Médico Escolar em 1921, (lei 2.095, de 31 de
março), que deveria atender “[...] as escolas e grupos, examinando a miúdo
seus alunos e professores” (PARANÁ, 1921 (a), p. 24).
A elite intelectual brasileira adotou a noção de o ‘branqueamento’ da
população poderia ser através dos modos e da educação. A degeneração era
adquirida, portanto remediável e os indivíduos podiam escapar da categoria
social de negritude por meio da melhoria da saúde, da educação e da cultura
(DÁVILA, 2006). A eugenia e a higiene passaram a ser políticas de Estado
cujas ações foram desenvolvidas para os professores e os estudantes, através
da medicina escolar, desenhada pelos médicos, para ‘salvar’ a infância e a
juventude dos males, das doenças e dos vícios (MARQUES, 1994). A escola
atuou de forma preventiva para tirar os estudantes do caminho dos vícios e
torná-los sujeitos produtivos, moldando-os socialmente dos estudantes. Assim,
foi fundamental a ação do Estado na implantação do serviço médico escolar,
das aulas de educação moral e cívica, educação física escolar e do trabalhos
manuais.
A escola, por sua vez, incorporou o discurso médico
higienista/sanitarista e implementou medidas que acreditava formariam o
cidadão saudável, tais como a inspeção médico escolar, a vigilância dos
aspectos físicos e higiênicos dos prédios escolares, dos estudantes por meio
dos exames antropométricos, exames fisiológicos e exames físicos
(MARQUES, 1994). Foucault (1983) analisa que a escola tornava-se uma
espécie de ‘aparelho de exame ininterrupto’ aliando as técnicas do exame
pedagógico àquelas do exame de saúde, reforçando as técnicas de hierarquia
que estabelece vigilância àquelas da sanção normatizadora. A antropometria e
a psicometria se constituíram nas ciências “por excelência da educação e as
fichas e os exames antropométricos, junto com as cadernetas sanitárias, no
instrumento a partir do qual se toma toda e qualquer decisão sobre o futuro do
escolar” (BAÑUELOS, 2002, p. 76).
O Serviço de Inspeção Médica Escolar no Paraná encontrava
defensores entre os educadores e intelectuais da educação, como o Professor
Belisário Penna, que foi defensor da educação eugênica nas escolas e nos
lares (PENNA, 1928). A circulação destas idéias e a implantação do Serviço
Médico Escolar permitem compreender as políticas do Estado, enquanto
políticas de medicina social, de formação e controle de população, a biopolítica.
O Estado por meio da biopolítica controla os corpos sociais, normatiza e
controla as ações e a “vida e seus mecanismos entram no domínio dos
cálculos explícitos, fazendo do poder-saber um agente de transformação da
vida humana” (FOUCAULT, 2002, p. 154).
A criança e o jovem eram os depositários do porvir. Era necessário
formar “o cidadão saudável, desde o caboclo do litoral até o colono do interior”,
no dizer do Inspetor de Ensino, César P. Martinez (PARANÁ,1920, p. 223). O
governo preocupava-se com as condições sanitárias e os vícios que viviam os
'caboclos' do litoral e do interior do Paraná, pois eram acometidos por doenças
decorrentes da falta da higiene, da subnutrição e de bons hábitos de vida que
comprometiam a aprendizagem dos estudantes.
Os médicos e a educação na Revista Médica do Paraná - RMP
A RMP, publicada pela Sociedade Médica do Paraná, nos anos de 1930,
divulgava as novidades na área científica, os discursos sobre a medicina
escolar e a discussão do binômio “saúde/doença – sociedade”. Foram
localizados oito exemplares desta Revista, dos anos de 1931 a 1933. Esta
Revista é importante fonte, pois divulgava as relações entre médicos e
professores no ensino, na vigilância e na formação saudável da infância. A
seguir serão analisados alguns artigos que abordam esta questão.
Na RMP (1933, n. 7) o artigo “Ensaios de Puericultura”, assinado pelo o
médico Dr. Mário Gomes, instruía pais e mestres na educação dos filhos
pequenos e em idade escolar. A preocupação com a infância desde a tenra
idade ultrapassava a área médica e incluía lições morais sobre o papel da
família, valor do trabalho, da obediência e dos cuidados com a higiene.
Ensinava o autor como os pais e professores deveriam proceder nos cuidados
com a alimentação, a higiene, as vacinas, sono, impor a disciplina e o respeito.
Ensinava também o papel da mãe, como fonte da humanidade, ser a primeira
educadora, bem como a educação moral, respeito, organização, zelo,
princípios como (honestidade, respeito, pátria, ordens dadas deveram ser
cumpridas sem demora) e dignificação ao trabalho. Em consonância com as
políticas estaduais de educação, ele justificava a importância da ficha escolar
que deveria ser preenchida pelo Serviço de Inspeção Médico Escolar. Neste
artigo, o autor aborda a importância do professor em fiscalizar a higiene do
aluno (vestes, cabeça, corpo, dentes, lavar as mãos, lavar os alimentos),
higiene da escola, do pátio, da privada e também indica que a escola deve ser
iluminada, arejada e limpa. As atividades físicas escolares deveriam ser
praticadas. O médico assumia o papel de educador e a RMP o dispositivo
educativo. Isto significa entender que a escola não age apenas intra-muros, e,
sim tem uma ampliada atuação social na medida que funciona como uma
instituição que produz, divulga e legitima identidades, competências e modos
de vida, ao mesmo tempo que deslegitima outros (FARIA FILHO;BERTUCCI,
2009, p 14).
A saúde pública e doenças sexualmente transmissíveis foram alvo da
preocupação dos médicos. No artigo O Saneamento do Litoral (1933), o Dr.
Marceliano de Miranda, alertava sobre os males causados pelo impaludismo,
verminoses, tuberculose e sífilis. Estas doenças também eram consideradas
males sociais que deveriam ser combatidos, no sentido mais amplo do conjunto
da população. Este artigo mostra o protagonismo dos médicos sanitaristas
atuando no projeto de construção da nação, através da vacinação, da
prevenção das doenças e do saneamento básico. Assim, era favorável a
educação sanitária considerando a escola o lugar ideal para sua aplicação.
Invocava Maurício Medeiros e Afrânio Peixoto afirmando que ‘o melhor
saneador é o alfabeto’ (RMP, 1933, p.82). A medicina adquiria a confiança da
população ao engendrar e legitimar novos comportamentos, combater
eficazmente inúmeras patologias físicas e sociais, além de auxiliar na
eliminação da pobreza extrema, da criminalidade e até mesmo do alcoolismo,
revertendo a degeneração do povo brasileiro (DONES, 2011).
A ação do médico na escola era justificada pelo artigo ‘O Médico nas
escolas’ (1933, p. 213), em que o Professor José Pereira Macedo analisava a
necessidade da saúde no espaço escolar e abordava as relações entre a
família, o médico e professor na educação. O médico ensinaria os professores
higiene e educação higiênica, propugnava pela medicina escolar, pela
educação sanitária e pela medicina profilática. Trazia argumentos de Jonh
Dewey, Anísio Teixeira, Maria Montessori em favor da escola como um
ambiente próprio para as crianças, anunciando que um ambiente escolar
saudável deveria compreender a higiene do ambiente (salas de aula, pátio,
banheiro e outros) cujos objetivos eram os de atingir toda comunidade escolar
de forma preventiva.
O artigo intitulado ‘A saúde pela Educação’ (1933) do Professor da
Faculdade de Medicina, Milton Munhoz, aborda a parceria entre médico,
professor e higienista e tece seus argumentos em favor da Educação Sanitária
e da Educação Higiênica. Trazia argumentos de Afrânio Peixoto acerca da
importância social do médico, discursava a favor da higiene social e da
medicina preventiva. Indicava que o médico adentrava o espaço escolar, para
justificar as medidas de higiene e prevenção aos males e ensinava aos
professores como proceder. Defendia a atuação dos Pelotões de Saúde (RMP,
1933, p. 11 – 15). Tornava-se necessário moldar e formar o cidadão através da
educação física escolar, da higiene e da educação moral. Neste sentido, a
educação escolar deveria preparar a criança para “a vida social: pela educação
física tornando-a um ente forte e robusto; pela instrução transmite-lhe
conhecimentos e pela educação moral e habitua à atenção, reflexão e força de
vontade (RMP, 1933, p. 124). Foucault (2002) discute as biopolíticas como
políticas sociais para combater as doenças que são persistentes e que quando
não tratados, subtraem a energia, diminuem o rendimento do trabalho, tem
custo econômicos e invocam a necessidade de aprendizado da higiene e de
medicalização da população.
A educação física era indicada pelos médicos como objeto de
fortalecimento e regeneração corporal. Assim, os Jecas Tatus, sifilíticos,
alcoólatras devem colocar em evidência o homem ideal a ser construído, mas
que precisam ser curados, disciplinados, normatizados, para só então ladear as
práticas físicas sistemáticas, os jogos e atividades ginásticas (SILVA, 2009).
Assim, o pensamento medicalizado utiliza meios de correção que são meios de
transformação dos indivíduos e toda uma tecnologia do comportamento do ser
humano está ligada a eles. Portanto, mudar comportamentos era premissa
básica para ‘regenerar’ a nação.
O biopoder objetiva regulamentar e conformar a população. Foi exercido
pelo Estado, através de mecanismos bio-reguladores e também pelas
instituições médicas, que adentraram o espaço escolar com o objetivo de
‘moldar’ o cidadão. Assim, além da escola, conheceu-se neste período um
conjunto de ações coordenadas na construção da cidade, na arquitetura
escolar, na imposição de normas de condutas e ação sobre o espaço,
normatizando comportamentos
As fontes documentais se constituem em registros que evidenciam como
a medicina atuou além do espaço escolar, tornando a higiene e a profilaxia
ações social. A escola foi a instância das práticas e das representações que
ampliam, projetam e recriam a cultura escolar (VIÑAO FRAGO, 1995). Os
professores ensinavam e fiscalizavam a higiene, a formação física e moral dos
seus alunos, construindo cidadãos mais aptos e trabalhadores, num projeto de
nação desenhado na esfera política.
Considerações Finais
A medicina escolar estava inserida em um projeto maior, que fazia parte
da política de homogeneização e higienização da população. A escola,
enquanto o espaço de difusão do saber, incorporou o discurso e as normativas
da medicina escolar, ensinada pelos médicos e implementadas pelos
professores. O movimento em prol da educação e da saúde, nas primeiras
décadas do século XX, deveria regenerar a nação. A escola foi o espaço da
ação estatal para a implantação dos serviços médicos de saúde, os
professores eram os disseminadores das boas novas que deveriam ser
inculcadas nos estudantes, produzindo mudanças na cultura.
Os documentos e as políticas que norteiam a educação no país são
elaborados pelo Estado. O espaço escolar, no período em análise, tornou-se o
‘laboratório’ de formação dos futuros cidadãos. A escola incorporou o discurso
médico higienista/sanitarista e implementou medidas para a formação do
cidadão saudável, tais como o Serviço de Inspeção Médico Escolar, a vigilância
dos aspectos físicos e higiênicos dos prédios escolares e a vigilância aos
estudantes por meio dos exames antropométricos, exames fisiológicos e
exames físicos. O discurso médico adentrou a escola através da fiscalização,
pela mão do governo, esquadrinhando o espaço e os corpos, acompanhados
por exames, fichas, estatísticas e indicadores de saúde.
O protagonismo médico na medicina social e sobre medicina escolar foi
disseminado pela Revista Médica do Paraná, objetivando a regeneração da
população. O discurso médico escolar delineava as práticas para proteger e
cuidar dos alunos das escolas primárias como para a profilaxia de doenças
escolares e as práticas de atividades físicas e estabelecia nova conformação
para o espaço escolar.
O conjunto das fontes documentais pesquisadas possibilitou analisar a
importância das fontes para a historiografia da educação e também para
entender o alcance das políticas de educação, que no período analisado
objetivavam a redenção da nação pela saúde, higiene e civismo
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