saúde mental e espiritual · 2018-02-26 · adoecimento do tempo (parte 2) eduardo laborne...
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Adoecimento do Tempo (parte 2)
Eduardo Laborne Ferreira
Saúde Mentale Espiritual
Transformamos a vida em uma sucessão inapelável de
necessidades, de desejos a serem atendidos em caráter de
urgência. Como a condição básica do desejo é a sua falta, só
podemos desejar aquilo que não temos. Ao investirmos nosso
tempo em aplacar esta fome e sede daquilo que nos falta, por um
prazer de momento, abrimos espaço para a presença do vazio.
Sentimos um vazio, mas... como sentir um vazio? A dor do vazio
talvez seja o modo de nossa alma comunicar que não está sendo
atendida.
No atendimento do desejo, há o surgimento imediato de outro.
Temos a percepção de que parte importante de nossas dores
estão ligadas à busca de uma felicidade em objetos exteriores.
Buscamos fora, incessantemente, aquilo que não encontramos
dentro. Posso ter um objetivo na vida (ser uma celebridade, por
exemplo), conseguir atingir esse objetivo e me sentir infeliz.
Posso definir inúmeros objetivos e ter uma existência vazia de
sentido. Pergunta: será a infelicidade um referencial da alma não
atendida, naquilo que mais anseia? O oposto da felicidade é a
infelicidade ou a indiferença pela vida?
Felicidade se liga a uma busca pela autenticidade, reencontro
consigo mesmo. E a condição para o encontro é a separação. O
tamanho da dor da separação está sempre ligada ao tamanho da
importância do encontro. Importância, importar é trazer para
dentro, resgatar aquilo que realmente tem importância. Resgate
daquilo que um dia já tive, mas perdi.
“A insegurança é a mãe da rigidez”. Por medo de mudar, muitas
vezes tomamos uma postura enrijecida diante da vida,
interrompendo o fluxo da existência. A vida oferece, a vida
recolhe, mas para acolher aquilo que a vida tem a me oferecer,
devo que abrir mão do galho seco das coisas que não fazem mais
sentido, para abrir espaço no coração para a semente daquilo
que ainda vai ser. Hibernamos em nossos problemas
esquecendo que a primavera só é possível depois do inverno.
Encaramujados na própria vida, estamos ocupados e tão
somente ocupados como em um esforço para disfarçar a
ansiedade. A incapacidade de escutar os ruídos da alma e os
barulhinhos do coração, são modos de fugir de si mesmo. A vida
parece estar preenchida de mais vida quando se corre de um
lado para o outro, como se estivesse realizando algo me
deslocando entre aqui e ali, ou se permanecer ocupado fosse
uma prova fundamental de minha importância. Na indefinição de
um destino, não parar torna-se o paliativo moderno para a
ansiedade. “Se não souberes esperar, não encontrarás o
inesperado. O inesperado presenteia quem sabe esperar.
Somente quem sabe esperar acolhe. Quem não sabe esperar se
desespera.” (Rehfeld)
Brilhar a minha própria luz para iluminar a minha dor. Se posso
ser, se tenho liberdade de escolha, posso deixar de ser o que me
adoece e buscar aquilo que me corresponde. Não sou bipolar,
não sou deprimido. Não sou meu adoecimento, porém a alegria
de vida nasce muitas vezes da sensação de que que o tempo
passou mais rápido. Dos instantes de felicidade que passaram
voando. Se você chegou até aqui, caro leitor, talvez este texto
tenha feito sentido e o processo de ler tenha fluido mais célere
que o de costume. Talvez você tenha percebido isso somente
agora.
E aí? 60 minutos são sempre 60 minutos? Tempo adoece?
Psicólogo formado pelo Unicentro Newton Paiva, especialista em dependência química pela UNIAD-UNIFESP e em Psicologia Existencial Gestalt, pela FEAD. Formação na Abordagem Centrada na Pessoa, pelo Centro de Psicologia Humanista. Psicólogo de família do CETAS-Centro de Terapias e Assistência Social (HEAL).