salvatore gardi

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  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    EDEUS FEZ O HOMEM SUA IMAGEM

    Assim est nas escrituras.

    Mas acho que a frmula foi sabotada e, quando Ele se deu conta, j era tarde demais.

    Na certa, aqueles Anjos mais tarde expulsos do paraso, adicionaram alguns ingredientes frmula,

    valendo-se da confiana que desfrutavam DEle.

    A ganncia, a cobia, a crueldade, a deslealdade, o desamor, a hipocrisia, a egocentricidade e outros

    malefcios mais, no faziam parte do plano original.

    Quando os sintomas foram por Ele notados, j era tarde, pois, as sementes j haviam de espalhado e

    se multiplicado.

    S restava uma soluo: destruir sua prpria criao.

    Mas Ele no teve coragem, pois j os amava muito, apesar de tudo.

    E resolveu lhes dar novas chances, .......por diversas vezes.

    E o que ele recebeu em troca ?

    Este mundo de hoje, repleto de guerras, inclusive em seu nome, genocdios, desamor, apego total

    pela matria.

    Os homens que se propuseram a propagar seu nome, seu amor, aos poucos foram se transformando

    em verdadeiros hipcritas, fundando e administrando casas chamadas de Casa de Deus, para

    tambm em Seu nome, formar e administrar verdadeiras organizaes comerciais com a finalidade de

    extorquir os fiis de suas poucas posses e amealhar incomensurveis fortunas com fins particulares.

    Quando Cristo expulsou os mercadores de seu Templo, deixou bem claro que a sua casa foi fundada

    com o nico e exclusivo propsito de servir aos necessitados e que dentro dela no seria permitido

    comrcio nem acmulo de bens materiais.

    E o que temos hoje ? Templos suntuosos, ricos, abastecidos de poderio sobre empreendimentos

    lucrativos. Verdadeiras mquinas de fazer dinheiro e, em contra partida, a misria, a fome, a

    desigualdade esto cada vez mais difundidas.

    Acredito que um dia, os poucos que representam e seguem as pregaes originais ainda tero xito,

    nem que seja atravs de milagre, mas obtero xito, pois a f em Deus no morre jamais. O que me

    fez acreditar nesta possvel recuperao, foi os papados de Joo Paulo I, Joo Paulo II e recentemente,

    o de Francisco.

    Guerras, desde os primrdios, sempre foram e ainda so deflagradas em nome de Deus e em nome

    da paz (quanta hipocrisia), mas na verdade, o escuso propsito sempre o mesmo: ganncia, fins

    econmicos.

    Antigamente, devido a ento no existirem a Internet, a comunicao instantnea e os satlites, os

    vencedores escreviam a histria a seu bel prazer e, atravs de um verdadeiro servio de marketing

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    pessoal, se transformavam em heris, bons moos. Suas verdadeiras e malficas intenes se

    transformavam em maravilhosas justificativas e, de dspotas, passavam verdadeiros santos.

    Assim, tivemos inmeros personagens, como Atila, os Csares, Lenin, etc e, pouco recentemente, o

    responsvel direto desta histria que ser narrada, Hitler, que subjugou e assassinou judeus, negros

    e outras raas por ele consideradas inferiores, como por exemplo, os ciganos.

    Mas estes povos sofridos, no devem esquecer que tambm tiveram seus dspotas, seus genocidas.

    O povo judaico, por exemplo, no deve esquecer que seu maior Rei, Davi, no chegou ao poder apenas

    derrubando um gigante filisteu, mas sim traindo a confiana de seu melhor amigo, a quem dizimou a

    famlia para se apoderar da coroa e depois, em nome de uma suposta precauo, dizimou etnias

    inteiras que habitavam as cercanias de Jerusalm. Assassinou milhares de centenas de homens,

    mulheres, velhos e crianas que nada lhe haviam feito, sequer ameaado.

    O povo afro descendente, tambm no deve ignorar que grande parte do sofrimento experimentado

    atravs da escravido, foi patrocinado pelos seus prprios irmos, que para se livrarem de seus

    inimigos tribais, caavam-nos e lucravam com a sua venda para os capites de navios negreiros que

    aportavam na frica. Quem no conhece os fatos, assista ao filme Amistad para se teruma pequena

    ideia.

    E, para no se esquecer de outras vtimas, relembrem o que os exploradores do velho continente, em

    nome de polticas expansionistas de seus reis, juntamente com fins religiosos de propagao da

    palavra de Deus, fizeram para dizimarem naes indgenas e povos nativos inteiros.

    Tudo o acima descrito, foi para sintetizar uma citao que certa vez ouvi e, acho que ela atribuda a

    Hitler:

    O HOMEM O SEU PRPRIO LOBO

    Nada mais verdadeiro.

    E ele prprio vestiu sua verdadeira pele de lobo para causar o ltimo genocdio ocorrido, j nestes

    tempos: A segunda Guerra mundial.

    72.882.108 MORTES CONTABILIZADAS : SETENTA E DOIS MILHES E OITOCENTAS MIL. QUASE

    SETENTA E TRES MILHES.!

    26.000.000 soldados;

    47.000.000 de civis, entre eles, 5.700.000 judeus.

    (Fonte : Wikipdia).

    Maiores baixas:

    Japo : 2.680.000

    Indonsia : 4.000.000

    Polnia : 5.600.000

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    Alemanha : 7.503.000

    China : 20.000.000

    Unio Sovitica : 23.100.000

    Impressionante!.

    Tudo isto, em nome da ganncia (aumento de territrios) e em nome de interesses econmicos.

    Antes de tomar a deciso de contas a histria sobre a experincia vivida pelo meu pai na 2 guerra,

    procurei ler e assistir a vdeos sobre a matria.

    As fontes estudadas foram uma coletnea de vdeos intitulada A Caminho de Roma e o livro

    intitulado A Segunda GuerraHistria e Estratgias, matrias nas quais me atualizei sobre dvidas

    que tinha e me inteirei sobre alguns fatos at ento para mim desconhecidos.

    Ento, as concluses a que cheguei sobre os fatos que iniciaram, desenvolveram e finalizaram a

    Segunda Guerra, foram os seguintes (sntese pessoal):

    ALEMANHA, ITLIA E JAPO.

    Pura ganncia expansionista.

    A Alemanha, inicialmente, tentou se aliar Rssia de Stalin, para ocupar e dividir os pases do leste

    europeu e do Bltico. Acho que um tentou passar a perna no outro e a aliana foi desfeita (e o impasse

    passou a ser mais uma frente de batalha para Hitler) e Hitler convidou Mussolini para coadjuvante.

    O Japo, cujo sonho era dominar a sia, principalmente a China Manchuriana, no excitou em invadir

    e assassinar cidados chineses indefesos para limpar a rea. A matana foi pior que a dos judeus, que

    s foi retratada e historiada por estar em continente europeu. Como a China, na poca, era distante

    e os meios de comunicao parcos, e at sua importncia no cenrio internacional era insignificante,

    a histria ficou no ostracismo.

    Para mim, a histria do ataque a Pearl Harbor foi uma armao dos americanos, para que tivessem

    uma desculpa inquestionvel para intervir no conflito europeu. Nada que um bom suborno a uma

    figura japonesa de importncia no resolvesse.

    Os japoneses foram induzidos a acreditar que os americanos reagiriam aos seus planos de conquistar

    a Oceania, principal porto de entrada para os territrios chineses. E foi o que realmente aconteceu.

    Os americanos, ou melhor, Roosevelt, s entrou na guerra porque o expansionismo japons em

    territrio chins estava atrapalhando os negcios de sua famlia naquela parte do planeta (quem

    desejar saber quais eram os negcios, que leia o livro acima citado, pgina 34).

    Assim, quem pensa as razes que motivaram a deciso de Roosevelt de intervir no conflito foram os

    laos de amizade com a Coroa Britnica (Rei e Rainha foram aos USA pedirem, quase de joelhos, que

    lhes prestassem ajuda) , esto redondamente enganados.

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    E, ao final da Guerra, o trato de diviso geogrfica se concretizou para Stalin: ele ficou com o Leste

    Europeu, comprou os pases blticos (Letnia, Estnia e Litunia), agregou as pequenas republicas

    asiticas notadamente os quistes , estendeu a fronteira russa sobre alguns pases ( Ucrnia,

    Gergia, etc) e, assim, consolidou a Unio Sovitica.

    No confundir com a Cortina de Ferro, que , ou melhor, foi outra situao.

    Registre-se tambm que grande parte das mortes de civis da Unio Sovitica, foi limpeza tnica,

    patrocinada por Lenin e Stalin.

    Hitler, frente Lenin e Stalin, em termos de genocdio, ( ou foi) caf pequeno.

    E, depois de 1945, sucederam-se outras guerras, estas j motivadas pelo moderno mundo

    industrializado, isto , a queima de estoque de armas militares, as quais, no podiam ser,

    simplesmente, jogadas fora. E assim se patrocinavam guerras para a venda do material, que eram

    fabricados pelas grandes naes (USA, Rssia, Inglaterra e Frana). E os pequenos pases pagavam a

    conta.

    Na guerra da Coria, foram vendidas as sucatas que sobraram da segunda grande guerra, na guerra

    do Vietnam, foram vendidas as sucatas da era do jato, e assim, sucessivamente, a indstria blica

    internacional, continua a ser o melhor negcio do mundo, superando at a indstria do petrleo e o

    trfico de drogas.

    Hoje em dia, a maioria das guerras so por conquistas de jazidas minerais e petrleo. Essas estrias

    de motivao religiosa, puro papel de parede.

    Amanh, certamente haver guerras por mananciais hdricos (no estamos longe).

    Mas, enfim, vamos histria de seu Salvatore.

    SALVATORE GARDIHISTRIA N0 CONTADA - BASTIDORES DE UMA GUERRA.

    N D I C E.

    P A R T E ITRAIDOS E ABANDONADOS NA RSSIA.

    I ROSTOV

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    IIA TRAIO

    IIIMACHIANUCE

    IVMUSSOLINI

    V - O EXRCITO.

    VIMUSSOLINI SE ALIA A HITLER

    VIIMARCHA PARA A RUSSIA

    VIIICONSTATAO DA REALIDADE

    P A R T E IIA LONGA MARCHA DE VOLTA.

    IXDIREO ITLIA

    XA PROCURA POR ABRIGO E COMIDA

    XIVASSALTO AO TREM

    XIARMADULHA PARA O INIMIGO

    XIIA PRIMEIRA BATALHA

    XIIICARNE! CARNE!

    XIVASSALTO AO TREM

    XVOUTRA PONTE NO CAMINHO

    XVIAMIGOS FICAM PARA TRAS

    XVIICO SALVADOR

    XVIIIO INIMIGO ATACA

    XIXA RENDIO

    XXA VOLTA PARA A ITLIA

    SALVATORE GARDI

    Esta histria relata a experincia vivida pelo meu pai na Segunda

    Guerra Mundial, conflito em que esteve na frente de batalha.

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    Assim, quatro anos depois ele conseguiu novamente estar com os seus

    e l vivemos, por 2 anos em So Cristvo, onde nasceu o meu irmo

    Jorge.

    Quando ele conseguiu juntar o dinheiro para dar de sinal na compra

    de uma casa, no bairro de Ramos, nos mudamos. L ele viveu at 22

    de dezembro de 2002, de onde saiu doente para no mais voltar,

    vindo a falecer em um hospital no dia 01 de janeiro de 2003, depois

    de ficar internado por 9 dias.

    Este relato se origina de fatos por ele narrados e por mim ouvidos

    durante os habituais bate papos aps o jantar, j na nova moradia.

    Nos reunamos no quintal dos fundos, sob uma goiabeira e

    deitvamos sobre esteiras de junco. ramos sempre eu, meu pai, meu

    av materno e o tio Bernardo. Ambos moravam conosco. Fins dos

    anos 50.

    Na poca, como televiso era artigo de luxo, no dispnhamos de

    dinheiro sequer para comprar uma geladeira, quanto mais uma TV,nossa nica opo era o rdio. Ouvamos o reprter s 8 da noite e,

    depois, amos para o quintal, deitvamos nas esteiras e batamos

    papo.

    Invariavelmente, em determinado momento, o papo recaia no

    assunto Segunda Guerra, na qual meu pai e meu tio combateram e

    viveram experincias como soldados nas frentes de batalha. S que aexperincia de meu pai foi traumtica e revoltante, e ele, quase todo

    dia, contava os fatos que resultaram na edio deste livro.

    Durante anos, na minha infncia, ouvi aquelas histrias e me lembro

    que, toda vez, durante a narrativa, os olhos de meu pai ficavam

    marejados de lgrimas. As lembranas o faziam sofrer muito, mas, de

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    certa forma, ele se aliviava em contar. Eram fatos ocorridos h cerca

    de 14 anos.

    Foram experincias vividas quando ele foi enviado para a frente de

    batalha, no sul da Rssia e, logo ao chegar, ele e seus companheiros

    foram trados por um inescrupuloso General e, para sobreviver e

    chegar de volta Itlia, ele e seus companheiros (os que restaram)

    passaram por experincias dolorosas, tanto fsica quanto psicolgicas,

    que os marcaram pelo resto de suas vidas. Foi uma viagem de regresso

    cheia de sofrimentos e perda de centenas de companheiros.

    Durante a poca de fins dos anos 50 a incio dos anos 60, eu ouvia as

    suas histrias, mas no me dava conta de sua importncia, do

    riqussimo valor histrico, pois era muito jovem. Depois, em 1963,

    comecei a trabalhar de dia e passei a estudar noite, e no mais

    participei daqueles papos, ainda mais que em 1962 j havamos

    comprado a nossa primeira televiso e esta veio, aos poucos,

    substituir o hbito de a famlia se reunir para conversar aps o jantar.A partir da, s voltava a ter contatos com aquelas histrias na poca

    de ano novo. Meu pai no suportava o momento dos fogos, pois estes,

    o faziam lembrar dos bombardeios e tiroteios que experimentou na

    poca da guerra. Ele ficava muito nervoso, chorava e era inevitvel

    voltar a se falar sobre o assunto.

    O tempo foi passando, e era raro ouvir novamente aquelas histrias.Apenas nos lembrvamos delas quando, em momentos de

    aborrecimento, ele sempre amaldioava o Papa Pio XII, cujo motivo

    citado mais adiante neste relato.

    Poucos dias antes de seu falecimento, em uma das visitas no hospital,

    fui at a baia em que ele estava internado. Ele estava deitado,

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    totalmente entubado, impvido. No se vislumbrava nele o menor

    sinal de vida.

    Ao ver aquela expresso cadavrica, senti ali que ele nunca mais

    estaria de volta.

    Foi neste momento, olhando para ele, que suas histrias comearam

    a passar pela minha mente. Era difcil de acreditar que aquele homem,

    que passou por tantas provaes em sua juventude, estivesse, enfim,

    entregando sua vida inevitvel velhice. Agradeo aos cus por ele

    no ter sofrido, tambm, neste momento de partida.

    Imediatamente, aps seu falecimento, cumpri a obrigao de

    comunicar ao Consulado Italiano o seu bito, para fins de

    cancelamento da penso alimentcia e, aguardei por alguns meses um

    comunicado por parte do Ministrio da Guerra italiano, se

    manifestando e enviando famlia uma carta de reconhecimento do

    herosmo do patrono, mas, como isto no aconteceu, fiquei muito

    indignado. O silncio das autoridades italianas meu deu a certeza deque ele havia sido esquecido por completo.

    Ento, me veio a ideia de escrever suas memrias, para que seus

    filhos, netos e bisnetos soubessem que ele fora um heri e fiel ao

    juramento que fizera ao exrcito italiano.

    A indignao no foi s pelo fato do silncio do governo italiano, mas

    tambm, pela ridcula penso a ele concedida como ex combatente,

    de mseros US$180,00 mensais. Que atitudes vergonhosas.

    S sinto o fato de ter perdido mais da metade do tesouro histrico que

    foi o relato de seu retorno, sofrido porm bravo, ptria amada e

    sua famlia.

    Na minha narrativa, h momentos em que alguns trechos soproseados, pois no me lembro de todos os detalhes e fatos por ele

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    narrados. Descrevo apenas o que restou em minha memria, mas

    acredito que, por terem resistido ao tempo, so os momentos e fatos

    mais importantes da viagem heroica que se iniciou no sul da Rssia e

    terminou em territrio romeno, quando foram resgatados.

    O importante, que o incio o meio e o fim esto rigorosamente

    corretos e os dramas descritos foram reais.

    O bombardeio em Rostov, os calados improvisados, a luta na ponte,

    o assalto ao trem, a travessia do rio, o constante controle e

    racionamento de alimentos, o ataque sofrido no acampamento, as

    histrias do cavalo e do cachorro, so os fatos que ficaram totalmente

    gravados na memria. As demais narrativas, so trechos parcialmente

    lembrados e preenchimento de lacunas, alternativa utilizada para

    poder se ligar um fato a outro.

    Os nomes de seus companheiros (que foram personagens reais,

    conforme fotos) , bem como do general traidor, que ele citava com

    certeza absoluta, no me lembro mais. Aqui na narrativa, os nomesso todos fictcios.

    No sou escritor, no domino a arte da narrativa e muito menos sou

    um expert em portugus.

    Apenas desejei tornar pblica esta histria que durante dezenas de

    anos ficou engasgada por decreto na garganta de meu pai, e que,

    como prmio, lhe foi concedida a ridcula penso acima mencionada.

    Desta forma, embora tardiamente e sem causar nenhum efeito, os

    que lerem esta histria vo tomar conhecimento de algo que

    aconteceu h 70 anos e ela no se evaporar com o tempo.

    So os bastidores do palco de uma guerra, que poucos tem a chance

    de conhecer.

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    HOSPITAL SO LUCAS, RIO DE JANEIRO, BRASIL

    16:00 horas do dia 1 de janeiro de 2003.

    Toca o telefone na minha casa e, do outro lado da linha, meu irmo,

    Jorge, me d a notcia : U (como eu era chamado pelos familiares), o

    papai faleceu.

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    Encerrara-se h poucos minutos atrs, aos 83 anos, a vida de um

    heri annimo.

    Salvatore Gardi, primognito de uma prole de 14 filhos,

    nascido em 11 de setembro de 1920, na Comuna de Luzzi,

    Cosenza, regio da Calbria, sul da Itlia.

    Cresceu em meio ao trabalho rduo de campons em uma

    fazenda arrendada pelos seus pais, na qual trabalhava de

    domingo a domingo, do nascer ao pr do sol. No havia

    descanso.

    Segundo os comentrios dele e de seus conterrneos, at fins

    dos anos 30, este era o estilo de vida da regio. Aps o

    trmino da guerra, os costumes sofreram grandes

    transformaes.

    Nesta poca, trabalhava-se praticamente para a subsistncia.

    Eram raras as horas de folga que se conseguiam em um

    domingo, quando alguns patres liberavam os trabalhadores

    para comparecerem missa, o que era praticamente uma

    obrigao.

    Seus patres eram seus pais e, nem por isto, tinha tratamentodiferenciado. No s ele, como seus irmos, pois, todos

    nasciam, cresciam e tinham que trabalhar a terra.

    Assim cresceu e, na esperana de melhorar seu estilo de vida,

    alistou-se no exrcito e anos depois, foi enviado para a frente

    de batalha, onde experimentou amargas lembranas, sendo

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    abandonado em territrio russo e ter de voltar sua terra

    natal marchando por cerca de 180 dias.

    Foram os piores dias de sua vida. Neste perodo, teve odissabor de ver seus amigos e companheiros morrendo aos

    poucos pelo caminho de volta. Passou frio, fome, tortura

    psicolgica, angstia.

    Em busca de uma vida melhor, aps os percalos da guerra,

    conseguiu emigrar para o Brasil, onde se estabeleceu e criou

    seus filhos.

    PARTE I

    TRAIDOS E ABANDONADOS NA RSSIA.

    IR O S T O V.

    O Frio era de quase -10.

    Os soldados se preparavam para a distribuio da rao matinal,

    quando o Tenente Giuliano adentra no galpo onde se encontrava a

    tropa italiana e bradou: Todos de p e prontos para a revista!.

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    O General Collossi veio at ns para nos comunicar sobre a

    importante misso para a qual fomos designados aqui no sudeste da

    Rssia.

    O galpo imenso era uma construo rudimentar, com colunas de

    troncos de madeira, as paredes no passavam de uma cobertura de

    folhas de zinco e o telhado tranado de uma espcie de sap

    brasileiro. Havia cerca de 500 soldados reunidos em seu interior.

    Havia apenas uma abertura na parte norte e outra na parte sul do

    galpo, alm do grande porto de entrada que se localizava no centro

    da parede. No haviam janelas, e sim buracos deixados por folhas de

    zinco que se soltaram. O porto, de to esqulido, mal conseguia

    manter suas abas em p.

    Era uma construo usada pelos moradores de uma vila de

    camponeses, localizada a cerca de 1 hora de caminho da cidade mais

    prxima, Rostov. Pelo visto, o galpo servira de silo para a estocagem

    da produo agrcola da vila, j que se notavam vrios grosespalhados pelo seu piso.

    O peloto italiano, sob as ordens do Tenente Giuliano, chegara

    localidade na noite anterior e nem precisou disparar uma s bala para

    se apossar da vila. H muito seus moradores, sabedores da

    aproximao das foras alems e italianas, haviam se refugiado em

    Rostov, cidade que era guarnecida pelas tropas russas.

    Salvatore e sua tropa chegaram vila em vrios caminhes . A estrada

    terminava em um pequeno riacho, onde uma tosca ponte fazia a

    ligao com a vila.

    Um grupo de reconhecimento fez a verificao do permetro da vila e

    informou que a mesma possua condies para alojar a tropa. Sendo

    assim, os oficiais ordenaram o desembarque.

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    Os caminhes foram deixados na entrada da ponte e os soldados

    caminharam cerca de dez minutos at o galpo que lhes serviria de

    abrigo e alojamento.

    A localidade era passagem obrigatria para se chegar a Rostov, vindo

    de Novorossyst, cidades localizadas no sudoeste da Rssia, perto da

    divisa com a Ucrnia.

    A estrada era precria, quase que uma picada aberta em meio sflorestas e estepes, e, com o incio do

    inverno russo e devido precipitao

    de neve j nos primeiros dias, a

    viagem em caminhes militares de

    Novorossyst at a vila perto de

    Rostov durara quatro dias e quatro

    noites.

    A tropa italiana chegara extenuada

    quela vila numa noite do incio do

    ms de outubro de 1944 e l se instalou. Naquela mesma noite os

    caminhes foram reabastecidos pelos carros tanques que os haviam

    acompanhado.

    As casas das vilas eram miserveis e o tenente Giuliano achou por bem

    reunir a tropa em um s local, a fim de se aproveitar o calor dos

    prprios corpos dos soldados agrupados, para se ajudarem a suportar

    a noite que se anunciava bastante fria.

    Assim, embora a precariedade do galpo tivesse sido levada em conta,

    a tropa se alojou em meio aos vrios montes de palha que estavamespalhados pelo cho.

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    Salvatore e seus amigos cosentinos, Paolo e Tlio, que com ele

    partiram do sul da Itlia, se instalaram em um dos cantos no fundo do

    galpo, puxaram para si um monte de palha e improvisaram os leitos

    sobre os quais iriam passar aquela noite glida. Por sorte, no ventava.

    Duas horas aps a chegada, foi servida a rao daquela noite. Aps se

    alimentarem, todos tentaram, na medida do possvel, se ajeitar e

    dormir.

    Os que tiveram o infortnio de se localizar perto do porto da entrada

    do galpo, foram os que mais sofreram com o intenso frio.

    Assim, a noite se passou e s seis da manh foram acordados pela voz

    alta do tenente Giuliano que dera aquele aviso.

    O auxiliar de ordens do tenente Giuliano completou o comunicado,

    informando que somente aps a visita do general Colossi a rao

    matinal seria servida.

    Neste momento, Salvatore , Paolo e Tlio e outro grupo de cerca devinte soldados foram convocados a render a patrulha que fazia a

    vigilncia do permetro da vila e saram do galpo.

    O grupo se perfilou e, capitaneados por um sub oficial, marchou em

    direo aos locais de patrulha. Sorte deles.

    Dentro do galpo a tropa se recomps do jeito que lhe foi possvel e

    se perfilou aguardando a entrada do general Colossi.

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    II

    A TRAIO.

    Cerca de vinte minutos aps estarem perfilados, adentra no galpo o

    Generali Colossi.

    Uma figura minscula, esqulida, peito estufado, exibindo uma

    imensa coleo de medalhas e insgnias em seu magro peito.

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    Um pequeno tablado foi improvisado s pressas, com caixotes e

    algumas tbuas recolhidas ao redor do galpo.

    Ele sobe no tablado e, para a surpresa de todos, sua voz era o oposto

    de seu fsico.

    Voz forte, um pouco rouca, boa impostao. Quem no tivesse

    olhando para sua figura e apenas ouvindo sua voz, imaginaria tratar-

    se de um homem de complexo alta e forte.

    Ele se dirigiu aos oficiais e soldados desejando um bom dia e disse ter

    boas notcias para lhes dar.Informou que as tropas aliadas da Itlia e da Alemanha j estavam

    quase que totalmente agrupadas e preparadas para marchar contra

    Rostov e que a nica preocupao do comando era o frio intenso que

    se previa chegar, juntamente com as nevascas, que eram

    caractersticas daquela regio.

    Para tanto, o comando das tropas que iria coordenar a marcha sobreRostov encomendara equipamento especial para os soldados: botas e

    casaces especiais para fazer frente ao frio e neve que seriam

    inevitveis durante a batalha que se aproximava.

    Informou ainda que dois caminhes de sua comitiva estavam

    carregados com estes equipamentos e que iriam substituir os que a

    tropa estava usando.

    Pediu ento a todos que entregassem seus casacos e botas, mas que

    antes tivessem o cuidado de retirar seus objetos pessoais, pois, o

    equipamento que estavam devolvendo seguiria imediatamente para

    ser utilizado por tropas que combatiam na Frana, em regies menos

    castigadas pelas intempries daquela poca.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Um grupo de soldados adentrou no galpo, puxando duas pequenas

    carretas de madeira e recolheram o material dos soldados que haviam

    obedecido s ordens.

    Aps todos terem entregues suas peas, os soldados que puxavam as

    carretas, j auxiliados por outros que ajudavam empurrando, levaram

    o material para fora do galpo e o general continuou seu discurso.

    Disse que os novos casacos e botas j estavam sendo descarregados e

    que dentro de minutos eles estariam sendo distribudos.

    Desejou boa sorte a todos, que aproveitassem e cuidassem bem domoderno equipamento que estavam recebendo e transmitiu para eles

    saudaes do Dulce Mussolini. Informou ainda que estava de partida

    para entregar outra leva de equipamentos para uma unidade alem

    que se encontrava a 100km dali, fez a saudao nazista, desceu do

    pequeno tablado, e deixou o galpo.

    To logo se retirou, alguns soldados deram risadas fazendo graa com

    a esqulida figura do general.

    O tenente Giuliano ordenou que todos permanecessem onde

    estavam, o que facilitaria a distribuio do novo equipamento.

    Atravs das aberturas laterais e do porto do galpo, os soldados

    puderam ver que a neve comeara a se precipitar e a sensao de frio

    comeava a aumentar, j que se encontravam sem casaco e com osps sobre o frio piso de terra do galpo, protegidos apenas pela palha

    que cada um conseguiu reunir sob os seus ps.

    Passados vinte minutos e como o novo equipamento ainda no

    chegara, o tenente Giuliano pediu a seu ajudante de ordens que fosse

    l fora verificar o motivo da demora.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    O ajudante de ordens ento disse: Mas tenente, o Sr. esqueceu que

    est nevando e eu estou descalo e sem casaco ? Daqui at onde os

    caminhes esto parados so uns cinco minutos a p. Como irei ?.

    O tenente se deu conta de que ele no havia entregue seu

    equipamento, j que quando o general se dirigia tropa, ele se

    encontrava ao seu lado prestando ateno tropa e, por distrao,

    no retirara seu casaco nem as botas.

    Ento, ele mesmo se dirigiu ao estacionamento dos caminhes para

    verificar o que estava motivando aquele atraso e apressar a entrega

    do equipamento.

    Apanhou no cho do galpo um pedao de lato que havia se

    desprendido do porto e, usando o mesmo para se proteger da neve

    que caa , saiu em meio nevasca.

    Os soldados que estavam prximos ao porto perderam-no logo de

    vista. Seu vulto em instantes desapareceu envolto pela bruma da neve

    que caia.

    O tenente Giuliano chegou ponte e no viu os caminhes, nem

    movimentao de soldados. Pensou ser por causa da nevasca.

    Atravessou com dificuldades a pequena ponte, pois seu piso de

    madeira j se encontrava com uma camada de uns 5 cm de neve.

    Chegando ao outro lado, se assustou, pois, j deveria estar vendo oscaminhes que trouxeram as tropas e a comitiva do General Colossi.

    No viu nada. Ao olhar em direo estrada que os trouxera de

    Novorossysk, avistou um vulto escuro. Ao chegar at ele, verificou que

    se tratava de um dos caminhes de transporte de tropas. A porta

    esquerda estava aberta e ele entrou na cabine do caminho. A chave

    estava na ignio.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Achou estranho aquele caminho estar sozinho ali. Postou-se ao

    volante e tentou dar a partida, mas, o motor rateava e no pegava.

    Desceu do caminho e se ps a procurar mais adiante, na esperana

    de encontrar os outros veculos. Em vo. Nada viu.

    Voltou para a cabine do caminho, tentou novamente dar a partida e

    desistiu.

    S ento se dera conta do que estava acontecendo e vociferou:

    Fomos trados. Abandonados em meio s florestas russas, sem

    casacos e sem botas, sem alimentos e sem equipamento decomunicao. O general Colossi os havia trado e os condenara

    morte pelo frio e fome. Aquele caminho que restara tinha sido

    abandonado por no funcionar.

    Ficou ali sentado uns instantes pensando em como iria dar a notcia

    aos soldados. Eram mais de quinhentos homens largados prpria

    sorte, sem nenhuma chance de sobreviver naquelas condies.

    Estava ele pensando, quando comeou a ouvir ao longe o barulho de

    motores de avies.

    De repente se deu conta do que estava por acontecer: saiu correndo

    do caminho e, apesar da camada de neve, conseguiu se deslocar com

    certa rapidez. Levou um tombo quando atravessava a ponte,

    levantou-se e continuou sua corrida at o galpo. Quando avistou ovulto do galpo, se ps a gritar: saiam todos do galpo!. Vamos ser

    bombardeados!. E foi repetindo isto at chegar entrada do galpo.

    Os soldados que ouviram seus gritos no estavam entendendo o que

    estava acontecendo e ficaram inertes, j que no queriam se expor ao

    tempo frio e nevasca.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Ento ele chegou entrada e gritou novamente: Ateno: saiam

    todos, rpido ! Vamos ser bombardeados, corram, rpido, espalhem-

    se !.

    L de fora, j se faziam ouvir os motores dos avies que se

    aproximavam. Os soldados, ento, se deram conta da situao e

    comearam a correr na neve, descalos e sem casacos.

    Fujam para longe na vila. A vila vai ser bombardeada, gritava o

    tenente.

    Os soldados que estavam nos fundos do galpo ficaram apavorados,j que seriam os ltimos a sair e procurar um lugar para se abrigar.

    Viram ento que o lato que formava a frgil parede do galpo estava

    quase solto e puseram-se a chutar as placas. Num instante uma

    abertura se ofereceu e muitos deles escaparam por aquela passagem.

    Neste momento, o barulho dos motores dos avies j era assustador,

    de to prximos que estavam, e a previso do tenente Giuliano seconcretizou : as primeiras bombas comearam a cair e a explodir.

    Muitos gritos comearam a se ouvir em meio aos barulhos dos avies

    e das exploses.

    Salvatore e seus companheiros que estavam do lado de fora, na

    vigilncia, bem afastados do galpo, no entenderam o que estava se

    passado, at que, devido s bombas que explodiam prximas a eles,se deram conta da situao e procuraram abrigo. Salvatore, Paolo e

    Tulio, que haviam ficado juntos naquele posto, se esconderam

    debaixo de uma enorme rvore, a uns duzentos metros do galpo,

    pois no havia outro lugar para se abrigar. De l, avistaram os outros

    soldados correndo para fora do galpo, tambm procura de abrigo.

    As bombas foram quase que totalmente direcionadas para o galpo e

    sua volta.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Passados dez minutos, o bombardeio cessou.

    Salvatore e os demais aos poucos foram se dando conta da tragdia

    ocorrida diante de seus olhos.

    Ao seu redor, a paisagem era de terror. Pedaos de corpos mutilados

    por todos os lados.

    Gritaria e correria por todos os lados.

    IIIMACHIANUCE

    Em 10 de setembro de 1920, no tosco casaro que servia de sede da

    pequena fazenda em que vivia a famlia Gardi, nascia Salvatore,

    primeiro de uma prole de catorze filhos.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Pode parecer exagerado, mas naquela poca, principalmente no

    campo, as famlias tinham muitos filhos visando a mo-de-obra

    barata.

    Quantos mais componentes da famlia a trabalhar em suas terras,

    mais em conta era a produo.

    A Salvatore, seguiram-se os irmos Rafael, Francisco, Mario, Geraldo,

    as irms Concheta, rsula, Teresina, Anina, Maria (faltam 4 que no

    me lembro).

    Salvatore e Concheta eram os mais velhos e Geraldo e Anina os maisnovos.

    Os genitores, Umile e Carmela, eram tpicos camponeses nascidos e

    criados naquela fazenda que ficava nos arredores da Comuna de

    Luzzi, na provncia de Cosenza, capital da Calbria.

    A p, da fazenda, levava-se cerca de uma hora para se chegar a Luzzi.

    A fazenda ficava no vale e Luzzi, na montanha, a caminho da Sila, hojeuma estao de inverno, localizada no alto do macio da cadeia de

    montanhas conhecida como Apeninos, que domina a regio.

    A pequena fazenda se chamava Machianuce, que em dialeto

    luzzitano significa A Mancha da Noz. O nome era proveniente de

    uma imensa nogueira localizada ao lado do casaro. Sua ramagem era

    imensa e sua idade centenria. Em homenagem to portentosarvore frutfera, deu-se ao local o seu nome.

    O casaro, que na verdade era uma construo tpica da idade mdia,

    com suas paredes erguidas em pedras aparentes, tinha apenas trs

    cmodos: a cozinha, a pequena sala, e o restante servia de dormitrio

    para todos, sendo o ambiente dividido por cortinas.

    Em cima, situava-se o sto, que servia de despensa.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Ao redor do casaro, encontravam -se o forno, tipicamente construdo

    com pedras, o galinheiro, um abrigo para as vacas leiteiras e um

    pequeno celeiro onde se guardavam as ferramentas da lida e

    produo de gros.

    A propriedade em si constitua-se de uma extenso de terra de pouco

    mais de cinquenta acres, arrendada a um Baro de terras, que

    permitia a explorao de suas terras a um custo muito alto: da

    produo, trs quartos eram a ele destinados, e a famlia que

    trabalhava a terra ficava apenas com a quarta parte.

    Na propriedade, passava um pequeno riacho de guas cristalinas, que

    era o desdobramento do volume de gua que descia das montanhas

    da Sila e que passavam por Luzzi. O riacho abastecia a propriedade,

    tanto no consumo quanto na irrigao.

    Na pequena fazenda, plantava-se de tudo, pois, a subsistncia vinha

    dela. O principal produto era o trigo. Apenas dois produtos no eram

    l produzidos: acar (no havia espao para se plantar a matriaprima, que era a beterraba) e azeite. Produzia-se a oliva, mas a

    moagem s era possvel em uma comuna vizinha, que possua o

    moinho de pedra.

    Os animais ali criados eram poucos, pois no se podia dar ao luxo de

    ter terras destinadas a pasto, j que estas eram escassas. Criava-se

    apenas o estritamente necessrio.

    A famlia tinha duas vacas leiteiras - cujo leite era suficiente para o

    consumo e produo de queijos -, seis cabras e uma gua, que servia

    de montaria para o patriarca Umile.

    Foi neste ambiente que Salvatore cresceu.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    O casaro ainda est de p. Na foto, modificado, pois, originalmente,

    no existia a parte superior.

    IVMUSSOLINI

    Transcorria o ano de 1938 e, Salvatore, no auge de sua adolescncia,

    ento com 18 anos, comeara a se alfabetizar com uma senhora

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    vizinha. Em troca das aulas, ele a recompensava com algumas espigas

    de milho e outros produtos da fazenda.

    O pouco que aprendera lhe foi suficiente para um dia ler um folheto

    em que se anunciava a presena, para um discurso em Cosenza, de

    Benito Mussolini, general que chegara ao poder na Itlia e de quem

    j se falava maravilhas. Apesar de as notcias naquela poca e,

    principalmente naquela regio, serem bem escassas, seus feitos j

    eram admirados, tais como a reverso dos direitos dos proprietrios

    de terra (a partilha dos donos das terras de para ), fato que,

    praticamente, o libertara de uma espcie de escravido.

    Mussolini tambm agia no campo das aes sociais e, poucos tm

    conhecimento disso, foi o pai da Previdncia Social.

    Falava de novas conquistas, como a concesso de novas terras para

    plantio, mais especificamente a explorao agrcola na Etipia e na

    Somlia.

    Ele conseguira os direitos de explorao das terras at ento

    improdutivas e, em pagamento, destinava parte da produo para o

    governo local.

    Isto permitiu a Itlia resolver de vez suas carncias de produtos

    agrcolas e permitiu aos camponeses italianos trabalharem a terra em

    novos produtos at ento raros, como a produo de uvas, olivas e

    frutas.

    Com isto, a Itlia se tornou uma produtora de vinhos, azeites e frutas,

    distribuindo sua produo para toda a Europa.

    Tambm permitiu a emigrao do homem do campo para as cidades

    industriais, incrementando a indstria nacional que sofria com a

    carncia de mo de obra.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Assim, os feitos de Mussolini se espalharam por toda a Itlia e,

    principalmente, no sul, onde seus feitos atingiram o povo aflito por

    mudanas, j que o norte do pas, industrializado e rico, pouco ligava

    para a miserabilidade em que viviam os sulistas.

    Ento, ao ler o panfleto, Salvatore disps-se a ir at Cosenza, conhecer

    de perto to afamado homem. Ele e alguns amigos, que tambm

    admiravam Mussolini, pegaram uma carroa puxada a cavalo e

    enfrentaram uma viagem de quase vinte horas para chegaram a

    Cosenza.

    L, se informaram do local do comcio e acamparam bem perto de

    onde se localizava o palanque.

    Acomodados, abriram sua sacola de lanche, comeram e beberam o

    vinho que haviam levado.

    No dia seguinte, acordaram em meio algazarra que muitos outros

    jovens faziam ao chegar ao local. Era extraordinrio como Mussolini

    atraa os jovens. Talvez, pelo fato de, pela primeira vez, os jovens do

    sul da Itlia realmente deslumbrarem um futuro promissor, de

    poderem, realmente, se livrar daquela vida de subsistncia, de se

    livrarem do analfabetismo, da falta de notcias, de saberem que, alm

    da Calbria, existia um mundo.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Ento chegou o momento esperado. Mussolini subiu ao palanque e

    maravilhou os presentes com um discurso totalmente voltado para o

    social, para a educao e para o progresso.

    Salvatore e seus amigos voltaram para Luzzi com um dolo em seus

    coraes. Passaram a sonhar com as conquistas anunciadas por

    Mussolini. Salvatore se empenhou mais ainda para se alfabetizar.

    VO EXRCITO.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Passados dois anos, j ento com vinte de idade, Salvatore recebeu

    notificao das foras armadas para se alistar.

    A Segunda Guerra Mundial j estava em curso e Mussolini se viu

    obrigado a fortalecer seus exrcitos, temendo uma invaso alem,

    apesar do bom relacionamento que ele mantinha com Hitler. Sabia

    que este relacionamento duraria apenas enquanto fosse do interesse

    dos alemes, cuja fora militar j era tida e temida como a mais

    poderosa do continente.

    Salvatore ficou feliz no s por poder servir a seu dolo, mas tambm

    por poder se livrar daquela vida sacrificada e sem esperanas. Sabia

    que no exrcito obteria novos conhecimentos, conheceria novos

    lugares e teria a oportunidade de aprender algo diferente que lhe

    proporcionasse uma nova vida, em um outro lugar.

    Trs dias depois se ser notificado, l estava ele em Cosenza se

    apresentando no improvisado campo militar que recebia os soldados

    convocados.

    A desordem era geral. Primeiro, devido improvisao. Salvatore

    levou mais de trs horas para ser atendido e apresentar seus

    documentos. Segundo, por que praticamente todos os convocados

    estavam se apresentando ao mesmo tempo. No era s Salvatore que

    desejava fugir daquele lugar, daquela vida.

    Logo aps ele, Paolo e Tulio tambm se apresentaram e os trs foram

    juntos para o grupo que, j alistado, aguardava instrues. Os trs se

    apresentaram e descobriram ser vizinhos de cidades. Salvatore era de

    Luzzi e Paolo e Tulio residiam em Acre.

    Passaram-se dois anos e, em meados de 1942, Salvatore foi

    convocado para se apresentar em Catanzaro, que ficava a uma hora

    de trem ao sul de Cosenza.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    L chegando, ficou feliz em encontrar seus amigos Paolo e Tulio, que

    tambm haviam sido convocados.

    Um oficial organizou os jovens e lhes informou que deveriam aguardar

    uma chamada, por grupos, e que seriam encaminhados para suas

    acomodaes.

    O grupo de vinte e cinco jovens, do qual fazia parte Salvatore, foi

    levado para um galpo nos fundos do quartel, onde receberam

    uniformes e equipamentos, exceto armas. De l, seguiram para o

    alojamento.

    Salvatore procurou saber para onde seguiram seus amigos, mas j

    estava escurecendo e deixou isso para o dia seguinte.

    Assim que acordou, s 06:00 da manh, perfilou com os demais e

    foram levados para uma imensa cantina, onde tomaram o caf da

    manh. Tiveram apenas dez minutos para isto, j que havia

    necessidade de revezamento com os demais grupos.

    Quando fazia o caminho de volta, avistou o grupo que vinha em

    direo cantina e nele viu Paolo e Tlio. Fez um aceno que depois se

    falariam e seguiu com seu grupo.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    E assim, durante oito meses, os recrutas receberam treinamento

    apenas fsico e disciplinar, at que lhe foi informado que, em breve,

    seguiriam para Bologna, para os exerccios militares.

    (Salvatore ao centro e seus amigos Paolo e Tulio)

    Tambm lhes foi dito que teriam uma folga de uma semana antes da

    viagem, para visitarem e se despedirem de suas famlias.

    No dia seguinte, logo aps o caf, todos foram dispensados com a

    recomendao de, no oitavo dia, se apresentarem de volta.

    Salvatore, Paolo e Tulio foram juntos para a estao de trens e duas

    horas depois estavam embarcando para Cosenza.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    L chegando, desceram, se despediram e procuraram um meio de

    transporte que os levasse a Luzzi e Acre.

    Salvatore chegou fazenda somente no dia seguinte, pela manh.

    Contou as novidades a seus familiares e mostrou que estava muito

    feliz em poder viajar para Bologna, cidade da qual havia escutado

    maravilhas. Finalmente, seus horizontes estavam se abrindo.

    Com medo de perder a hora da reapresentao, Salvatore, no

    domingo, sexto dia, resolveu voltar para Cosenza logo cedo, pois o

    transporte at l era complicado. Havia trens para Catanzaro apenas

    a cada 12 horas.

    Chegou a Cosenza no domingo noite, aps uma carona em uma

    carroa de um fazendeiro vizinho.

    Como faltavam ainda dois dias para a reapresentao, procurou o

    quartel dos carabineiri(polcia local) para pernoitar.

    L chegando, um policial informou que na manh seguinte ele jpoderia ir para Catanzaro, pois poderia se reapresentar antes do

    prazo. Esta era a preocupao de todos os demais e o quartel o

    receberia normalmente.

    Como no havia mais trens naquele horrio, se acomodou em uma

    das celas do quartel da polcia, dormiu por algumas horas e, logo que

    amanheceu, j estava a caminho da estao de trens.

    O primeiro trem saiu s 10 horas,

    e uma hora e meia depois, j

    estava descendo em Catanzaro.

    Constatou que o que o policial lhe

    informara era verdade. Dezenas

    de jovens desceram do mesmo

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    trem e tomaram o mesmo rumo de Salvatore, em direo ao

    quartel.

    L chegando, Salvatore se dirigiu a seu alojamento. Muitocansado e mal dormido, por conta da pssima viagem de

    carroa de Luzzi a Cosenza, deitou-se em sua cama e dormiu

    at s oito da noite.

    Assim que levantou, perguntou onde poderia comer alguma

    coisa e um colega informou que, na cantina, havia um lanchedisponvel e para l se dirigiu.

    Lanchou e, ao sair, viu seus amigos Paolo e Tulio chegando.

    Eles tambm haviam tido a mesma ideia.

    Esperou os amigos fazerem seu lanche e ficaram conversando

    at tarde. No dia seguinte, que ainda era de folga, foram

    passear em Catanzaro e s voltaram noite.

    Foram dormir cedo, pois no sabiam o que ocorreria no dia

    seguinte, a data marcada para a reapresentao.

    s seis da manh foram acordados pela sirene do quartel e

    receberam ordens de se dirigir cantina para o caf da manh.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    L foram avisados que o horrio de reapresentao seria ao

    meio dia e notava-se que quase todos j haviam voltado.

    Aps o meio dia, no ptio de formao, havia perto de milrecrutas perfilados. Foi-lhes comunicado

    que receberiam uniformes leves e que,

    noite, embarcariam de trem para

    Bologna.

    Assim aconteceu. Por volta das oito da

    noite, todos marcharam para a estao

    de trens, e, medida que chegavam,

    eram distribudos pelos 15 vages

    existentes, alm da locomotiva.

    Por volta da meia-noite, partiram. A

    primeira cidade que cruzaram foi Cosenza, na sequncia,Paola, depois vieram Fuscaldo e outras dezenas que Salvatore

    no conhecia. Durante dois dias o trem cruzou a Itlia de sul a

    norte e, na madrugada do terceiro dia, chegou enfim a

    Bologna. A viagem foi exaustiva, pois no houve paradas, a

    no ser quatro vezes, com durao mxima de trinta minutos,

    para que os soldados pudessem descer e fazer suasnecessidades fisiolgicas. Perto de Roma, o trem ficou parado

    cerca de dez horas, aguardando sinal para prosseguir. As

    paradas no foram em estaes, e sim em descampados.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Quando o trem chegou a Bologna, os soldados desceram.

    Embarcaram novamente em um outro trem, que em meia

    hora, os levou para um imenso quartel que se localizava entre

    as cidades de Bologna e Ferrara.

    L, diferentemente de Cosenza e Catanzaro, no havia

    desordem. Do trem, foram embarcados em caminhes

    militares, e foram imediatamente levados a enormes edifcios

    destinados acomodao das tropas.

    Desceram dos caminhes, foram perfilados e, meia hora

    depois, um oficial se apresentou, falando em um megafone:

    Ateno ! Todos possuem um nmero de identificao. Vocs

    sero separados em pequenos grupos de trinta homens e,

    cada qual seguir comandado por um suboficial, que os levar

    aos alojamentos a que esto destinados. Cada grupo

    conhecer suas acomodaes e receber instrues sobre os

    procedimentos a serem tomados a partir de amanh. Em no

    nome do Dulce, o exrcito italiano sada a todos.

    Como haviam se apresentado

    juntos em Cosenza, Salvatore, Paolo

    e Tulio ficaram no mesmo grupo, oterceiro a ser chamado na ordem da

    numerao recebida. To logo foi

    anunciada a numerao, um

    suboficial se apresentou e o grupo

    de trinta homes se postou sua frente. Formaram duas filas

    indianas e seguiram com destino s suas acomodaes.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

    37/126

    No dia seguinte, bem cedo, comearam a receber treinamento

    militar. Assim se repetiu durante seis meses. Praticaram

    atividades fsicas, tiveram ensinamentos militares,

    aprenderam a utilizar armas, e enfim, ao final do treinamento

    bsico, estavam prontos para seguir para os campos de

    batalha.

    (Salvatore

    direita

    e seus amigos Paolo e Tulio)

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

    38/126

    J transcorria a primavera de 1943, quando Salvatore e seu

    peloto foram enviados para guarnecer a fronteira com a

    Frana e ficaram aquartelados em um agrupamento de foras

    prximo cidade de Aosta, no noroeste italiano.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

    39/126

    VIMUSSOLINI SE ALIA A HITLER.

    A Itlia era provida de alimentos produzidos em suas

    possesses estabelecidas na Etipia e na Somlia.Mussolini havia feito acordos com aquelas duas naes para

    explorar suas terras at ento improdutivas, visando

    produo de gros para abastecer as necessidades

    alimentares de seu pas.

    Arrendou terras na Etipia localizadas perto das cidades deDire Dawa e Jiiga e, na Somlia, entre Berdar e Djibouti.

    Executou projetos de irrigao, abriu estradas interligando as

    regies dos dois pases, executou projetos habitacionais para

    alojar os trabalhadores - todos nativos - e construiu um porto

    para escoamento da produo em Djibouti, capital da Somlia.

    Dire Dawa

    Dijibouti

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    L, foram produzidos gros e

    leguminosos, que via Mar Vermelho,

    chegavam Itlia atravs do Canal de

    Suez.

    Tudo transcorria bem, at que a Inglaterra, a quem os direitos

    de explorao do Canal de Suez pertenciam, passou aaumentar de forma progressiva as taxas de pedgio que eram

    cobradas pela sua utilizao.

    A Inglaterra, pressionada pelos altos custos que estava tendo

    com o combate contra a Alemanha, pois h trs anos j

    duravam os conflitos da Segunda Guerra, resolveu buscar

    fundos a todo custo e, como o Canal era uma tima fonte derenda, resolveu aos poucos cobrar taxas extorsivas, chegando

    ao ponto de exigir 50% do valor da carga que os navios

    italianos transportavam.

    Indignado, Mussolini avisou que no pagaria mais que 20% do

    valor da carga e que, se houvesse retaliaes, a armadaitaliana - na poca a mais poderosa da Europa - entraria em

    ao.

    Pouco menos de um ms aps este episdio, a armada italiana

    foi totalmente posta a pique em um ataque surpresa da

    Inglaterra.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Logo aps, descobriu-se que a traio

    que a Itlia sofrera partira do Vaticano,

    atravs do ento Papa Pio XII, o qual

    passara informaes secretas aos

    ingleses, fornecendo-lhes a localizao

    da armada italiana.

    O que motivou o Papa Pio XII a trair a

    Itlia foi o fato de que o ento regime fascista imposto por

    Mussolini ia de encontro aos interesses do Vaticano.

    O regime tambm no agradava aos ricos, principalmente aos

    bares donos de terras, os quais tiveram suas fortunas

    consideravelmente diminudas com as recentes mudanas

    ocorridas nos direitos de explorao da terra.Ento, os ricos e o Vaticano tramaram juntos a derrocada de

    Mussolini, e isto culminou com a traio havida com a armada

    italiana.

    Mussolini, ento, teve de abandonar

    as possesses africanas e, antevendoque iria ter problemas com o

    abastecimento de alimentos, tomou

    uma deciso que iria mudar o destino

    da Itlia perante os conflitos da

    Segunda Guerra Mundial: aliou-se a

    Hitler.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Isto tambm mudou o destino de Salvatore e seus amigos

    Paolo e Tulio.

    VIIMARCHA PARA A RSSIA.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Com o fechamento do canal de Suez aos seus navios, a Itlia

    de Mussolini se viu entre a cruz e a espada.

    Sabia que cedo ou tarde, Hilter viraria suas tropas em direo Itlia.

    Por outro lado, as presses internas para derrubada de seu

    regime eram cada vez maiores.

    No podia se unir aos outros pases europeus que lutavam

    contra Hilter, pois, assim, estaria se colocando indiretamenteao lado da Inglaterra, causadora dos conflitos que a Itlia

    passava, e por isto, considerada inimiga.

    Ento, em uma atitude desesperada, temendo ser invadido

    pela Alemanha ou ser morto atravs de uma conspirao

    liderada pelo Vaticano e pelos bares de terra, Mussolini se

    aliou a Hitler, e isto mudaria completamente a histria da Itliana 2 Guerra Mundial.

    Ao se aliar a Hilter, Mussolini submeteu seu exrcito ao

    comando dos nazistas.

    Algum tempo depois, o exrcito italiano comeou a enviar

    seus soldados para as frentes de batalhas na Rssia. Ento, emmeados do primeiro semestre de 1944, Salvatore e seus

    amigos foram enviados para o sul daquele pas.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    As tropas foram

    transportadas de trem,

    em uma viagem que

    durou oito dias,

    atravessando os

    territrios da ustria, da

    Romnia, da Moldvia e

    da Ucrnia, para

    finalmente chegar ao sul da Rssia, nas imediaes de Rostov.

    VIII

    A CONSTATAO DA REALIDADE.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Passado o bombardeio, Salvatore e seus amigos foram

    recuperando o senso de realidade. Estavam atordoados pelo

    barulho dos avies em seus voos rasantes, pelas exploses das

    bombas e petrificados de medo diante do quadro que agora

    viam sua frente.

    Centenas de corpos mutilados espalhados pelo cho.

    O galpo no mais era visvel. Fora totalmente destrudo pelas

    bombas. Apenas alguns casebres permaneciam teimosamente

    em p na vila.

    Aos poucos, foram aparecendo outros soldados que haviam

    sobrevivido ao bombardeio. Alguns totalmente ilesos, como

    Salvatore e seus amigos. Outros, com ferimentos leves e

    outros com ferimentos graves. Ouviam-se gemidos por todo

    lado.Alguns oficiais sobreviventes apareceram e comearam a

    ordenar o que sobrou da tropa.

    A primeira coisa de que se deram conta que estavam

    praticamente todos descalos. O calor proporcionado pelo

    fogo das bombas no lhes permitia sentir o frio a sua volta.A primeira ordem ouvida dos oficiais era de abandonarem

    imediatamente o local, pois, certamente aps o bombardeio,

    viriam as tropas terrestres provenientes de Rostov para

    terminar o servio.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Porm, a neve glida j fazia sentir seus efeitos nos ps

    descalos dos soldados.

    Ento, quase que instantaneamente, todos tiverem a mesmaideia: retirar o que sobrou das roupas dos mortos e improvisar

    um abrigo para os ps, alm de roupa para aquecer o corpo,

    j que seus casacos haviam sido levados tambm.

    Para piorar a situao, a pequena ponte, que ligava a vila

    estrada por onde haviam chegado estava quase que

    intransponvel, j que fragmentos de bombas a haviam

    atingido.

    Os soldados tiveram que improvisar uma passagem com os

    restos do madeirame do galpo e assim conseguiram alcanar

    a outra margem.

    Correram at onde estava o caminho e em torno dele seagruparam.

    O Tenente Giovanni, o mais alto oficial ali presente, deu uma

    rpida explicao do que estava acontecendo e tentou aos

    poucos reordenar o que sobrou das tropas e traar planos para

    a fuga, que se mostrava bastante difcil, visto que a grandemaioria estava descala e sem casaco. Apenas ele, outro

    tenente, que estava com um grande ferimento na coxa direita,

    e cerca de dez soldados, entre eles Salvatore, Paolo e Tlio,

    estavam ainda com as botas e os casacos.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Alguns soldados que estavam de vigia e foram atingidos e

    mortos no bombardeio tiveram suas botas e casacos

    recolhidos, apesar de semi destrudos.

    Primeiro, contou-se quantos soldados estavam ali: um total de

    cento e vinte, incluindo os oficiais e suboficiais que tambm

    haviam sobrevivido (um tenente, um sub tenente e quatro

    sargentos).

    As ordens foram as seguintes: retirar a lona do caminho,

    retirar a gasolina dos tanques transferindo-a para os tanques

    portteis que estavam nas laterais do veculo, arrancar as

    tbuas do piso que serviriam de sola para calados

    improvisados e tudo o mais que pudesse vir a ser til durante

    a fuga. Mas para isso precisariam de ferramentas,

    principalmente de um serrote.

    Um soldado, ao se esconder durante o bombardeio, entrara

    em dos casebres e disse ter visto algumas ferramentas que l

    haviam sido deixadas pelos moradores.

    Ento, um grupo de doze soldados que estavam de botas e

    casacos, entre eles Salvatore, foi designado a voltar para a vila

    e pegar tudo o que fosse possvel.

    O grupo voltou com seis ps, um ancinho, oito foices, oito

    enxadas, dois serrotes grandes e um pequeno, dois machados

    e uma marreta de tamanho mdio, alm de uma alavanca de

    cerca de um metro e meio, com uma das pontas achatadas.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    A alavanca veio a calhar para arrancar as tbuas do assoalho

    do caminho. Em poucos minutos, as tbuas foram

    cuidadosamente serradas em pedaos que permitiram

    fabricar 80 pares de solas. O restante das solas foi

    obtido serrando-se outras partes das laterais do caminho.

    As ferragens da carroceria bem como de outras partes foram

    tambm guardadas.

    Ento, com os trapos das roupas tiradas dos colegas mortos,

    cintos, meias, lenos, etc, todos improvisaram seus calados.

    Pernas de calas serviram para cobrir os braos e outras partes

    foram usadas para abrigar as costas e os peitos.

    No desmonte das calas, muitos isqueiros e maos de cigarros

    foram encontrados. Em algumas, havias tambm barras de

    chocolate que haviam sido compradas na ltima cidade emque pararam quando saam da Ucrnia em direo Rssia.

    J anoitecia, quando os soldados foram agrupados para

    iniciarem a marcha de fuga. No tinham ideia dos horrores que

    seriam provados naqueles prximos cinco ou seis meses.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    PARTE IIA LONGA MARCHA DA VOLTA

    IXDIREO ITLIA

    O grupo iniciou sua caminhada pela estrada de terra, j com anoite se fazendo presente. De certa forma, isto agradou a

    todos, pois, se fosse de dia, certamente avies de

    reconhecimento estariam procurando por sobreviventes.

    O grupo de oficiais se reuniu e, mesmo caminhando, trocou

    ideias de qual seria a distncia da ltima e nica vila quepassaram quando estavam indo em direo Rostov.

    Era tambm uma vila abandonada, porm em melhor estado

    que a que eles haviam desembarcado a tropa. Calcularam que

    seriam necessrios uns dois dias de caminhada para alcan-

    la, seguindo a estrada de terra pela qual haviam chegado.

    Felizmente, no nevava mais, e a neve do dia anterior queestava no cho no passava de uma leve camada de pouco

    mais de 2 centmetros, o que facilitava a marcha e no

    umedecia tanto os calados improvisados.

    A claridade do novo dia j se fazia presente e a fome j se fazia

    sentir, pois a ltima refeio feita fora na noite anterior, umpouco antes da chegada do traidor general Colossi.

    Os soldados no tinham relgio, somente o Tenente Giovanni,

    que viu que marcava oito horas da manh, horrio de Bologna.

    Calculou que o fuso horrio de onde estavam era de duas

    horas e, portanto, deveriam ser dez horas naquele momento

    local.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    A tropa j mostrava sinais de cansao, que, aliado ao estresse

    experimentado, fez com que o Tenente Giovani permitisse o

    repouso, para tambm se avaliar a situao e comear a

    pensar como resolver o problema da falta de alimentao.

    O estado do ferimento de um dos oficiais feridos preocupava

    a todos que marchavam a seu lado. O ferimento no parava

    de sangrar e ele estava muito debilitado. Outros soldados

    tambm estavam na mesma situao. Era um grupo de

    aproximadamente trinta homens, que alm de ter a batalhada fuga pela frente, no tinham como tratar de seus

    ferimentos e estes pioravam medida que o tempo passava,

    devido marcha forada. Alguns soldados, j durante a noite,

    estavam ajudando seus companheiros feridos.

    Os soldados ento comeram o chocolate que tinham em seus

    bolsos. Todos possuam pelo menos uma barra.

    Com algumas placas de zinco que haviam levado,

    improvisaram bacias para derreter a neve e com isto saciarem

    sua sede.

    Estavam descansando h quase uma hora, quando ouviram

    barulho de motores de avio. A margem da estrada na qual

    estavam refugiados tinha uma espessa mata, com rvores

    baixas e que ainda possuam folhagem, j que o inverno estava

    no incio. Portanto, seria difcil para os pilotos localizarem o

    grupo.

    Felizmente, no foram avistados.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Como a estrada era estreita e muitas rvores estendiam seus

    ramos sobre ela, a tropa se sentiu segura em seu refgio.

    Durante uma hora os avies vasculharam a rea, passandovrias vezes por cima de suas cabeas. Eram trs avies de

    reconhecimento.

    O tenente j havia ajustado seu relgio ao horrio local e, j

    passava de uma hora da tarde quando resolveram retomar a

    marcha.

    Com medo de novos avies, resolveram marchar em fila de

    dois, bem prximos margem, com espao de cinco metros

    entre cada dupla, sendo uma coluna em cada margem.

    Com isto, caso os avies de reconhecimento surgissem, teriam

    tempo bastante de se refugiar debaixo das copas e o rastro

    seria difcil de ser visto pelos pilotos, j que caminham junto mata.

    Caminharam por trs horas, quando ouviram novamente o

    barulho dos motores. Imediatamente, todos seguiram as

    ordens pr-estabelecidas e se refugiaram.

    Passaram-se cinquenta minutos at que o barulho dos aviesdeixou de ser ouvido.

    Novamente, retomaram a marcha e cerca de duas horas

    depois um contratempo surgiu: uma clareira de mais ou

    menos dois quilmetros se apresentou frente. J estava

    perto de anoitecer e os oficiais decidiram descansar at que

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    anoitecesse novamente, e a sim retomariam a marcha de vez

    por toda a noite, o que lhes garantiria cobrir um bom trecho

    sem os percalos dos avies.

    Ento, descansaram por duas horas at que a noite casse para

    voltar marcha. Os soldados feridos tiveram muitas

    dificuldades para se levantar e algumas macas tiveram de ser

    improvisadas usando-se galhos e cortes feitos com a lona do

    caminho.

    Embora j fosse de noite, um grupo de soldados ficou

    encarregado de apagar os rastros dos sulcos deixados pelas

    padiolas, que eram arrastadas.

    A muito custo, o grupo caminhou por toda a noite. Pelos

    clculos dos oficiais, ainda restavam umas vinte horas de

    caminhada para se chegar vila. Alm disso, torciam para queesta ainda estivesse abandonada.

    Uma hora depois do amanhecer, o grupo parou novamente

    para descansar. Como era de hbito, as necessidades

    fisiolgicas deviam ser feitas a pelo menos cinquenta metros

    de onde estavam acampados.

    Ao entrar na mata, dois soldados se depararam com uma

    pequena plantao de girassis. Chamaram ento um dos

    oficiais e foram explorar a rea.

    Descobriram ser um pequeno stio abandonado, cujo acesso

    se dava por um caminho que terminava duzentos metros

    adiante da estrada em que estavam.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Ao lado dos girassis, havia tambm uma plantao rasteira,

    que ao ser retirada, trouxe com as ramas uma espcie de

    batata. Ao fundo da plantao, havia um pequeno casebre,

    feito de galhos de rvores, ainda com seu teto de ramagem

    em bom estado. Da entrada do casebre, avistava-se todo seu

    interior que se compunha de um nico espao de pouco mais

    de oito metros quadrados. Estava completamente vazio, a no

    ser por uma grande tesoura, toda enferrujada, que se

    encontrava enfiada entre os galhos que compunham a parede

    do casebre.

    Um grupo de soldados foi chamado e colheram toda a

    plantao daquela espcie de batata e todos os girassis que,

    com todos ajudando, tiveram suas sementes arrancadas e

    servidas aos soldados.

    Tambm, usando as bacias improvisadas, acenderam

    pequenas fogueiras dentro do casebre, nas quais cozinharam

    as batatas.

    A comida foi distribuda em pores iguais para todos os

    soldados e estes a engoliram rapidamente, apesar de seu

    gosto no muito bom - talvez por terem sido colhidasprecocemente.

    As batatas, por serem em pequena quantidade, foram

    totalmente comidas, com casca e tudo. Quanto s sementes

    de girassol, sobrou o suficiente para uma nova refeio.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    J eram mais de dez horas da manh quando se reiniciou a

    marcha. O esquema foi o mesmo. Duplas espaadas de cinco

    em cinco metros, em duas colunas, cada qual em uma margem

    da estrada, com um grupo na retaguarda desfazendo as pistas.

    Eram quatro da tarde, quando resolveram parar novamente

    at o anoitecer. Logo aps se estabelecerem, uma pequena

    nevasca comeou a se precipitar. Rapidamente, todos se

    dirigiram para uma encosta com muitas rvores. A lona foi

    estendida por cima dos galhos mais baixos, amarrada comcordas feitas de trapos e cintos retirados dos soldados mortos

    no bombardeio. Como no couberam todos naquele abrigo, os

    demais improvisaram um teto com a ramagem retirada das

    rvores e um grosso capim que crescia naquele local.

    A neve caiu por mais de cinco horas, o que atrasou a retomada

    da marcha. Quando a neve parou de cair, os soldados sabiam

    que a retomada da caminhada seria mais dura, pois, calculava-

    se uma camada de neve de mais de dez centmetros. Alm

    disso, os soldados trocaram e reforaram a camada de suas

    botas, pois, certamente, a neve iria umedecer ainda mais o

    tecido utilizado como couro. Alm disso, muitos j

    apresentavam feridas e sangramentos nos ps, devido ao

    esforo de caminhar sobre as plataformas de madeira. As

    articulaes dos ps estavam muito doloridas, pois no se

    conseguia dobrar os ps nas passadas. Alguns apresentavam

    hematomas nas solas e nos dorsos dos ps.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    noite, as primeiras baixas ocorreram. Dois dos soldados

    carregados nas padiolas faleceram. No suportaram os

    ferimentos e o sangue perdido.

    Os oficiais ordenaram que os soldados cavassem uma cova,

    onde os corpos foram enterrados.

    O grupo comeara a se reduzir. J eram 118. A marcha foi

    retomada pela noite adentro.

    XA PROCURA POR ABRIGO E COMIDA.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    J amanhecia quando a tropa avistou os primeiros sinais que

    indicavam que estavam prximos vila que buscavam.

    Alguns utenslios, como carroas manuais, arreios demontaria, objetos pessoais, etc, eram vistos pelo caminho.

    Eram sinais visveis de que a vila fora abandonada s pressas.

    Isto soava bem, pois indicava que no haveria problemas em

    se entrar nela.

    Um grupo de cinco soldados, capitaneados por um dos oficiais,

    foi encarregado da aproximao e estudo do terreno para se

    certificarem de que a rea estava inteiramente livre para ser

    ocupada.

    Sorrateiramente, esgueirando-se por entre a densa mata,

    aproximaram-se da vila e aguardaram por um tempo para se

    certificar de que no havia nenhum morador aindaperambulando por ali. Nenhum som era ouvido, nem de

    pessoas, nem de animais.

    Aps uma hora, um dos soldados voltou para onde a tropa se

    encontrava e comunicou aos oficiais de que a vila estava

    realmente abandonada.

    Ento, um grupo maior se dirigiu para a vila, onde, juntando-

    se aos outros que tinham ido efetuar a verificao, nela

    entraram e constataram que as construes eram melhores

    do que aquela que havia sido bombardeada. As casas, feitas

    de pedra e barro, com telhado de uma espcie de sap,

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    vegetao tpica das estepes locais, estavam em boas

    condies e serviriam de abrigo para a tropa.

    Aos poucos, todos foram adentrando na vila. Os soldadosforam ocupando as casas e os oficiais se reuniram em uma

    delas, construda perto de uma espcie de praa da vila.

    Todas as casas, sem exceo, eram de um s cmodo, com

    uma rea de aproximadamente 20m2 e em seu interior,

    possuam algo parecido com uma lareira, s quem sem

    chamin. Era uma espcie de sobrepiso feito de pedras, com

    uns 20cm de altura, encostado a uma das paredes e, em cima

    dele, via-se claramente restos de lenha queimada. Acima

    delas, havia uma pequena abertura na parede, que deveria

    servir para aliviar a sada da fumaa que se acumulava dentro

    das casas. Acima desta abertura havia uma placa de lato que

    servia para aparar e colher a fumaa para ser expelida pela

    abertura.

    Os oficiais ordenaram aos soldados que vasculhassem as

    outras casas e as imediaes para ver se colhiam alguns

    materiais que pudessem servir para se acenderem fogueiras e

    outros objetos que pudessem ser teis tropa.

    Em algumas casas, foram deixados mveis como cadeiras,

    mesas, armaes de camas, cmodas e panelas de ferro.

    Tudo indicava que umas das atividades desenvolvidas naquela

    vila era a produo de utenslios em vime, j que haviam sido

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

    58/126

    abandonados, alm do vime nos tanques, alguns cestos

    prontos e outros em fase de tecitura.

    O material para servir de fogueira foi agrupado no centrodaquela pequena praa, em frente ao alojamento onde se

    encontravam instalados os oficiais. Inclusive, o galpo do vime

    havia sido desmontado, j que no servia de abrigo por serem

    suas paredes totalmente vazadas.

    Os soldados foram divididos em grupos de vinte e cada grupo

    se instalou em uma casa, carregando consigo uma boa

    quantidade de lenha para acenderem suas fogueiras. Porm,

    um dos oficiais alertou que elas somente poderiam ser acesas

    aps anoitecer, pois a fumaa poderia ser vista.

    Apesar do frio intenso, todos resolveram aguardar a chegada

    da noite para acender o fogo e o tenente ordenou que ossoldados descansassem nas casas, secassem suas protees

    dos ps e tentassem melhorar as condies de seus agasalhos

    improvisados.

    Neste momento, um soldado se aproximou e disse que o vime

    poderia ser utilizado para substituir as solas de madeira, j

    que era malevel e proporcionava maior aderncia ao se

    caminhar sobre a neve. Disse saber trabalhar com o material

    e que se disporia a fazer um par para ser experimentado.

    Outros cinco soldados tambm informaram saber trabalhar

    com o vime e se propuseram a ajudar.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

    59/126

    Meia hora depois, o primeiro par de solas havia sido tecido

    e tiras de roupas foram usadas para dar um formato de botas

    mesma.

    Um dos oficiais se disps a experimentar o calado e o

    aprovou. Era bem melhor que o piso duro das tbuas.

    Ento foi dada a ordem de se produzir os demais pares de

    solas para o restante do grupo e que os demais iriam

    providenciando as tiras de pano.

    Nisso, ouve-se um tiro proveniente da casa utilizada pelos

    oficiais e v-se um soldado sair correndo de l, apavorado e

    gritando que o tenente ferido havia atirado em sua prpria

    cabea.

    Um dos trs oficiais restantes, de nome Mrio, entrou

    rapidamente na casa e constatou o que o soldado havia dito.Em um dos cantos da casa, jazia o corpo do tenente com uma

    mancha de sangue na fronte esquerda e a pistola cada no

    cho, prximo sua mo.

    No foi preciso mais que um minuto para se descobrir o

    porqu daquele gesto: o cheiro de carne podre se fez sentirenquanto os demais que ali se encontravam presenciavam a

    cena: o ferimento na cocha do tenente havia gangrenado e

    este sabia que no teria salvao, j que no dispunham de

    remdios para a cura e nem de material para uma possvel

    amputao do membro.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

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    Todos ficaram consternados com o ocorrido, cuja notcia se

    espalhou rapidamente.

    Porm, como nada mais poderia ser feito, o sub tenenteMrio, primeiro na escala militar ali presente, ordenou que se

    enterrasse rapidamente o corpo do tenente e que suas roupas

    fossem enterradas com ele, visto que a cala estava toda

    manchada de sangue gangrenado. Seu par de botas e seu

    casaco militar deveriam ser aproveitados aps bem lavados.

    Ele informou que ficaria com o casaco e que as botas,pequenas demais para ele, seriam oferecidas aos outros

    oficiais.

    Aps o enterro do tenente, ocorrido por volta do meio-dia ,

    constatou-se que mais cinco soldados que se encontravam

    em uma das casas destinada aos feridos apresentaram sinais

    de gangrena. O pnico se espalhou entre eles .

    Os oficiais decidiram que pernoitariam naquela vila, para que

    os soldados se recompusessem, descansassem os ps e

    fizessem as adaptaes com o novo tipo de sola que seria

    experimentado.

    Ao anoitecer, depois de escalados os soldados que fariam a

    vigilncia e seus turnos, todas as casas acenderam suas

    fogueiras e rapidamente os ambientes se encheram de calor.

    Era uma sensao de conforto que no tinham desde que

    deixaram os trem na Ucrnia.

  • 7/21/2019 Salvatore Gardi

    61/126

    Como jantar, as sementes de girassol foram distribudas e

    aquela foi a nica refeio do dia.

    No fosse pelo desconforto de acordar no meio da noite paraa ronda de vigilncia, esta teria sido uma noite perfeita, dentro

    de suas limitaes e circunstncias.

    Ao amanhecer, vrios soldados se espalharam pelas

    imediaes para ver se encontravam algo que pudesse ser

    utilizado, bem como alimentos.

    Alm de alguns objetos de uso pessoal que de nada serviam,

    nenhum alimento foi encontrado.

    Assim, aps todos terem calados suas novas botas, os

    soldados foram perfilados para reiniciarem a marcha. Porm,

    uma notcia entristeceu a todos: os soldados feridos seriam

    deixados para trs.

    J havia vrios feridos com gangrena e, o restante dos feridos

    graves, em poucas horas, estariam com o mesmo mal. Seria

    como transportar cadveres.

    Ento, s os 113 que tinham condies de continuar a marcha

    seguiram em frente. Os oficiais foram dar palavras de nimoaos que ficariam, dizendo-lhes que a nica chance de vida que

    tinham era a de serem capturados e enviados a um hospital

    para serem tratados. Alm disso, mentiram dizendo que

    retomariam a marcha em direo ao Este, a fim de pegar uma

    pequena estrada pela qual haviam passado h 24 horas.

    Tratava-se de uma mentira para que, caso fossem capturados

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    com vida e torturados, no passassem, ao inimigo as

    verdadeiras intenes do grupo.

    Quando iam deixando o recinto, um dos feridos disse:Senhor, por favor, deixe-nos armas para que ns possamos

    decidir o que fazer. Sabemos perfeitamente que se formos

    capturados, vamos ser executados, pois, se algum chegar

    vivo Itlia, ir denunciar a traio. Portanto, j estamos

    destinados a morrer. Queremos decidir se vamos morrer por

    vontade prpria, abreviando o sofrimento, ou se nas mos dosinimigos.

    O subtenente Simone deu-se conta de que o temor discutido

    entre os oficiais j era compartilhado por todos. Este assunto

    j havia sido falado em uma reunio que o pequeno grupo de

    oficiais teve naquela parada no campo de girassis. O mesmo

    pressentimento j havia tomado conta de todos.

    Ento o sargento Simone decidiu deixar com os feridos um

    fuzil e cinco balas. E saram consternados, sem dizer mais uma

    s palavra.

    A tropa foi novamente comunicada da deciso de se deixar os

    feridos sua prpria sorte e, temendo o que j havia sido

    constatado, parecia que todos sabiam de sua real situao. Era

    escapar ou morrer nas mos do inimigo, pois este, com toda a

    certeza, no iria fazer prisioneiros. Todos ficaram mudos e

    empreenderam a caminhada. Nada se poderia fazer pelos

    amigos que ficariam para trs.

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    XIARMADILHA PARA INIMIGO.

    Sem outra opo, a tropa seguiu para o oeste, na esperana

    de encontrar um caminho melhor e, principalmente,alimentos. A fome j dava sinais de presena entre os

    soldados. A pequena poro de sementes de girassol foi

    insignificante.

    Passaram-se trs dias e os soldados no encontraram

    alimentos. No caminho, pernoitavam mata adentro para no

    serem surpreendidos. O frio era intenso e, como alimentao,

    serviam-se de sopas feitas com razes de plantas locais. De

    alguma forma, essas razes forneciam energia.

    O novo calado base de vime e panos serviu melhor que as

    solas de madeira. Os ps j no doam tanto, mas a umidade

    neles era mais frequente. noite, sempre tinham que secar ovime e as tiras de lona.

    No quarto dia, os soldados que formavam o grupo de

    batedores voltaram com uma notcia: frente, cerca de uns

    trs quilmetros, avistaram uma grande ponte, sendo que a

    cabeceira do outro lado era guarnecida por um grupo de

    soldados.

    Este era o grande problema. Como chegar ao outro lado da

    ponte sem serem percebidos pelos soldados inimigos?

    Um dos oficiais ento, falou: No caminho, notamos o rastro

    de veculos que se dirigiam ou voltavam da direo da ponte.

    Portanto, vamos recuar alguns quilmetros e ficar na espreita

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    para avistarmos qualquer veculo que passe pela estrada, em

    direo ponte. Nossa esperana que possamos nos apossar

    de um deles e, a sim, poderemos nos aproximar

    despercebidos da cabeceira da ponte.

    E assim fizeram. A tropa recuou uns 15km at o ponto da

    estrada onde havia um pequeno monte, de cerca de 50 metros

    de altura e que, de l, se tinha uma tima viso para ambos os

    sentidos da estrada, j que esta fazia uma curva aberta

    justamente para contornar este monte.

    Esperaram cerca de seis horas, at que do lado Leste, em

    direo ponte, viram aproximar-se dois caminhes militares.

    Um deles tratava-se de um veculo de carga e o outro,

    certamente, por ter uma cobertura de lona, deveria trazer

    soldados para a escolta. Devido s condies da estrada,

    muito lamacenta por conta da neve sobre o solo de terra, sua

    velocidade no era superior a 20 km por hora. Calcularam que

    atingiriam o ponto da curva onde a tropa se encontrava em

    cerca de trinta minutos.

    Rapidamente, utilizando-se dos quatro machados que haviam

    recolhido na vila perto de Rostov, derrubaram uma pequenarvore na estrada, mas de tamanho suficiente para que

    provocasse a parada dos veculos.

    Trs grupos de soldados se esconderam na mata da margem,

    prepararam seus fuzis e receberam ordens de atirar no

    caminho com a lona assim que os veculos comeassem a

    parar. Ordens foram dadas para no se atirar na cabine, pois,

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    poderia danificar os controles e os motores. Caso os soldados

    das cabines reagissem, haveria um grupo especial para atirar

    somente neles, com pistolas.

    Os grupos se postaram justamente no lado da estrada que

    encostava no monte, visando dificultar a viso dos soldados

    inimigos quando percebessem a cilada.

    Eis que, alguns minutos depois, o primeiro caminho surgiu na

    curva. Cerca de 50 metros adiante, o motorista deste

    percebeu a rvore cada na estrada e diminuiu a velocidade. O

    caminho com a escolta, que vinha logo atrs, tambm teve

    de diminuir a marcha. Neste momento, o oficial deu a ordem

    de abrir fogo e, 30 segundos depois, os dois veculos pararam

    e os ocupantes das cabines saram atirando com pistolas,

    enquanto um pequeno grupo de soldados que havia sado

    ileso do tiroteio dirigido ao segundo veculo tambm pulava

    da carroceria e preparava-se para atirar.

    Ento, o grupo que estava aguardando a reao dos soldados

    das cabines abriu fogo e fuzilou os quatros soldados, enquanto

    que os demais dizimavam o pequeno grupo de inimigos que

    saltara da carroceria do caminho da escolta.

    Aps se certificarem que no havia mais sobreviventes, os

    soldados italianos se aproximaram dos caminhes e dos

    inimigos mortos e contaram vinte e oito corpos.

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    Imediatamente, mesmo sem receberem ordens para tal, os

    primeiros soldados se aproximarem e subiram nos caminhes

    para verificar se estes transportavam algum tipo de alimento.

    Para decepo geral, o primeiro veculo transportava munio

    para canhes e o segundo, o da escolta, transportava pequena

    quantidade de rao individual dos soldados que, pelo visto,

    estavam prximos de seu destino, j que havia o suficiente

    para mais duas refeies.

    A muito custo, os oficiais contiveram o desespero dos

    soldados, e ordenaram que o alimento fosse primeiro

    inventariado, para que, depois, fosse distribudo em partes

    iguais.

    Antes disto, precisariam despir os inimigos mortos, esconder

    seus corpos na mata e retirar os veculos da estrada.Em uma vala de pouco mais de um metro de altura, a cerca de

    20 metros da estrada, os corpos foram atirados e, sobre eles,

    jogaram uma camada de neve de aproximadamente 20

    centmetros.

    Somente no prximo vero aqueles corpos seriamdescobertos.

    A neve com sangue na estrada foi atirada na mata, os vestgios

    do tiroteio foram apagados e os caminhes direcionados por

    uma brecha que havia entre as pequenas rvores. Rezaram

    para que no passasse nenhum outro veculo inimigo at que

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    nova camada de neve cobrisse a estrada. E assim, aguardaram

    at o anoitecer.

    Antes que a noite casse, os alimentos (pes pretos, queijos eum tipo de pasta parecida com creme de amendoim) foram

    distribudos entre os soldados. Tambm haviam recolhido

    duas garrafas de vodka. Toda a rao foi consumida. Com a

    fome que estavam, no havia condies de deixarem parte

    para uma outra refeio.

    Ento, os oficiais traaram os planos para o ataque ponte na

    manh seguinte.

    O plano era vestir vinte e oito soldados com os uniformes

    russos, arm-los com os fuzis capturados e tentar se aproximar

    da guarnio de soldados inimigos do outro lado da ponte.

    Calculou-se que havia cerca de vinte e cinco deles. Teria de seruma ao rpida e sem chance de reao para o inimigo, j

    que eles deviam contar com um rdio de comunicao e um

    alerta poderia ser passado durante o combate.

    Duas granadas que haviam sido encontradas na boleia de um

    dos caminhes seriam utilizadas no ataque cabine na

    cabeceira da ponte, cabine esta que deveria ser utilizada pelos

    oficiais e pelo operador de rdio, juntamente com o

    equipamento.

    Um grupo de quinze soldados que j possua experincia de

    combate foi inteiramente indicado para a misso. Seriam os

    primeiros a atirar. O grupo foi completado com mais treze,

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    entre eles Salvatore e seu amigo Paulo. Salvatore, Paulo e mais

    cinco soldados formaram um grupo que ficou encarregado de

    invadir a cabine, capitaneados por um dos oficiais e outro

    soldado experiente, os quais atirariam as granadas na cabine

    antes que os soldados adentrassem nela. Salvatore tremeu:

    seria sua primeira experincia de combate. At ento, sua

    nica experincia havia sido a de escapar do bombardeio em

    Rostov e fugir pelas estradas russas.

    Antes de dormirem, descarregaram parte da carga demunio, deixando um vo entre as pilhas laterais. Neste vo

    ficariam escondidos os soldados do primeiro caminho a

    cruzar a ponte. No outro, iriam o restante, acobertados pela

    lona, que, apesar de ter muitos furos provocados pelo tiroteio,

    ainda se encontrava em condies de uso.

    Os soldados que participariam da ao dormiram nos

    caminhes, juntamente com outros que coubessem, e o

    restante dormiria debaixo da lona e dos abrigos feitos com

    ramagem. As caixas de munio retiradas do caminho, depois

    de esvaziadas, serviram de estrado para os soldados.

    Na manh seguinte, um grupo se dirigiu ao alto do monte paraver se algum veculo se aproximava. Deram o sinal de que

    estava tudo bem e o grupo de soldados que no participaria

    da ao saiu em marcha, em direo ponte. Estes

    aguardariam os caminhes chegarem e dariam apoio aps

    iniciado o tiroteio.

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    Uma hora depois, os soldados que estavam no monte se

    juntaram ao grupo dos caminhes e estes partiram em direo

    ponte.

    Passaram-se uns trinta minutos at que os caminhes

    alcanaram o grupo que sara p e este passou as

    informaes que precisavam: a situao era a mesma de

    ontem. O grupo de soldados era o mesmo e a recontagem dos

    inimigos ficou em vinte homens visveis, fora os que estavam

    na cabine que, pelo tamanho, no comportava mais de cincosoldados. Ao lado da cabeceira da ponte, havia 2 caminhes,

    que certamente serviam de abrigo para os soldados. Durante

    o tempo que o grupo ficou espionando os russos, ningum

    sara ou entrara nos caminhes.

    Pelo visto, todos se encontravam em servio. As instrues

    foram repassadas e os dois caminhes comearam a marcha

    em direo ponte. O campo de viso entre onde se

    encontravam os soldados que iriam apoiar a ao e a

    cabeceira da ponte era de cerca de 500 metros. Se a ao no

    fosse rpida e precisa, o grupo de apoio pouco poderia fazer

    para ajudar. A distncia era longa.

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    XII - A PRIMEIRA BATALHA.

    Quando os caminhes foram avistados pelos russos, estes se

    perfilaram para receber o comboio. Tudo estava igual atchegarem na cabeceira Leste da ponte. Ao entrarem nela,

    viram um oficial sair da cabine e se juntar aos soldados: havia

    dois russos perto de um cavalete que ficava exatamente no

    fim da ponte e duas fileiras de homens, uma de cada lado, a

    uns 10 metros da ponte. O oficial russo juntou-se aos dois

    soldados do cavalete e os caminhes seguiram ponte adentro,mantendo a mesma velocidade, para no causar suspeitas.

    Tudo seguia normalmente at atingirem a metade da ponte,

    quando os