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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO
SANDRA MARGARETE FERREIRA DE FREITAS
A APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL SOB A PERSPECTIVA SOCIAL: Um
Estudo num laboratório Farmacêutico de Santa Catarina
Biguaçu
2009
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SANDRA MARGARETE FERREIRA DE FREITAS
A APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL SOB A PERSPECTIVA SOCIAL: Um
Estudo num laboratório Farmacêutico de Santa Catarina
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração pelo Programa de Mestrado Acadêmico em Administração da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Superior de Biguaçu.
Orientadora: Profª. Drª Christiane Kleinubing Godoi
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SANDRA MARGARETE FERREIRA DE FREITAS
A APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL SOB A PERSPECTIVA SOCIAL: Um
Estudo num laboratório Farmacêutico de Santa Catarina
Esta dissertação foi julgada adequada para obtenção do título de Mestre em Administração e aprovada pelo Programa de Mestrado acadêmico em Administração da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação superior de Biguaçu.
Área de concentração: Organizações e sociedade
Biguaçu, 05 de Março de 2009
Carlos Ricardo Rossetto, Dr. Coordenador do Programa de Mestrado em Administração
BANCA EXAMINADORA
Christiane Kleinubing Godoi, Dra UNIVALI- CE de Biguaçu
Orientadora
Flavio Ramos, Dr. UNIVALI- CE de Biguaçu
Examinador
Anielson Barbosa da Silva, Dr.
UFPB- Departamento de Administração Examinador Externo
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Dedico este trabalho à minha família, ao meu esposo que não mediu esforços para me ajudar nesta trajetória, a você Jairo, muito obrigado. Aos meus filhos Vinícios e Aline, que tiveram a mãe ausente neste período por muitas vezes, quero aproveitar o momento e dizer a vocês três que os amo muito e não irei esquecer jamais a dedicação e a compreensão de vocês neste caminho. A meu querido pai, que de alguma maneira contribuiu com minhas escolhas profissionais e sempre iluminou meus caminhos.
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AGRADECIMENTOS
Existem aquelas pessoas especiais aquelas que passaram a madrugada ajudando a transcrever uma entrevista, que ajudam a mudar o sentido de uma frase, que nos mostram o caminho melhor, que pesquisam e nos trazem soluções. E esta pessoa, sem dúvida, é você, meu querido esposo Jairo Freitas, o companheiro que escolhi para estar ao meu lado e que hoje quero agradecer, por tantos esforços, por tantas noites sem dormir, por tantos finais de semana sem diversão. Hoje faço esta pequena homenagem para você de coração, Te amo!
Teve também é claro, quem nos ensinou, quem nos puxou a orelha, nos mostrou o caminho e deu apoio, quem nos leva para os eventos e nos mostra a vida acadêmica, você, minha cara professora e orientadora Christiane Kleinubing Godoi, que com sua força e inteligência, me mostrou que eu seria capaz de fazer este trabalho, obrigada Chris!
Teve também em meu trabalho a contribuição singular, a contribuição de um grande mestre, o professor Anielson Barbosa da Silva, que em minha qualificação traçou um limite e um final para minha dissertação, me passou grandes autores e obras pelas quais eu consegui finalizar este trabalho, obrigada professor!
Caro professor Flavio, não poderia deixar de falar do senhor, com sua maestria significativa nas teorias de Giddens, me trouxe o caminho e a ligação dele com minha dissertação, obrigada caro professor.
Não poderia de deixar de agradecer ao professor coordenador do mestrado em Administração o professor Carlos Ricardo Rosseto, que sempre esteve presente e nos ajudando nas dificuldades.
São tantas pessoas para agradecer que, às vezes, esquecemos, mas há duas pessoas que não posso esquecer nunca, dois grandes seres humanos que tem a minha admiração e carinho, pois acreditaram em mim sempre: são vocês, professor Alexandre, coordenador do curso tecnólogo e a professora sempre minha coordenadora pedagógica Ana Paula, obrigada por vocês existirem!
E por fim, não menos importantes, mas sem dúvida, as duas pessoas que fazem meus dias mais alegres, meu filho Vinícios e minha filha Aline, obrigada por vocês existirem e lembre-se sempre que amo vocês muito de dedinho....
Em memória ao meu querido vó Darcy, que partiu me dando forças para continuar...
Agradeço a Deus, por ter me dado forças para finalizar este processo.
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“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.
Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...”
Fernando Pessoa
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RESUMO
O tema aprendizagem organizacional (AO) tem suscitado muitas revisões de literatura e diversas abordagens na busca de melhor compreensão e entendimento deste fenômeno. Uma das dificuldades para a compreensão da AO está no fato de grande parte da literatura estar baseada em teorias da aprendizagem individual e desconsiderar a perspectiva social da aprendizagem. A perspectiva social entende a aprendizagem como algo que emerge das interações sociais, é socialmente construída, ou seja, a aprendizagem ocorre na interação entre indivíduos, organização e sociedade, em uma relação de influência mútua. Caracterizam a perspectiva social da AO: a crença de que a aprendizagem ocorre pela interação social dentro de um contexto sócio-cultural, o processo da aprendizagem organizacional depende tanto das pessoas quanto do contexto organizacional e o conhecimento é gerado a partir das relações interpessoais. Esta pesquisa teve por objetivo contribuir para a compreensão do processo de aprendizagem organizacional a partir da perspectiva social e identificar o processo de construção social da aprendizagem na organização estudada. Com este intuito, buscou-se apoio nas seguintes teorias: teoria de campo de Kurt Lewin, a qual afirma que o ambiente social e a dinâmica das situações sociais são fundamentais na formação e transformação das atitudes coletivas, conformando as ações e reações individuais; teoria cognitiva social da aprendizagem de Bandura, a qual diz que a natureza humana é caracterizada por uma grande potencialidade que pode ser modelada de diversas formas pela experiência direta e observacional, e teoria da estruturação de Giddens, que percebe a organização como uma estrutura social onde os indivíduos interagem, mas dentro das regras, rotinas e comportamentos institucionalizados. A pesquisa foi realizada em um laboratório farmacêutico, a partir de uma investigação qualitativa, através da estratégia de estudo de caso exploratório; o método de coleta de dados utilizado foi a entrevista aberta em profundidade. Os resultados indicam a significativa influência do contexto organizacional sobre a AO e apontam que as relações diversas entre indivíduos, grupos e organização são determinantes no processo da AO, além de evidenciar que a estrutura organizacional limita a mesma, tanto quanto é resultante da AO, fruto desta ampla interação envolvendo ambiente interno e externo à organização.
Palavras-chave: Aprendizagem organizacional, Aprendizagem social, contexto organizacional.
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ABSTRACT
ABSTRACT The theme of organizational learning (OL) has been the focus of various literature reviews and different approaches, in the search for a better understanding of this phenomenon. One difficulty in understanding OL is the fact much of the literature is based on individual learning theories and ignores the social perspective of learning. The social perspective sees learning as something that emerges from social interactions; i.e., it is socially constructed in based on the interaction between individuals, the organization and society, in a relationship of mutual influence. The social perspective of OL is characterized by the belief that learning occurs by social interaction within a socio-cultural context; the fact that the process of organizational learning depends on both people and the organizational context; and the fact that knowledge is generated from the relationship. This study seeks to contribute to the understanding of the process of organizational learning from a social perspective, and to identify the process of social construction of learning in the organization studied. To achieve this, support was found in the following theories: Kurt Lewin’s field theory, which states that the social environment and the dynamics of social situations are crucial in the formation and transformation of collective attitudes, shaping individual actions and reactions, Bandura's social cognitive theory of learning, which states that human nature is characterized by a great potential that can be shaped in many ways, through direct experience and observation, and Giddens’ structuration theory, which sees the organization as a social structure in which individuals interact, but within rules, routines and institutionalized behaviors. The research was conducted in a pharmaceutical laboratory, through a qualitative study using the strategy of exploratory case. The data collection method used was open, in-depth interviews. The results indicate the significant influence of organizational context on OL and indicate that relations between different individuals, groups and organizations are crucial in the process of OL, as well as demonstrating that the organizational structure limits OL, and is, at the same time, a result of it, the fruit of this extensive interaction involving the internal and external environments of the organization. Keywords: organizational learning, social learning, organizational context.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1: Teoria sobre aprendizagem de Adultos.............................................21
Quadro 2: Comparação de Teorias Tradicionais e Sociais............ ...................37
Quadro 3: Relações da teoria de Lewin e Giddens............................................42
Quadro 4: Design da Pesquisa...........................................................................43
Quadro 5: Normas para Transcrição .................................................................48
Quadro 6: Categorias Analíticas e suas teorias.................................................50
Quadro 7: A perspectiva social da aprendizagem organizacional.....................78
Figura 1: Processo social da AO........................................................................82
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 15
2.1 Principais abordagens da Aprendizagem Organizacional: introdução à discussão teórica ................................................................................................... 15
2.2 A aprendizagem organizacional sob a concepção social da aprendizagem .... 30
2.3 A perspectiva social da aprendizagem organizacional e o pensamento de Kurt Lewin ..................................................................................................................... 38
2.4 Teoria da Estruturação e a perspectiva social da Aprendizagem Organizacional ....................................................................................................... 40
3 METODOLOGIA .................................................................................................... 43
3.1 Tipo de Pesquisa ............................................................................................. 44
3.2 Estratégia de Pesquisa .................................................................................... 44
3.3 População e Amostra....................................................................................... 46
3.3 Método de coleta do Material Empírico ............................................................ 46
3.4 Procedimentos de Análise, Tratamento e Interpretação de Dados .................. 49
4 RESULTADOS ....................................................................................................... 50
4.1 Contexto da Empresa Estudada ...................................................................... 50
4.2 Análise das categorias ..................................................................................... 51
4.2.1 Aprendizagem vicária, observacional e pela imitação .................................. 52
4.2.2. Relações de Influência pela Interação Social .............................................. 60
4.2.3. Processo de Conformação Mútua ............................................................... 65
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 74
6 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 82
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1 INTRODUÇÃO
A crescente preocupação com o estudo do processo de aprendizagem
organizacional tem atraído estudiosos da psicologia, sociologia, economia e
sistemas de informação (GHERARDI, 2004) e contribui para muitas revisões de
literatura e uma multiplicidade de enfoques sobre o tema (ver, por exemplo,
BITENCOURT, 2006; ANTONELLO e GODOY, 2007; ELKJAER, 2001; GHERARDI,
2004).
Predomina nas investigações sobre aprendizagem organizacional a
perspectiva individual, que parte da premissa da teoria de aprendizagem como
cognição individual, tendo o foco na maneira como as pessoas obtêm o
conhecimento, e não em como o contexto organizacional é o elemento chave para
aprendizagem, socialização e desenvolvimento da aprendizagem organizacional
(ANTONELLO; GODOY, 2007; ELKJAER, 2001; GHERARDI, 2004;
ANTONACOPOULOU; CHIVA, 2007). Originária da teoria da aprendizagem
individual, a literatura sobre AO, por muito tempo, deu pouca atenção para a
perspectiva social da aprendizagem, cujas teorias podem contribuir para a
compreensão e o desenvolvimento da aprendizagem no campo das organizações
(cf. FREITAS e GODOI, 2008).
Conforme Nicolini, Gherardi e Yanow (2003), o aumento do interesse na AO
está na tese de que conhecimento e aprendizagem organizacional não podem ser
concebidos como um processo mental residente na cabeça dos indivíduos; mais do
que isso, devem ser visualizados enquanto formas de expertise social, ou seja,
como conhecimento na ação situada em um contexto histórico, social e cultural, e
desenvolve-se sob uma variedade de formas.
Os estudos de Elkjaer (2001) sobre a aprendizagem social, de Gherardi e
Nicolini (2004) sobre a teoria de aprendizagem situada e os estudos de Easterby-
Smith e Araújo (2001) assinalam avanços da pesquisa sob a perspectiva da
aprendizagem social, que considera tal processo parte integral da organização. De
acordo com Antonacopolou e Chiva (2007), a perspectiva social da aprendizagem
consiste em uma abordagem para a compreensão do comportamento social humano
que envolve o estudo da aprendizagem resultante e parte de interações em um
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contexto social. Argyris e Schon (1996) já concebiam a aprendizagem organizacional
como algo mais do que a soma das aprendizagens individuais.
A necessidade de superação da dicotomia indivíduo versus organização e da
interpenetração dos saberes para avanço dos estudos organizacionais é defendida
por Godoi (2005, p. 45), ao afirmar que “os estudos organizacionais deveriam ser
teorias capazes de conectar os processos individuais, o funcionamento dos grupos e
as relações sociais [...]”. Na perspectiva social, entende-se que a aprendizagem é
algo que emerge das interações sociais (GHERARDI e NICOLINI, 2004, p.47), ou
seja, é socialmente construída (BERGER e LUCKMANN, 1998); focaliza-se, então, a
maneira pela qual as pessoas atribuem significados as suas experiências de
trabalho, que podem ser explícitas ou tácitas.
Para Berger e Luckmann (1998), a sociedade é uma realidade ao mesmo
tempo objetiva e subjetiva, ou seja, é construída em um processo dialético de forma
que sociedade e indivíduos estão em um constante processo de conformação
mútua; e neste processo, os significados são construídos. Wenger (2003) destaca
que, a partir do entendimento de organizações como sistemas de aprendizagem
social, a aprendizagem é um processo social que ocorre nas interações diversas
envolvendo indivíduos, organizações e os sistemas maiores de qual fazem parte.
Desta forma, é possível pensar a AO como parte deste processo dialético da
construção da sociedade, com significados construídos na relação que envolve
indivíduos, organização e seu contexto.
Elkjaer (2001, p. 101) defende que as teorias de aprendizagem organizacional
devem ter seu ponto de partida numa teoria de aprendizagem social, ou seja, é
necessário reconhecer o aspecto social (DEFILLIPPI e ORNSTEIN, 2003, p.27) da
aprendizagem dentro das relações humanas. Elkjaer (2001, p. 109) considera
“aprendizagem como uma reconstrução e reorganização da experiência que é,
essencialmente, individual – mas baseada numa perspectiva de indivíduos como
socialmente formados e vice-versa”. A aprendizagem é a matéria para
desenvolvimento da identidade. Elkjaer (2003) afirma ainda que, mudando o
conteúdo da aprendizagem de aquisição de conhecimento para formação de
identidade, expande-se o conceito de aprendizagem para incluir uma dimensão
ontológica.
As idéias e conceitos da teoria pragmática de Jonh Dewey são utilizados por
Elkjaer (2001, p.112) para defender uma abordagem social da aprendizagem
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organizacional. Dewey (1959) define aprendizagem como uma contínua
reorganização e reconstrução da experiência, e afirma que a aprendizagem ocorre
constantemente quando as pessoas agem e interagem, refletem e pensam. Esta
noção de aprendizagem implica em um entendimento não dualista do fazer e do
conhecer, ação e pensamento, que substitui a separação dualista por uma
continuidade de agir e conhecer.
De acordo com Teixeira (1973), para Dewey, a experiência é uma relação que
se processa entre dois elementos, possibilitando uma modificação da realidade de
ambos. As experiências humanas de reflexão e conhecimento também geram esta
alteração simultânea no agente do conhecimento e na coisa conhecida, modificando
as existências dos elementos pela alteração das relações existentes.
Um importante teórico que justifica a abordagem social da aprendizagem
organizacional é Albert Bandura, defensor da teoria de aprendizagem social ou, de
forma mais abrangente, da teoria cognitiva social. Conforme Azevedo (1997), trata-
se de uma teoria de aprendizagem que considera a perspectiva comportamentalista,
destacando-se alguns aspectos do comportamento que escapavam à abordagem
ortodoxa comportamentalista, tais como os comportamentos resultantes da
experiência, observação e da imitação.
Bandura e Walters (1978, p. 16) defendem que a aprendizagem via
observação é mais eficiente, além de evitar as possíveis conseqüências negativas
da experiência direta; as ações geradoras de conseqüências positivas tendem a
permanecer, e as que geram conseqüências negativas tendem a desaparecer.
Contribuição importante para o processo social da aprendizagem é fornecida
pelo psicólogo Kurt Lewin, que teve início ainda na década de 1940, através de suas
pesquisas sobre a dinâmica dos grupos. Sua visão é a de que a conduta dos
indivíduos em grupo é determinada pela dinâmica dos fatos e pela dinâmica dos
valores percebidos em cada situação (MAILHIOT, 1977, p. 56), confirmando a tese
de que a observação é fonte importante da aprendizagem. As descobertas de Lewin
sobre as necessidades interpessoais - via experiências que comprovaram que a
produtividade e eficiência de um grupo estão relacionadas com a competência
individual, mas muito forte também com a solidariedade de suas relações
interpessoais (MAILHIOT, 1977, p. 66) - confirmam a teoria da aprendizagem social
como possibilidade de compreensão da aprendizagem organizacional.
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Aprendizagem organizacional exige, portanto, considerar o aspecto social da
aprendizagem (ELKJAER, 2001; DEFILLIPPI, ORNSTEIN, NICOLINI, GHERARDI e
YANOW, 2003) e fundamentar-se em teorias capazes de conectar os processos
individuais, o funcionamento dos grupos e as relações sociais.
As hipóteses teóricas relativas à aprendizagem individual podem ser usadas
na construção de teorias de AO, ao assumir que a AO pode ser explicada pelos
princípios da aprendizagem psicológica (ver, por exemplo, DEFILLIPPI e
ORNSTEIN, 2003; ANTONELLO e GODOY, 2007; MAIER, PRANGE e
ROSENSTIEL, 2001). A teoria psicológica é usada como fonte de metáforas para
identificar processos de AO que podem, ou não, ser similares a processos da
aprendizagem individual. Algumas hipóteses da psicologia podem ser utilizadas nas
teorias de AO por presumir que a aprendizagem organizacional é um processo
emergente não redutível ao processo de aprendizagem individual, assim a
aprendizagem individual pode ser parte da AO (cf. DEFILLIPPI e ORNSTEIN, 2003;
ANTONELLO e GODOY, 2007).
As perspectivas teóricas da psicologia examinadas em termos de seu uso nas
teorias de AO são cinco: a biológica, a comportamental, a cognitiva, a sociológica e
a psicodinâmica, sendo dominante a perspectiva cognitiva. Conforme Defillippi e
Ornstein (2003), as teorias psicológicas são empregadas de forma metafórica nas
teorias de AO.
Neste trabalho, adotamos a perspectiva social e ajustamos o foco em como o
contexto pode ser examinado para a melhor compreensão da mesma. A hipótese
básica desta perspectiva é que o completo entendimento do comportamento
humano depende da compreensão de seu ambiente social, cultural e sociológico.
Enquanto as outras perspectivas consideram o indivíduo separado de seu ambiente,
esta abordagem considera os relacionamentos entre os indivíduos e seu ambiente
(FREITAS e GODOI, 2008).
A relevância deste trabalho reside na possibilidade de compreensão da AO
sob a perspectiva social, oferecendo um melhor entendimento do intrincado
fenômeno da AO, principalmente em relação à influência do contexto sobre este
processo. A noção da AO como um processo social e o entendimento de que a
aprendizagem processa-se na relação entre indivíduos e organização levam-nos a
uma reflexão crítica sobre as formas e possibilidades de geração da AO. A
ampliação dos estudos sobre AO e novas abordagens também são entendidas por
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Nicolini e Meznar (1995) como fundamentais e necessárias para o entendimento da
AO, pois permitem um melhor entendimento do campo seja pelo aprofundamento ou
por perspectivas mais inclusivas, o que leva a novos entendimentos e percepções.
Este trabalho buscou argumentos nos processos de aprendizagem social,
tendo como base diversas teorias que perpassam a questão da aprendizagem
construída sob o contexto social, com a intenção de responder a seguinte pergunta
de pesquisa: Quais as possibilidades teórico-empíricas de compreensão do
processo de aprendizagem organizacional a partir da perspectiva social da
aprendizagem?
Esse estudo teve por objetivo geral compreender o processo de
aprendizagem organizacional a partir da perspectiva social. Os objetivos específicos
da pesquisa foram: a) estabelecer um translado das contribuições das teorias sociais
para a esfera da aprendizagem organizacional; b) identificar o processo de
construção social da aprendizagem na organização estudada.
A pesquisa, com o intuito de compreender como se constitui o processo de
aprendizagem, foi realizada em um laboratório farmacêutico da grande Florianópolis,
a partir de uma pesquisa qualitativa, através da estratégia de estudo de caso
exploratório (YIN, 2001). O método de coleta do material empírico foi a entrevista em
profundidade, gravada, transcrita e categorizada. A categorização final originou-se
da análise do material empírico e do reencontro com as abordagens teóricas.
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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O tema aprendizagem organizacional, abordado sob diversas perspectivas e
bases teóricas (BITENCOURT, 2006; ANTONELLO e GODOY, 2007), encontra-se
ainda com muitas perguntas sem resposta. E sob este contexto, a aprendizagem
organizacional pode evoluir através da contribuição das diversas disciplinas e
perspectivas que, constantemente, agregam novas formas de olhar este intrincado
fenômeno.
Assim, detemo-nos em explorar as perspectivas sociais, a aprendizagem
organizacional como processo social, analisando ainda a teoria cognitiva social de
Albert Bandura, as teorias de Kurt Lewin sobre dinâmicas de grupo, principalmente a
teoria de campo, e a teoria de estruturação de Anthony Giddens, na busca de uma
compreensão, através da multidisciplinaridade.
2.1 Principais abordagens da Aprendizagem Organizacional: introdução à discussão teórica
Sobre o tema Aprendizagem Organizacional, observa-se a existência de uma
multiplicidade de enfoques, com muitas questões a serem respondidas. Bitencourt
(2006) apresentou diversas destas questões sobre aprendizagem organizacional,
entre elas: é a organização que aprende ou são os indivíduos que a compõem que
aprendem? A aprendizagem das organizações é cognitiva ou é cultural? Trata-se de
um processo natural ou sistemático? A aprendizagem é normativa ou exemplar? A
aprendizagem serve ao aprimoramento ou à inovação? É adaptativa ou de ruptura?
Todas estas questões indicam que não existem respostas simples e que a
aprendizagem pode ocorrer de diversas formas, permitindo espaço para novas
interpretações e enfoques complementares, no desenvolvimento desta área.
Bitencourt (2006, p. 112) afirma que “a aprendizagem é um fenômeno próprio
das organizações, ainda que os processos de aprendizagem não sejam percebidos
ou incentivados” e escreve que duas importantes questões fazem parte das
discussões atuais sobre aprendizagem organizacional, sendo elas, como detectar ou
reconhecer a aprendizagem, e se é possível fazer a gestão da aprendizagem.
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Para Weick e Westley (2004), a estratégia de alguns estudiosos como March
e Olsen, Argyris e Schon e Simon, de tratarem a AO como aprendizagem individual
em um contexto organizacional talvez seja resultado da dificuldade de compreender
a natureza da organização; a imprecisão sobre o conceito e percepção sobre o que
é uma organização está na base das dificuldades para o entendimento da AO, o que
leva a várias definições e compreensões da mesma. Weick e Westley (2004)
afirmam que aprender e organizar são processos antagônicos: aprender é
desorganizar e criar uma série de variedades, ao contrário de organizar, que tem por
objetivo reduzir a variedade; esta afirmação consiste na idéia de que aprendizagem
organizacional é contraditória.
Administrar não é um processo neutro de desenvolver os meios mais eficazes
e eficientes para se alcançar uma meta pré-estabelecida. Como um grupo social, os
administradores exercem considerável influência sobre as pessoas. De forma
coletiva ou individualmente, eles estão numa posição que cria ou destrói
oportunidades de emprego para os outros, ajuda a determinar se os métodos de
trabalho são opressivos ou tolerantes. Isso lhes dá o poder de alimentar ou resistir a
abordagens de trabalho que estão mais ou menos adequadas ao ambiente. A
contribuição da crítica reflexiva nesse contexto é sua insistência em questionar
propósitos e em confrontar oportunidades de concessões, conciliando interesses e
ideologias que representam os pensamentos e ações administrativas (REYNOLDS,
1998).
Não existe na literatura um conceito único para o tema aprendizagem
organizacional. Trata-se de um conceito que vem sendo tratado há mais de 50 anos
e requer a conscientização de que não existe fim, pois a ação e a reação advindas
das mudanças externas ou internas, ocorridas no ambiente ou no indivíduo, fazem
parte do processo de aprendizagem (ARGYRIS e SCHON, 1996; FLEURY, 2001;
KIM,1993).
Easterby-Smith (1997) defende que se façam pesquisas sob diversas
perspectivas na construção de um entendimento sobre a AO; já que cada
perspectiva tem importantes contribuições, mas também suas falhas, principalmente
em razão das diferentes ontologias representadas pelas diversas disciplinas.
Ruas, Antonello e Boff (2005, p.14) afirmam que a AO pode ser dividida em
dois grupos distintos e discrepantes: o prescritivo, formado pelos consultores que se
interessam pela forma como as organizações devem fazer, e o analítico, constituído
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pelos acadêmicos que se interessam em entender como as organizações aprendem,
em vez de como deveriam aprender.
Contudo, não é fácil definir claramente os autores prescritivos dos autores
analíticos, e também não é objetivo detalhar-se na descrição sobre as duas
correntes de estudo por dois motivos: primeiro, porque esta distinção já é bem
explicada na literatura, além disso, como argumentam Easterby-Smith e Araujo
(2001), faz-se necessário não ficarmos presos a paradigmas, porque toda teoria
descritiva traz dentro de si prescrições para a prática, a as prescrições são
baseadas em teorias, sendo esta distinção pouco saudável ao desenvolvimento do
estudo sobre aprendizagem organizacional.
DiBella e Nevis (1999) afirmam que as abordagens sobre aprendizagem
organizacional geralmente seguem três possíveis enfoques, sendo elas: a)
normativa, que se concentra nas características fundamentais da aprendizagem; b)
desenvolvimental, para a qual as organizações desenvolvem-se através de diversos
estágios; c) capacitacional, que entende as organizações como sistemas de
aprendizagem. As diferentes abordagens diferem entre si em relação aos conceitos
e suposições referentes às organizações e à aprendizagem.
Na normativa, acredita-se que a aprendizagem pode acontecer desde que
existam ou sejam criadas algumas condições. Constitui-se como um mecanismo de
evolução organizacional, onde os gestores devem criar condições para que a
aprendizagem ocorra, ao estimular e valorizar as idéias das pessoas envolvidas no
processo organizacional; dentro desta visão, não é possível se tornar uma
organização aprendiz sem ter uma boa estrutura organizacional; na
desenvolvimental, acredita-se que se tornar uma organização aprendiz é uma meta
ou um estágio a ser atingido pelas organizações; transforma-se em organizações
aprendizes por meio de seu ciclo de vida, derivando-se tanto da adaptação
ambiental quanto da visão de seus gerentes; na capacitacional, supõe-se que a
aprendizagem é inata às organizações, e existem diversas maneiras de elas
aprenderem. Neste caso, não existe a preocupação de saber se a organização é
aprendiz ou não, mas em refletir como os indivíduos desta organização aprendem e
se são capazes de aprender.
A aprendizagem organizacional, na concepção de Dibella e Nevis (1999, p.
07), tem sido um processo fundamental para assegurar a própria existência da
organização. Todavia, a aprendizagem organizacional não acontece por si só; na
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maior parte das vezes, é resultado de um esforço deliberado que consome tempo e
recursos. A aprendizagem, segundo estes autores, tem como função principal ajudar
as organizações a superarem seus limites e tornarem-se melhores.
Apesar das discussões em torno do tema, pode-se afirmar que todas as
organizações são sistemas de aprendizagem. Nas organizações, existem processos
formais e informais e estruturas para a aquisição, compartilhamento e utilização de
conhecimentos e habilidades (NEVIS, DIBELLA e GOULD, 1995, p. 75).
Dentre as diferentes perspectivas sobre aprendizagem organizacional na
literatura, segundo Huysmann (2001), é possível identificar algumas tendências
sobre o assunto, sendo elas, tendência à melhoria – preocupação com os
resultados, tendência à ação individual – foco em “quem aprende?”, tendência à
adaptação ambiental – foco em “como as organizações aprendem?”, tendência à
aprendizagem planejada – “quando as organizações aprendem?”. E ainda,
Shrivastava (apud HUYSMANN, 2001) defende que a literatura apresenta quatro
perspectivas em relação ao conteúdo da aprendizagem: aprendizagem adaptativa,
lidando com regras e procedimentos operacionais padrões; compartilhamento de
suposições, tratando de cognições e teorias em uso; desenvolvimento da base de
conhecimento, a lidar com conhecimento e informação; e efeitos de experiências
institucionalizados, trabalhando com mudanças e comportamento.
A tendência à melhoria aparece quando significativa parte da literatura
percebe aperfeiçoamento, melhorias e inovação como resultados da aprendizagem;
ao retirar o foco do processo de aprendizagem, independente de seus resultados,
para as condições que propiciem resultados positivos da aprendizagem. Para
Huysmann (2001), a tendência à melhoria mostra-se nas percepções de
aprendizagem como um processo voltado a ganho de performance, esquecendo-se
de outros resultados do processo de aprendizagem, nem sempre positivos.
A tendência à ação individual é demonstrada pela tendência de perceber os
indivíduos como agentes de aprendizagem, salienta-se a ação individual ou grupal
na aprendizagem, sendo pouco ou totalmente desconsiderados aspectos estruturais
ou da ação da história sobre o processo de aprendizagem organizacional. Conforme
Huysmann (2001), o problema da tendência à ação individual está no fato de não
considerar a influência das condições estruturais, o que inclui as forças
institucionais, as histórias, a cultura, estruturas de grupo e de poder. Normas, regras,
crenças e valores institucionalizados na organização limitam as ações dos agentes,
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a interpretação e a construção de sentidos a partir das experiências vivenciadas o
que impacta fortemente no que é aprendido e em como ocorre.
A tendência à adaptação ambiental é percebida quando a aprendizagem
organizacional é vista como uma forma de corrigir erros e adaptar-se a demandas
ambientais, sendo a aprendizagem necessária e fator de sucesso em ambientes em
constantes mudanças. Esta tendência é problemática, conforme Huysmann (2001),
porque se refere apenas ao desejo de ficar alinhado ao ambiente como incentivo à
aprendizagem, ou seja, outros fatores geradores da aprendizagem são
negligenciados.
A tendência à aprendizagem planejada fica evidente entre os autores que
acreditam que a atividade de aprendizagem pode ser deliberada e planejada. Um
exemplo deste enfoque são as “organizações de aprendizagem” que, conforme
Senge (1998), deve ser “criada” no sentido de facilitar e incentivar a aprendizagem.
O problema desta tendência está no fato de que nem sempre a aprendizagem pode
ser planejada, pois é influenciada por condições estruturais diversas, e ainda sabe-
se que existe dentro das organizações muito da aprendizagem não planejada e não
intencional.
O modelo de aprendizagem vivencial proposto por Kolb (1997) busca
descrever como indivíduos e organizações aprendem. Este modelo considera a
experiência como base da aprendizagem. As situações vivenciadas pelo aprendiz
permitem a observação e a reflexão, que por sua vez levam a conceitos e
generalizações, os quais servem de base para novas experiências.
Kolb (1997) concebe a aprendizagem como um ciclo quadrifásico, composto
pelas fases chamadas de: a) experiência concreta, na qual o aprendiz envolve-se
abertamente em uma nova experiência; b) observação reflexiva, em que o aprendiz
reflete e analisa esta experiência sob diversas perspectivas; c) conceituação
abstrata, na qual o aprendiz formula conceitos encaixando suas observações dentro
de teorias por si conhecidas e d) experimentação ativa, quando o aprendiz utiliza a
aprendizagem adquirida na hora de resolver outros problemas. Para que a
aprendizagem ocorra, é necessário que os aprendizes sejam capazes da
observação e da reflexão, fundamentais para abstração e criação de conceitos,
capazes de guiar novas experiências. A aprendizagem, conforme este modelo,
acontece pela sobreposição contínua da ação e da reflexão.
20
Na aprendizagem em organizações sob o contexto da reflexão crítica, a
aprendizagem é analisada sob este aspecto, que faz com que os adultos adotem
perspectivas diferentes das que eram tidas como certas – idéias, valores e
comportamentos (DEWEY, 1973). A aprendizagem por reflexão crítica nas
organizações pode ocorrer tanto por uma aprendizagem formal quanto informal.
Para Schon (2000), a experiência tem demonstrado que muitas vezes o
conhecimento técnico é insuficiente para solução de muitos problemas da vida real
devido à complexidade das situações e à impossibilidade da definição completa e
correta dos problemas enfrentados; situação que exige a capacidade da reflexão-na-
ação, que é mais do que refletir após a ação, significa refletir durante a ação, o que
permite a experimentação imediata e a observação dos resultados. Schon (2000)
defende a habilidade reflexiva como fundamental no processo de aprendizagem.
Merriam e Caffarella (1991) apresentam teorias sobre aprendizagem de
adultos, sugerindo uma divisão em cinco orientações: comportamentalista
(Behaviorista), cognitivista, humanista, social e construtivista; apresentando seus
pressupostos e seus principais teóricos (ver quadro 1).
21
Aspecto Behaviorista Cognitivista Humanista Aprendizagem
Social
Construtivista
Teóricos de aprendizagem
Visão do processo de aprendizagem
Locus da aprendizagem
Propósito da educação
Manifestação na aprendizagem de adultos
Skinner, Thorndike
Mudança no comportamento
Estímulo no ambiente externo
Produzir mudança de comportamento em direção desejada
- Objetivos
behavioristas
- Desenvolvimento de habilidades e treinamento
Lewin, Piaget
Processo mental interno (incluindo insight, processamento de informações, memória e percepção)
Estrutura cognitiva interna
Desenvolver capacidades e habilidades para aprender melhor
Desenvolvimento cognitivo
- Inteligência,
aprendizagem e
memória como função da idade
Maslow, Rogers
Um ato pessoal para realizar potencial
Necessidades cognitivas e afetivas
Tornar-se auto-atualizado e autônomo
- Andragogia
Aprendizagem
autodirecionada
Bandura, Rotter
Interação e observação dos outros em um contexto social
Interação de pessoa, comportamento e ambiente
Modelar novos papéis e comportamento
Socialização
- Papéis sociais
- Relação com mentor
- Locus de controle
Candy, Dewey, Lave, Piaget, von Glasersfeld, Vygotsky
Construção de significado da experiência
Construção interna da realidade pelo indivíduo
Construção de conhecimento
Aprendizagem pela experiência
Aprendizagem autodirecionada
Transformação de perspectiva
Prática reflexiva
Quadro 1: Cinco orientações de aprendizagem Fonte: Merriam e Caffarella (1999, p. 264)
22
O behaviorismo parte do pressuposto de que quase todo comportamento
humano é resultado de aprendizagens e que a melhor maneira de compreender as
pessoas é examinar como elas aprendem (DEFILLIPPI e ORNSTEIN, 2003). As
teorias do behaviorismo compartilham a hipótese de que a aprendizagem é
observável e consciente, mas com uma abordagem absolutista, acreditando que o
comportamento é condicionado pelos estímulos externos, podendo um
comportamento ser estimulado ou inibido através de reforços positivos ou negativos.
Na perspectiva cognitiva, a abordagem busca explicar as pessoas pela
compreensão de seus pensamentos, motivações e memória, ou seja, suas
cognições (DEFILLIPPI e ORNSTEIN, 2003). Esta abordagem resulta da visão dos
processos mentais como derivados do pensamento, crenças, percepção e
interpretação. A hipótese básica desta perspectiva diz que a compreensão do
comportamento humano depende do entendimento das origens e conseqüências
das cognições das pessoas (FREITAS e GODOI, 2008). O maior representante
desta escola de pensamento é Piaget com os modelos multi-estágios do
desenvolvimento humano do pensamento e da motivação. Para Piaget (1976), as
crianças desenvolvem suas capacidades cognitivas através de quatro estágios de
desenvolvimento, sendo eles: sensório motor (de 0 a 2 anos); pré-operacional ( 2 a
6 anos); operações concretas (7 aos 12 anos) e operações formais(13 anos em
diante). Durante estes estágios, a aprendizagem é acompanhada pelo
desenvolvimento do pensamento representacional, incrementando o uso de
símbolos e linguagem, compreensão do mundo físico (concreto) e do abstrato, idéias
e motivações. A hipótese da perspectiva cognitiva é que as pessoas podem ser
compreendidas através da inferência de seus modos de pensamento pela
observação de seus comportamentos.
As abordagens humanistas defendem que o indivíduo consegue controlar seu
destino e tem potencial ilimitado para desenvolver-se, além disso, entende-se que
seu comportamento é conseqüência de suas escolhas. Merriam e Caffarella (1999)
ressaltam os trabalhos dos psicólogos Abraham Maslow e Carl Rogers como
grandes contribuições para essa perspectiva da aprendizagem.
A aprendizagem social tem seu foco em como o contexto que a pessoa vive
pode ser examinado para a melhor compreensão da mesma (DEFILLIPPI e
ORNSTEIN, 2003). A hipótese básica desta perspectiva é que o completo
entendimento do comportamento humano depende da compreensão de seu
23
ambiente social, cultural e sócio-cultural. Enquanto as outras perspectivas
consideram o indivíduo separado de seu ambiente, esta abordagem considera os
relacionamentos entre os indivíduos e seu ambiente (FREITAS e GODOI, 2008).
Três áreas de estudo compartilham hipóteses com esta perspectiva: a teoria dos
papéis, dinâmica de grupos (LEWIN e CARTWRIGHT, 1965) e contexto cultural.
Nestes estudos, a interpretação do papel adotado pelo indivíduo vai influenciar seu
comportamento; o comportamento individual difere quando em grupos e a cultura
influencia fortemente o comportamento humano e a aprendizagem.
Rotter (1966) desenvolveu uma teoria de aprendizagem social na qual
postulava que a tendência a realizar algum comportamento é, em parte, função da
expectativa de que a resposta será seguida de reforço; esta expectativa pode ser
específica, baseada na contingência entre a resposta e o reforço, ou seja, que o
comportamento do sujeito (resposta) é a causa do reforço, ou uma expectativa
generalizada, que é a crença relativa à probabilidade de reforço para uma classe de
comportamentos relacionados entre si.
A partir do surgimento do construtivismo de Jean Piaget, começa-se a
desenvolver o papel do indivíduo como agente do seu processo, um ser autônomo
que pode construir gradualmente sua visão de mundo. Para Schwandt (1994), com o
construtivismo, o conhecimento começa possuir um sentindo ideológico, político e
com muitos valores embutidos, levando ao aperfeiçoamento da condição humana; o
autor caracteriza o construtivismo como derivações das realidades construídas em
contextos concretos, onde as verdades e as realidades são descobertas e
construídas ao mesmo tempo; os construtivistas acreditam que a mente é ativa na
construção do conhecimento. Conforme Schwandt (1994), os conceitos são
inventados para dar sentido à experiência e são constantemente modificados por
novas experiências.
Na aprendizagem sob o contexto comportamentalista, conceitua-se o
aprendizado como um processo de formação de conexões entre estímulo e
resposta. A aprendizagem de adultos (andragogia) deriva do comportamentalismo
no tocante ao fato de o aprendiz ter um papel mais ativo no controle dos objetivos do
aprendizado e dos meios para atingi-lo.
Enfatizando a aprendizagem de adultos, Mezirow (1991) dá prioridade para a
maneira pela qual as pessoas formam sentido ou significados sobre suas próprias
experiências; os indivíduos necessitam compreender suas experiências a fim de
24
agirem apropriadamente diante das situações. O autor desenvolve sua abordagem
no conceito de significado, buscando analisar como ele é construído, aceito e
reformulado. Esses significados são construídos mediante a interação humana,
significando suas experiências por meio do diálogo com os outros, buscando
compreender a validade nas afirmações dos outros e nas próprias afirmações. Tanto
os significados podem ser reforçados como mudados pela experiência por meio
desta interação interpessoal. Assim, as explicações causais e as expectativas em
relação aos eventos influenciam as ações dos indivíduos. As relações e causas
atribuídas a um evento ou situação pelo indivíduo influenciam fortemente suas ações
futuras, sendo, portanto, fundamentais nos processos de aprendizagem.
O conceito de sensemaking de Weick (1995) - que, literalmente, significa
“fazer sentido” - indica o modo como indivíduos constroem eventos. De acordo com
Weick (1995), tal conceito reflete sobre o “construir o desconhecido” e sobre como e
porque se constroem os eventos; isso está intimamente ligado à questão da
aprendizagem organizacional, bem como às idéias de aprendizagem de adultos de
Mezirow (1991) e aos conceitos também defendidos por Freire (1983) na educação,
que preconizam que aprendemos enquanto e quando as situações e eventos fazem
sentido para nossa vida.
No ambiente organizacional, a todo momento, pessoas e grupos buscam
entender e compreender o ambiente a sua volta (MEZIROW, 1991), bem como
agem, interagem de acordo com os sentidos socialmente construídos naquele grupo
e por aquelas pessoas (BERGER e LUCKMANN, 1998, FREIRE, 1983). A AO é
parte do resultado de um processo de sensemaking; a organização age e reage
sobre os eventos e situações que são reconhecidos e aceitos como tais dentro
daquele contexto. As ações e reações são estabelecidas de acordo com os
significados construídos, aceitos e reconhecidos pela organização, tanto em relação
aos eventos, quanto às ações e reações para enfrentamento de tais eventos.
Podemos afirmar que a AO é mediada pelo sensemaking (WEICK, 1995), quando se
sabe que o sucesso das ações e aprendizagem organizacional são resultantes da
capacidade da organização de reconhecimento dos eventos internos e externos,
assim como do significado e entendimentos das ações organizacionais e do
reconhecimento do impacto de tais ações e sentido dos resultados obtidos para
organização e seus membros.
25
Segundo Freire (1987), a prática e o reconhecimento deste significado vêm
através da reflexão e da ação do indivíduo sobre o seu mundo, ao buscar
transformar e superar a contradição opressor-oprimido; só através da reflexão crítica
a prática será libertadora e terá significado. E é como seres transformadores que os
homens, em suas permanentes relações com a realidade, produzem não somente
os bens materiais, mas também as instituições sociais, suas idéias, suas
concepções.
Nicolini e Meznar (1995) e Fiol e Lyles (1985) reconhecem a necessidade da
reflexão crítica para aprendizagem, quando afirmam que as organizações devem
desenvolver a capacidade de aprender, desaprender ou reaprender baseadas em
seu comportamento anterior.
Lucena (2001) reforça que a aprendizagem é uma interpretação nova ou
revisada de uma experiência vivida, guiando, posteriormente as próximas ações.
Através da reflexão, é possível avaliar e modificar determinados significados que
tenham construído no passado.
A percepção de Lucena (2001) sobre aprendizagem como uma interpretação
nova ou revisada de uma experiência vivida e a afirmação de Paulo Freire (1983) de
que a visão de si mesmo e de mundo podem ser modificadas e moldadas pelos
significados atribuídos permitem-nos afirmar a aprendizagem como um processo de
Sensemaking.
Para Freire (1983), a educação pode ser tanto libertadora como opressora. O
autor comenta ainda que a mudança social normalmente é significativa para a
aprendizagem do adulto, pois as relações que o indivíduo tem no mundo e com o
mundo são uma realidade tanto objetiva quanto subjetiva. Tais relações não são
somente contatos, mas estão permeadas de significados. A interação mútua com o
contexto, resultado e resultante de estar não apenas nele, mas com ele, traz um
significado diferente de adaptação, acomodação e ajustamento conforme as teorias
piagetianas, pois implica que tanto a visão de si mesmo como a do seu mundo é
modificada e moldada pelos significados atribuídos. “A sua integração o enraíza. Faz
dele, na feliz expressão de Marcel, um ser ‘situado e datado’.” (FREIRE, 1983).
Para Mezirow (1991), a aprendizagem só pode ser entendida “situada” em um
contexto cultural específico, pois culturas ampliam ou inibem a aprendizagem. Há,
nesse sentido, uma necessidade de busca de significado das experiências pelo
adulto para que a aprendizagem possa ocorrer e é necessário a integração com os
26
outros (FREIRE, 1983) sendo validado através da reflexão crítica (SCHON, 2000).
Dentro desta perspectiva, Mezirow (1991) menciona o papel da imaginação nos
processos de aprendizagem transformadora. Imaginando, sentindo e expressando
podemos dar significados ao nosso mundo, sendo possível compor uma vida por
meio da reflexão critica dentro de um contexto social. A aprendizagem que provoca
emoções, imagens, sentimentos, tem possibilidades de transformar o individuo
(FREIRE, 1983; MEZIROW, 1991). A ação de aprender está ligada ao
desenvolvimento das pessoas, pois está baseada na premissa que não há
aprendizagem sem ação e nenhuma ação deliberada sem aprendizagem
(REYNOLDS, 1998).
Na aprendizagem situada, as pessoas constroem sua própria estrutura de
aprendizagem, baseada em experiências profissionais e em idéias desenvolvidas
pelos próprios indivíduos, sendo uma estrutura não hierárquica, possibilitando o
confronto de idéias, enquanto se aprende a contribuir com o aprendizado do
próximo. Aprender não é imposto, mas emergente, aprendizado é ativo, sendo que o
método cria possibilidades para que ocorram críticas reflexivas, gerando
perspectivas que sustentem a aprendizagem, tanto individual quanto coletiva,
buscando como finalidade o sentido na experiência (REYNOLDS, 1998).
Quando Mezirow (1991) afirma que o entendimento do processo de
aprendizagem somente pode ser entendido como situado em um contexto
especifico, pois é na interação que os significados são construídos e compreendidos
por meio da reflexão crítica (SCHON, 2000). Neste caso, pode-se também conceber
a aprendizagem como um processo de sensemaking, pelo qual a aprendizagem é
resultado de um processo social de construção de sentido por meio da reflexão
sobre as experiências vividas.
Enquanto a crítica reflexiva é a base das abordagens em educação
transformadora, a reflexão como um conceito de aprendizagem administrativa é
definida como a chave para a resolução de problemas. Em ambas, a reflexão é vista
como ponto de partida para o processo de aprendizagem, principalmente
apresentando a aprendizagem como um desenvolvimento, e não apenas como a
aquisição de informação (REYNOLDS, 1998). Corroborando com esta idéia, Elkjaer
(2003) e Meznar (1995) visualizam a aprendizagem como desenvolvimento, sendo o
caminho para ser e tornar parte do mundo, o que inclui a organização, expandindo
assim o conteúdo de aprendizagem de aquisição de conhecimento para a formação
27
de identidade. O propósito da crítica reflexiva é o de examinar processos sociais que
afetam a aprendizagem e o desenvolvimento, oferecendo uma “visão intelectual” à
resistência a esses processos e buscando uma possibilidade de mudança na base
de uma análise realista sobre como as coisas são. (REYNOLDS, 1998).
Do ponto de vista da crítica reflexiva, é necessário considerar todas as
observações e ordens das estruturas sociais e dos comportamentos (incluindo
teorias da educação e da administração) mais como interessantes do que como
neutras, para trazer à tona o que vinha sendo escondido e para questionar o que
algumas pessoas insistem em dizer que é óbvio. Cada vez mais a teoria crítica
influencia pesquisas desenvolvidas por teóricos e educadores de administração
(REYNOLDS, 1998).
Conforme Reynolds (1998), a pedagogia crítica ecoa já com os estudos de
Freire, cujo trabalho desenvolvido é baseado em princípios educacionais que são
igualmente emancipatórios, dando ênfase às “reflexões e ações mundiais com o
objetivo de transformá-las”. As relações do homem com a sua realidade, resultante
de estar com ela e de estar nela, pelas ações de criação e recriação, o indivíduo vai
modificando e dinamizando seu mundo, assim dominando sua realidade e
participando destas realidades construídas por ele mesmo (FREIRE, 1983). Tanto a
proposta de educação de Freire quanto a proposta de uma crítica reflexiva nas
teorias organizacionais de Reynolds buscam idéias para promover uma sociedade
justa e democrática através de confrontos sobre a racionalidade dominante. Esta
busca por reflexão com os interesses emancipatórios de autonomia e
responsabilidade, através de um processo no qual conhecimento e ação, coincidem
com as reconstruções de significados.
Segundo Kolb (1997), a capacidade de adaptação e de aprendizagem com os
erros e acertos passados está entre as capacidades mais importantes para uma
empresa. E para que a aprendizagem ocorra, é necessário que os aprendizes sejam
capazes de observar e refletir. Tais capacidades são necessárias para abstrair e
criar conceitos capazes de guiar novas experiências.
Diversas perspectivas psicológicas da aprendizagem individual são utilizadas
na formulação de perspectivas teóricas da AO (cf. DEFILLIPPI, ORNSTEIN, 2003;
ANTONELLO, GODOY, 2007; MAIER, PRANGE, ROSENSTIEL, 2001), como (a)
processamento da informação, (b) comportamental, (c) construção social e (d)
28
aprendizagem aplicada. Esta classificação foi utilizada com alguma variação por
diversos autores.
A perspectiva de processamento de informação percebe as organizações
como sistema de informação. Seu objetivo é aumentar o conhecimento pela
implementação de processos organizacionais que simulam processamento de
informação existente em humanos e sistemas computacionais. E o problema da AO
resume-se aos processos de armazenamento e recuperação da informação.
Esta visão suporta-se em duas hipóteses psicológicas de aprendizagem.
Primeiro esta abordagem assume que a informação, conhecimento e aprendizagem
são armazenados na memória coletiva, baseado no acúmulo de experiência de
indivíduos dentro da organização, segundo esta abordagem é baseada nos modelos
mentais compartilhados para interpretação e dar significado a informação.
Para Senge (1998, p. 234), os modelos mentais compartilhados somente
podem ser construídos através de interações entre cada membro de uma
organização. Ou ainda através de conversas, nas quais constantemente os
indivíduos troquem idéias e conhecimento, na busca de construir uma visão de todos
que contenha a visão pessoal de cada um. Desta forma, é possível atingir um real
comprometimento para a consecução da visão assim compartilhada.
Esta perspectiva assume que a organização tem sistemas cognitivos e
memória e que modelos mentais são desenvolvidos tanto por indivíduos quanto
pelas organizações. March apud Defillippi e Ornstein (2003) compartilha com Senge
(1997) a idéia de que as organizações acumulam conhecimento da aprendizagem
de seus membros na forma de código organizacional que constituem os modelos
mentais compartilhados. A capacidade de absorver novos conhecimentos da
organização depende da capacidade de seus membros individuais e dos
conhecimentos pré-existentes. Compartilhar idéias e conhecimento e construir uma
visão comum exige diálogo, elemento central para consecução de objetivos que
exijam sincronia e coesão entre um grupo de pessoas (SENGE,1997).
Três abordagens psicológicas (cf. ANTONELLO e GODOY, 2007) podem ser
identificadas na perspectiva de processamento de informação. A perspectiva
biológica, bastante presente quando se afirma que a informação e o processamento
são distribuídos na organização; perspectiva cognitiva, quando sugere que o
sensemaking é um componente crítico para a aprendizagem; e perspectiva da
29
aprendizagem, quando apresenta uma forte orientação comportamental, ou seja, o
comportamento é baseado no padrão estímulo-resposta.
Na perspectiva Comportamental/Evolucionária, quando adotada por teorias da
AO, parte-se da idéia de que as conseqüências (do comportamento) são os fatores
que mais impactam a aprendizagem (DEFILLIPPI e ORNSTEIN, 2003). O
comportamento das organizações e, portanto, a AO acontece a partir de suas
histórias e rotinas, ou seja, de sua trajetória. A aprendizagem futura é construída
sobre as aprendizagens anteriormente acumuladas, novos comportamentos são
resultados da associação entre estímulos, reações e conseqüências (MAIER,
PRANGE e ROSENSTIEL, 2001).
Esta abordagem de AO apóia-se no modelo psicológico da cognição quando
acredita que novas aprendizagens dependem de aprendizagens anteriores, no
modelo da aprendizagem quando afirma que as conseqüências modelam a
aprendizagem e no modelo da psicodinâmica quando afirma que a aprendizagem é
dependente da história passada (cf. ANTONELLO e GODOY, 2007).
O conceito da construção social para a AO fica mais explícito na perspectiva
psicológica sócio-cultural pelos seus conceitos-chave e metáforas básicas. Nesta
perspectiva, as situações e o contexto são fundamentais para a aprendizagem.
Também a perspectiva da construção social inclui os princípios psicológicos da
cognição social e da cognição individual para compreensão dos processos de
aprendizagens. A perspectiva psicológica da aprendizagem aparece quando se
acredita que a aprendizagem social está embutida nos relacionamentos (cf.
FREITAS e GODOI, 2008).
A perspectiva da aprendizagem aplicada sugere que a aprendizagem é
baseada na experiência direta, que a aprendizagem é mais efetiva na ação, e
normalmente também requer intervenção por treinadores ou consultores para
implementar práticas de aprendizagem individual e organizacional.
Esta perspectiva está associada a noções da aprendizagem pragmática de
Dewey, de aprendizagem experiencial de Kolb (1997), do processo de
aprendizagem de adultos de Mezirow (1991), Merriam e Caffarella (1999), das
noções de comportamento de Lewin e Cartwright (1965) e da noção de loops de
aprendizagem de Argyris e Schon (1996), levando a modelos de aprendizagem pela
ação, os quais defendem que é na ação que acontece a aprendizagem quando
indivíduos podem experienciar, refletir sobre suas hipóteses e resultados, testar e
30
construir novas aprendizagens. Nesta abordagem, as rotinas organizacionais são
modelos mentais compartilhados, resultantes dos modelos mentais individuais, que
guiam as ações organizacionais.
Esta perspectiva de AO baseia-se nas perspectivas psicológicas da
aprendizagem quando acredita que a aprendizagem é dirigida pelas conseqüências
(single-loop). Da cognição, quando acredita que a aprendizagem é resultante do
processamento das experiências da ação e da reflexão e também acredita que a
cognição é resultante dos modelos mentais compartilhados. Baseia-se também na
perspectiva psicológica da psicodinâmica, quando acredita que a AO é fortemente
influenciada pelas rotinas defensivas (ARGYRIS e SCHON, 1996), muitas vezes,
inconscientes, de indivíduos e grupos.
É possível perceber que a perspectiva da aprendizagem cognitiva domina nas
teorias de AO (cf.DEFILLIPPI, ORNSTEIN, 2003). No entanto, as perspectivas de
AO incorporam as perspectivas teóricas da psicologia mais como hipóteses de
background do que como teorias de suporte.
A perspectiva social para o entendimento da AO ganha importância a partir da
visão de autores como Wenger (2003), Elkjaer (2001), Berger e Luckmann (1998),
Giddens (1991), Freire (1983), Dewey (1959), Bandura (1978) e Teixeira (1973),
que acreditam na aprendizagem guiada pela experiência que é fruto e geradora de
múltiplos sentidos, sendo o ambiente social, o locus, participante ativo e passivo
deste processo.
A corrente da aprendizagem social afirma que os indivíduos aprendem
observando outras pessoas em contextos sociais. A aprendizagem se dá através da
interação com e no contexto social, sendo assim, a linha que iremos adotar neste
trabalho é a da abordagem social para uma melhor compreensão da aprendizagem
organizacional.
2.2 A aprendizagem organizacional sob a concepção social da aprendizagem
A abordagem da cognição social tenta entender como os aspectos do
conhecimento social (cf. TENBRUNSEL et al., 2004) afetam nossas atitudes e
comportamentos (inferências, julgamentos e decisões) nas diversas situações
sociais; e como propiciam mudanças em nosso conhecimento.
31
As teorias de aprendizagem social têm a sua origem no comportamentalismo.
Um dos clássicos desta teoria de aprendizagem é Albert Bandura, que defende a
aprendizagem pela observação.
A teoria de aprendizagem social ou, de forma mais abrangente, a teoria
cognitiva social de Albert Bandura, conforme Azevedo (1997), refere-se a uma teoria
de aprendizagem que considera a perspectiva comportamentalista, mas destaca
alguns aspectos do comportamento que escapavam à abordagem ortodoxa
comportamentalista, tais como os comportamentos resultantes da experiência,
observação e da imitação.
Na visão cognitiva social (cf. BANDURA, 1989), as ações das pessoas são
também influenciadas por estímulos de seu ambiente social. Esta teoria entende as
ações humanas como resultadas de uma interação constante entre
comportamentos, cognição e eventos ambientais. A teoria de aprendizagem
cognitiva social de Bandura (1986) entende que aprendizagem ocorre
fundamentalmente pela observação dos modelos, e das conseqüências observadas.
Comportamentos e atitudes que foram julgadas como adequadas, tendem a ser
imitadas. Pela perspectiva da cognição social a natureza humana é caracterizada
por uma grande potencialidade que pode ser modelada de diversas formas pela
experiência direta e observacional (BANDURA, 1986, p.21).
A teoria da aprendizagem social de Bandura (1986) afirma que é no contexto
das interações sociais que se aprendem comportamentos que nos permitem viver
em sociedade e desenvolver capacidades especificamente humanas (como ler,
escrever, falar, etc.). A aprendizagem social desenrola-se ao longo de toda a vida,
através do processo de socialização. Significa dizer que um indivíduo desenvolve-se
através da observação, identificação e imitação de um modelo, isto é, uma pessoa
pode adquirir um comportamento novo observando e imitando outras pessoas.
Sob esta perspectiva, as ações das pessoas são influenciadas basicamente
pelas capacidades de simbolização, capacidade de previsão, capacidade vicária
(abstração sob exemplos), capacidade regulatória e capacidade de auto-reflexão
(BANDURA, 1986, p. 18).
A capacidade de simbolizar provê múltiplas formas de alterar e adaptar seu
ambiente. Pelos símbolos, as pessoas transformam experiências em modelos
internos para guiar futuras ações. Por símbolos atribui-se significado e forma para
experiências da vida, pelos seus conhecimentos e o poder de simbolização as
32
pessoas podem encontrar novas formas de agir. Simbolicamente, as pessoas
podem analisar as possíveis soluções. Uma capacidade cognitiva avançada
juntamente com uma habilidade de simbolização permite que as pessoas criem
idéias que transcendam suas experiências sensoriais (cf. BANDURA, 1986, p. 18).
Por meio de símbolos, as pessoas podem comunicar suas experiências a outras
mesmo distantes do evento no tempo e no espaço.
A capacidade de premeditação (previsão) permite às pessoas não reagirem
simplesmente ao ambiente imediato e nem serem simplesmente guiadas pelo
passado, permite que as pessoas antecipem às conseqüências de suas possíveis
ações, determinem objetivos para si e planos de ações. Pelo exercício da previsão,
as pessoas motivam-se a si mesmas e guiam suas ações (cf. BANDURA, 1986, p.
19). Eventos futuros não podem servir como determinantes do comportamento, mas
sua representação cognitiva pode ter um forte impacto causal na ação presente.
Imagens desagradáveis do futuro mudam nosso comportamento; pela representação
simbólica do resultado previsto pessoas podem alterar as conseqüências futuras. A
previsão é produto da capacidade de reflexão.
A capacidade vicária permite a aprendizagem pela observação do
comportamento de outras pessoas e suas conseqüências. A capacidade para
aprender por observação permite as pessoas gerar e regular seus padrões de
comportamento sem ter que passar pelo processo de tentativa e erro. A aceleração
do processo de aquisição por aprendizagem observacional é vital para o
desenvolvimento e a sobrevivência (cf. BANDURA, 1986, p. 20), evitando erros ou
conseqüências fatais. Normas sociais, estilo de vida e praticas institucionais são
exemplos de aprendizagem de comportamento que se beneficiam da aprendizagem
pela observação de modelos. O observador tenderá a repetir o comportamento de
seu modelo quando as conseqüências de tal comportamento forem positivas.
A capacidade auto-regulatória permite a avaliação e comparação entre os
conhecimentos, padrões adquiridos e resultados de suas ações, o que permite um
auto-ajuste dos padrões de comportamento, influenciando suas ações futuras.
A capacidade de auto-reflexão é a capacidade de refletir conscientemente
sobre suas ações, o que permite às pessoas analisar suas experiências e pensar
sobre seus processos. Pela reflexão sobre suas várias experiências e
conhecimentos, as pessoas podem gerar novos conhecimentos e alterar suas
concepções sobre si mesmo e o mundo.
33
A ação pessoal nem sempre é objetivamente racional. Racionalidade
depende da habilidade de argumentação, que nem sempre é bem desenvolvida ou
usada efetivamente. As pessoas falham ao fazer julgamentos baseados em
inferências ou informações inadequadas ou por não considerar todas as
conseqüências ou diferentes opções. Além disso, exemplos errados e interpretações
equivocadas dos eventos levam a concepções errôneas sobre si mesmo e sobre o
mundo (BANDURA, 1986, p.22).
Schuck (1997, p. 243) afirma que aprender é uma experiência social; o
aprendizado ocorre através de interações com outras pessoas e de seu auxílio. Para
passar dos objetos e ações ao campo do significado, o aprendiz conversa com
outras pessoas para expandir seu campo de entendimento. Durante o diálogo, idéias
e experiências são compartilhadas e o aprendiz expõe seus problemas, gera
hipóteses, conduz experimentos e reflete sobre os resultados. Wenger (2003)
também afirma que o conhecimento é socialmente construído e todo aprendizado
ocorre pela participação em processos sociais via relacionamentos diversos.
Na aprendizagem em organizações, no contexto social, verifica-se que a
aprendizagem não é uma atividade totalmente individual, e vários autores afirmam
que grande parte da aprendizagem dos indivíduos nas organizações se dá por
interação social (ver, por exemplo, ANTONACOPOULOU e CHIVA, 2007; ELKJAER,
2003; GHERARDI e NICOLINI, 2004; DEFILLIPPI e ORNSTEIN, 2003). Essa
perspectiva não considera o aprendiz apenas como um agente que recebe e
transforma informação, e sim, que simultaneamente está interagindo ativamente
dentro de um contexto sócio-cultural, onde participa na criação da realidade.
Considera-se o papel das pessoas e o papel do contexto organizacional no processo
de aprendizagem nas organizações, o conhecimento é gerado a partir das relações
interpessoais e das interpretações desenvolvidas durante o trabalho.
A teoria social cognitiva de aprendizagem traz em si concepções e
fundamentos essenciais para uma melhor compreensão da aprendizagem
organizacional e de suas conseqüências e possibilidades para o mundo da gestão
(FREITAS e GODOI, 2008).
Easterby-Smith e Araújo (2001), discutindo debates e tendências em
aprendizagem organizacional, apontam que a distinção mais significativa entre os
autores que escrevem sobre aprendizagem organizacional está na concepção da
aprendizagem como um processo técnico ou um processo social. Na visão técnica, a
34
aprendizagem organizacional depende de uma correta leitura, processamento e
interpretação de dados, com posteriores ações suportadas por uma interpretação
lógica e racional. Na perspectiva social, entende-se que a aprendizagem é algo que
emerge das interações sociais, ou seja, é socialmente construída (BERGER e
LUCKMANN, 1998); focaliza-se, então, a maneira pela qual as pessoas atribuem
significados a suas experiências de trabalho, que podem ser explícitas ou tácitas.
Freitas e Godoi (2008) entendem a aprendizagem como socialmente construída,
como um processo político que está fortemente entrelaçado à cultura da
organização, sendo que a aprendizagem define a cultura da organização, mas, ao
mesmo tempo, é fruto da mesma, sendo limitada e influenciada pelas formas de
comportamentos e práticas “não-canônicas”.
A aprendizagem como construção social para a AO enfatiza o contexto social,
ao assumir que a aprendizagem está embutida nos relacionamentos e relações
entre as pessoas. A perspectiva da construção social complementa as demais
perspectivas por focar a AO incluindo o social, que media os processos cognitivos
de interpretação e construção de sentido. Weick e Westley (2004) concebem a
organização como um sistema de construção de sentido quando se envolve em
ciclos recorrentes de representação, seleção e retenção. Os aspectos situacionais
são vistos como fundamentais para a aprendizagem, pois ela acontece pela
observação dos comportamentos e conseqüências experimentadas por outros
indivíduos (BANDURA, 1986).
Na abordagem da aprendizagem social, as pessoas podem aprender pela
observação (BANDURA, 1986), percepção e interpretação. Bandura (1986) acredita
que a motivação pode impactar na aprendizagem individual.
Antonello e Godoy (2007) entendem que a aprendizagem é parte da cultura
organizacional, pois a aprendizagem organizacional não é algo que acontece dentro
da mente das pessoas, mas é fruto da interação entre os indivíduos. Esta
interpretação baseia-se fortemente pela constatação de que é exatamente pela
socialização que novos indivíduos “aprendem” os padrões de comportamento na
organização (LEWIN, 1978).
O foco da teoria de aprendizagem individual está no como as pessoas obtém
o conhecimento e não no como o contexto organizacional é o elemento chave para
aprendizagem, socialização e desenvolvimento dos membros organizacional. Em
outras palavras, a teoria da aprendizagem individual é criticada por negligenciar a
35
dimensão ontológica da aprendizagem e somente focar a dimensão epistemológica.
A importante diferença da teoria da aprendizagem social é que ela abarca tanto a
epistemologia quanto a ontologia da aprendizagem (ELKJAER, 2003).
Na teoria da aprendizagem social, a aprendizagem é um caminho para ser e
tornar-se parte do mundo, o que inclui a organização. A aprendizagem é a matéria
para desenvolvimento da identidade. Ao mudar o conteúdo da aprendizagem de
aquisição de conhecimento para formação de identidade, expande-se o conceito de
aprendizagem para incluir uma dimensão ontológica (ELKJAER, 2003). Nicolini e
Meznar (1995) também percebem a AO como um processo de construção de
identidade, quando organizações, através de seus agentes, transformam suas
experiências gerando conhecimento e aprendizagem.
Na literatura de aprendizagem organizacional, baseada na teoria de
aprendizagem social, a aprendizagem é considerada parte integral da prática diária
da vida e do trabalho organizacional, e não se faz distinção de aprendizagem
individual e organizacional (ELKJAER, 2003). Nicolini, Gherardi e Yanow (2003)
destacam que prática é, ao mesmo tempo, o que produzimos e o resultado deste
processo. É sempre produto de uma condição histórica específica, resultando de
práticas anteriores e transformadas na presente prática. A importante contribuição
desta tradição consiste no insight epistemológico e metodológico de que a prática é
um sistema de atividades onde o conhecer não é separado do fazer e o aprender é
uma atividade social, não meramente cognitiva.
Teixeira (1973), estudando a pedagogia de Dewey, afirma que a
aprendizagem com sentido e valor é aquela integrada ao contexto; idéia esta talvez
precursora do conceito de aprendizagem situada.
No pragmatismo de Dewey (1971), o conteúdo da aprendizagem deve ser
entendido como o desenvolvimento da experiência humana, o que serve para
conhecer sobre o mundo e tornar-se parte dele. Não é possível desenvolver
experiência como um processo de conhecimento ou um processo de execução,
experiência engloba ambos os processos. Nicolini, Gherardi e Yanow (2003)
reforçam que o entendimento da ação humana requer considerar o contexto
histórico e social de forma integral; é a partir das relações que o homem constrói e
dá significado a sua realidade, pelos atos de criação, recriação e decisão, ele vai
modificando e dando significado ao seu mundo (FREIRE, 2002).
36
Na teoria da aprendizagem social, desenvolvimento e aprendizagem são
processos inseparáveis (GHERARDI e NICOLINI, 2004, p.35), e complementam um
ao outro na compreensão da aprendizagem como participação em processos sociais
(ELKJAER, 2003).
Muito da literatura da aprendizagem organizacional é uma cópia da Learning
Organization, que parte da teoria da aprendizagem individual; e a teoria da
aprendizagem social na literatura da aprendizagem organizacional acaba ficando
fora da crítica (ELKJAER, 2003).
A mudança organizacional fica comprometida quando se busca a mudança
somente através da compreensão e do estímulo da aprendizagem individual, sem
compreender e analisar as influências das relações interpessoais no desempenho
organizacional (ELKJAER, 2003). Nicolini, Gherardi e Yanow (2003) complementam
que o conhecimento é adquirido por alguma forma de participação e é
continuamente reproduzido, negociado, sempre dinâmico e provisório.
Uma teoria de aprendizagem social na aprendizagem organizacional permite
focar a aprendizagem que ocorre fora da mente individual e dentro do contexto
organizacional, como um espaço para a aprendizagem. Isto significa que as ações
organizacionais dirigidas para desenvolver a aprendizagem organizacional não
podem unicamente ser focalizadas na mudança da maneira de pensar dos
indivíduos; mas deve ser focalizada no contexto organizacional, em seus padrões da
participação e interação (ELKJAER, 2003); até mesmo porque a perspectiva social
da aprendizagem organizacional entende que a aprendizagem é uma atividade
como qualquer outra dentro da organização, estando intrínseca nas atividades que
sustentam a organização (GHERARDI e NICOLINI, 2004, p.53). Para Wenger
(2003), as organizações são sistemas sociais de aprendizagem que também fazem
parte de outros sistemas sociais de aprendizagem e sua sobrevivência depende de
sua aprendizagem organizacional sobre como proceder em tais sistemas.
Elkjaer (2003) comenta que a razão para aplicar uma teoria de aprendizagem
social é que os indivíduos são diferentes entre si e que a aprendizagem pela
mudança de suas maneiras de pensamento não é a única maneira de
aprendizagem. E mesmo quando esta mudança de pensamento ocorre será sempre
diferente de um indivíduo para outro. As organizações consistem em pessoas reais,
cada uma com suas experiências, história e expectativas para o futuro; o que forma
o contexto organizacional junto com a prática específica do trabalho, os artefatos ou
37
as regras e os regulamentos organizacionais. Nicolini, Gherardi e Yanow (2003)
reforçam que os estudos buscam investigar as implicações teóricas e conseqüências
desta representação do conhecimento organizacional como situado nas práticas da
ação e que são relacionais, mediadas pelos artefatos e sempre dentro de um
contexto de interação. E é deste ponto que aprendizagem e aprendizagem
organizacional acontecem (ELKJAER, 2003).
Abaixo um quadro comparativo das teorias tradicionais e teorias de
aprendizagem organizacional sob a perspectiva social.
Aprendizagem organizacional
centrada no indivíduo Teorias Tradicionais
Aprendizagem Organizacional
Perspectiva social
Concepção da aprendizagem
Aprendizagem centrada na
intuição individual, na interpretação coletiva e na
institucionalização organizacional
Aprendizagem via interação, em um campo social
Contexto e indivíduos são mutuamente incentivados e
limitados
Quem aprende
Indivíduos, grupos e
organização, de maneira fragmentada
Indivíduo e organização são construídos no contexto,
quanto construtor do mesmo.
Comportamento do indivíduo
Determinado pelas
características individuais
Determinado pelo contexto e experiências
Construção de significados
Significados pelas
características Individuais
Significados situados construídos na relação
Fator de Aprendizagem
Habilidades
Conhecimentos individuais
Contexto é a chave para aprendizagem
Quadro 2: Comparação das Teorias Tradicionais de AO e Aprendizagem social
Fonte: Elaborado pela autora
38
Dentro de clássicos estudos, como a psicologia cognitivista de Lewin (1940) e
a sociologia de Giddens (2003), encontramos alguns alicerces importantes para AO
sob a perspectiva social e buscamos relacionar suas contribuições para uma melhor
compreensão deste intricado fenômeno.
2.3 A perspectiva social da aprendizagem organizacional e o pensamento de Kurt Lewin
As afirmações de Mailhiot (1977, p. 50) de que os comportamentos dos
indivíduos enquanto seres sociais é resultado de uma dinâmica gerada
independente das vontades individuais, de que os fenômenos de grupo têm
características próprias e que toda dinâmica de grupo é resultado do conjunto das
interações dentro de um espaço psico-social implicam dizer que o comportamento
dos indivíduos, quando em grupos, em um ambiente social, não acontece de acordo
com o esperado pelas teorias que explicam o comportamento individual, sem a
consideração do contexto social. Ou seja, o comportamento resultante se dá em
função do contexto, defendendo a perspectiva da aprendizagem social para uma
correta compreensão da aprendizagem organizacional.
A influência do ambiente social e a dinâmica das situações sociais já
identificadas por Lewin e Cartwright (1965) como fundamentais na formação e
transformação das atitudes coletivas, conformam as ações e reações individuais (cf.
BANDURA, 1986), favorecendo algumas e inibindo outras.
Para Lewin (1946), as decisões de grupo dependem de como o grupo
percebe a situação, por isso esta decisão pode ser influenciada pela mudança na
percepção. A percepção grupal do resultado da ação social é essencial na escolha
de próximas opções.
Ainda na percepção de Lewin (1978), o grupo é um todo irredutível aos seus
constituintes individuais porque não há fronteiras imutáveis entre as consciências
individuais e o contexto onde os indivíduos estão inseridos, assim as atitudes
coletivas e pessoais são resultantes de pressões, tanto internas à consciência
individual, quanto contextuais.
Assim, Lewin cunha a noção de campo social como um espaço onde as
pessoas, os objetos, as instituições, os grupos e os acontecimentos sociais são
elementos das situações sociais, que mantêm entre si relações dinâmicas. Mailhiot
39
(1977, p. 54) afirma que, para Lewin, o campo social é uma gestalt. Ou seja, um
todo que não pode ser reduzido aos subgrupos que nele coexistem ou aos
indivíduos que dele fazem parte. As teorias gestálticas têm como referência o
estímulo e a percepção, num contexto social, ou seja, quando o indivíduo percebe a
relação entre estímulo e campo surge o insight, novos padrões de estímulos
resultam em novas aprendizagens.
A indivisibilidade entre individuo e organização, defendida pela perspectiva
social da aprendizagem organizacional é evidenciada pela noção de campo social
de Lewin. Conforme Garcia-Rosa (1974, p. 62) entende, Lewin concebe a noção de
campo social como sendo o grupo e seu ambiente e a afirmação de que o grupo é
constituído pela soma de seus membros não faz sentido para Lewin. Pois um grupo
possui uma estrutura e um sistema de relações próprias com outros grupos. A
interdependência dinâmica entre os membros é característica essencial de um grupo
e não a semelhança entre os mesmos. Afirmar que a essência de um grupo é a
interdependência dinâmica entre seus membros significa concebê-lo como um todo
dinâmico, e que uma mudança realizada em uma de suas subpartes vai refletir sobre
todas as outras subpartes, mudando seus estados.
Berger e Luckmann (1998, p. 176) afirmam que o processo de aprendizagem
ocorre em circunstâncias carregadas de alto grau de emoção, ou seja, a
interiorização somente acontece quando ocorre uma forte identificação permitindo a
construção de significados e identidade subjetivamente coerente e plausível; esta
constatação reforça a importância dos conceitos de dinâmica de grupos e campo
social (LEWIN, 1946) para o processo de aprendizagem organizacional.
Nicolini, Gherardi e Yanow (2003) reforçam as teorias de Lewin quando
aponta que para o entendimento da ação humana requer considerar o contexto
histórico e social de forma integral de onde a mesma acontece.
A visão de Lewin sobre a dinâmica dos grupos e a noção de campo social
como um todo indivisível afiança a teoria da estruturação de Giddens e suas
conseqüências para uma perspectiva social da aprendizagem organizacional,
quando é necessário considerar a inevitabilidade das conseqüências da interação e
da interdependência entre os indivíduos e as organizações sociais.
40
2.4 Teoria da Estruturação e a perspectiva social da Aprendizagem Organizacional
As concepções que predominam a respeito das relações entre indivíduo e
sociedade dizem que a diferenciação das partes gera a unidade do conjunto; porém,
afirma também que o contrário é verdadeiro. Os indivíduos convivem em sociedade,
que é mais do que um somatório daqueles que a integram; mais que isso, é a
sociedade, em múltiplos sentidos, que dá origem ao indivíduo. Nós fazemos a
sociedade ao mesmo tempo em que somos moldados e formatados em nossas
ações, comportamentos e modo de vida pela sociedade (ASENSI, 2006).
Para Giddens (2003), a estrutura é o conjunto de recursos e regras
continuamente geradas e geradoras no processo de reprodução social, a noção de
estrutura é fundamentalmente processual, são basicamente as práticas
padronizadas e recorrentes, que são aceitas, e constantemente construídas e
reconstruídas em um determinado tempo e espaço. É na interação social que os
indivíduos desenvolvem-se ao longo da vida, ao encontrar e ajustar continuamente
suas formas de viver e de se organizar em sociedade. Assim, a conduta humana é
tanto guiada e determinada por fatores subjetivos e individuais quanto por fatores
estruturais.
Conforme Giddens (2005), a organização é uma estrutura social onde os
indivíduos interagem, e com certeza na condição de seres sociais, agindo como tais
(de acordo com princípios da teoria social), capazes das mudanças almejadas pelos
indivíduos, mas dentro das regras, rotinas e comportamentos institucionalizados.
A teoria da estruturação de Anthony Giddens, tendo por principal pressuposto
que a estrutura e indivíduo (agente) conformam-se mutuamente, ao estimular e
limitar ao mesmo tempo as possibilidades de ação, parece adequada quando
analisamos aprendizagem organizacional sob a perspectiva social. Nicolini e Meznar
(1995) identificaram que as diversas abordagens, mesmo que diferentes,
reconhecem a importância do contexto, o que inclui a estrutura organizacional, no
processo da AO.
Teixeira (1973) e Giddens (2003) percebem que sociedade e indivíduos são
produto e resultado da vida social que é constantemente criada e recriada na
interação.
41
Considerando a teoria da estruturação (BERENDS et al., 2003), busca-se
integrar os níveis de aprendizagem (individual e organizacional). Conforme os
autores, existem quatro razões para considerar a teoria de estruturação importante
para compreensão do relacionamento entre aprendizagem individual e
organizacional. Primeira: o relacionamento entre fenômenos individuais e coletivos é
central na teoria da estruturação. Segunda razão: Giddens, em sua teoria, considera
fundamental a capacidade de conhecimento dos indivíduos. Terceiro: a análise de
Giddens da estrutura considera uma interação entre aprendizagem, poder, recursos
econômicos e normas. E a quarta razão é que a teoria da estruturação considera a
dinâmica da realidade social, e o processo de aprendizagem é um destes
fenômenos naturalmente dinâmicos.
Cohen (1999) comenta que a teoria da estruturação busca desfazer o
dualismo indivíduo versus sociedade, o dualismo agência versus estrutura. Agência
e estrutura são dois lados de uma mesma realidade social, portanto inseparáveis.
Indivíduos e estrutura se intercruzam nas práticas sociais recorrentes.
Para Giddens (2003), um sistema social existe da relação reproduzida entre
atores ou coletividade, organizado como práticas sociais regulares, isto faz as
práticas como o domínio primário das ciências sociais. Práticas são ações
recorrentes e regularizadas de indivíduos situados em um sistema social, que criam
e recriam o sistema, reforçando esta idéia confirma Gherardi (2004), ao afirmar que
as pessoas são sempre atores e produtores de sua realidade e estruturas existem
como uma propriedade das práticas sociais. Giddens (2003) esquematiza um quadro
dinâmico da estrutura, como resultado e recurso para a ação, ambos limitando e
favorecendo-a; estruturas são resultados da percepção enquanto são produzidos e
reproduzidos na interação.
De acordo coma teoria da estruturação organizações não são mais do que
práticas regularizadas de indivíduos. A aparente habilidade das organizações para
agir consiste na agência de seus membros constituintes.
Berends et al. (2003) definem aprendizagem organizacional como
desenvolvimento do conhecimento pelos membros organizacionais, considerando
aquele conhecimento aplicável nas atividades organizacionais, o que implica em
potencial para mudança destas atividades.
A perspectiva estruturacionista da aprendizagem organizacional considera o
desenvolvimento da aprendizagem e do conhecimento baseado nas práticas,
42
concordando com a teoria pragmática de Jonh Dewey, que serviu de suporte para a
defesa da perspectiva social de aprendizagem defendida por (ELKJAER, 2003;
GHERARDI e NICOLINI, 2004; ANTONACOPOULOU e CHIVA, 2007; DEFILLIPPI;
ORNSTEIN, 2003) que concebe aprendizagem como parte inseparável e integral
das práticas sociais.
Nicolini e Meznar (1995) identificam na literatura que as estruturas
organizacionais são tanto resultado quanto fonte de aprendizagem organizacional.
Alguns autores como Cyert, March, Ducan, Weiss, Levitt, Lant e Mezias, confirmam
a importância das estruturas no processo de aprendizagem das organizações,
quando confirmam a estrutura como agente do processo, apesar de uma estrutura
inapropriada não terminar com a AO, ela pode obstruí-la (NICOLINI e MEZNAR,
1995).
De acordo com a teoria da estruturação (GIDDENS, 2003), sistemas sociais
consistem em práticas recorrentes. Assim, nós assumimos que mudanças nas
atividades organizacionais consistem em mudanças nas práticas recorrentes
executadas pelos membros da organização. Baseado na teoria da estruturação,
supomos que o processo de aprendizagem organizacional é realizado nas práticas
organizacionais como uma forma específica de estruturação.
Tanto Lewin como Giddens trazem uma contribuição importante para
aprendizagem organizacional. O próximo quadro busca revisar estas contribuições.
Características da
Aprendizagem Social
Lewin Giddens
Aprendizagem ocorre na
interação
Teoria de campo Dualidade da estrutura
Influenciada no contexto Gestalt Estrutura e agente conformam-
se mutuamente
A organização é indivíduos e
grupos interligados
(inseparáveis)
Dinâmica de grupo Agência e estrutura são dois
lados de uma mesma realidade
social.
Aprendizagem situada Campo social Indivíduos e estrutura se
intercruzam nas práticas sociais
recorrentes.
Quadro 3: Revisão das Teorias de Lewin e Giddens Fonte: elaborado pela autora
43
3 METODOLOGIA
Com o objetivo de compreender o processo de aprendizagem organizacional
sob a perspectiva social em um laboratório farmacêutico em Santa Catarina, foi
utilizada nesta investigação a estratégia de estudo de caso qualitativo do tipo
exploratório (YIN, 2001), a partir de entrevistas aberta em profundidade (GODOY,
2006). As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas em sua íntegra,
de forma a tornar possível a recomposição do discurso dos entrevistados e a
categorização, utilizando por base aspectos transpostos das teorias: aprendizagem
social de Bandura; teoria de campo de Lewin e teoria da estruturação de Giddens.
A pesquisa sobre o processo de aprendizagem na organização seguiu os
seguintes passos metodológicos: a) realização de entrevistas abertas até a
saturação amostral; b) transcrição; c) análise exploratória dos discursos, com base
nas categorias analíticas; e) categorização dos elementos do processo de
aprendizagem organizacional. Na seqüência, o quadro design da pesquisa relaciona
os procedimentos metodológicos utilizados.
Abordagem Perspectiva Social
Tipo de Pesquisa Qualitativa
Estratégia de Pesquisa Estudo de caso Exploratório
Amostra 10 funcionários de um laboratório Farmacêutico
Amostragem Não-probabilística
Tamanho da amostra Critério de Saturação amostral
Técnica de análise do material empírico Categorização
Categorias para análise - Aprendizagem vicária, observacional e pela imitação - Relações de influência pela interação social - Processo de conformação mútua
Quadro 4: Design da pesquisa Fonte: elaborado pela autora
44
3.1 Tipo de Pesquisa
A pesquisa qualitativa tem por objetivo não apenas avaliar os resultados, mas
principalmente avaliar o processo, compreender o fenômeno e ir além da simples
observação, entrar na sua estrutura mais íntima (GODOI, 2006).
A pesquisa qualitativa interpreta os significados e as intenções dos atores,
buscando compreender os fenômenos. De acordo com Godoi (2006), não se trata de
uma análise do texto, mas sim uma análise contextual, buscando o sentido das
palavras para quem o enuncia naquele contexto social. Nesta perspectiva, o
pesquisador procura ser parte do processo da pesquisa, ao trazer suas habilidades
pessoais com vistas a enriquecer a pesquisa.
Com o objetivo de compreender o processo de aprendizagem organizacional,
através da perspectiva social, buscou-se uma metodologia que nos aproximasse
mais do objeto de estudo. Assim se deu a opção pela abordagem qualitativa, pois
esta interage em um nível da realidade em que é possível aproximar-se do mundo
dos significados, das crenças, valores e atitudes.
A pesquisa qualitativa visa não apenas o resultado, mas principalmente o
processo, pois considera-se impossível entender o comportamento humano sem a
compreensão das suas estruturas, onde os indivíduos interpretam seus
pensamentos, sentimentos e emoções (GODOI, 2006).
3.2 Estratégia de Pesquisa
A pesquisa teve por objetivo compreender o fenômeno da aprendizagem
organizacional via perspectiva social, verificando este processo em um laboratório
de fabricação de medicamentos; assim, a estratégia de estudo de caso foi utilizada
por permitir compreender a situação (GODOY, 2006; MERRIAN, 1998) e obter os
dados necessários à execução da investigação.
Para Godoy (2006), o estudo de caso é um método de olhar a realidade social
que permite a coleta de dados via diversas formas como entrevistas, observação e
documentos, que viabiliza melhor apreensão do objeto de estudo. Na percepção de
Godoy (2006), o estudo de caso é indicado, quando o objetivo é capturar e entender
45
a dinâmica da vida organizacional (YIN, 2001) tanto em relação às atividades
formais quanto às informais.
O estudo de caso, conforme Yin (2001), é uma estratégia de pesquisa que
permite a compreensão dos fenômenos sociais complexos, ao possibilitar uma
investigação ampla e holística, portanto, aumentando a chance de a pesquisa refletir
a realidade. Pode ser exploratória, explanatória ou descritiva, sendo possíveis
evidências qualitativas ou quantitativas. Em estudos organizacionais onde se busca
a compreensão dos fenômenos, é necessário investigar comportamentos e eventos
que dificilmente podem ser controlados ou manipulados, e busca-se responder
questões do tipo “como” e “por que”. Quando o foco são fenômenos
contemporâneos, o estudo de caso mostra-se apropriado pela sua capacidade de
lidar com uma variedade de evidências, como documentos, relatórios, pesquisas,
fotografias, entrevistas e também observações, permitindo uma percepção ampla
dos fenômenos estudados.
A estratégia de pesquisa proposta para este trabalho é o estudo de caso
qualitativo e único, que permite a particularização do objeto de pesquisa, a inclusão
e consideração de diversos fatores que influenciam os processos e resultados de um
grupo ou de uma organização, inclusive, fatores comportamentais, emocionais e as
observações do próprio pesquisador. Exploratório descritivo por buscar compreender
o fenômeno da aprendizagem organizacional via a ótica da aprendizagem cognitiva
social em um laboratório farmacêutico.
Esta estratégia de pesquisa é apropriada para investigação de fenômenos
num contexto organizacional, principalmente em estudos de fenômenos como o da
aprendizagem organizacional, onde o limite entre fenômeno e contexto não é
claramente delimitado. Para Merrian (1998), o estudo de caso contribui de maneira
bastante particular para a compreensão de fenômenos organizacionais, individuais e
sociais.
46
3.3 População e Amostra
A amostra teórica foi definida de acordo com o princípio da saturação. Glaser
e Strauss (1967) dizem que a investigação avança em profundidade e números de
entrevistados até que novos dados não mais agreguem novas informações ao
assunto pesquisado.
O objeto de estudo, neste caso, constitui-se em um laboratório farmacêutico
de caráter privado, sediado em santa Catarina. A amostra foi não probabilística,
sendo escolhidos não intencionalmente os funcionários da empresa, utilizando o
critério de saturação amostral.
3.3 Método de coleta do Material Empírico
A coleta de dados foi realizada através da entrevista em profundidade que,
conforme Godoy (2006), é utilizada quando o pesquisador deseja compreender os
processos e interações sociais que se desenvolvem nas organizações, ao
considerar o contexto no qual estão inseridos, possibilitando uma análise
processual, contextual e longitudinal do que ocorre nas organizações e dos
significados resultantes.
A prática da entrevista em profundidade na coleta do material empírico, para
Sierra (apud GODOI e MATTOS, 2006), é um tipo de entrevista que viabiliza a
investigação das experiências, idéias, valores e estrutura simbólica do entrevistado.
Sobre a entrevista em profundidade ou simplesmente entrevista qualitativa, Godoi e
Mattos (2006) afirmam que o estilo aberto e quase informal deste tipo de
investigação “permite a obtenção de uma grande riqueza informativa; proporciona ao
investigador a oportunidade de clarificação e seguimento de perguntas e respostas
em uma interação direta e flexível”.
Entrevistas abertas servem a pesquisas dirigidas ao esclarecimento de
situações, atitudes e comportamentos e busca de significados (MATTOS, 2006).
Para a análise das entrevistas, usamos a interpretação de Mattos (2006) da
entrevista como conversação, uma interação lingüística.
47
Na entrevista sob a perspectiva teórica da pragmática da linguagem, buscam-
se as informações não manifestas por palavras, a observação das reações, ações e
expressões faciais e corporais; encoraja-nos na busca da dimensão simbólica do
que se diz que, por vezes, é mais forte que a semântica (MATTOS, 2006),
permitindo ao investigador obter informações diversas do ato da fala.
Adverte Mattos (2006) que, da mesma forma, quaisquer atitudes do
entrevistador, bem como suas expressões, afetam as ações, reações e as conexões
realizadas pelo entrevistado em sua comunicação. As reações do entrevistado, do
mesmo modo, agem sobre a forma de condução da entrevista pelo entrevistador, e
as conseqüências advindas deste fato.
Para preservar o significado pragmático da fala do entrevistado, a
interpretação deve incluir, além da transcrição da entrevista, a própria gravação oral,
para a geração de análise dos resultados e incluir o sujeito pesquisador (RICOEUR
apud MATTOS, 2006). Esta é uma dimensão reflexiva, na busca da influência do
pesquisador na formação de significados pelo entrevistado.
A pesquisa de campo possibilitou compreender como a AO ocorre a partir de
um processo social integrado, de forma que a AO acontece com e na interação
dentro de um contexto específico. A AO é considerada um processo recursivo
resultante da interação entre indivíduos e organização. A partir desta perspectiva, a
pesquisa visou compreender o processo de aprendizagem social, bem como o
contexto como locus da aprendizagem, que compõe tanto a fonte de recursos para a
AO quanto o destino do resultado da aprendizagem. Também objetivou verificar a
influência do contexto sobre o processo de AO, bem como possibilidades de
influência sobre o mesmo para facilitação da aprendizagem.
A construção da pesquisa deu-se a partir dos relatos orais dos funcionários,
sem roteiro pré-definido. A saturação da amostra chegou no décimo funcionário.
Buscamos entrevistar pessoas que tinham mais vivência na empresa e gestores,
sendo que cada entrevista teve tempo de duração médio de uma hora, o que
permitiu troca de afetividade entre pesquisados e pesquisadora. Os pesquisados
tiveram oportunidade de expressar sentimentos, emoções e expectativas de sua
vida profissional. Na análise e tratamento dos dados, as entrevistas foram transcritas
na íntegra, de forma que foi possível a recomposição do discurso dos entrevistados.
Na transcrição, foram utilizadas as orientações de Brown e Yule (1993): procurou-se
48
registrar o que se dizia, evitando a interferência e a correção da linguagem. Utilizou-
se para marcar o silêncio do entrevistado as orientações de Brown e Yule (1993).
OCORRÊNCIAS SINAIS
Pausa breve -
Pausa longa +
Silêncio ++
Comentários descritivos do transcritor (minúsculas)
Incompreensão de palavra ou segmento (...)
Quadro 5: Normas para Transcrição Fonte: Adaptado de Brown e Yule (1993)
Para a coleta de dados, buscamos as teorias e construímos o seguinte
quadro teórico, com categorias que emergiram das teorias durante a analise
preliminar, aqui transpassadas para a esfera organizacional.
Quadro 6: Categorias analíticas e suas teorias Fonte: Elaborado pela autora
Aspectos da Teoria Utilizados na
Pesquisa Empírica
Teoria
Aprendizagem vicária, observacional e
pela imitação
Sócio-cognitiva – Bandura
Relações de influência pela interação
social
Campo – Lewin
Processo de conformação mútua Estruturação – Giddens
49
3.4 Procedimentos de Análise e Interpretação de Dados
O processo de análise e interpretação dos dados começou primeiramente
com a transcrição de cada entrevista, de acordo com as orientações de Brown e
Yule (1993), identificação dos relatos que indicavam um processo de aprendizagem
e classificação dos relatos quanto às categorias teóricas. Na seqüência, utilizando
todas as entrevistas, os relatos foram agrupados segundo as categorias e foi
realizada uma aproximação dos relatos com o referencial teórico sobre a perspectiva
social da AO. Finalmente, partiu-se para a interpretação e análise dos relatos quanto
a sua aderência à teoria sobre a aprendizagem social e a reflexão sobre a
possibilidade de contribuição da teoria de campo e da teoria da estruturação na
compreensão deste processo, verificando-se a validade e importância de uma
perspectiva social da AO.
A análise detalhada dos dados buscou nas entrevistas evidências da AO via
processo social; o procedimento de análise dos dados considerou tanto as
entrevistas transcritas quanto as percepções do entrevistador durante o processo de
investigação.
Os relatos obtidos nas entrevistas permitiram identificar como as teorias sobre
os processos sociais de influência mútua e aprendizagem, constantes da revisão de
literatura desta pesquisa, contribuem significativamente na compreensão da AO.
50
4 RESULTADOS
O presente capítulo, cujo objetivo consiste na apresentação e análise dos
dados de pesquisa, é composto de duas sessões: na primeira, apresentamos o
histórico da empresa, com base nos dados secundários e primários coletados
durante as entrevistas e, em seguida, abordamos os resultados com base em
aspectos de influência sobre a AO a partir da teoria de Bandura, Lewin e Giddens,
conforme a revisão de literatura.
4.1 Contexto da Empresa Estudada
Com o intuito de proteger a organização, evitamos dados e informações que
possam comprometê-la de alguma forma, até porque não é o objetivo deste trabalho
divulgar a empresa. Optou-se pelo sigilo empresarial.
O laboratório foi inaugurado em Santa Catarina nos anos 60. O fundador do
laboratório inicialmente trabalhava com farmácia, portanto, atuava somente com
venda de medicamentos. Mas com o aumento da demanda, o empresário sentiu
necessidade de ter sua própria fabricação de medicamentos. A sua filha, com
formação em Farmácia, começou a atuar na empresa desde então. A empresa teve
sua primeira expansão de venda em outras regiões do país e, em 10 anos, já estava
atuando em todo o Brasil. A decisão de divulgar seus produtos no meio médico foi
determinante na expansão da empresa.
Em meados dos anos 80, as leis referentes à fabricação de medicamentos
passaram a exigir mais rigor. Neste momento se iniciou o processo de normatização
da empresa, inclusive com a compra de uniformes para diminuir o risco de
contaminação. A partir dos anos 90, foi necessário renovar e atualizar o maquinário
e investir em tecnologia. A empresa passou por mudanças na gestão e controle da
organização, que envolveu o sistema público, mas não obtivemos autorização para
divulgar estes dados. Em 2004, a empresa foi comprada por um empresário paulista,
que contratou um executivo para administrar o laboratório. Neste momento da
organização, as mudanças em tecnologia e em mão-de-obra qualificada, como
farmacêuticos e químicos, começaram a se acelerar, também impelidas pelas novas
51
regras da vigilância sanitária, que normatiza e fiscaliza a fabricação de
medicamentos.
A empresa hoje fabrica mais de 40 tipos de medicação, tem em seu quadro
de funcionários mais de 20 farmacêuticos e três químicos, contando com mais de
100 colaboradores, estando dividida em vários setores: sólidos, líquidos, gerencia de
produção, controle de qualidade, administrativo, embalagens e, em 2006, foi
implantando o departamento de desenvolvimento de produtos com o objetivo de, em
dois anos, conquistar a posição de pioneira em mais linhas de medicamentos.
A previsão da empresa é de mudar de sede em 2011, visando ter um local
mais amplo e moderno, com alta tecnologia para suprir as novas demandas da
ANVISA, que vem sendo discutida no âmbito nacional. Conforme afirma a
administração da empresa, a nova sede tem a finalidade de proporcionar aos
clientes a mesma confiança de sempre em seus produtos.
4.2 Análise das categorias
Esta sessão está dividida em três partes: na primeira se analisa as entrevistas
com base nos aspectos da aprendizagem social de Bandura; optou-se por unir os
três tipos de aprendizagem: aprendizagem vicária, observacional e pela imitação.
Esta união se deve ao fato da riqueza das entrevistas, e também porque não é
nosso objetivo fragmentar, assim também foi feito com aspectos da teoria do campo
e dinâmica de grupo de Lewin e a estruturação de Giddens.
Pela revisão teórica e análise das entrevistas, identificamos os aspectos das
teorias relevantes para pesquisa. São eles: aprendizagem vicária, observacional e
pela imitação, relações de influência pela interação social e processo de
conformação mútua.
Nas análises se destacam alguns trechos relevantes do discurso.
52
4.2.1 Aprendizagem no ambiente de trabalho
A pesquisa permitiu compreender os pressupostos teóricos da perspectiva
social da AO, que afirma que a aprendizagem é algo que emerge das interações
sociais (GHERARDI e NICOLINI, 2004, p.47) e é socialmente construída (BERGER
e LUCKMANN, 1998).
A importância da perspectiva social para a compreensão da AO, na
constatação de Dewey (apud TEIXEIRA, 1973), deve-se ao fato de a experiência ser
uma relação que se processa entre dois elementos possibilitando uma modificação
da realidade de ambos. As experiências humanas de reflexão e conhecimento
também geram esta alteração simultânea no agente do conhecimento e na coisa
conhecida. Modificam-se as existências dos elementos pela alteração das relações
existentes entre elas. Assim, parece que a perspectiva social pode oferecer uma
oportunidade para melhor entendimento do processo de aprendizagem nas
organizações.
A teoria da aprendizagem social proposta por Bandura coloca como elemento
central da aprendizagem a observação, mediando e guiando todo processo, seja
pela experiência direta ou observada. Apesar da simplicidade da teoria de Bandura,
pouco se observa na literatura a sua ligação com as teorias da AO. Talvez pelo seu
caráter pouco instrumental, já que esta perspectiva inclui o ambiente e as relações
no processo de aprendizagem, o que denota ser este processo de aprendizagem
pouco gerenciável.
O reconhecimento da complexidade das organizações, ambiente e relações,
abriu espaço para o reconhecimento de que o controle e a previsibilidade total são
desejos de um pensamento positivista impossível de ser alcançado. O que torna a
perspectiva social apropriada por já pressupor que aprendizagem é um processo
que pode ser facilitado por ajustes no ambiente social, mas difícil de ser gerenciada.
Expressões como: “Então sempre que as coisas não vão bem eu procuro ele
direto se é pra resolver é melhor ir direto com ele sem passar pelo supervisor às
vezes as coisas se perdem”, “... quando tem que resolver vai direto com ele que ele
resolve ++ nós temos supervisores gerente geral mas quando não se resolve vou
direto pra ele” - mostram que atitudes, comportamentos adotados na organização
são socialmente aprendidos através da experiência e da observação sobre quais
53
atitudes e comportamentos são aceitos e praticados na organização. Assim como
observado por Mezirow (1991), em todo momento, no ambiente organizacional,
pessoas e grupos buscam entender e compreender o ambiente a sua volta. Agem e
interagem de acordo com os sentidos socialmente construídos naquele grupo e por
aquelas pessoas (BERGER, LUCKMANN,1998, FREIRE, 1983).
A expressão afirmando que “Todas as pessoas aqui são muito diferentes
tenho pouco contato com a produção - mas existe um grande descontentamento
salarial + isso é tudo quanto é lugar” mostra uma crença social comum, na
organização, de que reclamações sobre salário são normais. Portanto, aprendemos
que nada pode ser feito, e também aprendemos que isto explica grande parte do
comportamento desinteressado das pessoas dentro da organização. A crença de
que a motivação e satisfação estão ligadas à remuneração está entre as mais
comuns das aprendizagens socialmente construídas.
Podemos verificar um comportamento bastante observado e sentido pelas
pessoas dentro da organização: os superiores apenas convocam reuniões para
reclamar; fato exemplificado pela expressão - “Às vezes tem reunião e nunca se
chama pra falar coisa boa sempre é pra dar mijada - é sempre pra falar que tem
coisa errada + que ta quebrando muito material”. Ou seja, as pessoas sentem falta
de reforço positivo, importante para fixar a aprendizagem de comportamentos e
atitudes desejadas.
O tratamento diferenciado das pessoas como observado pelo entrevistado
nas expressões - “... teve inspeção da ANVISA ao invés de chamar o pessoal pra
agradecer o trabalho porque todo mundo teve que trabalhar muito - tipo assim eles
me chamaram - chamaram mais duas pessoas de nível superior e agradeceram e os
outros?”, “Eu percebo bem isso eles tratam quem é de nível superior de um jeito e
quem não tem nível superior de outro” - indica e reforça uma aprendizagem social
bastante comum na organização estudada, referente a uma distinção de valor
pessoal e valorização do trabalho baseado no nível de educação formal.
A expressão - “era tudo analista então não tinha nenhuma discriminação -
eram todos iguais” - reflete algo socialmente aprendido na organização, que cargos
diferenciados, independente das atividades, significam status e tratamento
diferenciado na organização para quem os tem.
Inferir e julgar valores pelas atitudes observadas é relatado na literatura de
aprendizagem social. O comportamento dos superiores na empresa indica-nos o que
54
é importante e o que interessa à organização, situação que se reflete claramente no
comportamento e na satisfação dos colaboradores, como observado na expressão
“Essas idéias de compras foram surgindo com a nova direção e com a entrada
destes profissionais e o diretor mesmo - por ele mesmo quis investir no maquinário.
Viu que tinha que investir em desenvolvimento + que não dava pra ficar parado até
hoje a parte que ele acha mais importante é o desenvolvimento - se a gente não
consegue lançar produtos a gente vai ficando pra trás”, relatada por um funcionário
que trabalha na área de desenvolvimento, que se sente participando ativamente da
organização, pois seu departamento recebe investimentos e atenção da diretoria.
Na expressão - “agora quem já ta aqui a muito tempo tá ali né... todo mês eu
vou receber eu vou receber meu salário ++ então venho eu faço meu trabalho e vou
embora...” - é relatado uma atitude bastante comum em que as pessoas percebem
como único e exclusivo retorno de seu trabalho a remuneração mensal;
comportamento este que é socialmente aprendido na organização, baseado em
crenças diversas sobre o suposto relacionamento de exploração dos funcionários
pela empresa.
A perspectiva que entende que AO é tanto fonte quanto resultado de um
processo de sensemaking — e que a organização age e reage sobre os eventos, e
situações que são reconhecidos e aceitos como tais dentro daquele contexto –
aparece presente na expressão do parágrafo anterior e nas expressões - “Eu vou
dar um curso no sábado por exemplo e ninguém vai ganhar hora extra inclusive eu
também não - ninguém vai vir a não ser o pessoal que é formado que tá com
interesse em aprender e uma menina ali que é sensacional ++ ela não é formada
mas ela ta sempre disposta a aprender alguma coisa” -, que evidenciam que nossas
crenças e expectativas em relação ao comportamento das pessoas modelam nosso
comportamento e atitudes em relação às mesmas. Situação que reforça o
comportamento alheio esperado, tornando-se um círculo vicioso muito difícil de ser
quebrada, pela não percepção de nossa contribuição social para a continuidade dos
problemas que nos desagrada. As ações e reações são estabelecidas de acordo
com os significados construídos, aceitos e reconhecidos pela organização, tanto em
relação aos eventos, quanto às ações e reações para enfrentamento de tais
eventos. Exemplificado pela situação anterior, onde o entrevistado, expressando-se
logicamente pela sua experiência e aprendizagem, supõe que as pessoas não irão
comparecer ao curso e esta atitude se deve a uma falta de interesse em aprender, e
55
também acredita que isto é natural nas pessoas que não são formadas. Estas
afirmações e constatações confirmam que a AO é mediada pelo sensemaking
(WEICK, 1995), quando se sabe que a aprendizagem organizacional é resultante da
capacidade da organização de reconhecimento dos eventos internos e externos,
bem como do significado e entendimentos das ações organizacionais e do
reconhecimento do impacto de tais ações. Tudo isso é sentido nos resultados
obtidos para a organização e seus membros.
A idéia de que nossas ações e reações são de acordo com os significados
construídos fica também evidente na expressão - “Nossa as pessoas demoram
muito daí me falaram que as pessoas eram diferentes e eu que era muito rápida -
mas eu observava tinha gente que ficava parada - mas agora eu aceito isso eu vejo
que cada um é de um jeito e eu vou fazendo as minhas coisas e não dou mais bola”.
A aprendizagem relatada acima mostra como muitos comportamentos são
socialmente aprendidos, quer seja o ritmo de trabalho que deve ser adotado ou o
comportamento de ‘cada um na sua’ em relação aos colegas do grupo.
Também está clara na expressão do entrevistado a aprendizagem vicária da
teoria da cognição social de Bandura (1986) que relata a capacidade vicária que
permite a aprendizagem pela observação do comportamento de outras pessoas e
suas conseqüências, bem marcada até pela expressão “eu observava”. A
capacidade para aprender por observação permite às pessoas gerar e regular seus
padrões de comportamento ajustando-se melhor ao ambiente; e esta aceleração do
processo de aquisição por aprendizagem observacional é vital para o
desenvolvimento e a sobrevivência (cf. BANDURA, 1986, p. 20), e ajuste ao modo
de funcionamento das organizações. Normas sociais, estilo de vida e práticas
institucionais são exemplos de aprendizagem de comportamento que se beneficiam
da aprendizagem pela observação de modelos; desta forma também o observador,
quando em um ambiente organizacional, tenderá a repetir o comportamento de seu
modelo quando as conseqüências de tal comportamento forem positivas, com o
objetivo de viabilizar sua convivência e manter-se e ser aceito naquele ambiente
social.
Comportamentos aprendidos vicariamente, aprendidos socialmente,
dificilmente são modificados por ações pontuais de treinamento, principalmente se
envolver somente algumas pessoas do grupo. Esta constatação esclarece porque
treinamentos formais são apenas uma das vias da aprendizagem organizacional.
56
A aprendizagem pela observação é uma crença comum na organização,
evidenciado pela expressão do entrevistado - “Não sei se é possível algum dia né?
Uma pessoa acompanhar um dia o serviço da outra alguma coisa assim né?”. Isto
indica formas de melhor integração entre as equipes. Esta constatação apresenta
duas facetas da aprendizagem: uma mostra que aprendemos com facilidade, a outra
mostra que é muito difícil controlar a aprendizagem. Pois é impossível controlar
todas as variáveis do ambiente que influenciam significativamente o que é
aprendido, reforçando a perspectiva social para compreensão do processo de AO.
Atitudes baseadas na reciprocidade é um comportamento socialmente aceito,
confirmado através da expressão - “então muita gente não participa das coisas que
a empresa implementa não dão uma cesta básica uma coisa assim um plano de
saúde - então as pessoas se negam de participar de muitas coisas por causa
disso”. As pessoas acreditam e esperam que outros ajam de uma forma ou de outra
em função daquilo que recebem ou esperam receber em troca. Esta identificação de
expectativas e crenças, socialmente construída na organização, mostra a infinidade
de fatores que impactam no fenômeno da aprendizagem organizacional, pois no
caso exemplo as pessoas não participam porque julgam que recebem pouco em
troca e não porque julgam pouco importante as ações da empresa. Frente a tais
desafios de pouco interesse das pessoas, a organização busca a conscientização da
equipe quando a razão do problema, em alguns casos, pode ser outro. Tal situação
e constatações demonstram que a perspectiva social da AO pode permitir melhor
compreensão das nuances deste processo.
A aprendizagem pela observação dentro da organização, ao mesmo tempo
que é praticamente incontrolável, é de vital importância o reconhecimento e
entendimento deste processo, pois tudo pode ser aprendido via observação, tanto
comportamentos que contribuem para os objetivos organizacionais, quanto aqueles
que dificultam tais objetivos. Na organização, a expressão - “eu sou responsável do
setor num futuro próximo - todos os responsáveis pelos setores vão ter que ter
faculdade ++ todos vão ser substituídos por farmacêuticos formados eu to levando
na boa sei que eu vou perder meu cargo pra mim tá tranqüilo” - parece indicar que
uma aprendizagem socialmente aprendida é a de que todos os encarregados de
setor sem curso superior estão destinados a sair da empresa e que pouco pode ser
feito em relação a esta situação. Frente a esta situação, podemos questionar sobre
o quanto tal aprendizagem está coerente com os objetivos organizacionais e pensar
57
sobre o peso dos fatores sócio culturais sobre a AO e resultados de longo prazo da
organização.
Os relacionamentos e comportamentos também são grandemente mediados
pelas crenças construídas ao longo da vida dos indivíduos e da organização,
exemplificada pelo julgamento em relação às diferenças de comportamento
explicadas pela diferença de sexo e educação formal: “Mas às vezes os
farmacêuticos vem até aqui - alguns deles acabam fechando daí há um atrito - há
uma certa rivalidade entre um e outro constantemente - no nosso setor isso não
acontece muito mas não querendo falar isso acontece mais com mulher + mulher
tem uma dificuldade maior em receber as diferenças em saber que os outros são
diferentes e aceitar isso”. A teoria cognitiva social explica que as pessoas falham ao
fazer julgamentos baseados em inferências ou informações inadequadas; exemplos
errados e interpretações equivocadas dos eventos levam a concepções errôneas
sobre si mesmo e sobre o mundo (BANDURA, 1986, p.22) e, por conseqüência, a
reações equivocadas. A ação pessoal nem sempre é objetivamente racional, porque
a racionalidade depende da habilidade de argumentação, nem sempre bem
desenvolvida ou usada efetivamente, o que é recorrente, principalmente na
organização onde o questionamento e o diálogo não são incentivados.
Na expressão - “até porque tão de branco porque hoje isso ta mudando - mas
os que vestem branco são farmacêuticos e os outros vestem azul daí não são
formados - hoje ta mudando né?” -, fica claro a força dos símbolos nas
aprendizagens socialmente construídas e também este processo de aprendizagem
como construção da identidade (ELKJAER, 2003) individual e coletiva, sobre ‘quem
sou e qual o meu lugar’.
A abordagem da cognição social reconhece que aspectos do conhecimento
social (TENBRUNSEL et al., 2004) afetam nossas atitudes e comportamentos
(inferências, julgamentos e decisões) nas diversas situações sociais, evidenciado
por expressões que remontam a discussão sempre presente nas organizações
sobre a valorização que os indivíduos atribuem a teoria ou a prática. Esta questão
está entre as aprendizagens socialmente construídas que mais geram discussões na
organização pesquisada, modelando comportamentos e reações, como relatadas na
expressão: “eles acham porque tem canudo - que sabem mais que os outros - Obvio
que elas sabem mais que os outros + teoria beleza mais eles tem muita coisa que
aprender - falta humildade e claro do outro lado também falta - tem muitas pessoas
58
aqui que tem muita experiência - daí eles acham que pelo tempo de casa deles eles
merecem respeito maior - maior do que os outros - e acaba tendo atrito com essas
pessoas - falta humildade dos dois lados”.
As diversas expressões encontradas no discurso dos entrevistados são
coerentes com a visão cognitiva social (BANDURA, 1989), que afirma a forte
influência dos estímulos de seu ambiente social sobre as ações das pessoas.
Bandura (1989) entende as ações humanas como resultadas de uma interação
constante entre comportamentos, cognição e eventos ambientais, o que se verifica
facilmente ao prestar atenção às relações sociais dentro de qualquer organização. A
teoria de aprendizagem cognitiva social de Bandura (1986) entende que a
aprendizagem ocorre fundamentalmente pela observação dos modelos, e das
conseqüências observadas. Assim, comportamentos e atitudes que foram julgadas
como adequadas tendem a ser imitadas. Esta constatação da teoria explica como
aprendizagens são socialmente criadas e recriadas, e também as dificuldades em
conduzir mudanças e novas aprendizagens em contextos sociais.
Um dos empecilhos à aprendizagem na organização é uma crença fruto de
um pensamento mecanicista do mundo, de que os problemas residem em questões
técnicas. Portanto, as soluções dependem principalmente de bons treinamentos
técnicos, aparentemente presente na expressão - “notei bastantes indicações
positivas quando nos trouxemos um técnico para falar e as pessoas gostaram
bastante - ele atingiu o alvo que ele queria de manter a platéia bem atenta” -, feita
por um supervisor da área técnica, apesar de outras pessoas terem relatado
exatamente o contrário.
Em algumas entrevistas, notou-se diferentes perspectivas em relação à
organização e seus relacionamentos internos, através de expressões - “os
funcionários mais antigos ainda continuam conosco e não houve qualquer choque
de gestão ++ nem de compreensão foi perfeito tudo foi perfeito” e “as pessoas
vieram se integraram perfeitamente com os funcionários”. A diferença de
perspectivas em organizações é sempre uma fonte de aprendizagem, quando o
diálogo é estimulado permite resultados positivos para os envolvidos, mas atuam
como uma fonte geradora de problemas diversos quando os problemas ficam
involuntariamente ou propositalmente ‘submersos’ nos relacionamentos diários. E
perspectivas bastante divergentes na organização relatadas pelos indivíduos
59
indicam uma falta de comunicação, permitindo a construção social de diversas
aprendizagens sobre atitudes, comportamentos e valores presentes na organização.
A necessidade de diálogo para ajustes de perspectivas e aprendizagens é
explicada por Schuck (1997, p. 243), que afirma que aprender é uma experiência
social e que o aprendizado ocorre através de interações com outras pessoas. Para
passar dos objetos e ações para o campo do significado, o aprendiz conversa com
outras pessoas para expandir seu campo de entendimento. Durante o diálogo, idéias
e experiências são compartilhadas e o aprendiz expõe seus problemas, gera
hipóteses, conduz experimentos e reflete sobre os resultados, o que permite novas
aprendizagens e perspectivas para indivíduos e organização.
Vários autores afirmam que grande parte da aprendizagem dos indivíduos nas
organizações se dá por interação social (ver, por exemplo, ANTONACOPOULOU;
CHIVA, 2007; ELKJAER, 2003; GHERARDI; NICOLINI, 2004; DEFILLIPPI;
ORNSTEIN, 2003). O indivíduo, além de ser um agente que recebe e transforma
informação, simultaneamente está interagindo ativamente dentro de um contexto
sócio-cultural, onde participa na criação da realidade organizacional. Tanto as
pessoas quanto o contexto organizacional tem forte impacto no processo de
aprendizagem nas organizações. O conhecimento é gerado a partir das relações
interpessoais e das interpretações desenvolvidas no ambiente organizacional.
A perspectiva social permite-nos compreender a emergência da
aprendizagem pelas interações sociais, que a mesma é um fenômeno socialmente
construído (BERGER, LUCKMANN, 1998). Corroboram com esta idéia também
Freitas e Godoi (2008), que entendem a aprendizagem como socialmente
construída, como um processo político que está fortemente entrelaçada à cultura da
organização, sendo que a aprendizagem define a cultura da organização, mas, ao
mesmo tempo, é fruto da mesma.
60
4.2.2. O Processo de influência entre indivíduos, grupo e Organização
A noção de campo social de Lewin - como um espaço onde as pessoas, os
objetos, as instituições, os grupos e os acontecimentos sociais são elementos das
situações sociais, que mantêm entre si relações dinâmicas - está entre os conceitos
mais importantes para a investigação e compreensão da AO. Ao afirmar que para
Lewin, o campo social é uma gestalt, ou seja, um todo que não pode ser reduzido
aos subgrupos que nele coexistem ou aos indivíduos que dele fazem parte, Mailhiot
(1977) confirma a AO como fenômeno social que exige para sua compreensão uma
perspectiva igualmente social, ao considerar os relacionamentos como locus e
resultado da AO.
A afirmação - “tudo acontece por acaso - quando eu comecei desenvolvendo
métodos - um método específico que eles queriam que tivesse uma tônica e eu
acabei me encaixando e fui trabalhando com o desenvolvimento e tudo aconteceu
naturalmente ++ eu sempre tive um objetivo e foi integrando outros...” - reflete que
as ações e comportamentos individuais são resultantes de uma complexa interação
em um campo social, onde diversas forças interagem influenciando nas
aprendizagens e comportamentos daquele grupo ou indivíduo, ao reforçar a idéia do
espaço organizacional como um campo social. Para Dewey (1959), aprendizagem é
esta contínua reorganização e reconstrução da experiência. A aprendizagem ocorre
constantemente quando as pessoas agem e interagem, refletem e pensam.
As atitudes coletivas, as ações e reações individuais são transformadas e
conformadas, influenciadas pelo ambiente social e pela dinâmica das situações
sociais (LEWIN e CARTWRIGHT, 1965; BANDURA, 1986), resultando nos
comportamentos entendidos como normal e adequados naquele meio social.
O fato de que todas as aprendizagens resultam de um conjunto de
necessidades identificadas, às vezes até mesmo de forma inconsciente, no contexto,
está sendo mostrado na fala: “Porque eles sempre tão cobrando coisas novas daí
tem que ta se atualizando coisa que a gente não fazia - mas agora a gente é
obrigada a fazer”. Assim, a AO é resultante destas diversas forças do contexto.
Na frase - “Nós trocamos muitas idéias entre os setores principalmente com o
setor de analise de medicamento e processo e com a garantia - a gente se reúne
muito pra conversar em geral informalmente quando estamos passando no corredor
61
ou no café ou até no almoço” -, fica explícito um processo de AO informal na
organização e como os relacionamentos entre indivíduos e grupos processam-se de
acordo com a idéia de campo social.
A teoria sobre dinâmica de grupos explica-nos que o comportamento dos
indivíduos difere totalmente quando em grupo, e na frase - “o que motivaria as
pessoas seria um pouco mais de elogio às vezes parece que isso é uma coisa
pequena - mas é as coisas pequenas que vão somando e vão fazendo as pessoas
se sentirem felizes” - explica como o comportamento individual é função da dinâmica
do grupo.
A perspectiva social da AO permite considerar que o comportamento
individual é resultado de um contexto social, ou seja, o comportamento dos
indivíduos quando em grupos, em um ambiente social, acontece de acordo com o
esperado pelas teorias que consideram o contexto social na explicação do
comportamento individual. Os fenômenos de grupo têm características próprias e
toda dinâmica de grupo é resultado do conjunto das interações dentro de um espaço
psico-social. O comportamento dos indivíduos enquanto seres sociais para Mailhiot
(1977) é resultado de uma dinâmica gerada independente das vontades individuais.
A frase - “eu acho que as pessoas que tem nível superior acabaram
intimidando eles - se sentindo superiores a eles” - também indica que o
comportamento individual, as reações das pessoas e, portanto, a AO que ocorre
neste espaço é mediada pelo contexto social.
A frase - “as pessoas que estavam aqui já há anos tem muita experiência em
fazer os medicamentos que já eram do laboratório - os medicamentos antigos e eles
fazem mesmo sem ser químicos e fazem muito bem” - reflete a aprendizagem pela
experiência na organização e a crença socialmente construída de que os
profissionais com formação em farmácia são dispensáveis, sendo apenas uma
exigência legal.
As decisões e atitudes do grupo é fruto desta percepção do grupo sobre os
eventos percebidos ou experienciados no contexto social (LEWIN, 1946), ou seja, a
percepção grupal do resultado da ação social é essencial na escolha de próximas
opções de atitudes e comportamentos dentro do contexto.
As frases - “até por todo o conhecimento que eles têm a maior dificuldade é a
integração - apesar da gente se dar muito bem eu sinto isso + todo dia eu escuto
alguma coisa relacionada a isso” e “Hoje há esse atrito controle de qualidade
62
garantia - porque a metade das pessoas que trabalham lá que são encarregadas
são farmacêuticos - ou estagiários há uma certa rivalidade entre um e outro
constantemente” - mostram que o impacto da aprendizagem formal na AO é
mediada pelo contexto. Neste exemplo, o aumento da educação formal por parte da
equipe é entendido como uma razão para uma dificuldade de integração e não como
uma oportunidade de aprendizagem. Esta constatação justifica a perspectiva social
quando afirma que a AO não pode ser construída, mas apenas facilitada por um
contexto apropriado.
Apesar de haver treinamentos formais, a frase - “tem gente que fala tenho
bem mais coisa pra fazer do que vir aqui no sábado ver um treinamento” - indica
que o resultado provavelmente fique aquém do que a organização gostaria, devido a
fatores sociais, ou seja, o grupo ou uma parte do grupo da empresa, por uma
aprendizagem socialmente construída, aprendeu que não é parte da empresa e
desta forma o treinamento é visto como benéfico somente para a organização.
Berger e Luckmann (1998, p. 176) defendem que o processo de aprendizagem
aconteça em circunstâncias carregadas de alto grau de emoção, ou seja, a
interiorização somente acontece quando ocorre uma forte identificação permitindo a
construção de significados e identidade subjetivamente coerente e plausível,
condição necessária à emergência da AO.
Comentários como - “Eu acho que se tivesse uma melhor integração visse
melhor o trabalho do outro seria mais legal né? Eu to aqui há tanto tempo e eu
nunca tinha entrado na área de produção - então é esse negócio assim né”, “eles
não tem obrigação nenhuma de me dar alguma coisa - alguma coisa a mais ++ eu
ganho o meu salário em dia mas as pessoas acham que a empresa tem obrigação
de dar - daí eu falo corre atrás - corre atrás do prejuízo arruma um emprego melhor”
- esclarecem um pouco a aprendizagem socialmente construída na organização de
que os indivíduos são apenas uma parte substituível em uma máquina, pois em
alguns casos, não há estímulo e, em outros, não há compreensão para entender e
sentir-se como parte de um todo, de uma organização, de um campo social. Lewin
(1978) identificou que as atitudes coletivas e pessoais são resultantes de pressões
tanto internas à consciência individual quanto contextuais, ou seja, não há fronteiras
imutáveis entre as consciências individuais e o contexto onde os indivíduos estão
inseridos, pois o grupo é um todo irredutível a seus indivíduos.
63
A frase - “estou aqui há 18 anos e aqui é bastante marcante que os
empregados - a visão que eles têm da empresa - é que a empresa não - não dá o
que eles acham que merecem - então isso é uma coisa geral” - mostra que explicar
e compreender o ambiente em que vivem é uma necessidade que os indivíduos
estão em constante busca (MEZIROW, 1991). Por conseqüência, sentidos e
significados são socialmente construídos modelando as ações e interações
(BERGER, LUCKMANN, 1998, FREIRE, 1983) de indivíduos e grupo. Assim, na
organização, ações e reações, o que inclui a AO, são resultantes e de acordo com
os significados socialmente construídos e tidos como legítimos e adequados na
organização.
A literatura está repleta de afirmações de que grande parte da AO acontece
ou pelo menos inicia informalmente, ou seja, mediada pela dinâmica do grupo. Na
organização estudada, não é diferente. Mas as afirmações - “tem que saber conviver
com a diferença - então quando chega alguém diferente com uma postura diferente
então eles já começam a ser criticados - só porque eles são farmacêuticos - podem
ser a melhor pessoa do mundo mas não presta porque é farmacêutico”, “eles acham
porque tem canudo - que sabem mais que os outros” - deixam claro que as
aprendizagens existentes não estão de acordo com as intenções de qualquer
organização atual, que envolve trabalho em equipe, troca de informações e
agregação de conhecimento compartilhado, entre outros.
As crenças, modelos mentais que os indivíduos constroem sobre o
comportamento alheio dificilmente são testadas, como na expressão - “as pessoas
são muito acomodadas até porque a gente tem no nosso grupo aí tem pessoas
umas 30, 40 pessoas que já trabalham aí a bastante tempo ++ a mais tempo que eu
e as pessoas estão aí bem acomodadas elas sobem de níveis até um certo limite
são encarregados daí elas sobem até ali mas não se interessam em estudar mais -
em tentar aperfeiçoar”. Está claro uma crença de que a não busca por
aperfeiçoamento é apenas por acomodação, resultando, então, em uma outra
crença compartilhada na organização: a de que as coisas são assim e esta situação
não pode ser mudada.
As frases - “a motivação aí que eu mais vejo o povo reclamar é tem muita
exigência interna cobrança interna de cuidados”, “tá cobrando não é recíproco a
parte salarial o pessoal reclama assim” - também indicam uma crença bastante
64
comum na organização, a crença de que indivíduos e organizações possuem
objetivos totalmente diferentes.
Na perspectiva social, indivíduo, grupo e organização estão intrinsecamente
conectados, ou seja, todas as ações e reações em qualquer uma das partes afetam
diretamente toda a organização. Mas quando esta conexão não é reconhecida,
propicia a visão da separação, a visão de que uma parte está a serviço de outra, ou
seja, com objetivos diferentes entre si. Assim, independente da visão que os
diversos componentes têm da organização, as aprendizagens sempre irão ocorrer,
mas muitas vezes não em sintonia com a intenção declarada pela gestão, levando a
uma AO aquém do possível ou até mesmo indesejável para a organização.
Na afirmação - “O laboratório surgiu porque o proprietário em 1964 ele
fabricava medicamentos em um pequeno galpão e trabalhava como comerciante de
medicamentos ++ foi aí que surgiu a idéia de montar um laboratório depois os filhos
cresceram e começaram a trabalhar neste laboratório mas não tiveram mais
interesse em continuar o negócio e ele foi vendido para o governo”, percebemos
uma explicação simplista fornecida para a venda da organização, que está
carregada de crenças diversas, demonstrando como os indivíduos são hábeis em
justificar ações e comportamentos. E esta mesma habilidade está sempre presente
no processo da AO, fatores que podem somente serem considerados sob uma
perspectiva social.
O texto expresso por uma influente pessoa da organização, visando mostrar
sua organização e forma de trabalho: “em todo o momento tem um processo de
avaliação da qualidade ++ dentro do laboratório nos temos reuniões da produção
toda segunda feira às 9 horas da manhã se reúne o gerente de produção com os
encarregados de seção – todas as terças feiras uma reunião da diretoria com o
gerente de produção gerente geral e gerente de suprimentos – todas as quartas
feiras reunião da diretoria com o comercial uma vez por mês nos temos uma reunião
com o desenvolvimento de produtos – os produtos que vão ser postos no mercado
daqui a um ano – e uma vez por mês nos temos a reunião do comitê de recursos
humanos e aí a gente discute os assuntos de promoção e subsídios educacionais e
CIPA” - demonstra a crença bastante comum na organização de que os principais
processos de aprendizagens são formais. Fica claro na ênfase sobre reuniões para
determinar rumos e objetivos que tal atitude pode ser justificada por diversas formas,
mas talvez entre elas estejam duas importantes: uma é o desconhecimento da
65
interconectividade e da função do contexto sobre o comportamento e, por
conseqüência, da AO. Outra é a visão positivista mecanicista que deliberadamente
exclui as variáveis que não sabe tratar ou por considerar que uma perspectiva
parcial é suficiente para os resultados pretendidos.
A perspectiva social da aprendizagem organizacional permite compreender
esta indivisibilidade entre indivíduo e organização, a percepção da organização
como um campo social (GARCIA-ROSA, 1974, p. 62). Lewin concebe a noção de
campo social como o grupo e seu ambiente, e a partir desta noção é possível pensar
que um grupo possui uma estrutura e um sistema de relações próprias com outros
grupos, bem como comportamento próprio e diferenciado de seus constituintes
individuais. Assim, a compreensão de ações e comportamentos em um grupo
somente pode ser compreendida considerando a interdependência dinâmica entre
os seus membros, que significa que uma mudança realizada em uma das partes vai
se refletir sobre todas as outras.
A aprendizagem organizacional é resultante desta capacidade da organização
de reconhecimento dos eventos internos e externos, bem como do significado e
entendimentos das ações organizacionais e do reconhecimento do impacto de tais
ações e sentido dos resultados obtidos para organização e seus membros.
Conforme Nicolini, Gherardi e Yanow (2003), o conhecimento e a aprendizagem
organizacional devem ser visualizados como formas de expertise social, ou seja,
como conhecimento na ação situada em um contexto histórico, social e cultural, que
se desenvolve sob uma variedade de formas.
4.2.3. O processo de aprendizagem pela Conformação Mútua
A constatação de que significados são socialmente construídos, de que a
sociedade é uma realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva (BERGER e
LUCKMANN; 1998), que sociedade e indivíduos estão em constante processo de
conformação mútua, avaliza uma perspectiva social da AO, que exige considerar
esta interdependência entre indivíduos, organizações e contexto. A AO como um
processo social que ocorre nas diversas interações envolvendo indivíduos,
organizações e ambiente (WENGER, 2003) também é constantemente causa e
conseqüência destas interações.
66
A frase - “Quando eu entrei eles estavam iniciando o processo de
desenvolvimento de novos produtos - mas não tinham ninguém para desenvolver
novos métodos daí eu me inseri nessa parte, foi uma coisa totalmente nova...” -
mostra uma interação comum entre indivíduo e organização, que conseqüentemente
geram aprendizagens. Estas podem, muitas vezes, mudar a estrutura, mesmo
quando esta intenção não é percebida ou programada. Esta interação demonstra
esta relação entre estrutura e a AO, e como mutuamente influenciam-se
constantemente, quando determinada estrutura propicia algumas aprendizagens, e
quando estas geram novas estruturas.
A expressão - “O controle de qualidade cresceu muito o desenvolvimento de
produtos nem existia que é pesquisa né? Daí vieram 3 pessoas para o
desenvolvimento mais 3 para a qualidade e daí a coisa foi crescendo né ++ quando
eu entrei aqui tinham 9 pessoas no controle de qualidade que eram os analistas-
hoje tem 19 eles compraram muitos equipamentos e daí tinha que ter mão de obra
qualificada” - exemplifica como mudanças organizacionais geram novas
aprendizagens, algumas desejadas, outras não. Estas, em um primeiro momento,
são conseqüência das estruturas vigentes, mas em momento seguinte serão
geradoras da estrutura em função deste processo constante de conformação mútua.
A distinção pela cor da roupa expressa pela frase - “Eu converso com
bastante gente da produção né? Mas tem pessoas que eu nunca conversei - a gente
sente falta disso ainda mais que aqui agora ta mudando né mas ainda o pessoal que
veste branco é os formados e os de azul é os da produção - e daí todo mundo
repara né? A cor de roupa né? Já diz quem é” - está entre os exemplos que a
estrutura favorece e estimula a separação, e por conseqüência afeta a comunicação
e a AO.
Frases como - “Me comunico mais com os farmacêuticos do que com o
pessoal de produção o pessoal de produção se sente muito isolado do pessoal de
nível superior - eu gosto muito de fazer treinamento, mas quando tem que repassar
sinto dificuldade porque o pessoal da produção não entende a linguagem da gente” -
e a anteriormente citada revelam contradições e um pouco como as normas e regras
numa organização são aprendidas, como os conflitos e barreiras de comunicação
são formadas pelas atitudes e ações de grupos ou indivíduos. Nossas crenças e
atitudes moldam a realidade, por exemplo, ao facilitar ou dificultar a comunicação
importante e necessária para o funcionamento da organização e para a AO. Os
67
processos sociais, organizações e indivíduos influenciam-se mutuamente (ASENSI,
2006), construindo e sendo construídos pela sociedade.
O processo pelo qual a organização espera fomentar a aprendizagem
mostrada na frase - “até no outro final de semana eu vou repassar um curso que eu
fiz em São Paulo - que o pessoal não teve ele né + é que vai uma pessoa e repassa
pros outros” - exige integração e comunicação fluente no ambiente organizacional.
Situação que observamos nem sempre presente em função das estruturas vigentes.
O resultado dos esforços de geração de aprendizagem dentro da organização
depende do contexto, ou seja, depende de como os indivíduos em um determinado
contexto interagem entre si, com outros grupos e com a organização. Esta
constatação reforça a idéia da necessidade e importância da compreensão da AO
sob a perspectiva social.
A frase - “Os próprios gerentes eles mesmos quem não tem curso superior
falam - isso não cabe a mim cabe a quem tem nível superior então entende? Acho
que é uma coisa que não deveria existir + porque quem não é formado ali tem mais
de 10 anos na casa então tem muita experiência mas meio que formou um bloqueio
sabe” - revela que a estrutura da organização, permitiu ou facilitou uma separação,
uma distinção clara, indicativa de ordem de importância entre quem não tem e quem
tem curso superior. Indica mais uma vez a fundamental mutualidade existente entre
aprendizagem e estruturas, o que reforça a importância da teoria da estruturação de
Anthony Giddens para compreensão da AO. A teoria de Giddens tem por principal
pressuposto exatamente a conformação mútua entre estrutura e indivíduo,
estimulando e limitando ao mesmo tempo as possibilidades de ação.
Um conjunto de definições estruturais tanto externas quanto internas,
associado ao processo de implantação de novos métodos de trabalho, gerou uma
situação de conflito na organização, que propiciam aprendizagens que muitas vezes
estão fora da necessidade organizacional ou da intenção declarada da organização.
É possível perceber isso nas frases - “Mas esse trabalho não deveria ser feito pelos
farmacêuticos?” e “Mas é feito pelos analistas porque eles têm muita experiência
faziam isso sempre antes não existia os farmacêuticos - existia somente um para
todo o controle hoje existe 20 farmacêuticos ++ mas quem coloca a mão na massa é
o analista porque ele sabe um monte - porque cada farmacêutico é responsável por
uma área mas quem trabalha junto fazendo o trabalho é o analista - e eles se
sentem bem desvalorizados”. Esta constatação reforça a visão da perspectiva social
68
da AO que afirma que a aprendizagem não pode ser criada e gerenciada, mas
apenas facilitada pelo ambiente, normas e regras organizacionais.
Em estudo, Nicolini e Meznar (1995) identificaram diversos autores, como
Cyert, March, Ducan, Weiss, Levitt, Lant e Mezias, que também discutiram em seus
trabalhos a importância e o impacto significativo das estruturas no processo de
aprendizagem, portanto sendo fundamentais para a AO.
A declaração - “Era tudo analista então não tinha nenhuma discriminação
eram todos iguais daí as coisas foram mudando precisava desenvolver produtos
novos e claro e eles não tinham conhecimento pra isso” - revela que necessidades
da organização ou exigências de mercado que alteram a estrutura externa sempre
impactam internamente, forçando à novas estruturas, adaptações e aprendizagens.
As frases - “Antes o processo era mais caseiro e agora foram se
desenvolvendo muitos medicamentos novos - e agora eles compraram maquinários
para desenvolvimento” e “o fluxo de analise aumento muito começa a produzir mais
coisa começa a precisar de mais mão de obra e equipamento também e foi investido
em mão de obra especializada” - indicam que mudanças em estruturas internas e
externas forçam ações e aprendizagens diversas na organização, que também,
conseqüentemente, irão impactar sobre as estruturas.
A declaração - “às vezes elas acham que merecem muito mais do que
realmente merecem - claro a empresa deixa a desejar muitas coisas - o salário aqui
é baixo não se tem outros ganhos nem outras coisas ++” - mostra claramente como
tudo está ligado, como todas as ações e definições estruturais impactam sobre o
funcionamento geral da organização. Perceber como as ações são fruto ou
geradoras da estrutura com certeza está entre as maiores dificuldades para a
aprendizagem e solução de problemas organizacionais.
Os significados construídos durante as interações, as explicações causais e
as expectativas em relação aos eventos, influenciam as ações dos indivíduos
(MEZIROW, 1991), tais significados ou sentido são construídos pelos indivíduos
exatamente para compreensão de suas experiências e ambientes que o cercam.
Cada nova experiência permite a construção de novos significados ou redefinição de
significados existentes, e como em um ciclo contínuo estes significados determinam
como o individuo irá agir e comportar-se frente a novas experiências.
A frase - “as pessoas como sempre querem ganhar mais mesmo sem saber
se as pessoas podem ou não pagar - e como a empresa querendo ou não
69
demonstra o estado real dela financeiro da empresa - as pessoas acham que eles
não dão salário maior - não dão uma cesta básica uma coisa assim um plano de
saúde porque não querem” - revela que todas facetas da estrutura, incluindo o
processo de comunicação, tem forte impacto sobre as aprendizagens. E a
comunicação é um aspecto fundamental do processo de aprendizagem social,
revelando a importância da perspectiva social na compreensão do processo de AO.
A frase - “Eles querem ganhar mais - mas eu falo pra eles se vocês querem
ganhar mais e não fazem nada por isso então não tem porque reclamar - Se quer
ganhar mais - beleza mas faz por merecer vai fazer um curso um treinamento uma
faculdade” - revela uma crença comum na organização, que é a supervalorização do
conhecimento formalmente adquirido, a prioridade expressa da inteligência cognitiva
e do conhecimento formal sobre outras inteligências e conhecimentos; o que
transmite aos indivíduos e organizações a mensagem sobre o que é importante e o
que tem valor. Uma perspectiva social da AO busca considerar esta complexidade
do processo de aprendizagem e, por conseqüência, pode facilitar a AO coerente
com os objetivos organizacionais, pois a aprendizagem é algo que emerge das
interações sociais (GHERARDI e NICOLINI, 2004, p.47), é socialmente construída
(BERGER e LUCKMANN, 1998).
Quando exigências externas geram mudanças importantes nas estruturas
internas da organização, como indicado na frase - “Quem não é farmacêutico vai ter
que ser substituído - inclusive eu isso é uma exigência da vigilância sanitária” -,
nota-se que o gestor pretende manter encarregados mesmo sem o curso de
farmácia enquanto não for obrigatória a substituição. Isto gera também importantes
impactos em toda a organização e, por conseqüência, na AO. O resultado da AO é
fortemente influenciada pela capacidade da organização em adaptar-se
adequadamente às novas estruturas, e dificuldades na adequação da estrutura
geralmente impactam negativamente na AO. As frases - “Eles até podem querer
botar um farmacêutico no setor e me deixar como eu to – por que eu mesmo
encarregado metendo a mão na massa” e “a gente aí né - querendo ou não vai ter
mais conhecimento que eles - eles são tudo teórico e a gente tem a pratica o dia a
dia né? A gente acaba sabendo mais e aos poucos eles vão aprendendo ++” -
denunciam a existência de uma estrutura que propicia a separação e que pouco
favorece a geração de conhecimento na organização pela junção da teoria e prática.
70
A situação exposta pela frase - “os que vestem branco são farmacêuticos e os
outros vestem azul daí não são formados - hoje ta mudando né? Vai mudar todos os
uniformes todos vão ficar de branco porque a vigilância exige - É complicado né?” -
demonstra este dinamismo no processo de formação e mudança das estruturas.
Algumas vezes, mudanças em estruturas externas geram dificuldades dentro da
organização, em outras, favorece as estruturas organizacionais internas, como neste
caso da unificação dos uniformes, forçando o fim de uma distinção entre os
indivíduos.
A frase - “tem muita mudança - a exigência é maior tudo mudou porque a
vigilância sanitária exige agora - Ah! O problema aqui é que o desenvolvimento de
produtos acabam se achando demais ++” - mostra uma dificuldade das pessoas e
da organização de perceber os interrelacionamentos – que departamentos de uma
mesma organização devem ou deveriam ter um mesmo objetivo final – porque
sendo parte de uma única organização, todos são beneficiários ou prejudicados
pelas ações ou atitudes de qualquer uma das partes. E esta dificuldade de
percepção de existência da mutualidade entre todos os sistemas, impacta
diretamente nos processos de aprendizagem e nos resultados da organização.
A frase - “houve a implantação da vigilância sanitária - então de lá pra cá aos
poucos eles foram cobrando mais exigindo mais e então o comportamento da
empresa com os empregados acabou mudando é natural - há uma exigência maior
coisa que não existia antes ++” - indica que os indivíduos percebem facilmente que
mudanças estruturais externas geralmente implicam em forte impacto sobre a
organização, sua estrutura, processos e pessoas.
Além das mudanças externas, decisões internas, como os requisitos para
contratação de novos funcionários, conforme descrito pela frase - “então a gente
mudou desde o ano 2000 a gente vem colocando a gente vem fazendo apenas
seleção de pessoas com o ensino médio completo” - impactam diretamente sobre os
processos de aprendizagem, ou seja, são normas da estrutura organizacional que
delimitam a AO.
A descrição - “O laboratório ele foi vendido para o governo em 2000 e ainda
tem alguns problemas quanto a isso que não cabe aqui ++ então em setembro de
2003 foi comprado por um empresário + Nessa época já estava definida a
necessidade dos laboratórios se adequarem a nova legislação a LDB210 da ANVISA
+ que especifica tudo que um laboratório precisa ter desde a fabricação até a
71
distribuição ++ tudo que envolve medicamentos ele comprou o laboratório me
contratou como executivo e começamos esse processo” - exemplifica a constatação
de que diversos fatores estruturais tanto internos, quanto externos à organização
impactam diretamente na AO como em todos outros processos organizacionais de
forma sistêmica.
A frase - “custeamos o vale alimentação demos ajuda de custo e 50 % da
mensalidade e quando há cursos em São Paulo ou Porto Alegre nos mandamos
alguns funcionários este ano mesmo foram 10 fazer cursos então assim podemos
manter o desenvolvimento da equipe” - revela a existência de alguns investimentos
em treinamento formal, estratégia comum na organização para fomentar a AO, mas
muitas vezes insuficiente para atingir os objetivos almejados, principalmente quando
existem problemas de comunicação, pouca integração e conflitos entre os
indivíduos.
A expressão - “demora em torno de 4 meses pra ANVISA poder responder e
daí você pede o registro de preço então nos não temos liberdade de preço porque
são determinados por uma câmara da ANVISA - então mais um mínimo dois meses
pra eles darem um preço só depois de tudo isso pronto é que você pode preparar
um material de divulgação - amostra grátis então ate sair no mercado são 24 meses”
- revela que em mercados onde há forte regulação, como o mercado de
medicamentos, a estrutura externa impacta muito fortemente sobre a organização,
com influência direta na AO.
A estrutura, como o conjunto de recursos e regras continuamente geradas e
geradoras do processo de construção social (GIDDENS, 2003), como práticas
padronizadas, recorrentes e aceitas em um determinado espaço e tempo, é, com
certeza, fator de impacto fundamental no processo de interação social e por
conseqüência fundamental no processo de aprendizagem organizacional.
A percepção de Gherardi (2004) considera que as pessoas são sempre atores
e produtores de sua realidade. A abordagem de Cohen (1999), sobre a teoria da
estruturação, busca desfazer o dualismo agência versus estrutura. Neste caso,
agência e estrutura são dois lados de uma mesma realidade social, e indivíduos e
estrutura são constantemente construídos e reconstruídos nas práticas sociais
recorrentes. As constatações, durante a pesquisa, confirmam a teoria da
estruturação fundamental para compreensão da AO sob a perspectiva social.
72
Para facilitar a compreensão dos resultados da pesquisa e as relações
obtidas pela análise e interpretação dos dados, a seguir é apresentado um quadro
que resume e exemplifica o processo social da AO segundo a revisão teórica e os
achados desta investigação.
Teoria Aspectos das Teorias encontrados na pesquisa
empírica
Relatos
Sócio-cognitiva. Aprendizagem pela imitação e observação (aprendizagem vicária).
“Então sempre que as coisas não vão bem eu procuro ele direto se é pra resolver é melhor ir direto com ele sem passar pelo supervisor às vezes as coisas se perdem”
Sócio-cognitiva, Teoria de campo e Sensemaking.
Aprendizagem pela construção de sentido na interação social.
“Todas as pessoas aqui são muito diferentes tenho pouco contato com a produção - mas existe um grande descontentamento salarial - isso é tudo quanto é lugar”
Sócio-cognitiva, Dinâmica de grupo e Sensemaking.
Aprendizagem através dos padrões compartilhados. Compartilhamento dos modelos mentais.
“era tudo analista então não tinha nenhuma discriminação, eram todos iguais”
Sócio-cognitiva.
Aprendizagem pelo ajustamento e adaptação ao contexto.
“Então venho, eu faço meu trabalho e vou embora...”
Dinâmica de Grupo, Teoria do campo e Gestalt.
Aprendizagem pela reorganização e reconstrução da experiência.
“Eu sempre tive um objetivo e foi integrando outros”
Dinâmica de Grupo, Teoria do campo.
Aprendizagem pelas interações dentro de um espaço psico-social. Pelas relações intra e inter grupais.
“tudo acontece por acaso ++quando eu comecei desenvolvendo métodos um método específico que eles queriam que tivesse uma tônica + e eu acabei me encaixando e fui trabalhando com o desenvolvimento e tudo aconteceu naturalmente -eu sempre tive um objetivo e foi integrando outros”
Dinâmica de Grupo e Teoria do campo.
Aprendizagem pela influência direta do campo social.
“tem que saber conviver com a diferença - então quando chega alguém diferente com uma postura diferente então eles já começam a ser criticados - só porque eles são farmacêuticos - podem ser a melhor pessoa do mundo mas não presta porque é farmacêutico”
Teoria da estruturação.
Aprendizagem estimulada ou limitada pela estrutura.
“Quando eu entrei, eles estavam iniciando o processo de desenvolvimento de novos produtos ++mas não tinham
73
ninguém para desenvolver novos métodos daí eu me inseri nessa parte- foi uma coisa totalmente nova...”
Dualidade da estrutura. Processo de Conformação mútua.
Mudanças organizacionais geram novas aprendizagens
“O controle de qualidade cresceu muito o desenvolvimento de produtos nem existia que é pesquisa né? Daí vieram 3 pessoas para o desenvolvimento mais 3 para a qualidade e daí a coisa foi crescendo né... Quando eu entrei aqui tinham 9 pessoas no controle de qualidade que eram os analistas, hoje tem 19 eles compraram muitos equipamentos e daí tinha que ter mão de obra qualificada”
Teoria da estruturação. Estrutura externa, modificando a aprendizagem organizacional
Aprendizagem pela estruturação, adaptação ao ambiente, ao conjunto de recursos e regras continuamente geradas e geradoras do processo de construção social.
“demora em torno de 4 meses pra ANVISA poder responder e daí você pede o registro de preço então nos não temos liberdade de preço porque são determinados por uma câmara da ANVISA “
Quadro 6: A perspectiva social da aprendizagem organizacional Fonte: Elaborado pela autora
O quadro resume a ligação entre as teorias, os relatos e aspectos das teorias
utilizadas na pesquisa empírica, demonstrando como acontece o processo social da
AO. Também permite compreender a significativa contribuição das teorias para a
compreensão deste fenômeno. Na categoria aprendizagem vicária, observacional e
pela imitação, o destaque para a teoria sócio-cognitiva explica boa parte da
aprendizagem pela experiência e observação; na categoria relações de influência
pela interação social, ressaltamos a teoria do campo e dinâmica de grupo que geram
aprendizagens pelas interações e relações grupais; e na categoria processo de
conformação mútua, destacamos a teoria da estruturação e dualidade da estrutura
que teorizam sobre a conformação mútua entre indivíduos, estruturas e
organizações.
74
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo teve como objetivo geral compreender o processo de aprendizagem
organizacional a partir da perspectiva social. Como objetivos específicos, pretendeu-
se estabelecer o translado das contribuições das teorias sociais para a esfera da
aprendizagem organizacional e identificar o processo de construção social da
aprendizagem na organização estudada. Visando esta compreensão realizou-se
uma investigação qualitativa através de entrevistas gravadas e transcritas, que via
análise revelaram muito sobre o processo de aprendizagem organizacional que
ocorre em um contexto social.
A multiplicidade de enfoques sobre o tema da aprendizagem organizacional
(BITENCOURT, 2006; ANTONELLO; GODOY, 2007; ELKJAER, 2001; GHERARDI,
2004), ao mesmo tempo em que apresenta muitos desafios, encoraja a novas
perspectivas e novas formas para a compreensão e entendimento desta área de
estudo. Assim, inspirada na idéia da interdisciplinaridade entre as ciências, da
interpenetração dos saberes e da necessidade de superação da dicotomia indivíduo
versus organização, buscou-se através da integração entre a perspectiva social da
AO, a teoria da estruturação (GIDDENS, 2003), a teoria da aprendizagem social
(BANDURA, 1986) e a teoria de campo (LEWIN, 1946), uma melhor compreensão
do fenômeno da AO de forma a contribuir para melhor entendimento deste processo
e seus reflexos nas organizações e indivíduos.
As teorias que compõem a base deste estudo explicitam a importância
fundamental do contexto social organizacional sobre a AO e consideram o processo
de aprendizagem como parte integral da organização, ou seja, a aprendizagem é
tanto fonte como resultante, entremeada nas interações em um contexto social
(ANTONACOPOLOU e CHIVA, 2007). A aprendizagem é algo que emerge nas
interações sociais (GHERARDI e NICOLINI, 2004, p.47), é socialmente construída
(BERGER e LUCKMANN, 1998), é um processo social que ocorre nas interações
entre indivíduos, organizações e outros sistemas. Aprendizagem e sociedade são
realidades construídas em um processo dialético de forma que aprendizagem,
sociedade e indivíduos estão em um constante processo de conformação mútua.
A influência do processo social durante toda a pesquisa também se fez
presente nas ações e interpretações do investigador. As experiências do
75
investigador, seus conhecimentos, sua visão do ambiente da entrevista, seus
preconceitos e modelos mentais, além de sua percepção particular afetam também
seu olhar e entendimento sobre os fenômenos analisados. A presença da pessoa do
pesquisador é inerente à pesquisa qualitativa.
As entrevistas em profundidade permitiram um processo de reflexão e análise
durante o processo de investigação. Questionamentos e aprofundamentos nas
entrevistas ocorreram freqüentemente com o intuito de esclarecimento de dúvidas e
busca de novos dados, o que demonstra a característica conversacional (MATTOS,
2006) deste método de investigação.
A reconstrução dos significados presentes nos relatos dos entrevistados,
capaz de traduzir a visão e perspectiva segundo os próprios entrevistados, exigiu do
pesquisador uma capacidade muito grande de percepção das subjetividades
presentes em gestos e discurso. Sem ignorar a influência de todos os elementos da
entrevista que inclui o contexto e o próprio investigador.
A pesquisa realizada mostrou a significativa influência do ambiente
organizacional e das relações interpessoais no processo de aprendizagem, portanto
também revelou um processo que não pode ser totalmente gerenciado. Atitudes e
comportamentos adotados na organização são socialmente aprendidos pela
experiência e observação. No ambiente organizacional, constantemente pessoas e
grupos buscam entender e compreender o ambiente a sua volta e interagem de
acordo com os sentidos socialmente construídos naquele grupo e por aquelas
pessoas (BERGER e LUCKMANN, 1998; FREIRE, 1983; MEZIROW, 1991).
Algumas aprendizagens encontradas na organização, como crenças sobre a
relação entre satisfação e remuneração, revelam aprendizagens socialmente
construídas. Isto permeia grande parte da organização, mostrando que a influência
do ambiente sobre a AO acontece de forma bastante ampla, ou seja, a AO é
resultado não somente das relações e ambiente interno à organização, mas também
é resultante do ambiente e relações externas.
A pesquisa indicou como é forte e presente a aprendizagem pela observação
e experiência, de modo a favorecer a perpetuação de comportamentos e atitudes na
organização. Desse modo, percebe-se porque apenas ações de treinamento são
insuficientes para fomentar a AO e obter os resultados desejados. A teoria de campo
também esclarece um pouco desta dificuldade, apesar de esforços de treinamento
76
para levar a AO em um determinado sentido, a aprendizagem não ocorrerá
conforme esperado se outras forças, como experiências e a observação,
favorecerem a AO em outro sentido.
É possível observar na organização muitas aprendizagens acontecendo como
resultado de mudanças externas (exigências legais) e o processo de condução
interna de tais mudanças mostram o impacto do ambiente sobre o processo de AO.
O reconhecimento dos eventos internos e externos pela organização, os significados
e entendimentos construídos na organização, o reconhecimento do impacto de tais
ações e sentido dos resultados obtidos para organização e seus membros,
impactam de forma muito forte na AO.
As entrevistas e comentários obtidos deixam muito claro que grande parte do
comportamento individual na organização é socialmente aprendido. Isso possibilitou
compreender a relevância do contexto para a aprendizagem organizacional e da
teoria da cognição social de Bandura (1986), que apresenta a capacidade vicária, a
qual permite a aprendizagem pela observação de comportamentos de outras
pessoas e adequação de ações e reações conforme as conseqüências também
observadas e interpretadas.
A pesquisa evidenciou a necessidade da perspectiva social sobre a AO por
constatar como aprendemos facilmente pela interação social e como é impossível
controlar todas as variáveis do ambiente que influenciam significativamente no que é
aprendido. As crenças construídas ao longo da vida por indivíduos e organizações
influenciam na interpretação dos eventos e significados construídos, impactando nos
relacionamentos e comportamentos.
As entrevistas revelaram que os discursos dos entrevistados são coerentes
com a visão cognitiva social (cf. BANDURA, 1989), que reconhece a significativa
influência dos estímulos do ambiente social sobre as ações das pessoas, indicando
como aprendizagens são socialmente criadas e recriadas e também as dificuldades
em conduzir mudanças e aprendizagem organizacional.
Grande parte da aprendizagem dos indivíduos nas organizações se dá por
interação social (ANTONACOPOULOU e CHIVA, 2007; ELKJAER, 2003;
GHERARDI; NICOLINI, 2004; DEFILLIPPI; ORNSTEIN, 2003); o indivíduo é um
agente que recebe e transforma informação, interagindo ativamente dentro de um
contexto sócio-cultural, é simultaneamente resultado e criador da realidade
organizacional. A aprendizagem organizacional é parte dos fenômenos sociais,
77
portanto socialmente construída (BERGER, LUCKMANN, 1998), de forma que está
constantemente em reconstrução através das interações sociais.
A pesquisa mostrou que na organização as ações, reações e
comportamentos individuais são resultantes de uma complexa interação em um
campo social, onde são transformadas e conformadas pela dinâmica das situações
sociais (LEWIN e CARTWRIGHT, 1965; BANDURA, 1986). Diversas forças
interagem influenciando nas aprendizagens e comportamentos de indivíduos ou
grupos, resultando nos comportamentos entendidos como normal e adequados
naquele meio social, o que reforça a idéia do espaço organizacional como um
campo social.
A afirmação de que AO é resultante de um conjunto de forças no contexto
organizacional, influenciando e sendo influenciada pela organização sob diversos
aspectos foi uma compreensão obtida pela pesquisa. A análise das entrevistas
mostrou que o comportamento individual é função da dinâmica do grupo, é mediada
pelo contexto social, ou seja, o comportamento individual é função das relações no
grupo. A perspectiva social da AO permite considerar esta influência do contexto
social sobre o comportamento de indivíduos ou grupos.
Também foi elucidado pela pesquisa que a compreensão dos fenômenos
grupais, por serem totalmente diferentes dos individuais, exige uma abordagem
diferenciada que considere os inter-relacionamentos existentes no contexto e a
mutualidade entre os diversos sistemas. A percepção de um grupo sobre os eventos
percebidos ou experienciados em um determinado contexto social, determinam as
decisões e atitudes atuais e futuras deste mesmo grupo (LEWIN, 1946). Explicando
porque tentativas de compreensão que não consideram estes inter-relacionamentos
existentes dentro dos grupos não oferecem resultados satisfatórios e compreensão
de fenômenos naturalmente grupais como a AO.
A pesquisa nos levou a compreender que treinamentos formais são
insuficientes e para que a AO aconteça, é necessário identificação com a
organização e um contexto apropriado. Na organização, ações e reações (o que
inclui a AO, é resultante e ocorrem de acordo com os significados socialmente
construídos e tidos como legítimos e adequados na organização; e as atitudes
coletivas e pessoais são resultantes de pressões tanto internas à consciência
individual quanto contextuais (LEWIN, 1978), ou seja, consciências individuais e o
contexto onde os indivíduos estão inseridos confundem-se e mutuamente
78
influenciam-se no comportamento e atitudes, bem como na tomada de decisão e por
conseqüência na AO. Os diversos relatos durante as entrevistas e a constatação da
complexidade do contexto social confirmam que a AO não pode ser construída, mas
apenas facilitada por contexto que favoreça a emergência de aprendizagens
desejadas na organização.
Os relatos revelaram que crenças e modelos mentais sobre o comportamento
alheio impactam muito forte sobre a AO, geralmente dificultando novas
aprendizagens ou favorecendo a continuidade de problemas e dificuldades
organizacionais. A pesquisa revelou diversas crenças comuns na organização, entre
elas a crença de que indivíduos e organizações possuem objetivos totalmente
diferentes, o que não é verdade quando aplicamos uma visão segundo a teoria de
campo, dinâmica de grupos e teoria cognitiva social. Na perspectiva social indivíduo,
grupo e organização estão conectados, assim ações e reações em qualquer uma
das partes afetam toda a organização.
Relatos demonstraram uma crença de que os principais processos de AO são
formais, crença comum na organização, esquecendo da importante função do
contexto sobre o comportamento e, por conseqüência, na AO. A aprendizagem
organizacional é um processo social que ocorre nas interações entre indivíduos,
organizações e ambiente, sendo constantemente causa e conseqüência destas
interações, portanto, resultado como causa do contexto.
A noção de campo social - como o grupo e seu ambiente proposta por Lewin,
segundo Garcia-Rosa (1974) - permite pensar a organização como um campo social
e compreender que indivíduo e organização existem como partes de uma unidade
única, que tem suas próprias características e que se desenvolve no meio social de
modo diverso de seus constituintes individuais.
A pesquisa demonstrou que a estrutura organizacional pode ser alterada
pelas aprendizagens geradas na interação entre indivíduo e organização e que
estrutura e AO influenciam-se mutuamente, ao mesmo tempo em que a estrutura
propicia algumas aprendizagens é modificada pelas mesmas. O processo de
conformação mútua entre estrutura e indivíduos ficou evidente ao analisar as
mudanças organizacionais que, ao longo do tempo, forçaram muitas aprendizagens
na organização. Tais aprendizagens, em um primeiro momento, foram conseqüência
das estruturas existentes, mas em momento seguinte, foram geradoras da estrutura.
79
Esta mutualidade (ASENSI, 2006), revelada pela pesquisa, entre sociedade,
organizações e indivíduos faz com que, ao mesmo tempo, sejam construtores e
construídos nos processos sociais.
A necessidade de uma perspectiva social sobre a AO fica evidente quando se
percebe que o resultado dos esforços de aprendizagem depende do contexto,
depende de como os indivíduos interagem entre si, com outros grupos e com a
organização. Ou seja, os esforços de aprendizagem podem não oferecer os
resultados esperados quando não existir um contexto que propicie as aprendizagens
desejadas.
Os relatos diversos revelaram o significativo impacto da estrutura
organizacional sobre a AO que, muitas vezes, é indireto afetando a comunicação ou
os relacionamentos, que por conseqüência influenciam nos processos de AO. A
pesquisa revelou que as estruturas existentes na organização fez emergir um
contexto de pouca comunicação, rivalidade e separação, portanto pouco propício
para processos de AO voltados a resultados positivos para a organização; situação
que torna relevante a teoria da estruturação de Giddens na compreensão da AO, por
exatamente preconizar esta conformação mútua entre estrutura e indivíduo,
estimulando e limitando ao mesmo tempo as possibilidades de ação. E perceber
como as ações são fruto ou geradoras da estrutura é fundamental para a
aprendizagem e solução de problemas organizacionais
A ligação entre estruturas e aprendizagem ficou bastante evidente ao analisar
os relatos sobre mudanças em estruturas internas e externas que geraram ações e
aprendizagens diversas na organização, que conseqüentemente impactaram sobre
as estruturas modificando-as. A pesquisa revelou que mudanças estruturais
externas, como as impostas por órgãos regulamentadores, geralmente implicam em
forte impacto sobre a organização, sua estrutura, processos e pessoas, portanto
com impacto sobre a AO.
A estrutura, como o conjunto de recursos e regras continuamente geradas e
geradoras do processo de construção social (GIDDENS, 2003), como práticas
padronizadas, recorrentes e aceitas em um determinado espaço e tempo, é, com
certeza, fator de impacto fundamental no processo de interação social e, por
conseqüência, fundamental no processo de aprendizagem organizacional.
A seguir, a figura apresenta, de forma esquematizada, o processo social da
AO, um esquema que emergiu a partir das teorias e da pesquisa realizada, um
80
modelo que certamente apenas apresenta uma simplificação do que realmente é
este complexo fenômeno.
Figura 2: Processo social da AO Fonte: Elaborado pela autora
O esquema apresenta uma interação entre diversos elementos que foram
constatados na organização; o contexto social propiciou a geração e mudança das
estruturas, por exemplo, na organização estudada, a troca de proprietário e as
novas regras da ANVISA estabeleceram uma nova estrutura; consequentemente foi
construído um novo contexto organizacional com um novo conjunto de regras e
formas de operação. Este novo contexto e estrutura influenciaram os grupos de
trabalho através da mudança das chefias trocando pessoas com competência
Contextos Grupais Organizacionais Sociais
Estrutura Regras e Normas Socialmente aceitas
Grupo de indivíduos Formam um campo social Apresentam uma dinâmica própria
Comportamento Individual Gerado pela experiência, observação e imitação
Significados Causa e resultado da interpretação das experiências São constantemente construídas e reconstruídas
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adquirida através da experiência por pessoas sem experiência na atividade, mas
com formação superior em farmácia. Estas mudanças de contexto e estrutura
afetaram os grupos, os relacionamentos sociais dentro da empresa, propiciando um
conjunto de aprendizagens e construção de significados, via experiência e
observação, exemplificado pelas expressões que denunciam uma crença na
organização que formação superior é mais importante que experiência adquirida ao
longo dos anos. Foi possível observar na organização que esta interação acontece
de várias formas, envolvendo em uma influência simultânea e bidirecional
indivíduos, organização, estruturas e contexto, afetando a aprendizagem e o
funcionamento organizacional.
Assim podemos perceber que o processo de AO na organização estudada é
fortemente mediado pelo contexto, através das estruturas sociais e organizacionais,
que formam o suporte para o campo social onde ocorre o processo de
aprendizagem social via as experiências diretas e indiretas, denotando assim um
processo social de aprendizagem organizacional. Um processo que envolve
simultaneamente indivíduos, grupos, organização, estrutura e contexto em uma
relação de influência multidimensional e multidirecional construindo e reconstruindo
indivíduos, organização e a própria aprendizagem organizacional em um sistema
social.
Ainda pode ser melhor investigada a relação entre aprendizagem
organizacional e a dinâmica de grupos e também entre a AO e as estruturas
organizacionais, a fim de ampliar a compreensão da AO e seu relacionamento com o
processo social, bem como suas implicações para o mundo da gestão
organizacional.
Apartir de uma compreensão de AO como processo social, os gestores
podem elaborarem programas de aprendizagem de uma forma mais sistêmica
considerando os aspectos sociais, o contexto, sabendo que aprendizagem é fruto de
uma interação complexa e não apenas de ações de treinamento.
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