são josé da barra

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1. SÃO JOSÉ DA BARRA, MUNICÍPIO MINEIRO O acesso à história de uma cidade pode ser feito através da sua imagem, em que é permitido utilizar o imaginário, desconstruir e construir, nas relações dinâmicas do cotidiano, os movimentos da sociedade. Esta imagem é construída não somente com o que se vê ou se compreende do espaço físico, mas, também, com as lembranças e significações particulares e/ou de grupos presentes nos espaços e, neste caso, a cidade de São José da Barra, município mineiro. O trabalho, neste primeiro capítulo, apresentará as suas características e a sua história, entendendo esta cidade como um lugar de memória e de representação de um tipo de ordem cultural que legitima certo tipo de memória histórica e justificará a proposta desse trabalho de como deve ser a característica principal da política pública do município. Inicialmente conhecido como “Barra” é um marco mais antigo que Passos ou Alpinópolis no sul de Minas Gerais e marca a trajetória histórica da região, como será detalhado mais adiante.Localizada na mesorregião Sul/Sudeste de Minas possui 314 km2 de área total, 7.090 habitantes, está inserida na Bacia Hidrográfica do Rio Grande/Microbacia do Rio Sapucaí e tem como principal atividade econômica a produção de energia elétrica de Furnas, produção de milho, café, pimenta, criação de gado, produção de frangos e suínos e no turismo ainda se desenvolvendo pelo Lago de

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1. SO JOS DA BARRA, MUNICPIO MINEIROO acesso histria de uma cidade pode ser feito atravs da sua imagem, em que permitido utilizar o imaginrio, desconstruir e construir, nas relaes dinmicas do cotidiano, os movimentos da sociedade. Esta imagem construda no somente com o que se v ou se compreende do espao fsico, mas, tambm, com as lembranas e significaes particulares e/ou de grupos presentes nos espaos e, neste caso, a cidade de So Jos da Barra, municpio mineiro. O trabalho, neste primeiro captulo, apresentar as suas caractersticas e a sua histria, entendendo esta cidade como um lugar de memria e de representao de um tipo de ordem cultural que legitima certo tipo de memria histrica e justificar a proposta desse trabalho de como deve ser a caracterstica principal da poltica pblica do municpio.Inicialmente conhecido como Barra um marco mais antigo que Passos ou Alpinpolis no sul de Minas Gerais e marca a trajetria histrica da regio, como ser detalhado mais adiante.Localizada na mesorregio Sul/Sudeste de Minas possui 314 km2 de rea total, 7.090 habitantes, est inserida na Bacia Hidrogrfica do Rio Grande/Microbacia do Rio Sapuca e tem como principal atividade econmica a produo de energia eltrica de Furnas, produo de milho, caf, pimenta, criao de gado, produo de frangos e sunos e no turismo ainda se desenvolvendo pelo Lago de Furnas.O municpio conta com uma escola tcnica que forma 140 tcnicos em eletrotcnica por ano, escola esta que uma referncia no Brasil.(IBGE 2012).O nome atual foi dado em meados de 1876 como homenagem ao padroeiro da cidade e a antiga localidade territorial.Para entender as memrias e a dinmica da cidade necessrio buscar informaes em estudos e fontes que tratam das mudanas histricas ocorridas no municpio. De acordo com informe histrico da cidade o primeiro projeto do stio urbano data do incio da dcada de 1958:(...) Padre Cnego Ubirajara Cabral comprou 24, 20 hectares de terra de Nigth Castro, onde encontramos atualmente o centro de So Jos da Barra. O loteamento foi feito por um engenheiro de Furnas e registrado por Olavo Resende, o projeto da cidade foi feito em formato de bandola, j que o padre gostava muito de tal instrumento. Assim a planta principal consiste em um centro, onde se localiza a Igreja de So Jos e ao redor desta, todo o planejamento radial, contudo apenas uma avenida mais larga saia do circuito, formando o brao do instrumento musical. Tal projeto contava com 435 lotes, porm a cidade foi crescendo posteriormente. (PLANO DE INVENTRIO, 2011, 18).O projeto inicial tinha como principal funo abrigar os moradores que tiveram que deixar o antigo vilarejo em funo da sua inundao para a construo da Usina Hidreltrica de Furnas. To projeto era constitudo por aproximadamente 435 lotes, prevendo o uso de alguns espaos pblicos como a Igreja Matriz, o cemitrio, escola, casas populares e espaos verdes.

Colocar aqui a foto do mapa inicial da cidade.

Essa foto tirada do acervo do cartrio da cidade, datada de 23 de Junho de 2012, atesta que o engenheiro civil e responsvel tcnico pela obra do plano inicial foi Olavo Resende e, a pedido do Padre Ubirajara ela foi construda em forma de bandola.Os traados originais na forma do instrumento tinha na sua elipse central a Igreja.Em sua volta radial jardins com bancos.Distante um quilmetro da Igreja o plano de uma praa.No havia referencia s casas que seriam cedidas aos moradores da Velha Barra, ou seja, as casas cachorro sentado no incorporavam o mapa da cidade.Em tal momento, no entanto, So Jos da Barra tinha acabado de ser elevado a distrito pela lei provincial n2260 de 30-06-1876 e lei estadual n2 de 14-09-1891, subordinado ao municpio de Passos. Tal diviso permanece at o ano de 1937, quando atravs do decreto-lei estadual n148 de 17-12-1938 o distrito de SJB foi transferido do municpio de Passos para constituir o novo municpio de Alpinpolis.A diviso permanece at o ano de 1995 quando o distrito elevado a categoria de municpio com a denominao de So Jos da Barra pela lei estadual n12030 de 21-12-1995, desmembrando-se de Alpinpolis.Texto atualizado -CAPTULO I - Da Criao do Municpio - SEO I - Dos Requisitos e das exigncias. Art. 1 - A criao, a incorporao, a fuso e o desmembramento de municpios sero feitos por Lei estadual, observado o disposto nesta Lei. Art. 2 - O municpio criado por desmembramento abranger territrio integral de um ou mais distritos. Art. 3 - Para a criao de municpios por desmembramento devem ser comprovados os seguintes requisitos, relativos ao total da rea territorial a ser emancipada: I - nmero mnimo de 2.000 (dois mil) eleitores; II - ncleo urbano j constitudo, com mais de 400 (quatrocentas) moradias, destinado a sediar, como cidade, o novo governo municipal; III - edifcio capaz de fornecer condies de funcionamento ao governo municipal e aos rgos de segurana; IV - existncia de posto de sade, escola pblica de 1 grau completo, cemitrio e servios pblicos de comunicao, energia eltrica e abastecimento de gua. (p.02)Tendo como smbolo a data de 15 de Julho de 1962 como marco inaugural da cidade:

O dia de 15 de Julho de 1962, a convite do proco Cnego Ubirajara Cabral, o povo se reuniu para o ato solene de encerramento das Misses e transferncia da Sede da Parquia de So Jos da Barra para o novo local escolhido, situado no alto da regio chamada gua Limpa, nas proximidades do canteiro de obras de Furnas. A ltima missa na igreja de So Jos da Barra comeou s 10h30min, presidida pelo Bispo Diocesano. s 15 horas, na porta da Matriz foi feita transladao da Imagem do Padroeiro de So Jos para o carro-andor. Logo depois, comeou a procisso at a capela provisria destinada nova sede da parquia de So Jos da Barra. (FREIRE, 2066, 79)

A empresa alagou mais de 180 km de rea (informao verbal) sendo So Jos da Barra a nica cidade, entre as 36 alagadas, que teve 100% do seu territrio atingido, ficando totalmente submersa pelas guas.Abaixo mapa representativo das cidades atingidas pela necessidade do represamento dos rios, resultando em um dos maiores represamentos da histria do Brasil.

Imagem: Representao das cidades atingidas pelo represamento dos rios Grande e Sapuca.

Fonte: AlagoA cidade ficou conhecida como Nova Barra, em memria da Barra Velha alagada. Foram construdas cinquenta casas por Furnas como forma de indenizao e apelidadas logo cedo pelos moradores de cachorro sentado, em aluso ao tamanho e a falta de estrutura da casa ( no tinha banheiro, luz eltrica, encanamento, abastecimento de gua, etc.).Este acervo arquitetnico sofreu, ao longo da histria, variadas modificaes e intervenes, porm, ainda sim, guarda suas caractersticas principais: casas simples, quintais grandes utilizados como horta, pomar, ou como locais de criao de animais.

Imagem: Casa cachorro sentadoFonte: Arquivo pessoal.

Imagem: Janela originalFonte: Arquivo pessoal.

Nesse processo de reconstruo territorial, a pedido do padre e da populao, a Igreja seria erigida da mesma forma que existia antigamente, dessa forma, alm da ideia da arquitetura, trouxeram da Barra Velha o sino, o relgio e a imagem do Santo So Jos. Apesar de a diferena ser perceptvel, existe uma memria coletiva em So Jos da Barra de que as duas igrejas so idnticas.Para a populao de So Jos da Barra a engrenagem sofisticada de sino e relgio uma das relquias da Igreja. A mesma em torno do qual se desenvolveu a nova cidade quando se mudou do distrito que viria a ser submergido nas guas da hidreltrica de Furnas. O sino corrobora o valor simblico da Igreja como permanncia no tempo e lastro da histria propiciando um passado para a cidade recentemente emancipada. (PCL, 2012,12)

Entendendo como memria coletiva a discusso feita atravs de trs obras fundamentais Quadros Sociais de Memria (1925), Topografia Legendria dos Evangelhos na Terra (1942) e Memria Coletiva (obra pstuma, 1950) em que Maurice Halbwachs cria a noo de memria coletiva como conceito explicativo de fenmenos sociais em relao com a memria.

A memria no seria apenas individual; nos estudos de Halbwachs ela , tambm e, sobretudo, uma construo social e um fenmeno coletivo. a idia da memria coletiva, numa subjetiva interao com os quadros sociais (linguagem, tempo e o espao), que se prope o tratamento da memria como fenmeno social. A atitude de lembrar sempre ativa e construda socialmente, em dilogo e interao. Jelin (2001) e Candau (2002) parecem concordar que no existe indivduos aislados ou Hombre desnudo que no leve com si o peso da sociedade a que pertence, que no receba, atravs dos quadros sociais, uma orientao do grupo para construir sua narrativa de viso de mundo. Isto implica dizer que h a presena do social mesmo nos momentos mais individuais (JELIN, 2001, p.04).Comparando duas fotos, uma de 2011 (arquivo pessoal) e outra da dcada de 1930 ( Museu Virtual Fesp Uemg), facilmente observvel muitas mudanas e algumas permanncias.A primeira foto registra que a Igreja So Jos possua uma arquitetura do sculo XVII. No existia uma jardinagem, grandes janelas garantindo a luminosidade dentro da Igreja, um acabamento simples mais bem elaborado. No existe uma descrio mais elaborada e os conhecimentos do autor infelizmente so superficiais.

Imagem: Igreja da Barra Velha

Fonte: Museu Virtual Fesp UEMG.

Na segunda foto, d se um novo sentido Igreja:

Imagem: Igreja da Barra Nova.Fonte: Arquivo pessoal.

Imagem: Parte lateral da Igreja Nova.Fonte: Arquivo pessoal.

O espao em forma de banjo passa a ser consolidado como considera Lacour (1985) em espao-territrio conforme a coletividade vai retomando suas atividades tanto na esfera individual quanto coletiva, em interao com as organizaes que j configuravam o espao. Neste processo, os sentidos de lugar e de comunidade passam por escolhas, negociaes, disputas para definir o que relevante para a comunidade. Nesta direo, como so construdos os sentimentos de pertencimento? Tendo vivido o desaparecimento do patrimnio natural, os bens edificados, monumentos, quais foram os eventos que no cotidiano propiciou o embasamento para conduzir suas vidas, entre os que decidiram ficar na cidade? Quais os novos significados?Segundo a procuradora federal Fabiana Santos Dantas (2010) no seu livro Direito Fundamental Memria a memria uma necessidade bsica do indivduo e da coletividade, justificando a sua insero no rol dos direitos que compem o mnimo existencial humano digno (p.51). Isso porque a memria permite conhecer, resgatar e refletir sobre o passado da sociedade garantindo sua sobrevivncia e coeso na compreenso do contexto social em que vive. Dantas ainda complementa dizendo possvel afirmar que o direito memria materialmente fundamental, exatamente por ser o guardio dos valores reconhecidos pela sociedade (p.67). Reconhecendo que:

O passado uma forma condicionante da compreenso e de experincia humanas, o indivduo desmemoriado ou amnsico torna-se alienado, no s pela falta de orientao quanto ao espao e ao tempo, mas principalmente porque no desenvolve a identidade consigo mesmo. (HANNAH ARENDT apud DANTAS, 2010, 53).A construo de uma memria coletiva no ocorre em uma via nica, ao contrrio, envolve disputas, negociaes, silncios, esquecimentos, mecanismos de enraizamento, indivduos e grupos que em interaes que, sempre dinmicas, fazem usos sociais da histria, do passado e do presente.

Parte dos barrenses da Velha Barra no reconheceu a inaugurada cidade como sua e de partida foram para vrias partes do pas. Um dos motivos se deveu a maneira como tiveram que deixar a Barra Velha. A populao no aceitou passivamente a destruio da cidade. Clarice de Souza Ribeiro, considerado um smbolo da resistncia, pegou em armas para defender as terras dela. Ela era dona da fazenda Corredeiras onde hoje funciona a vila de funcionrios de Furnas e muitos recordam como foi difcil convence-la de sair de suas terras. Dona Clarice arrancava as estacas que demarcavam a rea e chegou a receber com uma espingarda a equipe responsvel pela desapropriao. A notcia da construo da Usina de Furnas foi tratada como Tragdia Bblica em Minas pela imprensa da regio (ESTADO DE MINAS, 1963, s/n).

A vontade de preservar a memria vem ancorada atravs dos suportes. Os suportes da memria. A legislao federal do Brasil assim os define:

Art.216.Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I- as formas de expresso;

II- os modos de criar, fazer e viver;

III- as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas;

IV- as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico-culturais;

V- os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico.

Reconhecidos como o patrimnio cultural de um grupo, a sua proteo um dever e incumbncia da comunidade e tambm do Estado.A Prefeitura do Municpio de So Jos da Barra tem o seu papel na preservao da memria. Ela possui uma secretaria de Cultura e Turismo que cuida do patrimnio cultural do municpio e nos ltimos anos tem dado mais ateno promoo, conservao desse patrimnio.Esse interesse teve seu aumento expressivo aps a prefeitura contratar uma empresa terceirizada de Belo Horizonte em (colocar ano), criando at uma legislao municipal mais elaborada.Um dos objetivos dessa empresa em parceria com a prefeitura era inventariar as relaes da comunidade de So Jos Barrense com seu patrimnio cultural para detectar o universo memorial contido no imaginrio da populao de So Jos da Barra.A coleta de informaes, tanto junto ao pblico da cidade quanto ao conhecimento da histria dos homenageados em praas, ruas e avenidas, foi feita mediante a aplicao de entrevistas com perguntas direcionadas. O resultado das entrevistas indicou um patrimnio cultural diversificado e multifacetado.Os rgos pblicos, por sua vez, esto encarregados de preservar todo bem pblico, sem exceo.Pressupe-se que no poder cuidar melhor de um, em detrimento dos demais.

O dever de preservar a memria, tal como foi construdo, tambm vem acompanhado de atitudes de mudanas no formato original, em favor do modernismo ou da funcionalidade. a anlise dessa legislao que ser feito na segunda parte do trabalho. Como de deu a construo e execuo dessa poltica pblica para a preservao da memria. Sua efetivao e instrumentos legais para conhecer ,delimitar e preservar o patrimnio cultural.E a partir desse primeiro captulo ver qual instrumento de proteo mais condizente, atendendo de maneira mais eficaz as caractersticas da cultura de So Jos da Barra.REFERNCIAS

ASSOCIACAO DOS MUNCPIOS DO LAGO DE FURNAS. Alago. Disponvel em: http://www.alago.org.br/ acesso em: 12 Ago.2012.BRAGA, Roberta Santana & KAMIMURA, Ana Lcia Martins. A importncia da Folia de Reis como tradio identitria do municpio de Canpolis MG. Disponvel em: http://catolicaonline.com.br/revistadacatolica2/artigosv2n3/20-Servico-Social.pdf acesso em: 13 Mai.2012.

CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Texto federal. Disponvel em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_04.02.2010/art_216_.shtm. Acesso em: 16 Dez.2010FREIRE, Lzaro Lemos. Lembranas: histria da regio de So Jos da Barra, Alpinpolis e Passos. Sudoeste de Minas Gerais. So Paulo: Renover, 2006.INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA. Instituio. Disponvel em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=316294# acesso em: 08 Mai.2012.LEI COMPLEMENTAR 37/1995.Disponvel em : http://www.almeidamelo.com.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=3451 acesso em: 14 JUN.2012PREFEITURA SO JOS DA BARRA. PCL- Plano de Inventrio. ICMS. So Jos da Barra/MG. 2011 Dado obtido por reportagem do Jornal EPTV do Sul de Minas, afiliada Rede Globo, exibido como documentrio durante o ms de Maro de 2007.