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Dedico este livro à Cidade (feminina) de Vitória
(mulher) que há mais de vinte e cinco anos me
acolhe (maternalmente), envolvidos que somos
pelos braços de mar que a circundam, delineando as
suas curvas e reentrâncias, enfeitada por outras
tantas ilhas menores (meninas) e inúmeras
embarcações (sempre no feminino, como assim
denominam os anglo-saxões aos seus navios e
barcos).
A esta bela Cidade os meus versos amorosos e
sensuais, que falam de experimentações sensoriais
no campo da afetividade, sendo algumas vivenciadas
ou lidas ou escutadas, outras tantas sonhadas. Em
todas utilizamos dessa energia básica e fundamental,
criadora e criativa, apaixonante e apaixonada,
responsável por tudo que há de transformador e
belo no mundo.
André da Gama
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Poemeu para um amortal
(do fruto da mandrágora)
Enquanto o mundo se movimenta inseguro, Amo-te, no cais deste porto seguro,
Em que por vezes nos encontramos.
Enquanto é sutil e perigosa a malha do poder,
Amo-te até não mais poder, neste nascer Do sol, sincero e puro, no qual viajamos.
Amo tudo que de ti parte - amo a arte -.
Sim, amo a arte de fazer contigo tudo.
Amo esse momento que nos põe no mundo
- elétricos movimentos na manhã que se inicia –
Eterna vida. Etéreo dia.
Amo esse lago...; nesse aconchego nado
Enquanto mergulhamos neste fundo único.
Alucinado delírio...; mar bravio, e profundo.
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Na forma louca de beijarmos, nossas bocas...
Na voz rouca no ouvido sonso,
Gemendo um fim pra essa viagem duradoura Que é longa, e pouca, perto do breve sono.
Desses corpos sem peso, quase adormecidos,
Resta um movimento, leve, imperceptível
Como a dança das nuvens.
Dos flocos de ar, na mágica dos pelos, surgem Pequenos pássaros a nos cobrir com véus azuis;
Dentro da tenda corre um rio com nosso cheiro, Lá fora passeiam alguns camelos
No deserto de áureas areias de movimentos sutis.
Se, por acaso, acordo em sobressalto E vejo esse sonho lá do alto,
Impondo-lhe distância;
Sinto-me criança e rio: Do sonho, do cio, do desafio
De descrever lembranças.
(em 1984, sobre panfletos do Diretas-Já)
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Poemeu para um amortal
(livre, leve e solta)
Ser como um vento, cérebro adentro, A lhe refrescar o pensamento.
Um pássaro pequenino e matreiro
A sobrevoar seu corpo inteiro: Vales e matas densas – bosques;
Ou que eu me enrosque feito trepadeira,
Seu corpo inteiro, que eu cheiro e que cheire A seixo novo de jardim.
Vem até mim como queira
Mas, vem inteira,
Que eu te quero assim: Livre, leve e solta,
Louca, por uns instantes, num desfecho
Desse ato-ação circunspecto Na celebração prenhe de nosso sexo.
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Poemeu para um amortal
(ruborizada)
Nem sei se dói
Nem sei se arde
Só sei que corta E que me parte,
Deixando à flor...
Existe em mim Existe em ti
Ruborizando
Todas as faces Amor.
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Poemeu para um amortal
(tesa e acesa)
Salga as algas do meu totem. Escorrem Lágrimas densas e multiformes. Saliva
A carne morna e sente, entre os dentes, O rosa, quente, que faz que explode; enche
O que é justo e justo, justamente.
E o que engulo é céu, e no céu da boca passa A escorrer; arregaça até não mais poder,
Fazendo graça da carcaça que treme
Constantemente, e mente a mente, e iça Aos céus, espreguiçando, ao ar se elevando
E negando todas as leis da física. E da meta... E da coragem de ser sutil; enquanto arde,
Revesa. Enquanto parte, aproxima. Em cima
Enquanto embaixo, cachos de cabelo, cheiro. Entanto pelos, seixos que os ventos trazem,
Circundam todos os sentidos atentos.
Tensos, os movimentos interagem e casam Os movimentos nos movimentos.