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SAÚDE MATERNO-INFANTIL VISÃO CRITICA DOS DETERMINANTES E DOS PROGRAMAS ASSISTENCIAIS Luiz Roberto de Oliveira * Águeda Beatriz Pires Rizzato ** Cecília Magaldi * OLIVEIRA, L. R. de et al. Saúde materno-infantil. Visão crítica dos determinantes e dos programas assistenciais. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 17:208-20, 1983. RESUMO: Discute-se a determinação social da saúde materno-infantil nas Américas, a partir de inúmeras publicações e recomendações oficiais. Observou-se que nem todos os estudos valorizam apropriadamente as variá- veis sociais e que muitos deles as consideram no mesmo nível de importância das variáveis biológicas. Como conseqüência, a compreensão final dos achados fica prejudicada e as conclusões e recomendações extraídas ficam longe de tocar a raiz dos problemas. Diferentes variáveis sociais (como escolaridade materna ou assistência médica) encontram-se freqüentemente associadas com variáveis biológicas (como peso ao nascer ou estado nutricional). Esta associação, no entanto, pode não representar uma relação causai, mas tão somente a ocorrência simultânea de características pertencentes a uma única classe social. Reitera-se a necessidade de estudos que reconheçam as classes sociais e analisem os resultados sobre saúde materno-infantil em relação às mesmas. Estes estudos provavelmente evidenciarão a importância social da saúde materno-infantil e evitarão as habituais diretrizes e recomendações restritas ao plano puramente técnico. UNITERMOS: Saúde materno-infantil, aspectos sociais. Serviços de saú- de materno-infantil. Programas de saúde, avaliação. A CRIANÇA EM TRÊS MOMENTOS DA SOCIEDADE INDUSTRIAL Inglaterra, 1840 "A divisão dos ricos e pobres não era nova. Mas com a chegada das máquinas e do sistema fabril a linha divisória se tornou mais acentuada ainda. Os ricos ficaram mais ricos e os pobres, desligados dos meios de produção, mais pobres. Particular- mente ruim era o sistema dos artesãos, que ganhavam antes o bastante para uma vida decente e que, agora, devido a competição das mercadorias feitas pela máquina, viram-se na miséria. Temos uma idéia de como era desesperadora a sua situação pelo testemunho de um deles, Thomas Heath, tecelão manual: * Do Departamento de Medicina em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UNESP 18.610 Rubião Junior, Botucatu, SP — Brasil. ** Do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UNESP 18.610 Rubião Junior, Botucatu. SP — Brasil.

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SAÚDE MATERNO-INFANTIL

VISÃO CRITICA DOS DETERMINANTESE DOS PROGRAMAS ASSISTENCIAIS

Luiz Roberto de Oliveira *Águeda Beatriz Pires Rizzato **Cecília Magaldi *

OLIVEIRA, L. R. de et al. Saúde materno-infantil . Visão crítica dos determinantese dos programas assistenciais. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 17:208-20, 1983.

RESUMO: Discute-se a determinação social da saúde materno-infantilnas Américas, a partir de inúmeras publicações e recomendações oficiais.Observou-se que nem todos os estudos valorizam apropriadamente as variá-veis sociais e que muitos deles as consideram no mesmo nível de importânciadas variáveis biológicas. Como conseqüência, a compreensão final dos achadosfica prejudicada e as conclusões e recomendações extraídas ficam longe detocar a raiz dos problemas. Diferentes variáveis sociais (como escolaridadematerna ou assistência médica) encontram-se freqüentemente associadascom variáveis biológicas (como peso ao nascer ou estado nutricional). Estaassociação, no entanto, pode não representar uma relação causai, mas tãosomente a ocorrência simultânea de características pertencentes a uma únicaclasse social. Reitera-se a necessidade de estudos que reconheçam as classessociais e analisem os resultados sobre saúde materno-infantil em relação àsmesmas. Estes estudos provavelmente evidenciarão a importância social dasaúde materno-infantil e evitarão as habituais diretrizes e recomendaçõesrestritas ao plano puramente técnico.

UNITERMOS: Saúde materno-infantil, aspectos sociais. Serviços de saú-de materno-infantil. Programas de saúde, avaliação.

A CRIANÇA EM TRÊS MOMENTOS DA SOCIEDADE INDUSTRIAL

Inglaterra, 1840

"A divisão dos ricos e pobres não era nova. Mas com a chegada das máquinase do sistema fabr i l a l inha divisória se tornou mais acentuada ainda. Os ricos f i ca rammais ricos e os pobres, desligados dos meios de produção, mais pobres. Part icular-mente ruim era o sistema dos artesãos, que ganhavam antes o bastante para uma vidadecente e que, agora, devido a competição das mercadorias fe i tas pela máquina ,viram-se na miséria. Temos uma idéia de como era desesperadora a sua situaçãopelo testemunho de um deles, Thomas Heath , tecelão m a n u a l :

* Do Departamento de Medicina em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UNESP— 18.610 — Rubião Junior, Botucatu, SP — Brasil.

** Do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UNESP — 18.610 — RubiãoJunior, Botucatu. SP — Brasil.

"Pergunta: Tem f i lhos?

"Resposta: Não. Tinha dois, mas estão mortos, graças a Deus.

"Pergunta: Expressa satisfação pela morte de seus fi lhos?

"Resposta: Sim, agradeço a Deus por isso. Estou livre do peso de sustentá-los eeles, pobres cr ia turas , estão livres dos problemas desta vida mortal !

Reports f rom assistant handloom weaver's comissioners, parte II, p. 232, 1840.(Citado por Huberman 13)

Estados Unidos, 1934

"Um levantamento do trabalho doméstico realizado para a indústria de metalpré-fabr icado". . . "A f a m í l i a média t rabalha num total de 35 horas/semana, pelo querecebe U$ 1,75".

. . ."Casas superlotadas, sujas e em mau estado, roupas esfarrapadas e reclamaçõesfreqüentes sobre a comida insa t i s fa tór ia , tanto na qual idade como na quantidade,caracterizam os lares pe squ i sados" . . . "Crianças de menos de 16 anos trabalhavamem 96 das 129 famí l i a s e s t udadas . . . Metade delas t inha menos de 12 anos. Trinta equatro t inha 8 anos e meio, e 12 menos de cinco anos".

Reports on homework in the fabr ica ted metal indus t ry in Connecticut, State

Department of Labor , M i n i m u m Wage Division, Har t fo rd , Connecticut , setembro de

1934113.(citado por Huberman 1 3)

São Paulo, Capital, 1979

"Quando o Nilson era menor só faz ia uns carretos nas fe i ras daqui do bairro mesmo.Ia pegando uma prática e garantia um d inhe i r inho . Como era perto eu podia controlar.Mas o bairro aqui é de gente pobre e isso rende muito pouco. Agora que ele tamaior já estou mandando ir pro Palmeiras e pra uma fe i r a de gente rica. Fica longemas o ganho vale a pena. E agora ele já é mais vivo, sabe se defender" (Helena) .

"Desde cedo, 6 anos, ele t rabalha. Ia para as feiras, engraxava s a p a t o s " . . . .(Mãe de Álvaro).

" . . . S e o cara tem seiscentos e c inqüenta mangos pra ver o Roberto cantar , bemque pode deixar oitenta ou cem pra ter seu carro seguro". (Depoimento de Álvaro).

(Ferre i ra 12)

Três povos, três momentos na história

do desenvolvimento humano, um quadro

comum: o avanço da sociedade industrial,

a urbanização, a super-cxploração do tra-

balho humano, a riqueza e a miséria ladoa lado, o t rabalho i n f a n t i l , a morte precoce!

Nas épocas retratadas morr iam anualmente150 crianças menores de um ano para cadamil nascidas vivas na Ingla te r ra e Gales 2 2 ,

63 nos EUA 5 e 75 na capital de SãoPau lo 2 6 . Três taxas elevadas de morta-lidade in fan t i l , reveladoras de que as trêssituações descritas encerram elevados riscosà saúde e à própr ia vida das crianças

Embora a humanidade tenha assistido auma progressiva d iminuição do coeficiente demortal idade i n f a n t i l (CMI) ao longo das dé-cadas e ao lado da expansão da sociedade

industrial e do modo de produção capitalista,a velocidade desta diminuição não foi e nemtem sido a mesma para os diferentes paísese classes sociais. Na atualidade, enquantoos EUA e a Inglaterra apresentam CMImenores que 20 óbitos/1.000 NV o Brasilnão atingiu sequer a casa dos 50, mesmoem regiões mais prósperas como São Paulo.

Como explicar? Torna-se difícil , quandonão impossível, explicar esta variação doscoeficientes de mortalidade infant i l emfunção de épocas e populações diferentesse não se considerar o modo de vida e aqualidade da mesma para cada país e época.Os quadros descritos ilustram as condiçõesgeradoras dos elevados coeficientes emcada um dos três países, nos respectivosperíodos: no auge da Revolução Industrial,na Inglaterra; no início do desenvolvimentoindustrial nos EUA; e em meio à crise do"milagre" econômico no Brasil. Três mo-mentos da era industrial e do desenvolvi-mento da sociedade capitalista ilustradospor retratos de situações vividas porfamílias trabalhadoras, as principais tribu-tárias do excesso de óbitos infantis. Oscoeficientes mencionados para cada umdestes momentos, embora elevados, certa-mente subestimam a sua gravidade. Ocultama desigualdade de risco de morte no primeiroano que existe entre as classes trabalhadorase as patronais. Por sua vez, o desnívelatual das condições de saúde dos três paísesexplica-se pelo grau de desenvolvimentologrado pelos mesmos, desenvolvimento esteque inclui desigualdades sociais internas etambém desigualdades internacionais. Aprosperidade de uma classe, ou de umanação, dentro do desenvolvimento capita-lista, implica em dominação e exploração deoutra classe, ou outra nação.

Em suma, a compreensão total dasvariações do nível de saúde das populaçõesno espaço e no tempo só pode ser alcançadase se levar em conta o grau de desenvolvi-mento das forças produtivas, o modo comose dá a apropriação dos meios de produção,a distribuição social dos bens e dos ser-

viços, os antagonismos entre o capital eo trabalho, a existência de nações e classespoderosas e exploradoras e de nações eclasses dependentes e exploradas.

Estrutura social e saúde: As condiçõesnecessárias para se ter saúde (renda, habi-tação, alimentação, instrução, assistênciamédico-sanitária, entre outras) são social-mente determinadas. Numa sociedade declasses as referidas condições acham-se de-sigualmente distribuídas. Esta desigualda-de tem respaldo institucional, jurídico e polí-tico. Condições de saúde e estrutura socialsão partes, portanto, de uma mesma tota-lidade, que se transforma historicamente.

Alguns estudos: A saúde materno-infantiltem sido estudada por diferentes abordagensque consideram o fator social. Estudosepidemiológicos calcados em modelos multi-causais, embora levem em conta variáveisde natureza social (por ex. rede de água,tipo de habitação, local de moradia, assis-tência médica, escolaridade, ocupação, entreoutras), nem sempre tem conseguido expli-citar a aludida determinação social da saúde.Isto porque as citadas variáveis são consi-deradas isoladamente, desligadas do con-texto econômico e político em que ocorrem.Este procedimento as nivela em importânciaàs variáveis biológicas (sexo, idade, pari-dade, peso, entre outras), tirando-lhes aforça explicativa 3.

Outros estudos sobre saúde materno-infant i l levaram em conta a questão dasclasses sociais e chegaram mesmo a identi-f icar a classe de maior risco2 0 . No en-tanto, não foram além de apontar para anecessidade de programas assistenciais des-tinados ao "socorro" das classes de maiorrisco. Com efeito, tais propostas acabaramsendo incorporadas à maioria dos programasoficiais, nacionais e estrangeiros, conformese verá mais adiante.

Objetivos: A presente análise é umatentativa de contribuir para a melhor com-preensão da determinação social do nível

de saúde materno-infant i l , a part ir daanálise de publicações que se ocuparamdesta matéria.

SAÚDE DA CRIANÇA

A Investigação de Mortalidade na In fânc ianas Amér icas 3 2 , já havia mostrado que ospr incipais problemas relacionados aos óbitosaté os 5 anos de vida eram: deficiêncianutr ic ional aliada à insuficiência ponderal,desnutrição protéico-calórica, doenças infec-ciosas (diarré ia e sarampo), condições"anormais" maternas, as complicações dagravidez e o parto distócico, anomaliascongênitas, residência na área rura l , des-mame precoce, baixa utilização de serviçospré-natais, baixo grau de instrução dasmães, reduzido abastecimento de água tra-tada, e, a inda, causas sinergicamente as-sociadas como desnutrição e infecções,efeitos das complicações da gravidez e doparto sobre o concepto medidos pelo pesoao nascer e pela v i ta l idade do recém-nascido( R N ) .

Alguns pesquisadores brasileiros apro-fundaram o estudo dessas associações emáreas do país, com ênfase na reproduçãoe nutrição, peso ao nascer e aleitamentomaterno 3 1 . Sucederam-se novos trabalhosdesde a publicação dos resultados daquelainvestigação, ora u t i l izando dados of ic ia i s 1 1 ,ora investigando óbitos por causas múltiplasem comparação com certif icados originais 9,15

e outros ainda procurando medir o impactode certas características sobre os níveis demortalidade i n f a n t i l 2 6 . Ainda no início dadécada de 70, trabalhos já apontavam paraas relações entre condições de vida e asaúde infan t i l . Pesquisas derivadas doestudo antropométrico de crianças brasileirasde zero a doze anos de idade, realizado em1968-69, em Santo André 1 9 , analisarama inf luência de fatores sócio-econômicose da situação social no crescimento dascrianças21.

Estudando a distr ibuição do peso aonascer dos recém-nascidos em 1976 nomunicípio de São Paulo, e a i n f l u ê n c i a desta

distribuição nos diferenciais de mortalidadeinfan t i l entre determinadas áreas do muni-cípio, Monteiro 26 fez importantes obser-vações. Os coeficientes de mortalidadepara as áreas central, intermediária e peri-fér ica , respectivamente de 52,4; 62,7 e97,0/1.000 NV, foram atribuídos às desiguaiscondições de qualidade de vida nas trêsáreas, par t icularmente à piora do nível derenda f a m i l i a r e das condições de sanea-mento básico observadas no sentido centro--periferia. Padronizando os três coeficientesem relação ao peso ao nascer, esse autorver i f icou que este não explicava o grandeexcesso de mortalidade i n f a n t i l da áreaper i fé r ica em relação às outras duas. Esteexcesso teve como explicação as disponibi-lidades insuf ic ien tes ou a inexistência deserviços públicos de pré-natal, de assis-tência hospitalar ao parto e ao recém-nas-cido e de saneamento do meio, aspectoscaracterísticos da per i fe r ia do município deSão Paulo. A dis t r ibuição da renda super-põe-se à desigual disponibilidade dosserviços públicos fundamenta is . Assim,Monteiro 26 concluiu que são as precáriascondições de vida e não a vitalidade dorecém-nascido, medida pelo seu peso, queexplicam o excesso de mortal idade i n f a n t i lem São Paulo.

Ol ive i r a 3 0 , objet ivando avaliar a ocor-rência do aleitamento materno na clientelai n f a n t i l do Centro de Saúde Escola deBotucatu e suas relações com o crescimentoe a saúde das mesmas, encontrou taxas decrianças em aleitamento materno aos três,seis, nove e doze meses que consideroubaixas e s imilares às de clientelas de outrosserviços e centros igualmente urbanizados.Encontrou uma relação favorável das variá-veis "moradia rural" , "extrato sócio-econô-mico baixo" e "freqüência ao pré-natal"com o aleitamento materno. No entanto,foi a variável "local de moradia" a que seapresentou mais inf luente sobre a práticado aleitamento, sugerindo que a mudançada zona rural para a urbana incluir iafatores promotores do desmame precoce.Além deste aspecto, este t rabalho constatou

que as maiores percentagens de lactentescom peso def ic iente e/ou doentes, aos trêse seis meses, explicavam-se mais pelascondições de vida ("moradia rural" , "estratosócio-econômico baixo") do que pela au-sência do aleitamento materno. O autorver i f icou também que as doenças infecciosase parasitárias e as doenças carenciais, queapareciam no quadro de morbidade doestrato sócio-econômico baixo entre asprimeiras, eram de ocorrência prat icamentenula no estrato sócio-econômico alto.

As relações entre urbanização e desmamemencionadas por Ol ive i ra 3 0 , foram melhorexploradas, posteriormente, por Rea 3 6 . Aautora arrola inúmeros aspectos constitu-tivos da urbanização e que teriam efeitodesfavorável sobre a prática do aleita-mento materno: o papel "educativo dosmeios de comunicação de massa, o conceitode "moderno", as dif iculdades da mãe quetrabalha fora , a pressão para expansão domercado das indústrias de alimentos infant is ,os serviços de saúde, os médicos e adistribuição gratui ta de produtos industr ia-lizados.

SAÚDE MATERNA

Algumas características da reprodução,como a idade da mãe ,ordem do nascimentoe resultados das gestações anteriores, inter-fer indo nos óbitos infantis , nos 15 projetosda Investigação Interamericana de Morta-lidade na Infância, foram analisadas exten-samente por Puf fe r e Serrano3 5 . Os au-tores, em última análise, valem-se dosresultados e da discussão dos mesmos paraapontar para o planejamento famil iar comomedida capaz de reduzir a mortalidadematerno-infantil . Contudo, não se preo-cuparam em considerar o aspecto sócio-eco-nômico como um todo, a procedência declasse dos óbitos estudados, o que julgamosteria sido elucidativo, inclusive para algunsresultados "inesperados" ou aparentementecontraditórios. Além disso, medidas maisdecisivas que o planejamento famil iarpoderiam ter sido aventadas!

Para Recife, em 1974, Nunes 2 9 estudouos resultados obtidos de gestações em trêsmaternidades, encontrando que metade dosnascidos, nessa capital, apresentava pro-blemas de peso, "favorecendo o aparecimentoprecoce da desnutrição". Além disso, adistr ibuição de nascidos vivos (NV) poridade da mãe mostrou grande concentraçãode gestantes jovens trazendo maiores riscospara os recém-nascidos. Tendo em vistaa precariedade da assistência, no Recife ,o autor encerra seus comentários preconi-zando, como solução, três níveis de educa-ção: o nível universi tário, o de pessoala u x i l i a r e o da clientela dos Serviços deSaúde.

Por sua vez, Trindade e col.41, estudaram566 RN do Hospital das Clínicas da Fa-culdade de Medicina de Botucatu, nascidosentre agosto de 1975 e novembro de 1977,com vistas a avaliar o peso por idade gesta-cional e o nível sócio-econômico, além dosfatores maternos, fetais e placentários, quepodem i n t e r f e r i r no desenvolvimento fetal.Os autores mostraram que a maior incidênciade RN a termo com baixo peso se deuentre procedentes de zona urbana, de níveleconômico mais baixo. Este evento teveproporções significativamente maiores napr imei ra paridade e, mais ainda, em mãesmenores de 20 anos. O baixo nível eco-nômico também inf luenc iou nas taxas deprematuridade que, além disso, foram maisaltas em mães de idade maior que 30 anos,mais ainda a partir da oitava paridade.Para as mães de idade menor que 20 anos,as doenças maternas acentuaram a taxa deprematuridade, fato que não ocorreu comas patologias placentárias. Em mães denível econômico mais elevado não se obser-varam associações entre peso e idade gesta-cional do RN com a idade e a paridadematernas. Isso descarta a hipótese de queestas duas características maternas, por simesmas, possam configurar risco gravídico.Além disso, dá ênfase às condições físicas(nutr ic ionais e de saúde geral) da mãe nadeterminação da higidez do feto e daprópria gestação.

No campo da saúde materna há aindaoutras questões que merecem menção, nestaabordagem. No dizer de Sigerist37 , assimcomo sucedeu com a pediatria moderna, avalorização da saúde materna tambémsofreu a inf luência de fatores não médicos.No caso da mulher, a atitude da sociedadepara com ela e sua posição na estruturasocial foram fatos tão importantes nahistória da ginecologia e obstetrícia, quantoos avanços na ciência médica. A incorpo-ração da mulher à força de trabalho assala-riado, fora de casa, inclui-se entre as mu-danças sociais inauguradas com a RevoluçãoIndustrial . Estas mudanças geraram conse-qüências sanitárias que persistem até hoje,levando a mulher à luta pela conquista dedireitos na sociedade contemporânea, parti-cularmente os que se referem à sua saúdee à de sua famíl ia .

Sob o ponto de vista médico-social,dispõe-se hoje de índices de mortalidade porcausas relacionadas à gravidez, parto epuerpério. Estes se encontram nos resul-tados da Investigação de MortalidadeUrbana 3 4 , realizada em 10 Centros daAmérica Latina, em confronto com Bristole São Francisco. Nesta Investigação f icoudemonstrada a importância da mortalidadematerna na América Latina, destacando agravidade do problema do aborto, reflet idana altíssima taxa de Santiago e nos ele-vados índices de Bogotá, Cali, Caracas eGuatemala.

Dados relativos a 20 capitais brasileirasde 1960-70 mostraram que 8 delas exibiamtaxas de mortalidade materna acima de1,0/1.000 NV. Considerando-se as mortesmaternas por causas inevitáveis como cor-respondentes à taxa de 0,2/1.000 NV,observa-se que das 20 capitais em 19 amaioria dos óbitos ocorreu por causasevitáveis 28. Dentre estas só o aborto res-pondia por aproximadamente 0,2/1.000 NVsegundo dados para São Paulo 34. Noronhae Guimarães 28 distribuem essas causas emtrês grandes grupos, cotejando dados doEstado de São Paulo com os de 23 países.

Entre nós, as infecções preponderaram sobreos outros dois grupos de causas (toxemiase hemorragias). Nos 23 países, as toxemiasda gravidez predominaram.

Ao estudar os padrões de mortalidade dapopulação femin ina (em idade reprodutiva)do município de Ribeirão Preto, de 1970-74,Carvalheiro6 observa que as complicações dagravidez, parto e puerpério corresponderama 3,6% do total de óbitos, com o que con-cluiu que a situação de Ribeirão Preto,quanto à cobertura profissional ao partoe puerpério, era favorável. O coeficiente demortalidade materna em Ribeirão Preto, noperíodo, foi de 0,75/1.000 NV, enquanto noEstado de São Paulo, em 1980, era de0,93/1.000 NV e na capital era ao redor de0,69. A autora preconiza o incentivo àatenção pré-natal para a redução dos níveisjá alcançados.

No campo das complicações da gravidez,parto e puerpério há uma questão impor-tante que vem merecendo a atenção deautores nacionais: o risco gravídico. Assim,registram-se inúmeros trabalhos sobre oassunto desde a década de 60 2,7,16,17,38,39,ora encarando mais o materno, ora mais ofetal ; e vários desses contribuindo comcritérios e modelos para identificação degestantes de alto risco, com vistas quasesempre à melhoria da assistência ao ciclogravídico-puerperal.

Desde a VI Conferência Nacional daSaúde, realizada em 1977, em Brasília, oGoverno vem aludindo à "prevenção dagravidez de alto risco", tendo sido esboçadaesta proposta no Programa de SaúdeMaterno-Infantil , então divulgado peloMinistério da Saúde, em 197823. A pro-posta é retomada em 1980, agora com nor-mas que regulamentam as ações de identi-ficação e controle de riscos, na atividadePlanejamento Familiar no Brasil, dentro daPolítica de Saúde Infan t i l 18.

No dizer de Luz e col.18, que analisaramrecentemente o conceito de risco dentrodessas normas, "é a primeira vez que oEstado legitima a atividade planejamento

fami l ia r e o faz com um exemplo da apli-cação do conceito de risco em ações dirigidasao grupo materno-infantil". Os autores,participantes de um grupo de pesquisadoresda Universidade Estadual do Rio de Janeiroque vem estudando o assunto desde 1972,criticam desde alguns conceitos constantesno documento oficial, até a aplicabilidade decondutas e normas. A caracterização derisco, segundo eles, é bastante f rág i l epide-miologicamente, pois apenas inclui patologiasou condições biológicas, sem mencionarfatores sócio-econômicos, demográficos eculturais!

Em contraposição, em seu capítulo sobrefatores de risco na saúde materno-infanti l ,Aguirre1 inicia o assunto com o meioambiente sócio-econômico como fator condi-cionante e fornece abundantes elementosque comprovam o que af i rma. Em seguidarefere-se às políticas de saúde, quando entãocita, entre outros, os recursos f inanceirosque os países latino-americanos destinam àsaúde "per capita". Em terceiro lugar, tocanos serviços de saúde, como outro fatorde risco, mostrando quadros com as cober-turas de .controle de gestantes e as taxasde assistência técnica do parto, por países.Na ordem seqüencial de importância dessesfatores, em último lugar é que o autor dis-corre sobre o peso ao nascer, a morbimorta-lidade in fan t i l , incluídas a deficiência nutri-cional, as doenças infecciosas e as caracte-rísticas da reprodução humana.

Este enfoque é corroborado por De Kadt10

quando af i rma que à medida que as pessoasmelhoram suas condições econômicas omesmo ocorre com a saúde, independentedo que possa ser feito com os sistemas deatenção médica.

AS INVESTIGAÇÕES E OSPROGRAMAS OFICIAIS

As investigações sobre mortalidade urba-na 34 e na in fânc ia 32 cumpri ram importantepapel: o de revelar, dentre outros aspectos,a desfavorável situação latino-americana em

relação à norte-americana e inglesa, quantoàs condições de saúde. Além disso, ense-ja ram inúmeras publicações15,31 ,40 e pes-quisas correlatas9,11,26, de abrangênciasmais restritas e que, em alguns casos,superaram-nas em termos de análise e decompreensão dos achados2 6 . No nossoentender, é neste particular das interpreta-ções que se f izeram dos seus resultados,assim como no caráter das recomendaçõesque delas decorreram, que reside a prin-cipal importância das mesmas.

Interpretação dos Achados: O quadro demortalidade revelado pelas duas investiga-ções 32,34 pode ser considerado grave. Ocotejo dos coeficientes gerais e específicosde regiões desenvolvidas, com os de regiõesnão desenvolvidas, apontou para o expressivopeso das condições gerais de vida na deter-minação do excesso de óbitos. As princi-pais causas dos óbitos em excesso foramas doenças infecciosas e parasitárias, a des-nutrição protéico-calórica e as complicaçõesda gestação, do parto e do puerpério.Como se vê, doenças decorrentes da pobrezae da marginalidade social, evitáveis pelamelhoria da assistência à saúde, mas nãosó! Evitáveis também pelo atendimento deexigências básicas para a sobrevivência,quais sejam: habitação, alimentação, instru-ção e saneamento. O atendimento adequadoe suficiente destas exigências depende, porsua vez, do poder aquisitivo e do poderde decisão política da população10 .

Dada a natureza conservadora do refe-rencial teórico utilizado, consumou-se umaanálise incompleta dos achados. Estabele-ceram-se associações dos coeficientes demortalidade com inúmeras variáveis. Noentanto, o poder explicativo de cada umadelas não foi devidamente valorizado. Va-riáveis de natureza social, embora reme-tessem, cada uma delas, à situação sócio-econômica mais ampla e capaz de explicaro quadro encontrado, foram consideradasde importância equivalente à de variáveisbiológicas. Associações entre os coeficientese características tais como idade e paridade

foram tomadas como causais, embora fossemassociações observadas no íntimo de umaclasse social apenas e não em todo ouniverso social! Ou então, as associaçõesencontradas entre aspectos técnico-assis-tenciais (ausência de assistência, p. ex.) eos coeficientes de mortalidade, igualmentetomadas como causais, embora pudessemser contingenciais, como de fato outras pes-quisas indicam2 7 . Já foi citado que aestratificação econômica, quando considera-da na análise, eliminou a importância daidade e da paridade materna na distribuiçãodo peso e da idade gestacional de recém--nascidos 41. Isto significa a supremacia devariáveis ligadas às condições de vida nadeterminação da evolução gestacional, emcomparação com o papel desempenhado porcaracterísticas pessoais. Embora se tivesseencontrado associação entre baixo peso aonascer e mortalidade in fan t i l 2 6 , esta asso-ciação deixou de ser considerada causal nomomento em que se considerou a procedênciageográfica dos óbitos e, principalmente, ascaracterísticas econômico-sociais dos locaisde procedência. Esta ampliação do objetode observação e de análise transformou"baixo peso ao nascer" e "elevada morta-lidade infantil" em efeitos de causa comum:a marginalidade social (a pobreza).

As variáveis arroladas como antecedentesdas elevadas taxas de mortalidade maternana América Latina 32,34 foram resumidas emcomplicações da gravidez, parto e puerpérioe consideradas evitáveis pelos cuidadosmédicos neste período da vida feminina.Sabe-se, no entanto, que a precariedade, oumesmo a inexistência deste tipo de assis-tência à saúde é apanágio só das classessociais baixas, as mesmas que fornecem agrande maioria dos óbitos. Sabe-se queestas classes tem menos acesso também ainstrução, habitação, saneamento básico eempregos, além do baixo poder aquisitivo 10.As classes sociais pobres (subalternas) so-frem, portanto, de todas as carências edecorrências da pobreza, dentre as quaisse incluem as altas taxas de mortalidadematerna, Em virtude disso pode-se encon-

trar inúmeras associações entre os diversoscomponentes do espectro da pobreza, comopor exemplo, entre a falta de assistênciamédica e mortalidade materna. Isto porémnão autoriza concluir que se trata de umarelação de causa-efeito, nem tampouco queo excesso de mortalidade materna seráevitado dando-se ênfase à assistência àmaternidade, exclusivamente. Faz-se neces-sário ampliar o âmbito de observação eresponder a questões como: qual a proce-dência social dos óbitos? Qual a distribuiçãosocial dos serviços de assistência à mater-nidade, em gênero e número? Por quê nemos óbitos, nem a assistência à saúde sedistribuem uniformemente pelas classes so-ciais? São questões que, uma vez respon-didas, ajudarão a compreender com maisprofundidade o que se observa e a propormedidas mais eficazes para a transformaçãodo observado.

O mesmo poder-se-ia dizer para oquadro encontrado da mortalidade infantilnas Américas3 2 , anteriormente referido. Oaludido nexo causal entre "moradia rural",ou então "baixa escolaridade materna" emortalidade na infância carece de consis-tência! Crianças da zona rural e fi lhos depais com baixa escolaridade sofrem muitomenos de desnutrição protéico-calóricaquando seus pais são proprietários dasterras onde vivem e t rabalham2 4! Dificil-mente filhos de proprietários rurais, aindaque analfabetos, morrerão na infância porcausa de desnutrição e infecção, ou entãopor falta de assistência médica! A condiçãode proprietário, por si só, numa sociedadeem que os interesses do capital prevalecem,assegura nível de vida material, de reco-nhecimento da cidadania, de acessibilidadeaos diferentes serviços, inclusive de educaçãoe saúde, muito superiores àqueles desfru-tados pelos não proprietários. A associa-ção entre "moradia rural" ou "baixa esco-laridade materna", com mortalidade nainfância, só poderá ser devidamente enten-dida a partir da consideração das conexõesdestas três variáveis com o contexto maisamplo das relações sociais.

É exatamente a questão das classe sociaisque foi negligenciada nas duas investigaçõesem pauta32,34, bem como em publicaçõesdelas decorrentes31. Os seus achados,embora implicitamente contenham estaquestão, não foram analisados de modo aexplicitá-la. Em conseqüência, as suasconclusões e recomendações, incluídas emprogramas oficiais de saúde, tem-se mos-trado incapazes de dar conta da efetivamelhoria das condições de saúde das popu-lações latino-americanas, após uma décadade tentativas 4.

O Caráter das Recomendações: As con-clusões e recomendações divulgadas repe-tidas vezes nas publicações decorrentes dasinvestigações sobre mortalidade nas Amé-ricas 31,33 encerram o mesmo caráter de

parcialidade que marcou a interpretação dosachados*. Resumidamente foram as seguin-tes: planejar, produzir e colher dados bá-sicos; assistir às populações rurais, criarprogramas de saúde e recursos assistenciais;treinar pessoal; ampliar rede de saneamentobásico; ampliar rede de serviços de atençãomaterno-infanfil; ampliar proteção contra asdoenças infecciosas e parasitárias; utilizarrecursos da comunidade; regionalizar ehierarquizar as ações de saúde; regular afertilidade e planejar a família; suplementara alimentação materno-infantil; incentivar oaleitamento materno; educar profissionais dasaúde e a população33. Paulatina e pro-gressivamente essas recomendações foramsendo incorporadas nos programas oficiaisde saúde. Como exemplo transcrevemosalguns tópicos contidos no Plano Decenalde Saúde das Américas, formulado em 1972,em Santiago do Chile, na III ReuniãoEspecial dos Ministros da Saúde*, que dizemrespeito à saúde materno-infantil:

"1. Reduzir o risco de doença e morte aque se encontram expostas as mães e

os filhos e ampliar a área de proteçãodos serviços de saúde materna e infantil.No que concerne à redução de riscos:

2. Desenvolver programas setoriais e pro-mover programas intersetoriais...

3. Ampliar os serviços pré-natais a 60%,atingir de 60 a 90% de atenção ade-quada no parto e 60% de atenção apóso parto".

A OPAS, associada com a FundaçãoKellogg, passou a promover projetos bra-sileiros de saúde comunitária com ênfaseem saúde materno-infantil. O objetivo geraldestes projetos seria "o desenvolvimento demetodologia assistencial em saúde materno--infantil através de estudos operacionais nasáreas prioritárias. . . e o desenvolvimentode recursos humanos para o trabalho emprogramas de saúde materno-infantil efamil iar . . . " 1 4 .

Assinalando a grave situação de saúdenos países pobres, a desorganização daatividade econômica "decorrente das doenças"e denunciando os grandes gastos comassistência médico-hospitalar complexa, oBanco Mundial utiliza o discurso da atençãoprimária, bastante reproduzido na décadade 70, para declarar sua intenção de finan-ciar "operações sanitárias para combater apobreza"8. Estas operações, que visam cor-rigir deficiências "logísticas", enfatizarão"assistência preventiva mais que a medicinacurativa, as tecnologias simples mais que oshospitais e equipamentos complexos e aparticipação da comunidade na atenção àsaúde"8.

Segundo se deduz a partir das medidaspropostas, as principais causas do quadrode saúde descrito residiriam primordial-mente no plano das deficiências técnicas:

* Informações obtidas no documento fotocopiado Programa de Desenvolvimento de Saúde Materno--Infantil, de autoria não identificada, e que trata de projetos de regionalização financiadapela Fundação Kellogg.

falta de pessoas treinadas, de serviços orga-nizados e simplificados, de pesquisas, denormas técnicas, de educação sanitária, departicipação da comunidade, entre outras.Em virtude disso, caberia sanar estas defi-

ciências por meio de medidas destinadas aoincremento de atividades intermediárias ede aspectos operacionais da prestação deserviços. Em momento algum é questionado

se as medidas propostas resolverão o pro-

blema da inacessibilidade dos serviços (quese quer aprimorar!) às classes sociais quefornecem a maioria dos óbitos estudados!Não se questiona também se elas (asmedidas) acabarão com a pobreza dasmesmas classes! Em momento algumatribuiu-se à política econômico-social dospaíses o patrocínio do quadro encontrado!Se esta postura tivesse sido assumida, certa-mente ter-se-ia identificado o elo mais deci-sivo da cadeia causai dos problemas desaúde das populações. Ao invés de reco-mendações conservadoras da política emvigor e acentuadoras de suas aberrações,ter-se-ia enunciado as bases político-econô-micas do progresso social dos povos. Poisno dizer de De Kadt10) se o nível de vidanão experimentar uma evolução favorável,não se deve esperar nenhum melhoramentodas condições gerais de saúde, por maisque se ampliem as ações específicas nestecampo.

COMENTÁRIOS

Vários estudos, aqui analisados põemem realce as relações entre as condiçõesde vida e diferentes aspectos da saúdematerno-infantil. Nem todos, no entanto,dão o devido valor às variáveis sociais.Muitos as consideram no mesmo nívelde importância das variáveis biológicas.Em virtude disso a compreensão finaldo que se observa fica prejudicada,levando a conclusões e recomendações deabrangência limitada, incapazes de tocar naraiz dos problemas.

O reconhecimento da existência de classessociais numa sociedade capitalista é o pontofundamental para que uma pesquisa, sobrecondições de saúde materno-infantil, con-siga chegar à explicação completa dosachados. Isto porque, os recursos assis-tenciais de saúde, como os demais, distri-buem-se desigualmente entre as classessociais, da mesma forma como a renda eoutros recursos materiais. As classes pode-rosas desfrutam de todos eles suficiente-mente e gozam do melhor nível de saúdedentro da sociedade; já as classes subal-ternas e pobres não os tem em quantidadeadequada, acontecendo situações muitofreqüentes de não os ter; além disso, é apobreza que apresenta a maioria dos pro-blemas de saúde e o pior nível da mesmanum dado país. Sendo assim, é comumencontrar diferentes variáveis sociais (as-sistência médica ou escolaridade, p. ex.)associadas com variáveis biológicas indica-doras do nível de saúde (coeficientes demortalidade infant i l e materna; prevalênciade desnutrição protéico-calórica; prevalênciade prematuridade, entre outros). Contudo,essas associações não representam obrigato-riamente uma relação de causa e efeito, umavez que as variáveis arroladas são decor-rentes de uma mesma condição sócio-econô-mica. Somente a ampliação do objeto deestudo, no instante da análise, permitiráestabelecer a importância social do proble-ma. O que "antes" mencionava-se comoproblema de saúde de toda a coletividadepode "agora" ser identificado como problemalocalizado numa classe social apenas.

A importância desta abordagem resume--se na possibilidade de identificação dequestões gerais e de questões específicasde uma dada classe social. Disto podemdecorrer recomendações e diretrizes que nãose limitem a um caráter puramente técnico,mas que apontem também para a neces-sidade de transformações políticas e econô-micas capazes de assegurar bem estarmaterial e assistencial para toda a popu-lação.

OLIVEIRA, L. R. et al. [Maternal-child health: a critical view on determinants andcare programs]. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 17:208-20, 1983.

ABSTRACT: The social determinants of maternal-child health in Ame-rican countries are discussed on the basis of the analysis of several papers andofficial recommendation. Many of these studies do not place due emphasis onsocial factors. Indeed, social factors are frequently put on the same level asbiological ones. Therefore, the resulting understanding is distorted. Conclusionsand recommendations from such studies should be accepted with somecaution since they do not get to the root of the problems. Different socialvariables (like mother's education or medical care) are often associated withbiological ones (like birth weight or nutritional status). However, thiscannot be taken to establish a cause-effect relationship among those varia-bles, but only the simultaneous occurrence of the characteristic features ofsocial class. The authors maintain that different social classes be recog-nized and compared since such a comparison can better explain the resultsin this field. The necessity of new research which takes into account thesocial factors as more important than the biological ones is stressed. Thesewould probably establish the social importance of the maternal-child healthissue and avoid the recent purely technical guidelines and recommendations.

UNITERMS: Maternal health services. Child health services. Healthprogram, evaluation.

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Recebido para publicação em 04/11/1982Aprovado para publicação em 15/03/1983