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VANESSA FERRY SOARES ALBUQUERQUE (ORG.) AMANDA SENA UCHÔA
ANA BEATRIZ VIDIGAL SANTOS ELIZABETH ALENCAR MOURA
JOSEANE MEDEIROS BARROS DA SILVA MANOELLA ALVES DE CASTRO MENDES
NAYANA DE ARAÚJO TOURINHO
SAÚDE MENTAL EM PERSPECTIVA
ENSAIOS SOBRE A PSICOPATOLOGIA E O CUIDAR
Primeira Edição
São Paulo 2013
SAÚDE MENTAL EM PERSPECTIVA
ENSAIOS SOBRE A PSICOPATOLOGIA E O CUIDAR
VANESSA FERRY SOARES ALBUQUERQUE (ORG.) AMANDA SENA UCHÔA
ANA BEATRIZ VIDIGAL SANTOS ELIZABETH ALENCAR MOURA
JOSEANE MEDEIROS BARROS DA SILVA MANOELLA ALVES DE CASTRO MENDES
NAYANA DE ARAÚJO TOURINHO
Primeira Edição
São Paulo 2013
Saúde Mental em Perspectiva: Ensaios Sobre a
Psicopatologia e o Cuidar./ Vanessa Ferry Soares
Albuquerque (org.). São Paulo: PerSe, 2013.
Vários autores.
203 pág.
ISBN. 978-85-8196-245-0
1. Psicologia. Saúde Mental. I. Título, Org.
SUMÁRIO
01. A Família, o Cuidar e a Criança com
Transtorno Mental
Vanessa Ferry Soares Albuquerque
09
02. Codependência Amorosa: Um Estudo
Cognitivo-Comportamental Focado nos
Esquemas
Vanessa Ferry Soares Albuquerque
Nayana de Araújo Tourinho
45
03. Fobia Social: Um Estudo de Caso com
Base na Terapia Cognitivo-
Comportamental
Elizabeth Alencar Moura
88
04. Psicogeriatria: A Importância do Enfoque
Específico dos Transtornos Mentais na
Velhice e sua Terapêutica
Ana Beatriz Vidigal Santos
Manoella Alves de Castro Mendes
105
05. Saúde Mental em Interface com a
Psicologia Social: Experiência do
Atendimento a Familiares de Adolescentes
em Cumprimento de Medidas
Sócioeducativas do CREAS
Amanda Sena Uchôa
134
06. A Relação da Síndrome de Burnout com o
Exercício da Função de Supervisores de
Vendas em uma Empresa Multinacional
Joseane Medeiros Barros da Silva
Vanessa Ferry Soares Albuquerque
159
APRESENTAÇÃO
A proposta de um livro que abordasse
aspectos de variadas patologias e suas terapêuticas
emergiu da convergência entre atividade acadêmica e
prática profissional. Foi uma escolha despertada pela
consciência de que o psicólogo que atua no ramo da
Saúde Mental pode, por responsabilidade ética, assumir
em paralelo o papel da construção de conhecimento, de
forma a auxiliar no estabelecimento de parâmetros de
cuidado.
Com o advento da Reforma Psiquiátrica, o
mundo declarou intolerância às condições inadequadas
em que se encontravam as pessoas usuárias dos
serviços hospitalares para tratamento de transtornos
mentais. Tais hospitais constituíam a única alternativa
para muitos, mas não passavam de verdadeiros
aglomerados de sujeitos desumanizados. E é
exatamente na tentativa de que ações deste âmbito
sejam extintas que se faz de suma relevância
questionar as práticas e buscar subsídios teóricos que
auxiliem no embasamento de intervenções adequadas.
A mudança no atendimento à pessoa com
transtorno mental é um reflexo da mudança de discurso.
Se antes da Reforma Psiquiátrica a visão de homem
que se tinha era segmentada entre corpo e mente,
mudam-se os contextos e surge uma visão de homem
biopsicossocial, formado por múltiplas e complexas
variáveis. As psicopatologias, então, se aproximam do
sofrimento humano na medida em que se distanciam da
anormalidade, da visão tradicional e arcaica de loucura.
O fator subjetivo passa a ser considerado, bem como o
conjunto de valores e representações traçadas pelo
indivíduo que adoece trazem um significado particular
para a relação terapêutica.
É a partir do movimento reformista que a
sociedade rompe com os padrões, na busca por
superação. Neste contexto, práticas antes pouco
convencionais, como a dança, a arte, ou o simples
diálogo em grupo adquirem significado e são alçados à
condição de terapia. A política dos Centros de Atenção
Psicossociais (CAPS) emerge com propostas de uma
clínica alternativa em prol do objetivo de inclusão social
da pessoa com transtorno mental. O usuário do CAPS
passa a ter acesso a um tratamento sem que seja
necessário seu isolamento da sociedade.
O sistema até então vigente, dito
hospitalocêntrico, preocupava-se apenas em enquadrar
o comportamento em moldes socialmente aceitos,
desconsiderando a subjetividade da pessoa com
transtorno mental, em um movimento cíclico de
reincidentes internações (até mesmo compulsórias),
transpondo para a família e a sociedade o estigma da
incurabilidade e periculosidade – o louco era, logo, um
motivo de vergonha e objeto de rejeição.
No Brasil, a luta para instituir legalmente uma
mudança das práticas psiquiátricas pautada no anti-
manicomialismo ganhou impulso com a criação da Lei
nº 10.216/01, que dispõe sobre os direitos humanos e
civis da pessoa com transtorno mental. A Reforma
Psiquiátrica brasileira deu-se de forma peculiar.
Diversos obstáculos se interpuseram à sua
consolidação. A questão ultrapassou discussões sobre
uma reorganização administrativo-assistencial e atingiu
o âmbito dos interesses particulares, num impasse
gerou um atraso de quase dez anos na aprovação do
Projeto de Lei Paulo Delgado. O cuidado à pessoa com
transtorno mental muitas vezes ficou relegada a pano
de fundo para uma briga política acirrada.
No atual momento histórico, então, novas
práticas assumem o papel central num sistema de
promoção de saúde em plena construção. Torna-se
impossível ficar indiferente ao compromisso de
consolidar avanços e a busca por conhecimentos é o
elemento essencial para a melhor operacionalização
dos serviços oferecidos.
Vanessa Ferry Soares Albuquerque
A FAMÍLIA, O CUIDAR E A CRIANÇA COM
TRANSTORNO MENTAL
Vanessa Ferry Soares Albuquerque
Aqui faremos um breve debate sobre a família
e sua percepção sobre Saúde Mental, com base nos
relatos de familiares das crianças atendidas no Capsi
de Timon, no estado do Maranhão.
A Reforma Psiquiátrica é uma temática que
se disseminou pelo mundo na década de 1940
alardeando a necessidade de que fossem formuladas
novas medidas terapêuticas para pacientes portadores
de transtornos mentais. No Brasil, ideias reformistas
contra o dito hospitalocentrismo (modelo de tratamento
psiquiátrico asilar) tomaram proporção nacional apenas
na década de 1980, concretizando-se, enquanto política
pública, com o Projeto de Lei nº 3.657/89, conhecida
como Lei Paulo Delgado, em reconhecimento ao
deputado que a defendeu.
Mas apenas em 2002, a partir da portaria do
Ministério da Saúde GM-336/02, instituiu-se no Brasil a
regulamentação do CAPS – Centro de Atenção
Psicossocial, como modelo substitutivo à rede
hospitalar psiquiátrica. No mesmo ano, em meados de
2002, o município de Timon/MA acompanha a
vanguarda do nordeste implantando o primeiro CAPS
do município. Localizada no interior do Maranhão, na
divisa com o estado do Piauí, Timon, cidade com uma
população aproximada de 150 mil habitantes, possui
peculiaridades que torna bastante diferenciada sua
identidade dos demais municípios maranhenses, a
exemplo do próprio distanciamento geográfico em
relação à capital, São Luís.
Simultaneamente Timon vive os reflexos
positivos e negativos da proximidade da capital
piauiense – o que se reproduz na sua realidade social e
econômica. No campo da saúde pública, a cidade vem
desenvolvendo iniciativas que privilegiam a atenção na
esfera da Saúde Mental. No ano de 2005, implantou um
CAPSi – Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil
e um ambulatório de cuidados psiquiátrico e
psicológico.
Em 2006, o município implementou a relação
dos serviços existentes de CAPS com o PSF –
Programa de Saúde da Família. Foi realizado, também,
o I Movimento Timonense de Luta Anti-Manicomial –
evento que contou com palestras de profissionais da
área e atividades integrativas dos portadores de
transtornos mentais com a comunidade. Naquele ano,
ainda, o Município recebeu o incentivo para a
implantação de um terceiro CAPS, voltado para
usuários de álcool e outras drogas – CAPSad, o qual
entrou em funcionamento pleno no mês de março de
2007.
Ao se deparar com uma rede crescente de
serviços de Saúde Mental, torna-se inevitável
questionar o impacto destas políticas públicas na
parcela da comunidade mais próxima da causa dos
portadores de transtornos mentais, a família. Muito se
pensa sobre a construção teórica de referências para a
operacionalização dos serviços, mas considerando que
a principal proposta dos CAPS é a desalienação destes
sujeitos, em medidas de inclusão social que promovam
a autonomia do paciente, principalmente em relação ao
serviço, mostra-se de suma relevância buscar identificar
o papel da família neste processo.
Este capítulo, então, versa sobre o tema
focalizando a idéia de Saúde Mental elaborada pelos
familiares de portadores de transtornos mentais em
tratamento no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-
Juvenil – CAPSi do município de Timon/MA. Os relatos
abordados são oriundos dos encontros com as
participantes do Grupo de Mães, realizado na referida
instituição no ano de 2007, sendo necessário ressaltar
que, a despeito do nome, deste grupo participam
também avós, madrastas ou tias – que atuavam como
cuidadoras de pacientes.
Contextualizar a família dentro da temática da
Saúde Mental requer pensar na constituição da família
burguesa, uma vez que as modificações nos padrões
familiares trazidas com o advento do capitalismo
refletem na realidade ocidental até os dias atuais.
Quando a sociedade passa a adotar parâmetros de
individualidade e a família encerra o conceito de
privacidade, o ente louco incomoda e expõe os
problemas desta família, infringindo a ordem. A partir
deste momento histórico, as famílias deparam-se com a
opção de internação destes entes em asilos. Em
contrapartida, o hospital psiquiátrico, única terapêutica
disponibilizada, exclui da família dos cuidados ao
paciente asilado. Assim, cristaliza-se a prática de
exclusão familiar durante praticamente um século (cf.
Foucault, 2005).
Quando se questiona a funcionalidade do
sistema asilar e aponta-se para a necessidade de
ressocialização enquanto tratamento para o portador de
transtornos mentais, a conseqüência imediata é a
demanda de desconstrução do conhecimento e das
práticas familiares arraigadas.
O que intenciona-se, portanto, é analisar as
percepções de cuidado e loucura pelos familiares de
portadores de transtornos mentais em tratamento no
CAPSi de Timon/MA; e, paralelamente, historicizar
sobre o processo da Reforma Psiquiátrica neste
município, avaliar a interação da família com os
profissionais dos CAPS de Timon/MA, e analisar os
dados extraídos a partir do trabalho com o Grupo de
Mães para um diagnóstico interventivo.
Compreender, então, como se constitui a
representação social da loucura pelos familiares de
portadores de transtornos mentais acolhidos nos CAPS
de Timon/MA, município que adotou a Reforma
Psiquiátrica desde a sua instituição legal no Brasil, faz-
se o primeiro passo para a instauração de uma prática
terapêutica efetiva no local. Logo, o conhecimento
gerado a partir da experiência de pesquisa pode
assumir uma proporção ampliada para o
estabelecimento de parâmetros de atenção à família
enquanto implemento do projeto terapêutico do usuário
de CAPS.
SOBRE MODELOS DE ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA
A política da Saúde Mental desencadeou
historicamente o paradigma de exclusão sócio-
econômica e de marginalização. Segundo Amarante
(2003), após a II Guerra Mundial, a cronificação dos
pacientes de hospitais psiquiátricos passou a ser
apontada como uma demanda de transformação da
oferta de serviços que, a contraponto dos manicômios,
vislumbrassem o êxito na terapêutica aplicada aos
transtornos mentais.
Surgem, então, os movimentos de
reivindicação junto ao Estado da modificação dos
padrões de tratamento psiquiátrico no Brasil, a exemplo
das propostas que se disseminavam pelo mundo. A
funcionalidade e eficácia da terapêutica psiquiátrica –
questão que legitima e é legitimada pelas políticas