schavelzon, salvador - a assembleia constituinte da bolívia etnografia do nascimento de um estado...
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UNI V E RSID A D E F E D E R A L D O RI O D E JA N E IR O
M USE U N A C I O N A L
PR O G R A M A D E PS-G R A DU A O E M A N T R OPO L O G I A SO C I A L
A ASSE M B L I A C O NST I T UIN T E D A B O L V I A : E tnografia do Nascimento de um Estado Plurinacional.
Salvador Schavelzon
2010
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A ASSE M B L I A C O NST I T UIN T E D A B O L V I A :
E tnografia do Nascimento de um Estado Plurinacional.
Salvador Schavelzon
Tese de Doutorado submetida ao Programa de
Ps-graduao em Antropologia Social, Museu
Nacional, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessrios obteno do ttulo de Doutor em
Antropologia Social.
Orientador: Marcio Goldman
Rio de Janeiro, 25 de Outubro de 2010
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A Assemblia Constituinte da Bolvia:
E tnografia do Nascimento de um Estado Plurinacional.
Autor: Salvador Andrs Schavelzon.
Orientador Prof. Dr. Marcio Goldman, PPGAS/MN/UFRJ
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Ps-graduao em Antropologia Social, Museu
Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessrios obteno do ttulo de Doutor em Antropologia Social.
Aprovada por:
_______________________________
Presidente, Prof. Dr. Marcio Goldman orientador da tese, PPGAS/MN/UFRJ
_______________________________
Prof. Dr. Moacir Gracindo Soares Palmeira, PPGAS/MN/UFRJ
_______________________________
Prof. Dr. Giuseppe Mario Cocco, ESS/UFRJ
_______________________________
Prof. Dr. Emir Simo Sader,UERJ
_______________________________
Prof. Dr. Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, University of Chicago
_______________________________
Rio de Janeiro, 25 de Outubro de 2010
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Schavelzon, Salvador Andrs.
A Assemblia Constituinte na Bolvia: Etnografia do Nascimento de um
Estado Plurinacional / Salvador Andrs Schavelzon. - Rio de Janeiro:
UFRJ/ PPGAS, 2010.
xviii, 590f.: il. 31cm.
Orientador: Marcio Goldman
Tese (doutorado) UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de Ps-graduao
em Antropologia Social, 2010.
Referncias bibliogrficas: f. 572-586.
1. Bolvia. 2. Assemblia Constituinte. 3. Antropologia do Estado. 4.
Estado Plurinacional Comunitrio. 5. Povo Boliviano. 6. Autonomia. I.
Goldman, Marcio. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Museu Nacional, PPGAS. III. Ttulo.
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R ESU M O A Assemblia Constituinte na Bolvia: Etnografia do Nascimento de um Estado Autor: Salvador Schavelzon Orientador: Marcio Goldman Este trabalho trata do processo constituinte boliviano e da aprovao de um texto que se prope constituir a Bolvia como um Estado Social de Direito Plurinacional e Comunitrio, com autonomia para nveis distintos, fundamentado na pluralidade de todas as ordens, com reconhecimento de autogoverno, domnio ancestral e justia indgena em seus territrios; com nfase no controle do Estado sobre os recursos naturais, sua explorao e industrializao. A partir de uma pesquisa de campo de tipo etnogrfico centrada na Assemblia Constituinte que ocorreu entre 2006 e 2007, no processo de aprovao da nova Constituio promulgada em 2009 e no comeo de sua implementao, esta tese se pergunta pelas idias polticas que emergiram ao longo de inmeros debates, sobre a maneira como tais idias se combinaram e sobre seu lugar no desenvolvimento da redao do texto constitucional. A Assemblia Constituinte permitiu a manifestao de conflitRVUHJLRQDLVFRPRRGDDXWRQRPLDQDMeia-Lua H FDSLWDOLD HP 6XFUH TXH LQIOXHQFLDUDP IRUWHPHQWH HP VHX GHVHQYROYLPHQWR $Rmesmo tempo, o processo aqui estudado, est intimamente vinculada chegada de camponeses e indgenas ao Estado, concretizada pela vitria eleitoral do MAS (Movimento ao Socialismo) e de Evo Morales em dezembro de 2005. Para entender este processo prestei especial ateno no surgimento do sujeito coletivo de QDo}HV H SRYRV LQGtJHQD RULJLQiULR FDPSRQHVHV TXH HVWi QR FRUDomR GR SURMeto de Constituio do MAS e das organizaes sociais. Tal proposta de Constituio se apresenta, nesta tese, como uma teoria dos camponeses indgenas e seus aliados sobre o Estado. Proponho que esta teoria, combinada com elementos heterogneos e posicionamentos SROtWLFRVFRQWUDGLWyULRVGHXOXJDUDRTXHFKDPRGH&RQVWLWXLomR$EHUWD8PWH[WRDPEtJXRque contm o conflito que acompanhou sua redao, espaos deixados para interpretaes futuras e tenses no resolvidas com diferentes vises polticas justapostas. Estas caractersticas da nova ordem constitucional se vinculam tentativa de ocupar o Estado de uma nova maneira e nos falam: 1) das condies nas quais a Constituio foi aprovada; 2) da natureza da poltica institucional em um momento de transformao; 3) de um centro poltico que se escapava no permitindo o alcance de um pacto que desse lugar a um novo Estado e 4) de (des)encontros entre a diferena indgena comunitria em relao linguagem normativa do direito estatal, que inspirava a busca pela descolonizao e um avano para alm da forma liberal republicana. Palavras Chave: 1. BOLVIA. 2. ASSEMBLIA CONSTITUINTE. 3. ANTROPOLOGIA DO ESTADO. 4. ESTADO PLURINACIONAL COMUNITRIO. 5. POVO BOLIVIANO. 6. AUTONOMIA.
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A BST R A C T The Constituent Assembly of Bolivia: Ethnography of the birth of a Plurinacional State. Author: Salvador Schavelzon Adviser: Marcio Goldman This work is about the Bolivian constitutional process and the approval of a text that proposes to constitute Bolivia as a Welfare, Rule of Law, Plurinational, and Community State with autonomy for different levels. This State is based in the plurality of all orders, with recognition of self-government, ancestral domain and indigenous justice in their territories, with emphasis in the state control over natural resources, their exploitation and industrialization. From an ethnographic research focused on the Constituent Assembly that occurred between 2006 and 2007; also on the process of approval of the new constitution promulgated in 2009 and the early implementation, this work asks about the political ideas that emerged, about how such ideas were combined and about its place both in writing of the text of the Constitution. The Constituent Assembly led to the manifestation of regional conflicts such as the "autonomy" in the Eastern states and the "capital place" in Sucre that strongly influenced in its development. At the same time, the process here studied, is closely linked to the arrival of peasants and indigenous to the state, expressed by the election victory of MAS (Moviment toward Socialism) an of Evo Morales, in December, 2005. To understand this process, I have paid special attention in the emergence of a collective VXEMHFWRISHDVDQWDXWRFKWKRQRXV LQGLJHQRXVSHRSOHDQGQDWLRQV WKDW LVDW WKHKHDUWRI WKHconstitutional project of MAS and social movements. The proposal of the Constitution is, in this work, seeing as a theory of the peasants, indigenous and their allies about the State. This theory, combined with heterogeneous and contradictory political positions, gave birth to what , FDOO DQ 2SHQ &RQVWLWXWLRQ DQ DPELJXRXV WH[W WKDW FRQWDLQV WKH FRQIOLFW WKDW ZDV WKHUHwhen it was elaborated, spaces left for futures interpretations and unresolved tensions with different political views juxtaposed. These features of the new constitutional order are bound to attempt to occupy the state in a new way. They tell us about: 1) the conditions under which the Constitution was approved; 2) the nature of institutional politics in a time of change; 3) a political center that was slippery, not allowing a pact that would give rise to a new state and 4) (dis)encounters between difference of the indigenous people community in relation to the normative language of state law. Such difference inspired the search for decolonization and for the improvement beyond the liberal republican form. K eywords: 1. BOLIVIA. 2. CONSTITUENT ASSEMBLY. 3. ANTHROPOLOGY OF THE STATE. 4. PLURINATIONAL STATE OF COMMUNITY. 5. BOLIVIAN PEOPLE. 6. AUTONOMY.
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R ESU M E N La Asamblea Constituyente de Bolivia: Etnografa del Nacimiento de un Estado Plurinacional. Autor: Salvador Schavelzon Director: Marcio Goldman Este trabajo trata del proceso constituyente boliviano y la aprobacin de un texto que se propone constituir a Bolivia en un Estado Social de Derecho Plurinacional Comunitario; con autonoma para distintos niveles; fundamentado en la pluralidad de todos los rdenes, con reconocimiento de autogobierno, el dominio ancestral y justicia indgena en sus territorios; con nfasis en el control sobre los recursos naturales y la intervencin del Estado en su explotacin e industrializacin. A partir de un trabajo de campo de tipo etnogrfico centrado en la Asamblea Constituyente que funcion en 2006 y 2007 y en el proceso de aprobacin de la nueva Constitucin promulgada en 2009; esta tesis se pregunta por las ideas polticas involucradas, la forma en que se combinaron y su lugar en el proceso de redaccin del texto constitucional y el comienzo de su implementacin. La Asamblea Constituyente reflej o SHUPLWLy PDQLIHVWDU FRQIOLFWRV UHJLRQDOHV FRPR HO GH DXWRQRPtD HQ OD 0HGLD /XQD \capitalaHQ6XFUHTXHLQIOX\HURQIXHUWHPHQWHHQVXGHVDUUROOR$OPLVPRWLHPSRHOSURFHVRaqu estudiado se enmarca en la llegada de campesinos e indgenas al Estado, concretada con la victoria electoral del MAS (Movimiento al Socialismo) y Evo Morales, en diciembre de 2005. Para entender estos procesos prest especial atencin a la aparicin del sujeto colectivo de QDFLRQHV\SXHEORVLQGtJHQDRULJLQDULRFDPSHVLQRVTXHHVWiHQHOFRUD]yQGHOSUR\HFWRGHConstitucin del MAS y las organizaciones sociales. Esta propuesta de Constitucin se presenta en esta tesis como una teora de los campesinos indgenas y sus aliados sobre el Estado. Propongo que esa teora, combinada con elementos heterogneos y posicionamientos SROtWLFRV FRQWUDGLFWRULRV GLR OXJDU D OR TXH OODPR XQD &RQVWLWXFLyQ $ELHUWD XQ WH[WRambiguo que contiene el conflicto que acompa su redaccin, espacios dejados a la interpretacin futura, y tensiones irresueltas con miradas polticas diferentes yuxtapuestas. Estas caractersticas del nuevo orden constitucional se vinculan al intento de ocupar el Estado de una nueva manera y nos hablan: 1) de las condiciones en que la Constitucin fue aprobada; 2) de la naturaleza de la poltica institucional en un momento de cambio; 3) de un centro poltico que se escabulla sin permitir alcanzar un pacto que diera lugar al nuevo Estado; y 4) del (des)encuentro entre la diferencia indgena comunitaria respecto del lenguaje normativo del derecho estatal, que inspiraba la bsqueda de descolonizacin y de ir ms all de la forma liberal republicana. Palabras C lave 1. BOLIVIA. 2. ASAMBLEA CONSTITUYENTE. 3. ANTROPOLOGIA DEL ESTADO. 4. ESTADO PLURINACIONAL COMUNITARIO. 5. PUEBLO BOLIVIANO. 6. AUTONOMA.
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s cholitas, aos que marcharam pela Constituio e Mara.
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A G R A D E C I M E N T OS.
A Marcio Goldman, pelo acompanhamento deste trabalho, as sesses de orientao e
pela liberdade que me deu na elaborao desta tese. Tambm, de um modo muito especial,
banca examinadora: Manuela Carneiro da Cunha, Emir Sader, Moacir Palmeira e Giuseppe
Cocco, por ter aceitado gentilmente participar e por dispor-se a ler uma tese de considervel
tamanho, pelo que peo desculpas. Este trabalho foi beneficiado por uma bolsa da
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), no perodo 2006-
2010. Quero agradecer tambm os dois financiamentos para pesquisa concedidos pelo
Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social (PPGAS), um subsdio obtido por meu
Orientador para possibilitar uma terceira estada de campo na Bolvia e uma bolsa de ASDI e o
Programa Regional de Bolsas da CLACSO em 2007, com o aval do CIDES-UMSA de La
Paz, atravs de sua diretora Ivonne Farah. No poderia deixar de agradecer de maneira geral
ao Museu Nacional da UFRJ, seus professores, empregados, secretaria e biblioteca. A misso
de observao eleitoral da OEA, dirigida por Pablo Gutirrez, me permitiu realizar uma quarta
viagem de pesquisa Bolvia.
Agradeo tambm a participao neste processo, pelos seus comentrios, a Olvia
Cunha e Eduardo Viveiros de Castro, membros do jurado de qualificao. Agradeo a Olvia,
tambm, pelo convite a participar no Colquio Territrios Sensveis, e a Eduardo por vrias
intervenes no processo de elaborao desta tese e, junto a Marcio Goldman e outros
participantes, por tornar possvel o Ncleo de Antropologia Simtrica Rede Abaet, do qual
esta tese tambm produto. Esta tese foi beneficiada por minha participao no Simpsio
organizado por Laura Gotskowitz e Rossana Barragn na Iowa City University, do qual
tambm participaram ex-constituintes e acadmicos com os quais compartilho o interesse no
processo constituinte da Bolvia e que tambm contriburam com o contedo do trabalho. A
tese foi enriquecida tambm com a contribuio de professores e companheiros do Primer
Taller de Metodologa del SEPHIS, organizado pelo IEP de Lima em 2009, ao que agradeo
ter sido selecionado, e por comentrios s apresentaes dos rascunhos nos Congressos de
Antropologia RAM (2007 e 2009), ABA (2008) e Americanista (2009). Agradeo a Marisol
GHOD&DGHQDSHORFRQYLWHD'DYLV8QLYHUVLW\RI&DOLIRUQLDHjFRQIHUrQFLD1DWXUHFXOWXUH
Entangled Relations of MuOWLSOLFLW\6RFLHW\IRU&XOWXUDO$QWKURSRORJ\HP6DQWD)pHHP
geral pela interlocuo e apoio enquanto redigia esta tese. Tambm meus agradecimentos a
Nestor Kohan da CLACSO; Rodolfo Stavenhagen, a Hctor Daz Polanco, Raquel Gutirrez,
Maria Teresa Sierra e Araceli Burguete pela recepo no Mxico. E por outros dilogos e
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apoios que favoreceram o trabalho, a Mabel Grinberg, Sinclair Thompson, Giuseppe Cocco, e
Fundao Escola de Sociologia de So Paulo.
Esta tese se deve e se dedica principalmente bancada de constituintes do MAS na
Assemblia Constituinte, por permitir a minha presena e pelo tempo concedido, em alguns
casos honrando-me com a amizade. Suas reunies foram muito importantes para mim, e
permanecero para sempre, com discusses tensas, momentos trgicos e tambm de
gargalhadas prolongadas e conversas amistosas. Agradeo a todos, mas menciono
especialmente alguns que generosamente compartilharam em vrias oportunidades seus
pontos de vista comigo: Ral Prada, Carlos Romero, Mirtha Jimnez, Macario Tola, Carlos
Aparcio, Mara Oporto, Ana Mara Nez, Rogelio Aguilar, Marcela Revollo, Francisco
Cordero, Loyola Guzmn, Ada Jimnez, Csar Cocarico, Jimena Leonardo, Walter Gutirrez,
Nlida Faldn, Rebeca Delgado, Dora Arteaga, Benedicta Huanca, Romn Loayza, Sabino
Mendoza, Sal valos, Ignacio Mendoza, Weismar Becerra, Ramiro Guerrero, Isabel
Domnguez, Pablo Zubieta, Magda Calvimontes, Limbert Oporto, Rosala del Villar, Filiberto
Escalante, Flix Crdenas, Marcela Choque, Saturnina Mamani, Ren Navarro, Esperanza
Huanca, Eulogio Cayo, Armando Terrazas, Charo Ricaldi, Jos Lino Jaramillo, Paulo Rojas,
Freslinda Flores, Marcela Choque, Cornelia Flores, Filiberto Escalante. De outros partidos,
tambm contriburam com esta tese Guillermo Richter, Ana Mara Ruiz y lvaro Azurduy.
Fico tambm profundamente agradecido a aqueles que durante o tempo da Assemblia
me ajudaram ou compartilharam comigo dificuldades e vitrias, alm de ressaltar que suas
vozes foram fundamentais para dar forma s pginas desta tese. Agradeo seu tempo e
generosidade que me permitiram entrar neste mundo: Adolfo Mendoza, Ivn gido, Hernn
vila, Jess Jilamita, Nelly Toro, Ftima Tardio e Famlia, Albert Noguera, Elva Terceros,
Juan Carlos Pinto, Cynthia Cisneros, Judith Rosquellas, Leonardo Tamburini, Manuel
Morales, Pilar Valencia, Magaly Guzmn, Jos Maldonado, Pablo Ortiz, Wilbert Vilca Lpez,
Rubn Dalmau, Ronny Mendizabal, Rubn, Miguel ngel, Luty Mendoza, Wenceslao
Humerez Tiini, Diego Cuadros, Diego Pary, Nancy Vacaflor, William Bascop, Jasmn
Salinas, Soledad Domnguez, Roxana Zaconeta, Silvia Mejia, Jorge Sauneros, Omar Guzman
Bontier, Ivn Bascop, Dora Copa, Zaida, Ruth Vilches, Jos De La Fuente.
Em La Paz e outros lugares, por compartilhar suas vises sobre o processo poltico; ou
pela amizade: a Oki Vega Camacho, famlia Molina Barragan, Xavier Alb, Pablo Regalski,
Silvia Rivera, Luis Tapia, Carmen y Andres Soliz Rada, Jiovanny Samanamud, Reyna, Lidia
Urquizo, Chiqui Nez, Pablo Stefanoni, Gloria Bereterbide, Herv do Alto, Heidy Campos
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Salazar, Martn Sivak, Mara Fernanda Rada, Yandira Claros, Isabela Raudhuber, Noelia
Carrazana, Johana Kunin, Andrea Kramer, Iigo Terrejn, Caroline Freitas, Pedro Barros e o
grupo Nossa Amrica de So Paulo, Lorenza Fontana, Alice Soares Guimares, Andrea
Velasco, Consuelo Tapia, Marcelo lvarez, Caroline Freitas, Sue Iamamoto, Pavel Lpez.
Amigos e tambm companheiros, pedindo desculpas por no poder explicitar
corretamente os termos de cada agradecimento. Debora Lanzeni, amizade sempre prxima;
Agustn Barna, amigo fundamental (anarquista e vegetariano); Julieta Quirs, pelos caminhos
que percorremos juntos; Hernn Pruden, que respeita os bolivianos quando estes esto
bbados. A aqueles amigos tambm pelas leituras e comentrios que ajudaram muito e a Clara
Flaskman, Virna Plastino, Nicols Viotti, Flavio Gordon, Francisco Barreto Arajo, Ceclia
Mello, Ana Carneiro e Antonia Walford, ainda que esteja em Manaus. Tambm pelos
comentrios ao meu trabalho, alm da amizade, a Renato Sztutman, Valeria Macedo, Soledad
Torres Agero, Danilo de Assis Clmaco, Luis Angosto, Bruno Fornillo e Jorge Derpic. E a
Soledad Gesteira, Blas Amato, Flvia Marreiro, Bruno Marques, Indira Nahomi, Sui Omim,
Camila Medeiros, Z Renato Baptista, Julia Polessa, Luciana Frana, Tnia Stolze, Chloe
Nahum-Claudel, Luana Almeida, Virginia Vechiolli, Jos Kelly, Orlando Calheiros, Gabriel
Banaggia, Julia Sauma, Pablo Lapegna, Kregg Hetherington, Natalia Gavazzo, a Magaly e
Nate, Adalton Marques, Jean Tible, Eduardo Marques, Pedro Cesarino, Emerson Giumbelli,
Ulises Fierro, David Moskowitz y Pablo Vommaro. Agradeo tambm a Yara Santi, Paulo
Roberto Bhler, a Regina Clia Fabiano de Campos e a Graciela Fernndez. Aos que me
ajudaram na verso em portugus da tese, tambm sou grato, so eles: Erico Valadares,
Juliana Caetano, Ins Olivera, Danilo de Assis Clmaco, Heloisa Gimenez, Marina Fuser,
Juliana Sada, Sandra Silva, Hercules Quintanilha, Luana Almeida, Julio Delmato, Reca e
Mara.
Sempre, aos meus pais, Diego e Margarita, por tudo. Ao meu av Coco e aos meus
irmos Martin e Victoria. E a Mara, companheira e amor doce, com quem inicivamos nossa
vida enquanto esta tese ia sendo escrita.
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Sumrio. Mapa da Bolvia. xvi
Lista de siglas. xvii
Introduo. 1
1 A Assemblia Constituinte. 1
2 Para estudar o Estado e o Contra-Estado na Bolvia. 11
3 Estado, Cultura e Diferena Plurinacional. 27
4 Plano da tese. 44
Captulo 1 Definio do Povo Boliviano. 47
1 Redao de um artigo entre opresso de classe e discriminao tnica. 47
1.1. As reunies do MAS na casa Argandoa. 47
1.2. A classe social e a esquerda na Assemblia. 51
1.3. O katarismo como teoria poltica da articulao entre classe e etnia 61
2 A vrgula que separava indgenas e camponeses; e o ayllu do sindicato 71
2.1. 2VLQGtJHQDRULJLQiULRFDPSRQHVHVQRSURMHWRGH&RQVWLWXLomR 71
2.2. Ayllu e sindicato. 81
3 Povos de terras baixas, colonizadores e afro-bolivianos. 92
4 A reviso da frmula: os mestios e a nao, novamente. 110
Captulo 2 As Comisses. 118
1 $OHLGHFRQYRFDomRHRVGRLVWHUoRV 118
2 $EXVFDGHXPFHQWURHDVGXDVEROtYLDV 126
2.1. Buscando consenso na estrutura do Estado 129
3 Terra e territrio, entre a CAO e a CONAMAQ 144
3.1. O centro na Comisso de Terra e Territrio 144
3.2. Territorialidade indgena e formas de propriedade 151
3.3. Recursos naturais nos territrios. 155
3.4. Marcha indgena. 161
4 Autonomias indgenas, departamentais e regionais. 165
4.1. Autonomia Departamental. 165
4.2. Autonomia Indgena. 169
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xiv
4.3. A indefinibilidade selvagem dos conceitos indgenas. 174
4.4. A Autonomia Provincial. 180
5 A Comisso Viso de Pas e as formas de alcanar um novo centro. 184
6 Outras comisses, o trabalho tcnico e a ampliao. 199
Captulo 3 A Questo Capitalia. 215
1 A Demanda de Sucre. 215
1.1. A Questo da Capital. 221
1.2. Capitalia e Cpula Social. 230
2 O Conselho Poltico Suprapartidrio de La Paz. 235
2.1. Os Acordos do Conselho. 240
2.2. Novo Conflito na Bancada. 248
3 As propostas sobre Capitalidade. 256
4 Entre a violncia e a deciso final. 265
4.1. O Bloco Dissidente e a tentativa de agregar. 270
4.2. Entre viglias e as ltima tentativas de convocar. 275
4.3. Do tringulo simblico deciso final. 296
Captulo 4 A Guer ra da Aprovao. 305
1 La Glorieta. 305
1.1. $$SURYDomRHPJUDQGH. 312
1.2. A Evacuao. 319
2 O Hotel Torino. 322
2.1. Um novo tringulo de opes. 330
3 A ltima sesso na Universidade Tecnolgica de Oruro. 338
3.1. 1RYDPHQWH&DSLWDOLDHDDSURYDomRGRWH[WR. 348
3.2. Retoques ao texto na Loteria e o novo cenrio. 357
4 A ofensiva do Oriente contra a Constituio. 361
4.1. A agenda de Evo Morales e o MAS. 368
4.2. Os Estatutos Autonmicos e a crtica governamental. 372
5 Referendo revocatrio e o extremo da polarizao. 381
Captulo 5 O Acordo e a Constituio Aberta. 393
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xv
1 O grande acordo Constitucional. 394
1.1. O dilogo de Cochabamba. 398
1.2. O acordo do Congresso. 401
1.3. Garca Linera e a nova narrativa poltica Plurinacional. 412
2 A Constituio Aberta e a Meia-Lua. 417
2.1. A viso do Oriente na Constituio. 422
2.2. Terra e reclamaes setoriais do Oriente. 429
3 A Esquerda Nacionalista e o Popular, Socialista, Latino Americano. 435
4 A Constituio Aberta do pluralismo comunitrio. 442
4.1. A Constituio indianista. 446
4.2. Autonomia Indgena na Constituio. 453
4.3. A Justia Comunitria e o Estado. 460
4.4. Justia Indgena na nova Constituio. 466
5 A parcialidade liberal mestia conservadora. 473
Captulo 6 A Implementao do Novo Estado. 485
1 O Nascimento do Estado Plurinacional. 485
2 A Gesto. 493
3 Reeleio, Pachamama e desencanto Moderno. 503
3.1. Pachamama e processo de mudanas: o Debate. 510.
4 Representao Especial Indgena e Marcha das Terras Baixas. 526
5 As Tenses Ps-Constituintes. 544
Referncias Bibliogrficas. 555
Artigos, livros e matrias jornalsticas. 555
Leis e documentos jurdicos. 583
Outros Documentos. 585
Anexo Fotogrfico. 588
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xvi
M APA D A B O L I V A E PA SES L I M T R O F ES
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xvii
L IST A D E SI G L AS E SE U SI G NI F I C A D O E M ESPA N H O L .
Organizaes Sociais.
ANARESCAPYS Asociacin Nacional de Regantes y Sistemas Comunitarios de Agua Potable y Saneamiento APG Asamblea del Pueblo Guaran BOCINAB Bloque de Organizaciones Campesinas e Indgenas del Norte Amaznico de Bolivia CIDOB Confederacin de Pueblos Indgenas de Bolivia CNMCOIB-BS Confederacin Nacional de Mujeres Campesinas Originarias e ,QGtJHQDVGH%ROLYLD%DUWROLQD6LVD COB Central Obrera Boliviana COD Central Obrera Departamental CONAMAQ Consejo Nacional de Ayllus y Markas del Qullasuyu CPEM-B Central de Pueblos tnicos Mojeos del Beni CPESC Coordinadora de Pueblos tnicos de Santa Cruz CSCB Confederacin Sindical de Colonizadores de Bolivia CSCIB Confederacin Sindical de Comunidades Interculturales de Bolivia CSUTCB Confederacin Sindical nica de Trabajadores Campesinos de Bolivia. FEJUVE Federacin de Juntas Vecinales FNMCB-BS )HGHUDFLyQ 1DFLRQDO GH 0XMHUHV &DPSHVLQDV GH %ROLYLD %DUWROLQD6LVD MST-B Movimiento Sin Tierra de Bolivia OICH Organizacin Indgena Chiquitana PU Pacto de Unidad ONGs, fundaes e rgos de cooperao. CEDIB Centro de Documentacin e Informacin Bolivia CEFREC Centro de Formacin y Realizacin Cinematogrfica CEJIS Centro de Estudios Jurdicos e Investigacin Social CENDA Centro de Comunicacin y Desarrollo Andino CIEDAC Centro de Informacin Especializada de Apoyo a la Deliberacin de la Asamblea CIPCA Centro de Investigacin y Promocin del Campesinado CEFREC Centro de Formacin y Realizacin Cinematogrfica CEJIS Centro de Estudios Jurdicos e Investigacin Social CENDA Centro de Comunicacin y Desarrollo Andino FES-ILDIS Fundacin Friedrich Ebert - Instituto Latinoamericano de Investigaciones Sociales FBDM Fundacin Boliviana para la Democracia Multipartidaria. HRF Human Rights Foundation PNUD Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo GTZ Gesellschaft fr Technische Zusammenarbeit (cooperacin de alemania)
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Partidos, Agrupaciones Ciudadanas e Alianas. AAI Alianza Andrs Ibez ADN Accin Democrtica Nacionalista APB Autonoma para Bolivia AS Alianza Social ASP Alianza Social Patritica Ayra Movimiento AYRA CN Concertacin Nacional IPSP-MAS Instrumento Poltico Soberana de los Pueblos Movimiento Al Socialismo MAS Movimiento al Socialismo MBL Movimiento Bolivia Libre MCSFA Movimiento Ciudadano San Felipe de Austria MIR-NM Movimiento de Izquierda Revolucionaria NM MNR Movimiento Nacionalista Revolucionario MNR-3 Movimiento Nacionalista Revolucionario A3 MNR-FR Movimiento Nacionalista Revolucionario Frente Revolucionario de Izquierda MOP Movimiento Originario Popular. PODEMOS Poder Democrtico y Social UN Unidad Nacional Outros: AC Asamblea Constituyente CAO Cmara Agropecuaria del Oriente CEPOS Consejos Educativos de los Pueblos Originarios COMIBOL Corporacin Minera de Bolivia CPE Constitucin Poltica del Estado IDH Impuesto Directo a los Hidrocarburos INRA Instituto Nacional de Reforma Agraria IOC Indgena Originario Campesino MDRAyMA Ministerio de Desarrollo Agrario y Medio Ambiente OIT Organizacin Internacional del Trabajo ONU Organizacin de las Naciones Unidas PIB Producto Interno Bruto REPAC Representacin Presidencial para la Asamblea Constituyente TCO Tierra Comunitaria de Origen UTAC Unidad Tcnica de la Asamblea Constituyente UMSA Universidad Mayor de San Andrs YPFB Yacimientos Petrolferos Fiscales Bolivianos.
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1
IN T R O DU O .
+RMH SRU DFDVR HVWDPRV HP XP QRYR VpFXORXVI, ou seja, em uma poca na qual as velhas FDWHJRULDVLPSORGHPHpQHFHVViULRFXQKDUQRYDV Paolo Virno
1 A Assemblia Constituinte. Este trabalho uma etnografia da chegada dos camponeses e indgenas1 ao
Estado boliviano, centrada na Assemblia Constituinte e no nascimento do Estado
Plurinacional. Como leitura antropolgica da poltica boliviana, interessa-nos
especialmente a perspectiva dos protagonistas deste momento constituinte. A etnografia
combina para isso uma crnica dos acontecimentos e a apresentao das hipteses
polticas que surgiam no devir da construo deste novo Estado. Antes, nesta
introduo, tentarei apresentar o processo boliviano, tecendo algumas notas sobre a
abordagem conceitual para o estudo etnogrfico do Estado com as idias sobre o Estado
e o indgena comunitrio, a partir das vozes do prprio debate boliviano.
No dia 18 de dezembro de 2005, Evo Morales chega presidncia da Bolvia
com 54% dos votos, a mais alta porcentagem desde o retorno democracia, ocorrido em
1982, e a primeira vez em que o novo presidente no precisa recorrer a pactos
parlamentares para ser eleito. O faz pelo MAS (Movimiento Al Socialismo), que no era
um partido de tipo clssico, mas uma sigla cedida por uma fora poltica ativa em
dcadas anteriores, como forma de driblar o requisito burocrtico da justia eleitoral. A
sigla partidria servia de abrigo eleitoral ao Instrumento Poltico pela Soberania dos
Povos (IPSP), que tinha sido formado pelas centrais sindicais do campo. Entretanto, o
MAS ganharia certa vida prpria, pelo menos como smbolo, com o impulso inicial dos
produtores de folha de coca do trpico de Cochabamba. Os camponeses liderados por
Evo Morales comearam a disputar eleies locais e conquistaram o apoio de setores de 1 Veremos que essas duas categorias sero objeto de controvrsias e importantes discusses do processo constituinte, assimilando-se, diferenciando-se ou sendo criticadas. Mas digamos aqui que na em a reivindicasse com sentido diferente ao de outros pases latino-americanos, de no indgenas que fazem polticas destinadas a estes. Mas tambm se utiliz especialmente aymaras. O governo do MAS s vezes se considerava um governo campons, mas no indgena, outras vezes indgena como sinnimo de governo campons, e outras governo indgena, alm de campons.
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esquerda, indgenas e sindicais que tinham protagonizado a pauta poltica boliviana
recente desde as ruas e estradas em marchas, bloqueios, greves de fome e
enfrentamentos com o exrcito. O ponto mais intenso do avano dos movimentos
sociais tinha sido em outubro de 2003, quando fugia aos Estados Unidos o presidente
*RQ]DOR *RQL6iQFKH] GH/R]DGD QR TXH VH YHLR D FRQKHFHU FRPR D JXHUUD GR
JiV'DtYLQKDDDJHQGDGHRXWXEURTXH(YR0RUDOHVFRPHoDYDDFXmprir ao iniciar
seu governo, em 2006, com a nacionalizao dos hidrocarbonetos2 e a convocatria da
Assemblia Constituinte3.
A Assemblia Constituinte se inaugurava em Sucre, no dia 6 de agosto de 2006.
Uma anedota diz que, pouco antes do desfile dos povos indgenas nas ruas da at ento
WUDQTLOD FLGDGH %UDQFD GH DUTXLWHWXUD FRORQLDO WUDEDOKDGRUHV HQFDUUHJDGRV GD
segurana do ato pediram a umas mulheres camponesas com pollera (saia andina),
manta e chapu que se levantassem do cho onde esperavam porque por ele passariam
os constituintes. Essas mulheres confundidas com pblico desavisado se levantaram,
mas no para se retirar e sim para participar do percurso da marcha, pois eram elas
mesmas as constituintes. Este era o grande meta-tema da Assemblia: tratava-se da
chegada ao Estado de novos atores, especialmente indgenas e camponeses, que o olhar
2 Sobre a convocatria Assemblia Constituinte, veja-se FUNDAPPAC (2004 a e b) Kafka (2004) Prada (2006); Verdesoto (2005); Revista Tinkazos Nro 17 (2004); Revista Opiniones y Anlisis Nros 74 (2005); 78 e 79 (2006); Romero Bonifaz (2005 e 2006). Exiincluindo a trajetria poltica de Evo Morales e dos sindicatos camponeses (STEFANONI y DO ALTO, 2006; ZUAZO, 2008; DUNKERLEY, 2007; HARNECKER y FUENTES, 2008; MOLINA, 2006; URQUIDI, 2007), assim como as mobilizaes e a crise estatal do perodo 2000-2005: Garca Linera, Tapia Mealla, Prada Alcoreza, Gutirrez Aguilar (2000, 2002, 2004); Mesa Gisbert (2008); Cecea (2005); Gmez (2004); Mamani Ramrez (2005); Garca Linera (coord., 2004); Grebe Lpez (2008); Revista Artculo Primero Nro 16 (2004) e 18 (2006). Sobre os primeiros passos do governo de Evo Morales, a sua trajetria e caractersticas pessoais de mando, veja-se Sivak (2008); Baes y De La Hoz (2008); Gironda (2008) e Pineda, (2007). A chegada do MAS e Evo Morales ao governo comea a se consolidar com o segundo lugar obtido nas eleies de 2002, e se precipita depois da queda de Snchez de Lozada na Guerra do Gs (outubro de 2003) e a renncia definitiva do seu Vice-presidente e sucessor Carlos Mesa, com a importante mobilizao de camponeses e mineiros, que em 9 de junho de 2005 impediram a posse dos dois polticos de partidos tradicionais que estavam na linha de sucesso, chegando ao presidente da Corte Suprema de Justia. A eleio de dezembro de 2005 foi s mais um momento da longa chegada dos candidatos das organizaes sociais ao governo, que veremos como comea a ser construda muito antes. 3 contratos com doze empresas do setor (entre elas REPSOL, PETROBRAS, TOTAL, BP e EXXON), pelo qual toda a comercializao e controle da produo passaram ao Estado e os impostos aumentaram 30% respeito dos 52 % que tinham se conseguido tambm com o voto do MAS e a presso das organizaes KHroes del Chacoem um momento de preos internacionais altos de petrleo e derivados, o que permitiu aumentar consideravelmente a receita do Estado (de 250 milhes em 2005, para 1 bilho do petrleo), dado que a Bolvia o segundo produtor da Amrica do Sul. Veja-se decreto: http://www.ypfb.gov.bo/documentos/DS_28701.pdf e Orgaz Garca (2008).
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rpido dos que preparavam a passagem dos constituintes no esperava, porque, devido a
FRPR KDYLD VLGR DWp HQWmR QmR DVVLPLODYDP RV FRQVWLWXLQWHV FRP D Iisionomia das
maiorias do povo, agora no Estado, e com a maioria na Assemblia Constituinte.
Em sua turn pelo mundo, aps ser eleito e antes de assumir, Evo Morales tinha
causado sensao quando exibiu uma chompa, pulver de l, dos que se vendem nos
mercados populares da Bolvia e que ningum associava com a investidura presidencial.
Pouco depois, assumia o mando frente aos povos indgenas, nas runas de Tiwanaku,
com vestimentas cerimoniais inspiradas em roupas tradicionais de povos originrios. E,
finalmente, adotaria como vestimenta oficial um traje exclusivo, diferenciado do resto
das repblicas democrticas do ocidente, com motivos andinos, mas confeccionado por
uma estilista de alta moda. As trs vestimentas podem servir de metfora para o
processo que aqui estudaremos: a chegada do povo ao governo, o Pachacuty e o retorno
GH.DWDULSRQGRILPDRVWHPSRVFRORQLDLVRXDLQFRUSRUDomRGDFXOWXUDWUDGLFLRQDODR
Estado. As trs tendncias, e tambm o terno e a gravata, atravessariam a Assemblia
Constituinte e a poltica boliviana desta poca.
A oposio mais forte ao projeto poltico das organizaes sociais e do MAS a
5HYROXomR'HPRFUiWLFD&XOWXUDO RXo processo de mudana viria da regio da
Media Luna, com os departamentos de Beni e Pando, atrs de Santa Cruz de la Sierra, o
mais rico, e de Tarija, onde se tinha comeado a explorar grandes reservas de
hidrocarboneto recentemente descobertas. A oposio a Evo Morales vinha tambm de
vrias capitais, mas era principalmente nessas regies, onde vinha crescendo nos
ltimos anos uma demanda por autonomia e descentralizao, que tinha dado lugar, em
2005, realizao da primeira eleio direta para SUHIHFWRV departamentais
HTXLYDOHQWHDJRYHUQDGRUHVHPRXWURVSDtVHV, mxima autoridade do departamento).
No mesmo dia em que se elegeram os constituintes, 2 de julho de 2006, quatro de nove
GHSDUWDPHQWRVYRWDUDPSHORVLPjDXWRQRPLDHVWDEHOHFHQGRXPPDQGDWRTXHGHYHULD
ser includo na nova ConstituioSRUVHUGHQDWXUH]DYLQFXODQWH4.
Nestas regies, seria tambm eleita a maior parte dos constituintes opositores ao
MAS, que se configuraram como um verdadeiro obstculo para as mudanas que
impulsionava o governo e as organizaes sociais. Em dezembro de 2006, depois do
&DELOGR GR PLOKmR HP 6DQta Cruz, que dava continuidade a uma seqncia de
4 Sobre a demanda de autonomia departamental e a Media Luna, pode se consultar Soruco (coord., 2008); Urenda (2005, [1987] 2007); Urenda y El-Hage (2007); Prado (coord., 2007), Barrios (2005); Zegada (2007); Dabdoub (2007), ILDIS (2003).
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cabildos5 pela autonomia iniciada anos antes, a oposio conseguiu impor dois teros
como norma de aprovao. Isso depois de sete meses de quedas-de-brao nas
discusses, que se limitaram a tratar da elaborao do regulamento dos debates, nas
quais o MAS procurava que os artigos constitucionais fossem aprovados pela maioria
absoluta com a qual contava (tinha 147 de 255 constituintes). O no avano mostrava
a profunda polarizao; de um lado, a oposio pelRVGRLVWHUoRVLQFOXtGRVQDOHLGH
FRQYRFDWyULD j$VVHPEOpLD H GHRXWURR0$6SHOD PDLRULD DEVROXWD FRPDTXDO
contava, expressava a tenso entre uma Assemblia derivada do poder institudo, ou
XPD$VVHPEOpLD RULJLQiULD TXH R0$6 YLD FRPR ~QLFa forma para poder aprovar
uma nova Constituio H DYDQoDU QR VHQWLGR GD GHVFRORQL]DomR H GDV PXGDQoDV
profundas contra o velho Estado.
Uma vez aprovado o regulamento, criaram-se 21 comisses que realizaram
encontros territoriais temticos nos departamentos. Logo aps alguns meses de
deliberaes nas comisses, ampliou-se o prazo de funcionamento da Assemblia at
dezembro de 2007, mas no foi possvel convocar as sesses plenrias no Teatro
Mariscal, de Sucre, sede da Assemblia, pela ecloso de protestos na cidade capital, que
reivindicavam a transferncia para a cidade dos poderes executivo e legislativo,
LQVWDODGRV KiPDLV GH XP VpFXOR QD FLGDGH GH/D3D] QD EXVFD GD capitalia SOHQD
Veremos adiante que o trabalho da Assemblia se conclui de uma forma tumultuada e
barulhenta, sem participao da maioria da oposio, e somente aps um acordo no
Congresso, com numerosas modificaes no texto, que a Constituio seria conduzida
at sua aprovao6.
Para os assessores do MAS na Assemblia Constituinte, o carter Plurinacional
do Estado era a pea mais importante do novo texto constitucional. Tinha sido proposto
pelas organizaes indgenas e assumido pela bancada de constituintes do MAS. Certo
dia, em uma das comisses, os assessores explicavam no quadro, diante dos
constituintes do MAS, que o Estado Plurinacional Comunitrio seria uma contribuio
desta Assemblia ao constitucionalismo a nvel mundial. uma indita combinao do
social, do liberal e do comunitrio com a qual, diziam os assessores, a nova
Constituio combinaria o melhor dos constitucionalismos francs de 1789, mexicano
5 Atos polticos ou concentraes de pessoas convocadas por causas polticas. Palavra de origem colonial, mas tambm utilizada pelos povos indgenas do oriente. 6 Sobre a dinmica da assemblia e os conflitos que a envolveram, veja-se Serham (2008), Garcs (2010), Gamboa (2010), jido e Valencia (2010), Romero, Bhrt e Pearanda (2009); Revista Tinkazos Nro 23-24 (2008); Revista Artculo Primero (2008).
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de 1917 e sovitico de 1935, acrescentando tambm a contribuio do comunitrio por
parte dos povos indgenas. O Estado Plurinacional procuraria superar tambm dois
modelos de Estado no que diz respeito questo tnica: o monoculturalismo da
DVVLPLODomRHLQWHJUDomRGRLQGtJHQDQDYLGDQDFLRQDODVVRFLDGRjUHYROXomRGH
e o multiculturalismo, de reconhecimento da diferena enquanto continue subordinada,
restringida, associado s reformas da dcada de 907.
O artigo quinto da nova Constituio expressaria essas discusses. No seu
primeiro inciso, busca que o Estado expresse a diversidade tnica do pas, com o
reconhecimento oficial de 36 lnguas indgenas como oficiaiV6mRLGLRPDVRILFLDLVGR
Estado o castelhano e todos os idiomas das naes e povos indgena originrio
camponeses, que so o aymara8, araona, baure, bsiro, canichana, cavineo, cayubaba,
FKiFRER FKLPiQ HVH HMMD JXDUDQL JXDUDVXZH JXDUD\X LWRQDPD leco, machajuyai-
kallawaya, machineri, maropa, mojeo-trinitario, mojeo-ignaciano, mor, mosetn,
movima, pacawara, puquina, quechua, sirion, tacana, tapiete, toromona, uru-chipaya,
ZHHQKD\HN \DPLQDZD \XNL \XUDFDUp \ ]DPXFR 0DV SURFXUDQGR LU SDUD Dlm do
PHURUHFRQKHFLPHQWRDVVRFLDGRDRPXOWLFXOWXUDOLVPRQRVHJXQGRLQFLVRGRDUWLJRVH
estabelecia que o governo plurinacional e os departamentais devem usar pelo menos
dois idiomas oficiais, sendo um deles o castelhano, e o outro uma lngua indgena. Isso
pode, em alguns contextos, ser entendido como poltica multicultural, mas dado o
exagero da excluso das lnguas originarias e de seus falantes do Estado boliviano
(embora mais de um tero as fale), significava uma transformao importante.
No faltaram aqueles que, em momentos difceis da Assemblia, diziam que,
uma vez no poder, os camponeses do MAS e seus aliados de classe mdia no
precisavam de uma Assemblia Constituinte, bastariam as aes do Poder Executivo,
como tinha sido com a nacionalizao dos hidrocarbonetos, que tinha incrementado a
receita estatal e dado lugar a uma poltica de bolsas sociais para as crianas em idade
escolar e, mais adiante, para os idosos. Tratava-se, pelo contrrio, de impulsionar um
Estado forte, intervindo na economia para redistribuir o excedente econmico,
desmontar o sistema neoliberal instaurado desde 1986 e, para alguns, apontar ao
7 Sobre o projeto do Estado Plurinacional, ver Alb e Barrios (2007), Garca Linera (2008), Noguera Fernndez (2008); Tapia (2008, 2008b, 2009); Garca Linera, Tapia, Prada (2007); De Souza Santos (2008 a e b); Acosta (2009); Acosta e Martnez (2009); Almeida (2008); Schavelzon (2009). Sobre Multiculturalismo, veja-se: Jameson, Zizek (eds. 1998); Gutirrez Martnez (2004); Borrero Garca (2003); Arocha (2004); Velasco Gmez (2006); Fernndez Martinet, 2006; Kymlicka (1997). 8 Aimar
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socialismo. A partir dessa posio, tratava-se de centrar foras na gesto, para
impulsionar a industrializao dos recursos naturais e redistribuir os investimentos para
reduzir os ndices de pobreza, recuperando a soberania nacional sobre os recursos. A
nova Constituio HUDSDUDPXLWRVXPDSrQGLFHGDVDo}HVGRJRYHUQRTXHDUUHPDWDULD
as polticas estatais e procuraria tambm introduzir mudanas nos trs poderes para
consolidar o poder do novo governo, e possibilitar a reeleio.
Para outros, a Assemblia era fundamental para re-fundar um Estado que, desde
o nascimento da repblica em 1825, tinha deixado de lado os povos originrios, dando
continuidade s estruturas coloniais. O Estado deveria ser transformado, no apenas
ocupado pelos que haviam sido excludos. A Comisso Viso Pas iniciaria nesse
VHQWLGR XP -XOJDPHQWR DR (VWDGR &RORQLDO 5HSXEOLFDQR H 1HROLEHUDO WHQWDQGR
estabelecer um tribunal que julgasse a repblica, dando nfase descolonizao, pea
central do projeto plurinacional, tambm presente no discurso de Evo Morales. Quem
mais apostava na Assemblia Constituinte, antes mesmo das mudanas promovidas pelo
Poder Executivo, eram as organizaes indgenas das terras baixas, que a tinham
demandado j na marcha dos povos em 1990, que foi repetida em outras oportunidades
e que, em 2002, realizou simbolicamente o encontro com os povos indgenas das terras
altas. A partir desse encontro, cada vez mais freqente at 2006, surgira o Pacto de
Unidade, que nucleava as maiores organizaes camponesas e indgenas integrantes do
MAS, ou somente aliadas do mesmo. Nesse espao, elaborou-se uma proposta de
Constituio que foi assumida pelo MAS em varias comisses. Na proposta (PACTO
DE UNIDAD, 2006, 2007) traduzia-VH D DJHQGD GH RXWXEUR DOpP GR FRQWUROH GRV
recursos naturais pelo povo, propunha-se autonomia indgena e camponesa, eliminao
do latifndio, direitos coletivos para os povos indgenas e controle de seus territrios,
representao direta no Parlamento e pluralismo jurdico.
Ainda que esta tese seja parcimoniosa no que diz respeito s extensas discusses
bibliogrficas, importante assinalar a relao com debates latino-americanos sobre
direito indgena, autonomia e as experincias polticas de camponeses e indgenas, em
especial do Peru e do Equador, assim como experincias constituintes vinculadas
boliviana. As mudanas na Bolvia e a proposta de Estado Plurinacional se entroncam,
como se ver mais adiante, na tradio poltica do indianismo boliviano, mas tambm se
v acompanhada pelo desenvolvimento dos instrumentos do direito internacional sobre
os povos indgenas, e em particular as discusses que foram tambm refletidas na
Conveno 169 da OIT (de 1989) e na Declarao dos Direitos dos Povos Indgenas, da
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ONU (2007). Na etnografia da Assemblia, essas discusses tm lugar, levadas
Bolvia por pessoas e instituies concretas, mas tambm recriadas de forma particular a
partir da situao especfica dos povos indgenas bolivianos e seu carter populacional
majoritrio9.
3HORWLSRGHREMHWRHWQRJUiILFRDYR]GRVQDWLYRVDOJXPDVYH]HVVHFRQIXQGLD
com a bibliografia especfica sobre o tema em questo, e tambm documentos
elaborados por participantes do processo, inclusive da imprensa. A etnografia procura
incorporar todas as fontes etnogrficas e bibliogrficas no mesmo plano. A principal
fonte de dados etnogrficos, porm, provem de minha observao de reunies e da
convivncia com os constituintes e outros atores polticos vinculados ao processo. Por
outro lado, os temas que atravessavam a Assemblia me levaram a me aprofundar em
trabalhos onde tenses parecidas se desenvolveram em outros tempos. Eram os
percursos seguidos pelo debate constituinte, que revisava fraturas do passado, retomava
aspiraes j visitadas ou remetia poca colonial. O momento poltico era indito, mas
eram comuns os retornos a 1536, 1781, 1825, 1874, 1898, 1934, 1952, 1964, 1971,
1979, 1986, 1990, 1994, 2000 e 200310.
O trabalho de campo em que esta tese se baseia comeou pouco depois de
iniciadas as discusses das comisses da Assemblia em Sucre e continuou at a
aprovao do texto nas sesses finais, num colgio militar das redondezas de Sucre e na
Universidade Tecnolgica de Oruro, em dezembro de 2007. O trabalho de campo na
Bolvia se retomaria pouco mais de um ano depois, enquanto a Constituio era
aprovada no Referendo de 25 de janeiro de 2009 e promulgada na cidade de El Alto, no
dia 7 de fevereiro. Nesse momento, trata-se de comear a implementar o novo Estado.
Realizei ainda uma rpida visita em 2010, com Evo Morales j reeleito e o Parlamento
9 Sobre o Direito Internacional dos Povos ndgenas (YRYGOYEN 2009; VERDUM 2009; CHARTERS e STAVENHAGEN, org. 2010) sobre o caso da autonomia e a situao indgena de Mxico e os pases andinos (DAZ POLANCO, 1996, LOPEZ e RIVAS, 2005; LPEZ BRCENAS, 2007; ALMEIDA, ARROBO, OJEDA, 2005; ALB, 2008; PAJUELO, 2007; DVALOS, 2006; BURGUETE, LEIVA, SPEED, 2008; AZEVEDO e SALAZAR-SOLER, eds. 2009; QUIJANO, 2006; GUERRERO e OSPINA 2003); e sobre o processo constituinte venezuelano e equatoriano, veja-se Pastor e Dalmau (2001 e 2008), Maingon (2000); Brewer-Caras (2004); Dieterich (2005); Ayala Mora e Quintero Lpez (2007); Verdesoto (2007); e Quintero (2008). 10 Iniciei um percurso de pesquisa por estes caminhos com autores como Dunkerley (2003), Klein (1982), Zavaleta (1982, 1983, 1990), Platt (1982), Thompson (2006), Condarco (1982); Rivera [1984] (2003); Alb et al (1989), agradeo a Rossana Barragn por me guiar com a recomendao de leituras.
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Plurinacional elaborando as primeiras leis do novo Estado. O marco temporal desta tese
compreende esse momento11.
No dia 18 de maro de 2009, logo que promulgada a nova Constituio, Evo
Morales assinava o Decreto 0048, dando lugar a um ato que foi lido como a morte da
5HS~EOLFD GD %ROtYLD 2 GHFUHWR PXGDYD R QRPH GH 5HS~EOLFD GD %ROtYLD SDUD
(VWDGR 3OXULQDFLRQDO GD %ROtYLD 2 WH[WR GR GHFUHWR HUD HP FXPSULPHQWR DR
estabelecido pela Constituio Poltica do Estado, dever ser utilizada em todos os atos
pblicos e privados, nas relaes diplomticas internacionais, assim como na
correspondncia oficial a nvel nacional e internacional, a seguinte denominao:
(VWDGR 3OXULQDFLRQDO GD %ROtYLD 3DUD 5LFDUGR &DOOD PLQLVWUR GH $VVXQWRV
Indgenas em um governo anterior, a mudana substitui o regime republicano
antimonrquico instalado em 1825 por um regime sem rotao nem mudana peridica
GH JRYHUQR TXH SRWHQFLDOPHQWH IUDJPHQWDULD D %ROtYLD HP PLFUR-QDo}HV 9LD D
PXGDQoD VHQGR LPSXOVLRQDGD SRU XP QDFLRQDOLVPR pWQLFR HVWDGROiWULFR TXH FRPR
reconhecimento de diferentes naes daria eVSDoR SDUD R XWRSLVPR ORFDOLVWD H
VHSDUDWLVWDGR2ULHQWH
Nas discusses do processo constituinte e alm delas, a idia de Estado
Plurinacional aludia a formas ou sentidos polticos diversos e, s vezes, em conflito: um
sistema de tipo confederativo de povos indgenas; uma aluso ao respeito genrico pela
igualdade de oportunidades; um modelo inspirado na estrutura sovitica de naes e na
seqncia evolucionista de Engels e Morgan. Para outros, era um poder central
hegemnico autoritrio com ritualidade cerimonial indgena. No seria o nico tema
aberto controvrsias. As nacionalizaes realizadas pelo governo estariam tambm
cruzadas por interpretaes diversas, que iam da glorificao apologtica de abertura de
um futuro proeminente tentativa de desmascarar um pressuposto carter limitado,
falso ou problemtico. O mesmo com o tema das autonomias e da capital do pas com o
assentamento dos poderes de governo, causador dos enfrentamentos polticos mais
fortes no perodo estudado. Alm disso, e dadas as caractersticas do contexto em que 11 O trabalho de campo foi realizado em quatro perodos na Bolvia, contabilizando um total de 14 meses: fevereiro-julho e setembro-dezembro de 2007; Janeiro-abril de 2009; maro-abril de 2010. Incluiu tambm observaes de campo em distintos lugares da Bolvia e mbitos da poltica, antes do incio do trabalho de campo em Sucre. Devemos incluir tambm entrevistas e conversaes com protagonistas do processo em Cidade do Mxico, Buenos Aires, So Paulo, Rio de Janeiro e Iowa City. Alm de um contato continuo com a poltica boliviana atravs de publicaes, jornais e Internet. A parte principal do trabalho de campo na Bolvia centrou-se na Assemblia Constituinte, que tinha sua sede original em Sucre, mas realizei freqentes visitas de campo La Paz, e tambm estive em Santa Cruz, Oruro e Beni.
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era definida uma nova ordem constitucional, uma ou outra verdade de forma negociada
ou imposta transformava-se em verdade do Estado, em verdade que ia alm do
confronto poltico entre argumentos.
A vida das controvrsias no acabaria, de fato, quando a lei fixava de forma
escrita uma resoluo determinada. A partir das mltiplas leituras que surgiam depois
de ser promulgada, a Constituio um bom exemplo da maleabilidade de significados
ao redor de cada conceito no mbito poltico. Tanto suas virtudes, como seus perigos
reapareceriam depois de terem sido eliminados no processo de redao. De nada valeu
que a oposio revisasse, intervindo no texto constitucional aprovado pelo MAS na
Assemblia, porque os supostos riscos contra a democracia e o Estado de Direito
reparados voltavam a aparecer independentemente das revises. Tambm as bandeiras
dos povos indgenas que caiam na mesa de negociaes reapareciam em entrelinhas ou
em formulaes ambguas e indefinidas de artigos que apontavam em distinta direo.
Haveria, talvez, algo mais, que estava na Constituio, mas no necessariamente nas
letras das palavras de seus artigos. Esse excedente se expressava em silncios ou
ambigidades do texto e se vincula com o debate poltico boliviano que no se reduz
atualidade do Estado. este o nvel que procuraremos indagar desde uma antropologia
de um Estado em estado constituinte.
8PFRQVWLWXFLRQDOLVPR H[SHULPHQWDO SURSXQKD%RDYHQWXUD GH6RXVD 6DQWRV
quando visitou a Bolvia, pouco antes que a Assemblia iniciasse em Sucre o trabalho
de suas comisses. Em uma de suas apresentaes12, destacou que, dando continuidade
s reformas que incluam o reconhecimento plurinacionalidade e plurietnicidade, na
Bolvia se estava aprofundando uP FRQVWLWXFLRQDOLVPR SyV-FRORQLDO
5HFRPHQGDYDWDPEpPGHL[DUDOJXPDVTXHVW}HVDEHUWDVSDUDTXHVROXo}HVTXHDLQGD
no estivessem presentes pudessem ser resolvidas no futuro. Desse modo, o povo
manteria o poder constituinte em suas mos e sua fora no seria absorvida pelo poder
constitudo. Pensava que a democracia liberal do Estado moderno encontrava-se em
FULVH LUUHYHUVtYHO H TXH SRU LVVR HUD QHFHVViULR LQYHQWDU XPD GHPRGLYHUVLGDGH FRP
democracia de vrios tipos. Rubn Martinez Dalmau, assessor do MAS na Assemblia e
12 Boaventura de Sousa Santos realizou encontros com organizaes sociais das terras baixas e de El Alto; ministrou tambm uma srie de palestras que foram publicadas em De Sousa Santos (2008). uniforme, o que igual no tem que ser idntico, o que diferente no tem que ser injusto. Temos o direito a ser iguais quando a diferena nos inferioriza, temos o direito a ser diferentes quando a -35 trad. nossa).
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tambm participante dos processos constituintes da Venezuela e Equador, escrevia
VREUH R 1RYR &RQVWLWXFLRQDOLVPR /DWLQR-$PHULFDQR ORFDOL]DQGR R FDVR EROLYLDQR
FRPR HYROXomR ~OWLPD GHVVD FRUUHQWH PDV VHP FDUDFWHUL]DU DV reformas desde o
Plurinacional e a ps-colonialidade. De modo diferente de outros participantes desse
processo, esse observador destacava antes a centralidade de elementos como um
FDUiWHUVRFLDOLQWHJUDGRUDVREHUDQLDSRSXODUDLQWHJUDomRFRP$PpULFD Latina, a
GHPRFUDFLD SDUWLFLSDWLYD H D FRQVWLWXFLRQDOL]DomR GR OXJDU SUHSRQGHUDQWH TXH R
Estado comeava ocupar na economia (2008:74).
Uma concepo da poltica vinculada ao conflito, mais que homogeneidade de
opinies ou cumprimento de leis e administrao, refletir na forma como foi construda
esta etnografia. Uma escolha na construo da etnografia foi considerar a poltica e a
escrita da Constituio como espao atravessado por controvrsias, reino mais de
paradoxos do que de verdades estabelecidas ou programas fechados, e mais de disputas
que de posies unnimes. Isto se reflete na fragilidade de muitos significados, na luta
por impor interpretaes e verdades diferentes que, s vezes, se evidenciavam
incompatveis, e, outras vezes, eram combinadas dando lugar a alguma coisa nova. No
processo constituinte, se mostra cruamente visvel a construo de uma verdade que no
HUDDVVLPFRQVLGHUDGDDQWHVGHVHUDSURYDGDFRPROHLPDVHQWmRSDVVDDVHUDFHLWDSRU
todos. Torna-se visvel tambm a contnua desconfiana sobre as verdades, mostrando
assim a fragilidade da lei e ao mesmo tempo a sua fora. Um espao como a Assemblia
Constituinte permitia comprovar o poder da poltica de invadir qualquer situao, sem
QDGD TXH QmR SRVVD VHU SROLWL]DGR Sondo em questo o seu carter estabelecido e
abrindo todo significado contnua redefinio.
A opo metodolgica para o estudo deste processo ser a de uma etnografia
que, de acordo com a proposta de Bruno Latour (2005), procura seguir minuciosamente
os atores, suas controvrsias e estabilizaes, sem explicaes que passem por cima aos
traados de associaes enquanto so realizados. Trata-se de uma narrativa que procura
RSODQRGHSURIXQGLGDGHQRHQIRTXHTXH$OIUHG*HOOFKDPRXGHELRJUiILFRVHPVH
LPSRUFRPH[SOLFDo}HVDFLPDGRVDJHQWHVFRPRQDVRFLRORJLDGRVRFLDOTXH/DWRXU
rejeita, nem por baixo deles, procurando causas ocultas para seus comportamentos,
como em certa psicologia (1998:10-11). Interessa aqui apresentar antes de tudo as
teorias polticas, sobre o Estado, dos prprios bolivianos que participaram do processo,
procurando o que em antropologia se compreende como dar autodeterminao
conceitual aos nativos, e encontramos na proposta de antropologia simtrica de Latour
-
11
(1994), na Teoria Etnogrfica em Goldman (2006) ou em Viveiros de Castro, quando
escreve sobre uma continuidade epistmica, na qual os procedimentos de pesquisa
sejam da mesma ordem que os procedimentos que caracterizam a pesquisa (2002).
A proposta tem certa especificidade quando a simetria do antroplogo se coloca
frente a atores que adquirem uma voz estatal. uma situao atpica em antropologia,
onde a continuidade epistmica em geral procura ressaltar perspectivas que eram
silenciadas pelo Estado moderno e suas disciplinas de conhecimento. No entanto, penso
que esta situao evidencia sobretudo uma cumplicidade ou simetria entre a perspectiva
etnogrfica e o prprio projeto de descolonizao e Estado Plurinacional, em que novos
atores sociais - e inclusive a Pachamama adquirem cidadania plena num Estado que
transformado por um modelo pluralista e de autodeterminao para os povos e naes
indgenas originrias camponesas.
Na etnografia do Estado e do processo constituinte, teremos que avanar por um
caminho duplo porque ao mesmo tempo nos encontramos com instituies fundadas nos
grandes divisores do que Latour chamou Constituio Moderna (1994); e tambm com
uma proposta poltica de Estado que em algum nvel questionava a separao moderna
entre sociedade e natureza; e tambm entre Estado e sociedade. Essa precauo dever
ser tomada quando a chegada ao Estado dos camponeses e indgenas abriu um cenrio
onde a fora do majoritrio, como construo poltica que consegue se transformar em
governo, no deixava de lado a especificidade do minoritrio, com seu esprito
diferenciador e que, no processo constituinte boliviano, se expressava no desejo de
descolonizao e de autonomia. Nesse sentido que, na Bolvia, observamos como a
verdade das maiorias indgenas chegava ao Estado e escrevia uma nova lei; mas ao
mesmo tempo tambm vamos como tinha lugar a busca por garantir autodeterminao
para povos com verdades civilizacionais diferentes, que no tinham a fora ou a
inteno de se constituir em verdade do Estado nem de assumir a tarefa de governar o
pas de todos.
2 Para estudar o Estado e o contra-Estado na Bolvia.
Numa direo j explorada para outros campos etnogrficos por autores como
Marshall Sahlins (1976) e David Schneider (1968), houve quem tenha indicado a
pertinncia de um estudo cultural e etnogrfico do Estado. Marc Abls (1990, 2000) e
Bruno Latour (2004a e b) realizaram estudos etnogrficos em instituies centrais do
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12
Estado francs, prestando ateno ao processo de elaborao de leis. Outros, ainda,
procXUDUDP HQWHQGHU DV LPDJHQVGR(VWDGRQDVLDIULFD H$PpULFD/DWLQD13. Na
introduo a uma compilao de artigos que exploram a conexo entre cultura e Estado,
George Steinmetz fundamenta esse tipo de estudo e apresenta uma proposta de pesquisa
em que, longe dos estudos de impacto de polticas de governo na cultura, posiciona o
prprio Estado como fenmeno e produto cultural (1999). Steinmetz critica as vises
clssicas da teoria social nas quais o interesse pela cultura se limita aos casos distantes
em espao e/ou tempo, a respeito da modernidade ocidental. Steinmetz sugere que a
racionalidade instrumental pode ser considerada outra forma de cultura e contrasta seu
ROKDUFRP:HEHUSDUDTXHPHVVDOyJLFDIXQFLRQDULDFRPRXPDHVSpFLHGHQmR-cultura,
XPDSXUDUDFLRQDOLGDGHSULYLOHJLDGDFRQWUDDTXDORXWUDVDo}HVRULHQWDGDVSRGHPVHU
FRQWUDVWDGDVWUDGPLQKD14.
Este olhar crtico sobre o Estado, desnaturalizando seus pressupostos
cosmolgicos, um lugar por onde com freqncia passa o pensamento da poltica.
Rancire falava da poltica como iluso, Paul Veyne no lhe encontrava sentido
SL[DomRDLPDJLQDomRDRSRGHUGHPDLRGHSRUTXHDILUPDYDTXHRSRGHUVHPSUHp
imaginao. Walter Benjamin concebe o capitalismo como uma religio, e Lvi-Strauss
comentou, ao escrever sobre a estrutura dos mitos, que as ideologias polticas so para
ele as mitologias modernas. Nesta tese, trata-se de acompanhar o que acontece com os
povos indgenas, os camponeses e seus aliados, quando se encontram com o Estado e
procuram transform-lo. Veremos at que ponto eles comeam a ter poder para
manipular essas idias, como xams, chefes ou sacerdotes estatais, e at que ponto a
constituinte se encontrar com a fora persistente da silueta do Estado colonial e liberal.
13 Latour tem uma pesquisa sobre o Conselho de Estado, e Abls estudou instituies da Unio Europia e o Parlamento. Outros autores realizaram trabalhos sobre as formas diversas como que o Estado imaginado pela populao que entra em contato com polticas estatais; planos de desenvolvimento ou burocracia: Yang (2005), Scott (1998); Hansen e Stepputat (eds.) (2001); Gupta (1995); Nugent (2007); Sharma e Gupta (2006). A minha pesquisa prope um dilogo com ambas perspectivas de analise, se dirigindo s instituies centrais do Estado moderno, mas num pas c diversas ou alternativas s europias. Nesse universo tambm se localiza o influente trabalho de ^WKK> 14 A proposta de Steimentz vincula-se a toda uma linha de trabalhos sobre o Estado, prximos antropologia, mas que surgem desde a sociologia histrica inspirada pelo trabalho de Corrigan e Sayer sobre a formao do Estado ingls como processo cultural (1985). Alguns desses trabalhos podem se encontrar em Aspectos Cotidianos de la Formacin del Estado, compilado por Joseph e Nugent (2002) com vrias contribuies que estudam a articulao entre cultura popular local, violncia poltica e o Estado, em torno do perodo revolucionrio no Mxico. Esse conjunto de trabalhos dialoga tambm com James Scott (1998), de quem retomam um enfoque sobre o Estado, que coloca nfase nas prticas culturais cotidianas.
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13
A Bolvia parece um bom lugar para estudar isso, com um Estado debilmente
consolidado, e ao mesmo tempo com fortes mecanismos de imposio do modelo
moderno, necessrios numa realidade onde encontramos formas polticas alternativas
vigentes e com vitalidade.
Michael Taussig escreve sobre a necessidade do Estado de criar uma aura de
poder legtimo e irrefutvel em torno de si, e observa que a legitimidade da Constituio
dos Estados Unidos no deriva de seus princpios legais, mas dos fundamentos culturais
e polticos da idia dos norte-americanos sobre o Estado Moderno (1992:506, trad.
nossa). O exemplo norte-americano apropriado para evitar a interpretao de que o
Estado mgico ou mtico s porque agora so os indgenas que o ocupam. Em The
Magic of the State (1997), Taussig discute como se conforma a imagem e fora do
Estado Nao, mostrando suas proximidades com a magia, o espiritismo e a religio.
Em seu trabalho, se destaca a ambivalncia da lei e da imagem do Estado, entre o oficial
e o ideal, entre o culto e o calote, entre o considerado kitsch ou sagrado. Na construo
do seu poder, o Estado faz referncia a elementos externos e simbolicamente
antagnicos, que lhe outorgam sentido, e se aproxima do povo, tanto quanto no povo
aparece o estatal, diz Taussig (:157 e passim).
Michel Foucault se perguntava o que significa governar numa determinada
poca e qual a mentalidade de governo que surge com a modernidade desde o sculo
XVI e se expressa de forma caracterstica no Estado (2004). Alm de levar a poltica
SDUD QRYRV HVSDoRV GHVORFDQGR D DQiOLVH GRV FHQWURV GH SRGHU D SDUWLU GH XPD
concepo em que as relaes de poder esto por todas as partes, em suas pginas sobre
governmentality, enquadra o estudo do Estado numa histria mais geral de certa
UDFLRQDOLGDGH WtSLFD GD DUWH GH JRYHUQR TXH DSDUHFH FRPR UHVXOWDGRGH HVWUDWpJLDV
tticas, tecnologias e discursos que se impuseram a partir de determinada poca (1991,
2004:120). Esses trabalhos dariam lugar a estudos sobre a formao dos Estados e as
formas de autoridade e governo, como o de Corrigan Sayer (1985), onde o Estado deixa
de ser uma coisa, essncia ou esprito, para se mostrar como produto de processos no
marco de uma determinada mentalidade que pode ser datada. De alguma forma, na
Bolvia encontramos uma crtica a esse mesmo modelo, mentalidade, ou instituies
associadas modernidade, e s quais algumas prticas comunitrias (e a forma em que
entram na discusso poltica) no se adaptavam15.
15 & tambm trata de como cada sociedade produz historicamente rituais e mecanismos que lhe permitem aceitar algumas coisas como verdadeiras
-
14
Outro trabalho influente para os estudos do Estado, derivado da concepo de
poder como relaes disseminadas, o de Phillips Abrams (1988), que prope seguir e
pesquisar as relaes e no a representao, ideologia ou iluso que identificariam o
Estado. Como alguma vez escreveu Raddcliffe-Brown, descarta o uso da categoria
Estado por consider-la uma fico que deve ser substituda pelas noes de sistema
poltico, organizao poltica e governo. Para Abrams, o Estado uma mscara que
deve se colocar entre parnteses para evidenciar a funo ideolgica do Estado. Suas
idias abrem novas linhas de pesquisa como as de Troulliout (2001), que considera que
o Estado-Nao no mais um continer vlido, e prefere apontar para o estudo de seus
efeitos. Esses trabalhos so uma referncia para localizar uma pesquisa antropolgica
sobre o Estado na Bolvia. No entanto, a discusso pertinente tambm porque diz
respeito ao prprio debate poltico boliviano.
Nos trabalhos dos autores mencionados, o Estado aparece como mentalidade que
tudo abarca, e tambm que no existe em absoluto. A nfase num olhar materialista, ou
simbolista, nos leva a oscilar entre uma e outra viso: trata-se apenas do nosso olhar
determinado pela cultura, dizem uns; mas outros assinalam que ele tem materialidade e
provoca efeitos. Um ponto interessante desse debate que a tenso entre inexistncia e
onipresena do Estado tambm aparece nas questes polticas do processo boliviano. De
algum modo, os enfoques heursticos sobre como estudar o Estado parecem ter reflexo
nas posies polticas do processo poltico. De um lado, encontraramos uma idia do
poltico limitado ao que se refere ao Estado e que encontra na institucionalizao o
nico caminho para realizar mudanas; do outro lado, a idia de que relaes polticas
atravessam o corpo social, ou tm a sua essncia na comunidade e contra o Estado.
(QFRQWUDPRV WDPEpP SRVLo}HV TXH SURFXUDP SHQVDU D SROtWLFD SDUD DOpP GDV
LQVWLWXLo}HVRXSDUDDOpPGR(VWDGR
A variao entre concepes sobre o poder e a poltica, que vai do formalismo
universalista que encontra a poltica em todo lugar ao substantivismo que s
reconhece a poltica institucional , pode ser encontrada nos sentidos em que a poltica
aparece para uma antropologia da poltica desenvolvida no Brasil. Em seus trabalhos,
e outras como falsas. Tambm seguindo caminhos abertos por Foucault, Mitchell (1999) questiona as fronteiras entre sociedade, economia e Estado, mostrando-as como artifcios impostos contra relaes microfsicas que atravessam a separao. O mesmo que Latour aponta como hbridos de natureza e D ses, a comunidade e o pensamento indgenas introduziam uma posio de ruptura com as clssicas dicotomias da modernidade que a mentalidade de governo trazia.
-
15
Moacir Palmeira se aproxima da poltica de Estado, mas ali onde a mesma no constitui
um domnio constante de atividades, mas um fenmeno espordico, correspondente
pSRFDGHHOHLo}HVTXHHUDFRQFHELGDFRPR~QLFRWHPSRGDSROtWLFDHQWUHRVKDELWDQWHV
de comunidades rurais do nordeste brasileiro (Palmeira e Heredia, 1995, Palmeira
1996). Em seu trabalho sobre pessoas vinculadas ao movimento negro de Ilhus, Marcio
Goldman (2006:83-85) encontra concepes sobre poltica sempre em coexistncia e
interpenetUDomRRVPLOLWDUHVQHJURVWHQGHP>@DSHQVDUDSROtWLFDGHDFRUGRFRPXPD
espcie de dinamismo, que a conceberia principalmente como uma atividade, que tem
certamente um espao e tempo prprios, mas que, simultaneamente, parece estar dotada
de um carter invasivo, que faz que, com freqncia, supere os limites em que deveria
ficar confinada (as eleies, o governo) e penetre relaes e domnios dos quais deveria
HVWDUH[FOXtGDRSDUHQWHVFRDDUWHDUHOLJLmR-89)16.
Na Bolvia, o debate sobre o Estado atravessa os trabalhos do grupo Comuna,
ativo especialmente no perodo de 2000-2005, de avano dos movimentos sociais at o
Estado, embora tambm com contribuies mais recentes. Entre seus membros,
verdadeiras personagens narrativas desta tese, alguns se mantiveram fora do Estado e
outros integraram o governo do MAS. Parte desse grupo, o vice-presidente de Evo
Morales, lvaro Garca Linera, converteu-se em importante intrprete da realidade
boliviana, alm de idelogo do Estado Plurinacional. Como ex-professor de sociologia,
preso cinco anos sem ir a julgamento por participar de um movimento armado nos anos
90, gramsciano, indianista katarista17 H PDU[LVWD EROFKHYLTXH VHJXQGR VXD SUySULD
definio, algumas vezes combinava as interpretaes polticas com interpretaes
VRFLROyJLFDV H HPPDUoR GH GLVVH WDPEpPTXH D SROtWLFD pPHWDGHPDWpULD H
coisa, PHWDGHLGpLDVHVtPERORVTXHPGRPLQDRVVtPERORVGRPLQDDSROtWLFD&LWDYD
/rQLQ GL]HQGR TXH QmR Ki SURFHVVR UHYROXFLRQiULR VHP WHRULD UHYROXFLRQiULD18.
16 Marc Abls (1996) tambm destaca duas posies que aparecem em sua pesquisa sobre a Unio Europia, e que se pode ver remetendo aos dois extremos da onipresena e da total inexistncia: as os Estados-Nao os que j no existem, ento a poltica agora essencialmente supranacional, portanto, exclusivamente de instncias, como a da unio de pases europeus. 17 O katarismo, como veremos no captulo 1, o movimento cultural e poltico do altiplano aymara, que nasce nos 70 e cresce junto com os sindicatos campesinos de oposio ditadura. Inspiram-se em Tupac Katari e reivindicam a discriminao tnica, combinando tambm a reivindicao de classe. 18 O vice-presidente fazia meno a uma concepo coincidente com a de Bourdieu, autor que citou em diversas ocasies, para quem o Estado se expande por todo o corpo social, com poder inclusive para definir as categorias com as quais pensamos e percebemos. Em um dos seus textos (1996), Bourdieu apresenta um complemento frmula weberiana e define o Estado como uma incgnita a ser determinada, que reivindica com xito o monoplio da fora fsica, mas tambm simblica, num
-
16
Veremos seu papel na disputa por impor uma interpretao sobre o sentido do Estado
Plurinacional, e tambm seu lugar no processo constituinte como voz governamental no
conflito poltico e nas negociaes da Assemblia. Mas aqui nos interessa sua posio
decidida a favor da defesa de uma estratgia que passe pelo Estado para os movimentos
sociais e indgenas. Para Garca Linera, o Estado aparece como nico caminho.
Com seu artigo sobre autonomias indgenas e a proposta de um Estado
Multinacional, j em 2003 Garca Linera vinha falando de uma sada institucional para a
onda de movimentos sociais (2003), mas sua posio era ainda mais prxima aos
setores nacionalistas aymaras, mais radicais em sua crtica ao Estado colonial que aos
camponeses do Chapare. Quando assume a vice-presidncia, encarna o papel de
defender o Estado como nico instrumento para a transformao social e realizao das
vontades polticas. Nos debates em meio intelectualidade, seria explicito ao
reivindicar Hegel e em qualificar como no realistas e infantis as posies no
HVWDGLVWDV0XLWR(VWDGRpWRWDOLWiULRPDVPXLWDVRFLHGDGHpXPDXWRSLDDQDUTXLVWD
para dentro de 7300 anos, dizia em uma palestra organizada em maro de 2007 pelo
grupo Comuna; e sua nfase no Estado seria ainda maior quando o tema fosse o papel
do Estado na industrializao e no desenvolvimento econmico.
Por se tratar de um momento constituinte e de chegada de movimentos de fora
ao Estado, ainda era possvel ouvir o debate do Estado como estratgia poltica dos
movimentos. Ainda que ningum discordasse da importncia da nova fase inaugurada
pela vitoria de Evo Morales, o Estado como lugar da poltica no dava conta das
expectativas de todos os grupos polticos expressivos do pas. Para muitos componentes
do MAS, que tinham chegado Constituinte ou ao governo por trajetrias externas ao
Estado, ele no era mais que uma realidade circunstancial. Os sindicatos cocaleros
viveram uma guerra contra as polticas de erradicao; indgenas e camponeses haviam
travado batalhas por terras comunitrias e territrio, contra usurpadores ou
aproveitadores de recursos naturais, s vezes com cumplicidade do Estado, a partir de
governos locais corruptos; outros vinham de ONGs prximas s organizaes sociais.
Vinham tambm da luta armada, da militncia nas cercanias ou da atividade privada. O
que difcil no MAS era encontrar biografias institucionais, ainda que desde a chegada ao
territrio e diante de uma populao. O Estado para Bourdieu se encarna tanto na objetividade como na subjetividade. E se institui em esquemas de percepo e pensamento para conseguir ocultar que produto de uma longa srie de atos de instituies (:97-98). A drstica separao entre as dimenses objetiva e subjetiva questionvel a partir uma concepo crtica s bases do pensamento moderno e s suas conseqncias derivadas.
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17
governo no faltaram personagens reciclados e incorporados ao MAS quando este se
incorporou ao Estado.
As trajetrias no institucionais no supem uma perspectiva de no disputa do
Estado; pelo contrrio, para muitos, o Estado sempre tinha sido um horizonte pensado
como espao de cristalizao das vitrias. O Estado, para muita gente, era quem deveria
estar presente para defender territrios indgenas de madeireiros ou garimpeiros, como
responsvel por garantir o controle dos recursos naturais para o povo. Para os sindicatos
que acompanharam Evo Morales, era explcita a busca por superar o limite sindical da
negociao nunca respeitada por parte do Estado como fundamento para a
construo do instrumento poltico. Mas ao mesmo tempo existia um esprito no
institucional, por exemplo, no projeto de autonomias indgenas defendido pelo MAS
como contraproposta s autonomias departamentais da oposio , o qual era a principal
reivindicao dos povos indgenas que apoiavam Evo Morales, mas no se propunham a
participar da administrao do Estado. Ainda que essa reivindicao surgisse
especialmente como demanda das terras baixas, foi incorporada ao processo constituinte
como estratgia pelas organizaes camponesas e indgenas das terras altas, que tinham
maioria demogrfica nas suas localidades.
Tratava-se de um projeto de reconhecimento por parte do Estado da autonomia
que em alguns aspectos j existia, mas que em outros se relacionava a tendncia de
reconstituio do ayllu (comunidade andina de parentesco e organizao social),
consolidao de territrios ancestrais e desenvolvimento do autogoverno como projeto a
FRQVWUXLU2WHPDWUDULDWDPEpPFRQWURYpUVLDVHVHPRELOL]DULDPDVLGpLDVGHJXHWR
GHQRYDUHGXomRFRORQLDOHWDPEpPSRUSDUWHGHVHWRUHVQDFLRQDOLVWDVVHFULWLFDULDD
ameaa de fragmentao do pas ou debilitao para a defesa dos recursos naturais. Mas
a proposta era importante no sentido que introduzia no debate sobre o Estado a questo
GRVUHJLPHVFLYLOL]DWyULRVDOWHUQDWLYRVGHFRVPRORJLDVGLIHUHQWHVHGDSRVVLELOLGDGH
de um Estado no apenas aberto s grandes maiorias, mas que fosse tambm para alm
das formas polticas liberais e republicanas associadas colonialidade19.
19 A procura de autonomias indgenas aparece em distintas formas por toda Amrica Latina. Surge com esse nome na dcada de 80 na Nicargua, para os territrios da costa atlntica, e se incorpora Constituio dos sandinistas. Entre os zapatistas, tem um desenvolvimento independente do Estado depois que os dilogos de San Andrs e a proposta de Lei COCOPA fracassaram. Na Colmbia, Oaxaca e Peru, se associa s experincias de seguridade comunitria (ver SIERRA, 2007, 2009). No Mxico, aparece tanto como forma incorporada estrutura estatal na proposta que s vincula s autonomias regionais, como tambm projeto no estatal em vrios lugares (DAZ POLANCO, 1997; LOPEZ e RIVAS,
-
18
As alternativas estratgia de ocupao do Estado remetem tambm diretamente
j*XHUUDGDJXDGH&RFKDEDPEDGHDEULOGHTXHWLQKDDEHUWRDSRVVLELOLGDGe
de questionar a representao que o Estado exerceria, assim como o capitalismo de
mercado, a partir do comunitrio, com a expulso de uma empresa concessionria de
gua, realizada por uma Coordenao (pela gua e a vida) que nucleava setores sociais
diversos, e que no se propunha disputa eleitoral. Em Cochabamba se tinha vencido o
Estado e dado lugar a pensar a administrao pblica auto-organizada. Hardt e Negri
considerariam estas lutas como prototpicas da defesa do comum (Commonwealth,
2009), e o prprio Garca Linera falava de um importante avano nas lutas dos
movimentos sociais de 2000, em relao aos objetivos polticos do movimento operrio
liderado pelos mineiros no perodo anterior.
Num artigo de 2000, o futuro vice-presidente de Morales escrevia sobre a
PLWRORJLD SROtWLFD GH FODVVH RSHUDULD QR (VWDGR DSRQWDQGR XPD VXERUGLQDomR HP
relao ao Estado da classe operria organizada, com demandas que no questionavam a
autoridade do governo. Na anlise de Garca Linera, na Cochabamba de 2000, se tinha
TXHEUDGR R YtQFXOR GD VXEDOWHUQLGDGH FRP D FRQVWUXomR GH XP KRUL]RQWH GH DomR
DXWRGHWHUPLQDQWH1mRREVWDQWHMiQRJRYHUQRGXUDQWHXPHQFRQWURFRP1HJUL+DUGW
H RXWURV LQWHOHFWXDLV 99$$ *DUFtD /LQHUD UHFRQKHFLD TXH RV PRYLPHQWRV
podem ser alguma coisa num perodo, mas depois devem declinar, descansar, tm que
haver um Estado para fixar os pontos altos, e depois, em anos, outros movimentos
VRFLDLVSRGHUmRDYDQoDU20.
Negri e Hardt, atentos Bolvia, expressavam um interesse internacional que se
traduzia em visitas ou declaraes de apoio de intelectuais e lderes polticos do mundo
todo. Em seu livro Commonwealth, entende-se o lugar de contraponto que a Bolvia
pode representar quanto repblica e seu forte vnculo com a propriedade privada, o 2004; SNCHEZ, 1999; ANAYA, 2006). Sobre autonomias na Bolvia, veja-se Rocha (et al, 2008); Molina, Vargas, Soruco (2008); Galindo (2007). 20 Hardt e Negri, no livro Commonwealth (2010), sobre como na guerra da gua os diferentes sujeitos polticos se combinam sem que nenhum deles prevalea. Nesse sentido mencionam os trabalhos de ' > horizontais de articulao social que substituem a forma classe, refletindo a realidade que , ao mesmo tempo, em palavras de Garca Linera tnica, cultural, poltica, de classe e regional; e que alm disso no emergem como rebelio espontnea, mas numa estrutura organizacional madura, vinculada s bem estabelecidas redes e prticas autnomas dos setores bolivianos envolvidos. Esses autores destacam o desenvolvimento do conceito Multido paralelo ao do seu prprio trabalho que no caso do grupo Comuna aparece derivado da obra de Ren Zavaleta e da sua idia de Bolvia como sociedade abigarrada (HARDT e NEGRI 2010:110-112). Em Commonwealth, porm, os autores tm o cuidado de se distanciar da associao que fazia Zavaleta entre o abigarrada e o carter pr-capitalista da Bolvia, para recuperar o uso que atualmente tem o conceito na Bolvia, em sentido de pluralidade.
-
19
que a temtica desenvolvida por esses autores no primeiro captulo do livro. Negri e
+DUGWHVFUHYHPVREUHD OLQKDGRPLQDQWHGRSHQVDPHQWRSROtWLFRHXURSHXTXHYDLGH
Locke a Hegel, no direito a se apropriar de coisas como base e finalidade do indivduo
OLYUH OHJDOPHQWH GHILQLGR -13). Do ponto de vista da poltica cotidiana da
Bolvia, era exagerado dar esse lugar ao pas, j que a preocupao do governo do MAS
era, pelo contrrio, difundir que a propriedade privada seria respeitada, para o que foram
impressos cartazes inditos na campanha a favor da nova Constituio com o texto
$5HYROXomR'HPRFUiWLFD&XOWXUDO5HVSHLWDD3URSULHGDGH3ULYDGD2VFRQVWLWXLQWHV
do MAS se preocupavam com o voto das cidades e com dar fim aos fantasmas
disseminados por rumores. Mas cabe ressaltar que uma possibilidade de mudana
profunda estava presente, pelo menos nos rumores, nos medos dos vizinhos de classe
mdia, nas esperanas dos militantes e no interesse dos intelectuais.
Na hora de achar elementos concretos para justificar o lugar da Bolvia na
poltica internacional crtica da modernidade, aparece a comunidade andina e a
persistente presena de lgicas coletivas tradicionais. E nesse lugar encontramos outro
regime de propriedade, outras formas coletivas e plenrias de participao poltica,
outro regime de verdade sobre a relao entre todas as coisas, as montanhas e as plantas.
2 SUySULR (YR 0RUDOHV DGRWRX D Pi[LPD ]DSDWLVWD GH PDQGDU REHGHFHQGR FRPR
algum tipo de prestao de contas s bases, ao menos como inteno declarada no MAS
e, no incio do mandato, alguma vez de fato realizada; e vigente sim em nveis
comunitrios e sindicais mais baixos. De algum modo, podemos pensar que os
PRYLPHQWRV VRFLDLV QD%ROtYLD IL]HUDPXPPRYLPHQWR GH ODoR, que avana at um
ponto mximo para depois retroceder e ficar estabilizado no to longe como onde tinha
chegado. Assim tinham ficado marcadas na memria as jornadas de Cochabamba, nas
quais o capitalismo tinha sido impugnado, assim como a representao republicana e a
autoridade do Estado; mas isso para depois empreender a construo de um Estado, com
o essencial das instituies modernas preservado.
Marisol De La Cadena (2008 trad. nossa) trabalha tambm distinguindo os
elementos no modernos dos Andes, e destaca ainda as conexes parciais entre
KXPDQRV H VHUHV TXH QmR R VmR FRPR SODQWDV DQLPDLV RX SDLVDJHQV other-than-
humans beings QDV VHUUDV SHUXDQDV RQGH D SDUWLU GH SURWHVWRV HP GHIHVD GH
montanhas contra a explorao mineira, ou seguindo outras intervenes dos
PRYLPHQWRV LQGtJHQDV H FDPSRQHVHV QD SROtWLFD DQGLQD VH ID]HPSUHVHQWHV VHUHV GD
WHUUDFRPRDWRUHVSROtWLFRVTXHGmRFRQWDGHRXWUDPDWUL]SROtWLFDHRXWUDVRQWRORJLDV
-
20
DPHDoDGDV SHOR FDVDPHQWR QHROLEHUDO HQWUH FDSLWDOLVPR H (VWDGR Veremos mais
adiante o debate sobre esses seres no-humanos no Estado. Antes, consideremos a
discusso na Bolvia sobre a comunidade andina contra o Estado.
Outro membro do Grupo Comuna, o constituinte do MAS Raul Prada, de La
Paz, em alguns de seus trabalhos anteriores ou contemporneos Assemblia
Constituinte, ocupa-se de pensar o ayllu como forma arcaica que se mantm na memria
cultural at os dias de hoje, com sua prpria historicidade (1995, 1998, 2001, 2008).
Para ele, diferentemente de Garca Linera e apesar de tambm ter ingressado no Estado,
a via institucional para a transformao poltica se manteria sempre como uma hiptese
no confirmada. Em seus trabalhos, a forma arcaica do ayllu se relaciona com o
princpio do coletivo, em oposio ao da individualizao, ligada modernidade. a
sociedade contra o Estado e contra o mercado capitalista, que aparece como forma com
transcendncia histrica da regio andina e estende sua presena aos sindicatos e s
mobilizaes polticas da poca recente, tanto no campo como no mbito urbano (:76)21.
Prada faz referncia a Pierre Clastres e identifica no ayllu a represso de uma
apario do Estado, a partir do sistema de comandos rotativos e de confederaes entre
chefes de cls. Refere-se a arquiplagos de comunidades unidas por nomadismo ou
pactos, que se encontram em contnua dinmica de circulao, de redes de reciprocidade
e complementaridade de longo alcance no espao e no tempo, o que tambm se associa
ao politesmo. Segundo Prada, o perptuo movimento des-territorializador e re-
territorializador consegue ainda hoje grandes mobilizaes populacionais em momentos
chave do ciclo agrrio, sem necessidade de recorrer coero por parte do Estado22.
Em nossa reviso bibliogrfica para o estudo do Estado, Pierre Clastres (2004)
pode ser mencionado como etngrafo ou etno-historiador do Estado medida que
pensamos sua observao sobre a fora que d origem diviso da sociedade, como 21 Num texto reWKmoderna do ayllu, tem como matriz e referncia o ayllu, inclusive cumpre funes e atribuies do ayllu. Durante o processo constituinte, o ayllu tem sido o referencial imprescindvel para o desenvolvimento dos artigos que tm a ver com o comunitrio. Agora, depois da aprovao da Constituio, o ayllu o referencial obrigatrio para a aplicao da Constituio em tudo que tem a ver com a realizao do Estado comunitrio, como a democracia comunitria, com os direitos das naes e povos indgenas 22 A caracterizao anti-Estado do ayllu interessante quando, em leituras mais genricas, costuma-se associar o mundo andino ao estatal, se reduzindo as formas andinas ao imprio inca. Em Prada, o ayllu se contrape s cidades-Estado, como Cuzco e antes Tiwanaku, e s sociedades estadistas como o incanato. Em sua genealogia do ayllu, Prada acha a forma contra-Estado para alm, no s da colnia espanhola, mas tambm do incanato. Critica ainda o ayllu de alguns trabalhos etnolgicos, por se remeterem a um referencial histrico j fragmentado pela Colnia, nas redues do Vice-rei Toledo. E os limites da cartografia colonial, que foi transmitida Repblica (2008:75).
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sinal de um rgo que separa os que exercem o poder daqueles que a ele se submetem,