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SEGURANÇA HÍDRICA E O PRESSUPOSTO DA SOBERANIA ALIMENTAR: ANÁLISE A PARTIR DOS PROJETOS DE REFORMA AGRÁRIA DO
MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA – MG
Jéssica Cristina Garcia Universidade Federal de Uberlândia
Resumo O presente trabalho é uma análise dos trabalhos de campos que vêm sendo realizados desde abril de 2012 em projetos de reforma agrária do município de Uberlândia–MG, dando continuidade ao projeto de iniciação científica fomentado pelo CNPQ denominado “Práticas de Gestão da Água por agricultores de Projetos de Reforma Agrária da Mesorregião do Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba” e também ao projeto de extensão “Conflitos e Práticas de Gestão da Água pelos Agricultores em Projetos de Reforma Agrária na Região do Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba”. A proposta diz respeito ao conhecimento da situação hídrica (disponibilidade, uso, gerenciamento, qualidade) na qual se encontram os assentados, considerando que a busca pela soberania alimentar passa primeiramente pela busca, e por que não dizer pela luta ao acesso à água para produzir, consumir, e reproduzir a existência do produtor rural. Palavras-chave: Uberlândia. Assentamentos. Segurança hídrica. Soberania alimentar. Introdução O município de Uberlândia na mesorregião do Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba está
localizado em uma área de inúmeros conflitos territoriais, associados aos movimentos
de produtores rurais sem terra, que lutam pelo acesso a terra e ao direito de produzirem
nela. Grande parte dos trabalhadores associados a esses movimentos foram excluídos
do processo de modernização agrícola do cerrado, pautado na Revolução Verde das
décadas de 1960 e 1970, que propunha a aquisição de insumos e equipamentos
industrializados de alta tecnologia além dos serviços prestados por técnicos
extensionistas do governo federal com a finalidade de transformar o campo,
principalmente o cerrado mineiro em uma área de agricultura moderna e
agroexportadora.
Com isso, Uberlândia se tornou a partir de então pólo do agronegócio no cerrado
mineiro, atraindo migrantes específicos para o campo, a saber, sulistas que possuíam
experiência com produção mecanizada de commodities.
Com os saberes que já possuíam os migrantes que vieram para o Triângulo
Mineiro/Alto Paranaíba juntamente com o apoio governamental reorganizaram o espaço
e as potencialidades naturais nele presentes conforme as suas necessidades. Dessa
forma, o meio rural considerado atrasado e pouco desenvolvido começou a ser
modificado por meio de instalações de infraestrutura, como postes de energia elétrica,
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estradas, construção de poços artesianos e captação direta dos cursos d’água
superficiais, tanto para consumo humano como para utilização na agricultura e pecuária,
especialmente para irrigação das lavouras, fato que foi se afirmando com o passar dos
anos e na atualidade configura o Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba como a mesorregião
da agricultura irrigada.
No entanto, apesar do surto desenvolvimentista pelo qual passava o país nesse período,
o que refletia na organização do espaço rural e das técnicas de produção agrícola, a
tecnologia disponível para o aumento da produtividade no campo não ficou acessível a
toda população rural, o que causou a exclusão e expulsão de agricultores tradicionais e
de suas famílias de suas terras, o que é comprovado hoje no grande número de
manifestações e de movimentos sócio-territoriais existentes, além da grande quantidade
de projetos de assentamentos criados desde o final da década de 1980 na mesorregião.
Em Uberlândia, o primeiro projeto de assentamento foi criado em 1998 denominado de
Rio das Pedras com capacidade para 87 famílias, de lá até 2010 foram criados mais 14
PA’s. Dessa forma, Uberlândia é o município com maior número de projetos de
assentamentos da mesorregião do Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba, totalizando 15
projetos de reforma agrária numa área de 20.038 hectares, com uma média de 832
famílias (DATALUTA, 2010), justificando assim, a escolha do município para o
desenvolvimento da presente pesquisa. A figura 1 mostra a localização do município em
questão no contexto da federação e da mesorregião geográfica, o mapa seguinte (mapa
1) apresenta o número de projetos de assentamento existentes na mesorregião no qual
está inserido o município de Uberlândia.
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Figura 1: Localização do município de Uberlândia, 2009.
Fonte: IBGE, 2009. Mapa 1: Número de assentamentos rurais na mesorregião do Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba
Fonte: Banco de dados da luta pela Terra – Dataluta, 2010. Organização: VIEIRA, W.A.
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Considerações teóricas sobre a assistência técnica aos pequenos produtores familiares e sua importância nos projetos de assentamentos de reforma agrária
Iniciados no final da década de 1940 e início da década de 1950, com forte influência
dos Estados Unidos, começaram a ser colocados em prática pelo governo federal
projetos de Extensão Rural sob a ótica capitalista, visando superar o atraso na
agricultura brasileira (LISITA, 2005). Surgiu a necessidade de “educar” a população
rural para que ela pudesse adquirir os insumos e equipamentos necessários à
modernização da atividade agropecuária, tornando-se necessário para isso a atuação de
profissionais ligados a entidades governamentais que fossem dotados de conhecimentos
técnicos a respeito da funcionalidade e utilização destes insumos e equipamentos
agrícolas importados, esses profissionais eram os extensionistas rurais.
Essa nova forma de produção agrícola baseada nos moldes capitalistas, excluía os
pequenos produtores rurais, que não tendo acesso a essas novas ferramentas e insumos e
nem ao apoio técnico dos extensionistas, acabaram sendo expulsos de suas terras diante
de um modelo perverso de produtivismo rural.
Apenas recentemente, nas últimas décadas dos anos 1990 e 2000, principalmente
durante o governo Lula (2003-2010) foi notável a preocupação com as camadas a
margem do chamado agrobusiness, como os pequenos produtores familiares. Políticas
públicas sancionadas no ano de 2010 como o PNATER (Política Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural) e PRONATER (Programa Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural) em continuidade com o PRONAF (Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) criado em 1995 vêm auxiliando os
produtores familiares, para que eles possam produzir para o autoconsumo e também
para o mercado.
O auxílio técnico do extensionismo rural começou a ser pensado para os pequenos
produtores rurais na década de 1990, em que houve na década anterior uma queda nos
serviços prestados pela ATER, pois o país vivia um momento de crise econômica e
transição política.
O contexto era de fortes pressões exercidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) que crescia e ganhava cada vez mais adeptos lutando pela reforma
agrária. Para evitar que mais produtores rurais, principalmente os pequenos produtores,
se inserissem no movimento, o governo federal criou o Projeto Lumiar, em 1997, com o
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objetivo de orientar as famílias na agricultura, pastagem e criação animal, por meio da
introdução de novas tecnologias produtivas, e também o PRONAF para estimular a
produção familiar por meio do sistema de crédito agrícola.
No entanto, essas políticas públicas eram mais para atender aos interesses das agências
internacionais como o Banco Mundial e a FAO que almejavam a entrada dos
agricultores familiares na economia mundial, por meio de aquisições de insumos e
tecnologias para a produção rural, do que de fato promover um desenvolvimento
econômico no campo começando pela base da produção agrícola do país, ou seja, os
produtores familiares.
Em um momento de crise econômica seriam os agricultores familiares os responsáveis
por resgatar a economia do país, conforme afirmavam as agências internacionais, pois
eles estavam mais aptos a retornarem a um modelo de produção agrícola que estivesse
em acordo com o uso racional dos recursos naturais. Isso influenciou a formulação de
projetos de desenvolvimento rural que contemplassem o desenvolvimento harmônico e
o respeito ao meio ambiente, o que pode ser entendido como uma “ecologização da
agricultura” (DIAS, 2004).
Durante o governo Lula, a preocupação com a agricultura familiar recebeu maior
destaque. Continuando os projetos iniciados no governo Fernando Henrique Cardoso,
como o PRONAF, e criando novos programas com o intuito de atender aos pequenos
produtores da agricultura familiar, sobretudo, os produtores rurais dos assentamentos de
reforma agrária, auxiliando na produção por meio de crédito agrícola, apoio técnico e
fixação dos preços de alguns produtos no mercado interno.
Entretanto, os novos sistemas produtivos difundidos a partir de então por entidades
externas ligadas ao desenvolvimento rural (Incra, organismos públicos de extensão
rural, ONGs) procuram inovações que possuem como característica principal o aumento
da produção vegetal e animal em consonância com um uso mais intenso do recurso
água, seja para um consumo doméstico e animal ou para a irrigação (SIDERSKY,
2008), sendo esta uma técnica produtiva bastante utilizada. No entanto, o auxílio técnico
nas áreas de assentamento faz-se necessário, pois, para conseguir competir no mercado
o pequeno produtor familiar precisa se adequar ao modelo de produção capitalista e isso
implica em um conhecimento tecnicista de alta produtividade. Assim, Nessa outra etapa da modernização, ao se enfatizar a agricultura familiar como público preferencial da ação estatal, não se abriu mão do objetivo de fomentar o incremento dos índices de produção e produtividade. Continuava-se, assim, a afirmar a imagem do “agricultor moderno”, construída durante o processo de modernização da agricultura ao longo dos
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anos 70. Esse agricultor moderno é imaginado como aquele que possui maior potencial para integrar, social e economicamente, as teias dos mercados modernos ou do agronegócio (DIAS, 2010, p.507).
Para se adequar ao modelo de agricultura capitalista, o agricultor precisa utilizar
diversos meios para melhorar o gerenciamento dos meios produtivos, sobretudo o
gerenciamento adequado do recurso água, imprescindível na produção agrícola, mas que
nos últimos anos vem sendo apropriada por setores do agronegócio e empresas privadas,
numa região em que a mesma se encontra em quantidade abundante, excluindo assim os
produtores familiares dos projetos de assentamento, já que a legislação não propõe o
caso específico do gerenciamento dos recursos hídricos nos assentamentos de reforma
agrária.
A água e suas formas de gerenciamento estão intimamente relacionadas com a
organização da produção de alimentos, a qualidade de vida dos assentados e o respeito
ao meio ambiente, sendo, portanto, um tema de suma importância que deve ser estudado
a fim de proporcionar conhecimentos sobre um tema ainda pouco explorado em uma
região com histórico de ocupação de terra por movimentos sociais ligados ao campo, a
questão dos assentados e do uso que eles fazem da água não é considerada.
A implementação de um Projeto de Assentamento (PA) passa por várias etapas
seguindo as diretrizes que levam para a consolidação do processo de Reforma Agrária.
A terra utilizada para implementação dos PA’s é obtida por meio de procedimentos
legais como desapropriação por interesse social, compra, venda, doação, alienação de
terras públicas entre outros, constituindo essa a primeira etapa do processo de reforma
agrária (Manual dos Assentados, 2001).
O INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) é o órgão responsável
pela descoberta e apropriação das terras improdutivas com finalidade de Reforma
Agrária. No INCRA são feitos os cadastros das famílias, o registro em cartório do
assentamento, o estudo da capacidade e a distribuição dos lotes. Após esses
procedimentos, inicia-se a etapa consolidação do PA por meio de projetos e programas
de desenvolvimento para o Assentamento.
O Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) é o primeiro estudo detalhado e
minucioso das potencialidades físico-naturais, sociais e ecológicas do assentamento
com a finalidade de proporcionar o desenvolvimento socioeconômico do PA, pois, deve
levar em consideração as características físicas, sociais e econômicas do PA analisado.
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O objetivo desse levantamento específico das potencialidades físicas, naturais e sociais
do assentamento, é propor projetos de desenvolvimento compatíveis com a realidade e a
expectativa dos assentados. As atividades agropecuárias e produção agrícola se
direcionarão a partir das características físicas e sociais presentes no assentamento e nos
assentados.
É importante considerar que, apesar de ser um documento de suma importância para
nortear o desenvolvimento dos PA’s, inúmeros assentamentos estão em discrepância
com o que é relatado no papel. Por motivos políticos e de interesse imediato, esses
estudos não condizem com a realidade presenciada nos assentamentos. A falta de
diálogo entre o técnico que faz o levantamento e a população assentada faz com que
modos de vida e de produzir a terra sejam desconsiderados, deixando o assentado
descontente com o que é proposto.
Além disso, há inúmeros casos de lotes fixados em áreas em que a terra não possui
aptidão agrícola para o tipo de produção proposta, e ainda lotes firmados em áreas de
reserva ambiental, ou de proteção permanente, sem que haja troca de informações com
o produtor assentado, que não entende o motivo de não poder explorar totalmente a área
do seu lote.
Os casos mais comuns presenciados nos trabalhos de campo realizados até o mês de
julho de 2012 se referem à escassez hídrica, e não pela falta de água no assentamento,
mas pelo mau gerenciamento e distribuição da água entre os lotes.
Quando a luta pela terra transforma-se na luta pela água
Após a conquista da terra, inicia-se uma nova etapa na consolidação do processo de
reforma agrária, a terra precisa produzir, garantir a reprodução da existência dos
assentados, no entanto, o recurso básico essencial a toda produção agrícola, a água,
muitas vezes não se encontra em quantidade, qualidade e acesso disponíveis.
Nos quatro projetos de assentamentos localizados no município de Uberlândia, visitados
até o mês de julho de 2012, a saber: PA Zumbi dos Palmares, PA Florestan Fernandes,
PA Tangará e PA Dom José Mauro, foram encontrados problemas quanto à captação,
distribuição, uso e qualidade da água.
Entende-se que a questão da água é essencial nas comunidades e a partir dos usos e
apropriações desiguais e que por meio do mau uso estabelecem-se os conflitos.
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O município de Uberlândia insere-se em uma região de intensa produção agrícola,
principalmente de “commodities”, e que possui inúmeras barragens, fazendo com que a
utilização do recurso água torne-se um privilégio daqueles que têm condições
financeiras de pagar para usufruir dela. A disputa pelo controle e uso da água possui
diversos representantes, provenientes de camadas sociais distintas que lutam para
usufruir um bem natural e abundante na região.
Além disso, nos assentamentos, o recurso água, embora de suma importância, é bem
diferente do recurso “terra”. Este último tem um estatuto bastante claro para os
assentados, sendo apropriado de forma individual (o lote) ou coletiva (a exemplo da
reserva ambiental,) (SIDERSKY, 2008). As regras de uso da terra “coletiva” vão
surgindo, e não parecem colocar grandes problemas a princípio. (OSTROM, 1990;
CUNHA, 2004). Já com o recurso água a situação é algo diferente. Por um lado, é
evidente para todos que o acesso a este recurso é vital para produzir para a subsistência
e para o mercado. Mas por outro lado, também é comum que este acesso seja bastante
desigual e que as regras de sua gestão sejam, às vezes, confusas.
Num assentamento, a montagem de um sistema global de uso do recurso hídrico não é
uma coisa simples. Em particular é necessário dimensionar e equacionar a distribuição
entre as diferentes necessidades. Sendo um recurso estocado (por meio de açudes,
cisternas, tanques), é necessário também pensar na possibilidade do seu esgotamento.
Em geral, o uso final tende a ser familiar, mas aquilo que é necessário para dar acesso
ao recurso frequentemente tem um caráter “coletivo” a exemplo dos sistemas de
distribuição de água nas agrovilas dos assentamentos (SIDERSKY, 2008).
A partir disso, considera-se que um sistema de gestão da água nos assentamentos, deve
levar em consideração a realidade física, ecológica e principalmente humana da
comunidade em questão (SIDERSKY, 2008). Assim, deve-se atentar para os Planos de
Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs), pois, eles são norteadores de como se
deve estruturar o assentamento, e dessa forma o uso da água também.
O mau gerenciamento do recurso água nos projetos de reforma agrária do município de
Uberlândia deve-se, entre outros motivos, ao órgão responsável por construir e manter a
infraestrutura nos PA’s, ou seja, ao INCRA. O INCRA é o órgão responsável por
perfurações de poços artesianos, instalações de encanamentos e rede de distribuição de
água, no entanto, em alguns casos, o serviço realizado é mal feito e os assentados nem
conseguem utilizar a infraestrutura instalada. Esse é o caso do PA Zumbi dos Palmares,
em que, existem dois poços artesianos perfurados pelo INCRA, mas um deles está
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inutilizado há quatro anos e o outro teve os seus encanamentos destruídos após a
explosão da bomba do poço que era inapropriada para o mesmo, as duas caixas d’água
existentes no PA com capacidade para 17 mil litros de água cada uma, estão
abandonadas (foto 1).
Com 22 famílias e dois córregos poluídos por uma granja que corta o PA, a maioria dos
assentados construíram sua própria cisterna ou furaram mini poços com seus próprios
recursos, sem ajuda governamental. No entanto, a água captada só é utilizada para o
abastecimento humano e dessedentação animal, já que para irrigação de lavouras é
preciso uma quantidade bem superior de água que a cisterna comporta.
Existem projetos de mandallas em praticamente todos os PA’s do município,
totalizando 46 projetos (Trabalho de campo, 2012), com auxílio e assistência técnica da
prefeitura municipal, o que é uma alternativa aos produtores assentados, mas em lotes
em que a falta d’água é crítica, como em topos de chapadas, no caso do PA Florestan
Fernandes, a mandalla não é construída.
O caso mais crítico se refere ao PA Tangará, onde existem seis poços artesianos
perfurados pelo INCRA, mas apenas dois são utilizados, pois os demais não estão
equipados Verifica-se, contudo, que no PA com 250 famílias, em que 187 famílias não
possuem acesso a água dos poços, onde apenas um poço atende 16 famílias e o outro
47, perfurados há dois anos, em um assentamento criado há cerca de oito anos. A
maioria dos lotes possui cisterna para armazenar a água da chuva, e os que estão
próximos aos cursos d’água canalizaram em alguns trechos.
Outro assentamento visitado - PA Dom José Mauro -, com 205 famílias, não possui
poços artesianos, mas 12 represas que abastecem os assentados e também o rio
Douradinho que tem uma de suas nascentes localizada dentro do PA (foto 2). Grande
parte dos assentados possuem cisternas, mas como ficou perceptível no trabalho de
campo, por ser um PA criado em 2009, ainda há pouca infraestrutura instalada, não
encontramos casas construídas, pois os assentados ainda não receberam o financiamento
do Banco do Brasil para a construção das mesmas. Apesar de ser abastecido por 12
grandes represas, o PA está localizado próximo ao antigo aterro sanitário do município
e há risco de que parcela da água que passa pelo assentamento esteja contaminada.
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Foto 1: Caixa d’água abandonada no PA Zumbi dos Palmares
Autora: GARCIA, J.C. Fonte: Trabalho de Campo, 2012. Foto 2: Nascente do rio Douradinho no PA Dom José Mauro
Autora: GARCIA, J.C. Fonte: Trabalho de Campo, 2012.
Os Planos de Desenvolvimentos deveriam atentar para essas particularidades existentes
em cada projeto de reforma agrária, entretanto, o desinteresse e a necessidade política
de criação de PA’s fazem com que muitos deles sobrevivam no descaso. Não foram
poucos os casos de abandono e venda de lotes, comentados durantes os trabalhos de
campo pelos próprios assentados, mas em uma situação em que às vezes nem água para
beber se possui no lote, torna-se compreensível tais atitudes.
Conforme Bezerra (2011), a luta pela terra não pode ser dissociada da luta pela água,
pois, deve-se ressaltar que em qualquer modelo de produção agrícola, seja ele
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agroindustrial ou camponês, não se efetiva sem a segurança hídrica, ou seja, sem
disponibilidade de água abundante. A reprodução da existência de um agricultor, seja
ele produtor de alimentos em pequena quantidade ou grande proprietário, produzindo
para exportação, passa diretamente pelo acesso a terra, entretanto, uma terra que não
possui acesso à água, não pode reproduzir a existência do camponês nem do
latifundiário. Este conjunto de fatores nos leva a definir a gestão da água como
instrumento de consolidação e melhoria dos sistemas produtivos (SIDERSKY, 2008),
ou seja, há uma busca pela segurança hídrica que é pressuposto básico para a segurança
e/ou soberania alimentar.
A segurança alimentar só é conseguida por meio da segurança hídrica, pois uma terra
sem acesso a água não pode produzir e sendo esse o recurso básico imprescindível para
a produção agrícola a sua falta ou dificuldade de acesso compromete não apenas a
produção, mas até mesmo a existência do produtor.
Considerações Finais
O presente trabalho visa proporcionar um entendimento a respeito de como se dá a
questão do acesso, uso e qualidade da água nos projetos de reforma agrária do
município de Uberlândia – MG. Apesar de não estar encerrada, a proposta dos trabalhos
de campo pôde contribuir com uma visão real do que acontece nos assentamentos rurais,
pois, é nos assentamentos de reforma agrária que a questão da água é crítica. Os
assentados dependem das ações do INCRA para construírem, plantarem, instalarem
infraestruturas dentro de seus lotes, o que torna o processo moroso, desgastante e
duvidoso para os assentados. Não há uma legislação específica para o uso da água nos
assentamentos de reforma agrária, o que torna tudo mais problemático.
Com os trabalhos de campo foi possível visualizar essa situação em alguns
assentamentos do município de Uberlândia, em que o acesso à água é reivindicação
generalizada. Sem água não há produção, não há subsistência, não há comercialização,
não há meios para o assentado reproduzir a sua existência, não há motivos para
continuar na terra, trazendo à tona a questão da soberania hídrica, sem a qual não é
possível efetivar a soberania alimentar e a melhoria das condições de vida da população
assentada.
Dessa forma, a questão hídrica aparece como um entrave à produção agrícola, pois, sem
acesso à água os produtores rurais não produzem o suficiente para atingirem o
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desenvolvimento econômico esperado, comprometendo a qualidade de vida dos
assentados.
Referências
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