sem leitura e escrita: o lÚdico no … · do ensino fundamental sem aprender a ler e escrever....
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SEM LEITURA E ESCRITA: O LÚDICO NO PROCESSO DE INCLUSÃO
Ana Lúcia Bittencourt Barbosa
[email protected] Priscilla Frazão (UFRJ- FE)
[email protected] Shelle Cristine Goldemberg de Araújo (UFRJ)
[email protected] Maria Vitoria Campos Mamede Maia (orientadora - UFRJ- FE)
[email protected] Eixo Temático: Formação de professores e processos de inclusão/exclusão em educação
Categoria: Comunicação Oral
INTRODUÇÃO
O presente trabalho está relacionado com a temática principal de pesquisa do Grupo Criar
& Brincar-LUPEA, qual seja, o lúdico e sua importância para o processo de ensino
aprendizagem. Nos fins de 2012, este grupo passou a incluir em seus debates e estudos não
somente o lúdico na Educação Infantil, no Ensino Fundamental, no Ensino Superior, mas
também na Educação de Jovens e Adultos. Um dos interesses desta pesquisa para esse
trabalho é apresentar o lúdico como uma das estratégias imprescindível na aprendizagem e
no desenvolvimento da criança. Igualmente pretende contribuir para que professores e
futuros professores possam refletir, a partir de uma experiência vivenciada pela
pesquisadora-observadora, como uma atividade lúdica pode beneficiar o desenvolvimento
da leitura e escrita em sala de aula. Este trabalho foi constituído em três momentos.
Esta pesquisa tem como objetivo analisar um trabalho com crianças que chegam ao 6º ano
do ensino fundamental sem aprender a ler e escrever. Pensamos nesta questão por
encontrar no campo de trabalho, uma Escola Municipal do Rio de Janeiro, um número
considerável de alunos que apresentam baixo nível ou grande dificuldade para a leitura e
escrita.
Diante desta dificuldade os alunos ficam excluídos do restante da turma. As dificuldades
apresentadas por eles na leitura e escrita inviabilizam o trabalho em língua portuguesa, mas
também o trabalho em outras disciplinas. O 6º ano é um momento de transição em que a
maioria dos alunos deixa de ter um ou dois professores para receber um professor por
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disciplina podendo chegar até oito professores. Quem não sabe ler não consegue solucionar
pela leitura uma questão-problema, ou seja, não conseguirá ler ou sequer compreender
questões de provas de outros professores.
A partir disso, nos questionamos, qual é o papel da escola e dos professores para
solucionar ou amenizar este problema? Dessa forma foi feita uma pesquisa de campo para
que pudéssemos ter dados de análise e, verificarmos se as estratégias da escola auxiliam na
resolução destes problemas. Essa pesquisa foi realizada em duas turmas do 6º ano do
ensino fundamental, de uma escola municipal, situada na zona Norte do Rio de Janeiro.
Um dos interesses desta pesquisa é apresentar o lúdico (brincar) como uma das estratégias
imprescindível na aprendizagem e no desenvolvimento da criança, segundo Maia (2007), o
brincar é um ato emocional e uma experiência associada ao humor, individualidade e
acomodação, organizada de forma a ser indispensável ao seu desenvolvimento. Igualmente
pretende contribuir para que professores e futuros professores possam refletir como uma
atividade lúdica pode beneficiar o desenvolvimento de práticas pedagógicas em sala de
aula.
A escola, por sua vez, tenta reparar esta situação com projetos escolares, como o reforço.
Este recurso escolar é realizado por estudantes de Pedagogia ou Letras, são realizadas
atividades de Língua Portuguesa, leitura e escrita, estas atividades são realizadas no contra
turno. Os estagiários recebem a função de alfabetizar os alunos ao longo do ano, os
ensinando a ler, escrever e se incluir com o mundo escolar e em seu meio social. Os
graduandos em projetos como este, devem criar estratégias para que seus alunos obtenham
bons resultados não só no fim, mas ao longo do ano.
Além do reforço, a escola tem o Projeto “Mais Educação” cuja proposta é inserir o aluno
na vida escolar com atividades extracurriculares no contra turno, porém, tem como
responsável pelas aulas pessoas sem formação na área educacional para exercer essa
função. Ocorre a ausência de processo seletivo adequado que venha a verificar a
habilidade do profissional e que ele contemple a necessidade dos alunos. Neste projeto, os
alunos possuem aula de artes, informática, leitura de estórias e matemática.
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Apesar de políticas de recuperação/reparação destes alunos, elas acabam sendo
insuficientes pela demanda de alunos e também pelo fato que ao longo do ano, os
professores vão avançando em suas disciplinas, deixando estes alunos a parte de suas
aulas. O que ocorre é que nestes casos, além de se prejudicarem no 6º Ano, a vida escolar
de cada um desses alunos sofrerá um atraso contínuo ao longo do Ensino Fundamental e
refletindo também do Ensino Médio.
Percebemos com as conversas e entrevistas realizadas com os professores e com a gestão
pedagógica da escola que na maioria dos casos, referente à pesquisa efetuada, a família é
ausente na vida escolar dessas crianças, não se comprometendo em participar de maneira
efetiva e contínua, incentivando-os. A parceria da família com a escola é fundamental no
desenvolvimento da criança em todos os sentidos, pois com o apoio da família o aluno
desenvolve melhor o que foi ensinado na escola, dando continuidade na educação do
mesmo. Porém, muita das vezes esta parceria não se torna possível, alguns pais não
acompanham regularmente a vida escolar de seus filhos, e muitos, apesar de perceberem
que existe uma lacuna a ser preenchida na aprendizagem dos filhos, não autorizam a
permanência dos educandos nestes projetos ou não cumprem o termo de responsabilidade
que assinam e que exige a presença dos alunos envolvidos.
Resultados da pesquisa
Ao longo de nossa pesquisa, aplicamos um questionário semidirigido aos professores do 6º
ano, do turno da manhã, e outro direcionado aos gestores da escola. Ambos os
questionários possuíam o número de 6 (seis) questões, todas abertas.
O questionário direcionado a gestão escolar (Diretor, Diretor Adjunto e Coordenador
Pedagógico) foi respondido por todos. Contendo as seguintes perguntas: 1. Como a escola
identifica os alunos que chegam ao 6º Ano sem saber ler e/ou escrever? / 2. Qual é o
trabalho de capacitação desenvolvido com os professores para solucionar tais problemas? /
3. Qual a origem educacional desses alunos? O que os gestores sabem sobre eles? / 4.
Quais as estratégias de leitura e escrita desenvolvidas pela escola? Escola – Comunidade -
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Professores? / 5. Se estratégias tem melhorado o desempenho desses alunos? / 6. E por fim,
se esses alunos poderão ler e escrever no fim do ano sem maiores dificuldades?
Para identificar os alunos que possuem a dívida da leitura e da escrita a escola aplica um
teste “No início do ano letivo há um teste diagnóstico de leitura e escrita”, informou a
Diretora da escola pesquisada. Informou ainda que no início do ano, 20 alunos foram
identificados nesta situação (10 alunos na manhã e 10 alunos à tarde), porém, as turmas
observadas são do turno da manhã.
Na segunda questão, que se refere a capacitação dos docentes, a diretora e sua adjunta,
responderam que nos centros de estudos são abordados os pontos fracos dos alunos e as
estratégias de recuperação deles.
De acordo com o coordenador pedagógico, os alunos são oriundos “da própria Rede
Municipal de Educação. Vem de escolas com inúmeras dificuldades e que para atingir as
metas exigidas aprovam estes alunos analfabetos”.
As estratégias de leitura, segundo a diretora adjunta são: “Promoção da leitura e do acervo
oferecido pela escola, oficinas de letramento (Programa Mais Educação) e o reforço
escolar, ministrado pelos estagiários”.
Segundo a diretora, as estratégias citadas acima, quando perguntada se elas estão
melhorando o desempenho desses estudantes, a diretora disse que: “Sim, muitos não
sabiam nem escrever o próprio nome e hoje até lêem palavras simples, formam frases e
pequenos textos”.
Na sexta e última questão, o coordenador disse que “Em torno de 40%, afinal, alguns
melhoraram, mas ainda escrevem e lêem com dificuldades. Outro problema encontrado foi
a reduzida frequência, já que o programa Mais Educação é feito no contra-turno”
O questionário relativo aos professores tinha igualmente 6 perguntas . Responderam o
questionário o total de 8 professores, identificados como Professores A, B,C, D, E, F, G e
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H. O questionário destinado aos professores continham as seguintes perguntas: 1.Como
você observa esses casos específicos, de alunos que chegam ao 6º Ano sem saber ler e/ou
escrever? / 2. Quantos alunos no decorrer deste ano letivo você identificou nesta situação?
/ 3. Por que você, como profissional da Educação, acredita que isso aconteça? / 4. Quais
são as estratégias desenvolvidas por você para melhorar o desempenho desses alunos? / 5.
No fim do ano, estes alunos estarão aptos para a leitura e escrita sem maiores dificuldades?
/ 6. O que você pensa que deve ocorrer durante o processo de escolarização para que os
alunos alcancem o 6º ano sem dificuldades para ler e escrever?
Na primeira pergunta do questionário, os professores responderam que é um desafio pegar
uma turma com alunos que já deveriam ser alfabetizados e chegam ao 6º Ano sem estar em
condições propícias para desenvolver um bom trabalho, e que em parte as políticas
educacionais de aprovação indevida desses alunos é uma das causas. De acordo com a
professora H “Eu observo que há um descaso das escolas anteriores”.
A questão 2, foi bastante divergente entre os professores, indo de 3 a 10 alunos que não
sabem ler e/ou escrever.
Entre todas as respostas que apareceram na questão 3, a resposta que mais prevaleceu foi
que o fato dos alunos chegarem ao 6º Ano sem saber ler e/ou escrever, ocorre porque “a
superlotação das turmas de alfabetização e a pressão política para aprovar esses alunos
geram essas anormalidades”, disse o professor C.
Referente à questão 4, que fala sobre as estratégias de recuperação desses alunos, uma
resposta que muito nos surpreendeu, foi a da professora G, visto que todos os outros
responderam que, apesar das dificuldades, tentam de alguma maneira integrar esses alunos,
enquanto que a mesma deu a seguinte resposta: “Nenhuma. Eu não sou alfabetizadora”.
Em relação à pergunta 5, a professora E disse que “Não estarão aptos nem a leitura nem a
escrita,pois além de eu não saber alfabetizar, eu tenho uma turma que precisa das minhas
aulas da disciplina. Na primeira semana fui para a sala de leitura com uma aluna que não
sabia ler. Tentei alfabetizar. Não consegui. Este trabalho tem que ser feito por um
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professor preparado num horário alternativo ao das aulas. O ideal é que não haja alunos
analfabetos no 6º ano. Mas a partir do momento que há, tem que haver uma estratégia de
transformação da realidade”.
Em seu questionário, o professor A, disse que para os alunos alcançarem o 6º Ano sem
maiores dificuldades para ler e escrever deverá haver “Capacitação, reconhecimento
profissional, fim de todo e qualquer projeto que leve o aluno a aprovação automática e fim
das malditas METAS. A meta deve ser Educar de Verdade, sem números estabelecidos
previamente e sem a famigerada premiação”.
Ao entregar o questionário o professor D, também relatou a dificuldade de se trabalhar
com estes alunos por falta de conhecimento na área de alfabetização, não sabe como fazer
isso. E quando mencionamos que o lúdico (jogo) pode ser uma estratégia de ensino,
prazerosa e significativa aos educandos, o professor disse: “O lúdico somente funcionará
com estes alunos específicos, os outros não aceitarão a proposta do lúdico muito bem”.
Nós não concordamos com a fala deste docente, pois acreditamos que o lúdico é
fundamental para que a criança possa desenvolver habilidades, não importando se já sabem
ler e/ou escrever.
Dessa forma, escolhemos utilizar o recurso do brincar por entender que além de contribuir
para o crescimento saudável de qualquer pessoa, este conduz ao desenvolvimento de bons
relacionamentos interpessoais e à sociabilidade da criança. O brincar é a forma que a criança
tem de vivenciar e experimentar suas primeiras relações, preparando-se para a vida adulta.
Ao brincar, a criança não apenas expressa e comunica suas experiências, mas as reelabora, reconhecendo-se como sujeito pertencente a um grupo social e a um contexto cultural, aprendendo sobre si mesma e sobre os homens e suas relações no mundo, e também sobre os significados culturais do meio em que está inserida. O brincar é, portanto, experiência de cultura, por meio do qual valores, habilidades, conhecimentos e formas de participação social são constituídos e reinventados pela ação coletiva das crianças. (BORBA, 2011, pp 70-71)
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O brincar é construído e reconstruído cotidianamente, colocando em jogo as marcas da
vida do indivíduo, como os limites que são postos, tanto no âmbito da natureza
(biológicos), quanto no âmbito da sociedade (culturais, políticos, econômicos).
Ao longo de nosso trabalho, percebemos ainda que, além do “choque” que o aluno do 6º
Ano tem com diferentes professores, a proximidade que ele tinha com um único professor
(até o 5º Ano) não acontece mais. Os tempos são corridos, não havendo tempo para a
construção do vínculo afetivo e de um ambiente seguro, que segundo Winnicott (1975),
proporciona à criança um desenvolvimento do espaço potencial que é o espaço de criação.
É apenas pela confiança, fidedignidade e ritmo constante de presença de um adulto
cuidador que o espaço potencial começa a existir. Um ambiente humano que reafirma a
segurança no meio que circunda os alunos, estes se sentiram livres para criar sua própria
forma de expressar seus sentimentos e nomear os sentimentos dos colegas e até desenhar
por eles o que acreditavam que o outro sentia.
Em nosso questionário, perguntamos aos docentes porque eles acreditam que isso (alunos
chegarem ao 6º Anos sem saber ler e/ou escrever) ainda acontece, a professora de Artes
Visuais respondeu: “a aprovação automática fez com que isso acontecesse”. Além dessa
professora, outros docentes relataram o mesmo, que a aprovação automática foi um fator
de peso para chegarmos a tal ponto.
No início deste ano, 2013, percebemos que as estratégias adotadas pela escola e pelos
professores, ainda não são suficientes, porque das duas turmas observadas, cerca de 9
alunos foram retidos, ou seja, não conseguiram acompanhar o restante da turma.
Conclusão
Conforme vimos, nas práticas pedagógicas observadas nas turmas do 6º Ano, o lúdico, não
é utilizado pelos professores do 2º segmento do Ensino Fundamental, quando sabemos que
o mesmo, além favorecer o espaço de criação, a ação de brincar é uma chance que a
criança tem de experimentar uma noção da realidade num ambiente seguro. É um ambiente
vivo, propício, facilitador, a aprendizagem se torna mais prazerosa e todos os alunos
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podem participar. Sendo assim, quando optamos pelo brincar como um espaço de
experiências lúdicas torna-se possível o educador entender e proporcionar aos seus alunos
práticas pedagógicas como uma estratégia significativa na aprendizagem.
A relação professor-aluno, parte fundamental do processo, fica muito enfraquecida pela
ausência de práticas pedagógicas lúdicas que favoreçam a aproximação e a construção de
um espaço seguro. Para que o vínculo seja constituído de fato faz-se necessário que o aluno
passe a confiar no ambiente.
Acreditamos também, que o papel da escola e dos professores não é de amenizar este
problema, e sim de solucioná-lo, a fim de que todos os alunos cheguem ao 6º Ano sabendo
ler e escrever corretamente, para que possam compreender as disciplinas e a aprendizagem
seja significativa. E assim, cumprir com a Meta 5 do PNE:
Meta 5: Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade. Estratégias: 5.1) Fomentar a estruturação do ensino fundamental de nove anos com foco na organização de ciclo de alfabetização com duração de três anos, a fim de garantir a alfabetização plena de todas as crianças, no máximo, até o final do terceiro ano.
Percebemos por fim, que pelas dificuldades encontradas pelos professores com estes
alunos que não sabem ler e/ou escrever, pelas dívidas oriundas de outras escolas ou de anos
anteriores, por projetos ineficazes, e uma política de “números” e não do educar.
Verificamos no ano de 2013 que os alunos observados por esta pesquisa não conseguiram
se recuperar ao longo do ano, ficando retidos, e tendo que cursar novamente o 6º Ano,
longe dos amigos da antiga turma, desintegrados e novamente excluídos.
Referências:
BORBA, Angela Meyer. A brincadeira como experiência de cultura - Educação infantil: Cotidiano e Políticas / Patrícia Corsino, (org.) – Campinas, SP: Autores Associados, 2009. – (Coleção educação contemporânea).
MAIA, Maria Vitória C. M. Rios Sem Discurso: Reflexões sobre a agressividade da infancia na contemporaneidade. 1ª Edição. São Paulo: Vetor, 2007.
WINNICOTT, D. W. (1975) O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, RJ: Imago.