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BOM DIA CAMARADAS QUEM ME DERA SER ONDA: LUANDA, INFÂNCIA E REMEMORAÇÃO Ondjaki Manuel Rui Universidade Federal Rural de Pernambuco Unidade Acadêmica de Serra talhada Literaturas Africanas em Expressão Portuguesa

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ONJAKI E MANUEL RUI

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BOM DIA CAMARADAS QUEM ME DERA SER ONDA:

LUANDA, INFÂNCIA E REMEMORAÇÃO

Ondjaki Manuel Rui

Universidade Federal Rural de PernambucoUnidade Acadêmica de Serra talhada

Literaturas Africanas em Expressão Portuguesa

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ONDJAKINdalu de Almeida, pseudônimo de Ondjaki, um termo da língua umbundu que significa "guerreiro”. Nasceu em Luanda, Angola, em 1977. Sociólogo, poeta, roteirista e principalmente escritor. Faz parte da primeira geração de angolanos que cresceu em um país independente, embora em guerra.

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LUANDA

Maior cidade e capital da Angola. Independência de Portugal: em 1975. Língua oficial: PORTUGUÊS. Mais faladas: umbundu; kimbundu; kikongo;

ibinda; chocué; kwanyama e nhaneca.

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LUANDA NOS ANOS 80 Em 11 de novembro de 1975, Angola se torna independente de Portugal. A independência de Angola não foi o

início da paz, e sim de uma guerra aberta, o conflito começou ,  meses após a derrubada da ditadura em Portugal

pela Revolução dos Cravos em 25 de abril de 1974, quando se abriram perspectivas históricas imediatas para a

independência de Angola, uma das colônias portuguesas na África ocidental. os três principais intervenientes que

lutaram juntos para a Independência de Angola, começaram a lutar entre si para assumir o controle do pais, em

particular pelo controle da capital Luanda. Cada um deles era apoiado por potências estrangeiras, dando ao

conflito uma dimensão internacional:

O MPLA, movimento popular de libertação de Angola, tinha o apoio de Cuba e da União Soviética.

A UNITA, união Nacional para a Independência Total de Angola, era apoiada principalmente pelos Estados

Unidos, mas também pela Africa do Sul.

E o ultimo movimento politico, o FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola- tinha também o apoio dos

Estados Unidos e da atual Republica Democratica do Congo, o que era antes o Zaire.

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CENÁRIO DE GUERRA

Aproveitávamos o embalo da prova, onde tinha sido pedido para fazermos um desenho livre, apesar de ser obrigatório usarmos

certas técnicas. É impressinonante, eu costumava observar isso nas provas de EVP desde a quarta classe, toda a gente

desenhava coisas relacionadas com a guerra: três pessoas tinham desenhado akás, duas tinham desenhado tanques de guerra

soviéticos, outros fizeram makarovs, e as meninas é que faziam mais coisas do tipo mulheres no rio a lavar roupa, o mercado

Roque Santeiro visto de cima, a marginal à noite ou o morro da fortaleza. ( Bom Dia Camaradas, pág.. 59)

Desenhar armas era normal, toda gente tinha pistolas em casa, ou mesmo akás, senão, sempre havia um tio que tinha, ou que

era militar e mostrava o funcionamento da arma. (Bom Dia Camaradas, pág.. 59)

Guerra também aparecia sempre nas redações, experimenta só mandar um aluno fazer uma redação livre para ver se ele num

vai falar da guerra, até vai já aumentar, vai contar estória do tio dele, ou então vai dizer que o primo dele é comando, ché, gajo

grosso, bate male, num vale a pena se meter com ele. Guerra vinha nos desenhos (as akás, os canhões monacaxito), vinha nas

pinturas na parede (os desenhos no hospital militar), vinha nas estigas (“teu tio foi na Unita combater, depois voltou, tava a

reclamar lá tinha bué de piolho...”), vinha nos anúncios da tv (“ó Reagan tira a mão de Angola...!”), e até vinha nos sonhos

(“dispara Murtala, dispara porra!”).(Bom Dia Camaradas, pág. 60)

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Guerra até chegava na boca dos malucos, aquele maluco que se chamava Sonangol que sempre dizia: “guerra é uma doença... Agora quero ver onde é que vucê vai buscá comprimido dela... Tou avisá, se vucê pega guerra, vucê todos dia morre o bocado, pode demorá, mas vucê começa cair... Guerra é que faz um país ficá com comichão... Vucê coça, coça e depois começa sair sangue, sangue... Guerra é quando vucê para de coçá mas inda tá sair sangue...” (Bom Dia Camaradas, pág. 60)

“alguém do lado da janela gritou “ai uê, mamã!”, e todos nós sentimos um arrepio forte subir desde os pés, passar pelo derrego, aquecer o pescoço, arrepiar os cabelos e chegar aos olhos quase em forma de lágrima.

O Cláudio [...] perguntou: “mas tás a ver o quê?”, e esse colega só respondeu: “não consigo ver nada, é só poeiras, mas tão a vir muito rápido!”, não foi preciso dizer mais nada, e se alguém dissesse algo não ia ser ouvido porque a gritaria começou na minha sala, passou para a sala 2 e antes de eu ter tempo de tirar os óculos, já a escola toda estava numa gritaria incrível, não sei se todos sabiam muito bem porquê que estavam a gritar. (Bom Dia Camaradas, pág. 32)

 

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RESUMO DA OBRA

O romance Bom Dia Camaradas, publicado em 2001, traz as lembranças do

narrador-menino Nadlu, e seu coditiano entre a escola marcada pela presença de

professores cubanos, entoando hinos matinais e a casa dos pais, dos cartões de

abastecimento, as desigualdades sociais e os conflitos entre modernidade e

tradição, na Angola dos anos 80.

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BOM DIA CAMARADA ANTÔNIO Mas camarada António, tu não preferes que o país seja assim livre?[...]− Menino, no tempo do branco isso não era assim...Depois sorria. Eu mesmo queria era entender aquele sorriso. Tinhaouvido histórias incríveis de maus tratos, de más condições de vida,pagamentos injustos, e tudo o mais. Mas o camarada António gostavadessa frase dele a favor dos portugueses, e sorria assim tipo mistério.− António, tu trabalhavas para um português?− Sim... – e sorria. – Era um senhor diretor, bom chefe, me tratava bemmesmo...− Não. Já aqui em Luanda mesmo; eu já tou aqui há muito tempo,menino... inda o menino não era nascido...[...] 

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− Mas, António... Tu não achas que cada um deve mandar no seu país?Os portugueses tavam aqui a fazer o quê?− Ê!, menino, mas naquele tempo a cidade estava mesmo limpa...tinhatudo, não faltava nada...− Ó António, tu não vês que não tinha tudo? As pessoas não ganhavamum salário justo, quem fosse negro não podia ser director, porexemplo...− Mas tinha sempre pão na loja menino, menino, os machimbombosfuncionavam... – ele só sorrindo.− Mas ninguém era livre António... não vês isso?− Ninguém era livre como assim? Era livre sim, podia andar na rua etudo...− Não é isso, António – eu levantava-me do banco. – Não eramangolanos que mandavam no país, eram portugueses... E isso não podeser...O camarada António aí ria só. (Bom Dia Camarada pág. 5)

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BOM DIA CAMARADAS – TIA DADA“a tia Dada era muito simpática e trouxe, para além das batatas, um montão de chocolates.” (p.18)(...)Tia, não percebo uma coisa... - Diz, filho. - Como é que tu trouxeste tantas prendas? O teu cartão dá para isso tudo? - Mas qual cartão? - ela fingiu que não estava a perceber. - O cartão de abastecimento. Tu tens um cartão de abastecimento, não é? - eu, a pensar que ela ia dizer a verdade. - Não tenho nenhum cartão de abastecimento, em Portugal fazemos compras sem cartão. - Sem cartão? E como é que controlam as pessoas? Como é que controlam, por exemplo, o peixe que tu levas? -

eu já nem lhe deixava responder. - Como é que eles sabem que tu não levaste peixe a mais? - Mas eu faço as compras que quiser, desde que tenha dinheiro, ninguém me diz que levei peixe a mais ou a

menos... - Ninguém? - eu estava mesmo espantado, mas não muito, porque tinha a certeza que ela estava a mentir ou a

brincar. - Nem tem um camarada na peixaria que carimba os cartões quando levantas peixe à quarta-feira? (p.21)

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“- Sempre que o presidente passa vocês têm que ficar em sentido?” (ONDJAKI, 2006, p. 24).

Neste ponto da narrativa o menino passa a esclarecer as dúvidas e os estranhamentos que a tia tem em relação ao ambiente político em Luanda. A tia conta que em Portugal o procedimento é diferente, não é necessário ficar esperando o carro do presidente passar e que algumas vezes ele caminha pelas ruas a pé. Espantado, o menino diz:

“Presidente em África, tia, só anda de Mercedes a prova de balas” (ONDJAKI, 2006, p. 25).

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BOM DIA CAMARADAS – OS PROFESSORES CUBANOS Os cubanos desembarcaram em massa em Angola a partir de 1975 (ano que o país deixou de ser

colônia portuguesa). Os grupos nacionalistas que lutavam entre si pelo poder eram apoiados pelas

duas grandes potências mundiais. Cuba e União Soviética apoiavam o MPLA (Movimento

Popular de Libertação de Angola) - que assumiu o governo logo depois da independência – a

UNITA (União Nacional para Independência Total de Angola) e FNLA (Frente Nacional de

Libertação de Angola) tinham o suporte dos Estados Unidos e África do Sul.

A partir de 1989, com o fim da União Soviética e o início de um processo de redemocratização em

Angola, novos acordos de paz foram tratados. Os cubanos começaram a debandar do país. O

romance Bom Dia Camaradas retrata esse período. Mostra a despedida dos professores e a

promessa do fim da guerra. 

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‘parece que vocês não sabem que a vossa missão é estudar’, talvez daí aquela dica da caneta ser a arma do pioneiro” (ONDJAKI, 2006, p. 12)

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BOM DIA CAMARADAS – OS PROFESSORES CUBANOS Todos gostávamos do professor Ángel. Ele era muito simples, muito engraçado. No

primeiro dia de aulas ele viu o Cláudio com um relógio no pulso e perguntou se o

relógio era dele. O Cláudio riu e disse que sim. O camarada professor disse: “mira,

yo trabajo desde hace muchos años y todavía no tengo uno”, e nós ficamos muito

admirados porque quase todos na turma tinham relógio. A professora de Física

também ficou muito admirada quando viu tantas máquinas de calcular na sala de

aula.

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BOM DIA CAMARADAS – OS PROFESSORES CUBANOS Mas não era só do professor Ángel e da professora María. Nós gostávamos de todos

os professores cubanos, também porque com eles as aulas começaram a ser

diferentes. Os professores escolhiam dois monitores por disciplina, o que primeiro

gostamos porque era assim uma espécie de segundo cargo (por causa do delegado

de turma), mas depois não gostamos muito porque para ser monitor “había que

ayudar a los compañeros menos capacitados” - como diziam os camaradas

professores, e tinha que se saber tudo sobre essa disciplina e não se podia tirar

menos que 18. (pag. 8)

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(...) Esses camaradas cubanos também têm cada uma...! - Tu sabes que eles são militares? - ela. - Sei, sei, mas um militar não aguenta com um caminhão cheio de homens com aká. - Pois, mas eles como são militares têm sempre essa coisa de combater. Mesmo assim eu acho que eles

são corajosos... - Yá... - eu olhava o sol já quase escondido. - Já viste o que é, vir para um país que não é o deles, vir dar aulas ainda vá que não vá, mas aqueles que

vão pra frente de combate... Quantos angolanos é que tu conheces que iam para Cuba lutar numa guerra cubana?

- Eu não conheço nenhum... - Eu acho que eles são muito corajosos... Nunca ouvi nenhuma estória de cubano que estivesse a fugir

do combate...- - a Romina parecia bem informada, eu não quis ficar atrás. - Nem pensar, até bem pelo contrário, toda gente sabe que eles são bem corajosos... (p. 35)

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(...) A minha cabeça chegou uma mistura de frases: um brinde à partida de tantos cubanos, um brinde ao fim do contato com os camaradas cubanos, um brinde ao fim dessa colaboração de amizade daquele povo com o nosso, um brinde também ao fim do ano letivo, um brinde porque não sabemos se alguém vai escrever para estes professores cubanos, um brinde porque eles quando chegarem lá em Cuba, por causa do tempo cumprido em Angola, se calhar vão ter melhores condições de vida, quem sabe mais carne por semana, quem sabe um carro, quem sabe algum dinheiro a mais, quem sabe... Já agora um brinde às palavras sinceras do camarada professor Ángel, um brinde às lágrimas da camarada professora María, um brinde ao orgulho que ela sentiu ao ver o marido falar, um brinde aos rapazes desta sala que estavam também com vontade de chorar, um brinde a Cuba, por favor, um brinde a Cuba, um brinde aos soldados cubanos tombados em solo angolano, um brinde à vontade, à entrega, à simplicidade dessas pessoas, um brinde ao camarada Che Guevara, homem importante e operário desimportante, um brinde aos camaradas médicos cubanos, um brinde a nós também, as crianças, as “flores da humanidade”, como nos disse o camarada professor Ángel, um brinde ao futuro de Angola neste novo rumo, um brinde ao Homem do amanhã e claro, como é que íamos esquecer isso, Cláudio?, um brinde ao Progresso! (p.52)

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MANUEL RUI

Manuel Rui Alves Monteiro, nasceu em 1941 escritor, natural do Huambo – Angola, é autor de poesia, contos, romance e teatro. Muitos dos seus trabalhos contêm ironia, comédia e humor sobre o que ocorreu após a independência de Angola.

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QUEM ME DERA SER ONDA Tema: novela Personagens principais: Zeca e Ruca – os garotos Diogo– o pai dos garotos; Liloca – a mãe

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A novela passa-se no período pós-independência angolano, e inferimos a presença do ambiente de euforia que havia com a libertação recentemente conquistada do colonialismo português. Notamos também a utilização de um vocabulário de cunho marxista, pois a revolução feita pelo MPLA, partido que assumiu o poder, tinha orientação comunista. Contudo, é exatamente na aplicação dos valores da ideologia marxista na sociedade angolana que as contradições surgem em razão da revolução não cumprir com plenitude suas promessas. E é no cotidiano do prédio que a narrativa de Manuel Rui pretende metonimizar a situação do país naquele momento.

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RESUMO DA OBRA Novela que narra a história de dois garotos chamados: zeca e Ruca que fizeram

uma grande amizade com um porquinho que o pai deles tinha levado para casa. O único interesse do pai era engordar o porco e matá-lo posteriormente, entretanto os garotos pegaram uma grande afeição ao animal e fizeram de tudo para que esta tragédia não acontecesse.

No desenrolar da história os garotos arriscam-se para conseguir criar o porco na clandestinidade no prédio, pois eles moravam em um apartamento no sétimo andar e era proibido criar animais no prédio.

Colocaram o nome de carnaval da vitória justamente por terem conseguido, com muita dificuldade ficarem com o animal no prédio

Com toda esta luta o pai dos garotos terminou mantando o porco.

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O RISO E A IRONIA O riso e a ironia são as armas com que esse escritor angolano disseca o

cotidiano das gentes simples ou critica o modo de vida dos mais abastados. Em Quem me dera ser onda, um porco simboliza situações típicas de uma Angola que tem de conviver com a construção de um novo tempo e com a precariedade dos instrumentos de que dispõe para fazê-lo

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CRÍTICA Crítica ao governo e corrupção que opera no País:“qual Instituto qual merda, bando de corruptos que arranjam casas só pros amigos.” (RUI, 1991, p. 10)“FunJe de carne? Até que enfim, mulher! Bastou mudarem o ministro para a carne aparecer nas bichas”; (RUI, 1991, p. 50)“(...) carnaval da vitória passou a ser o ouvinte mais continuo da rádio nacional, programas para jovens...tudo até adormecer de barriga cheia e sem qualquer contestação” (RUI, 1991, p. 23) Crítica a falta de comida para a maioria da população“desculpe, camarada. Aparas é o quê? São restos de carne que sobram na cozinha do hotel e servem para dar aos cães” (RUI, 1991, p.47)

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Os personagens infantis- voz das crianças

O autor utiliza mecanismos que sustentam um riso questionador problematiza, ironiza e interroga a nova estruturação social do país, por meio, sobretudo, das falas e ações das crianças que protagonizam a novela “Quem me dera ser onda”.

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O porco já no apartamento...

“Ainda antes de irem na cama, Zeca e Ruça iniciaram conhecimentos com ”carnaval”. Devagarinho, mão na espinha, o porco a deixar até quando Zeca lhe abusou puxando no rabo e o leitão roncou forte no silêncio do rádio apagado.”

“- Ruca, vamos-lhe dar banho. Desamarraram a corda do ferro das persianas e conduziram ”carnaval” até na casa de banho. Abriram o chuveiro e, no momento em que forçavam o bicho para a banheira, a campainha tocou.”(p.7)

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Para dar aos seus personagens infantis o viés questionador e revisor da realidade vivenciada na nova nação, o autor se vale de estratégias discursivas e ideológicas relacionadas à comicidade e ao riso. Utilizando, sobretudo, os recursos da ironia e da paródia – como forças motrizes para a tessitura dos questionamentos propostos –, um riso provocador ecoa pelas e nas ações e falas das crianças.

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Visita do Fiscal:

- Bandido! Seu bandido, o dendé é a minha sogra que manda de Ambrizete só para a gente comer e ainda dar aos amigos. Fora daqui. – E a primeira coisa que apanhou foi uma frigideira. O fiscal abaixou-se instintivamente, a frigideira bateu na parede mas a dona tomou da vassoura e o homem fugiu de raspão porta a fora(...) (p.10)

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Correção da escrita

Mas o azar! Logo cá em baixo deram com o camarada Nazário a colar um cartaz na parede. Estava de costas, concentrado, e os miúdos conseguiram ver e ler as letras vermelhas na cartolina amarela:

1.” Porque é preciso resolver os problemas do povo deste prédio: Assim é que: está proibida a habitação no seio do mesmo de animais porcos çuínos. Produção, Vigilância,

disciplina Nazário e Faustino Abaixo a reacção A Luta continua

A Vitória é certa! não .(RUI, 1991, p.13)

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Continuação...

- Desculpe camarada Nazário, mas suíno é com esse, disciplina é antes de vigilância e antes da luta continua tem de pôr pelo Poder Popular e no fim acaba ano da criação da Assembleia do Povo e Congresso Extraordinário do Partido!

- Onde isto chegou! - Nazário falava com a mão direita a ameaçar chapada -, miúdos a mandarem bocas nos mais-velhos. Se não fôssemos nós vocês não (RUI, 1991, p.13)

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Folha timbrada.

Tinham conquistado as folhas que lhe conheciam bem o sítio do tempo em que visitavam a casa do vizinho.

Fizeram um bocado de tempo. Depois desceram em casa de Beto já com um rascunho. Ruça deu instruções.

- com a máquina de escrever do teu pai. Neste papel. Num instante, Beto leu o rascunho e viu o papel timbrado:

Tribunal da Comarca de Luanda - 2. a Vara Para os cães policias da cadeia do Tribunal peço aparas cruas de carne. Mande-me pouco sebo. São

cães estatais comem todos os dias. Saudações Revolucionárias Faustino Juiz) .(RUI, 1991, p.13)

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Cá em baixo, os meninos confiavam na força da esperança para salvar “carnaval da vitória”. E Ruça, cheio daquela fúria linda que as vagas da Chicala pintam sempre na calma do mar, repetiu a frase de Beto:

- Quem me dera ser onda! (RUI, 2006, p.48)

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CARNAVAL DA VITÓRIA

Na casa de Diogo, o porco era um privilegiado:

“Porco raro. Agora não chafurdava nos areais vadios. Comia de um hotel de primeira; nos restos vinham panados, saladas mistas, camarões, maioneses, lagosta, bolo inglês, outras coisas sempre a variar. (...) Iniciava--se nos gostos musicais. Se roncava protestos, Diogo mandava logo a mulher ou um dos filhos levantar o rádio para abafar denúncia da presença do porco (...). Mas que o porco vivia, isso sim. Pancar, dormir, ouvir música e fazer porcarias malcheirosas de porco. (...) Lavado também que era com sabão brasileiro e tudo, tantos éfes e erres que vivia que nem um embaixador! E os miúdos mimoseavam-lhe festas, acariciavam-lhe a barriga até ele, domesticado, se estatelar quase a dormir e depois responder pelo nome: “carnaval da vitória”.(p. 23-24)

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“O suíno estava culto, quase protocolar. Maneirava vénias de obséquio com o focinho e aprendera a acenar com a pata direita, além de se pôr de papo para o ar à mínima cócega que um dos miúdos lhe oferecesse na barriga”. (p. 25)

Carnaval da Vitória e a Escola

“O porco andando de um lado para o outro a dar encontro nos miúdos, e voltava para o meio do círculo em velocidade de corrida. Fazia pausa para da, abanava as orelhas e voltava a tentar furar a roda. Os garotos enxotavam e ele repetia a cena até que numa arrancada veloz passou no meio das pernas da professora e fugiu”.(p. 29)

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As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas

também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso —

um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações

quanto a concepção que temos de nós mesmos (...) As culturas nacionais, ao

produzir sentidos sobre "a nação", sentidos com os quais podemos nos

identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias

que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu

passado e imagens que dela são construídas. ” (HALL,2006,p.50)

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ACAMARADANDO LEITURASConforme, Jacques Le Goff: A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar

o passado para servir o presente e o futuro. A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual e coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje”.(LE GOFF, 1996, p. 477).

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Uma camarada professora que tinha a mania que era poeta dizia que a água é

que traz todo aquele cheiro que a terra cheira depois de chover, a água é que

faz crescer novas coisas na terra, embora também alimente as raízes dela, a

água faz “eclodir um novo ciclo”, enfim, ela queria dizer que a água faz o

chão dar folhas novas. Então pensei: “epá... E se chovesse aqui em Angola

toda...?” Depois sorri. Sorri só. (p.63)

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REFERENCIAS HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da

Silva, Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006. ONDJAKI. Bom dia camaradas. Luanda: Edições Chá de Caxinde, 2000. [Rio de Janeiro:Agir, 2006. RUI, Manuel. Quem me dera ser onda.Manuel Rui e Edições Cotovia, Lda., Lisboa,

1991 ROCHA, Jane Vieira da. As margens da experiência: os miúdos e os mais velhos na

narrativa de Ondjaki. Florianópolis, SC, 2013. 140p. http://www.africanos.eu/ceaup/uploads/EB009.pdf. Acesso em 30/11/2015 http://www.ich.pucminas.br/posletras/Nazareth_panorama.pdf. Acesso em 20/11/2015 http://hdl.handle.net/10183/37295. Acesso em 02/12/2015.