ser turco é ser muçulmano?

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SER TURCO É SER MUÇULMANO? O CARÁTER ESTRANGEIRO DO CRISTIANISMO SOB UMA PERSPECTIVA TURCA por João Mordomo A Turquia, conhecida biblicamente como Ásia Menor e historicamente conhecida como Anatólia, desde os tempos bíblicos teve um papel importante na história da civilização. Por volta de 6250 a.C., a segunda cidade do mundo com aproximadamente cinco mil habitantes, perdendo apenas para Jericó, era Çatal Huyuk. Foi o primeiro lugar a usar técnicas de irrigação e a domesticar animais como ovelhas e porcos. Por volta de 5000 a.C., a vizinha cidade de Hacilar tinha ruas, casas com portas e produzia uma cerâmica famosa até os dias de hoje. Em meados de 1900 a.C., a Anatólia tornou-se sede do império Hitita, o qual foi sucedido por numerosos outros grandes impérios, do Frígio ao Persa e ao Grego, do Romano/Bizantino ao Otomano, que durou até pouco menos de um século atrás. Desde 1923, a República da Turquia, uma nação formada por quase 70 milhões de pessoas, das quais 98% se dizem muçulmanas, ocupou a Anatólia, assim como a região historica- mente conhecida como Trácia — no lado europeu do estreito de Bósforo. “Será que o povo turco, herdeiro de uma longa e rica história e tradição cultural, considera o cristianismo como algo estrangeiro, ou será que é possível abraçá-lo como sendo algo que lhe pertence?” O propósito deste trabalho é levantar esta questão e, o mais impor- tante, buscar determinar e examinar qualquer possível ponte (histó- rica e cultural) que possa unir o cristianismo aos turcos ou que possa servir como uma ligação entre eles. Para chegarmos a uma conclusão, precisaremos examinar a ques- tão do caráter estrangeiro do cristianismo sob uma perspectiva turca através de uma ótica histórica e cultural. No caso da primeira, preci- saremos examinar a história da terra e a história dos povos da terra, que nem sempre são as mesmas. Sendo impossível separar as con- siderações históricas dais considerações culturais, trabalharemos dentro de uma estrutura histórica (diacronicamente), observando e analisando as considerações culturais (sincronicamente) e concluindo com uma análise cultural mais completa. No entanto isso só poderá acontecer depois que a fundação histórica seja estabelecida.

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Um poquinho sobre a história e cultura da Turquia, de uma perspectiva Cristã.

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SER TURCO É SER MUÇULMANO?O CARÁTER ESTRANGEIRO DO CRISTIANISMO SOB UMA PERSPECTIVA TURCApor João Mordomo

A Turquia, conhecida biblicamente como Ásia Menor e historicamente conhecida como Anatólia, desde os tempos bíblicos teve um papel importante na história da civilização. Por volta de 6250 a.C., a segunda cidade do mundo com aproximadamente cinco mil habitantes, perdendo apenas para Jericó, era Çatal

Huyuk. Foi o primeiro lugar a usar técnicas de irrigação e a domesticar animais como ovelhas e porcos. Por volta de 5000 a.C., a vizinha cidade de Hacilar tinha ruas, casas com portas e produzia uma cerâmica famosa até os dias de hoje. Em meados de 1900 a.C., a Anatólia tornou-se sede do império Hitita, o qual foi sucedido por numerosos outros grandes impérios, do Frígio ao Persa e ao Grego, do Romano/Bizantino ao Otomano, que durou até pouco menos de um século atrás. Desde 1923, a República da Turquia, uma nação formada por quase 70 milhões de pessoas, das quais 98% se dizem muçulmanas, ocupou a Anatólia, assim como a região historica-mente conhecida como Trácia — no lado europeu do estreito de Bósforo.

“Será que o povo turco, herdeiro de uma longa e rica história e tradição cultural, considera o cristianismo como algo estrangeiro, ou será que é possível abraçá-lo como sendo algo que lhe pertence?”

O propósito deste trabalho é levantar esta questão e, o mais impor-tante, buscar determinar e examinar qualquer possível ponte (histó-rica e cultural) que possa unir o cristianismo aos turcos ou que possa servir como uma ligação entre eles.

Para chegarmos a uma conclusão, precisaremos examinar a ques-tão do caráter estrangeiro do cristianismo sob uma perspectiva turca através de uma ótica histórica e cultural. No caso da primeira, preci-saremos examinar a história da terra e a história dos povos da terra, que nem sempre são as mesmas. Sendo impossível separar as con-siderações históricas dais considerações culturais, trabalharemos dentro de uma estrutura histórica (diacronicamente), observando e analisando as considerações culturais (sincronicamente) e concluindo com uma análise cultural mais completa. No entanto isso só poderá acontecer depois que a fundação histórica seja estabelecida.

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A PALAVRA “TURCO” Usamos a palavra “turco” no sentido nacional e não étnico ou geográfico.

AS PERSPECTIVAS TURCAS

As perspectivas turcas atuais sobre o cristianismo, são de fato, a culminação de milhares de anos de contato, de tipo e grau variados, com o cristianismo — e, anteriormente, com o judaísmo.

Antes de prosseguirmos, é importante observar que usamos a palavra “turco” no sen-tido nacional e não étnico ou geográfico. Fazemos isto devido a três fatores:

Primeiro, com a real intenção de considerar o país como um todo — até mesmo cor-rendo o risco de generalizá-lo exageradamente — ao invés de como apenas um grupo étnico dentro do país. E ainda, é chamado turco qualquer um que tem cidadania na Turquia. (Usaremos também o termo “anatoliano” para nos referirmos às pessoas da Turquia, visto que esta denominação autóctone parece estar voltando à moda.)

Segundo, parece extremamente difícil definir o “ser turco” num sentido étnico em uma terra que por milhares de anos foi povoada e, significativamente influenciada, por muitas raças e religiões. Embora este conceito, de turco étnico, pareça estar profun-damente inculcado em uma cons-ciência nacional turca, suas origens estão mais em um folclore moderno do que em uma realidade. Isto é, numa tentativa republicana (pós 1923) que tenta ocultar a história multicultural da Turquia e fabricar uma base para uma pátria. Afinal, foram apenas alguns milhares de turcos da Ásia Central que impu-seram sua civilização, idioma e religião às massas da Anatólia, e mesmo na época, os governantes otomanos turcos reconheceram e permitiram certas liberdades para os vários grupos étnicos.

Terceiro, mesmo que usássemos a noção “Republicana” de etnicidade turca, só 2/3 dos que são nacionalmente turcos são etnicamente turcos. Há ainda muita diversidade cultural dentro da Turquia (até mesmo entre os mais de 12 milhões de curdos que estão longe de constituir um grupo coerente), apesar das tentativas para criar um país que seja nacional e etnicamente turco.

As perspectivas turcas atuais sobre o cristianismo são, de fato, a culminação de milha-res de anos de contato, de tipo e grau variados, com o cristianismo — e, anterior-mente, com o judaísmo. O Velho Testamento está repleto de referências a esta terra e seus povos. Diz-se que a arca de Noé pousou no Monte Ararat (Gên. 8:4) na Anató-lia ocidental. Numerosos descendentes de Noé, mencionados na “mesa das nações” de Gênesis 10, foram identificados (extrabiblicamente1) com a terra da Anatólia (um exemplo, é Cue citada em 1 Reis 10:28). Abraão fez sua casa em Harã (Gên. 11:31–12:5) no sudeste da Anatólia. Um dos povos anatolianos mais conhecidos mencionado no Velho Testamento são os hititas, mencionados pelo menos 25 vezes. Talvez o hitita mais famoso seja Urias, marido de Bate-Seba (2 Sam. 11:3), morto pelo Rei Davi. Os persas e seus famosos reis Ciro, Dario, Xerxes e Artaxerxes (Esdras 4:5-7) são bem conhecidos dos leitores do Velho Testamento, assim como o Império Grego, que governou a Anatólia durante vários séculos, inclusive durante a conclusão do Velho Testamento.

Podemos nos perguntar se, ao longo destes milhares de anos de contato entre os habitantes da Anatólia e o povo escolhido de Deus, não foram os anatolianos, de alguma maneira, influenciados pelos hebreus mono-teístas e, dessa maneira, pre-parados para receber o cristianismo quando este chegasse. Infelizmente, a resposta

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Talvez, o lugar mais significativo da Ásia Menor, em todo o Novo Testamento, seja a cidade de Antioquia — a atual Antakya — porque lá, os primeiros seguidores de Jesus foram chamados “cristãos”.

O ISLAMISMO

O islamismo chegou à Ásia Menor em 654 d.C.

Os recéns-chegados à Anatólia tiveram pouco, ou nenhum, contato com o cristianismo genuíno.

parece ser “não”. Na realidade, a influência dos reinos da Anatólia, dos quais todos eram politeístas, parece ter surtido mais efeito em Israel do que vice-versa. Israel cedeu a idolatria em inumeras ocasiões e, como resultado disso, perdeu seu lugar como o povo escolhido de Deus. Assim, quando o cristianismo chegou na Anatólia — chamada de Ásia Menor no Novo Testamento — a ideia de uma religião monoteísta ainda era novidade.

Enquanto muitos dos lugares da Anatólia (Ásia Menor), mencionados no Velho Tes-tamento, estão na região oriental ou centro-sul, no Novo Testamento as áreas que sobressaíram tendem a estar na Ásia Menor central e ocidental. Talvez, o lugar mais significativo da Ásia Menor, em todo o Novo Testamento, seja a cidade de Antioquia — a atual Antakya — porque lá, os primeiros seguidores de Jesus foram chamados “cristãos” (Atos 11:26). Foi da igreja de Antioquia que Paulo e Barnabé foram enviados na sua primeira viagem missionária (Atos 13:1-3) e para a qual Paulo retornou, para dar seu relato ao término desta (Atos 14:27), e da sua segunda viagem (Atos 18:22). O cristianismo se espalhou da Antioquia para o coração da Ásia Menor, através de Paulo e outros. As cidades e regiões mencionadas em Atos são numerosas: Perge, Atália, Listra, Antioquia da Psídia, Icônio, Derbe, Trôade e Éfeso são algumas delas. E, não podemos esquecer das sete igrejas da Ásia Menor (Eféso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia), encontradas em Apocalipse 2–3, para as quais o Apóstolo João escreveu no final do século 1 d.C. Foi na Ásia Menor que o cristia-nismo realmente criou raízes, tanto que o apóstolo Paulo pôde dizer que “todos os que habitavam na Ásia (Menor), tanto judeus como gregos, ouviram a palavra do Senhor” (Atos 19:10).

Então, isto quer dizer que o cristianismo está em casa na Turquia de hoje? Lamenta-velmente não, pois não demorou para que o cristianismo começasse a ser suplantado por outra religião monoteísta. O islamismo chegou à Ásia Menor em 654 d.C. Invaso-res árabes varreram a Anatólia e tomaram muitas cidades, quase chegando a tomar Constantinopla — “capital” do cristianismo desde 330 d.C. , quando o imperador romano Constantino a mudou para lá. Ainda que os cristãos bizantinos não tivessem sido totalmente destruídos pelos muçulmanos árabes, que os consideravam tal como aos judeus — “o povo do Livro” — o cristianismo bizantino foi debilitado pelas cisões árabes-muçulmanas e por tumultos internos, como mudanças de governantes, motins e controvérsias doutrinais2. Sob tais circunstâncias, não é razoável pensar que os cristãos tenham desejado ou sido capazes de influenciar os muçulmanos. Os recéns-chegados à Anatólia tiveram pouco, ou nenhum, contato com o cristianismo genuíno.

Não demoraria muito para que o cristãos, assim como os árabes muçulmanos, fossem desalojados por um novo grupo de invasores. Das vastas expansões da Ásia Central vieram povos nômades conhecidos como turcos. O primeiro grupo — os Selçuks — chegou no Oriente Médio na metade do século 2 e rápidamente ganhou o controle de grande parte da área do Califa (alto funcionário muçulmano árabe). Recém-convertidos e entusiastas do Islã, eles rapidamente trataram de se auto-proclamar “herdeiros” das terras conquistadas em nome de Maomé, inclusive de partes da Anatólia. Em 1071,

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Cristãos eram minorias que não podiam influenciar o império espiritualmente, principalmente depois da queda de Constantinopla (que se tornou Istambul) em 1453.

JOVENS TURCOS

SHARIA

no campo de Manzikert (Anatólia oriental), os Selçuks, em maior número, prontamente derrotaram as tropas Bizantinas, e tais turcos, junto com seu Islã, continuaram a se espalhar por toda a Anatólia. Enquanto isso, o império cristão bizantino, gradualmente se enfraquecia. Porém, não demorou para que outros turcos chegassem e conquistas-sem os bizantinos e Selçuks.

No início do século 14, quando a segunda leva de turcos — os turcos otomanos (seguidores de Osman) — chegou para preencher o vazio do poder na Anatólia, eles ainda não haviam se convertido ao Islã. Entretanto, parece que foram mais rápida-mente e profundamente influenciados pelo Islã do que pelo cristianismo, pois poucas décadas depois o Islã tornousse a religião do império.3 Nos 600 anos que se seguiram, o Islã foi, de fato, a religião do império otomano — ainda que indivíduos e povos de outras religiões fossem tolerados. Cristãos eram minorias que não podiam influenciar o império espiritualmente, principalmente depois da queda de Constantinopla (que se tornou Istambul) em 1453.

No fim do século 19 e início do século 20, o Império Otomano estava sofrendo o mesmo destino que a maioria dos grandes impérios anteriores. Forças externas corroíam as margens do reino, enquanto problemas internos causavam a decadência de dentro para fora.4 A instituição da primeira constituição em 1876, tentativas de modernização com estradas asfaltadas, um novo sistema de estrada de ferro, linhas de telégrafo e um sistema postal melhorado, marcaram os esforços, no século 19, para reformar o império doente. O “homem doente da Europa” (assim chamado pelo Czar Nicolau I da Rússia, em 1833) estava vulnerável devido a sua gigantesca dívida externa, movi-mentos nacionalistas por todo o império e guerras nos Balcãs e com a Grécia. Porém, “sua pior fraqueza se originou da dominação da economia por estrangeiros e minorias não-muçulmanas, e o controle exagerado da burocracia civil e do corpo do exército oficial por um velho e excêntrico sultão.”5

Em julho de 1908, um grupo de oficiais menores, chamados de Jovens Turcos, se amo-tinou dando inicio a uma revolução que “alterou completamente a história moderna da Turquia.”6 A situação internacional do império se deteriorou gravemente depois de 1908, com a Áustria-Hungria anexando alguns territórios balcânicos, a Itália ocupando outros, o exército grego levando ainda mais territórios, e diversos grupos nacionalistas se revoltando ao redor do império. Por volta do início de 1913, tudo o que restava do Império Otomano na Europa eram quatro cidades sitiadas. Os Jovens Turcos toma-ram o controle total do império e começaram uma série de reformas que incluíam a redução do alcance da lei islâmica da sharia, melhorando a condição das mulheres e implementando uma forte política econômica nacionalista (turca). No entanto, ainda estavam debilitados com a enorme dívida externa otomana e, para piorar, lutaram ao lado dos perdedores na Primeira Guerra Mundial.

Enquanto os vencedores da guerra faziam planos para dividir a Anatólia entre si, o movimento nacionalista turco estava sem uma liderança forte. Esse vazio foi preenchido por Mustafa Kemal Pasha, que mais tarde seria conhecido como

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Enquanto os vencedores da guerra faziam planos para dividir a Anatólia entre si, o movimento nacionalista turco estava sem uma liderança forte.

Realmente, o cristianismo era estrangeiro para a perspectiva turca.

A INFLUÊNCIA DE OUTROS GRUPOS CRISTÃOS

Cruzadas

Reformistas

Gregos Armênios

Ataturk — “o pai dos turcos”. Kemal possuía extraordinárias habilidades militares, políticas e diplomáticas e liderou o movimento nacionalista turco em uma guerra de independência para formar a nova República da Turquia – ainda que contra todas as probabilidades. No dia 29 de outubro de 1923, nascia a nova República. “Sob a liderança de Mustafa Kemal Pasha, os turcos ganharam soberania turca em território turco.”7

Necessitamos fazer uma pausa no meio desta extensa avaliação histórica dos povos e terras da Anatólia e revisitar nossa questão, o caráter estrangeiro do cristianismo sob uma perspectiva turca. Já percebemos que os cristãos bizantinos não foram grande influência sobre a maioria dos turcos muçulmanos. É importante notar que, enquanto as minorias cristãs puderam coexistir com seus governantes muçulmanos durante os séculos otomanos, e até exercer alguma influência econômica, estiveram voltados para dentro de si mesmos no tangente a assuntos religiosos. Estavam mais preocupa-dos em manter sua fé entre si, do que correr os riscos envolvidos em propagá-la entre os turcos otomanos. Os turcos haviam se acostumado à presença das minorias cristãs, mas não tinham nenhum interesse particular em entender sua religião, desde que esta não se tornasse uma ameaça à fé islâmica dominante. Realmente, o cristianismo era estrangeiro para a perspectiva turca.

Podemos nos perguntar sobre a influência de outros grupos cristãos nos povos da Anatólia. E quanto a Igreja ocidental, por exemplo? Apesar do crescimento da Igreja ocidental (católica e protestante) em outras partes do mundo durante os últimos 2000 anos, podemos entender sua falta de influência entre os turcos e anatolianos ao men-cionarmos uma palavra: Cruzadas. Ainda que não seja a intenção deste trabalho discutir as Cruzadas, precisamos deixar isto claro: os turcos muçulmanos eram considerados inimigos de Deus pelos cristãos europeus ocidentais. Tendo devastado a Terra Santa e conquistado o berço do cristianismo oriental, eles eram considerados o epítome do mal. Até mesmo os Reformistas, em geral, não os viam com bons olhos. “Os turcos”, declarou Martinho Lutero, “são o povo da ira de Deus.”8 Parece que o cristianismo iria permanecer estrangeiro aos turcos.

Podemos ainda perguntar sobre a influência de outros grupos cristãos, como os gre-gos no oeste e os armênios no leste — povos notáveis e frequentemente formidáveis. Porém, “seu passado histórico e recente os desqualifica até mesmo para querer apre-sentar o cristianismo aos turcos dos quais […] a conquista lhes fez herdeiros, pelo menos geograficamente, de dois dos mais poderosos e culturalmente influentes reinos em toda a história humana. Não só os gregos, que já foram os governantes de Bizâncio, mas outros cristãos europeus orientais tiveram grande dificuldade em entender esta verdade. Muitos deles ainda consideram Constantinopla, que os turcos rebatizaram de Istambul, sob lamentável, mas talvez reversível, ocupação por povos hostis.”9

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MASSACRES E MIGRAÇÕES FORÇADAS

A REFORMA DE ATATURK

Talvez a mudança mais radical de todas tenha sido abandonar a escrita árabe pela romana.

NOVO CÓDIGO CIVIL

A história mais recente, terrivelmente gravada na consciência coletiva dos gregos e armênios, é a da guerra, da morte e do visível genocídio. No caso dos armênios, o fim da Primeira Guerra Mundial e da Guerra da Independência pôs fim a um século de conflitos, mas não antes da perda de centenas de milhares de vidas muçulma-nas e armênias. Massacres e migrações forçadas eram comuns. “Aproximadamente 600 mil (40%) dos armênios da Anatólia foram mortos durante a Primeira Guerra Mundial e a Guerra da Independência. No leste, a proporção de muçulmanos e armênios mortos não foi muito diferente. Resultado igualmente horrível de uma geral desumanidade.”10

No oeste, com os gregos, foi igualmente horrendo. Em 1919, os vencedores da Pri-meira Guerra Mundial haviam permitido que forças gregas desembarcassem em Izmir para reforçar o recente armistício. As tropas gregas, contudo, aproveitaram a oportu-nidade para iniciar uma invasão no oeste da Anatólia. Só em setembro de 1922, os turcos finalmente derrotaram os gregos no oeste da Anatólia, com a perda de centenas de milhares de vidas turcas e outras centenas de milhares de vidas greco-anatolianas (em batalha ou como refugiados). Da população anatoliana grega, 25% foi sacrifi-cada. E em meio a toda a animosidade entre muçulmanos turcos e cristãos gregos e armênios, perdida estava também a causa do cristianismo, pois este permaneceu estrangeiro sob a perspectiva turca.

“No total, quase três milhões de turcos e outros muçulmanos da Anatólia morreram nas Guerras Balcânicas, na Primeira Guerra Mundial e na Guerra da Independência.”11 Entretanto, foi dessas ruínas que Ataturk ergueu a nova república. Nos 15 anos que se seguiram à independência, antes de sua morte em 1938, ele conduziu a nova nação em uma série de reformas radicais que, de acordo com Douglas Howard, teve duas fases significativas.12 A primeira, em 1920, foi a da secularização. Ataturk e seus seguidores acreditavam que se a Turquia quisesse se tornar um país civilizado, teria que seguir o exemplo de progresso humano dado pela Europa. Entre 1925 e 1928, Ataturk e seus aliados (conhecidos como Kemalistas) ordenaram uma série de medidas para secularizar a vida pública turca. Tais medidas incluíam atacar e abolir importantes símbolos do Islã politizado, como o imposto religioso, fraternidades religiosas (como as dervishes), o véu (que foi banido de certos usos públicos, mas não do privado). Incluíam também a importante mudança do calendário islâmico, baseado na funda-ção da comunidade muçulmana, para o calendário gregoriano ocidental, baseado na encarnação de Jesus Cristo.

Talvez a mudança mais radical de todas tenha sido o abandono da escrita árabe pela romana. Somente com tal mudança a Turquia começaria a se identificar com a Europa Ocidental, considerada a maior civilização da época, e renunciaria seu passado islâ-mico e otomano, visto que a nova geração seria incapaz de ler os maiores documentos literários do Islã ou os produzidos pelo Império Otomano.

Houveram outras mudanças importantes. Em 1926, foi adotado um novo código civil que revogou a Lei Santa Islâmica (sharia) e implementou um novo código penal

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UM ESTADO SECULAR (ESTADO LAICO)

Outra questão importante na criação de uma identidade nacional foi a retirada de qualquer elemento árabe ou persa do vocabulário e estrutura gramatical do idioma turco.

Apesar de todos os esforços, a Turquia pode ser descrita como heterogênea e cheia de contrastes e contradições.

baseado no sistema italiano e um novo código comercial baseado no sistema ale-mão. Um dos efeitos destas mudanças foi a condição legal das mulheres, ampla-mente melhorada.

O dia 5 de abril de 1928 representou o pico do processo de secularização, quando o parlamento apagou da Constituição a frase “que a religião do estado turco seja o Islã.” Com a revisão da Constituição, em 1937, a Turquia foi, explicitamente, declarada um estado secular (estado laico).

Será que no meio de toda esta reforma radical — não somente histórica, mas cultu-ral — o cristianismo poderia de algum modo penetrar na Turquia e se tornar menos estrangeiro, a ponto de ser adotado por turcos? Esta pergunta será examinada deta-lhadamente após resumirmos a segunda fase da reforma de Ataturk.

Durante a década de 30, Ataturk e seu Partido Republicano Popular deram numero-sos passos para criar uma cultura e uma identidade nacional. Lealdade não era tão importante quanto coesão, tanto de um para com o outro como para com a terra. Para proporcionar aos turcos um sentido de coesão, Ataturk fundou a Sociedade de Pesquisa de História Turca através da qual dispôs seu programa político para a nova sociedade. Ele teorizava que a Anatólia havia sido uma terra turca desde a antiguidade; que os sumérios e hititas eram, na verdade, povos turcos que haviam migrado da Ásia Central, trazendo as características seminais da civilização ocidental. Ele também encorajou uma nova teoria linguística que afirmava que o turco havia sido a primeira língua humana da qual todas as outras derivaram. Ainda que tais teorias tenham sido logo desbancadas, elas causaram impacto nas gerações de turcos.

Outra questão importante na criação de uma identidade nacional foi a retirada de qual-quer elemento árabe ou persa do vocabulário e estrutura gramatical do idioma turco. Além disso, foram proibidas publicações em idiomas diferentes do turco — os vários dialetos de turco deveriam ser englobados em um idioma nacional.

A exigência de que todos os cidadãos adotassem e registrassem sobrenomes foi outra mudança significativa. Até os anos 30, os turcos seguiam a prática muçulmana tradi-cional de dar um único nome no nascimento. Conquanto isto tivesse muitas vantagens administrativas, a contribuição fundamental para uma identidade nacional foi o fato de que os novos sobrenomes só poderiam ser de origem turca, e não árabe ou persa. Desta maneira, o estado reforçou uma identidade nacional e étnica às pessoas que se contrapunham a uma identidade religiosa.

Apesar das aparências, a motivação subjacente por trás destas reformas não parece ter muito a ver com xenofobia, e pode ser bem expressada na frase “Feliz é aquele que se chama turco!”, de um discurso de Ataturk feito em 1927. Ataturk parece ter genuinamente desejado forjar uma república secular onde todo cidadão seria feliz, e particularmente por ser turco. Porém, é discutível se ele conseguiu seu intento. A sociedade homogênea, com a qual sonhou Ataturk, continua difícil de vislumbrar. Os

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KEMALISMO

Os turcos têm uma enorme dívida de gratidão para com Ataturk, pois sem sua visão e habilidades, não existiria a Turquia de hoje.

ISLÃ

A identidade nacional turca, apesar da sua dimensão secular, parece inexoravelmente entrelaçada com o Islã.

turcos de hoje, mais do que nunca, estão em busca de descobrir ou forjar sua identi-dade como nação e como indivíduos. Apesar de todos os esforços, a Turquia pode ser descrita como heterogênea e cheia de contrastes e contradições. Em muitos aspectos não é secular, nem é uma verdadeira república, e nem todos são felizes.

Desde a morte de Ataturk, o Kemalismo começou, em muitos casos, a ser sinônimo de uma devoção quase irracional para com os seus princípios e ideais. Um culto pessoal se desenvolveu ao redor de Ataturk e do Kemalismo e poderia ser interpretado como um tipo de religião estatal. O próprio Ataturk parece ter contribuído para esta adulação através de seu próprio auto-engrandecimento, e agora na sua república “secular”, ele é uma divindade virtual. Em seu livro Crescente e estrela: Turquia entre dois mundos, Stephen Kinzer escreve sobre a fé de Ataturk, conhecida como Kemalismo:

Possui suas igrejas, dúzias de casas ou salas ao redor do país onde o Grande Homem dormiu, falou ou comeu; sua escritura sagrada, muitos livros de adora-ção, poemas e filmes sobre o homem; seus ícones, incontáveis retratos, bustos, placas e estátuas que são encontrados até mesmo nos cantos mais remotos do país; e seu clero, a elite militar e política, fiel além da medida e incansavelmente à espreita de apóstatas. Também tem seu centro santo, seu Vaticano, sua Meca. Em uma ladeira perto do centro de Ankara, imponente e lúgubre atrás de uma parede de proibitivas colunas quadrangulares, está um misto de mausoléu, museu e catedral em cujo solo está enterrado o corpo de Ataturk.13

Ataturk tornou-se tão divinizado que um jovem disse a Kinzer: “Neste país é permitido falar mal de Deus, mas não é permitido falar mal de Ataturk.”14 É verdade que os turcos têm uma enorme dívida de gratidão para com Ataturk, pois sem sua visão e habilidades, não existiria a Turquia de hoje. “Para a Turquia, Ataturk foi equivalente aos Fundadores Pioneiros, George Washington e Henry Ford em um único homem.”15 No entanto, se você estivesse “em frente a um lanche de 70 anos de idade (três grãos de bico à mostra em um museu na Turquia) meticulosamente preservado porque Ataturk quase o comeu, você não conseguiria evitar de sentir que a reverência da Turquia para com seu fundador é um tanto míope em perspectiva.”16 Esta falta de perspectiva permite ao estado secular, desposar ironicamente, embora não intencionalmente, uma religião estatal.

Há outra ironia religiosa no estado secular da Turquia, e isso envolve o Islã. Apesar da Turquia ser oficialmente secular, 98% dos turcos são muçulmanos e há uma convicção popular de que “ser turco é ser muçulmano”. Justin McCarthy afirma isto quando escreve que “os turcos foram inclusivos desde tempos remotos; para se tornar turco bastava apenas o desejar e, tornar-se muçulmano.”17 O fato de alguns dos verdadeiros turcos históricos da Ásia Central não terem sido muçulmanos não importa, e nem que na Turquia de hoje existam também cristãos, judeus e ateus. A identidade nacional turca, apesar da sua dimensão secular, parece inexoravelmente entrelaçada com o Islã.

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ALEVIS

PARTIDO DO BEM-ESTAR ISLÂMICO

DESAFIO PARA O CRISTIANISMO

Para complicar as coisas, há muitas variações do Islã dentro da Turquia. A maioria dos turcos muçulmanos parece ser nominal e/ou ter uma boa dose do folclore do Islã misturado em suas rotinas diárias, mas entre 15% e 25% deles podem estar os Alevis, um grupo muçulmano heterodoxo que parece ter poucas doutrinas de unificação e aos quais o governo não reconhece oficialmente. Outros 20% dos turcos muçulmanos parecem ter, pelo menos algumas, inclinações fundamenta-listas. Em uma pesquisa recente feita por uma respeitada instituição turca, 21% dos pesquisados foram a favor de um estado islâmico. Nas eleições de 1995, o Partido do Bem-Estar Islâmico obteve a maioria do voto popular, 21,4%.18 Alguns militantes deixaram as suas intenções muito claras. Assim que se tornou Primeiro Ministro, Necmettin Erbakan fez amigáveis visitas ao Irã e à Líbia. Em 1995, o prefeito de Istambul e membro do Partido do Bem-Estar, Recep Tayyip Erdogan, declarou que “Não se pode ser secular e muçulmano ao mesmo tempo. Os 1,5 bilhões de muçulmanos do mundo estão esperando que o povo turco se levante. Vamos nos levantar. Com a permissão de Alá, a rebelião começará.”19 Este tipo de discurso traz grande preocupação para a maioria dos turcos. Izzetin Dogan, um líder da comunidade Alevi, expressa esta preocupação quando declara que “O Partido do Bem-Estar diz que se chegarmos ao poder, traremos igualdade, o mundo e tudo o que vocês precisarem. Mas o povo turco não está inclinado a perguntar o que está por trás de tudo isto.”20

A combinação de valores seculares, a “fé” dos Kemalistas e o Islã em suas várias formas criam um triunvirato desafiador para o cristianismo. Se este, algum dia, dei-xar de ser considerado estrangeiro para os turcos, será importante identificar qual sistema de valores verdadeiramente governa o coração do povo, e buscar introduzir o cristianismo como uma opção mais favorável.

Outro desafio significante para a aceitação do cristianismo na Turquia — e um desafio para a própria Turquia — tem a ver com o status do país como uma repú-blica constitucional. Se a meta é ser uma nação democrática, com todas as res-ponsabilidades e privilégios que isto acarreta, então a Turquia ainda tem um longo caminho pela frente. Ahmet Hakan Coskun, diretor de uma estação de TV de notí-cias, reconhece o problema quando declara que “a Turquia está numa encruzilhada. Ou seguirá por este caminho despótico ou eles ouvirão a voz do povo. Não há um terceiro caminho.”21 O “eles” em questão refere-se aos Kemalistas, mais especifica-mente, o exército que ao longo de quase 80 anos de história da Turquia encarregou-se de manter o equilíbrio entre as várias forças em ação na Turquia. “A interven-ção militar na política civil aumenta e diminui na Turquia,” escreve Stephen Kinzer. “Não quer mandar por mandar, mas acredita estar lá para preencher um vazio que, porventura, tenha sido deixado por líderes civis.”22 Sempre que um governo se desvia dos princípios mantidos (aparentemente) pela maioria dos turcos, o exército entra em cena como força disciplinadora, às vezes na forma de um golpe súbito, como em 1960, 1971 e 1980; e às vezes mais silenciosamente, nos bastidores, como no caso do primeiro-ministro muçulmano fundamentalista Erbakan em 1996, a quem expulsaram do poder em um ano. Infelizmente, este episódio, pode ter

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Os islamistas estão se esforçando por uma democracia maior porque são eles os que sentem a mão pesada do exército sempre que suas atividades religiosas ou políticas ficam muito escancaradas, radicais ou populistas, e esperam que a liberdade que vem com uma maior democracia lhes dará mais condições de buscar suas próprias reivindicações.

A Turquia está em meio a uma enorme mudança demográfica, devido ao alto crescimento da população.

TERREMOTO DE 1999

convencido o exército de que os turcos ainda não estão prontos para a democracia. Contudo, esta questão não vai esvanecer, apesar da democracia parlamentar da Turquia estar anos luz à frente dos vizinhos Síria e Iraque — com uma imprensa razoavelmente livre e um judiciário independente — ainda há importantes passos a serem dados, principalmente, na área de direitos humanos — a questão dos curdos em particular — na qual muitos dos abusos são perpetrados pelo exército. Por um lado, os turcos mais ocidentalizados estão se esforçando por uma maior democracia para que a Turquia se torne membro da União Européia. Por outro lado, islamistas estão se esforçando por uma maior democracia, porque são eles os que sentem a mão pesada do exército sempre que suas atividades religiosas ou políticas ficam muito escancaradas, radicais ou populistas, e esperam que a liberdade que vem com uma maior democracia lhes dará mais condições de buscar suas próprias reivindicações. Os cristãos evangélicos, por estranho que pareça, concordariam com os islamistas neste caso, porque sabem o que significa ser injustamente reprimidos (por islamitas e, ocasionalmente, pelo exército).

Em meio a tudo isto, o cristianismo não é relevante, continuando estrangeiro sob uma perspectiva turca. Contudo, só uma cosmovisão e um sistema de valores como o que o cristianismo tem, permitirão a um país como a Turquia acabar com os abusos aos direitos humanos e experimentar uma democracia em que a verdadeira liberdade pode ser sentida por todos.

Se a Turquia não é secular no sentido que Ataturk preconizou, e nem uma república, também não é, em muitos casos, feliz. Como se os problemas citados anteriormente não fossem suficientes, há outras razões para muitos turcos serem infelizes, a come-çar por razões econômicas. “Em 1950, a renda média do turco era absurdamente mais alta que a do seu equivalente na Espanha ou em Portugal”, relata The Econo-mist. “Desde então, a Espanha e Portugal vêm apagando muitas das marcas do seu passado autoritário e estadista. Hoje em dia, a renda média do português, espanhol ou do grego é de três a cinco vezes maior que a do turco.”23 Exacerbando as dificul-dades econômicas, há o fato de que a Turquia está em meio a uma enorme mudança demográfica, devido ao alto crescimento da população (2% anualmente) e a migração rural. Até os anos 50, 80% da população da Turquia morava em aldeias. Por volta da década de 70 esse número tinha caído para 67%. Em meados de 1980, tinha caído para aproximadamente 54% e por volta de 1995, menos de 35% dos turcos moravam em aldeias. Esta urbanização rápida, causada em parte pela mecanização agrícola, criou numerosas favelas nas principais cidades da Turquia. Desde a crise econômica de 2001, um milhão de turcos devem ter perdido o emprego, e a inflação anual chega a aproximadamente 65%. O suicídio, a violência doméstica, a prostituição e os peque-nos furtos estão crescendo.

Convém mencionar que outra fonte de infelicidade para muitos turcos foi o terremoto trágico de agosto de 1999 que teve repercussões políticas, sociais e culturais tão grandes que alguns intelectuais turcos sugerem que, no futuro, os historiadores, ao escrever a história da República Turca, a dividirão em período pré e pós-terremoto.

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RESPOSTA CRISTÃ

O cristianismo pode ainda ser estrangeiro sob uma perspectiva turca, mas em seguida ao terremoto, e em meio a outros sinais de infelicidade, os cristãos responderam.

Ainda que tenha sido um desastre natural, grande parte das mortes e das destrui-ções foram devido a construções defeituosas e à lenta e incompetente reação do governo. Deve ter soado como uma piada cruel quando, após o terremoto, os turcos descobriram que o fundo de auxílio do governo para terremotos continha a quantia equivalente a U$4.45.

O cristianismo pode ainda ser estrangeiro sob uma perspectiva turca, mas em seguida ao terremoto, e em meio a outros sinais de infelicidade, os cristãos responderam. Pela primeira vez, de uma maneira tangível, o cristianismo vem fazendo incursões no coração da Turquia. São pequenas mas, com certeza, são incursões. Como resul-tado, o cristianismo está começando a se livrar do estigma de “estrangeiro”. Para tanto, os obreiros cristãos na Turquia precisam entender a história e a cultura turcas, perceber que não podem achar que estão trabalhando entre muçulmanos na defi-nição tradicional, e aprender a discernir os graus em que cada turco é influenciado pelas poderosas forças da Turquia: o Islã (nominal, místico, fundamentalista, Alevi), o secularismo e o nacionalismo dos Kemalistas. Só então podemos esperar um dia ouvir um grande número de turcos dizendo: “Ser o turco é ser cristão.”

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REFERÊNCIAS Veja, por exemplo, Everett C. Blake e Anna G. Edmonds, 1. Biblical Sites in Turkey

(Istanbul: Sekizinci Basım, 1997), 9-28.

Veja, para melhor compreensão, Kenneth Scott Latourette, 2. A History of Christianity, Vol. 1

(Peabody, MA: Prince Press, 1999), 286-316.

Enquanto a maioria dos turcos têm sido, historicamente,muçulmanos, esta não é toda a história. 3.

Originalmente eles eram politeístas xamanistas. Algumas tribos (como alguns dos Uigures

na China) adotaram o budismo, enquanto outros se tornaram zoroastrianos, nestorianos ou

maniqueístas. Alguns (como o Khazar e turcos Karaim) adotaram o judaísmo. Os Gagauz da

Polônia e da Moldávia adotaram o cristianismo.

Para um conhecimento mais profundo sobre o colapso do Império Otomano, veja Justin 4.

McCarthy, The Ottoman Peoples and the End of Empire (London: Arnold Publishers, 2001).

McCarthy argumenta que o colapso se deveu mais à “ambições imperiais de potências

estrangeiras e a maré irresistível do nacionalismo” do que a problemas internos.

Douglas A. Howard, 5. The History of Turkey (Westport, CT: Greenwood Press, 2001), 72.

Howard, 73.6.

Howard, 90.7.

Stephen Kinzer, 8. Crescent and Star: Turkey Between Two World (New York: Farrar, Straus and

Giroux, 2001), 4.

Kinzer, 4.9.

Justin McCarthy, 10. The Ottoman Peoples and the End of Empire (London: Arnold Publishers, 2001),

145.

McCarthy, 146.11.

Howard, 96-107.12.

Kinzer, 35-36.13.

Kinzer, 36.14.

“Ataturk’s Long Shadow”, 15. Economist.com, 8 June 2000,

www.economist.com/surveys/PrinterFriendly.cfm?Story_ID=315512, p 1.

“Ataturk’s Long Shadow”, 16. Economist.com, 8 June 2000,

www.economist.com/surveys/PrinterFriendly.cfm?Story_ID=315512, p 1.

McCarthy, 212.17.

“Fundamental Separation”, 18. Economist.com, 8 June 2000,

www.economist.com/Surveys/PrinterFriendly.cfm?Story_ID=315567, p 1.

“Recep Tayyip Ergodan”, 19. Economist.com, 20 September 2001,

www.economist.com/PrinterFriendly.cfm?Story_ID=788318, p 2.

Adam LeBor, 20. A Heart Turned East: Among the Muslims of Europe and America (New York: Thomas

Dunne Books, 1998) 217.

LeBor, 217.21.

Kinzer, 166.22.

“Ataturk’s Long Shadow”, 23. Economist.com, 8 June 2000,

www.economist.com/surveys/PrinterFriendly.cfm?Story_ID=315512, p 2.

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BIBLIOGRAFIA Bayraktaroglu, Arın. Culture Shock!: Turkey. Portland, OR: Graphic Arts Center Publishing Co., 1996.

Blake, Everett C. and Anna G. Edmonds. Biblical Sites in Turkey. Istanbul: Sekizinci Basım, 1997.

Blincoe, Robert. Ethnic Realities and the Church: Lessons from Kurdistan. Pasadena,

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Gulick, John. The Middle East: An Anthropological Perspective. Lanham,

MD: University Press of America, 1983.

Howard, Douglas A. The History of Turkey. Westport, CT: Greenwood Press, 2001.

Kinross, Lord John Patrick. The Ottoman Centuries. New York: Morrow Quill Paperbacks, 1977.

Kinzer, Stephen. Crescent and Star: Turkey Between Two Worlds. New York: Farrar,

Straus and Giroux, 2001.

Latourette, Kenneth Scott. A History of Christianity, Vol. 1. Peabody, MA: Prince Press, 1999.

LeBor, Adam. A Heart Turned East: Among the Muslims of Europe and America.

New York: Thomas Dunne Books, 1998.

McCarthy, Justin. The Ottoman Peoples and the End of Empire. London: Arnold Publishers, 2001.

Shindeldecker, John. Turkish Alevis Today. Istanbul: Sahkulu Sultan Küllıyesı Vafki, 1998.

JOÃO MORDOMO atua há quase 20 anos como missionário transcultural, tendo morado na Bélgica, no Brasil, e nos Estados

Unidos, e ministrado nas áreas de evangelismo, missões e liderança em quase 40 países. É co-fundador da CCI-Brasil (que tem foco

especial no mundo muçulmano), onde ele atua como Presidente Executivo, e co-fundador de uma consultoria de empresas de “missão

empresarial”. Serve também como professor de missiologia em várias faculdades teológicas, e auxilia no grupo de trabalho “Business

as Mission” (“missão empresarial”) do Movimento Lausanne. Serviu como pastor de igreja local durante sete anos e atualmente está

pastoreando uma igreja em Curitiba que ele ajudou plantar. Formado em sociologia, com mestrado em teologia aplicada, está doutorando

em missiologia. É casado com Sophia, e pai de um casal de filhos.

A CCI-BRASIL é uma agência interdenominacional de missões transculturais que faz parte do movimento global “Crossover”, cuja

paixão é glorificar a Deus (propósito), facilitando e acelerando movimentos de plantação de igrejas (missão) entre os povos menos-

alcançados do mundo (visão) através de uma aplicação culturalmente apropriada do ciclo de multiplicação de ministérios ensinado nas

Escrituras (estratégia).

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