servidão voluntária reconsiderada- política radical e o problema do auto-domínio - paul newman

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Servidão Voluntária reconsiderada: Política Radical e o problema do auto-domínio De Protopia Saul Newman (Original em Inglês (http://www.theanarchistlibrary.org /HTML/Saul_Newman__Voluntary_Servitude_Reconsidered__Radical_Politics_and_the_Problem_of_Self- Domination.html) ) Nesse artigo irei explorar a genealogia de um certo discurso contra-soberano, que começa com a questão 'porque nós obedecemos?' Essa questão, inicialmente posta pelo filósofo Etienne de La Boétie em suas investigações sobre a tirania e nossa servitude voluntária a ela, começa da posição oposta à problemática da soberania estaqueada por Bodin e Hobbes. Mais do que isso, ela mantém um problema central e irresolvido no pensamento político radical com trabalhos necessariamente dentro do horizonte ético da emancipação do poder político. Eu sugiro que encontrado o problema da servidão voluntária necessita-se uma exploração de novas formas de subjetividade, éticas e práticas políticas através da interrogação de cada um de nossos vínculos subjetivos com o poder; e exploro essas possibilidade através da tradição revolucionária do anarquismo, bem como através de um comprometimento com a teoria psicanalítica. Minha contenção aqui é que nós não podemos opor-nos ao problema da servidão voluntária sem uma crítica da idealização e identificação, e aqui eu viro-me a pensadores como Max Stirner, Gustav Landauer e Michel Foucault, todos os quais, de diferentes maneiras, desenvolveram uma micropolítica e ética da liberdade que objetiva desfazer os vínculos entre o sujeito e o poder. Tabela de conteúdo 1 A Impotência do Poder 2 Outra Política...? 3 O Sujeito Anarquista 4 Psicanálise e Ligações Apaixonadas 5 Identificação do Ego 6 Uma Micro-Política de Liberdade 7 Conclusão: Uma Política de Negação 8 Bibliografia 9 Referências A Impotência do Poder A questão colocada por Etienne de La Boétie no meio do século dezesseis em Discours de la servitude volontaire, ou Le Contr’Un permanece conosco e ainda pode ser considerada uma questão política fundamental: Meu único objetivo nessa ocasião é descobrir como pode acontecer que um vasto número de indivíduos, de vilas, cidades e nações podem permitir um homem a tiranizá-los, um homem que não Servidão Voluntária reconsiderada: Política Radical e o problema do au... http://pt.protopia.at/wiki/Servidão_Voluntária_reconsiderada:_Polític... 1 de 11 25/06/2015 19:37

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Servidão Voluntária Reconsiderada- Política Radical e o Problema Do Auto-domínio - Paul Newman

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  • Servido Voluntria reconsiderada: PolticaRadical e o problema do auto-domnioDe Protopia

    Saul Newman

    (Original em Ingls (http://www.theanarchistlibrary.org/HTML/Saul_Newman__Voluntary_Servitude_Reconsidered__Radical_Politics_and_the_Problem_of_Self-Domination.html) )

    Nesse artigo irei explorar a genealogia de um certo discurso contra-soberano, que comea com a questo'porque ns obedecemos?' Essa questo, inicialmente posta pelo filsofo Etienne de La Botie em suasinvestigaes sobre a tirania e nossa servitude voluntria a ela, comea da posio oposta problemtica dasoberania estaqueada por Bodin e Hobbes. Mais do que isso, ela mantm um problema central e irresolvidono pensamento poltico radical com trabalhos necessariamente dentro do horizonte tico da emancipao dopoder poltico. Eu sugiro que encontrado o problema da servido voluntria necessita-se uma explorao denovas formas de subjetividade, ticas e prticas polticas atravs da interrogao de cada um de nossosvnculos subjetivos com o poder; e exploro essas possibilidade atravs da tradio revolucionria doanarquismo, bem como atravs de um comprometimento com a teoria psicanaltica. Minha conteno aqui que ns no podemos opor-nos ao problema da servido voluntria sem uma crtica da idealizao eidentificao, e aqui eu viro-me a pensadores como Max Stirner, Gustav Landauer e Michel Foucault, todosos quais, de diferentes maneiras, desenvolveram uma micropoltica e tica da liberdade que objetiva desfazeros vnculos entre o sujeito e o poder.

    Tabela de contedo1 A Impotncia do Poder2 Outra Poltica...?3 O Sujeito Anarquista4 Psicanlise e Ligaes Apaixonadas5 Identificao do Ego6 Uma Micro-Poltica de Liberdade7 Concluso: Uma Poltica de Negao8 Bibliografia9 Referncias

    A Impotncia do PoderA questo colocada por Etienne de La Botie no meio do sculo dezesseis em Discours de la servitudevolontaire, ou Le ContrUn permanece conosco e ainda pode ser considerada uma questo polticafundamental:

    Meu nico objetivo nessa ocasio descobrir como pode acontecer que um vasto nmero deindivduos, de vilas, cidades e naes podem permitir um homem a tiraniz-los, um homem que no

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  • possui nenhum poder seno o poder que eles mesmos deram a ele, que no poderia comet-losnenhum dano se no estivessem dispostos a tal, e que no poderia nunca injusti-los se noestivessem mais dispostos a suportar isso do que ficar em seu caminho (Etienne De La Botie, 1988).

    La Botie explora o vnculo subjetivo que nos amarra ao poder que nos domina, que nos cativa e seduz, noscega e hipnotiza. A lio essencial aqui que o poder no pode apoiar-se na coero, mas na realidadeapoia-se sobre nosso poder. Nossa atividade aquiescente ao poder ao mesmo tempo constitui esse poder.Para La Botie, ento, a fim de resistir tiranos, tudo o que precisamos fazer dar as costas a ele, afastarnosso suporte ativo a ele e perceber, atravs do encanto ilusrio de que o poder se dirige a lanar-se sobrens uma iluso de que ns participamos , sua fraqueza e vulnerabilidade. A servido , ento, umacondio de nossa prpria criao inteiramente voluntria; e tudo o que leva para nos desamarrar dessacondio o desejo de no mais ser subjugado, o desejo de ser livre.Esse problema de servido voluntria o exato oposto daquele levantado por Hobbes um sculo depois.Enquanto para La Botie no natural para ns estarmos sujeitos ao poder absoluto, para Hobbes no natural para ns viver em qualquer outra condio; a anarquia do estado de natureza, para Hobbbes, precisamente uma situao no-natural e intolervel. A problemtica de La Botie do auto-domnio portantoinverte uma toda tradio de teoria poltica baseado na legitimao da soberania uma tradio que aindaest muito presente hoje. La Botie comea da posio oposta, que a da primazia da liberdade,auto-determinao e os vnculos naturais de famlia e companheirismo, como opostos aos vnculosno-naturais e artificiais da dominao poltica. Liberdade algo que deve ser protegido no tanto contraaqueles que querem impor seus desejos a ns, mas contra nossa prpria tentao em renunciar nossaliberdade, em sermos confundidos pela autoridade, em trocarmos nossa liberdade em retorno a sade,posies, favores, e assim por diante. O que deve ser explicado, ento, a ligao patolgica ao poder queafasta o desejo natural por liberdade e as ligaes livres que existem entre as pessoas.As explicaes de Botie para a servido voluntria no so inteiramente adequadas ou convincente, noentanto: ele atribui isso a um tipo de desnaturao, na qual o homem se torna afeminado e covarde, portantopermitindo outro a domin-lo. De qualquer maneira, ele levanta, eu penso, uma das questes fundamentaispara a poltica e especialmente para a poltica radical nomeadamente, porque as pessoas em algumnvel desejam a prpria dominao? Essa questo inaugura uma teoria poltica contra-soberana, uma linhalibertria de investigao que tomada por um nmero de pensadores. Wilhelm Reich, por exemplo, em suaanlise freud-marxista da psicologia de massa do fascismo, apontou para um desejo por dominao eautoridade que poderia no ser adequadamente explicado atravs da categoria marxista de falso conscinciaideolgica (Reich, 1980). Pierre Clastres, o antroplogo da liberdade, viu o valor da La Botie aomostrar-nos a possibilidade de que a dominao no inevitvel; a servido voluntria resultante doinfortnio da histria (ou pr-histria), uma certa quebra do encanto, um lapso da condio da liberdadeprimitiva e sem Estado em uma sociedade dividida entre dominadores e dominados. Aqui, o homem ocupa acondio de inominvel (nem homem nem animal): to alienado ele de sua liberdade natural, que elelivremente escolhe, deseja servido um desejo que foi inteiramente desconhecido em sociedadesprimitivas (Clastres, 1994: 93-104). Segundo em frente da considerao de Clastres, Gilles Deleuze e FelixGuattari exploraram a emergncia do Estado, e a maneira que ele no depende tanto, ou no inteiramente,da dominao e captura violenta, mas mais no auto-domnio do sujeito em um nvel do desejo dele ou dela uma represso que em si mesma desejada. O Estado age sulcando desejos dos sujeitos atravs deestruturas autoritrias e hierrquicas de pensamento e modos de individualizao.[1]

    Mais ainda, os situacionistas Raoul Vanegeim mostrou, em uma anlise que carrega muitas notveissimilitudes a La Botie, que nossa obedincia comprada e sustentada por pequenas compensaes, umpouco de poder como um acerto de contas psicolgico pela humilhao da nossa prpria dominao:

    Escravos no so escravos de boa vontade por muito tempo se no so compensados por suasubmisso com um fragmento de poder: toda sujeio implica no direito por uma medida de poder, eno h nada como poder que no encorpa um grau de submisses. por isso que alguns concordam

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  • to facilmente serem governados (Vanegeim, 1994: 132).

    Outra Poltica...?O problema do auto-domnio nos mostra que a conexo entre poltica e sujeitao deve ser maisprofundamente investigada. Criar novas formas de poltica que a tarefa terica fundamental hoje requere novas formas de subjetividade, novos modos de subjetivao. Alm disso, opor-se servidovoluntria envolver novas estratgias polticas, de fato uma compreenso diferente da prpria poltica.Muito justamente, La Botie reconhece o potencial para dominao em qualquer democracia: o lderdemocrtico, eleito pelo povo, se torna intoxicado com seu prprio poder e oscila cada vez mais para atirania . De fato, ns podemos ver a prpria democracia moderna como um exemplo de servido voluntriaem larga escala. No tanto porque participamos de uma iluso na qual somos enganados pelas elites parapensar que temos uma fala genuna na tomada de decises. que a prpria democracia tem incentivado umcontentamento massivo com a impotncia e um amor geral por submisso.

    Como alternativa, La Botie afirma a idia de repblica livre. No entanto, eu sugeriria que o inverso daservido voluntria no a repblica livre, mas outra forma de poltica inteiramente. Repblicas livres temuma dominao prpria, no apenas em suas leis, mas no domnio dos ricos e classes proprietrias sobre ospobres. Ao contrrio, ns consideramos formas alternativas de poltica, quando pensamos sobre maneiras dedecretar e maximizar as possibilidades de no-dominao. Eu penso que deveramos considerar a poltica doanarquismo que uma poltica de anti-poltica, uma poltica que persegue a abolio de estruturas depoder poltico e autoridade consagradas no Estado.

    Anarquismo, esse mais hertica das filosofias polticas radicais, tem levado por muito tempo uma existnciamarginalizada. Isso devido em parte a sua natureza heterodoxa, ao modo que no pode ser englobadadentro de um nico sistema de idias ou corpo de pensamente, mais sim refere-se a um diverso conjunto deidia, abordagens filosficas, prticas revolucionrias e movimentos histricos e identidades. Entretanto, oque faz de essencial a reconsiderao do pensamento anarquista aqui que fora de todas as tradiesradicais, aquela a mais sensvel aos perigos do poder poltico, ao potencial para autoritarismos e dominaocontidos dentro de qualquer arranjo ou instituio poltica. Nesse sentido, particularmente desconfiada dosvnculos atravs dos quais as pessoas esto ligadas ao poder. por isso que, diferentemente de marxistas-leninistas, anarquistas insistem que o Estado deve ser abolido nos primeiros estgios da revoluo: se, poroutro lado, o poder do Estado apreendido por uma vanguarda e usado sob a 'ditadura do proletariado' para revolucionar a sociedade, isso ir, ao invs de eventualmente 'definhar', expandir em tamanho epoder, engendrando novas classes de contradies e antagonismos. Imaginar, em outras palavras, que oEstado fosse um tipo de mecanismo neutro que poderia ser usado como ferramente para a liberao se aclasse certa o controla, era, de acordo com os anarquistas do sculo dezenove, envolvidos como estavam emgrandes debates com Marx, uma pura fantasia que ignora a inexorabilidade lgica da dominao estatal e astentaes e iscas do poder poltico. Foi por isso que o anarquista russo Piotr Kropotkin insistiu que o Estadodeve ser examinado como uma estrutura especfica de poder que no poderia ser reduzido aos interesses deuma classe em particular. Ele era em sua prpria essncia dominador: "E h aquele que, como ns,vem no Estado, no apenas sua forma efetiva e em todas as formas de dominao que podem serassumidas, mas em sua prpria essncia, um obstculo para a revoluo social" (Kropotkin, 1943). O poderdo Estado, alm disso, perpetua a si mesmo atravs do vnculo subjetivo que ele forma com aqueles queesforam-se para control-lo, pela influncia corrupta que ele tem sobre eles. Nas palavras de outroanarquista, Mikhail Bakunin, "Ns obviamente somos todos sinceros socialistas e revolucionrios e aindaassim, se estivssemos dotados de poder [...] no poderamos estar onde estamos agora" (Bakunin, 1953:249).

    A crtica inflexvel ao poder poltico, e a convico de que a liberdade no poder ser concebida dentro doquadro do Estado, o que distingue o anarquismo das outras filosofias polticas. Ele contrasta com oliberalismo, que na realidade uma poltica de segurana, onde o Estado se torna necessrio para protegerliberdades individuais das liberdades de outros: de fato, a atual securitizao do Estado atravs de um estado

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  • de exceo permanente revela a verdadeira face do liberalismo. Ele difere tambm a esse respeito dosocialismo, que v o Estado como essencial para tornar a sociedade mais igual, e cujo trmino declnio podeser testemunhado pelo triste destino dos partidos social-democratas de hoje com seu centralismo autoritrio,suas leis e ordens fetiches e sua absoluta cumplicidade com o neoliberalismo global. Ademais, o anarquismo distinguido do leninismo revolucionrio, que agora representa um modelo completamente falecido depoltica radical. O que define o anarquismo, ento, a recusa do poder estatal, mesmo o da estratgiarevolucionria de confisco do poder do Estado. Em vez disso, o foco do anarquismo est naauto-emancipao e autonomia, algo que no pode ser atingido atravs de canais da democracia parlamentarou vanguardas revolucionrias, mas sim atravs do desenvolvimento de prticas alternativas erelacionamentos baseados na livre-associao, igual liberdade e cooperao voluntria.

    por causa dessa alteridade ou exterioridade a outro modelo de poltica centrado no Estado que oanarquismo tem sido amplamente ofuscado dentro da tradio poltica radical. Ainda assim, argumentariaque atualmente ns estamos em um tipo de momento politicamente anarquista. O que quero diz que dentrodo eclipse do projeto do Estado socialista e leninismo revolucionrio, e com o desenvolvimento dademocracia liberal em um estreitamento poltico de segurana, que a poltica radical tende hoje a situar a simesma crescentemente fora do Estado. O ativismo radical contemporneo parece refletir certas orientaesanarquistas em sua nfase nas redes decentralizadas e na ao direta, ao invs de na liderana partidria erepresentao poltica. Existe um tipo de separao do poder estatal, um desejo em pensar e agir alm desuas estruturas, na direo de uma maior autonomia. Essas tendncias esto se tornando mais proferidas coma atual crise econmica, algo que est apontando aos reais limites do prprio capitalismo, e certamente aofim do modelo econmico liberal. A resposta a essas falhas do neoliberalismo no mais a intervenoestatal. ridculo falar sobre retorno do Estado interventor: o Estado na verdade nunca retirou-se debaixodo neoliberalismo, e toda a ideologia de 'libertarianismo' econmico ocultou uma muita mais intensaimplantao do poder estatal no domnio da segurana, e na regulao, disciplinarizao e vigilncia da vidasocial. Est claro, alm disso, que o Estado no ir ajudar-nos na atual situao; no h nenhum ponto procura dele por proteo. De fato, o que est emergindo um tipo de separao do Estado; as insurreiesporvir desafiaro a hegemonia do Estado, o qual ns vemos crescentemente governando pela lgica deexceo.

    Alm disso, a relevncia do anarquismo tambm refletida em um nvel terico. Muitos temas epreocupaes dos pensadores contemporneos continentais por exemplo a idia de sem Estado, sempartido e formas polticas ps-classe, a vinda de multitudes e da em diante parecem evocar uma polticaanarquista. Realmente, isso particularmente evidente na pesquisa por um novo sujeito poltico: asmultitudes de Michael Hardt e Antonio Negri, o povo para Ernesto Laclau, a excluda parte-da-no-partepara Jacques Rancire, a figura do militante para Alain Badiou; tudo isso reflete uma tentativa em pensarsobre novos modos de subjetivao que so talvez mais amplos e menos constrangedores que a categoria doproletariado como politicamente constitudo pela vanguarda marxista-leninista. Uma abordagem similar subjetividade poltica foi proposta pelos anarquistas no sculo dezenove, que afirmaram que a noomarxista de classe revolucionria era exclusivista, e que procuraram incluir os camponeses e lumpesinatoscomo identidades revolucionrias.[2] Do meu ponto de vista, o anarquismo o 'elo perdido' no pensamentopoltico continental contemporneo uma presena espectral que no nunca realmente reconhecida.[3]

    O Sujeito AnarquistaAnarquismo uma poltica e tica em que o poder continuamente interrogado em nome da liberdadehumana, e em que a existncia humana postulada na ausncia de autoridade. No entanto os anarquistasclssicos no eram desconhecedores dos desejos por poder que assentam no corao do sujeito humano e por isso que eles eram to severos na abolio das estruturas de poder que incitariam esses desejos oproblema de auto-domnio, o desejo por sua prpria dominao, fica insuficientemente teorizado noanarquismo.[4] Para os anarquistas dos sculos dezoito e dezenove como William Godwin, Pierre-JosephProudhon, Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin limitados como eram pelos discursos racionalistas do

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  • humanismo Iluministas, o sujeito humano deseja naturalmente a liberdade; deste modo a revoluo contra opoder estatal foi parte de uma narrativa racional de emancipao humana. As restries externas e artificiaisdo poder do Estado seriam jogadas fora, para que a essncia racional humana e propriedades moraispudessem ser expressadas e a sociedade pudesses estar em harmonia com si mesma. Existe um tipo deoposio maniqueista que pressuposta no pensamento anarquista clssico, entre sociedade humana que governada por leis naturais, o poder poltico e leis feitas pelo homem, encarnadas no Estado, que artificial,irracional e uma restrio no livre desenvolvimento das foras sociais. Existe, ademais, uma sociabilidadeinata no homem uma tendncia natural, como Kropotkin a viu, em direo a ajuda mtua e cooperao que foi distorcida pelo Estado, mas que, se permitida a aflorar, produziria uma harmonia social em que oEstado se tornaria desnecessrio (cf., Kropotkin, 2007).

    Enquanto a idia de uma sociedade sem Estado, sem soberania e lei desejvel, e realmente o ltimohorizonte da poltica radical, e enquanto no pode haver dvidas de que a autoridade poltica e legal umestorvo opressivo na vida social e existncia humana em geral, o que tende a ser obscurecido na separaoontolgica entre o sujeito e o poder o problema da servido voluntria que aponta mais problemticacumplicidade entre o sujeito e o poder que o domina. Tomar isso em considerao, para explicar o desejo porauto-domnio e para desenvolver estratgias ticas e polticas para enfrent-lo, seria propor uma teoriaanarquistas da subjetividade, ou pelo menos uma teoria mais desenvolvida do que a que pode ser encontradano pensamento anarquista clssico. Isso tambm implicaria num movimento alm de algumas das categoriasessencialistas e racionalistas do anarquismo clssico, um movimento que em outro lugar eu referi comops-anarquismo (Newman, 2010). Isso sem sugerir que os anarquistas clssicos fossem necessariamenteingnuos acerca da natureza ou poltica humana; vez que seu humanismo e racionalismo resultou em um tipode ponto-cego em torno da questo do desejo, cuja obscura, torcida, auto-destrutiva e irracional naturezaseria revelada depois pela psicanlise.

    Psicanlise e Ligaes Apaixonadas

    Ento importante explorar a ligao subjetiva ao poder em um nvel do psquico.[5] A dependnciapsicolgica do poder, que foi explorada por freud-marxistas como Marcuse e Reich[6], significava que aspossibilidade de poltica emancipatrias so s vezes comprometidas por desejos autoritrios ocultos; quehavia sempre um risco de prticas hierrquicas e autoritrias e instituies emergindo nas sociedadesps-revolucionrias. O lugar central do sujeito na poltica, filosofia no abandonado aqui, mascomplicado. Projetos polticos radicais, por exemplo, tem de lutar contra as ambigidades do desejo humano,contra comportamentos sociais irracionais, contra condues violentas e agressivas, e mesmo contra osdesejos inconscientes por autoridade e dominao.Isso sem sugerir que a psicanlise necessariamente politica ou socialmente conservadora. Ao contrrio, eumanteria que esse centro para a psicanlise um ethos libertrio no qual o sujeito persegue para ganhar umamaior autonomia, e onde o sujeito encorajado, pelas regras da 'livre-associao', a falar a verdade sobre oinconsciente.[7] Insistir no 'lado negro' da psique humana sua dependncia do poder, identificao comfiguras autoritrias, seus impulsos agressivos pode servir como um aviso a qualquer projetorevolucionrio que persegue transcender a autoridade poltica. Essa foi realmente a mesma questo colocadapor Jacques Lacan em resposta ao radicalismo de Maio de 68: "a aspirao revolucionria tem apenas umanica possvel sada de fim como discurso mestre. isso que a experincia provou. O que vocs aspiramcomo revolucionrios um mestre. Voc ir ganhar um" (Lacan, 2007:207). A tecla que Lacan est batendocom esse muito sinistro prognstico que poderia ser superficializado, contudo incorretamente, na minhaviso, interpretado como politicamente conservador uma ligao escondida, ou mesmo dependncia,entre o sujeito revolucionrio e a autoridade; e a maneiras em que movimentos de resistncia e mesmorevolues podem realmente suportar a eficincia simblica do Estado, reafirmando ou reinventando aposio da autoridade.

    A psicanlise de maneira alguma abate a possibilidade da emancipao humana, sociabilidade e cooperao

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  • voluntria: na verdade, ela aponta a tendncia conflitantes no sujeito entre desejos agressivos por poder edominao, e desejos por liberdade e harmonia co-existente. Como Judith Butler afirma, alm disso, a psique como uma dimenso do sujeito que no reduzvel discurso e poder, e que o excede algo que podeexplicar no apenas nossas ligaes apaixonadas ao poder e (referindo a Foucault) a modos desubjetivizao e comportamentos regulatrios que o poder impe a ns, mas tambm nossa resistncia aesses (Butler, 1997: 86).

    Identificao do EgoUma das sacadas da psicanlise, algo que foi revelado, por exemplo, no estudo de Freud das psicodinmicasde grupos, foi o papel da identificao na constituio de relacionamentos hierrquicos e autoritrios. Norelacionamento entre o membro do grupo e a figura do Lder, existe um processo de identificao,aparentado ao amor, em que o indivduo tanto idealiza quanto se identifica com o Lder como um "modeloideal", ao ponto deste objeto de devoo acabar por suplantar o ideal de ego do indivduo (Freud, 1955). essa idealizao que constitui o vnculo subjetivo no apenas entre o indivduo e o Lder do grupo, mastambm com outros membros deste grupo. A idealizao portanto se torna uma maneira de compreender asubmisso voluntria vontade de lderes autoritrios.

    Entretanto, ns tambm precisamos entender o lugar dessa idealizao na poltica em um sentido maisamplo, e aqui, eu diria, que o pensamento do jovem filsofo hegeliano, Max Stirner, torna-se importante. Acrtica de Stirner ao humanismo de Ludwing Feuerbach permite-nos empenhar com esse problema doauto-domnio. Stirner mostra que o projeto feuerbachiano de substituio de Deus pelo Homem dereverter o sujeito e predicado para que o humano se torne a medida do divino ao invs do divino a medidado humano (Feuerbach, 1957) tem apenas reafirmado a autoridade e hierarquia religiosa ao invs deafast-la. A 'insurreio humanista' de Feuerbach tem tido sucesso portanto apenas em criar uma novareligio o Humanismo que Stirner conecta com uma certa auto-escravido. O ego individual agoradividido entre ele mesmo e uma forma idealizada do "prprio" agora consagrada na idia de essnciahumana um ideal que est ao mesmo tempo fora do indivduo, se tornando uma moral abstrata e espectroracional pelo qual ele mede a si mesmo e para o qual ele subordina a si mesmo. Como declara Stirner:"Homem, sua cabea est assombrada [...] Voc imagina grandes coisas, e descreve a si mesmo todo ummundo de deuses que tem uma existncia para voc, um reino espiritual para o qual voc supe a si mesmo aser convidado, um ideal que acena a voc" (Stirner, 1995: 43).

    Para Stirner, a subordinao do eu a esses ideais abstratos ('idias fixadas') tem implicaes polticas.Humanismo e racionalismo se tornam em sua anlise os princpios discursivos pelos qual o desejo doindivduo est ligado ao Estado. Isso ocorre pela identificao com papel estado definido de cidadania, porexemplo. Alm disso, para Stirner, em uma linha de pensamento que aproxima paralelos de La Botie, oprprio Estado uma abstrao ideolgica que apenas existe porque ns o permitimos a existir, porque nsabdicamos de nosso prprio poder sobre ns mesmos ao que ele chama 'princpio de domnio'. Em outraspalavras, a idia do Estado, da soberania, que nos domina. O poder estatal na realidade baseado no nossopoder, e isso apenas porque o indivduo no reconhece esse poder, porque ele rebaixa a si mesmo ante umaautoridade poltica externa, de tal maneira que o Estado continue a existir. Como Stirner corretamentedesconfiou, o Estado no pode funcionar apenas pela represso e coero; antes, o Estado confia na nossapermisso a ele para nos dominar. Stirner quer mostrar que aparatos ideolgicos no esto apenaspreocupados com questes econmicas ou polticas eles tambm firmam-se em necessidades psicolgicas.O domnio do Estado, Stirner sugere, depende da nossa complacncia para deix-lo nos dominar:

    Qual o significado de suas leis se ningum as obedece? O que so suas ordens, se ningum deixa a simesmo ser ordenado? [...] O Estado impensvel sem senhorio [Herrschaft] e servido[Knechtschaft] (subjeo); [...] Aquele que, para manter-se, deve considerar que a ausncia davontade em outros algo cometido por esses outros, assim como o mestre uma coisa feita peloservo. Se a submissividade cessasse estaria tudo acabado com o senhorio (Stirner, 1995: 174-5).

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  • Stirner foi impiedosa e implacavelmente criticado por Marx e Engel como "Santo Max" em A IdeologiaAlem: eles acusaram-no do pior tipo de idealismo, de ignorar a economia e relaes de classe que formam abase do Estado, e portanto permitindo ao Estado ser simplesmente desejado a no-existir. Entretanto, o que perdido nessa crtica o valor da anlise de Stirner em destacar o vnculo subjetivo da servido voluntriaque sustenta o poder do Estado. No que ele est dizendo que o Estado no existe em um sentido material,mas que sua existncia sustentada e suplementada por uma ligao e dependncia psquica sobre seupoder, bem como o desconhecimento e idealizao de sua autoridade. Qualquer crtica do Estado que ignoraessa dimenso da idealizao subjetiva compelida a perpetuar seu poder. O Estado deve primeiro sersuperado como uma idia antes de poder ser superado na realidade; ou, mais precisamente, esses so doislados do mesmo processo.

    A importncia da anlise de Stirner que amplamente se ajusta tradio anarquista, apesar derompimentos com seu humanismo essencialista de importantes maneiras[8] encontra-se na exploraoessa auto-sujeio voluntria que forma o outro lado da poltica, e a qual a poltica radical deve encontrarestratgias para lutar. Para Stirner, o indivduo s pode se libertar da servido voluntria se ele abandonartodas as identidades essenciais e ver a si mesmo como um radicalmente vazio auto-criador:

    Eu de minha parte comeo de uma pressuposio pressupondo a mim propriamente; mas minhapressuposio no luta por sua perfeio como o 'Homem lutando por sua perfeio', mas apenasserve-me a apreci-la e consum-la [...] Eu no pressupe a mim propriamente, porque Eu estou a todomomento apenas postulando ou criando a mim mesmo (Stirner, 1995: 150)

    Enquanto a abordagem de Stirner focado na idia da auto-liberao do indivduo -- das essncias eidentidades fixadas -- ele eleva a possibilidade de poltica coletiva com sua noo de "unio de egostas",embora na minha viso isso insuficientemente desenvolvido. A ruptura dos vnculos da servido voluntriano pode ser um puro empreendimento individual. De fato, como La Botie sugere, isso sempre implica umapoltica coletiva, uma rejeio coletiva do poder tirnico pelas pessoas. No estou sugerindo que Stirner nosfornea uma teoria completa ou vivel de ao poltica e tica. Entretanto, a importncia do pensamento deStirner pelas situaes na inveno de uma micropoltica, uma nfase nas maneiras mirades que estamosligados ao poder ao nvel de nossa subjetividade, e nas maneiras que podemos libertar a ns mesmos delas. aqui que devemos prestar minuciosa ateno a essa distino entre a Revoluo e a insurreio:

    Revoluo e insurreio no devem ser olhadas como sinnimos. A primeira consiste em umareviravolta de condies, da condio ou status estabelecido, do Estado e da sociedade, e est emconformidade como o ato poltico ou social; o ltimo tem realmente por sua inevitvel conseqnciauma transformao de circunstncias, ainda que no comece dela, mas do descontentamento doshomens com eles mesmos, no uma ascenso armada de indivduos, um levante sem considerao organizao que dela sai. A Revoluo objetiva novas organizaes; a insurreio leva-nos a no maisdeixar-nos ser organizados, mas a organizar a ns mesmos, e no configurar esperanas cintilantes em"instituies". Isso no uma luta contra o estabelecido, j que, se prospera, o estabelecido colapsa asi mesmo; apenas um trabalho adiante de mim fora do estabelecido (Os itlicos so de Stirner;Stirner, 1995: 279-80).

    Ns podemos partir daqui que a poltica radical no deve apenas ser objetivada em uma reviravolta deinstituies estabelecidas como o Estado, mas tambm em atacar muito mais problemticas relaes atravsdas quais o sujeito encantado e dependente do poder. A insurreio portanto no apenas contra aopresso externa, mas, mais fundamentalmente, contra a represso internalizada ao ser. Isso envolve assimuma transformao do sujeito, uma micro-poltica e tica que objetiva o crescimento da autonomia de umem relao ao poder.

    Aqui ns podemos tambm nos basear no anarquismo espiritual de Gustav Landauer, que argumenta que nopode haver revoluo poltica e nenhuma possibilidade de socialismo sem haver ao mesmo tempo umatransformao na subjetividade das pessoas, uma certa renovao do esprito e da vontade para desenvolver

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  • novos relacionamentos com outros. Relacionamentos existentes entre pessoas apenas reproduzem ereafirmam a autoridade estatal realmente o prprio Estado um certo relacionamento, um certo modo decomportamento e interao, uma certa marca na nossa subjetividade e conscincia (e eu diria em nossoinconsciente) e portanto pode ser apenas transcendente atravs de uma transformao espiritual derelacionamentos. Como diz Landauer, "ns destrumos isso em contrair novos relacionamentos, emcomportar-se diferentemente" (in Martin Buber, 1996: 47).

    Uma Micro-Poltica de LiberdadeAssim, superar o problema da servido voluntria, que se revelou como um obstculo a projetos polticosradicais no passado, implica esse tipo de questionamento tico do eu, uma interrogao de um subjetivoenvolvido e cmplice com o poder. Isso deixa sobre a inveno de estratgias micro-polticas que soobjetivadas em uma separao do poder estatal; uma certa poltica de des-identificao ena qual se liberta deidentidades e papis sociais estabelecidas e desenvolve novas prticas, modos de vida e formas de polticaque no so mais condicionadas pela soberania estatal. Isso significaria pensar sobre o que significaliberdade alm da ideologia de segurana (ao invs de simplesmente ver a liberdade como condicionada ounecessariamente constrangida segurana). Ns tambm precisamos pensar o que significa democracia paraalm do Estado, o que significa poltica para alm do partido, organizao econmica para alm docapitalismo, globalizao para alm de fronteiras, e vida para alm da biopoltica.

    O centro aqui tem que ser, por exemplo, uma interrogao crtica do desejo por segurana. Segurana, emnossa sociedade contempornea, tem se tornado um tipo de metafsica, um fundamentalismo, onde noapenas isto o mpeto por trs de uma expanso e intensificao do poder estatal sem precedentes, mastambm se torna um tipo de condio para a vida: a vida deve ser segura contra o perigo quer sejam umperigo para nossa proteo, segurana financeira, etc mas isso significa que toda a possibilidadeexistencial de no apenas liberdade humana, mas da prpria poltica, est sendo negada. Pode a lei e oquadro da instituio liberal nos proteger da segurana; pode opor-se ao implacvel movimento em direo securitizao da vida? Ns devemos lembrar que, como Giorgio Agamben e outros tem mostrado, abiopoltica, a violncia do soberano e a securitizao so apenas o outro lado da lei, e isso simplesmenteuma iluso liberal por imaginar que a lei pode limitar o poder nesse sentido. No, ns devemos inventar umanova relao com a lei e as instituies, no mais como sujeitos que so obedientes, nem como sujeitos quesimplesmente transgridem (que apenas o outro lado da desobedincia em outras palavras, atransgresso, como ns entendemos de Lacan, continua a afirmar a lei[9]). Ao invs disso, devemostranscender esse binrio de obedincia/transgresso. O anarquismo mais que uma transgresso, umaaprendizagem a viver alm da leu e do Estado atravs da inveno de novos espaos e prticas paraliberdade e autonomia que sero, por sua natureza, um pouco frgeis e experimentais.

    Assumir tais riscos requere disciplina, mas isso pode ser um tipo de disciplina tica que ns impomos a nsmesmos. Precisamos de ser disciplinados para nos tornas indisciplinados. Obedincia autoridade parece virfacilmente, de fato 'naturalmente', para ns, como La Botie observou, e ento a revolta contra a autoridaderequere a disciplina e paciente elaborao de novas prticas de liberdade. Isso foi algo que Foucault estavatalvez chegando com sua noo de askesis, exerccios ticos que foram parte do cuidado de si, e que erampara ele indistinguivelmente das prticas de liberdade (cf., Foucault, 1988). O objetivo de tais estratgias,para Foucault, eram de inventar modos de vida em que se 'menos governado' ou absolutamente nogovernado. De fato, a prtica de criticar-se, de acordo com Foucault, objetivada no apenas noquestionamento da reclamao do poder por legitimidade e verdade, porm mais importante, noquestionamento das vrias formas em que somos vinculados ao poder e regimes de governamentalidadeatravs de certos desdobramentos da verdade pela insistncia do poder que nos conformamos a certasverdades e normas. Para Foucault, ento: "A crtica ser a arte da no-servido voluntria, de desobedinciareflexiva" (nfases acrescentadas; Foucault, 1992: 386). Foucault portanto fala de uma interrogao doslimites de nossa subjetividade que requerem um "paciente labour dando forma a nossa impacincia porliberdade" (Foucault, 2000: 319). Talvez, ento, ns podemos opor ao problema da servido voluntriaatravs de uma radical disciplina da indisciplina.

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  • Concluso: Uma Poltica de NegaoNo-servido Voluntria a negao do poder de dominao sobre ns no deve ser confundida com anegao da poltica. Antes deveria ser vista como a construo de uma forma alternativa de poltica, e comointensificao da ao poltica; poderamos chamar isso de poltica de afastamento do poder, uma poltica deno-dominao. No h nada de apoltico em tal poltica de negao: a poltica de negao no umanegao da poltica como tal, mas mais ainda uma negao das formas estabelecidas de prticas da polticaconsagradas no Estado, e o desejo de criar novas formas de poltica fora do Estado o desejo, em outraspalavras, por uma poltica da autonomia. De fato, a noo de 'autonomia do poltico', invocada por CarlSchmitt para afirmar a soberania do Estado a prerrogativa do Estado em definir a oposio amigo/inimigo(Schmitt, 1996) deveria ser vista, sob minha leitura alternativa, como sugerindo uma poltica daautonomia. O momento propcio da poltica fora do Estado e persegue engendrar novas relaes e modosde vida no-autoritrios.

    Uma srie de pensadores contemporneos continentais como Giorgio Agamben, Michael Hardt e AntonioNegri, tem proposto uma noo similar de negao ou afastamento como uma maneira de pensar na polticaradical hoje. De fato, o recente interesse na figura de Bartleby (do Bartleby the Scrivener de Melville) comoum paradigma de resistncia ao poder, apontam a uma certa realizao dos limites dos modelos existentes depolticas radicais e revolucionrias, e um desconhecimento, alm disso, da necessidade de superao desubjees voluntrias ao poder. O gesto insensvel de Bartleby de desafio autoridade "Eu preferiria queno" poderia ser visto como uma revogao ativa da participao em prticas e atividades que reafirmamo poder, e sem o qual cada poder se colapsaria. Nas palavras de Hardt e Negri, "Esses simples homens(Bartleby e Michael K., um personagem de um romance de J.M. Coetzee) e sua recusa absoluta no podemmas aparecem ao nosso dio da autoridade. A recusa do trabalho e autoridade, a recusa da servidovoluntria, o comeo da poltica liberatria" (Hardt & Negri, 2000:204).

    Nesse artigo eu coloquei o problema da servido voluntria diagnosticado h muito tempo por La Botie no centro do pensamento poltico radical. A servido voluntria, cujos contornos tem sido lapidados pelateoria psicanaltica, pode ser entendida como um limite atravs do qual o sujeito vinculado ao poder aonvel de seu desejo. Ao mesmo tempo, a idia de servido voluntria tambm aponta prpria fragilidade eindecidibilidade da dominao, e o caminho que, atravs da investigao de estratgias ticas e micro-polticas de dessubjetivao indecidibilidade uma poltica anrquica de no-servido voluntria pode-se afrouxar e desatar este lao e criar espaos alternativos de poltica para alm da sombra dosoberano.

    BibliografiaAdorno, Theodore. (1964) The Authoritarian Personality. New York: Wiley.

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  • (Jeanine Herman, Trans.). New York: Semiotext(e).

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    Referncias

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  • Deleuze e Guattari apontam misteriosa maneira que estamos amarrados ao poder do Estado, algoque o termo 'servido voluntria' tanto ilumina quanto esclarece: O Estado seguramente no o localda liberdade, nem o agente de servido ou captura forada. Deveramos ento falar de 'servidovoluntria'? Ver Deleuze & Guattari (2005: 460).

    1.

    Ver a noo de Bakunin de massa revolucionria como oposta categoria marxista de classe(Bakunin, 1984: 47).

    2.

    Para uma discusso da relevncia do anarquismo clssico e filosofia radical poltica contempornea,ver meu artigo (2007) Anarchism, Poststructuralism and the Future of Radical Politics Today,Substance (113)36/2.

    3.

    Esse desconhecimento do desejo por poder no corao da subjetividade humana no endossa aposio hobbesiana afirmando a necessidade por uma forte soberania. Ao contrrio, torna o objetivode fragmentar e abolir estruturas centralizadas de poder e autoridades todos mais necessrios.Certamente se, em outras palavras, a natureza humana est inclinada para as tentaes do poder e odesejo por dominao, a ltima coisa que deveramos fazer confiar em um soberano com poderabsoluto sobre ns. Um ponto similar feito por Paolo Virno (ver o ensaio 'Multitude and Evil'), queargumenta que se aceitarmos a afirmao 'realista' de que temos como humanis uma capacidade para o'mal', ento, ao invs disso justificar a autoridade de Estado centralizado, deveramos ser ainda maiscautelosos acerca da concentrao de poder e violncia nas mos do Estado (cf., Virno, 2008).

    4.

    Isso similar ao que Jason Glynos refere-se como o problema da auto-transgresso (ver Glyno,2008). O argumento aqui que conceptualizao e prtica de liberdade frequentemente complicadapor vrias formas de auto-transgresso, onde o sujeito empenha-se em atividades que limitam aliberdade dele ou dela que evita ele ou ela de atingir o alvo do desejo de um, ou atingir um certoideal em que um pode ter de si mesmo por causa do prazer (gozo) inconsciente derivado dessatransgresso. Sendo assim a limitao liberdade do sujeito no mais externa (como em umparadigma de liberdade negativa), mas interna. Isso pode ser outra maneira de pensar sobre oproblema da servido voluntria atravs das lentes da psicanlise.

    5.

    Veja tambm o estudo de Theodore Adorno [et al] The Authoritarian Personality (1964).6. De acordo com Mikkel Borch-Jacobsen, a teoria psicanaltica de grupos de Freud implica "algocomo" uma "revolta ou insurreio contra o poder hipntico injustificvel" (1988:148).

    7.

    Ver a minha leitura de Stirner como um anarquistas ps-estruturalista em From Bakunin to Lacan(2001).

    8.

    Ver a discusso de Lacan da dialtica da lei e transgresso em Kant avec Sade (1962).9.

    Traduzido do ingls pelo Coletivo Protopia

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