sete saber es
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EDGAR MORINTRANSCRIPT
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Os sete saberes necessrios educao do futuro.
Edgar Morin.
Os sete saberes necessrios educao do futuro no tm nenhum programa
educativo, escolar ou universitrio. Alis, no esto concentrados no primrio, nem no
secundrio, nem no ensino universitrio, mas abordam problemas especficos para cada um
desses nveis. Eles dizem respeito aos setes buracos negros da educao, completamente
ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Programas esses que,
na minha opinio, devem ser colocados no centro das preocupaes sobre a formao dos
jovens, futuros cidados.
O Conhecimento.
O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino
fornece conhecimento, fornece saberes. Porm, apesar de sua fundamental importncia,
nunca se ensina o que , de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas
neste caso so o erro e a iluso.
Ao examinarmos as crenas do passado, conclumos que a maioria contm erros e
iluses. Mesmo quando pensamos em vinte anos atrs, podemos constatar como erramos e
nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso to importante? Porque o
conhecimento nunca um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento sempre uma
traduo, seguida de uma reconstruo. Mesmo no fenmeno da percepo, atravs do qual
os olhos recebem estmulos luminosos que so transformados, decodificados, transportados
a um outro cdigo, que transita pelo nervo tico, atravessa vrias partes do crebro para,
enfim, transformar aquela informao primeira em percepo. A partir deste exemplo,
podemos concluir que a percepo uma reconstruo.
Tomemos um outro exemplo de percepo constante: a imagem do ponto de vista
da retina. As pessoas que esto prximas parecem muito maiores do que aquelas que esto
mais distantes, pois distncia, o crebro no realiza o registro e termina por atribuir uma
dimenso idntica para todas as pessoas. Assim como os raios ultravioletas e
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infravermelhos que ns no vemos, mas sabemos que esto a e nos impem uma viso
segundo as suas incidncias. Portanto, temos percepes, ou seja, reconstrues, tradues
da realidade. E toda traduo comporta o risco de erro. Como dizem os italianos
tradotore/traditore.
Tambm sabemos que no h nenhuma diferena intrnseca entre uma percepo e
uma alucinao. Por exemplo: se tenho uma alucinao e vejo Napoleo ou Jlio Csar,
no h nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles esto mortos.
So os outros que vo me dizer se o que vejo verdade ou no. Quero dizer com isso que
estamos sempre ameaados pela alucinao. At nos processos de leitura isto acontece.
Ns sabemos que no seguimos a linha do que est escrito, pois, s vezes, nossos olhos
saltam de uma palavra para outra e reconstri o conjunto de uma maneira quase
alucinatria. Neste momento, o nosso esprito que colabora com o que ns lemos. E no
reconhecemos os erros porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando
h um acidente de carro. As verses e as vises do acidente so completamente diferentes,
principalmente pela emoo e pelo fato das pessoas estarem em ngulos diferentes.
No plano histrico h erros, se me permitem o jogo de palavras, histricos.
Tomemos um exemplo um pouco distante de ns: os debates sobre a Primeira Guerra
Mundial. Uma poca em que a Frana e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes,
potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente, eram contrrios guerra que se
anunciava. Mas, a partir do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se
lanaram, massivamente a uma campanha de propaganda, cada um imputando ao outro os
atos mais ignbeis. Isto durou at o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos
trgicos do Oriente Mdio a mesma maneira de tratar a informao. Cada um prefere
camuflar a parte que lhe desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.
Este problema se apresenta de uma maneira perceptvel e muito evidente, porque as
tradues e as reconstrues so tambm um risco de erro e muitas vezes o maior erro
pensar que a idia a realidade. E tomar a idia como algo real confundir o mapa com o
terreno.
Outras causas de erro so as diferenas culturais, sociais e de origem. Cada um
pensa que suas idias so as mais evidentes e esse pensamento leva a idias normativas.
Aquelas que no esto dentro desta norma, que no so consideradas normais, so julgadas
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como um desvio patolgico e so taxadas como ridculas. Isso no ocorre somente no
domnio das grandes religies ou das ideologias polticas, mas tambm das cincias.
Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do cdigo gentico, o DNA (cido
desoxirribonuclico), surpreenderam e escandalizaram a maioria dos bilogos, que jamais
imaginavam que isto poderia ser transcrito em molculas qumicas. Foi preciso muito
tempo para que essas idias pudessem ser aceitas.
Na realidade, as idias adquirem consistncia como os deuses nas religies. algo
que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: Os
fatos so teimosos, mas, na realidade, as idias so ainda mais teimosas do que os fatos e
resistem aos fatos durante muito tempo. Portanto, o problema do conhecimento no deve
ser um problema restrito aos filsofos. um problema de todos e cada um deve lev-lo em
conta desde muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter condies de ver a
realidade, porque no existe receita milagrosa.
O Conhecimento Pertinente.
O segundo buraco negro que no ensinamos as condies de um conhecimento
pertinente, isto , de um conhecimento que no mutila o seu objeto. Ns seguimos, em
primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. evidente que as disciplinas
de toda ordem ajudaram o avano do conhecimento e so insubstituveis. O que existe
entre as disciplinas invisvel e as conexes entre elas tambm so invisveis. Mas isto no
significa que seja necessrio conhecer somente uma parte da realidade. preciso ter uma
viso capaz de situar o conjunto. necessrio dizer que no a quantidade de
informaes, nem a sofisticao em Matemtica que podem dar sozinhas um conhecimento
pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.
A economia, que das cincias humanas, a mais avanada, a mais sofisticada, tem
um poder muito fraco e erra muitas vezes nas suas previses, porque est ensinando de
modo a privilegiar o clculo. Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o
sentimento, a paixo, o desejo, o temor, o medo. Quando h um problema na bolsa, quando
as aes despencam, aparece um fator totalmente irracional que o pnico, e que,
freqentemente, faz com que o fator econmico tenha a ver com o humano, ligando-se,
assim, sociedade, psicologia, mitologia. Essa realidade social multidimensional e o
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econmico apenas uma dimenso dessa sociedade. Por isso, necessrio contextualizar
todos os dados.
Se no houver, por exemplo, a contextualizao dos conhecimentos histricos e
geogrficos, cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma
regio desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou Serra Leoa, no entenderemos nada.
Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que
o esprito tem de contextualizar. E essa capacidade que deve ser estimulada e
desenvolvida pelo ensino, a de ligar as partes ao todo e o todo s partes. Pascal dizia, j no
sculo XVII: No se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo
sem conhecer as partes.
O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu prprio contexto. E o
conhecimento, atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais tm repercusso
sobre o conjunto e as aes do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado
depois da guerra do Iraque, da guerra da Iugoslvia e, atualmente, pode ser verificado com
o conflito do Oriente Mdio.
A Identidade Humana.
O terceiro aspecto a identidade humana. curioso que nossa identidade seja
completamente ignorada pelos programas de instruo. Podemos perceber alguns aspectos
do homem biolgico em Biologia, alguns aspectos psicolgicos em Psicologia, mas a
realidade humana indecifrvel. Somos indivduos de uma sociedade e fazemos parte de
uma espcie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de uma sociedade, temos a
sociedade como parte de ns, pois desde o nosso nascimento a cultura se nos imprime. Ns
somos de uma espcie, mas ao mesmo tempo a espcie em ns e depende de ns. Se nos
recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a
espcie. Portanto, o relacionamento entre indivduo-sociedade-espcie como a trindade
divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana
trinitria.
Eu acredito possvel a convergncia entre todas as cincias e a identidade humana.
Um certo nmero de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergncia.
necessrio reconhecer que na segunda metade do sculo XX, houve uma revoluo
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cientfica, reagrupando as disciplinas em cincias pluridisciplinares. Assim, h a
cosmologia, as cincias da terra, a ecologia e a pr-histria.
Tome-se como exemplo a cosmologia, que, efetivamente, utiliza a microfsica, os
aceleradores de partculas para imaginar os primeiros segundos do universo. Ela utiliza a
observao e pratica uma reflexo filosfica sobre o mundo, assim como fizeram Hubert
Reeves, Hawkins, Michel Cass e tantos outros. Eles refletem sobre o universo incrvel no
qual vivemos. Mas o que importante para a identidade humana saber que estamos neste
minsculo planeta perdidos no cosmos. Nossa misso no mais a de conquistar o mundo
como acreditava Descartes, Bacon e Marx. Nossa misso se transformou em civilizar o
pequeno planeta em que vivemos.
Por outro lado, as cincias da terra nos inscrevem neste planeta formado por
fragmentos csmicos, resultados de uma exploso de sis anteriores. Resta saber como
estes fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal organizao, uma auto-
organizao, para nos dar este planeta. necessrio mostrar que ele gerou a vida, e a ns
somos, filhos da vida.
A biologia, com a teoria da evoluo, nos prova como trazemos dentro de ns,
efetivamente, o processo de desenvolvimento da primeira clula vivente, que se
multiplicou e se diversificou.
Quando sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partculas que
nasceram no despertar do universo. Temos tomos de carbono que se formaram em sis
anteriores ao nosso, pelo encontro de trs ncleos de hlio que se constituram em
molculas e neuromolculas na terra. Somos todos filhos do cosmos, mas nos
transformamos em estranhos atravs de nosso conhecimento e de nossa cultura.
Portanto, preciso ensinar a unidade dos trs destinos, porque somos indivduos,
mas como indivduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espcie Homo
sapiens, qual pertencemos. E o importante que somos uma parte da sociedade, uma
parte da espcie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade no existe. A sociedade s
vive com essas interaes.
importante, tambm, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano
mltiplo, ele parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade
humana. Portanto, ou vemos a unidade do gnero e esquecemos a diversidade das culturas
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e dos indivduos, ou vemos a diversidade das culturas e no vemos a unidade do ser
humano.
Esse problema vem causando polmicas desde o sculo XVIII, quando Voltaire
disse: Os chineses so iguais a ns, tm paixes, choram. E Herbart, o pensador alemo,
afirmou: Entre uma cultura e outra no h comunicao, os seres so diferentes. Os dois
tinham razo, mas na realidade essas duas verdades tm que ser articuladas. Ns temos os
elementos genticos da nossa diversidade e, claro, os elementos culturais da nossa
diversidade.
preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, no so atos aprendidos ao longo da
educao, so inatos, mas modulados de acordo com a educao. Heigerfeld fez uma
observao sobre uma jovem surda-muda de nascena que ria, chorava e sorria.
Atualmente, estudos demonstram que o feto comea a sorrir no ventre da me. Talvez
porque no saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade,
nossa diversidade e singularidade.
Chegamos, ento, ao ensino da literatura e da poesia. Elas no devem ser
consideradas como secundrias e no essenciais. A literatura para os adolescentes uma
escola de vida e um meio para se adquirir conhecimentos. As cincias sociais vem
categorias e no indivduos sujeitos a emoes, paixes e desejos. A literatura, ao
contrrio, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o
histrico e o concreto das relaes humanas com uma fora extraordinria.
Podemos dizer que as telenovelas tambm nos falam sobre problemas fundamentais
do homem; o amor, a morte, a doena, o cime, a ambio, o dinheiro. Temos que entender
que todos esses elementos so necessrios para entender que a vida no aprendida
somente nas cincias formais. E a literatura tem a vantagem de refletir sobre a
complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrvel de seus sonhos. Como James
Joyce, por exemplo, que, ao criar um personagem, mostrava que uma pessoa pode ter
sentimentos totalmente diversos. Ou como o heri de Dostoievski, em O Idiota que no
sabe se a jovem est apaixonada por ele e ao fim da trama, depois de ter sofrido muito,
encontra um amigo que lhe diz: mas que imbecil voc , no entendeu que ela o ama.
Isto pode acontecer com qualquer pessoa, a dificuldade de saber o que o outro pensa e
sente.
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Marcel Proust mostrou, em Um amor de Swan, o que ele chamava de intermitncias
do corao, ou seja, que uma pessoa pode se apaixonar, esquecer-se da pessoa desejada e
voltar a am-la. Neste romance o heri sofre durante anos de cimes por causa de uma
mulher e quando ele j no est mais apaixonado, diz: mas eu sofri tanto por uma mulher
que no me amava e que nem era meu tipo.
Podemos, ento, compreender a complexidade humana atravs da literatura. A
poesia nos ensina a qualidade potica da vida, essa qualidade que ns sentimos diante de
fatos da realidade. Como, por exemplo, os espetculos da natureza: o cu de Braslia que
to bonito. A vida no deve ser uma prosa que se faa por obrigao. A vida viver
poeticamente na paixo, no entusiasmo.
Para que isso acontea, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas
para a identidade e para a condio humana, ressaltando a noo de homo sapiens; o
homem racional e fazedor de ferramentas, que , ao mesmo tempo, louco e est entre o
delrio e o equilbrio, nesse mundo de paixes em que o amor o cmulo da loucura e da
sabedoria.
O homem no se define somente pelo trabalho, mas tambm pelo jogo. No s as
crianas, como tambm os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol.
Ns somos Homo ludens, alm de Homo economicus. No vivemos s em funo do
interesse econmico. H, tambm, o homo mitologicus, isto , vivemos em funo de mitos
e crenas.
Enfim o homem prosaico e potico. Como dizia Hlderling: O homem habita
poeticamente na terra, mas tambm prosaicamente e se a prosa no existisse, no
poderamos desfrutar da poesia.
A Compreenso Humana.
O quarto aspecto sobre a compreenso humana. Nunca se ensina sobre como
compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos
pais. O que significa compreender?
A palavra compreender vem do latim, compreendere, que quer dizer: colocar junto
todos os elementos de explicao, ou seja, no ter somente um elemento de explicao,
mas diversos. Mas a compreenso humana vai alm disso, porque, na realidade, ela
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comporta uma parte de empatia e identificao. O que faz com que se compreenda algum
que chora, por exemplo, no analisar as lgrimas no microscpio, mas saber o significado
da dor, da emoo. Por isso, preciso compreender a compaixo, que significa sofrer
junto. isto que permite a verdadeira comunicao humana.
A grande inimiga da compreenso a falta de preocupao em ensin-la. Na
realidade, isto est se agravando, j que o individualismo ganha um espao cada vez maior.
Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de
responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egosmo e que,
consequentemente, alimenta a autojustificao e a rejeio ao prximo.
A raiva leva vontade de eliminar o outro e tudo aquilo que possa aborrecer. De
certa maneira, isto favorece ao que os ingleses chamam de self-deception, isto , mentir a si
mesmo, pois o egocentrismo vai tramando sempre o negativo e esquecendo dos outros
elementos.
A reduo do outro, a viso unilateral e a falta de percepo sobre a complexidade
humana so os grandes empecilhos da compreenso. Outro aspecto da incompreenso a
indiferena. E, por este lado, interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto
acusam de alienante. Na verdade, o cinema uma arte que nos ensina a superar a
indiferena, pois transforma em heris os invisveis sociais, ensinando-nos a v-los por um
outro prisma. Charlie Chaplin, por exemplo, sensibilizou platias inteiras com o
personagem do vagabundo. Outro exemplo Coppola, que popularizou os chefes da Mfia
com O Chefo. No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare: reis,
gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Herclito:
Despertados, eles dormem. Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da
realidade to complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.
Por isso, importante este quarto ponto: compreender no s os outros como a si
mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificao, pois o mundo
est cada vez mais devastado pela incompreenso, que o cncer do relacionamento entre
os seres humanos.
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A Incerteza.
O quinto aspecto a incerteza. Apesar de, nas escolas, ensinar-se somente as
certezas, como a gravitao de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a cincia tem
abandonado determinados elementos mecnicos para assimilar o jogo entre certeza e
incerteza, da micro-fsica s cincias humanas. necessrio mostrar em todos os domnios,
sobretudo na histria, o surgimento do inesperado. Eurpides dizia no fim de trs de suas
tragdias que: os deuses nos causam grandes surpresas, no o esperado que chega e sim
o inesperado que nos acontece. a velha idia de 2.500 anos, que ns esquecemos
sempre.
As cincias mantm dilogos entre dados hipotticos e outros dados que parecem
mais provveis. Os processos fsicos, assim como outros tambm, pressupem variaes
que nos levam desordem catica ou criao de uma nova organizao, como nas teorias
sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhes de Born. Analisando
retroativamente a histria da vida, constata-se que ela no foi linear, que no teve uma
evoluo de baixo para cima. A evoluo segundo Darwin foi uma evoluo composta de
ramificaes, a exemplo do mundo vegetal e o mundo animal.
O homem vem de uma dessas ramificaes e conseguiu chegar conscincia e
inteligncia, mas no somos a meta da evoluo, fazemos parte desse processo. A histria
da vida foi, na verdade, marcada por catstrofes.
No fim da era secundria, a queda do asteride que matou os dinossauros e
ressecou a vegetao desses animais enormes, matando-os de fome deu oportunidade
proliferao dos mamferos. Assim tambm ocorreu com as sociedades humanas. Todas
sofreram o colapso por uma razo ou outra. Nem mesmo o imprio romano, que parecia
eterno, conseguiu sobreviver. As sociedades andinas, que eram mais potentes que seus
colonizadores espanhis e cujas capitais eram muita mais ricas que Paris, Madri ou Lisboa,
foram destrudas por espanhis que chegaram com cavalos e armas desconhecidas.
As duas guerras mundiais destruram muito na metade do sculo XX, depois da
Primeira Guerra Mundial. Trs grandes imprios da poca, por exemplo, o romano-
otomano, o austro-hngaro e o sovitico, desapareceram.
Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ao: a
atitude que se toma quando uma ao desencadeada e escapa ao desejo e s intenes
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daquele que a provocou, desencadeando influncias mltiplas que podem desvi-la at para
o sentido oposto ao intencionado.
A histria humana est repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no
final do sculo XX foi o projeto poltico de Gorbatchev, que pretendeu reformar o sistema
poltico da Unio Sovitica, mas acabou provocando o comeo de sua prpria
desagregao e imploso.
Assim tem acontecido em todas as etapas da histria. O inesperado aconteceu e
acontecer, porque no temos futuro e no temos certeza nenhuma do futuro. As previses
no foram concretizadas, no existe determinismo do progresso. Os espritos, portanto, tm
que ser fortes e armados para enfrentarem essa incerteza e no se desencorajarem.
Essa incerteza uma incitao coragem. A aventura humana no previsvel, mas
o imprevisto no totalmente desconhecido. Somente agora se admite que no se conhece
o destino da aventura humana. necessrio tomar conscincia de que as futuras decises
devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratgias que possam ser
corrigidas no processo da ao, a partir dos imprevistos e das informaes que se tem.
A Condio Planetria.
O sexto aspecto a condio planetria, sobretudo na era da globalizao no
sculo XX que comeou, na verdade no sculo XVI com a colonizao da Amrica e a
interligao de toda a humanidade. Esse fenmeno que estamos vivendo hoje, em que tudo
est conectado, um outro aspecto que o ensino ainda no tocou, assim como o planeta e
seus problemas, a acelerao histrica, a quantidade de informao que no conseguimos
processar e organizar.
Este ponto importante porque existe, neste momento, um destino comum para
todos os seres humanos. O crescimento da ameaa letal se expande em vez de diminuir: a
ameaa nuclear, a ameaa ecolgica, a degradao da vida planetria. Ainda que haja uma
tomada de conscincia de todos esses problemas, ela tmida e no conduziu ainda a
nenhuma deciso efetiva. Por isso, faz-se urgente a construo de uma conscincia
planetria.
Conhecer o nosso planeta difcil: os processos de todas as ordens econmicos,
ideolgicos e sociais esto de tal maneira imbricados e so to complexos, que
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compreend-los um verdadeiro desafio para o conhecimento. Ortega y Gasset dizia: no
sabemos o que acontece, isto o que acontece.
necessria uma certa distncia em relao ao imediato para podermos
compreend-lo. E, atualmente, dada a acelerao e a complexidade do mundo, quase
impossvel. Mas, faz-se necessrio ressaltar, esta a dificuldade. necessrio ensinar que
no suficiente reduzir a um s a complexidade dos problemas importantes do planeta,
como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atmica, ou a ecologia. Os
problemas esto todos amarrados uns aos outros.
Daqui para frente, existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a
humanidade, como a ameaa da arma nuclear, como a ameaa ecolgica, como o
desencadeamento dos nacionalismos acentuados pelas religies. preciso mostrar que a
humanidade vive agora uma comunidade de destino comum.
A Antropo-tica.
O ltimo aspecto o que vou chamar de antropo-tico, porque os problemas da
moral e da tica diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto
individual, outro social e outro gentico, diria de espcie. Algo como uma trindade em que
as terminaes so ligadas: a antropo-tica. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo
tempo, a tica e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), alm de
desenvolver a participao social (as responsabilidades sociais), ou seja, a nossa
participao no gnero humano, pois compartilhamos um destino comum.
A antropo-tica tem um lado social que no tem sentido se no for na democracia,
porque a democracia permite uma relao indivduo-sociedade e nela o cidado deve se
sentir solidrio e responsvel. A democracia permite aos cidados exercerem suas
responsabilidades atravs do voto. Somente assim possvel fazer com que o poder
circule, de forma que aquele que foi uma vez controlado, ter a chance de controlar.
Porque a democracia , por princpio, um exerccio de controle.
No existe, evidentemente, democracia absoluta. Ela sempre incompleta. Mas
sabemos que vivemos em uma poca de regresso democrtica, pois o poder tecnolgico
agrava cada vez mais os problemas econmicos. Na verdade, o importante orientar e
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guiar essa tomada de conscincia social que leva cidadania, para que o indivduo possa
exercer sua responsabilidade.
Por outro lado, a tica do ser humano est se desenvolvendo atravs das associaes
no-governamentais, como os Mdicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliana pelo
Mundo Solidrio e tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, polticas ou
de Estados nacionais, assistindo aos pases ou s naes que esto sendo ameaadas ou em
graves conflitos. Devemos conscientizar a todos sobre essas causas to importantes, pois
estamos falando do destino da humanidade.
Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira
ptria? Estes so os sete saberes necessrios ao ensino. E no digo isso para modificar
programas. Na minha opinio, no temos que destruir disciplinas, mas sim integr-las,
reuni-las em uma cincia como, por exemplo, as cincias da terra (a sismologia, a
vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma concepo sistmica da terra.
Penso que tudo deva estar integrado para permitir uma mudana de pensamento;
para que se transforme a concepo fragmentada e dividida do mundo, que impede a viso
total da realidade. Essa viso fragmentada faz com que os problemas permaneam
invisveis para muitos, principalmente para muitos governantes.
E hoje que o planeta j est, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, comea a se
desenvolver uma tica do gnero humano, para que possamos superar esse estado de caos e
comear, talvez, a civilizar a terra.