shadowlands 01 - kate brian
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Livro 01 Terra das Sombras
KATE BRIAN
SINOPSE
Rory Miller teve uma chance de revidar e ela a aceitou. Rory sobreviveu... e o
assassino em série que a atacou escapou. Agora que o infame Steven Nell está à
solta, Rory deve entrar na proteção a testemunhas com o pai e a irmã, Darcy,
deixando seus amigos e familiares sem nem um adeus.
Começar de novo em uma nova cidade com apenas uma a outra é inimaginável
para Rory e Darcy. Elas eram inseparáveis quando crianças, mas agora elas mal
podiam ficar uma com a outra. Enquanto as irmãs se instalam em Juniper
Landing, uma pitoresca ilha de férias, parece que sua nova casa pode ser o
recomeço que elas necessitam. Elas conhecem um grupo de jovens belos e
despreocupados e passam seus dias surfando, em festas na praia, e caminhando ao
pôr do sol sem fim. Mas assim que elas estão começando a se sentir seguras
novamente, uma de suas novas amigas desaparece. É uma coincidência? Ou o
pesadelo está começando de novo?
Da autora do Best-Seller do New York Times “Private” e de “Privilege”, Kate
Brian.
1 A TENTATIVA
Traduzido por Manoel Alves
uas mãos pareciam gelo. Ele as esfregou, o farfalhar ressoando na
floresta, outrora tranquila. O frio no ar era inaceitável, especialmente
para tão tarde na primavera. Depois que ele terminasse aquilo, iria se
mudar para um clima mais quente. Mas por enquanto ele estava aqui, e o sol
estava começando a fazer a sua descida. Ela estaria ali a qualquer momento.
Então o frio já não importaria. Logo suas mãos estariam quentes. Ele as
soprou e cantarolou “The Long and Winding Road”, uma música que
sempre o fez sorrir.
Ele ouviu um estalo. Um triturar. Sua pele começou a ronronar. Ele
levantou-se ligeiramente de onde estava agachado, apenas o suficiente para
espreitar através dos óculos sobre a rocha escarpada que blindava sua vista.
Um suspiro escapou de sua garganta com a visão dela. Tão pequena, tão
atrevida, tão completamente distraída. Seu cabelo loiro caía em uma trança
grossa pelas costas. Foi o cabelo que o seduziu. Tão belo, tão suave, vários
tons de dourado. Ela não tinha ideia de como ele era bonito. De como ela
era bonita. Ele a amava por isso.
Ela estava contornando o carvalho morto, prestes a passar por cima do
escorregadio rochedo molhado cheio de limo, desgastado pela água. Era a
hora. Ele assegurou que sua bolsa carteiro de lona cinza estava devidamente
camuflada por uma pilha de folhas e saiu de trás da rocha. Um galho fino
que tinha caído de uma bétula perto rachou sob sua bota pesada.
Ela congelou. Ele podia sentir o medo que irradiava dela. Ela se virou,
com os olhos arregalados, mas não o viu. Abraçando-se, ela deu alguns
passos rápidos, sua pesada mochila batendo contra sua espinha. Ele deu um
passo para outro galho, propositadamente desta vez, quebrando-o em dois.
Ela parou de novo. Agora, ele podia provar o seu medo, e ele o engoliu por
completo, saboreando a salinidade picante dele. Ela começou a correr. No
momento em que ela olhou para trás — elas sempre olhavam para trás —
S
ele surgiu no caminho à sua frente. Quando ela bateu nele, ele não vacilou.
Ela pesava praticamente nada. Ela gritou, e seu peito encheu de puro jubilo.
Ele colocou as mãos em seus braços, estabilizando-a. Ela se afastou,
com seus olhos arregalados, sua pele esticada, sua tez pálida. Então ela o
viu. Realmente o viu. E seu corpo relaxou.
— Sr. Nell! Oh, meu Deus! — Sua mão estava em seu coração. Tudo
estava bem. Ela o conhecia. Ela sentia-se segura agora. Menina boba. —
Você me assustou! O que você está fazendo aqui?
Ele a soltou por um breve momento. Deu-lhe aquele instante confiante
de segurança. Então, ele lambeu os lábios.
Foi o que bastou. O medo voltara, mais quente e mais rápido desta vez.
Ela deu um passo para trás, mas eles estavam bem na borda do penhasco.
Ela vacilou, assim como ele sabia que ela faria. Estendendo a mão, ele fechou
os dedos ao redor de seu pulso e usou seu próprio impulso para arremessá-
la do outro lado, jogando a mochila no chão com a mão livre. Ela tentou
gritar novamente, mas ele segurou um braço em volta do seu pescoço e
outro sobre sua boca. Ele arrastou-a para trás para fora da trilha, seu cabelo,
seu delicioso cabelo, roçando em seus lábios.
Ela lutou, é claro. Elas sempre lutavam. A única variável é quanto
tempo ela duraria. Quanto tempo ela iria lutar antes de perceber a
inevitabilidade do que estava para acontecer. Antes que ela aceitasse.
Algumas lutavam até o fim, arranhando, chutando, mordendo, batendo os
seus pequenos punhos contra ele até que ele estrangulava toda a força que
havia neles. Outras simplesmente imploravam. Não importava o que elas
fizessem. O final era sempre o mesmo.
Rory Miller provavelmente imploraria para ele. Ele a observara
durante meses e sabia que ela não era uma menina espirituosa. Além de sua
paixão por ciência e sua capacidade de chegar em terceiro em quase todas as
corridas corta-mato que ela já tinha participado, ela não tinha muito fogo
nela. Na verdade, não havia quase nada de especial sobre ela. Exceto o
cabelo. Seu lindo cabelo dourado.
Ele abriu a boca e levou alguns fios para debaixo da sua língua.
Ela tentou gritar novamente, mas seu abraço era muito apertado para
deixar escapar qualquer som. A pedra estava a poucos centímetros de
distância. Ele imaginou batendo sua cabeça na borda afiada, causando uma
ferida irregular em seu couro cabeludo. Mas, provavelmente, isso seria
rápido demais.
Quando chegou à beira do rochedo, seu calcanhar deslizou sobre uma
folha molhada, e ele escorregou. Por uma fração de segundo, ele lutou para
manter o equilíbrio, e seu domínio sobre ela afrouxou ligeiramente. Fora
um descuido mínimo, mas foi o suficiente. Ela soltou um grito e bateu o
cotovelo afiado em seu peito.
Ele se agachou, tentando respirar, mas o ar não vinha. Sua visão
nublou. Sua mão pressionou contra a superfície fria da pedra, e ele piscou
até que seus olhos começaram a clarear. Foi quando ele viu o galho
quebradiço e irregular sendo levantado para cima em direção ao seu rosto.
Ele ouviu o barulho. Provou o sangue segundos antes de sentir a dor
excruciante. Seus óculos voaram de seu nariz. Seus joelhos atingiram a lama
fria, que rapidamente ficou vermelha do rio de sangue que escorria de seu
nariz.
— Sua desgraçada! — ele gritou, sangue borbulhando em sua boca.
Mas ela se foi.
Não. Não. Não. Aquilo não podia estar acontecendo. Ele tirou um lenço
do bolso, cobriu seu nariz, e cambaleou para frente. Galhos e arbustos
chicoteavam seus braços, a vegetação rasteira prendia seus pés, o vento frio
batia em seu rosto. Ele já havia provado ela. Ele tinha que tê-la.
Tudo era um borrão sem seus óculos. E então, um vislumbre. Um flash.
O forro de lona branca de seu capuz. Ele correu mais rápido. Ele podia senti-
la novamente. Sentir o seu terror. Tudo o que ele tinha que fazer era fechar
o espaço entre eles e ela seria dele. Seus dedos esticaram. Eles doíam. Só
mais alguns passos e ele a teria. Apenas. Mais. Alguns. Passos.
Uma luz ofuscante brilhou. Um barulho de pneus. Ele ouviu seu grito
antes que percebesse o que estava acontecendo. Ela chegou à beira da
floresta. Ela chegou na estrada. E agora ela estava morta ou salva.
Instintivamente, ele limpou a sujeira. Seu nariz latejava. Seu suor era
visível em sua pele, congelando-o de fora para dentro. Havia vozes. Gritos
de alarme. Muito lentamente, ele se esgueirou para trás. Fugiu para os
arbustos, para as arvores que ele conhecia tão bem. Ele poderia se esconder
aqui. Ele poderia desaparecer. Ele ficaria bem. Mas não era o suficiente.
Porque ele tinha provado ela. Ele tinha provado ela. Ele tinha provado ela.
Como ele poderia sobreviver sabendo o quão perto ele havia chegado? Esta
necessidade jamais seria saciada. Não agora. Ele sabia que nunca iria
descansar até que a tivesse.
Não esteja morta, ele orou enquanto deslizava mais fundo na escuridão
que se aproximava. Por favor, não permita que ela esteja morta.
Se ela não estivesse morta, ainda havia uma chance. Se ela não estivesse
morta, ele iria encontrar um jeito. Ele sempre, sempre encontrava um jeito.
2 A FUGA
Traduzido por Manoel Alves
s resquícios desiguais de um galho de uma árvore fina arrancaram
a pele da minha bochecha. Meus pulmões queimavam com cada
respiração em pânico e irregular. Minha visão estava tão turva que
eu não conseguia ver para onde estava indo. Meu pé ficou preso em uma raiz
de árvore, e eu voei para frente. Gritei, imaginando-o bem atrás de mim, se
aproximando de mim, me agarrando para longe do chão, e me arrastando
para a morte. Obriguei-me a ficar de joelhos e respirei. Sua respiração estava
quente no meu pescoço. Seus dedos roçaram em meu ombro. Soltei outro
grito, minha garganta dolorida, mas quando virei, não havia ninguém lá.
Forcei-me a levantar e continuei correndo.
Eu empurrei um ramo e saltei sobre um tronco caído, quase tropeçando
novamente no momento em que acertei o chão do outro lado. Isso não estava
acontecendo. Isso realmente não podia estar acontecendo. O Sr. Nell era
meu professor. Ele era um bom homem. Engraçado. Todo mundo o achava
tão legal naquele estilo de professor retro e bobo. Isso tinha que ser um
pesadelo, e em qualquer segundo eu iria acordar e rir sobre o fato de que eu
pensava ser real.
Eu ouvi um galho estalar atrás de mim. Uma pisada. Ele estava se
aproximando. Ele olhou nos meus olhos e lambeu os lábios. Ele provou o
meu cabelo e gemeu.
Minha garganta encheu de bile. Eu não ia morrer dessa forma. Eu não
ia deixá-lo ter essa satisfação. Eu deveria ir para a faculdade, me tornar uma
médica, casar e ter filhos, ganhar prêmios, comprar uma casa de praia, e
morrer cercada por minha amada família sabendo que eu tinha salvado
inúmeras vidas ao longo de minha longa carreira. Ou, como minha irmã,
Darcy, sempre dizia, eu deveria morrer sozinha e cercada por gatos. De um
ou de outro jeito. Mas não assim.
O
Com uma explosão desesperada de adrenalina eu saltei à frente e, de
repente, não havia árvores. Não havia folhas, nem arbustos, nem vegetação
rasteira. Só havia asfalto rasgando o tecido da minha calça jeans na altura
do joelho e um SUV passando sobre mim.
A última coisa que eu vi antes de jogar minhas mãos para cima foi a
grade de prata reluzente indo direto para o meu rosto. Houve um grito
ensurdecedor horrível, e o mundo preencheu-se com o cheiro de borracha
queimada.
Prendi a respiração e me preparei para o impacto.
— Rory?
Eu pisquei. O rosto de Christopher pairava sobre mim. Seu belo rosto
perfeito e assustado. Seu cabelo escuro estava penteado para trás de sua
testa, molhada dos chuveiros escolares.
— Oh meu Deus, você está bem?
Olhei de volta para a floresta quando ele agarrou os meus braços e me
arrastou para fora da estrada. Quando eu tentei ficar de pé, meus joelhos
cederam e eu me inclinei para ele, agarrando as mangas de sua jaqueta preta
e branca do time do colégio, com meus dedos manchados de sujeira. Havia
sangue nas costas de uma mão, e lama encharcando o punho da manga. Cada
centímetro meu estava tremendo.
— Entra no carro! — eu gritei.
— O quê? — Suas sobrancelhas franziram em confusão sobre seus
olhos castanhos. — Rory, o que você...
— Entra no carro, Chris! — eu gritei novamente. — Nós temos que
sair daqui!
Mantendo meus olhos na floresta, eu cambaleei para a porta do lado do
passageiro. As árvores mergulharam e giraram em minha visão, e o chão
debaixo de mim começou a se inclinar. Eu pressionei minhas mãos contra o
capô para não cair, respirando através da vertigem. Eu não podia desistir
agora. Não quando eu estava tão perto de ficar segura.
— Eu peguei você — disse Christopher no meu ouvido.
Ele me ajudou a entrar no carro e bateu a porta. Enfiei meus dedos
trêmulos para baixo no botão de bloqueio várias vezes, até que finalmente
fez um clic. Algo se moveu no canto da minha visão e eu paralisei, mas depois
eu vi uma cauda espessa, e percebi que era apenas um esquilo correndo até
um tronco de árvore.
— Rory, o que está acontecendo? — perguntou Christopher, ficando
atrás do volante. — Por que você está coberta de lama?
— Apenas dirija, Chris. Por favor — eu implorei. Meu corpo começou
a tremer tão violentamente que doía. Tentei segurar minha respiração,
tentei controlar o tremor, mas não parava. Mesmo quando eu envolvi
minhas mãos em torno dos meus braços, juntando meus joelhos, e apertando
a minha mandíbula. Simplesmente não parava.
— Mas a minha casa é bem...
— Por favor, me leve para casa — eu implorei. — E ligue para a
emergência.
— Por que? — perguntou Christopher. Ele me olhou de cima a baixo,
com o rosto pálido. — Rory — disse ele, com a voz tensa. — O que
aconteceu?
— O Sr. Nell — eu gaguejei através dos meus dentes. — O Sr. Nell me
atacou.
— O Sr. Nell, o professor de matemática? — ele deixou escapar, virando
no final de sua rua larga demais e quase acertando um carro esperando na
placa de pare. Meu estômago revirou enquanto o outro motorista apertava
a buzina. Minhas mãos foram arremessadas para fora e as apoiei contra a
porta e ao lado do banco de Chris.
Chris puxou o carro para o acostamento. Ele colocou uma mão sobre
sua boca, formando uma linha de preocupação logo acima do nariz. Quando
ele olhou para mim, o meu coração parou de bater. Sua expressão era de
atordoado, a resignado, a mórbido no espaço de cinco segundos. Foi só então
que eu entendi o que ele realmente sentia por mim. Bem ali, naquele
momento terrível, com os carros zunindo rápido o suficiente para tremer o
carro.
Por que eu o recusara? Se eu tivesse dito sim, se eu tivesse apenas
exibido meus sentimentos, como Darcy tinha demonstrado para mim tantas
vezes na minha vida, Chris e eu teríamos sido um casal. Nós teríamos saído
da escola juntos hoje, e ele teria me levado até a casa dele para cuidar da sua
irmã. Se eu tivesse dito sim, eu nunca teria tomado esse atalho através da
floresta, e nada disso teria acontecido.
— Ele não... — Manchas vermelhas apareceram ao longo do pescoço
de Chris, movendo-se para seu rosto. — Rory, ele não...
Meu estômago revirou quando eu percebi o que ele estava
perguntando. Eu balancei minha cabeça. — Não. — Um soluço escapou da
minha garganta, e eu cobri o rosto com as duas mãos. — Não.
Chris afundou em sua cadeira. — Graças a Deus. — Ele estendeu a
mão para o botão do Bluetooth em seu painel.
De repente, uma voz masculina encheu o carro. — 911. Qual é a sua
emergência?
— Minha namo... minha amiga foi atacada — disse Christopher, com
a voz embargada.
— Sua amiga está com você? — perguntou o homem.
— Sim — respondeu Christopher. — Ela está aqui. Ela... está bem.
Ele estendeu a mão e pegou a minha, apertando-a com tanta força que
doeu.
— Qual é a sua localização?
— Estamos em meu carro na 17, bem perto do Cruzamento da Fisher
— disse ele. — Mas o cara ainda está por aí. Sr. Nell. Eu não sei o seu
primeiro nome. Ele trabalha na minha escola. Na Princeton Hills High. Ele
ainda está na floresta.
— E os seus nomes? — o homem perguntou.
— Christopher Kane e Rory Miller.
— Tudo bem, senhor. Não saia daí. Estamos enviando alguém agora
mesmo até vocês.
— Tudo bem — disse Christopher, engolindo em seco. — Ok.
A chuva começou a cair em gotas enormes, respingando em todo o
para-brisa. Ele apertou o botão para desligar a chamada. Por um longo
momento, nenhum de nós disse uma palavra, ou se mexeu ou respirou. Em
seguida, ele saiu do carro, deu a volta ao meu lado, e apertou-se em mim.
Arrastei-me em seu colo, e ele fechou a porta e me abraçou. Enterrando meu
rosto em seu peito, eu respirei profundamente o cheiro de lã de sua jaqueta,
fechei os olhos e tentei parar de ver o rosto do Sr. Nell. Eu tentei pensar em
outra coisa. Qualquer outra coisa. Minha mãe sorrindo para mim, alguns
meses antes de morrer. Meu pai me levando na minha primeira corrida
corta-mato. Minha irmã girando em torno de um tutu vermelho e óculos de
sol em forma de coração, dando um show para a família no Ação de Graças.
Mas a imagem do Sr. Nell obliterava as memórias uma por uma. A
horrorosa jaqueta de veludo cor de vômito. A rachadura na parte superior
dos seus óculos de aros de arame. Os olhos lacrimejantes. Os dentes
amarelos. Os lábios secos, finos. A língua lisa. Isso. Simplesmente. Não.
Parava.
Deixei escapar um gemido patético, e Christopher me segurou mais
apertado.
— Está tudo bem — ele sussurrou. — Tudo vai ficar bem.
Mas eu sabia no meu coração que ele estava errado. Nada iria ficar bem
de novo.
3 NÚMERO QUINZE
Traduzido por Manoel Alves
s luzes azul e vermelha da polícia piscavam causando borrões
pulsantes em minha visão. Christopher manteve seu olhar à frente,
sua respiração notável enquanto ele seguia o carro de patrulha na
minha rua sinuosa, seus para-brisas batendo de um lado para o outro, rápido
demais para a garoa cada vez mais leve. Ele parou em um meio-fio perto da
minha casa, onde dezenas de carros da polícia estavam estacionados e uma
van preta estava parada metade no meu gramado, metade na rua.
— Uau — ele disse calmamente.
Lentamente, entorpecidamente, saí do carro. Tudo o que eu queria
fazer era entrar no chuveiro, me enrolar como uma bola no chão de azulejos,
e ficar lá até que me sentisse limpa novamente. Mas eu tinha a sensação de
que aqueles oficiais tinham ideias diferentes.
— Rory? — Meu pai se afastou de uma multidão de policiais
uniformizados e homens sérios em casacões e correu em direção ao carro.
Sua camisa branca de botão estava meio fora de suas calças, e seu surrado
paletó de tweed voava aberto. Seus olhos estavam injetados, seu nariz
vermelho, e os pingos de chuva brilhavam em seu cabelo escuro. Quando ele
me alcançou, ele jogou os braços ao meu redor, seus dedos cravando em
meus ombros.
Enquanto estávamos lá, dezenas de estranhos e vizinhos nos espiavam,
e eu me senti estranha e rígida. Eu não conseguia me lembrar da última vez
que ele me abraçou. Meu pai ainda me pegava na escola quando eu estava
doente e fazia nossas refeições favoritas sempre que tinha tempo. Mas desde
que minha mãe morreu, ele tinha parado de verificar como estávamos ou de
nos dar um beijo de boa noite. Ele retirou-se para dentro de si,
desenvolvendo esta camada raivosa fervendo lentamente, que
constantemente explodia.
A
Uma sirene soou quando um outro carro da polícia parou. O abraço
terminou abruptamente. Darcy pairava perto, seus braços magros cruzados
sobre o moletom das líderes de torcida do ensino médio da Princeton Hills,
e havia uma capa preta por cima de seu cabelo castanho escuro para protegê-
la da garoa. Christopher começou a sair do carro, mas no segundo em que
seus olhos se encontraram, ele voltou e ficou lá. Meu pai limpou a garganta.
— Você está bem? — ele questionou. — Quando a polícia apareceu na
minha sala, eu pensei... — Sua voz sumiu, e ele estendeu a mão para agarrar
desajeitadamente meu pulso, como se quisesse ter certeza que eu ainda
estava realmente ali. — Se alguma coisa acontecesse com você...
— Eu estou bem — eu assegurei o meu pai. — Eu só estou...
— O que você estava pensando? — ele perguntou de repente,
afastando-se. Eu vacilei, meu coração saltando na minha garganta, e dei um
passo instintivo para trás. — Pegando atalhos entre esses bosques sozinha?
Você poderia ter morrido!
Agora, este era o pai que eu conhecia. Rápido no temperamento, mais
rápido ainda para culpar. Era estranho o quanto aquilo era reconfortante —
uma coisa normal em um dia surreal.
— Pai, dá um tempo! — Darcy rebateu.
Seu rosto ficou vermelho e ele olhou para o chão, evitando contato
visual com qualquer pessoa.
— Entre — ele disse em voz baixa, mas com firmeza.
Abaixei meu queixo, as lágrimas ardendo meus olhos, e caminhei
trêmula em direção à nossa casa. Darcy caminhou comigo, tão perto que
nossos ombros se tocavam enquanto andávamos. Um olhar para trás para
Christopher foi tudo o que eu consegui fazer. Ele ergueu a mão do volante
dando um aceno, os lábios achatados em um sorriso tenso e encorajador. De
repente, eu só queria estar de volta no carro, de volta com ele, de volta onde
eu me sentia segura. Mas então ele ligou o motor, e simples assim, ele se foi.
Uma vez que estávamos lá dentro, meu pai bateu a porta atrás de nós.
Então ele parou. De pé perto da parede na sala de estar, ao lado das fotos
emolduradas de mim e Darcy quando éramos mais jovens, estava uma
mulher franzina em um boné de beisebol preto pingando e um sobretudo
preto. Vários homens em macacões azuis estavam fazendo uma varredura
nas escadas, correndo com bastões mecânicos ao longo das paredes e
balcões, enquanto outro subia as escadas para o segundo andar.
— Quem são vocês? — meu pai exigiu saber.
— Meu nome é Sharon Messenger. — Ela tirou uma carteira e
mostrou um distintivo para nós. Três letras maiúsculas em negrito saltaram
para mim: FBI.
Meu coração começou a bater dolorosamente.
— Por que o FBI está aqui? — Meu pai perguntou, sua testa
enrugando.
A agente o ignorou e virou-se para mim. — É este o homem que a
atacou? — ela perguntou, pegando um smartphone e tocando uma das teclas
na tela. No mesmo instante, o rosto do Sr. Nell apareceu na tela, mas ele era
muito mais jovem, com um bigode e óculos escuros quadrados em vez dos
atuais aros de arame dourado.
— Sim — eu disse, me virando. — É ele. Esse é o Sr. Nell.
A agente Messenger apertou os lábios pálidos. Ela deslizou para fora
de seu casaco encharcado da chuva, pendurou-o no suporte para casacos,
então fez um gesto em direção à sala de estar. — Por que você não se senta?
— Por que você não nos diz o que está acontecendo em primeiro lugar?
— meu pai desafiou, ajustando os ombros. Há algum tempo, meu pai era um
atleta, um maratonista esbelto como eu. Mas, depois que minha mãe morreu,
ele parou de malhar, parou de correr, e agora ele só parecia cansado e fraco.
— Pai — Darcy reclamou, — nós podemos, por favor, não entrar em
brigas durante isso?
Os olhos do meu pai brilharam, mas ele sentou-se na velha poltrona.
Eu me afundei na extremidade do sofá, puxando meus joelhos até embaixo
do meu queixo e me abraçando com força. Darcy tomou a extremidade
oposta, enquanto a agente Messenger andava sobre o tapete oriental gasto
que meus pais tinham comprado na lua de mel.
— O homem que você conhece como Steven Nell é na verdade Roger
Krauss — disse ela sem preâmbulos. — O FBI está tentando encontrá-lo
por mais de uma década. — Ela parou de andar e me olhou diretamente nos
olhos. Seus cachos negros encharcados grudavam em seu pescoço,
parecendo tatuagens contra sua pele leitosa. — Ele matou quatorze meninas
em dez estados. Primeiro, ele as perseguiu. Em seguida, ele as atacou e...
Você tem sorte de ter escapado.
Meu sangue se transformou em gelo. Quatorze meninas. Ele havia
assassinado quatorze meninas. E eu deveria ter sido a próxima. Eu era a
número quinze.
— De jeito nenhum — desabafou Darcy, empurrando o capuz do rosto.
— O Sr. Nell é um serial killer de verdade?
— Olhando dessa forma, ele é sim — Messenger respondeu.
De repente, o tremor começou de novo. Pela primeira vez, notei as
folhas secas que se agarravam na parte inferior das minhas mangas. Eu as
joguei freneticamente no chão, minhas unhas rasgando a lã.
Messenger tirou o boné de beisebol, limpando as gotas de água de sua
testa. Ela tinha olheiras roxas sob os olhos, as bochechas estavam magras,
e alguns fios cinza eram visíveis em seu cabelo escuro, embora ela não
parecesse muito mais velha do que trinta e cinco. Eu me perguntava quanto
tempo na última década Messenger havia se dedicado a encontrar o Sr. Nell
— e falhara.
— Krauss é inteligente. Brilhante, na verdade — Messenger disse em
um tom uniforme, como se estivesse falando sobre o tempo ou um filme que
ela vira na semana passada, e não de um assassino brutal. — Ele sempre
cobre seus rastros e ele é um mestre em desaparecer. Toda vez que
chegamos perto, ele escapa. — O telefone de Messenger vibrou em seu
quadril. Ela rapidamente verifica a tela antes de guardá-lo de volta. —
Tivemos indícios de que ele poderia estar aqui em Nova Jersey, e agora
temos a nossa prova. Cada oficial e agente na cidade está procurando por ele
agora.
— Ótimo — disse Darcy, olhando para mim. — Espero que atirem na
cara dele.
— Darcy — meu pai avisou.
— Não posso dizer que discordo dela, senhor — Messenger disse,
levantando as mãos.
— Agente Messenger? — uma voz chamou.
O homem que havia subido levantava um saco de plástico na mão.
Aninhado dentro havia um pequeno quadrado preto ligado a um fio. Uma
câmera espiã. — Descobrimos isso no quarto da menina, escondido entre as
portas do guarda-roupa.
— Oh, meu Deus. — O queixo de Darcy caiu, quando ela se virou para
olhar para mim horrorizada.
Eu não conseguia respirar. Ele esteve em nossa casa. Ele estava me
observando. O tremor se tornou violento.
— Leve isso para o laboratório — disse Messenger com um aceno
rápido. — Descubra o raio de transmissão. Pode levar para um local nas
proximidades.
Meu estômago se apertou. — Quanto tempo esteve lá? — eu sussurrei.
Os olhos escuros de Messenger suavizaram. — É impossível dizer —
disse ela suavemente.
Pensei no meu quarto, com as suas paredes amarelas, o meu
microscópio e os meus livros de biologia. Era onde eu fazia meu dever de
casa e dos laboratórios, onde eu ligava para os meus amigos, onde minha
mãe costumava me contar histórias sobre um sapo chamado Neville para me
ajudar a adormecer. Era onde eu acordava todas as manhãs e me vestia e...
Corri para o banheiro do corredor, batendo os joelhos contra o chão de
ladrilhos em frente ao vaso sanitário. Eu arfei e vomitei até que meu
estômago ficou vazio. Então eu me sentei de costas contra a parede e fechei
os olhos, cegamente alcançando a descarga. No mesmo instante, o rosto do
Sr. Nell voou em minha direção, e eu pressionei as bordas das mãos em
minhas órbitas, tentando apagar a imagem.
Se eu pudesse apagar o fato de que o Sr. Nell — o homem que sempre
escrevia BOM TRABALHO em letras maiúsculas em meus testes e
sublinhava três vezes, o homem que me convenceu a entrar na competição
estadual de matemática no ano passado, a pessoa que eu confiava e
considerava um mentor — me observava no meu quarto e espionava os
momentos mais íntimos da minha vida. Eu nunca me senti tão violada. Eu
precisava fugir. Eu precisava de um banho. Eu precisava ficar limpa. Eu
precisava ficar sozinha.
— Eu vou lá para cima — gritei no meu caminho para fora do banheiro.
— Espera.
Meu pai parou no final do corredor com um olhar preocupado no rosto.
Ele hesitou por um momento estranho antes de perguntar, — Você está
bem?
Lágrimas brotaram imediatamente dos meus olhos. Meu pai
atravessou a sala em dois passos, tomando a frente da agente. Eu quase não
podia acreditar no que estava vendo. Meu pai e eu tínhamos acabado de nos
comunicar. Nós, na verdade, nos entendíamos.
— Bem, obrigado por ter vindo, mas se você e os outros oficiais não se
importam, eu acho que a minha filha precisa de um pouco de paz e
tranquilidade — meu pai disse, tentando conduzi-la para a porta. Ela não se
moveu.
— Sinto muito, senhor, mas isso não vai acontecer — disse Messenger,
dobrando o casaco úmido sobre seu braço. — Não é seguro vocês ficarem
aqui sozinhos. Há uma boa chance de Krauss não ter terminado com a sua
filha.
Meu coração e estômago trocaram de lugar. Apertei minhas mãos para
pará-las de tremer. Não terminou comigo? O que diabos isso queria dizer?
— Nós vamos colocar um serviço de proteção em sua casa — disse
Messenger, virando-se para me olhar nos olhos, como se soubesse o quanto
eu precisava ser reconfortada. — Eu não quero que nenhum de vocês saia
desta casa até que ele seja capturado e preso atrás das grades. Isso significa
nada de escola, nem trabalho, nem nada.
— E as minhas aulas? — perguntou o meu pai. Seu trabalho era tudo
para ele, pelo menos desde que a mamãe tinha morrido. — O período de
verão acabou de começar.
— Tenho certeza que a universidade pode encontrar um substituto —
disse a agente Messenger.
— Eu acho que isso significa que eu não tenho que fazer minha prova
final de biologia — minha irmã disse com um sorriso.
Meu pai olhou para ela. — Nós vamos pedir que a escola traga toda a
sua lição de casa.
Darcy visivelmente decepcionou-se, mas eu mal registrava tudo aquilo.
De repente, eu estava de volta naquela floresta, correndo pela minha vida,
sentindo Nell respirando no meu pescoço, enquanto as palavras de
Messenger ecoavam na minha cabeça repetidamente.
Não é seguro. Não é seguro. Não é seguro.
— Você vai pegá-lo, certo? — eu disse com urgência, finalmente
encontrando a minha voz. — Quero dizer, com todos os policiais e tudo à
procura dele... Não há nenhuma maneira dele escapar.
— Eu gostaria que tivesse acontecido de outra maneira, Rory, mas essa
era exatamente a oportunidade que precisávamos. — Messenger colocou
uma mão reconfortante no meu braço, seus olhos escuros grudados nos
meus. — Com alguma sorte, vamos pegá-lo até o final da noite.
4 EM BREVE
Traduzido por Matheus Martins
que você quer dizer com ainda não o encontrou? — meu pai
exigiu.
— Sinto muito. Nós suspeitamos que ele ainda esteja
na cidade, mas ele desapareceu no subsolo — Messenger disse, cansada.
Suas calças pretas caíam em torno de seus quadris estreitos. — Eu prometo
que nós estamos fazendo o nosso melhor. É só um pouco de jogo de espera.
Esperar. Isso era tudo o que fazíamos. Sete dias inteiros se passaram e
aqui estamos nós mais uma vez, se reunindo na sala de estar, ouvindo
Messenger nos dizer exatamente nada. Eu inclinei minha cabeça no encosto
do sofá e olhei para o teto, olhando para a rachadura que eu estava estudando
durante toda a semana. Ela tinha na verdade ficado mais longa desde a
sexta-feira passada, serpenteando a partir do canto perto da porta da frente
até o centro da sala. Perto de mim, as unhas polidas de prata de Darcy
pararam de bater no teclado do seu laptop.
— Então, espere — disse ela, fechando o computador e ficando em pé.
— Você está me dizendo que ainda não podemos sair?
— Sim, é isso que eu estou dizendo — Messenger respondeu, franzindo
sua testa.
— Não. De jeito nenhum — Darcy estalou. — Esta noite é a festa de
formatura de Becky Mazrow. Eu estive ansiosa por isso o ano todo. De jeito
nenhum eu vou ficar sentada aqui assistindo as Kardashians no meu
computador enquanto todos da minha turma estão lá.
— Darcy — meu pai disse, impaciente.
— O quê? — Ela levantou os ombros. — Eles podem me enviar com
um segurança ou algo assim — disse ela, olhando para a agente Messenger.
— Sua inepticidade é a razão pela qual estamos escondidos aqui como uma
família de fugitivos.
— Inepticidade não é uma palavra — eu disse em voz baixa.
—O
Darcy me ignorou.
— Sim, eu não acho que isso esteja no topo da lista de prioridades do
Tio Sam — Messenger respondeu.
— Eu não acredito nisso! Você disse que iria pegá-lo “hoje à noite” —
Darcy gritou, fazendo aspas no ar. — Isso foi há uma semana!
— Sinto muito, mas...
— Sente muito pelo quê? Por ser uma merda em seu trabalho? —
Darcy disparou de volta.
— Darcy! — meu pai trovejou.
Ela ficou em silêncio e se jogou de volta no sofá, com o queixo se
projetando em desafio. Mas a coisa era que ela estava certa. Não era justo
que ficássemos presos aqui. Não fazia sentido que todo o FBI não
conseguisse pegar um cara. Eu nunca teria tido a coragem de dizer isso.
— E então... o quê? — eu perguntei, cruzando os braços sobre o E=mc2
no meu moletom. — Você está apenas esperando ele fazer alguma aparição?
Cometer um erro? Eu pensei que você tinha dito que ele era brilhante. Quais
as chances de que ele realmente estrague tudo e deixe ser pego?
Messenger não teve que responder. O olhar resignado em seu rosto
dizia tudo. Eu puxei meus joelhos até embaixo do meu queixo e me abracei
tão forte quanto eu poderia. E se o erro que ele cometesse fosse invadir o
meu quarto e me esfaquear até a morte antes que alguém pudesse fazer
alguma coisa? Alguém tinha considerado isso?
— Inacreditável — meu pai disse, jogando as mãos para cima. Ele
andou até a janela da frente e olhou para as duas viaturas policiais em
marcha lenta perto do final da nossa garagem, uma coisa constante desde o
dia em que eu fui atacada. Uma luz vermelha na base da janela piscava em
intervalos regulares, que fazia parte de um sistema de alarme complicado
que o FBI manipulou para a casa. — Eu não sei quanto mais eu posso
aguentar disso. Minha substituta vai dar um teste hoje à noite — ele
murmurou. — Se ela não conseguir dar a eles o questionário, todo o meu
sistema de avaliação será totalmente jogado fora.
O telefone de Darcy tocou, e ela gemeu.
— É Becky de novo. Ela vai me matar se eu perder essa festa.
— Já chega! — eu soltei, me levantando. De repente, eu senti que não
podia me sentar ao lado dela por mais nenhum segundo. — Há um assassino
à solta e ele está atrás de nós! Eu não posso acreditar que você está
preocupada com uma festa! — Eu queria gritar para o meu pai parar de se
preocupar com um teste estúpido, também, mas é claro que eu não fiz isso.
Todos os meus pensamentos furiosos sobre o meu pai não passavam disso
— pensamentos.
Darcy revirou os olhos. — Eu sei que você nunca foi em uma, Rory —
ela disse sarcasticamente. — Mas elas são realmente divertidas. — Então
ela me olhou de cima a baixo e lentamente embolsou seu telefone. — A
menos que você goste de estar sob prisão domiciliar.
— Eu gosto de ficar segura — retorqui.
— Por que não estou surpresa? — ela atirou de volta, levantando-se
para me enfrentar. — Você está aqui praticamente o tempo todo mesmo,
escondida em seu quarto com seu pequeno estetoscópio e todos os seus
béqueres...
— É um microscópio — eu cuspi.
— Tanto faz. Tudo que eu sei é que não é de se admirar que você nunca
teve um namorado.
— Darcy! — Meu pai estalou. — Já chega.
Darcy me lançou um olhar ácido.
Minha boca se encheu com um gosto amargo. Tão desesperada como
eu estava para manter o segredo sobre mim e Christopher, havia momentos,
como agora, que tudo que eu queria fazer era jogar na cara dela. Provar que
ela não era a única com uma vida, a única que as pessoas achavam atraente,
a única que poderia ter uma chance.
Nesse exato momento, meu telefone apitou com um sms. Eu sorri um
pouco quando vi que era de Christopher.
Alguma novidade?
Chris tinha mandado mensagens algumas vezes para checar como eu
estava. Algumas pessoas da equipe de corrida também tinham mandado.
Todos eles tinham o mesmo conjunto de perguntas, perguntas que nunca
teriam perguntado se eles realmente parassem para pensar. Como Você ficou
com medo? ou Você achou que ia morrer? E a minha favorita, Toda a sua vida
passou diante dos seus olhos?
Não. Não, isso não aconteceu. O que passou diante dos meus olhos
foram as coisas que estavam realmente lá. As folhas brotando das árvores,
o céu nublado, a sujeira debaixo das minhas unhas. Tudo o que eu conseguia
pensar era: Estas são as últimas coisas que eu vou ver. Eu vou morrer na
floresta. A mesma floresta onde Darcy e eu costumávamos brincar de Peter
Pan e Piratas do Caribe. A mesma floresta onde eu quebrei meu braço
quando eu escalei uma árvore para espionar Darcy e seu primeiro namorado.
A floresta para onde eu costumava escapar e ler enciclopédias antigas da
minha mãe quando a provocação de Darcy ficava tão impiedosa que eu não
aguentava mais.
Eu digitei uma resposta.
Não... Ainda presa.
Então eu coloquei meu celular de volta no bolso da frente do moletom.
Darcy olhou para mim rapidamente. — Quem era?
— Ninguém — eu disse rapidamente, esperando que meu rosto não
parecesse tão quente como eu sentia.
Messenger esfregou os olhos.
— Você não contou a ninguém sobre as medidas de segurança aqui,
certo?
— Não, claro que não — eu disse rapidamente, com um tom defensivo
na minha voz. Eu sempre fazia o que me era dito. Por um momento horrível,
eu me perguntava se foi por isso que o Sr. Nell tinha me escolhido. Porque
eu era tão previsível, tão organizada, tão fácil de seguir.
Messenger balançou para trás em seus calcanhares, segurando as mãos
em sinal de rendição.
— Ok, ok. Eu só não quero que você se machuque novamente, Rory.
Meu coração dobrou sobre si mesmo e apertou até doer. Era uma
sensação nova, algo que começou após o ataque, sempre que eu pensava
sobre Steven Nell.
— Olha, gente, eu entendo que isso é difícil. Eu realmente entendo. Eu
só preciso que vocês permaneçam aqui um pouco mais. Vocês podem fazer
isso por mim?
O tom de Messenger era sério. Mas ela não entendia. Nenhum deles
entendia. Eles não entendiam como era correr pela floresta com um
assassino em seus calcanhares. A única pessoa com quem eu queria estar, a
única pessoa com quem eu me sentia segura desde o ataque, era Christopher.
Meu coração deu outro aperto doloroso, e de repente me senti
claustrofóbica, como se eu não pudesse respirar.
Dane-se. Eu ia ligar para ele. Darcy nunca saberia. Se ela perguntasse,
eu apenas diria a ela que eu estava conversando com o meu parceiro de
laboratório. Então ela definitivamente me deixaria em paz.
— Eu vou para o meu quarto — eu disse, já segurando meu telefone
dentro do meu bolso.
Me virei e subi de dois em dois degraus, meu coração batendo com
antecipação com a ideia de ouvir a voz de Christopher. O andar de cima da
nossa casa se abria para um grande patamar com uma claraboia acima.
Todas as cinco portas, que levavam a três quartos, um escritório, e um
banheiro, estavam fechadas. Abri a primeira à direita, a que era do meu
quarto, e fechei-a atrás de mim, inclinando-me contra a madeira familiar. Eu
puxei o telefone, mas minhas mãos tremiam tanto que ele caiu no chão.
Deixei-o lá por um segundo e respirei fundo. Eu não queria ligar para ele
soando toda sem fôlego e histérica. Eu precisava me dar um segundo para
me acalmar.
Fechei os olhos, e imediatamente os pensamentos de nosso primeiro —
e único — beijo me encheram. Havia sido quando eu ainda estava sendo
tutora dele, antes de eu começar a trabalhar com sua irmã mais nova.
Estávamos sentados à mesa em seu quarto. Eu estava em sua cadeira
confortável na mesa, porque ele insistia, e ele estava em uma cadeira de
cozinha dura que ele tinha arrastado pelas escadas. Eram cinco centímetros
mais curta do que a minha, o que deixava nossos rostos na mesma altura.
Eu tinha tido uma queda por ele durante semanas, mas ele tinha sido
namorado de Darcy desde sempre, e eu tinha feito um bom trabalho em
controlar a mim mesma ao recitar a tabela periódica ou ao listar os
presidentes mesmo que eu quisesse olhar para ele. Por alguma razão, no
entanto, naquela noite eu não conseguia impedir que o meu olhar vagasse
para seu rosto a cada cinco segundos. Ele estava com um corte de cabelo
curto, e pela primeira vez eu notei as manchas verde em seus olhos
castanhos. Era difícil acreditar que alguém tão bonito existia na minha
escola, e de repente senti tanta inveja de Darcy por ter chegado a beijá-lo.
Ela deve ter sentido o que era estar em seus braços. Ela deve ter visto ele
olhar para ela como se ela fosse a única garota na terra.
Então Christopher de repente teve um progresso em cálculo e ele
pulou, aplaudindo como se ele tivesse acabado de bater um home run, e girou
minha cadeira ao redor. Eu ri e fechei os olhos para não ficar tonta, o que só
me deixou mais tonta. Quando ele me parou, abri os olhos de novo e tudo o
que eu vi foi o seu rosto quando ele trouxe seus lábios para baixo nos meus.
No segundo que ele me tocou, foi como se algo dentro de mim tivesse
sido liberado. Algo que eu nem sabia que estava lá. Mas ainda assim, eu o
empurrei.
— O que você está fazendo? — eu exigi.
— Eu terminei com Darcy — ele exclamou, sem fôlego.
Eu senti como se tivesse acabado de ser derrubada de cabeça para
baixo.
— O quê? Quando?
— Esta manhã. Você não soube?
Revirei os olhos. Era tão natural para ele pensar que tudo sobre sua
vida chegava a todos os ouvidos na escola em um nano segundo.
— Não. Ela não... Eu ainda nem a vi — eu disse.
— Bem, eu terminei com ela porque eu não aguentava mais — disse
Christopher, agachando-se na frente da minha cadeira como se estivesse
tomando a posição do seu receptor do beisebol. — Nas últimas semanas,
sempre que você está aqui... — Ele fez uma pausa e estendeu a mão para os
meus dedos. — Rory, sempre que você está aqui, tudo o que consigo pensar
é nisso.
Então, ele se inclinou e me beijou novamente. Coloquei meus braços ao
redor de seu pescoço e ele me abraçou, me puxando até que nós dois
estivéssemos de pé. Eu não podia acreditar que isso estava acontecendo.
Christopher gostava de mim. Ele tinha terminado com Darcy por mim. Eu
quis isso por tanto tempo, e, inacreditavelmente, descobri que ele queria,
também.
Christopher me beijou com força, como se estivesse faminto por isso, e
eu me uni a cada movimento seu. Ele tinha gosto de Oreos e cheirava a
banho fresco. Quando caí em sua cama, eu estava tão animada, confusa,
lisonjeada e feliz. E então eu vi o rosto de Darcy e me afastei.
— Nós não podemos fazer isso — eu disse, ofegante.
— Por causa de Darcy? — disse ele, pegando meu pulso. Ele fechou os
dedos em torno dele, e eu percebi o quão grande era a sua mão e quão
pequeno era o meu pulso. Ele balançou a cabeça. — Ela vai ficar bem. Vamos
apenas...
Virei-me e sentei-me de costas para ele, minhas pernas penduradas
para o lado da cama.
— Ela é minha irmã, e ela está apaixonada por você — eu disse. — Eu
não posso...
— Mas, Rory. — Ele se sentou atrás de mim. — Eu não estou
apaixonado por ela.
— Chris...
— Rory — disse ele, brincando. Ele deslizou para que eu pudesse ver
seu rosto. — Eu tenho tentado não te beijar por uns dois meses. Toda vez
que você vem aqui, eu fico animado como se fosse um encontro ou algo
assim. É patético, mas eu realmente espero ansiosamente as suas aulas de
cálculo. Eu não aguento mais. E sim, é uma merda que você é a irmã da
garota que eu estive nos últimos dois anos, mas isso é apenas o jeito que é.
— Ele empurrou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. — Eu quero
estar com você, não com ela.
Estas foram as palavras mais doces que alguém já tinha dito para mim.
Alguém tinha me escolhido. A tímida, inteligente demais e estranha ao invés
da popular, linda e espirituosa Darcy. Mas para Darcy tudo se resumia a
Christopher. Ela saltava quando ele mandava uma mensagem. Ela usava o
casaco do time do colégio em casa mesmo quando ficava calor.
Então eu lhe disse que não, me levantei e fui embora. Mas ele ainda
veio no dia seguinte, quando Darcy foi ao treino de torcida e me convidou
para o baile de férias. E embora eu não quisesse nada mais do que ir com ele,
eu ainda disse que não. Porque Darcy tinha passado a noite inteira chorando
em seu quarto. E eu não podia fazer isso com ela.
O tique-taque rítmico do relógio com tema de química que minha mãe
tinha comprado para mim no meu décimo aniversário me trouxe de volta ao
presente. Minha respiração desacelerou e eu me senti um pouco mais calma.
Talvez eu não pudesse ter saído com Christopher até então, mas eu poderia
pelo menos dizer-lhe como eu me sentia agora, especialmente considerando
como Darcy estava sendo malvada. No mínimo, a experiência com Steven
Nell era um lembrete terrível que a vida era curta.
Eu abri meus olhos, e meu quarto entrou lentamente em foco. Fora da
janela, uma chuva começou a cair. Uma imagem de proteção de tela de mim
e minha mãe na linha de chegada da minha primeira corrida corta-mato
apareceu em meu laptop. Meu tapete de ioga azul estava desfraldado no chão
de quando eu tinha feito meus exercícios abdominais, meu celular pousado
no centro dele. Um tênis de corrida aparecia debaixo da minha cama com
colcha branca. Então eu pisquei. Eu podia jurar que tinha deixado minha
cama desfeita naquela manhã — eu tive pesadelos desde o ataque, e parecia
inútil esticar os lençóis já que eu os amassava descontroladamente todas as
noites. Mas agora ela estava arrumada perfeitamente, os travesseiros
ordenadamente afofados. E lá, na minha colcha remendada, havia uma única
rosa vermelha.
Por um momento, eu me perguntei se Christopher havia deixado para
mim. Um cartão de nota pequeno estava escondido debaixo do caule
espinhoso da rosa. Uma respiração irregular ficou presa na minha garganta.
No cartão, impresso em letras maiúsculas completamente familiares e
sublinhadas três vezes, havia cinco palavras sinistras:
NÓS ESTAREMOS JUNTOS. EM BREVE.
5 CORRER
Traduzido por Matheus Martins
u gritei. Bem alto. Meus joelhos cederam e minha bunda bateu no
chão. Encostei minhas costas contra a porta do armário e enrolei-
me em uma bola, soluços quebrando meu peito.
— Rory! — Meu pai entrou no quarto com Messenger e Darcy em seus
calcanhares. — Rory, o que aconteceu?
Tremendo, apontei para a cama. Instantaneamente, Messenger estava
em seu walkie-talkie, gritando ordens.
— Oh meu Deus — Darcy arfou.
— Leve-a para fora daqui — meu pai disse a ela.
Gentilmente, Darcy me puxou do chão para o corredor, onde ambas
nos sentamos no chão. Lá fora, sirenes soaram.
— Ele esteve aqui, Darcy — eu choraminguei. — Ele esteve no meu
quarto. Ele passou por dois oficiais... o alarme...
— Está tudo bem. Você está bem — disse Darcy, colocando o braço
em volta de mim.
— Não está tudo bem — eu disse. — Ele vai me matar, Darcy. Ele vai
me matar.
Eu apertei meus olhos e chorei. Lá fora, o barulho de um motor de
helicóptero encheu a noite, e holofotes iluminavam o corredor.
— Como isso pôde acontecer? — meu pai exigia de dentro do meu
quarto. — Como ele entrou aqui?
— Como ele entrou não é importante agora. O fato é que ele entrou —
Messenger declarou, saindo para o corredor. A rosa e a nota pendiam de
seus dedos em sacos de provas distintas. — Nós pensamos que nossas
medidas seriam o suficiente, mas é evidente que ele é ainda mais capaz do
que tínhamos pensado.
Ela colocou a mão em seu coldre de arma, como se quisesse garantir
que ele ainda estava lá. De repente, ela parecia uma nova pessoa — toda
E
energizada, pronta para entrar em ação. Seu telefone tocou e ela verificou a
mensagem, em seguida, o guardou. Ela olhou para cada um de nós.
— Vocês vão precisar ir para uma casa segura — ela nos disse. — Hoje
à noite.
— Ir embora? Agora? — exclamou o meu pai.
Darcy levantou-se, arrastando-me do chão.
— De jeito nenhum — disse ela. — Eu não posso simplesmente ir
embora. Eu vou me formar semana que vem!
— Uma casa segura? — eu disse. — Por quê?
— Há algo que eu não lhe disse antes — Messenger explicou, me
olhando nos olhos de uma forma que adultos nunca pareciam fazer — como
se eu fosse igual a ela. — Ele nunca falhou em terminar um trabalho antes.
Apenas outra vítima escapou dele, e duas semanas mais tarde, ele invadiu a
casa dela e matou toda a sua família. — Ela me pegou pelos meus ombros.
— Rory, eu não estou tentando assustá-la, mas ele vai continuar vindo. Ele
nunca vai parar.
Meu coração executou uma série de manobras dobráveis que me fez
sentir fraca.
— E quanto a você, eu tenho certeza que ainda vão te dar um diploma,
mas você realmente vai se importar se você estiver morta? — a mulher
perguntou a Darcy.
— Uau. Você realmente não adoça nada, não é? — perguntou Darcy.
Messenger olhou-a de cima a baixo.
— Não é o meu estilo. Agora eu sugiro que vocês comecem a arrumar
tudo. Vocês sairão em quinze minutos. Sem fotos, sem itens pessoais ou
documentos. Nada que conecte vocês de alguma forma a esta vida.
Virando as costas para nós e indo para a janela acima da escada, ela
olhou para fora. Dezenas de policiais em capas de chuva vasculhavam o
gramado molhado, o holofote dos helicópteros piscando seu feixe amplo
sobre tudo, desde o nosso balanço antigo até o muro em ruínas em torno do
que costumava ser a horta da minha mãe.
— Nós realmente temos que fazer isso? Nós realmente temos que ir
embora? — disse meu pai através de seus dentes, apoiando uma mão sobre
a sua cabeça na parede perto da porta de seu quarto. Seu rosto estava pálido.
Eu vi seus olhos viajarem para um quadro emoldurado na parede
oposta. Uma foto profissional da minha família, tirada quando eu estava na
terceira série, Darcy estava na quinta, e minha mãe era jovem, bonita e
intocada pelo câncer. Ela sorriu de volta para ele, seu cabelo loiro brilhante,
sua maquiagem perfeitamente aplicada, sua gola rulê rosa favorita nítida e
inalterável. Estava todo esfarrapado nas extremidades, com manchas de
suor em todo o topo da gola e pequenos buracos desgastados na bainha, mas
ela se recusou a tirá-lo. Era a sua coisa favorita e ela não queria tirá-lo.
Meu coração lentamente rasgou ao meio. Eu desejei com todas as fibras
do meu ser, com todos os ossos do meu corpo, com cada grama do meu
sangue, que ela estivesse aqui agora. E eu sabia que ele estava pensando a
mesma coisa, também. Minha mãe saberia o que dizer, o que fazer. Minha
mãe teria dado conta.
— Olha, Sr. Miller — Messenger disse, seu tom calmo. — Esperemos
que não seja para sempre. Mas é a única maneira de manter a sua família
segura.
Meu batimento cardíaco martelava em meus ouvidos. Minha pele se
arrepiou. Meus pés coçavam para se moverem, para correr, para fugir. Meu
pai olhou por cima do ombro para nós, e nossos olhos se encontraram.
Temos que sair daqui, eu queria gritar. Por favor, escute-a. Por favor.
— Meninas — disse ele, sua voz rouca. — Façam as malas.
6 SAINDO DE CASA
Traduzido por Manoel Alves
o meu quarto, peguei minha mochila grande, a que eu geralmente
usava para o acampamento de ciência, e comecei a abrir as gavetas,
tirando as roupas de forma aleatória, e empurrando-as para
dentro.
Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Eu não podia
acreditar que o Sr. Nell tinha encontrado um jeito de passar pelo FBI e
entrar em minha casa. Que eu estava sendo forçada a deixar o único lar que
eu já tinha conhecido. A casa onde minha mãe tinha vivido. A casa onde ela
morreu.
Zangada, lágrimas encheram meus olhos, enquanto eu me movia para
os lados, aterrorizada. Pregado no espelho ao redor da minha mesa havia
dezenas de fitas azuis, vermelhas e amarelas, prêmios de ciência e
competições acadêmicas. No canto na minha mesa estava meu microscópio,
cercado por livros escolares, cadernos, slides e placas de amostras. Nada
disso iria comigo, obviamente, mas eu peguei o Manual Merck na minha
estante e joguei meu iPad na minha bolsa. Ele deslizou para fora e saltou
pelo chão.
— Não! — eu gritei, liberando toda a minha emoção em nome do meu
bem mais valioso. Ajoelhei-me para pegá-lo, meus olhos transbordando de
lágrimas quando eu verifiquei os arranhões. Virei-o, e ele piscou
alegremente à vida. Irracionalmente, eu ri e o levei até o meu peito, em um
abraço.
— Rory? — meu pai chamou. — Que diabos foi isso?
— Nada! Eu estou bem! — eu gritei de volta, minha voz embargada.
Por quê? Por que eu tive que ir pela floresta naquele dia? Por que o Sr.
Nell me escolheu? De repente, minhas lágrimas não paravam.
Apenas respire, Rory. Acalme-se e respire.
N
Sentei-me em meus calcanhares e, silenciosamente, recitei a tabela
periódica.
Hidrogénio, hélio, lítio, berílio, boro, carbono, nitrogênio, oxigênio,
flúor...
Recitação era um grande mecanismo calmante. Minha mãe me ensinou
quando ela estava doente, e isso me ajudou a passar por todas as visitas ao
hospital, as longas noites depois que ela voltava para casa e não havia nada
a fazer senão esperar pela morte dela. Isso me ajudou a aguentar ir ao
funeral e ao velório, e as mil noites aterrorizantes desde então, desejando
que ela estivesse aqui comigo.
— Rory! Onde está o meu jeans preto? — Darcy exigiu, aparecendo na
porta.
— O quê? Como eu poderia saber onde seus jeans pretos estão? — Eu
rapidamente empurrei meu iPad na mochila e virei de costas para ela,
enxugando os olhos com as duas mãos. Olhei para a foto de mim e minha
mãe no meu nono aniversário e tirei do meu armário. Eu não ligo para o que
Messenger disse. A foto iria comigo.
— Porque eu coloquei eles no meu armário esta manhã e agora eles
não estão lá.
Lancei à Darcy um olhar incrédulo. Ela sempre fazia isso, me acusava
de pegar coisas que eu nunca iria pegar dela.
— Como se seus jeans sequer coubessem em mim — eu respondi, com
a voz trêmula, recolhendo meu carregador e alguns pares de meias da minha
gaveta de cima. — Caso você não tenha notado, você não tem coxas.
— Bem, então onde diabos eles estão? — ela gritou.
— Eu não faço ideia! É realmente com isso que você está preocupada
agora? — eu gritei.
— Aquele é o meu jeans favorito! — ela gritou de volta.
— Meninas!
A agente Messenger tinha aparecido no topo das escadas.
— O quê? — nós duas gritamos para ela.
Então, meu coração afundou. Gritar com uma agente do FBI era,
provavelmente, uma coisa ruim.
— Vocês têm dois minutos — ela nos disse. — Se aprontem.
Então ela virou-se e entrou no quarto do meu pai, onde ele estava
ocupado batendo gavetas e tirando roupas dos cabides.
— Eu não acredito nisso — Darcy balbuciou, arrancando os cordões
de seu moletom. — Eu fiquei o ano inteiro ansiosa pela festa da Becky! Todo
mundo vai. Todo mundo! Mas adivinhe quem não vai estar lá em seus jeans
favorito? Eu!
Revirei meus olhos e respirei fundo. Ela estava apenas desabafando.
Apenas lidando, do seu jeito, com a situação. Se eu podia gritar com meu
iPad caindo no chão, ela poderia divagar loucamente sobre alguma festa
estúpida. Isso era tudo o que importava para ela, afinal de contas. Seus
amigos. Suas festas. Sua diversão.
Ela correu para o corredor e começou a descer as escadas. De repente,
houve um ruído alto seguido por um estrondo. Com o coração na garganta,
eu corri para fora do meu quarto.
— Filhoda...
Darcy estava esparramada na parte inferior da escada, a cabeça contra
o canto da cômoda pequena, onde nós jogamos as correspondências e tudo
o mais que não sabíamos o que fazer. Ela sentou-se e trêmula tocou a parte
de trás de sua cabeça.
— Você está bem? — eu exigi.
— Eu estou bem.
Ela retirou a mão. Seus dedos estavam manchados de sangue.
— Eu vou chamar o papai — eu disse.
— Não! Eu disse que estou bem — Darcy gritou, obrigando-se a ficar
de pé. — Eu vou verificar na lavanderia.
Ela deu um passo cambaleante, então se endireitou e desapareceu
virando em um corredor. Olhei por cima do ombro, surpreendida por meu
pai e Messenger não terem ouvido a sua queda. Mas então eu percebi que
eles estavam fazendo barulho suficiente para abafar qualquer coisa, ele
caminhava ao redor do quarto e ela falava alto sobre o barulho.
Lentamente, subi na ponta dos pés e fiquei perto da porta aberta, fora
de vista.
— Até quando vamos ter que ficar fora? — Eu ouvi meu pai perguntar,
fechando uma gaveta.
— Enquanto for preciso para encontrar esse cara e prendê-lo — disse
Messenger. — Por enquanto, vamos falar de logística.
— Tudo bem, certo — meu pai disse laconicamente. Ouvi um zip,
depois outra pancada. — Então fale.
— Assim que você e as meninas estiverem prontos, vamos trancar aqui
e ir embora — disse ela. — O carro que estamos disponibilizando para você
está estacionado na garagem. Tem um GPS programado com o seu destino
final, juntamente com um pacote de informações sobre suas novas
identidades, cartões de crédito, esse tipo de coisa.
— Novas identidades? — meu pai perguntou, incrédulo. — Isso é
realmente necessário?
— Será, se você precisar ficar escondido por mais de alguns dias —
respondeu ela. — Seus primeiros nomes permanecerão o mesmo, mas vocês
serão a família Thayer, de Manhattan.
Meu pai soltou uma risada triste.
— O que é tão engraçado? — perguntou a agente.
— Eu sempre quis viver na cidade, mas minha esposa não podia
suportar o barulho.
Eu nunca soube que meu pai queria isso. Ele sempre parecia o Sr.
Suburbano.
— Você sempre arranja novas vidas tão rápido? — ele perguntou.
— Ao lidar com um homem como Krauss, tentamos manter as nossas
bases cobertas. Criamos este plano de contingência, logo que soubemos do
ataque de Rory.
— Oh — meu pai disse, com raiva na voz. — Havia uma razão para
você não ter mencionado isso para mim antes?
— Eu estou dizendo a você agora — disse Messenger com calma. —
Não havia nenhuma necessidade de preocupar suas meninas mais do que já
estavam.
Houve uma longa pausa, seguido por outro zip.
— Tudo pronto, Sr. Miller? — perguntou Messenger.
— Você não quer dizer Sr. Thayer? — disse meu pai, pingando
sarcasmo em todo o lugar.
Meu rosto queimou. Por que ele não podia nunca responder a uma
pergunta normalmente? Por que tudo tinha que ser uma briga?
— Meninas! — disse o meu pai, entrando no corredor com uma velha
mala preta. Darcy voltou de cima com o capuz sobre a cabeça e seus jeans
pretos dobrados em seus braços. — Vocês estão prontas? — perguntou o
meu pai.
— Eu vou pegar minhas malas — Darcy respondeu, passando por ele
e entrando em seu quarto. Peguei minhas coisas e as juntei, justo quando
Darcy chegou na porta com a bolsa hobo em um ombro, a mochila sobre o
outro, a mala de rodinhas atrás dela, e seus fones de ouvido em seus ouvidos.
— Você vem com a gente? — eu perguntei à agente Messenger.
Ela balançou a cabeça. — Eu tenho que ficar aqui. Eu sou a especialista
em Krauss — disse ela, apontando para as luzes brilhantes de fora.
— Oh, ok — eu disse suavemente, um tremor de nervos percorrendo
através de mim.
— Eu preciso de seus celulares — disse Messenger, levantando a mão.
— O quê? Por quê? — Os olhos de Darcy estavam arregalados. Ela
era viciada em mensagens de texto. Eu tinha certeza que ela não poderia
imaginar a próxima hora sem o telefone dela, muito menos possivelmente
dias.
— Vocês não podem contatar ninguém — Messenger respondeu
quando eu entreguei o meu celular. — Se alguém souber onde vocês estão
indo, isso colocará não só vocês, mas eles próprios em perigo também. E
quando vocês chegarem onde estão indo, vocês não podem dizer quem vocês
realmente são, ou de onde vocês vieram ou por que vocês estão lá. Para sua
segurança e a deles.
Meu pai deu-lhe o seu celular. Darcy puxou o dela e começou a apertar
alguns botões. Messenger arrancou para fora de suas mãos.
— Ei! — Darcy gritou. — Eu estava apenas apagando algumas coisas!
— Não se preocupe. Eu não estava pensando em ler suas mensagens
de amor — a agente disparou de volta. — Agora vamos embora.
Seguimos Messenger descendo as escadas. Eu arranquei meu casaco de
chuva do gancho e me arrastei com a minha família para fora da porta da
frente, onde dezenas de carros da polícia estavam em silêncio, suas luzes
piscando. A chuva caía forte. Eu puxei meu capuz para cobrir meu cabelo.
Um grande SUV preto estava parado no centro da nossa garagem, suas
calotas cromadas brilhantes da chuva.
Meu pai estava estendo a mão para abrir a porta do lado do motorista,
quando o telefone de Messenger tocou. Todos nós congelamos. Talvez eles
tenham encontrado ele. Talvez a gente não tivesse que ir.
— Sim. Sim, eu entendo — disse Messenger. — Claro, senhor. Sim.
Estamos a caminho. — Ela empurrou o telefone no bolso e abriu a porta do
carro para o meu pai. Tanta esperança para isso. — Não parem até que vocês
estejam fora do estado — ela instruiu. — Não façam chamadas, não contem
a ninguém quem vocês realmente são, e mantenham suas novas histórias.
Alguma pergunta?
— Algum agente nos encontrará lá? — disse o meu pai.
Messenger balançou a cabeça. — Toda a nossa força de trabalho será
dedicada à caça desse homem. Vocês têm segurança máxima — eu sou
apenas uma de um punhado de agentes que sequer sabem onde esta casa
segura fica, e não podemos correr o risco de falar a sua localização. Eu vou
entrar em contato na próxima semana — mas eu espero trazer vocês para
casa antes. Algo mais?
— Não — disse ele. — Não, está tudo bem.
Mas havia medo por trás de seus olhos, e minhas mãos começaram a
suar. Eu não tinha visto meu pai parecer assustado desde que minha mãe
morreu. Triste, sim. Irritado, todos os dias. Mas com medo? Nunca.
— Bom — disse ela. — Agora peguem a estrada.
Ela virou-se, dobrou sua estrutura alta atrás do volante de seu carro, e
fechou a porta.
Por um longo momento, meu pai, Darcy e eu só ficamos lá. Tudo o que
eu queria fazer era voltar para dentro, rastejar na cama, e enterrar minha
cabeça sob os travesseiros. Era a nossa casa. Nossa casa. Eu vi minha irmã
e eu brincar de fazer chá na varanda quando éramos pequenas. Vi minha
mãe plantar flores ao longo da entrada da frente. Vi o meu pai me ensinar a
andar de patins na garagem. Vi o carro fúnebre chegando e levando minha
mãe para longe, no dia em que ela morreu. Vi meu pai chorando nos braços
da minha avó no degrau da frente. Havia lembranças terríveis nesta casa,
muitas que eu preferiria esquecer, mas havia uma grande quantidade de
boas, também. Meu coração apertou ao pensar em deixá-las todas para trás
— em deixar a minha mãe para trás.
Quando abri a porta de trás, vi Darcy enxugando os olhos. Ela entrou
após o meu pai e se encolheu. Alguns dos carros de patrulha saíram do
caminho para dar espaço à medida que andávamos com o carro. Meu pai
limpou a garganta e mudou a marcha no SUV, em seguida, dirigiu pela rua.
Quando chegamos na placa de pare no final da rua, eu me virei para dar uma
última olhada na fachada de tijolos da minha casa, meus dedos cavando o
assento de couro falso. Então, meu pai virou a esquina, e a casa desapareceu
atrás das árvores.
7 A EMOÇÃO
Traduzido por Manoel Alves
então ela estava fugindo. Não era do jeito que ele sempre fazia as
coisas, mas ele podia se ajustar. Ele poderia se adaptar. Essa era a
marca de um ser humano altamente desenvolvido.
Ele agachou-se no quintal dos vizinhos, atrás da casinha de brinquedos
infantis, e observou. Ele assistiu a irmã xingar baixinho quando ela abriu a
porta do carro. Assistiu o pai lutando com suas próprias emoções quando
ele assumiu o volante. Aqueles dois eram tão previsíveis. Ele quase os quis
matá-los primeiro. Para fazer isso por ela. Para livrá-la deles, antes que ele
pegasse o que precisava.
Então, ele a observou. A viu apertar o capuz por cima do cabelo lindo.
Viu seus cachos em seu assento. A viu olhar para sua própria janela do
quarto, sentindo saudade disso mesmo depois que ele o tinha invadido.
Ele esperou até que o SUV tinha saído da garagem e começou a descer
a rua. Então ele se levantou, sacudiu a água do seu chapéu de polícia, e
acendeu a lanterna. Ninguém olhou para ele quando ele caminhou em torno
do lado da casa, através das azaleias florescendo e por toda a passarela.
Ninguém piscou quando ele abriu a porta do carro da polícia em marcha
lenta. Ele sorriu e ligou o aparelho de som, então colocou o carro em marcha.
Ninguém fazia a menor ideia.
E
8 À SOLTA
Traduzido por Manoel Alves
s autoridades ainda estão vasculhando o estado atrás do serial
killer chamado Roger Krauss — disse o locutor de rádio em
sua voz nasal. — O homem que se acredita ter assassinado
quatorze meninas e atacou mais uma ainda está à solta...
Darcy apertar o botão DESLIGAR no rádio. Meu pai atirou-lhe um
olhar, que ela ignorou. Eu gostaria de saber se Christopher estava assistindo
ao noticiário. Se ele tinha tentado me ligar. Se na segunda-feira, quando eu
não estivesse na escola, ele iria perceber que eu tive que fugir. Se pelo menos
eu tivesse ligado para ele antes de achar o presente doentio que Steven Nell
havia deixado na minha cama, antes que Messenger tivesse tomado nossos
telefones. Eu teria dado qualquer coisa agora só para ouvir sua voz.
Eram quatro da manhã e nós dirigíamos sem parar por sete horas. Mal
tínhamos conversado, os únicos sons eram dos pneus vibrando ao longo da
rodovia; o rádio, que Darcy ligava e desligava de forma intermitente; e a voz
mecânica do GPS, que estava nos levando para a I-95 para o nosso destino
final na Carolina do Sul. As estradas estavam quase vazias, exceto por causa
de um sedan ocasional e alguma entrega de carga de um estado para o outro.
— Este deve ser o trecho mais chato da terra na América — meu pai
murmurou por entre os dentes, curvando sobre o volante enquanto olhava
para fora do para-brisa. A chuva tinha parado em algum lugar em Maryland,
e agora estávamos na Virgínia, cercados por um denso matagal de árvores
em ambos os lados da rodovia, dividindo-nos do tráfego norte e das terras
a oeste. Parecia que o cenário não mudava há horas.
Meu corpo estava pesado. Eu vinha lutando para me manter acordada
— com medo dos pesadelos que eu sabia que iriam me atacar assim que eu
fechasse meus olhos — mas era uma batalha perdida. Eu vinha observando
com os olhos turvos as saídas das estradas, uma a uma, contando os
quilômetros que estávamos colocando entre nós e o lugar onde o Sr. Nell
—A
tinha me atacado. Cada quilômetro fazia eu me sentir mais segura, mais
calma, até que minha respiração ficou firme e minhas pálpebras caíram no
momento em que senti o sono me atingir.
* * *
Uma buzina soou alto, e meus olhos se abriram. O carro foi
subitamente inundado de luz. Eu virei no meu assento. Um enorme
caminhão estava caindo em cima de nós, seu brilho tão ofuscante que eu mal
conseguia distinguir a forma quadrada da cabine. Meu coração deu uma
guinada em minha garganta, e meu pai sentou-se ereto, olhando para o
espelho retrovisor.
— O que esse idiota está fazendo?
Uma buzina soou alto novamente e eu gritei.
— Que diabos? — Darcy virou em seu assento e apertou os olhos,
levantando a mão para bloquear a luz. — Apenas ultrapasse, imbecil! — ela
gritou.
— Darcy! — meu pai gritou. — A língua!
E, em seguida, o caminhão nos acertou por trás. Agora nós três
gritamos. Meu pai desviou, e houve um guincho de pneus.
— Oh meu Deus, é ele. É ele! — eu chorei, curvando-me para frente,
com a cabeça entre as mãos e a testa nos joelhos. Em minha mente, imaginei
Steven Nell ao volante do caminhão, os lábios finos escancarados para
revelar dentes amarelados, enquanto ele se abatia sobre a minha família.
O caminhão bateu em nós de novo, e minha cabeça foi para frente.
Imaginei suas mãos violentamente agarrando o volante, as olheiras feias sob
os olhos sádicos, a camisa xadrez e a jaqueta de veludo horrível que ele
estava usando na floresta quando desapareceu.
— Não é ele, Rory — meu pai disse, parecendo em pânico. — É um
bêbado que não sabe o que está fazendo.
O motor do caminhão estava tão barulhento no meu ouvido que eu
poderia jurar que estavam sob o capô do reboque do caminhão. Outra batida.
O carro deu uma guinada. Meu pai xingou quando ele lutou com o volante.
— O quê!? — Darcy gritou, com uma mão apoiada no painel. — O que
é isso?
— Nosso para-choque está preso em seu caminhão.
De repente, o caminhão acelerou novamente, e nosso carro começou a
acelerar fora de controle em direção a uma placa de saída verde se
aproximando. Meu estômago afundou. Era isso. Nós iríamos morrer. Minha
família ia morrer.
— Pai! O que você está fazendo? — gritou Darcy.
— Não sou eu! É ele! — meu pai gritou, com as mãos fora do volante.
— Pai! Faça alguma coisa! Faça alguma coisa! — eu gritei.
Mas já era tarde demais. Houve um terrível chiado, emitido por cima
do som de pneus queimando no pavimento. Então nós estávamos girando.
A força me jogou contra o lado do veículo. Meu crânio bateu na janela. Tudo
estava estremecido. Tudo doía. Meu ombro. Meus joelhos. As minhas
costelas. Meu coração. O carro girou novamente, sacudindo minhas
entranhas. Senti algo puxar meu peito, puxar meu espírito. Como se eu
estivesse tentando flutuar para fora do carro para o éter, tentando escapar
do que estava acontecendo. Por uma fração de segundo, eu estava pairando
fora do meu corpo, olhando para baixo, vendo a mim mesma se acovardar.
Então, virei mais uma vez, e eu senti o corte do cinto de segurança em
minhas coxas. Os gritos de Darcy ficaram mais altos, aflitos, desesperados.
E então, de repente, paramos. Houve outro rugido ensurdecedor do motor,
e o som de pneus quando o caminhão saiu para a noite. Então tudo ficou
dolorosamente, estranhamente silencioso.
9 ACABADO
Traduzido por Matheus Martins
eninas? Meninas! — Os olhos do meu pai se arregalaram
enquanto ele lutava com o cinto de segurança.
Meu estômago se revirava de dentro para fora, em
chamas, tentando rasgar-se do meu corpo. Eu desfiz o meu cinto e me
dobrei, tentando recuperar o fôlego.
— Pai? — Darcy resmungou. Virei o rosto e olhei para cima. Ela
continuava vesga enquanto tentava se concentrar e quando ela finalmente
fechou os olhos, esfregou-os, em seguida, abriu-os novamente. Ele estendeu
a mão para tocar seu rosto, virando sua cabeça para trás e para frente
lentamente enquanto ela piscava para ele.
— Estou bem — ela murmurou.
— Rory? — meu pai disse.
— Estou bem — eu engasguei. — Eu acho. — Lentamente, comecei a
me sentar, com a mão sobre minha barriga. A dor ainda estava lá, mas eu
era capaz de tomar uma respiração profunda sem passar mal.
O caminhão tinha nos empurrado para fora da estrada, e tínhamos
vindo parar em um aterro íngreme coberto de grama, a poucos metros do
concreto da saída da estrada. A rodovia aparecia em cima, fora de vista e
tranquila.
Meu pai engoliu tão forte que pude ouvir o gole. Ele abriu a porta com
um rangido agudo.
— Fiquem aqui.
— Espera! Aonde você vai? — eu soltei, agarrando seu ombro sobre o
encosto da cadeira.
— Eu vou ver se ainda temos um para-choque — disse ele
severamente, deixando claro que era duvidoso. — Eu preciso ver se ainda
podemos dirigir o carro.
— Mas...
—M
— Mas o quê? — disse ele, impaciente.
— E se ele ainda estiver lá fora? — eu perguntei em voz baixa. — E se
ele estiver apenas esperando...
— Não era Steven Nell, Rory — meu pai disse suavemente.
Meus olhos ardiam com lágrimas quentes que eu mal conseguia
segurar.
— Como você sabe?
— Ele está certo — disse Darcy, girando em seu assento. — Se fosse
ele, ele teria nos rondado para ter certeza de que o trabalho foi feito, certo?
Você ouviu alguma coisa? Você está vendo o caminhão?
Eu engoli um soluço que estava alojado na minha garganta e olhei em
volta. Estava muito escuro para ver muito além do muro denso de árvores,
mas a saída da estrada estava silenciosa. Até mesmo a rodovia estava imóvel.
— Ok — eu disse, minha voz embargada. Limpei a garganta e olhei
para o meu pai. — Ok.
Ele desligou o motor, colocou as chaves no bolso, e saiu. Eu pressionei
meu nariz na janela, tentando vê-lo, mas não havia nada fora das janelas.
Nada além de escuridão.
— Darcy, você está vendo o papai? — eu disse com urgência.
— Tenho certeza que ele está bem — disse ela, roendo sua unha
pintada de prata.
Um minuto se passou. Em seguida, outro. Meu coração batia
dolorosamente.
— Porque ele está demorando tanto?
Darcy deu de ombros e foi abrir a porta.
Disparei para frente. — Não vá lá!
— Rory. — Minha irmã me nivelou com um olhar controlador. — Está
tudo bem. Eu só vou dizer a ele que queremos dar o fora daqui.
— Não — eu disse, balançando a cabeça. — Algo não está certo.
E foi aí que eu ouvi. Um baixo assobio fúnebre, claro como o dia.
Era a música “The Long and Winding Road” dos Beatles.
— Darcy — eu engasguei.
Os olhos de Darcy se arregalaram, e ela sentou-se em linha reta.
— Oh meu Deus — ela arfou. — O Sr. Nell sempre assobiava isso nos
corredores.
Ela estendeu a mão para o lado do motorista e acendeu os faróis com
um estalo decisivo. O brilho amarelo dos faróis capturaram o ar enevoado,
iluminando a extensão do gramado ao lado do aterro, o emaranhado de
árvores, e...
Eu respirei fundo, piscando rapidamente. Isso não poderia... isso
simplesmente não poderia ser.
— Esse é... o papai...? — Darcy disse, sua voz quase um sussurro.
Nosso pai estava no meio da saída da estrada, com o pescoço dobrado
em um ângulo antinatural. Sua boca congelada aberta em um grito. Seus
olhos mortos olhando diretamente para nós.
Antes que eu pudesse processar o que eu estava vendo, antes que eu
pudesse colocar um nome no que estava acontecendo, uma pedra veio
cambaleando pelo para-brisa de trás do SUV, quebrando o vidro e me
pulverização com detritos.
Darcy e eu gritamos.
Estava acontecendo de novo. De novo. De novo. De novo. Só que desta
vez Darcy estava comigo. E meu pai... Eu movi minhas unhas em minhas
coxas, desejando que eu mesma agisse. O Sr. Nell estava lá fora. Meu pai
estava morto. E em segundos, estaríamos mortas também. Era hora de agir.
— Darcy, nós temos que ir. Agora — eu disse através dos meus dentes,
empurrando minha porta para abrir.
Ela não se moveu. Meus pés tocaram o chão, e corri ao redor do carro
para o lado dela.
Não olhe, eu me ordenei, angulando o meu olhar para longe do meu pai.
Abri a porta do lado do passageiro e puxei Darcy do assento.
— Vamos — insisti, mas Darcy ficou ali sentada, com uma expressão
horrorizada no rosto.
— Darcy! Temos de correr, você está me ouvindo? — eu disse,
segurando suas mãos. — Corra!
Finalmente, minha irmã rompeu-se do foco. Ela agarrou meus dedos e,
juntas, corremos em direção ao matagal de árvores que separavam o tráfego
sul das pistas sentido norte.
— Temos que chegar do outro lado da estrada — eu disse a ela através
de suspiros para respirar, um plano cristalizando no meu cérebro. Nosso
lado da rodovia estava imóvel — mas talvez houvesse carros indo para o
norte. — Temos de acenar para um carro.
Darcy assentiu, acompanhando-me passo a passo.
Os bosques pressionavam espessamente ao nosso redor. Não estava
chovendo mais, mas gotículas gordas da chuva de mais cedo pingavam das
folhas em cima, estatelando sobre meus ombros e cabelos. Minha respiração
estava entrecortada em meu peito. Galhos rasgavam nossas peles, tatuando
nossa carne com marcas vermelhas de raiva. Eu olhei rapidamente para trás,
e um galho de árvore estalou em minha bochecha. Instintivamente, minha
mão foi para o meu rosto. Quando eu puxei-o para longe, estava pegajoso
de sangue.
— Rory Miller — uma voz familiar e doente chamou. — Para onde
você foi?
Os sons de passos trovejavam atrás de nós, do nosso lado, na nossa
frente. Eles estavam por toda parte e em lugar nenhum, saltando fora das
árvores com o mesmo eco desencarnado como a voz.
— Rory — Darcy disse ofegante, com os olhos arregalados. — E se
ele nos pegar?
— Ele não vai! — eu insisti.
Pensei em minha primeira corrida corta-mato na quinta série. No rosto
sorridente da minha mãe, já magra pelos tratamentos, enquanto ela
esperava por mim na linha de chegada. Eu tinha diminuído meus passos
enquanto o marcador final vinha à vista, deixando a pessoa a alguns passos
atrás de mim me passar e se afastar. Eu não queria ser o centro das atenções,
desde então. Eu queria as sombras. Eu não corria para ganhar. Corria para
libertar minha mente.
Mas agora eu tinha que ganhar. Tínhamos que vencer. Porque se nós
não o fizermos, se não fugirmos, se deixarmos o medo tomar conta,
perderíamos tudo.
Uma árvore enorme apareceu na frente, e Darcy soltou o aperto em
minha mão para que pudéssemos correr em ambos os lados da mesma. Eu
corri para frente, mas quando eu estendi a mão para pegar a mão dela mais
uma vez, tudo o que eu peguei foi o ar.
— Darcy — eu sussurrei, não abrandando o meu ritmo enquanto eu
olhava ao redor. — Onde você foi?
— Rory? — uma voz fraca chamou.
— Darcy!
— Rory? — a voz veio novamente.
Eu parei e me virei. A área arborizada que dividia a estrada era muito
maior do que eu esperava, e eu estava em uma clareira com cerca de vinte
metros de largura. Houve uma pausa nas nuvens, revelando uma meia-lua
perfeita pendurada no alto.
— Darcy — gritei, de repente, não me importando se isso chamasse o
Sr. Nell para mim. Eu tinha que encontrar a minha irmã. — Darcy! Onde
você está?
Aves decolaram de uma árvore acima. Um esquilo correu pelos meus
pés. Um gemido suave soou à distância. Minutos pareceram horas quando
eu me virei ao redor, à procura de Darcy.
Então eu vi.
Um dedo longo e pálido em um emaranhado de arbustos baixos e
galhos. A unha era pintada de um prata cintilante que brilhava a luz do luar.
— Não — eu sussurrei, meu sangue fluindo como gelo nas minhas
veias. — Não, não, não.
Lentamente, muito lentamente, eu cortei através da clareira. Folhas
mortas estalavam sob meus pés. Um galho estalou. Agulhas de pinheiro
caídas farfalhavam como lixa em madeira, e uma coruja piou ao longe. Então
logo alcancei a mão. Com o coração na minha garganta, eu puxei de trás dos
arbustos. Um soluço alto escapou dos meus lábios.
Minha irmã — minha linda irmã — estava bem ali. Ela estava de
bruços, com os braços sobre a cabeça como se tivesse sido derrubada prestes
a mergulhar em uma piscina. Seu cabelo escuro se espalhara em todos os
ângulos, escondendo seu rosto — mas não o corte profundo na parte de trás
de seu crânio.
— Oh Deus, oh Deus.
Pânico inchou dentro de mim assim que eu agarrei seu pulso. Sua pele
ainda estava quente, mas quando eu tateei o pulso dela, meu coração se
despedaçou. Não havia nada. Nada. Lágrimas escorriam pelo meu rosto,
misturando-se com o sangue no cabelo emaranhado da minha irmã. Darcy,
a menina que usou um tutu por um ano inteiro, que tinha chutado Grant
Sibley quando ele puxou minha trança na quarta série, que às vezes tinha
me provocado até eu chorar, mas que eu amava desesperadamente, estava
morta. Assim como o meu pai.
A minha família, todo mundo que eu amava, tinha morrido.
— Rory Miller... — uma voz desencarnada sussurrou atrás de mim.
Eu me virei. Uma figura estava ali, encapuzada e escurecida, uma
sombra ganhando vida.
Steven Nell.
Ele usava a jaqueta de veludo cor de canela horrível sobre uma camisa
azul escura. Seus óculos de aros de arame brilhavam à luz do luar, e ele
segurava uma longa faca em uma mão e uma pedra sangrenta na outra. Seu
nariz era plano onde eu tinha quebrado ele, as maçãs do rosto afiadas, e seus
olhos azul-gelo se estreitaram para mim.
— Sentiu minha falta? — ele sorriu afetadamente.
Bile subiu na minha garganta.
— Você matou a minha irmã — eu assobiei, raiva e tristeza lutando
dentro de mim. — Você matou o meu pai.
O Sr. Nell sorriu.
— Eu não teria que ter feito isso se você tivesse apenas vindo comigo.
Mas você não joga pelas regras. — A faca de prata ao lado dele brilhou. —
Você vai ser uma boa menina agora e se comportar?
Se eu seria uma boa menina? Ele estava falando sério?
Adrenalina correu através de mim, e eu soltei um grito selvagem. Eu
vi o olhar assustado em seus olhos pouco antes de eu bater nele, como se ele
não esperasse que eu lutasse. Como se ele pensasse que eu era apenas uma
garota dócil que tinha tido sorte em Nova Jersey. Como se eu fosse
simplesmente aceitar que ele matasse a minha família, que ele tivesse
tomado tudo o que eu tinha como se não fosse nada mais do que apagar uma
vela. Como se eu fosse ser sua décima quinta menina depois de tudo.
Décima sexta, uma voz mecânica disse na minha cabeça. Ele já tinha
matado Darcy.
Meu joelho bateu em sua coxa com um estalo alto. Ele soltou um grito
de dor, mas eu não senti nada, exceto a raiva que corria através de mim
como lava derretida. A faca escorregou da sua mão, pousando com um baque
suave no chão aos nossos pés. Ele agarrou meu ombro, mas eu abaixei,
dando uma cotovelada no seu estômago.
Ele engasgou, soltando um oof alto, e caiu.
Antes que eu pudesse me mover, sua mão envolveu o meu tornozelo.
Ele deu um puxão forte, e eu me senti cair para trás. Eu chutei forte, batendo
meus membros, e meu pé esquerdo enganchou em algo assim que minhas
costas bateram no chão. Ouvi um ruído e olhei para cima para ver o Sr. Nell
agachado com as mãos sobre o rosto. Com satisfação sombria, eu percebi
que eu requebrei seu nariz.
— Sua vadia — ele gaguejou, o sangue escorrendo pelo rosto. Tentei
chutá-lo novamente, mas ele pegou meu pé e torceu-o, com força. Senti algo
estourar na minha perna, e dor explodiu pelo meu corpo. Ele me prendeu e
empurrou seu joelho contra minhas costelas, me pressionando contra o
chão. Um momento depois, duas mãos ásperas fecharam-se ao redor do meu
pescoço e apertaram.
Engoli em seco, tensa, minhas mãos puxando a sua para tentar me
libertar de suas garras, mas ele era muito poderoso. Seus olhos azuis
perfuraram os meus, e uma gota de sangue de seu nariz quebrado pingava
sobre a minha bochecha.
— Eu disse que eu teria você — disse ele com um sorriso. Suas palavras
eram quentes e doentes de amor. — Eu disse a você. — Ele apertou com
mais força.
Pontos cinza formaram-se na borda da minha visão. Agarrei o chão,
tentando me segurar, e minha mão sentiu algo frio, metálico.
A faca. Meus dedos se fecharam em torno do punho. Reunindo toda a
minha força restante, eu arqueei a faca e enfiei a lâmina em suas costas.
Ele soltou um rugido alto e saiu de cima de mim.
Oxigênio correu em meus pulmões, e eu rolei sobre o meu lado,
engolindo avidamente. O Sr. Nell contorceu seu corpo e puxou a faca em
suas costas. Apenas a ponta estava vermelha. A ferida não era profunda —
minha pouca força não tinha adiantado para isso.
Uma dor rasgou através de mim enquanto eu estava lá, olhando para o
meu pretensioso assassino. Minha perna latejava, meu pescoço estava
sensível e a inspiração enviava agulhas para o meu peito; o Sr. Nell tinha
quebrado minhas costelas quando ele se ajoelhou em mim.
Mas eu ainda tinha uma perna boa, meus braços, e minha raiva.
Quando Steven me atacou novamente, com a faca na mão, eu estava
pronta para ele. Um segundo antes de ele me alcançar, eu balancei minha
perna direita e disparei nele, em seguida, prendi minhas pernas nas dele. Foi
uma agonia, mas eu segurei.
O movimento era algo meio Darcy, e eu tinha feito quando estávamos
habituadas a jogar Crocodile no nosso quintal quando éramos pequenas.
Nossas pernas eram as mandíbulas, e nós derrubávamos uma a outra e os
nossos amigos quando eles tentavam saltar por cima de nós.
E, assim como os nossos amigos, Steven caiu em cima de mim, com as
pernas presas na minha. Ele torceu, tentando ficar em pé, mas caiu,
aterrissando com força em suas costas, a mão direita batendo no meu
estômago, enquanto a esquerda caía inutilmente contra o chão. Eu
engasguei com o impacto, e ele soltou um gemido baixo, o vento o
nocauteando.
— Eu disse que eu ia pegar você — ele rosnou mais uma vez, um
pequeno sorriso em seus lábios sangrentos.
Eu pisquei, confusa. Mas enquanto eu lutava para me sentar, uma dor
aguda atravessou meu abdômen. Foi então que eu percebi que a faca ainda
estava na mão de Steven — e essa lâmina estava enterrada no meu
estômago. Apenas o cabo era visível, e tudo ao redor daquilo foi ficando
escuro, numa mancha crescente. Notei com um desprendimento ímpar que
era a mesma tonalidade exata da rosa vermelha que Steven tinha deixado na
minha cama.
Ele estava certo. Ele tinha me pegado. Ele tinha pegado o meu pai, e
então Darcy, e agora a mim. Desta vez, enquanto eu estava lá com as árvores
verdes me circulando, a minha vida ficou passando diante de meus olhos. Vi
o rosto risonho da minha mãe quando nos sentamos à mesa de jantar. O
sorriso orgulhoso do meu pai quando eu ganhei o primeiro lugar na feira de
ciências. O piscar de olhos verdes de Darcy quando ela sorrateiramente
pegava uma colher extra de sorvete. O doce sorriso de Christopher antes de
me beijar.
O Sr. Nell tinha vencido.
Ou não tinha? Eu envolvi minhas mãos em torno do punho da faca,
todo o meu corpo em chamas. Eu tinha estudado o suficiente de biologia
para saber que a única coisa me impedindo de sangrar era a faca, e que a
remoção seria a última coisa que eu faria.
A segunda última coisa, eu jurei.
Olhei para Steven, com as pernas presas nas minhas, seu torso
espalhado no chão da floresta enlameada. Seus olhos estavam fechados por
trás de seus óculos rachados, com aros de metal, e ele estava deitado de
costas, respirando ruidosamente através de seus dentes quebrados. Sua
jaqueta de veludo cor de canela estava manchada com sujeira e sangue, as
abas abertas, expondo sua camisa de flanela rasgada — e seu coração.
Rangendo os dentes, eu puxei a faca do meu estômago. Mal registei a
dor, mas eu estava muito perto do fim de sentir qualquer coisa, além da
minha necessidade de vingança.
Os olhos de Steven se abriram agitados. Suas pupilas estavam enormes
e tão negras quanto sua alma. Então a lua saiu de novo, derramando luz
sobre nós, e tudo que eu podia ver era o meu próprio reflexo nas lentes de
seus óculos. Minhas mãos levantaram a faca. Meu sangue escorreu na
lâmina de metal. Um sorriso sombrio apareceu em meus lábios enquanto eu
descia com força, direto sobre o coração de Steven.
Quando isso foi feito, eu me deitei de novo, exausta, encarando o céu
negro.
— Rory — uma voz gritou de algum lugar. — Rory!
De repente, eu acordei no banco de trás do nosso novo SUV, um grito
entalado na minha garganta. A mão de Darcy agarrou a frente do meu
suéter.
— Shhh! Papai está dormindo — ela sussurrou, me liberando e
torcendo para trás em seu assento ao lado do meu pai. — Você estava tendo
um pesadelo.
— Um pesadelo?
Eu balancei minha cabeça, meu coração batendo descontroladamente.
Minha camiseta estava agarrada à minha volta em manchas de suor e meu
pescoço estava molhado debaixo da minha trança. Corri minhas mãos sobre
o banco e sobre o meu corpo, tocando em qualquer coisa real para provar
que o que eu tinha acabado de experimentar era nada mais que um sonho.
Meu corpo estava inteiro. Minha irmã, muito viva, estava olhando para
mim, e no meu colo tinha o envelope contendo a história de Nick, Darcy e
Rory Thayer, que não era muito diferente da nossa história real. Exceto
pelo fato de que nós viemos de Manhattan e que o meu pai era um professor
particular em vez de um professor de literatura na Universidade de
Princeton.
Eu inspirei e expirei lentamente, tentando me acalmar e me orientar.
— Onde estamos agora? — eu pressionei minha testa contra a janela,
o vidro frio me trazendo totalmente de volta à realidade. O carro estava
cercado pela névoa, e meu pai estava roncando atrás do volante. Uma buzina
de neblina soou e eu percebi que o motor não estava nem ligado. Eu olhei
para fora da janela e vi o espelho lateral de outro carro a poucos centímetros
de distância, sem se mover. Nós estávamos em uma balsa, assim como aquela
que tínhamos pegado quando fomos para o casamento da minha prima Talia
em Massachusetts.
Darcy deu de ombros.
— Não tenho ideia. Eu acabei acordando porque você estava gritando.
— Nós paramos desde o acidente? — perguntei.
— Que acidente? — perguntou Darcy, franzindo a testa confusa.
Eu hesitei. — O acidente na saída, na Virgínia.
Darcy olhou para mim como se eu fosse uma louca. — Rory, você
desmaiou na Virgínia. Não houve acidente.
Não houve acidente. Conforme as palavras de Darcy me atingiam, deixei
escapar um suspiro de alívio.
— Graças a Deus.
Darcy revirou os olhos. — Ok, se você já acabou de pirar, eu vou
dormir um pouco mais.
Eu balancei a cabeça fracamente, retirando meu iPad e clicando sobre
a minha cópia de O Imperador de Todos os Males. Eu estava com muito medo
de voltar a dormir, no caso de eu começar a sonhar novamente. Mas
enquanto eu olhava para a tela brilhante, um leve sorriso cruzou meus
lábios. Nós estávamos em uma balsa para uma casa segura. Estávamos
vivos. E nós estávamos longe, muito longe de Steven Nell.
10 JUNIPER LANDING
Traduzido por Matheus Martins
eu pai e Darcy agitaram-se conforme o nevoeiro começava a se
levantar. À minha direita havia água escura azulada e ondas com
cristas de espumas tanto quanto o olho pudesse ver. Houve um
barulho e um grito diretivo, seguido por outro e outro. A balsa estava
ancorada.
— Já chegamos? — Darcy perguntou com um bocejo, olhando pela
janela.
Meu pai piscou o sono dos olhos e estendeu a mão para o GPS. Ele
soltou um bipe duplo alto e piscou à vida. A tela branca exibiu a mensagem
que ninguém nunca queria ver: SEM SINAL.
À nossa frente, a rampa para o carro estava abaixada. Um homem em
uma camisa pólo azul com um cisne branco bordado no bolso do peito nos
acenou na frente. Meu pai ligou o motor e endireitou-se, limpando a
garganta.
— Acho que estamos prestes a descobrir.
Ele nos levou para fora da balsa, descendo a rampa para um pequeno
estacionamento, onde um homem estava distribuindo mapas. Meu pai abriu
a janela para tomar um ar, e uma brisa quente e salgada do mar fez cócegas
na minha pele. Apertei o botão para a minha própria janela, também,
respirando o ar fresco que me cercava. Lá fora, as gaivotas crocitavam e um
sino em uma boia soou.
Assim que meu pai entrou em uma vaga de estacionamento para olhar
para o mapa, eu assisti os passageiros desembarcando para a passarela de
pedestres. Eram em sua maioria crianças da minha idade e adultos mais
jovens, com algumas pessoas de meia-idade e idosos apimentados. Eu vi dois
caras de mãos dadas, a definição de os opostos se atraem. O cara mais alto
tinha a pele escura e cabelo escuro e usava uma camisa estampada apertada
e um chapéu de palha descolado, enquanto seu namorado tinha cabelo loiro-
M
branco e sardas, e usava uma camisa pólo verde sobre o short. Mas quase
todo mundo parecia estar sozinho, perdido em seus próprios pensamentos.
Sentei-me um pouco mais reta quando notei uma placa de madeira esculpida,
que era pintada de azul escuro no fundo, as palavras escritas em letras
brancas destacadas:
BEM-VINDO À JUNIPER LANDING
Acima da mensagem havia um cisne de madeira, inflando seu peito com
orgulho, suas asas para trás e sua cabeça erguida.
— Rory, os panfletos que Messenger nos deu tem um endereço? —
perguntou meu pai, virando o mapa para cima.
Eu folheei os papéis em meu colo e encontrei um pequeno cartão na
pasta de bolso com uma chave da casa grudado nele.
— Sim. Rua Magnolia, número noventa e nove.
Meu pai deixou cair um dedo no mapa. — Aqui — disse ele. — Na
praia.
— Legal — comentou Darcy, colocando um par de óculos de sol.
Meu pai saiu do estacionamento e dirigiu-se lentamente para a cidade.
Os prédios eram amontoados todos juntos, suas telhas de madeira eram
resistentes e cinza, a ornamentação branca em torno de suas janelas estava
estilhaçada em alguns lugares. Havia varandas de tábuas; brilhantes, birutas
com temas de praia eram balançadas pela brisa; e pranchas de surf
encostadas nas portas. Pelo menos uma dúzia de bicicletas estavam
estacionadas por toda parte, nenhuma delas presa, e quando nós passamos
por um açougue, ouvi cinquenta músicas piegas tocando em um alto-falante
velho e rachado. Cada janela tinha uma caixa de flor, e cada local de trabalho
tinha uma placa pintada à mão e um toldo colorido.
Passamos por tudo, desde uma padaria a uma loja de roupas de banho
até um estande de esquina que vendia óculos de sol. Isso na verdade me fez
lembrar de Ocean City, onde alugávamos uma casa por uma semana todo
mês de agosto. Definitivamente era um destino de férias, o que explicaria
todos os jovens solteiros na balsa. Eles provavelmente vinham do
continente todas as manhãs para o trabalho. Um lugar como este tinha que
estar bombando no verão.
A estrada se abriu em uma praça da cidade e um bonito parque com um
cisne numa fonte de pedra que jorrava água no ar. Um cara com dreads
compridos e um gorro estava no centro de uma das passarelas
entrecruzadas, cantando “One Love”. Ele tinha um violão vermelho,
amarelo e verde, que parecia que tinha tido dias melhores, e a case do seu
violão estava aberta no chão na frente dele. Ele se manteve o tempo todo
tocando com o pé descalço.
— Está longe de abraçar o estereótipo, cara — disse Darcy baixinho.
Acima de sua cabeça, amarrada de poste a poste, havia uma grande
placa azul que dizia EXIBIÇÃO ANUAL DE FOGOS DE ARTIFÍCIO DE JUNIPER
LANDING! SEXTA-FEIRA, AO PÔR DO SOL!
Eu me virei quando passamos pelo Departamento de Polícia de Juniper
Landing, querendo solidificar a localização do pequeno prédio de tijolos na
minha memória, só por precaução. À distância, eu podia distinguir os dois
principais pontos de uma ponte acima das nuvens brancas flutuando no
nevoeiro, que ainda pairavam sobre a água.
— Por que não pegamos a ponte? — eu perguntei, sentando-me para
frente novamente.
Parando em uma placa de pare, meu pai olhou no retrovisor, então se
virou para olhar por cima do ombro.
— Porque o GPS nos levou até a balsa — disse ele, impaciente.
Meu rosto queimou. Eu estava tão cansada do tom humilhante do meu
pai que eu poderia ter gritado. Mas, é claro, eu não disse nada. Como sempre.
Nós começamos a nos mover novamente. Duas meninas caminhavam
na calçada e olharam para o nosso carro como se estivessem tentando ver se
havia alguém famoso no interior. Uma delas, uma garota alta, de aparência
confiável, com cabelo vermelho encaracolado, olhou nos meus olhos e não
desviou o olhar. Ela segurou o meu olhar até que eu finalmente me senti tão
desconfortável que eu virei minha cabeça e fingi tossir.
— Oh meu Deus, olha só aquele moreno-alto-e-bonito! — Darcy
assobiou.
Ela inclinou-se para frente em seu assento quando passamos pela Loja
de Departamentos Juniper Landing, que tinha um toldo listrado azul e
branco, um par de mesas de fio branco do lado de fora, e uma grande placa
na janela anunciando o serviço de café da manhã e de almoço, bem como o
MELHOR SORVETE CASEIRO DA ILHA. Um cara de cabelos escuros,
de ombros largos, de queixo quadrado estava encostado à janela com um pé
pressionado no vidro. Ele estava casualmente lançando uma moeda que
brilhava ao sol, o que lhe dava a aparência de ouro ou bronze, e rindo de
algo que a menina loira ao lado dele tinha dito. Sua risada foi carregada
através da estrada.
Do outro lado dele havia um cara com cabelo loiro comprido, maçãs do
rosto acentuadas, e olhos azuis tão marcantes que eu podia vê-los mesmo
desta distância. Suas mãos estavam cruzadas atrás das costas, os cotovelos
para fora, e ele estava olhando para o nosso carro. Enquanto eu olhava, ele
cutucou o menino de cabelos escuros e ele olhou para nós, também. Então a
menina loira também, em seguida, a menina asiática pequena ao lado dela,
em seguida, os outros três adolescentes sentados em uma mesa próxima.
Eles simplesmente pararam de falar e olharam.
Darcy sentou-se imediatamente para trás e olhou para frente, tentando
parecer legal, mas eu não conseguia tirar os olhos do cara loiro. Seu olhar
estava travado no meu, muito parecido com o que aconteceu com a ruiva na
calçada. Mas de alguma forma, isso era diferente. Ele estava olhando para
mim como se me conhecesse. Como se já nos conhecêssemos. Mas também
como se ele estivesse triste em me ver.
Meu coração começou a bater de uma forma totalmente nova. Como se
eu estivesse à beira de alguma coisa, mas eu não sabia se era algo bom ou
algo ruim.
— Deus. Ele é literalmente o cara mais gostoso que eu já vi — disse
Darcy quando meu pai virou o carro em direção a uma curva na estrada. —
Talvez essa coisa toda de fugir de Princeton não tenha sido a pior ideia de
todas.
Eu não lhe respondi. Em vez disso, eu me virei em meu banco para
olhar para a multidão mais uma vez. Eles ainda estavam olhando. E eles
continuaram encarando fixamente até que finalmente descemos a colina e
ficamos fora de vista.
11 PRESA
Traduzido por Matheus Martins
erfeição. Este lugar era a perfeição. A cidade das férias. Moradores
de cidades das férias eram blasés por natureza. Eles nunca tomavam
conhecimento de um rosto estranho, porque cada rosto era estranho.
E lugares como este eram notórios por sua força de polícia descuidada —
indivíduos mal treinados que não tinham ideia de como lidar com qualquer
coisa mais urgente do que filhos perdidos e brigas de bêbados na praia. Sem
mencionar o fato de que era uma ilha. Uma ilha com, na medida em que ele
era capaz de discernir, apenas duas possíveis rotas de volta para o continente
— uma balsa com uma programação esporádica e uma ponte no extremo
norte, uma boa meia-hora de carro até a cidade.
Ela não iria escapar dele. Ela estava presa. Ele não poderia ter pedido
ao FBI para enviar Rory Miller e sua família para um local mais oportuno.
Ele teria que se lembrar de enviar um cartão de agradecimento quando
isso acabasse.
P
12 SENSAÇÃO FAMILIAR
Traduzido por Matheus Martins
lhei pela janela enquanto o meu pai parava na frente de uma bela
casa branca com janelas azuis, uma enorme varanda na frente, e
uma cerca branca. Um chorão pairava sobre a calçada, e o jardim
estava cheio de lírios alaranjados e equináceas roxas. Atrás da casa, o oceano
se estendia em direção ao horizonte distante. A água era verde brilhante
perto da costa arenosa e aprofundava para o azul marinho além da
rebentação.
— Então é isso? — eu disse com ar de dúvida. Eu estava imaginando
um prédio cinza deprimente com três camas e um chuveiro. Talvez o
governo tivesse mais empatia do que eu pensava. Talvez eles imaginassem
que se você estivesse fugindo de um serial killer, você merecia um pouco de
mimos.
— É o número noventa e nove — Darcy gritou alegremente,
disparando para abrir a porta do carro.
Eu saí e inclinei a cabeça para trás, saboreando o sol quente no meu
rosto. Um pungente aroma floral arrepiou meu nariz de uma forma
agradável. Eu respirei-o, na esperança de que uma boa inspiração fosse
acalmar os meus nervos em frangalhos e parar a batida irregular em meu
peito. Eu segurei o ar dentro dos meus pulmões enquanto eu podia enquanto
Darcy destravava o portão e caminhava para a varanda, onde um grande
balanço rangia para frente e para trás na brisa. Então eu finalmente soltei o
ar.
Meu coração bateu contra as minhas costelas. Não. Ainda apavorada.
Mas pelo menos havia o sol, a brisa era fria, e não havia seriais killers à vista.
Por enquanto.
— Porta trancada — Darcy anunciou, sacudindo o punho.
Meu pai andou a passos largos para se juntar a ela enquanto eu ficava
atrás.
O
— Aqui — eu disse, jogando a chave do pacote para ele.
Ele pegou-a facilmente. Darcy saltou para cima e para baixo quando
meu pai abriu a porta. Notar alguns garotos surfistas gostosos tinha
claramente melhorado o seu humor.
A porta rangeu alto, como se não tivesse sido movida nos últimos anos.
No interior, a casa estava clara e ensolarada, e tudo estava polido e brilhoso.
Darcy correu até as escadas, sem dúvida com a intenção de obter o melhor
quarto. Meu pai e eu só ficamos lá por um momento, observando os tapetes
antigos desbotados, os pisos de madeira escuros, a mobília antiga. Uma
cozinha pastel estilo-anos-cinquenta se elevava na parte de trás da casa.
Minha mãe teria adorado.
— Eu acho que nós deveríamos desfazer as malas — disse meu pai,
parecendo cansado e soando exausto.
— Ok. Vou verificar o...
Mas ele já estava se afastando de mim de volta para o carro. Subi a
escada de madeira frágil, meus membros parecendo subitamente pesados.
Darcy saiu do primeiro quarto à direita, quase me derrubando.
— Esse é meu — ela anunciou antes de correr as escadas e sair pela
porta da frente. Eu pisei em seu novo quarto, examinando o papel de parede
listrado de amarelo e branco e a cama queen-size. A enorme janela da sacada
dava para a rua, e eu podia ver Darcy quando ela abriu a mala do carro e
puxou sua mala.
Sua escolha estava boa para mim. Depois de tudo o que tinha
acontecido, a última coisa que eu queria era encarar a rua.
Do outro lado do corredor havia uma suíte principal feita em azul e
cinza, que meu pai iria reclamar, e a próxima porta se abriu para um
banheiro de azulejos brancos. No final do corredor, uma terceira porta
estava entreaberta, revelando uma escada em caracol. Olhei dentro e inclinei
a cabeça, mas tudo que eu podia ver era um teto com painéis de madeira.
A escada era tão estreita que eu era capaz de arrastar os dedos ao longo
das paredes opostas, conforme eu fazia o meu caminho para cima, as escadas
rangiam a cada passo meu. No topo, fiz uma pausa. O quarto era grande,
quase tão grande quanto a casa, com um teto inclinado e paredes caiadas de
branco. A cama de casal estava no centro sob a parte mais alta do teto, com
uma janela de seis painéis do chão ao teto por trás dela de frente para a água.
A única outra janela tinha como vista a praia ao norte. A mobília era escassa
— um guarda-roupa, uma mesa, uma estante de livros cheia de volumes
cobertos de tecido arrumados aleatoriamente.
Em qualquer outra circunstância, eu teria adorado. Mas naquele
momento, eu não queria nada mais do que ir para casa. Eu sentia falta do
meu quarto. Eu sentia falta da minha mesa e de todas as minhas coisas. E
estar longe de casa, longe do papel de parede da minha mãe, seus utensílios
de cozinha, a obra de arte que ela tinha arranjado tão cuidadosamente na
sala de estar, estava me fazendo sentir falta dela ainda mais.
É apenas temporário, eu me lembrei com uma profunda e forte
respiração. Mas eu sabia que a primeira coisa que eu iria desempacotar seria
o retrato emoldurado de nós duas.
Virando-me, eu desci as escadas para pegar minhas coisas. Quando
passei pela porta aberta do quarto de Darcy, ela puxou o capuz de seu cabelo.
Na parte de trás de sua cabeça havia uma enorme mancha de sangue, toda
seca em seus cabelos emaranhados.
— Darcy! Sua cabeça! Ainda está sangrando! — eu engasguei.
Ela virou-se para mim, os olhos verdes piscando enquanto ela tentava
encobri-lo novamente. — Está tudo bem.
— Não está tudo bem — eu disse, um arrepio correndo por mim.
Do nada, um flash ultrapassou minha visão. A mão pálida sob o luar
prateado. O pio distante de uma coruja. Um emaranhado de cabelo preto
sangrento sobre um crânio esmagado. Mas quando eu pisquei, a visão tinha
desaparecido. Foi apenas um pesadelo, eu me lembrei. Eu apertei a mão na
parede mais próxima e tentei respirar.
— Rory? O que foi? O que há de errado? — perguntou Darcy,
alarmada.
— Nada — eu disse, olhando para longe, evitando seus olhos.
— Isso não parece não ser nada. Isso parece com... você tinha esse
mesmo olhar em seu rosto quando você tinha...
— Os flashes — ambas dissemos ao mesmo tempo.
Engoli em seco e sentei-me ao lado dela. Meu coração batia forte com
o pânico, e eu tentei fazer o que meu psiquiatra me disse para fazer todos
esses anos — focar no que era real, me concentrar no que estava aqui. Havia
uma mancha cinza no meu tênis. Um grande nó negro na tábua de madeira
debaixo do meu pé. Uma cutícula rasgada no meu dedo anelar direito. Essas
coisas eram reais. Este quarto, este assento, e Darcy. Eles estavam aqui.
— Eu sabia! — Darcy exclamou, seu rosto enrugado de preocupação.
— Está acontecendo de novo? Desde quando?
— Eu não sei. Só... essa foi a primeira vez — eu disse. — Tenho certeza
que não é nada. Não se preocupe com isso.
Mas assim que eu disse isso, meu estômago se amarrou em nós. Depois
que minha mãe havia morrido, eu passei meses tendo flashes a cada dia.
Visões vívidas de sua tosse com sangue, ou dela gemendo de dor ou
chorando para o meu pai. Mas elas não eram apenas lembranças. Era como
se eu fosse transportada de volta para o momento em que eu tinha visto
essas coisas acontecendo e eu estava lá de novo, revivendo-as em puro 3-D.
Meu pai tinha me levado a um psiquiatra, que me diagnosticou com
transtorno de estresse pós-traumático, e depois de alguns meses de terapia,
os flashes tinham abrandado, então finalmente pararam. Mas agora,
aparentemente, eles estavam de volta. E eu estava tendo um flash do pior
pesadelo que eu já tive.
— Tem certeza? — Darcy me perguntou.
— Sim. Eu estou bem — eu disse, levantando-me de novo. O quarto
girou por uma fração de segundo, mas eu me forcei a focar e respirar. — Eu
já volto. Temos que te limpar.
— Não. Eu posso lidar com isso. Você devia se sentar — disse Darcy.
Mas eu a ignorei e me dirigi para o banheiro. Eu estava muito feliz por
ter algo para fazer — algo para me distrair do flash. Encontrei uma toalha
em um armário de linho atrás da porta do banheiro e a água correu na pia
de cerâmica, até que ficou quente. Então eu espirrei um pouco de água no
meu rosto e me dei um olhar reforçado no espelho. Quando voltei para o
quarto de Darcy, ela estava sentada no assento da janela, esperando por
mim.
— Você quer que eu faça isso? — perguntei.
Ela não disse sim, mas ela também não me jogou para fora de seu
quarto, o que eu tomei como um sinal positivo. Em vez disso, ela trouxe os
pés para cima da almofada xadrez do banco e virou-se para olhar para a rua.
Timidamente, eu toquei o pano úmido na ferida. Ela fez uma careta.
— Dói muito? — eu perguntei.
— Só acabe com isso — respondeu ela secamente.
Limpei o sangue e fiquei aliviada ao descobrir que por baixo de tudo
era simplesmente uma raspagem superficial. Quando eu terminei, eu trouxe
sua bolsa de couro até o banco, sabendo que ela iria querer trabalhar em seu
cabelo. Ela vasculhou-a até que encontrou sua escova e começou a
desembaraçar as pontas.
— Devíamos andar pela cidade e encontrar aqueles caras — Darcy
falou, puxando as pontas de seu cabelo ao redor para estudar um nó teimoso.
— Se vamos ficar aqui por um tempo, podemos fazer amigos também.
Virei meu perfil para Darcy e olhei para o chão de madeira. Três nós
escuros no grão de madeira formavam um rosto sorridente vacilante.
— Quanto tempo você acha que vamos ficar aqui? — eu perguntei em
voz baixa.
Darcy se encolheu, trabalhando em seus emaranhados.
— Eu diria que é um mau sinal que eles estejam perseguindo-o por dez
anos.
— Sim — eu disse, meu coração dobrando sobre si mesmo. — Eu acho
que ele é muito inteligente.
Darcy ficou em silêncio por um momento. Ela estava olhando para fora
da janela, como se perdida em pensamentos, a escova mole na mão.
— Você quer ouvir algo realmente doente? — ela finalmente disse em
uma voz enojada. — Eu realmente gostava do Sr. Nell. Ele sempre explicava
matemática de uma maneira que eu poderia realmente usar na vida real, o
que tornava muito mais interessante. E eu gostava de como ele fazia
competições de velocidade de matemática nos últimos cinco minutos de cada
aula, porque ele sabia que, caso contrário, todo mundo ia ficar olhando para
o relógio. — Ela estremeceu.
— Eu sei. Eu gostava dele, também — eu admiti. E eu gostava. Eu
gostava de como ele levava seu café em uma caneca dos Beatles, como ele
sempre tinha uma cópia orelhuda de Auto Reparo para Idiotas escondida
debaixo do braço, e como ele nunca tinha mal hálito, quando ele se inclinava
para ver o meu trabalho, ao contrário de todos os outros professores em
Princeton Hills High. Eu costumava sorrir quando eu o via passeando pelos
corredores, segurando a alça de sua bolsa carteiro cinza com as duas mãos,
assobiando como se ele não tivesse nenhuma preocupação.
— Eu acho que você nunca pode realmente saber o que está
acontecendo na cabeça de alguém — Darcy falou, começando a escovar o
cabelo novamente.
Olhei para seus olhos verdes brilhantes, que eram tão parecidos com
os da nossa mãe. Nós não tínhamos sido as melhores amigas há muito
tempo, não desde antes da nossa mãe morrer. Mas depois de Christopher
chutar Darcy, ela tinha mudado completamente. Cada frase que saia de sua
boca era uma repreensão ou um insulto. A única coisa que tinha continuado
na mesma era ela se elevando contra o papai. Ela sempre era a única a
respondê-lo enquanto eu me encolhia no canto. Eu era grata a ela por isso
— por encará-lo um pouco para que eu não precisasse. Mas eu não sabia
como dizer isso a ela.
Minha mãe teria me dito apenas para dizer de uma vez. Que era
importante que as pessoas soubessem como eu me sentia. Meu coração batia
forte com uma energia nervosa em minhas veias só de pensar nisso, mas eu
decidi tentar de qualquer maneira. Eu poderia estar morta agora, afinal de
contas. Então ela nunca saberia. Aparentemente “A vida é curta” ia ser meu
novo mantra.
— Darcy, Eu...
Ela se levantou abruptamente.
— Vou verificar o resto da casa — disse ela, virando-se, evitando me
olhar nos olhos. Era como se tivesse ouvido a emoção na minha voz e tivesse
medo dela.
— Hum, tudo bem.
Coloquei minhas mãos sob minha bunda, envergonhada, mas ela já
estava saindo pela porta. Suspirando, eu me virei para a janela e olhei para
fora para meu novo bairro. Ele era pitoresco, com casas coloridas em verde
limão e hortelã. Cada jardim continha uma profusão de flores e árvores bem
aparadas. Apenas a casa do outro lado da rua parecia fora do lugar. Era cinza
clara com persianas pintadas de preto. Não tinha árvores, nem jardim, nem
arbustos. A única coisa interessante sobre ela era a grade quadrada no
centro da porta da frente — um daqueles antiquados olhos mágicos que se
abriam como uma mini porta por dentro.
Enquanto eu olhava, a cortina caiu sobre a janela em frente à de Darcy
e eu vi uma mão desaparecer de vista. Meu coração bateu na minha
garganta. Tinha alguém nos observando? Eu me inclinei para frente,
apertando os olhos quando a cortina se agitou.
Algo caiu no andar de baixo, e minha mão voou para o meu coração.
Meu pai amaldiçoou a plenos pulmões. Levantei-me e caminhei para o meu
novo quarto. Deixando para trás o susto rápido que eu tive no quarto de
Darcy, eu fechei a porta silenciosamente atrás de mim. Nós estávamos
seguros aqui. Ninguém estava me observando mais. Pessoas eram
autorizadas a olhar para fora de suas janelas.
Subi as escadas, sentei-me na cama e olhei para o teto com vigas de
madeira com um suspiro. Então era isso. Esta era a minha vida nova. Com
a minha família, mas completamente sozinha. Pelo menos alguma coisa
neste lugar era familiar.
13 A GAROTA NOVA
Traduzido por Manoel Alves
ory...
Sentei-me em linha reta na cama. Meus olhos correram
ao redor do quarto desconhecido, dos cantos escuros, das
sombras distorcidas. Alguém havia acabado de sussurrar meu nome.
— Rory Miller! — a voz soou novamente. — Rory Miller pode sair e
brincar?
Joguei as cobertas de lado, meus pés descalços batendo no chão de
madeira fria. Um giro rápido no quarto me convenceu de que não havia
ninguém lá, mas a voz veio novamente.
— Vamos lá, Rory. Venha brincar comigo.
Arrepios surgiram pelos meus braços nus enquanto eu, trêmula,
andava em direção as escadas e olhava por cima da grade de proteção.
Ninguém estava lá. Apenas os passos descalços desacelerando na escuridão.
— Rory? — Era Darcy, desta vez. — Rory — ela gritou. — Rory, me
ajude!
Com o coração na garganta, desci as escadas. Quando abri a porta, parei
com um baque. Eu olhei para baixo e lá estava Darcy, enrolada em posição
fetal no chão. Seus olhos estavam abertos e fixos, mortos. Sua cabeça estava
tão esmagada que parecia impossível aquilo um dia ter sido uma cabeça
humana.
— Não! — eu gritei, cobrindo meus olhos. — Não! Não! Não!
Eu me virei na escada, indo diretamente para os braços de Steven Nell.
— Não!
Acordei assustada no domingo de manhã, minhas mãos sobre minha
barriga, o sol brilhante agredindo meus olhos. O suor cobria cada
centímetro do meu corpo e minha pele parecia que estava pegando fogo.
Minha barriga doía como se eu tivesse comido sacos de algodão doce demais
e me enchido com uma garrafa inteira de Coca-Cola. Eu cobri meu rosto e
—R
disse a mim mesma que era apenas um sonho. Era apenas um sonho. Era
apenas um sonho.
Respire, Rory. Respire.
No momento em que minha respiração começou a acalmar, eu ouvi o
som do meu pai batendo panelas e frigideiras na cozinha. Enfiei meus pés
em meus chinelos e puxei meu suéter E=mc2 antes de descer os dois lances
de escada. Na ponta dos pés, através do foyer, parei ao lado da mesa perto
da porta. Meu pai tinha colocado a foto de família ali — aquela que
costumava ficar pendurada na nossa parede no andar de cima. Eu nem
sequer o tinha visto tirá-la de nossa casa. Quando um outro barulho soou,
eu deslizei até a porta da cozinha e espiei dentro. Meu pai usava jeans e uma
camiseta, vasculhando um armário baixo, de vez em quando jogando uma
frigideira Teflon ou uma panela de bronze atrás dele no chão.
— Eles nos disseram que precisávamos deixar nossa casa e, em
seguida, nos enviam para uma ilha sem nenhum serviço de telefone e
nenhum Wi-Fi — ele murmurou para o oco do armário. Eu tinha notado o
problema do Wi-Fi ontem à noite quando tinha tentado fazer logon na
internet do meu iPad, mas esperava que fosse uma falha temporária. — Que
tipo de jeito é este que executam em uma agência do governo? — Ele
começou a se levantar e bateu a cabeça na borda da abertura. — Filhos da...
Eu pulei para trás para me esconder antes que ele pudesse me
identificar e começar a gritar comigo, também. Do lado de fora, ouvi um
sino de bicicleta, e me encaminhei para a porta da frente. Eu escorreguei
para a varanda, fechando a porta silenciosamente atrás de mim. O ar quente
de verão me envolveu dos pés à cabeça. Andei na ponta dos pés para o
balanço da varanda e sentei-me, passando os braços em volta de mim
mesma. Mesmo da frente da casa, eu podia ouvir as ondas correndo contra
a praia lá atrás, e o ar cheio de um picante aroma salgado do mar, além de
uma doce infusão floral que eu não pude identificar totalmente.
Alguém por perto estava cantarolando. A música soava vagamente
familiar assim que flutuou na brisa. Familiarizada o suficiente, eu comecei a
cantarolar junto. Até que eu percebi exatamente porque eu sabia a melodia.
Eu pulei do balanço, girando ao redor.
Era “The Long and Winding Road”.
Eu estava tendo um flash novamente. Eu tinha que estar tendo um
flash novamente. Mas, então, um pequeno pássaro amarelo sobrevoou e
pousou no parapeito da varanda. Eu ouvi o som distante de um sino. A
árvore magnólia do outro lado da rua sussurrava na brisa. Eu estava aqui.
Em Juniper Landing. No agora. E o zumbido era real.
Tremendo, caminhei para o fim da varanda e espiei por cima da grade
para a parte traseira da casa. Sândalos e capim se estendiam como um
colchão irregular por um calçadão que separava nossa casa da praia. Mas
diferente de um melro empoleirado em uma árvore em floração e algumas
abelhas zumbindo em torno de uma equinácea, não havia nada lá. Eu
caminhei para o outro lado e voltei a olhar a garagem. Nosso carro novo
estava na calçada, seu capô preto brilhando no sol da manhã. Prendi a
respiração, fechei os olhos, e escutei. Nada mais do que o quebrar das ondas
e o grasnar do melro.
Mas quando eu abri meus olhos novamente, a mesma cortina na mesma
janela da casa do outro lado da rua se fechou. Desta vez, eu peguei um
vislumbre de cabelos loiros quando alguém se afastou da janela.
— Que diabos? — Antes que eu pudesse perder a coragem, eu corri
nos degraus da varanda, abri o trinco, e sai para a calçada, para ver melhor.
— Uou!
Eu quase pulei para fora da minha pele quando duas meninas da minha
idade derraparam até parar em suas bicicletas, apenas alguns centímetros
do portão e de mim. Uma era bonita, de pele escura, bochechuda, com cachos
saindo em todas as direções e um piercing na sobrancelha que brilhava ao
sol. Ela usava uma jaqueta do exército, apesar de o clima estar quente, junto
com um vestido preto, um cachecol listrado, e botas pretas altas. A outra era
a garota pequena que eu havia visto com a nova conquista de Darcy na loja
de departamentos ontem. Ela tinha cabelos pretos e lisos que caiam no
queixo, olhos escuros, e usava uma camiseta com JUNIPER LANDING
sobre shorts jeans. Uma pulseira de couro desgastada agarrava-se a seu
pulso direito.
— Essa foi por pouco — a menina com o piercing na sobrancelha disse,
recuando sua bicicleta.
— Hum, sim — eu disse, meus olhos correndo de volta para a janela.
A cortina estava parada.
— Você é nova — disse a menina pequena friamente. Ela me olhou
com uma pontada de curiosidade, como se estivesse estudando meu rosto.
— É tão óbvio assim? — perguntei.
— Para um nativo, sim — ela disse com uma risada curta que senti
quase zombeteira. Como se houvesse alguma piada particular que eu tivesse
perdido.
— Menos óbvio para mim, mas eu estou apenas visitando. — A outra
garota chutou para baixo o tripé de sua bicicleta e me ofereceu sua mão. —
Eu sou Olive Walden. Esta é Lauren Caldwell.
Eu apertei a mão dela, ainda olhando para o outro lado da rua, para a
casa cinza.
— E você é...? — Olive solicitou, claramente se divertindo.
— Oh, desculpe — eu disse, me trazendo de volta para o momento. —
Rory. Rory... Thayer. — O novo nome parecia estranho na minha língua.
Lauren olhou para a minha casa longe de casa. — Lugar maneiro.
— Obrigada. Você tem alguma ideia de quem vive do outro lado da
rua? — eu perguntei, levantando meu queixo para a casa cinza.
Lauren e Olive trocaram um olhar, então olharam de volta para a casa.
— Já está tentando saber os podres de seus vizinhos, não é? — Lauren
disse, com um brilho malicioso nos olhos.
Corei. — Não. Eu apenas pensei que eu vi... Eu quero dizer... — Eu
parei, sem saber como terminar a frase. Eu não poderia explicar exatamente
que um serial killer estava me perseguindo, e que cortinas se movendo
misteriosamente estavam me deixando maluca.
— Não se preocupe. Ela está apenas bancando a difícil. — Olive riu,
acotovelando Lauren, para ela se comportar. — Quer ir dar um passeio com
a gente? Podemos levá-la para um passeio pela cidade.
Eu olhei de volta para a casa. Eu não gostava da ideia de sair com Darcy
mal humorada e papai irritado, mas o zumbido sinistro ainda ecoava na
minha cabeça.
— Obrigada, mas eu não tenho uma bicicleta — eu disse, feliz pela
desculpa. — Além disso, eu sou mais do tipo que corre.
— Você corre? Sério? — Olive protegeu os olhos contra o sol. — Eu
nunca tive vontade.
— Não? É ótimo. Eu adoro — eu disse a ela.
— Mesmo?
Eu levantei meus ombros e respirei fundo. — É... Eu apenas gosto de
estar sozinha e não ter que pensar em nada, além do ritmo dos meus passos
e a velocidade do meu pulso — eu disse. — É muito...
— Zen — ela respondeu.
— Ok, Zen — eu disse com uma risada. Eu olhei nos olhos dela. Ela
olhou de volta com uma expressão intrigada.
Lauren, por outro lado, estava começando a ficar entediada. — Vamos
indo, Olive — disse ela, impaciente, rolando para frente em sua bicicleta. —
Estou morrendo de fome.
Olive pulou para trás em seu assento, ergueu o estribo lateral com o
calcanhar e, em seguida, virou-se para mim mais uma vez. — Oh! — ela
disse, seus olhos brilhando. — Você deveria vir para a festa hoje à noite.
— Festa? — eu perguntei cautelosamente. Eu detestava festas. As
evitava tanto quanto possível. Eu sempre me dava bem com um amigo ou
outro, mas as multidões não eram a minha praia. De fato, uma das maneiras
que eu me consolei sobre nunca ter tido um encontro com Christopher era
dizendo a mim mesma que ele teria me arrastado para pelo menos uma das
festas de fim de semana.
É claro, agora aquilo parecia um pensamento bobo. Meu coração
apertou só de pensar nisso. Eu deveria ter dito sim a ele. Eu teria tido o
prazer de ter ido a dez milhões de festas, se isso significasse estar com ele.
— Nós vamos fazer uma fogueira na praia — explicou Lauren,
brincando com a pulseira de couro. — Nós sempre convidamos todos os
turistas — acrescentou ela, como se quisesse ter certeza de que eu não me
achasse especial de alguma forma.
— Começa por volta das nove e nós estaremos lá até qualquer hora —
disse Olive. — Basta olhar para fora de sua janela. Você vai nos ver.
— Hum... ok. Talvez — eu disse, mesmo que não tivesse a intenção de
ir. Claro, era totalmente o estilo de Darcy, mas se eu dissesse a ela, ela iria
querer ir, meu pai diria que não, ela iria fugir e a III Guerra Mundial
explodiria dentro da nossa casa temporária.
— Legal. Vejo você mais tarde, então. Talvez — disse Olive com um
sorriso irônico. Em seguida, as duas se foram.
Assim que elas foram embora, a porta da frente se abriu e meu pai saiu
vestindo shorts Adidas e uma antiga camiseta de Harvard. Ele saltou sobre
os pés algumas vezes, sua barriga se movendo para cima e para baixo como
uma bola pesada.
— Eu estou indo dar uma corrida — disse ele, tenso. — Você quer vir?
Eu pisquei. Meu pai não tinha me convidado para uma corrida desde
antes de minha mãe morrer. Ele não tinha me convidado para fazer qualquer
coisa desde antes de minha mãe morrer. O próprio pensamento de ir com
ele fez meus ombros ondularem, como se ele esperasse que eu esquecesse
cinco anos dele ignorando minha existência.
— Hum... Eu ainda preciso tomar café da manhã — eu disse, sem jeito.
— Ok. Estarei de volta em uma hora.
Então ele abriu o portão e correu para longe. Eu ainda estava de pé lá,
boquiaberta atrás dele, quando pelo canto do meu olho, eu vi outra vibração
em uma das janelas da casa cinza. Com o coração na garganta, me virei e
corri para dentro, fechando ambas as fechaduras atrás de mim. Então eu me
movi para a janela da sala e me escondi atrás da pesada cortina floral,
inclinando-me para que eu pudesse ver o lado de fora.
De repente, a porta da frente da casa cinza abriu com um rangido. Um
cara com o cabelo louro, um bronzeado de matar e olhos azuis penetrantes
desceu as escadas, olhou para a nossa casa furtivamente, e depois
rapidamente virou o quarteirão, com a cabeça baixa. Eu o reconheci
imediatamente. Ele era o cara do lado de fora da loja de departamentos.
Aquele que tinha olhado para mim como se me conhecesse.
Minha respiração ficou presa na minha garganta. Cabelo loiro. Olhos
penetrantes. Teria sido ele que tinha estado me observado da janela? E se
ele morasse lá, Lauren não teria dito? Eles tinham saído ontem. Parecia que
eles eram amigos.
Eu o observei chegar ao fim da rua e desaparecer na esquina, que levava
à cidade. Então eu verifiquei novamente as fechaduras, fui para o meu quarto
e tranquei a porta atrás de mim. Se havia uma coisa que Steven Nell tinha
me ensinado, era para não confiar em ninguém — especialmente as pessoas
que pareciam ter uma queda por me observar.
14 FOGUEIRA
Traduzido por Manoel Alves
u estava terminando um capítulo da biografia de Marie Curie,
quando ouvi a porta no fundo das escadas abrir. Meu coração quase
parou, e meus olhos correram para o relógio cinza e branco
pendurado na parede oposta. Era meia-noite.
— Olá? — eu disse, minha voz falhando quando me sentei reta.
Passos rápidos soaram subindo as escadas, e eu me enrolei contra a
cabeceira da cama, agarrando o meu iPad contra o meu peito. Eu estava me
perguntando quanto eu iria danificá-lo se tivesse que usá-lo como uma arma
quando Darcy apareceu. Ela estava completamente vestida em jeans skinny
e uma regata brilhante, e usava maquiagem completa.
— Você me assustou! — eu disse.
— Olha só! — disse ela, me ignorando enquanto gesticulava para a
janela voltada para o norte. — Fogueira na praia!
Droga. Eu deveria ter sabido que ela podia sentir o cheiro de uma festa
no ar. Eu suspirei, colocando meu iPad/potencial estrela ninja para baixo, e
caminhei até a janela. De fato, havia uma fulgurante fogueira, talvez três
casas até a praia, com pelo menos vinte jovens em torno dela. Daquela
distância, tudo o que eu pude notar foram suas sombras. Parecia vagamente
como a capa de O Senhor das Moscas, um romance que eu tinha sido forçada
a ler na aula de inglês no ano passado. Ficção realmente nunca tinha sido a
minha praia.
— Eu aposto que aquele cara da loja de departamentos estará lá —
Darcy sussurrou animadamente, levantando as sobrancelhas. Ela virou-se e
começou a vasculhar o guarda-roupa em frente ao pé da cama, deslizando os
cabides para o lado de um por um.
— O que você está fazendo? — eu perguntei cautelosamente.
E
— Encontrando algo para você vestir — respondeu ela em sua voz
condescendente favorita. — Vá fazer alguma coisa com o seu cabelo. Parece
que passarinhos estão fazendo ninhos aí dentro.
— Darcy, eu não quero ir a uma festa — eu protestei, passando minhas
mãos sobre minha trança, no entanto.
— Bem, eu quero, e eu não quero aparecer sozinha. — As mãos dela
caíram para os lados e ela gemeu. — Você não tem alguma coisa que não
seja um moletom?
— Oh, bem. Eu não tenho nada para vestir, então eu acho que seria
melhor ficar em casa — eu tentei, temendo a ideia de ficar por aí, tentando
jogar conversa fora com estranhos.
Darcy me olhou de cima a baixo, analisando minha blusa branca e
cinza, e minha larga calça com uma faixa lateral. — Você pode pegar alguma
coisa minha — disse ela, pegando a minha mão e me puxando em direção às
escadas.
— Papai vai nos matar se sairmos escondidas — eu disse, agitada.
— E daí? Qual a novidade?
— Darcy...
— Oh, vamos lá, Rory! — ela gemeu, inclinando a cabeça para trás no
instante que tomou minhas mãos nas dela. — Por favor? Por favor, por
favor, por favor? Estou morrendo de tédio aqui. Ficamos trancadas em casa
por dois dias inteiros depois de ficarmos trancadas em nossa casa por uma
semana. Por favor, vem comigo? Eu estou te implorando. Por favor? Você
me deve.
Eu olhei nos olhos da minha irmã e senti um baque de mau
pressentimento misturado com uma culpa esmagadora.
— Por que eu devo a você? — eu perguntei lentamente. Ela não sabia,
não é? Como ela poderia saber?
Ela desviou o olhar e levantou os ombros. — Eu não sei. Por defender
você do papai no outro dia? Por defender você do papai todos os dias? Por
deixar para trás todos os meus amigos, a festa da Becky e desaparecer da
minha formatura para vir para cá?
— Como isso é minha culpa? — eu apontei. Mas ainda assim. Eu
poderia respirar um pequeno suspiro de alívio, porque pelo menos ela não
tinha falado sobre Christopher. Pelo menos ela não tinha de alguma forma
descoberto. Mas o estrago estava feito, e a culpa estava agora pressionada
no meu peito.
Além disso, Darcy estava certa. Ela tinha desistido de muita coisa para
vir aqui. Quando Steven Nell tinha me atacado, ela estava esperando
avidamente não só a sua formatura e a festa de Becky, mas também cerca de
meia dúzia de outras festas e uma viagem até a costa. Para não falar de outro
verão trabalhando no restaurante da família de seu amigo, Liam. Este ano,
ela seria velha o suficiente para servir bebidas e trazer para casa “altas
gorjetas”. Eu nunca tinha gostado ou compreendidos seus amigos, mas ela
vivia para eles, e tudo isso tinha sido tirado dela.
— Tudo bem, tudo bem. Nós vamos — eu disse, empurrando os meus
pés nos tênis que eu tinha jogado ao lado da minha cama mais cedo. — Mas
eu vou usar minhas próprias roupas.
— Eba! — Darcy realmente me abraçou por meio segundo, e um
sorriso brincou em meus lábios. Fui até o guarda-roupa, arranquei o meu
suéter azul-marinho e o coloquei. Então eu segui a minha irmã, descendo as
escadas e saindo pela porta dos fundos.
O ar estava frio do lado de fora, e até mesmo antes da praia, eu podia
sentir o cheiro de cinzas na brisa. Longas linhas finas estavam penteadas na
areia debaixo dos nossos pés, como se tivessem sido recentemente niveladas
e enfeitadas por uma equipe de manutenção. Enfiei as mãos nos bolsos e
combinei com o ritmo ocasional de Darcy quando nos aproximamos da
fogueira. Meu pulso acelerou quando as primeiras pessoas na margem da
multidão começaram a nos notar. Eu me senti bem visível, como se não
pertencesse à aqui. Mas Darcy estava no seu habitat. Ela parou a poucos
metros do fogo e empurrou uma mão no bolso de trás da calça jeans, e agitou
seu cabelo longe de seu rosto.
— Lá está ele — disse ela por entre os dentes, deslizando os olhos para
a direita.
O gato de cabelos escuros de Darcy estava com Lauren e Olive perto
de um cooler azul. Eles estavam com os dois meninos e a menina loira da
loja de departamentos, juntamente com mais dois caras do tipo surfista e a
ruiva que tinha olhado para nós da calçada. Todos eles eram bonitos e
estavam completamente à vontade, seus cabelos jogados ao vento, seus
sorrisos despreocupados, suas roupas soltas e casuais, em um estilo de
litoral.
— O segredo é deixar o cara vir até você — Darcy me informou,
inclinando-se um pouco em direção ao meu ouvido. — Nunca, jamais, ir até...
— Oi!
Nós duas saltamos. A paixão de Darcy estava à sua direita, segurando
um copo vermelho e exibindo um sorriso perfeito e suave. Ele tinha uma
covinha na bochecha esquerda. Seu cabelo castanho caía sobre o olho direito,
e as mangas de sua camiseta vermelha se agarravam a seus bíceps. Seus jeans
estavam desgastados na parte inferior, e ele estava com os pés descalços,
como o resto do seu grupo. Até mesmo Darcy tinha ido descalça. De repente,
eu me senti deslocada no meu tênis.
Então o cara loiro do outro lado fixou os olhos nos meus. Uma fração
de segundo depois, ele desviou o olhar e tomou um gole de sua bebida.
Lambi meus lábios secos e agarrei minhas mãos atrás das minhas costas.
Meu pulso começou a acelerar, enquanto eu me perguntava se ele iria falar
comigo, e o que eu diria para ele se ele o fizesse.
— Oi. Sou Darcy Thayer — a minha irmã estava dizendo. Ela inclinou
a cabeça com um sorriso. Seus longos cabelos castanhos caíram sobre seu
ombro nu.
— Joaquin Marquez — disse o rapaz. Ele apontou para o cara loiro, e
eu notei que Joaquin estava usando a mesma pulseira de couro que eu vira
em Lauren antes. — Este é Tristan Parrish.
Tristan simplesmente assentiu. Meus olhos dispararam para seus
braços. Como esperado, uma pulseira de couro estava amarrada em seu
pulso.
— E esta é sua irmã, Krista — disse Joaquin, erguendo o copo em
direção à loira, que usava um vestido branco transparente; um colar de ouro
longo e delicado; e o bracelete, embora o dela parecesse mais novo do que
os outros.
— Olá — disse ela, me examinando da cabeça aos pés, como se fosse
uma designer de moda examinando seu trabalho. Havia uma confiança
sofisticada nela, o que não era tão surpreendente, considerando como ela era
bonita. Ela tinha as mesmas maçãs do rosto acentuadas que seu irmão e os
mesmos olhos azuis impressionantes. — Eu amei o seu cabelo — ela disse,
tocando o fim da minha trança.
— Hum, obrigada. — Eu me contorci sob seu toque.
— Que tal passarmos as introduções antes de você apalpar ela, Krista?
— Joaquin sugeriu levemente.
— Desculpe — Krista se desculpou, soltando meu cabelo.
— Não se preocupe com ela. Ela é bonita, mas socialmente desajeitada
— disse Joaquin baixinho, inclinando-se um pouco para nós.
— Cale a boca! — Krista disse, empurrando seu braço, mas sorrindo
de uma forma autodepreciativa no mesmo instante que todo mundo riu.
Então, ele era esse tipo de cara. Não importava se o que ele dizia era rude
ou desagradável, todos apenas o deixavam dizer. Darcy tinha um desses em
seu grupo — o amigo dela, Liam — e eu não conseguia suportá-lo.
— Esse pessoal lá atrás são Bea, Fisher e Kevin — Krista me disse,
deslizando um braço ao redor do meu e apontando para a ruiva e dois
rapazes. Eles silenciosamente levantaram suas bebidas em saudação. Fisher
era alto, largo-como-um-linebacker, de pele escura e o cabelo tão raspado que
era quase inexistente. Kevin era magro e pálido, com cabelos pretos e uma
tatuagem de fogo intrincada atravessando seu antebraço direito. — E você
já conhece Lauren e Olive.
Darcy me lançou um olhar confuso.
Limpei a garganta, desembaraçando meu braço de Krista. — Hum, eu
conheci Lauren e Olive mais cedo — eu expliquei a Darcy. — Elas estavam
andando de bicicleta na frente da casa.
Lauren vestia a mesma camiseta e calções que usara naquela manhã,
mas Olive tinha mudado para uma blusa preta de mangas compridas sobre
calças largas. Seus cachos escuros saltavam loucamente com a brisa do
oceano. Ela era a única sem uma pulseira de couro no braço, a não ser que
estivesse escondido debaixo da manga.
— Oi, Rory — disse Olive.
— Oi — eu disse. — Esta é minha irmã, Darcy.
As meninas sorriram educadamente para Darcy, mas não disseram
nada. Darcy pigarreou e mudou seu peso.
— Então, Rory, como está sendo Juniper Landing até agora? —
Joaquin me perguntou, passando por Darcy e indo para o meu lado.
Enquanto o resto do grupo ficava me olhando, eu olhei de lado para
Darcy, cujo sorriso vacilou. Ela não estava acostumada a ser ignorada,
especialmente por minha culpa. Meu rosto ficou quente, e de repente meu
coração parecia estar pulsando diretamente contra a minha pele.
— Hum, está... legal — eu disse.
— Você já foi à cidade? — perguntou Krista, brincando com seu colar.
— O sorvete na loja de departamentos é de matar — Olive adicionou.
— E você tem que ir à biblioteca — acrescentou Krista. — Eles têm
uma seção de ciência incrível.
Meu coração pulou. Como Krista saberia que eu gostava de ciência?
— Porque você estava usando aquele moletom E=mc2 esta manhã —
explicou Krista, lendo claramente o meu olhar assustado. — Pelo menos foi
o que Lauren me disse.
— Oh — eu disse com cautela, lançando um olhar para Lauren, que
olhou diretamente para mim, como se não fosse estranho que ela houvesse
relatado a minha roupa. — Certo.
— Ela estava? Deus — disse Darcy de forma apologética, tocando meu
braço. — Perdoem a minha irmã. Ela ainda está aprendendo a se vestir.
Levantei uma sobrancelha irritada para a minha irmã.
— Eu acho que ela está bem — Tristan disse, falando pela primeira
vez. O timbre grave de sua voz enviou um arrepio pela minha espinha.
— Cada um tem seu estilo — Darcy falou, jogando o cabelo para trás.
Mas eu podia ver o vermelho se formando em suas bochechas por ter sido
contrariada. As pessoas bonitas deveriam estar na sua, não na minha.
— Então, Rory, vamos encontrar um lugar para sentar — disse
Joaquin, colocando o braço em volta de mim e dando em meu ombro um
aperto familiar. — Eu gosto de conhecer todos os nossos novos visitantes.
Aposto que sim, eu pensei, me perguntando com quantas garotas aquela
fala já tinha funcionado no passado.
Tristan olhou mortificadamente para mim com isso, com uma
expressão de mágoa.
— Na verdade, eu estou com sede — eu disse, esquivando-me do toque
de Joaquin.
— Fisher vai pegar algo — disse Joaquin, inclinando a cabeça em
direção aos outros. — Certo, Fish?
Instantaneamente, Fisher estava ao lado de Joaquin, como se estivesse
pronto para fazer o que ele mandasse. Olhei para Darcy, assustada, mas ela
simplesmente olhou de volta para mim.
— Hum, obrigada, mas eu posso pegar sozinha — eu disse, me
inclinando para que eu pudesse deslizar por ele.
— Tem certeza? — perguntou Joaquim.
— Sim! Absoluta. Eu já volto — eu disse a Darcy.
Mas pelo jeito que ela estava olhando para mim, estava muito claro que
ela não teria se importado se nunca me visse novamente.
15 ZONA MORTA
Traduzido por Manoel Alves
u caminhei para o outro lado da fogueira, agarrada a uma garrafa de
água do cooler, e tentando parecer que bebericava aquilo
perfeitamente satisfeita, enquanto observava as ondas.
Discretamente, eu mantive um olho em Darcy e nos outros. Ela estava
flertando com Joaquin agora, mas de vez em quando ele olhava em minha
direção. Olive e Tristan estavam conversando sozinhos, suas cabeças
inclinadas juntas, enquanto Fisher, Kevin e Bea tinham encontrado alguns
coolers para se sentar, de frente para o fogo. Lauren e Krista estavam ao
lado deles, sussurrando e olhando na minha direção.
Apenas respire. Apenas respire e recite.
Hidrogênio, hélio, lítio, berílio, boro, carbono, nitrogênio, oxigênio,
flúor...
Uma rodada de riso feminino me chamou a atenção. A poucos metros
de distância, mais perto da borda da água, um cara da minha idade estava
conversando com duas meninas mais jovens. Ele tinha o cabelo castanho e
olhos castanhos, um rosto bonito, e era a única outra pessoa usando tênis.
Ele estava ouvindo o que as meninas estavam dizendo, mas de vez em
quando, quando elas não estavam olhando, ele olhava em volta, como se
estivesse entediado.
Enquanto ele observava a festa, seu olhar captou o meu. Um momento
depois, ele desculpou-se da sua conversa e se aproximou de mim.
— Importa-se de me salvar da conversa mais ridícula de todos os
tempos? — ele perguntou com um sotaque britânico cadenciado.
Claramente, ele não era da ilha, o que significava que ele não fazia parte do
Grupo Super Popular de Juniper Landing. Olhei para seu pulso, testando
uma teoria. Sem pulseira de couro. Parecia que era algum tipo de tendência
local, ou talvez uma coisa do tipo clube exclusivo. Talvez houvesse alguma
E
sociedade secreta dos moradores locais, deixando todos os outros saberem
o quanto exclusivo era por usarem um mesmo acessório. Muito maduro.
— Qual era a conversa? — perguntei.
Ele soltou de seus lábios. — Você acredita que elas estavam falando
sobre o casal real, me perguntando se eu os conhecia? Como se todas as
pessoas britânicas conhecessem um ao outro.
— Você não os conhece? — eu brinquei.
Ele riu, e o som quente me deixou à vontade.
— Eu sou Rory.
— Aaron — disse ele com um leve aceno de cabeça. Ele moveu-se mais
perto de mim, observando a festa. Do outro lado do fogo, dois rapazes
lutavam, enquanto um grupo de meninas gritava. Na minha direita, um
esguicho soou enquanto um cara sem camisa tentava se sustentar sobre o
barril. Algo que eu não teria sequer reconhecido se não fosse uma exposição
recente sobre trotes de fraternidades no noticiário noturno. Joaquin e Darcy
estavam entre eles.
Aaron estalou a língua. — Você não odeia essas coisas?
— Muito, muito mesmo — eu respondi. Então lhe atirei um sorriso
provocante. — Os seus amigos Lady Kate e o Príncipe Will se ergueriam
sobre o barril?
Aaron deixou escapar um gemido exagerado. — Na minha última festa,
eu tive que chamar a guarda real para ter que tirá-los — disse ele, seus olhos
castanhos dançando. — Mas eu vi você falando com as pessoas bonitas. Qual
é o problema com o moreno alto? — ele perguntou, olhando Joaquin de cima
a baixo apreciativamente.
Eu balancei minha cabeça. — Não faço ideia. Não é o meu tipo.
— Mas é o meu — disse ele, tomando um gole de sua bebida. — Eles
não se aventuram desse jeito neste lado do oceano. Infelizmente, ele parece
jogar no seu time, não no meu — disse ele, lançando um olhar para a minha
irmã, que agarrou o braço de Joaquin enquanto ria.
— Se isso faz você se sentir melhor, ele meio que parece ser um idiota
— eu disse.
Ele sorriu. — Obrigado por isso.
Eu sorri. — Então, de que parte da Inglaterra você é?
— Eu sou um menino Birmingham, mas estou indo para Oxford no
outono.
— Oxford, uau. Então você é ridiculamente inteligente — eu disse.
Ele deu de ombros, sacudindo a cabeça. — Não. Estou na nona geração,
então eles tinham que me deixar entrar. Eu decidi estudar arqueologia, para
grande desgosto dos meus pais literários de espírito.
— Arqueologia não soa muito prosaico para mim — eu disse.
— E você? O que você quer estudar? — Ele tomou um gole de sua
bebida, virou um pouco o rosto para mim, e plantou os pés, como se
decidindo que era ali que queria ficar, pelo menos por enquanto.
— Eu? — Eu coloquei minha garrafa de água para baixo no cooler, em
seguida, puxei minha trança por cima do meu ombro e comecei a mexer no
final dela. — Ciência. Medicina, especificamente. Eu quero ser uma
oncologista.
Eu queria salvar pessoas como a minha mãe. Pessoas que não mereciam
morrer. Pessoas cujas famílias não mereciam ser deixadas para trás. Mas eu
achei que era muito mórbido para uma festa.
— Uau. Você tem sua vida traçada. Impressionante — disse ele. Houve
um longo momento de silêncio entre nós, mas não foi desconfortável. Nós
dois tomamos nossas bebidas. — Então, você está de férias, ou...
Mordi o interior da minha bochecha. — Sim. Nós chegamos aqui
ontem.
— Nós? — ele questionou.
— Eu, meu pai, minha irmã. — Meu coração pulou uma batida. Falar
sobre a minha família podia significar que eu teria que começar a contar a
nossa história de fachada. Eu tinha memorizado os fatos da nossa vida nova
no carro, mas ser capaz de contar as mentiras era uma coisa completamente
diferente. — E você?
— Acabei de chegar esta manhã — disse ele. Ele terminou sua bebida,
pegou minha garrafa vazia, e lançou-as em um saco de lixo nas
proximidades, que já estava transbordando com copos e latas. — Na
verdade, eu vim aqui para visitar o meu tio, que mora em Boston, mas houve
um incêndio enquanto eu estava lá e toda a família foi desalojada.
— Oh meu Deus — eu engasguei. — Espero que todos estejam bem.
— Sim, todos nós conseguimos sair ilesos, milagrosamente — disse
ele, brincando com um anel de prata em sua mão direita.
— Que bom — eu respondi, pensando em minha própria fuga de casa.
Não que eu pudesse falar com ele sobre isso.
— De qualquer forma, eles decidiram voar de volta para o Reino Unido
até que os reparos na casa fossem feitos, mas eu não estava pronto para
voltar, então eu decidi que eu iria ver um pouco do país primeiro — ele
explicou.
— Oh. Legal. — Desta vez a pausa foi estranha. Eu senti como se
devesse elaborar sobre as nossas férias, mas minha língua estava amarrada.
— Nós apenas... viajamos todos os anos logo após a escola liberar — eu
improvisei.
Na verdade, nosso ano escolar terminaria em uma semana, mas ele não
tinha como saber disso.
— Minha família sempre vai à praia no feriado — disse Aaron, com um
sorriso melancólico. — Estar aqui está me fazendo sentir falta da minha
irmã, devo confessar. Eu não tenho ninguém para ir fazer suf de vela. — Ele
me olhou com curiosidade. — Eu suponho que você não...?
— Surf de vela? Não — eu zombei.
— Então, eu gostaria de lhe ensinar. O que você diz? — ele perguntou,
seus olhos iluminados com o entusiasmo.
Meu coração acelerou de nervosismo. Eu nunca tinha sido de
mergulhar em coisas novas. Com estranhos. Em lugares estranhos.
— Eu prometo que vou ser gentil — ele brincou, levantando uma mão.
— Por favor? Eu realmente quero ir, mas eu prefiro ir com um amigo. E
você definitivamente parece ser uma boa amiga.
Corei, lisonjeada, depois encontrei-me imaginando como Darcy
reagiria se eu lhe dissesse que estava indo fazer surf de vela. Ela
provavelmente iria rir na minha cara com um “Sim, claro” e o próprio
pensamento fez minha pele queimar. Eu não queria mais ser previsível. Eu
não queria ser a menina fraca e chata que Steven Nell escolheu da multidão.
Eu queria abraçar todo este lema de “A vida é curta”, e se eu fosse fazer isso,
era hora de começar a enfrentar meus medos e tentar coisas novas.
— Tudo bem — eu disse. — Por que não?
— Fantástico! — ele exclamou. — Encontre-me na baía amanhã à
tarde, às duas. Há um lugar de alugueis lá. Não tem como não encontrar.
— Eu estarei lá — eu prometi.
Ouvi a risada de flerte da minha irmã do outro lado da festa e suspirei
quando ela praticamente caiu em Joaquin rindo. Duas meninas nas
proximidades pareciam irritadas. Eu desejei que ela não tivesse que ser tão
evidente.
— Bem, alguém está se divertindo — disse Aaron, seguindo o meu
olhar.
— Você disse que tem uma irmã? — eu perguntei, na esperança de
mudar de assunto.
— E um irmão — disse ele. Ele abaixou-se para pegar uma pedra e
atirou-a na água. — Eu tentei ligar para eles hoje pela primeira vez em
muito tempo, mas não tinha serviço. — Ele apertou os olhos quando olhou
para mim. — Eu acho que o seu celular não funciona aqui, não é?
Eu não sei, eu não tenho um em minha posse. Mas o GPS tinha morrido
quando chegamos aqui, meu iPad ainda não estava funcionando, e meu pai
tinha dito que até mesmo os telefones fixos não funcionavam. Talvez seja
por isso que o FBI nos enviou aqui, não havia nenhuma maneira possível de
nós entrarmos em contato com as pessoas da nossa vida antiga e estragar
nosso disfarce. — Não. Aparentemente, a ilha é uma zona morta.
Ele suspirou. — Eu estava com medo disso.
— Por que é a primeira vez que você liga há algum tempo? — eu
perguntei.
Aaron chutou a areia. — Isso é meio que uma longa história, mas
basicamente, eu tive uma enorme briga com o meu pai antes de ir embora,
então eu tenho evitado ligar para casa.
— Ah — eu disse. — Isso faz sentido.
— É claro que, a grande ironia das ironias, eu finalmente me sinto
pronto para pedir desculpas e ligar para ele, e eu não consigo falar com ele.
— Ele encolheu os ombros.
Antes que eu pudesse responder, as garotas que ele tinha falado
anteriormente correram até ele com um grito alto.
— Aí está você! — A garota de cabelos castanhos disse, envolvendo
seu braço no dele.
— Pensamos que havíamos perdido você! — sua amiga loira arfou,
balançando levemente na areia. O copo vermelho em sua mão estava quase
vazio.
— Aqui estou eu — disse ele fracamente, olhando para mim se
desculpando. — Vejo você amanhã — ele murmurou enquanto o puxavam
para longe.
— Ok! — Eu dei-lhe um aceno e um sorriso encorajador, que ele
respondeu com uma careta, mas eu tinha certeza que ele poderia cuidar de
si mesmo. Pelo menos, eu esperava que sim.
Deixada sozinha novamente, bati meus punhos juntos, querendo saber
o que fazer a seguir. Eu verifiquei Darcy, esperando que ela pudesse estar
ficando entediada, mas ela estava olhando para Joaquin, extasiada, enquanto
ele gesticulava contando uma história. Deixei escapar um suspiro e estava
prestes a me virar quando notei Lauren, Krista, Kevin, Fisher e Bea sentados
de frente para o fogo com bebidas na mão. As chamas lançavam sombras
escuras sobre os seus rostos, e as faíscas do fogo faziam os seus olhos
brilharem vermelho. Nenhum deles estava falando. Em vez disso, eles
estavam todos olhando para mim, com expressões ilegíveis em seus rostos.
Seu rosto. O rosto de Nell. Salpicado de sangue. Olhando para mim. O
flash de uma faca. O ramo torcido de uma árvore. Alguém gritou.
Sentei-me com força no cooler mais próximo, com falta de ar. Outro
flash. O grito tinha sido apenas uma garota qualquer, fugindo de dois
rapazes na água. Eu apertei a mão na minha testa e disse a mim mesma que
não era real.
Concentrei-me no cooler frio abaixo das minhas coxas. As ondas
quebrando em meus ouvidos. O calor do fogo contra a minha pele. Isso me
trouxe de volta para a Terra, mas tudo o que eu queria era estar de volta em
casa, lendo meu livro na segurança do meu quarto no terceiro andar.
Eu me levantei, caminhando trêmula para Darcy, e toquei seu ombro.
— Podemos ir agora? — eu perguntei em voz baixa. — Por favor?
— Rory, acabamos de chegar aqui — disse ela. Joaquin tomou um gole
de bebida, me estudando.
— Vamos lá, Darcy. Eu vim com você, agora eu preciso que você venha
para casa comigo — eu sussurrei.
— Está tudo bem? — perguntou Joaquim, aproximando-se de nós.
— Rory — disse Darcy por entre os dentes, com os olhos arregalados.
— Mas eu...
— Se você quer ir para casa, vá. Eu vou ficar bem — disse ela um pouco
mais alto.
Olhei para ela. Certo. Claro. Ela ficaria bem. Mas e quanto a mim? Eu
não estava exatamente feliz com a ideia de voltar sozinha.
— Estamos há cinco passos de casa — disse ela em voz baixa, seu tom
apaziguador. — Não se preocupe. Eu não vou ficar até muito tarde.
Eu me virei e olhei da praia para a nossa casa. Não era realmente tão
longe, e todas as casas entre aqui e lá tinha luzes em seus terraços. Além
disso, se alguma coisa acontecesse comigo, alguém na festa iria me ouvir
gritar. Assim eu esperava.
— Tudo bem, tudo bem. Eu vou. Mas tenha cuidado — eu disse, me
inclinando em direção a sua orelha.
— Deus. Se acalme — ela replicou. Então ela virou-se para Joaquim.
— Então, como exatamente você começou a salvar vidas?
Voltei a olhar para o fogo, e meu olhar caiu sobre Tristan. Olive estava
falando com ele, mas ele estava olhando diretamente para mim de novo, me
estudando, como se estivesse tentando ler meus pensamentos. Meu coração
começou a bater de uma forma superficial, oscilante, e parte de mim queria
apenas ir lá e falar com ele. Perguntar a ele o porquê de todos aqueles
olhares. Mas eu não poderia fazer isso. Talvez ele não estivesse olhando
para mim. Talvez ele só gostasse de olhar. E tudo que eu ganharia por
confrontá-lo seria trazer mais atenção para mim e sair como uma idiota
egoísta no processo.
Então, em vez disso, eu virei de costas para ele e me dirigi até a praia
sozinha, meu queixo enfiado na gola alta do meu suéter.
Eu tinha andado cerca de cinquenta passos quando uma névoa cinzenta
começou a girar em torno de meus tornozelos. Meu coração deu um pulo
assustado, e então meus pés desapareceram inteiramente de vista. O ar ao
meu redor parecia estar se movendo, se encolhendo, ondulando. Com o
coração na garganta, eu me virei para olhar para trás, o fogo não era nada
mais do que uma bola fosca e brilhante no cinza. Eu não podia distinguir
nem um único rosto, nem uma única pessoa. O nevoeiro tinha rolado e
distorcido tudo.
Eu me virei novamente, sentindo-me totalmente desorientada, e
acelerei meu ritmo. Eu não podia ver mais de meio metro à frente, então eu
desviei para a direita, procurando um ponto de referência. Um conjunto de
escadas apareceu, levando até uma das casas, mas não era a nossa.
Uma risada veio do nada.
Eu congelei no meu caminho, e um calafrio deslizou pela minha
espinha. O som arrepiou meus ouvidos. Era exatamente como o riso de meus
pesadelos. Exatamente como o de Steven Nell.
— Não — eu disse baixinho. — Não.
Ele veio de novo, desta vez mais perto. Gargalhando. O mais
silenciosamente que pude, comecei a correr. A areia sob meus pés me fez
tropeçar e eu estendi a mão, pronta para cair, mas minha mão bateu em algo
duro. Um grito subiu na minha garganta até que eu percebi que era apenas
um corrimão. Um corrimão de um outro conjunto de escadas. Eu não tinha
ideia se era a nossa casa ou de um vizinho, mas naquele momento eu não me
importava. Subi de dois ou três degraus de cada vez. Tudo o que importava
era entrar. Ficar longe dele.
Quando cheguei ao topo da escada, ouvi a risada de novo. Pairou na
névoa, quase em cima de mim. Subi através das tábuas de madeira e descobri
que eu estava no terraço da nossa casa. Depois de me atrapalhar com a chave
no meu bolso, eu consegui deslizar para dentro e fechar a porta atrás de
mim, girando a fechadura o mais rápido que pude. A névoa cinza rodou
contra a vidraça quando eu recuei, deixando um rastro molhado de
condensação. No outro lado do vidro, a névoa movia em pequenas pulsações.
Como se alguém estivesse lá fora, em pé a poucos centímetros de distância
de mim, respirando lentamente para dentro e para fora. Dentro e fora.
Virei-me e corri até as escadas para o segundo andar, meu coração
batendo em meu crânio. No topo da escada, ouvi um barulho e parei,
agarrando-me ao canto do papel de parede. Mas, desta vez, não era um riso.
Era algo totalmente diferente.
Ofegando, eu andei na ponta dos pés pelo corredor e fiquei do lado de
fora da porta fechada do quarto do meu pai. Ele deixou escapar um soluço
tão aflito que pude senti-lo dentro do meu coração. Meu pai estava lá,
sozinho, chorando. Uma coisa que eu não tinha ouvido dele desde o dia que
tínhamos enterrado a minha mãe.
Eu fiquei lá, com minha mão na porta, e escutei. Escutei até que o medo
desapareceu. Até que eu comecei a perceber o quão irracional eu tinha sido.
Como eu devia ter imaginado tudo. Como eu deixei um fenômeno climático
natural me assustar a ponto do pânico. Nada disso era real. Isso era real. A
dor do meu pai. Ele finalmente desmoronando.
Isso era real. E por mais que doesse, estar ali de pé no corredor,
ouvindo a sua dor, isso me deu esperança.
16 UM CONVITE
Traduzido por Lua Moreira
pós o café da manhã na manhã seguinte, eu decidi andar na cidade
e ver se conseguia encontrar um jornal. Não havia uma única TV
em casa, e eu precisava saber o que estava acontecendo com a
busca por Steven Nell. Talvez a polícia o houvesse encontrado. Talvez tudo
estivesse bem e nós poderíamos ir para casa.
Assim que coloquei minha mão na maçaneta da porta da frente, vi algo
se mover em uma das janelas do outro lado.
— O que você está fazendo?
Minha mão voou para cobrir meu coração. — Darcy! Você me assustou!
— Bem, por que você está aí congelada? — ela perguntou, olhando-me
de cima a baixo do degrau como se não pudesse acreditar que estava
relacionada com alguém tão estranha. Ela estendeu a mão para amarrar o
cabelo preto brilhante em um rabo de cavalo alto com uma faixa dourada.
— Você pareceu catatônica por um segundo. Você teve outro flash?
— Não. — Eu não podia acreditar que ela sabia o que significava
catatônica. — Eu estava prestes a fazer uma caminhada — dar uma olhada
na cidade. — Eu abri a porta e fiz uma pausa. — Quer ir?
Ela estreitou os olhos. Eu tinha certeza que ela estava pensando a
mesma coisa que eu estava pensando. Nós duas saindo juntas duas vezes em
menos de vinte e quatro horas? Parecia que o inferno havia finalmente
congelado.
— Claro — ela disse finalmente, pegando sua bolsa da mesa ao lado da
porta e quase derrubando a foto da família no processo.
— Devemos dizer ao papai que vamos sair? — eu perguntei.
— Ele foi dar uma corrida, tipo, de uma hora — disse ela enquanto
colocava seus óculos escuros.
— Sério? — eu perguntei, seguindo-a para fora da porta e do outro
lado da varanda. — De novo?
A
— O quê? Isso é tão bizarro? — ela perguntou. Ela abriu o portão e
atravessou, sem se preocupar em mantê-lo aberto para mim.
— Papai não sai para uma corrida há cerca de cinco anos — eu disse a
ela. Era estranho Darcy não ter notado. — Agora ele foi duas vezes desde
que estamos aqui.
Ela ergueu um ombro, andando para trás até a calçada iluminada pelo
sol. — Bem, bom para ele. Talvez isso o relaxe.
Então ela se virou, jogando o cabelo, e caminhou na minha frente.
Quando chegamos à esquina, olhei para trás para a casa cinza, meio que
esperando ver o rosto de Tristan em uma das janelas, mas ela estava quieta.
O lugar parecia deserto. Mesmo assim, eu acelerei meus passos, tentando
fazer parecer que eu só queria acompanhar Darcy, não que eu estivesse com
medo. Um homem de meia-idade em uma bicicleta pedalava com uma
prancha debaixo do braço, e tocou sua buzina quando passou. Do outro lado
da rua, um cara de vinte e poucos anos estava regando seu pequeno
gramado. Respirei profundamente o ar excepcionalmente perfumado e
tentei relaxar.
— Que cheiro é esse? — eu meditei. — É madressilva? Lavanda? Não
consigo identificá-lo.
Darcy inalou. — Eu não sei, mas é bom. — Ela parou sua mão no topo
de uma roseira ordenadamente cortada crescendo ao longo da calçada. — É
meio...
— Calmante — eu falei.
Ela inclinou a cabeça, considerando. — É. Como aromaterapia.
Andamos alguns quarteirões, passando por casas coloniais coloridas
com jardins floridos, balanços na varanda e pessegueiros, cada uma mais
impressionante que a anterior. Era tudo muito bonito, mas quase perfeito
demais. Como se alguém tivesse chegado e dito a todos para começar a
aprontar suas casas para o fotógrafo de cartão postal.
— Então, você não me perguntou como foi com Joaquin ontem à noite
— disse Darcy.
— Como foi com Joaquin ontem à noite? — perguntei.
— Incrível! — respondeu ela, inclinando-se um pouco nos joelhos. —
Ele é um salva-vidas. Isso não é incrível? E ele trabalha em um bar na baía,
então temos isso em comum.
— Que legal — eu disse.
— Ele é tão bonito, e ele totalmente acreditou em toda a história sobre
nós sermos de Manhattan. Ele ficou fascinado — disse Darcy, apertando as
mãos sob o queixo e, em seguida, balançando os braços. — Graças a Deus
que nos fizeram ser de algum lugar legal e não da cidade do Kansas ou algo
assim. Eu mal posso esperar para vê-lo novamente.
Bem, pelo menos ela tinha conseguido espalhar nossa história de
disfarce por aí. Talvez agora todos soubessem e eu não teria que responder
a perguntas sobre nosso suposto passado.
— Isso é ótimo, Darcy, de verdade. — Eu estava feliz que ela parecesse
ter esquecido toda a atenção que Joaquin tinha dado a mim quando tínhamos
chegado lá. E sua raiva contra mim por isso. Aparentemente, o charme de
Darcy tinha feito sua magia.
Quando virávamos em uma rua lateral e íamos para o centro da cidade,
uma brisa fria deslizou pela minha espinha e eu tive um sentimento
opressivo de que eu estava sendo vigiada. Virei-me lentamente, verificando
cada uma das janelas, mas a maioria das cortinas estava fechada. Não havia
nada.
Enquanto eu fiquei parada, Darcy tinha andado em frente e estava
quase no topo da colina. Eu me abracei enquanto passava por um velho
parque cheio de mato. Tinha dois balanços, um escorregador, e um conjunto
de barras de macaco enferrujadas. A cerca estava quebrada, e as ervas
daninhas já tinham ultrapassado um banco destinado a pais atentos. Era a
primeira coisa feia que eu tinha visto na ilha, e meu passo automaticamente
diminuiu novamente. Um dos balanços rangeu para trás e para frente com
a brisa do oceano, o seu ritmo parecendo com o de um relógio.
À frente, Darcy virou à esquerda e desapareceu de vista. Com o canto
do meu olho, eu notei um pedaço de tecido de veludo cor de canela preso a
uma das cercas enferrujadas. A mesma cor exata da jaqueta que Steven Nell
estava usando quando me atacou.
Minha garganta se contraiu de medo. Eu me virei, mas não havia
ninguém lá. Apertando os lábios, eu puxei o pedaço de tecido. Costurado no
largo vergão havia dois pequenos remendos quadrados. Um era xadrez
branco e azul. O outro era azul ao redor da borda, com um quadrado branco
dentro do contorno e um quadrado vermelho sólido no centro. Pareciam
bandeiras de marinheiros usadas para sinalizar a passagem de barcos. Nell
não tinha nada parecido com isso em sua jaqueta.
Eu respirei fundo e o larguei. Eu tinha que relaxar. Steven Nell não
possuía a única peça de veludo cor de canela do planeta. Respirei
profundamente e corri atrás da minha irmã.
Dez segundos depois, fui parar na Main Street, onde podia ver a loja
de departamentos no final do bloco. No parque no centro da cidade, dois
homens jogavam boliche de gramado enquanto o menino menestrel cantava
uma versão reggae de “The Remedy” sob o banner de publicidade dos fogos
de artifício de sexta-feira.
O menino balançava a cabeça enquanto cantava e tocava seu violão. Ele
havia atraído uma multidão, e um cara estava tocando bateria no ar com a
batida. Vi Tristan e Fisher se aproximarem do grupo vindo da direção
oposta, e meu coração pulou. Toda vez que eu via Tristan, era como se eu
fosse surpreendida mais uma vez pela forma como ele era lindo — seu cabelo
loiro roçando aquelas alucinantes maçãs do rosto, seu bronzeado, seus
braços fortes. Ele olhou para mim, então direcionou rapidamente a sua
atenção para o cantor. Corei ao ser pega olhando.
Fisher estava chupando um picolé, e eu o vi dobrar a embalagem e
começar a jogá-la por cima do ombro, mas Tristan o deteve com uma mão
em seu braço. Ele disse alguma coisa, e Fisher deu de ombros, colocando a
embalagem no bolso. Acho que Tristan era tão ecológico quanto era bonito.
— Sabe, ele realmente não é tão ruim — Darcy falou, balançando junto
com a canção do menestrel.
Revirei os olhos. Essa era a Darcy. Zombando de algo um dia, amando-
o no outro.
— Vamos — eu disse. — Vamos dar uma olhada na loja de
departamentos.
Caminhamos até o final da rua, e Darcy colocou a mão na porta, então
congelou, olhando para algo sobre o ombro. Pairando sobre o oceano em
uma falésia no ponto mais ao sul da ilha estava uma casa enorme com uma
varanda ao redor. Era pintada de azul, com intrincados detalhes esculpidos
em torno das muitas janelas e dezenas de vasos de flores pendurados na
varanda. Tinha duas torres, quase como um castelo, e as janelas ficavam de
frente para cidade, além de um enorme pátio com treliças cobertas de
videiras que as rodeavam. No topo de uma das torres estava um cata-vento
dourado com um tema de cisne, que eu notei que estava apontando para o
norte, embora o vento estivesse definitivamente soprando do oeste.
— Isso é um hotel? — perguntei.
— Tem que ser — disse Darcy. — Ou isso ou alguém podre de rico
vive lá.
Viramos para entrar na loja, mas a porta se abriu e nós duas pulamos
para trás quando Joaquin saiu.
— Ei, Rory — disse ele em sua voz profunda, dando-me um sorriso do
tipo Você não está feliz porque esbarrou em mim?.
— Um, oi — eu disse, olhando para Darcy.
— E Darcy! — ele acrescentou rapidamente. Ele estava vestindo uma
camisa polo preta, com um cisne bordado no bolso do peito esquerdo, as
palavras THIRSTY SWAN costuradas em letras cursivas sobre a cabeça do
cisne. Notei Darcy admirando seus bíceps enquanto ele torcia a tampa de
uma garrafa de chá gelado.
— Oi! — ela disse. — Eu pensei que você estava trabalhando dois
turnos hoje.
— Eu estou. — Ele tomou um gole, então abaixou novamente a garrafa
e se afastou da porta para deixar duas meninas entrarem na loja. Eu as
reconheci como as meninas que tinham falado com Aaron ontem à noite,
mas elas não se preocuparam em dizer oi. — Eu só vim aqui para um lanche.
— Oh. Nós também — disse Darcy.
Nenhuma de nós disse uma palavra sobre lanchar, mas era como se ela
tivesse que concordar com tudo o que ele dissesse.
— Pena que eu já tenha lanchado — disse ele, olhando-a de cima a
baixo. — Eu não teria me importado em ter as garotas Thayer como minhas
acompanhantes.
Ela corou em um vermelho profundo. Eu tentei não vomitar. Ele deu
um passo em direção a nós, forçando-nos a dar um passo para trás para que
ele pudesse passar.
— Vocês deveriam vir para o Swan esta noite — disse ele, parando
perto da beira da calçada e olhando diretamente para mim.
— Por quê? — eu disse.
Darcy deu um tapa no meu braço com as costas da mão.
— Porque eu vou estar lá — respondeu ele. O brilho em seus olhos
estava meio brincalhão, meio arrogante.
— Ha-ha — eu disse, sem rodeios.
— Eu realmente não vou receber nenhuma afeição de você, não é? —
ele perguntou, ainda sorrindo.
A adoração óbvia da minha irmã não era o suficiente para ele?
— Não, é sério — acrescentou ele, quando eu não me incomodei em
responder. — Todo mundo aparece lá. É o nosso tipo de coisa.
— Legal. Nós vamos — disse Darcy, empurrando as mãos nos bolsos
de trás da calça jeans, o que forçou seu peito para cima e para fora.
Eu atirei-lhe um olhar. Não iríamos nos safar tantas vezes por escapar
de casa.
— Legal — disse Joaquin. — Basta ir até as docas e procurar a
escultura do cisne bêbado. Não tem como não encontrar.
Então ele abriu um par de óculos aviador, deslizou pelo nariz com um
dedo, e se afastou. Eu não pude deixar de notar que todas as mulheres que
passaram por ele na rua, desde as de doze anos de idade com sorvete de
casquinha à idosa com o cabelo azul, viraram-se para olhá-lo.
— Por que você gosta desse cara? — eu perguntei a Darcy, logo que
ele estava fora do alcance da voz.
— Como você pode não gostar daquele cara? — ela perguntou.
Porque ele era arrogante. Porque ele era muito seguro de si mesmo e,
obviamente, um conquistador. Além disso, mesmo depois de sua suposta
sessão de intimidade ontem à noite, ele continuava a falar comigo como se
ela nem estivesse lá.
— Nós não vamos sair hoje à noite — eu disse a ela, pensando de novo
no nevoeiro que me envolveu na praia. Risada imaginada ou não, ficar em
casa parecia uma opção muito mais segura.
— Sim, nós vamos — respondeu ela, puxando a porta da loja.
— Não. Nós não vamos — eu respondi.
Darcy gemeu alto e entrou na minha frente. Ela já estava
experimentando óculos de sol em uma grade quando eu fechei a porta atrás
de nós. Lentamente, eu fiz o meu caminho ao redor da loja, para cima e para
baixo pelos três corredores curtos. O lugar era abastecido com tudo, de
cereais a luvas de jardinagem, até roupas íntimas, mas não havia nenhuma
seção de revistas. Isso era estranho. Pensei que as pessoas em cidades de
férias estavam sempre pedindo as últimas edições da US Weekly ou qualquer
coisa para ler na praia.
Aproximei-me do balcão, onde uma mulher de cabelos brancos estava
secando copos altos da fonte de soda. Ela estava com um vestido de algodão
azul e branco e um avental branco com acabamento de renda.
— Com licença — eu disse.
Seu sorriso era mais brilhante do que o sol do lado de fora. — O que
posso fazer por você, querida?
— Você tem jornais? — eu perguntei.
Ela apontou o queixo em direção à registradora. — Tem esses. Eles
são gratuitos. — Próximo à registradora antiga estava uma pilha de papéis
dobrados que pareciam com o meu jornal da escola, que só era impresso
quatro vezes por ano. Fui até lá e levantei a primeira folha.
REGISTRO DIÁRIO:
A ÚNICA FONTE DE NOTÍCIAS DE JUNIPER LANDING
O primeiro artigo estava intitulado UM DIA NA VIDA DE UM
SALVA-VIDAS DE JL. Sob o título estava uma grande fotografia de um
sorridente Joaquin Marquez.
— Só isso? — eu soltei.
— As pessoas vêm aqui para ficar longe de tudo isso — disse a mulher
com um encolher de ombros. Em seguida, ela empurrou a porta balançando
atrás do balcão e desapareceu na cozinha.
Inacreditável. — Eu vou lá pra fora! — eu gritei para Darcy.
— Tanto faz — respondeu ela.
A campainha tilintou novamente quando eu empurrei a porta e sentei
na primeira cadeira de arame. Eu rapidamente folheei a folha fina, minhas
esperanças caindo a cada virada de página. Havia histórias do desfile do
próximo Dia do Fundador, uma parte sobre um joalheiro local, e um aviso
sobre uma mesa-redonda que o prefeito estava organizando, mas não havia
nenhuma página de notícias nacionais. Nem mesmo uma coluna. Nem uma
única menção a Roger Krauss/Steven Nell ou à “adolescente sem nome” que
ele atacou na floresta fora de Princeton. Lá em casa, a nossa história tinha
sido notícia de primeira página todas as manhãs e estampada em todas as
estações locais. Tinha estado na CNN e na Dateline.
Mas aqui em Juniper Landing era como se nenhum de nós sequer
existisse.
17 COISAS NOVAS
Traduzido por Matheus Martins
traje de mergulho era surpreendentemente confortável, uma vez
que todo o neoprene tinha sido esticado, ajustado e endireitado.
Mas graças a Deus que eu nunca tinha sido tão autoconsciente
sobre o meu corpo, porque esta coisa mostrava cada curva dele. Eu dei um
passo para dentro do compartimento de água fria e caminhei até onde Aaron
estava de pé com um traje semelhante, embora o seu fosse de dois tons de
azul e moderno, enquanto o meu era preto liso e parecia algo saído de um
filme de espionagem de 1950.
— Então. O que você acha? — ele perguntou, batendo palmas e
esfregando-as juntas.
Eu olhei para a prancha de surf de vela florida vermelha e branca e a
sua vela alagada no lado oposto. Foi só nesse momento que eu senti a
enorme força do vento e o ouvi tentar cavar um túnel através do meu ouvido.
A poucos metros de distância, a água estava agitada e com ondas
espumantes. Ao longe, vi os principais pontos da ponte aparecendo acima
da sempre presente neblina, que se agarrava à água ao norte de nós, mesmo
que o céu estivesse azul brilhante sobre nossas cabeças. Eu senti um arrepio
com a simples visão da névoa rodopiando.
— Eu acho que isso é insano — eu disse.
Uma possibilidade concreta após o episódio de pânico no nevoeiro da
noite passada e o zumbido que eu poderia ou não ter ouvido na nossa
varanda. Não que eu fosse dizer algo do tipo para ele.
Aaron riu e deu um passo em cima da prancha como se não fosse nada.
— Você vai adorar. — Ele pegou uma corda presa à vela com uma mão
e segurou a outra para mim. — Nós vamos sair juntos da primeira vez, e
quando você ver como é simples, vamos voltar e pegar a sua própria
prancha.
Essa ideia era um pouco menos assustadora.
O
— Agora suba aqui — disse ele com um sorriso.
Meu coração acelerou, e eu peguei a mão dele. Ele me puxou e me
deslizou na frente dele. Ele se inclinou para o lado e puxou a corda até que
a vela subisse lentamente para fora da água. Meus pés escorregaram e quase
caí, mas Aaron de alguma forma me segurou contra seu peito enquanto
continuava a hastear a vela com as duas mãos.
— Segure-se na vela e encoste-se em mim — disse ele, uma vez que
iríamos ficar em pé todo o caminho. Havia um bar à frente de nós, e eu me
agarrei a ele como um salva-vidas. Ele rapidamente pegou uma corda de
nylon e amarrou em torno das nossas cinturas, ancorando-nos um ao outro
e ao mastro. Ele estava tão seguro de si e tão rápido que eu senti minha
pulsação começar a correr.
— As três coisas mais importantes são que você segure a vela, se
mantenha inclinada para trás, e mantenha os pés o mais próximo do mastro
que puder — disse ele no meu ouvido. — Eu vou virar a prancha para
continuarmos indo.
— Tudo bem. — Eu balancei a cabeça, olhando para os meus pés. Meus
dedos estavam enrolados, segurando a superfície escorregadia como um
salva-vidas, e os músculos de meus tendões já estavam começando a doer.
— Onde você aprendeu a fazer tudo isso?
Seus braços e pés estavam ambos trabalhando, movendo a prancha ao
redor sob os nossos pés. Eu dei um passo para cima e para baixo, também,
sentindo como se a cada segundo eu fosse perder o equilíbrio e cair de cara
na água. Mas eu supus que seria outra primeira vez.
— Meu pai me ensinou — disse ele. — Tiramos férias todo Natal em
St. Croix. Minha família inteira faz surf de vela.
— Que legal — eu disse.
Eu não poderia imaginar minha família inteira fazendo nada juntos.
Bem, nada a não ser fugir de um serial killer. Meu coração acelerou com o
pensamento de Steven Nell, mas tão rápido quanto eu pude, eu empurrei-o
de lado. Eu não queria ter medo. Não agora. Agora eu queria tentar algo
novo. Eu queria ser livre.
O vento tinha acabado de atingir a vela, e de repente nós cambaleamos
para frente, dirigindo-nos para a baía aberta. Eu caí para frente, mas Aaron
rapidamente travou os braços perto dos meus lados, apertando meus ombros
para me firmar, e eu fui capaz de me endireitar.
— Se incline para trás! — ele gritava para ser ouvido sobre o vento. —
Incline-se em mim.
Fiz o que me foi dito, deixando meu corpo roçar o dele.
— Não é o suficiente — ele gritou. — Você tem que confiar em mim,
Rory. Incline-se para mim.
Eu engoli o meu medo, deixei meus cotovelos relaxarem, e me inclinei
para trás. Instantaneamente eu pude sentir a diferença. A prancha estava
mais equilibrada e eu me sentia dez vezes mais segura com o meu corpo
contra o dele.
— É isso aí — disse ele. — Mantenha os joelhos dobrados assim, se a
prancha saltar você pode absorver o impacto.
Relaxei meus joelhos. A prancha pulou e saltou, mas não demorou
muito para que eu encontrasse o ritmo e estarmos nos movendo juntos como
profissionais. Ou pelo menos como se tivéssemos feito isso antes.
— Daqui a pouco, eu vou te ensinar como mudar de direção, mas, por
enquanto, apenas fique calma e desfrute do passeio.
Eu respirei fundo e soltei o ar lentamente. O sol estava quente no meu
rosto, mesmo quando o vento soprava meu cabelo molhado para trás de
meus olhos. Aaron tinha o controle completo da prancha, e eu relaxei um
pouco na vela. Olhei para longe no horizonte, encarando o céu azul, as
gaivotas mergulhando, o sal picante da água. Pulamos uma onda
particularmente grande, e eu soltei um grito de alegria, me entregando mais
ao passeio.
Uma hora depois, eu cambaleei até a baía e caí do meu lado na areia
quente. Todos os músculos do meu corpo pareciam geleia. Meus ombros
doíam. Meus pés estavam em chamas. Meu rosto estava tão queimado que
eu ia precisar de um galão de Aloe vera. Mas eu não conseguia tirar o sorriso
do meu rosto.
Aaron caiu esparramado ao meu lado, e rolou de costas, deixando
escapar um gemido de satisfação.
— Você não pode me dizer que essa não foi a coisa mais divertida que
você já fez em sua vida — disse ele, piscando um olho ao olhar para mim.
Empurrei-me para cima em meus cotovelos trêmulos e olhei para as
duas pranchas de surf de vela, que estavam sendo transportadas para fora
da água pela tripulação do aluguel.
— Você está certo. Eu não posso te dizer isso — eu disse.
Sentei-me e inclinei a cabeça para trás para olhar as nuvens
perseguirem umas as outras pelo céu. A areia agarrou-se a cada centímetro
da minha roupa de mergulho, e meu rosto se arrepiou com o vento quente,
mas eu nunca me senti melhor em toda a minha vida. Eu me sentia realizada.
Me sentia livre. Me sentia viva.
— Obrigada por me trazer até aqui — eu disse. — Eu precisava disso.
Havia manchas verdes e douradas em seus olhos castanhos e uma
camada de areia presa em sua bochecha.
— Quando quiser, Rory Thayer.
Minha pulsação parou. Aaron era o meu novo amigo, e ele ainda nem
sabia meu nome verdadeiro ou qualquer coisa sobre de onde eu vim. Mas
isso era uma coisa boa, eu me lembrei. Isso significava que eu estava a salvo.
Que ele estava a salvo. E enquanto eu estivesse lá, o sol aquecendo meu
corpo e o cheiro do ar calmante de madressilva envolvendo meus sentidos,
eu acho que talvez, apenas talvez, tudo ficaria bem.
18 O THIRSTY SWAN
Traduzido por Matheus Martins
ssim que meu pé em tênis passou pela porta do Thirsty Swan na
segunda-feira à noite, eu quis dar a volta e ir para casa. Cada uma
das mesas de madeira estava cheia de pessoas e cada pessoa no
lugar parecia ter vinte e cinco anos ou menos. A música era alta, as
conversas eram feitas aos gritos, e de vez em quando uma rodada de risos
estridentes irrompiam a partir de um canto do salão. Três paredes eram
completamente compostas de janelas de tela com vista para a baía, e a brisa
fresca circulava por toda o salão, misturando o ar salgado do mar com os
aromas de fritura de alimentos e cerveja derramada.
— Isso é incrível! — Darcy gritou, olhando quando dois rapazes no
bar beberam um conjunto de copos de doses, cada um preenchido com um
líquido marrom escuro.
— Na verdade, eu acho que isso é meio ilegal — eu respondi, quando
um dos caras já bêbado entornou sua última dose. Todo mundo ao redor
dele aplaudiu, incluindo Fisher e Kevin. O garoto parecia ter cerca de 14
anos de idade. Eu explorei a multidão procurando Aaron, mas ele estava
longe de ser encontrado. Eu tinha mencionado isso para ele esta tarde, mas
aparentemente ele era esperto o suficiente para evitar esta cena em
particular.
— Rory — Joaquin gritou de trás do bar. Ele inclinou-se para o balcão
quando nos aproximamos, e sorriu. — Eu sabia que você não poderia ficar
de fora.
Eu senti Darcy endurecer ao meu lado.
— Na verdade, eu só estou aqui para ser braço direito de Darcy — eu
disse. — Você se lembra de Darcy, certo? — eu adicionei incisivamente,
apontando para a minha irmã.
— Lealdade. Eu gosto disso — disse ele, ignorando minha alfinetada.
— Ei, Darce — disse ele, levantando o queixo para ela. — Por que vocês
A
não pegam um lugar? — Ele fez um gesto em direção a três bancos livres
no final do bar. Krista acenou para nós a partir do quarto, ao lado da parede.
— Ei, pessoal — disse ela, batendo no banco à sua esquerda. —
Guardei um assento para vocês, Ror.
Darce? Ror? Sério? Não tínhamos acabado de conhecer essas pessoas?
Sentei-me ao lado de Krista enquanto Darcy tomava o banquinho na
extremidade, deixando um vazio entre nós. Isso fez eu me sentir conspícua
e desajeitada, o que era provavelmente o que ela estava esperando. Tristan
estava ocupado cortando limões no balcão de trás. Na frente dele estava uma
enorme parede espelhada, repleta de prateleiras longas cheias de garrafas de
bebidas alcoólicas. Ele não disse oi nem ao menos olhou por cima de sua
tarefa. Joaquin virou de lado e deslizou por ele, então inclinou uma mão para
o bar na minha frente. Sua pulseira de couro se agarrava a sua pele tão forte
que parecia desconfortável.
— O que posso pegar para você? — ele questionou.
— Água, por favor — eu disse.
— Qualquer coisa que você tiver na torneira — Darcy respondeu,
tirando sua jaqueta de couro.
— É isso aí — disse ele com um sorriso.
— Você vai servi-la? — eu perguntei, surpresa.
— Rory! — disse Darcy, olhando para mim.
Tristan olhou para cima brevemente, olhando em meus olhos, em
seguida, voltou para seus limões.
— Ele serve a todos — disse Krista com um encolher de ombros. Ela
parecia uma supermodelo em um vestido maxi colorido, joias de bom gosto,
e, é claro, a sua pulseira de couro. Como se tivesse notado o meu olhar, ela
colocou a mão sobre o bracelete de couro. — Esse é o nosso Joaquim.
— Não é o meu trabalho dizer às pessoas o que elas podem e não podem
fazer — Joaquin respondeu, enchendo uma caneca de cerveja até a borda. —
Mas eu gosto que você tenha um saudável senso de moralidade, Rory.
Krista sorriu para isso, e eu não pude evitar me perguntar se eles
estavam tirando sarro de mim de alguma forma. Com um suspiro, ela retirou
uma moeda do bolso e segurou-a na posição vertical em cima do balcão com
a ponta do seu dedo. Quando ela jogou-a para fazê-la girar, percebi que não
era qualquer moeda americana normal. Era do tamanho de uma moeda, mas
era de uma cor bronze claro, e eu me perguntei de que país ela vinha. Os
Parrishs eram viajantes pelo mundo? Eu não tive tempo de ver o entalhe,
no entanto, antes que ela estivesse girando sobre o balcão. Tristan olhou
para cima e seus olhos se arregalaram um pouco. Ele bateu sua mão sobre a
moeda e a deslizou de volta para ela.
— Não brinque com isso — ele disse através de seus dentes.
Ela revirou os olhos e guardou a moeda.
— Já é a centésima vez que você me diz o que fazer hoje, ou é apenas a
nonagésima nona? — ela brincou. Tristan ignorou-a e voltou para o seu
trabalho.
Olhei para Darcy para ver se ela tinha notado suas atitudes estranhas,
mas ela estava muito ocupada olhando para Joaquin enquanto ele colocava
os nossos copos na frente de nós, em seguida, afastava-se para ajudar
alguém. Darcy tomou um gole de cerveja, e eu a vi tentando não estremecer.
Eu me forcei a não rolar os olhos e tomei um gole de água.
— Então, vocês já estiveram na loja de departamentos? — perguntou
Krista, voltando a inclinar-se para trás contra o balcão. Era como se ela
estivesse trabalhando em uma série de poses pré-definidas.
— Fomos esta tarde — Darcy respondeu, tomando outro gole.
— Oh! Pena que eu não vi vocês — disse Krista com uma pequena
careta. — Eu teria oferecido sorvete grátis para vocês.
— Você trabalha lá? — perguntei.
— Sim — disse ela, revirando os olhos novamente. — Mamãe insistiu
para que eu conseguisse um emprego. Tenho que me manter ocu...
Tristan jogou uma toalha em seu rosto, onde ela se agarrou a seu
cabelo e cobriu tudo, até sua boca. Ela puxou-a lentamente, ficando
brilhantemente vermelha.
— Muito obrigada, mano — disse ela com sarcasmo, chicoteando-a de
volta para ele. Ele pegou-a do ar e deu-lhe um olhar de advertência. — Ele
acha que assuntos de família devem permanecer na família — explicou ela.
Olhei para Tristan, cujo rosto parecia um pouco rosa, também.
— E aí, pessoal?
Olive deslizou para o banco ao lado do meu, preenchendo o vazio entre
mim e Darcy.
— Dá para acreditar nesse lugar? — perguntou Olive, sorrindo
afetadamente quando um cara do outro lado do bar deu uma cuspida em sua
bebida e todo mundo riu. — É como férias de primavera elevado ao cubo.
Como se fosse uma sugestão, um grupo de meninas perto das janelas
soltou um sonoro “Wuu-huuu!”
Olive e eu nos olhamos nos olhos e rimos.
— Ei, Olive.
Meu coração aqueceu ao som da voz de Tristan.
— Ei, T — ela respondeu de uma forma familiar, ajustando a manga
de sua blusa preta florida.
— Olá — eu disse incisivamente, tentando destacar o fato de que ele
ainda não tinha cumprimentado nem eu nem Darcy.
Ele se virou para olhar para mim, mas não disse nada. O azul de seus
olhos era profundo, quase a cor do Oceano Caribenho, sólido e liso, não
marcado por variação ou manchas. Ele usava uma camiseta do Thirsty Swan
azul que exibia os músculos do seu peito e seu bronzeado escuro.
— Posso pegar alguma coisa pra você, Olive? — ele perguntou, ainda
olhando para mim.
— Você me conhece, T — ela respondeu, brincando com um
guardanapo. — Coca-Diet.
Ele deu um pequeno sorriso, o primeiro que eu tinha visto nele, e isso
mudou seu rosto completamente. Se possível, o deixou ainda mais bonito.
— É pra já.
Ele virou-se e pegou um copo limpo.
Olive me cutucou. — Então, eu estive pensando sobre essa coisa toda
de corrida, e eu decidi dar uma chance — disse ela, levantando-se no degrau
de seu banquinho e se estendendo por cima do bar para pegar uma varinha
de coquetel. Ela colocou-a entre os lábios e mastigou a extremidade. — Você
quer ir comigo amanhã?
— Eu adoraria ir dar uma corrida! — Krista entusiasmou-se.
— Você não corre — disse Tristan, colocando a Coca-Diet de Olive na
frente dela.
— Mas eu...
— Você não vai estar trabalhando amanhã de qualquer maneira? — ele
questionou.
O rosto de Krista caiu, e ela fez beicinho de novo. — É — disse ela por
entre os dentes assim que Tristan afastou-se para encher um copo para
outro cliente.
Eu mordi meu lábio inferior, considerando. Eu não havia saído para
uma corrida desde que tinha chegado aqui, e eu sabia que eu nunca iria
sozinha, não com o espectro de Steven Nell pairando sobre mim.
Ainda assim, sob o meu banquinho, os meus pés saltavam loucamente,
ansiosos com a ideia de um bom treino. — Por que não? — eu disse
finalmente. — Quanto mais pessoas mais seguro é, certo?
— Seguro? — perguntou Joaquim, convergindo para nós. — Com o
que você está preocupada?
Meu rosto ficou vermelho. Droga. Por que eu disse isso em voz alta?
Atirei a Darcy um olhar de me salve, mas ela estava congelada com os lábios
na borda do copo. Tristan se aproximou e deu um tapa nas costas de Joaquin,
mas ele parou quando viu a cena de mim e Darcy em modo suspense opa! e
Olive, Krista e Joaquin esperando pela minha resposta.
— Ok. No que eu acabei de me meter? — perguntou Tristan.
— Nós estávamos prestes a descobrir por que Rory está preocupada
com sua segurança — disse Krista enquanto Joaquin apoiava os cotovelos
no balcão.
Darcy colocou seu copo na mesa e limpou a garganta.
— Oh — disse Tristan, e uma sombra passou através de seus olhos. —
Isso soa sinistro.
Meu coração batia horrivelmente forte.
E quando vocês chegarem onde estiverem indo, vocês não podem dizer quem
vocês realmente são, ou de onde vocês são ou por que vocês estão lá, a voz da Agente
Messenger disse no meu ouvido. Para sua segurança e a deles.
— Não é nada. Eu só... eu não gosto de correr sozinha — eu improvisei,
tomando outro gole de água. — É sempre melhor com um amigo.
— Mas você disse que gostava de ser Zen — Olive me disse. — Você
disse que era o que você amava sobre isso.
— Eu disse isso, não disse? — eu disse. Coloquei o copo no balcão com
um barulho. — Eu só... eu não sei. — Meu corpo inteiro queimou quando
todos ao meu redor ficaram me olhando. Deus, eu odiava isso. — Hum,
correr em torno de um lugar estranho... sem saber para onde está indo...
parece mais inteligente ter alguém com você, certo? Eu só... eu... eu só...
— Rory, não há nada para se preocupar. — Do nada, Tristan pegou
minha mão, colocando seus dedos em cima dos meus. Eu instantaneamente
fiquei rígida. Darcy, Olive, Krista e Joaquin olharam para nossas mãos, mas
Tristan não pareceu notar. Sua pele estava incrivelmente quente, a ponta
dos seus dedos confortavelmente calejadas, e seu toque enviou arrepios pelo
meu braço. — Juniper Landing é praticamente o lugar mais seguro do
universo. Honestamente. Nada de ruim acontece aqui.
Olhei em seus olhos, sem fôlego, e acreditei em cada palavra que ele
disse. Ou, pelo menos, eu acreditei que ele acreditava nisso. Minha
frequência cardíaca começou a desacelerar. Quando Tristan rompeu o
contato e jogou algumas cascas de limão e guardanapos em uma pequena
lata de lixo, meus dedos formigaram onde sua mão tinha estado. Eu tive
uma imagem mental súbita de me derreter nele e fiquei tão assustada com
isso que eu realmente tive de sacudir a minha cabeça para limpá-la.
Tristan agarrou a lata de lixo e empurrou-a de volta sob o balcão. Eu
tive uma clara visão de dentro quando ele fez isso e senti um estalo no meu
cérebro, como uma chicotada. Mesmo que ele tivesse acabado de jogar lixos
lá dentro, a lata de lixo estava vazia.
Olive estreitou os olhos para mim. — Você está bem? Seu rosto está
vermelho brilhante.
Tristan limpou as mãos em seu meio avental, como se nada estivesse
errado.
— Oh, hum. Eu estou bem. Eu só preciso... correr para o banheiro —
eu falei atrapalhada, empurrando meu banquinho. O que eu precisava era de
um minuto para me recompor. Eu não só era a pior mentirosa do planeta,
mas agora, ao que parecia, eu não podia nem mesmo confiar em meus
próprios olhos.
Eu evitei um bêbado cambaleante e estava tecendo meu caminho por
entre as mesas em direção à parede de separação, quando de repente a
música no jukebox mudou. A música de dança que estava tocando foi cortada
abruptamente e, de repente, uma familiar melodia aguda encheu o bar. “The
Long and Winding Road”. Eu parei de me mover. Parei de respirar.
— Rory Miller — alguém sussurrou.
Meu coração virou pedra. Eu me virei. E virei. E virei.
— Rory Miller — a mesma voz sussurrou novamente.
Alguém estava dizendo o meu nome. Exceto que ninguém em Juniper
Landing conhecia esse nome. Para eles eu era Rory Thayer.
De repente, eu estava correndo pela floresta, meu pescoço molhado de
suor, meu coração batendo em pânico. Havia escuridão em toda parte. Um
galho estala. Uma risada. Uma risada horrível, horrível.
Alguém bate no meu ombro.
— Ai! — eu disse em voz alta, voltando ao presente.
— Desculpe — um cara em uma camisa de flanela disse
sarcasticamente, olhando-me de cima a baixo como se eu fosse uma
aberração.
Meus olhos correram pela sala. Darcy continuava sentada olhando
Joaquin ansiosamente. Olive estava fazendo algum tipo de trabalho artístico
no bar com as varinhas de coquetel e pretzels enquanto Tristan estava de
costas para mim por trás do balcão, olhando fixamente para algo que eu não
podia ver. Fisher e Kevin estavam inclinando-se para o balcão, sussurrando
algo para Joaquin. De repente, os três se viraram para olhar para mim, suas
expressões em branco, e eu rapidamente desviei o olhar. Havia jovens com
bonés de beisebol, meninas em saias apertadas, um casal discutindo perto do
banheiro. Mas em nenhum lugar, em nenhum lugar, em nenhum lugar
estava Steven Nell.
Eu fiquei lá por um momento, escutando. Não havia nada. Nada mais
do que gritos, risos e aquela música horrível. Mas quando eu olhei uma
última vez para o bar, eu vi Tristan me olhando de novo também, com os
olhos mais azuis do que nunca, olhando para mim como se soubesse cada
detalhe da minha vida.
Até o meu nome verdadeiro.
19 FUGA
Traduzido por Matheus Martins
u acho que Joaquin é o cara mais gostoso que eu já conheci
— disse Darcy quando nós pisamos no calçadão fora da
Thirsty Swan. — Bem mais gostoso do que Christopher,
você não acha?
Eu atirei-lhe um olhar rápido, mas ela estava muito ocupada inclinando
a cabeça para trás para olhar as estrelas. Christopher. Eu não tinha pensado
nele o dia todo. Eu acho que entre Aaron, Tristan, Olive e Joaquin, além de
toda a diversão potencialmente-enlouquecendo-minha-mente, eu tinha
estado meio distraída.
— Claro. Eu acho — eu disse cuidadosamente, ouvindo o som da água
da baía batendo suavemente contra as torres enquanto caminhávamos. Era
um alívio estar fora do bar e longe do barulho. Longe daquela multidão e da
jukebox com suas seleções estranhamente desconcertantes.
Toda vez que eu pensava naquela música tocando, naquele sussurro,
no zumbido que eu ouvi no outro dia, no riso no meio do nevoeiro e no
pedaço de tecido no parque, meu coração paralisava dolorosamente e eu me
sentia como se quisesse gritar. Se eu não conversasse sobre isso com alguém,
eu ia enlouquecer.
— Darcy, eu tenho algo para lhe dizer, mas por favor não surte — eu
disse.
Ela parou de andar e me olhou com interesse.
— O quê?
— Eu pensei ter ouvido Steven Nell no bar hoje à noite — eu disse.
A mandíbula da minha irmã caiu. Era quase como se ela esperasse que
eu iria dizer uma coisa, e eu tinha dito uma completamente diferente.
— O quê?
—E
— Alguém sussurrou meu nome. E não foi Rory Thayer, foi Rory
Miller — eu disse. — Você não ouviu “The Long and Winding Road” na
jukebox?
Darcy piscou. — Sim, mas os Beatles são a banda mais popular de todas
— ela ressaltou.
— E eu ouvi alguém cantarolando fora da nossa casa no outro dia,
também — eu insisti. — E então, nesta manhã, eu encontrei um pedaço de
tecido no parque que se parecia com aquele casaco cor de canela que ele
sempre usava.
Por um longo momento, ela apenas olhou para mim, como se estivesse
à espera de mais. — É isso?
— O que você quer dizer com é isso? — eu rangi. — Isso não é o
suficiente?
— Rory — disse ela, estalando a língua com impaciência. — Você já
parou para pensar que talvez você esteja apenas ouvindo coisas?
— Ouvindo coisas? — eu repeti.
Ela levantou os ombros. — Eu não sei. Talvez esses seus flashes sejam
um sintoma de estresse pós-traumático. Faz total sentido que esteja
acontecendo de novo, certo? Quero dizer, você quase foi morta.
Eu cerrei os dentes. — Isso não era como os flashes, Darcy — eu disse
a ela. — Eu posso dizer a diferença entre os flashes e a realidade. Eu sei o
que eu vi! Eu sei o que eu ouvi!
Darcy revirou os olhos e gemeu. — Podemos apenas ir? Está ficando
frio aqui fora.
Eu deveria ter sabido que ela nunca me levaria a sério. No mundo de
Darcy, nada de ruim acontecia. E se acontecesse, ela simplesmente ignorava
ou nunca conversava sobre isso. Como depois que minha mãe morreu. Tudo
o que Darcy fez foi fazer mais amigos, comprar mais roupas no shopping, ir
a mais festas. Ela nunca chegou a ficar deprimida ou nostálgica; ela nunca
quis relembrar. Ela estava muito ocupada se divertindo. Muito ocupada
seguindo em frente.
— Tudo bem — eu disse com firmeza. — Vamos.
Estávamos prestes a virar o calçadão e nos dirigir para a cidade,
quando vi algo se mover na água. O ar parecia estar se movendo. Eu agarrei
o braço de Darcy, e minha garganta ficou seca. Era o nevoeiro de novo, e
estava rolando rapidamente.
— Darcy, olha! — eu sussurrei.
— O quê? Steven Nell está pendurado em um dos barcos?
No momento em que ela virou a cabeça, a névoa já estava girando em
torno de nós. O som sibilante estranho começou a fazer meu pulso bater nos
meus ouvidos. Darcy estava tão tensa que eu podia praticamente sentir isso
saindo dela em rajadas.
— Venha. Está ficando tarde. — Darcy começou a subir a colina e
desapareceu completamente. O nevoeiro engoliu-a por inteiro. Com o
coração na minha garganta, eu avancei e corri alguns passos até que avistei
suas panturrilhas — duas listras brancas deslizando no cinza enquanto ela
acelerava para caminhar na minha frente.
— Darcy — eu sussurrei. — Vai mais devagar.
— Por que você não me acompanha, estrela das corridas? — ela atirou
de volta.
Eu tentei, mas o nevoeiro era muito desorientador. No topo da colina,
meu pé bateu numa rachadura irregular na calçada, e meu tornozelo torceu.
No momento em que eu me endireitei, minha irmã tinha desaparecido de
novo inteiramente.
— Darcy! — eu assobiei, virando-me na névoa. — Darcy! Onde você
está?
Nenhuma resposta. Nada além do silvo da névoa ondulante.
— Darcy? — eu choraminguei.
— Eu estou aqui! — Sua voz estava praticamente no meu ouvido.
— Você me assustou — eu sussurrei, lançando o braço para frente.
Minha mão bateu em seu ombro. Eu não tinha ideia de que ela estava tão
perto.
— Ai! — ela disse.
Peguei a mão dela para que não nos separássemos novamente.
— Isso é realmente necessário? — ela reclamou, tentando se afastar.
— Sim. É sim — eu respondi, esmagando seus dedos.
— Deus! Tudo bem! Apenas solte-os, ok?
Eu soltei. Mas apenas um pouco.
Combinando os nossos passos, cortamos na diagonal da grama
molhada do parque e descemos a colina em direção a nossa casa. Eu podia
ouvir as ondas rolando na praia à frente e comecei a relaxar. Estávamos
quase lá. Quase seguras.
Então, em algum lugar dentro do nevoeiro, alguém riu.
Darcy e eu congelamos. Ela apertou minha mão com tanta força que
eu senti um estalo.
— Você ouviu isso? — ela disse.
— Sim — eu arfei.
Então veio de novo. Outra risada. Uma espécie de risada baixa e
ameaçadora.
— Darcy? — eu sussurrei com a voz rouca.
— Corre — ela ordenou.
Viramos e arrancamos pela rua, tropeçando para fora da borda invisível
da calçada e tropeçando em toda a estrada larga. O nevoeiro puxou meu
cabelo enquanto eu corria, puxando-o do meu rosto e deixando sua calorosa
trilha úmida ao longo da minha pele. Meu pé bateu no meio-fio oposto, e eu
voei para frente sem peso, mas Darcy parou a minha queda com um puxão
forte no meu braço.
— A porta está bem aqui! — ela sussurrou.
Nós viramos e gritamos enquanto corríamos de cabeça para o peito de
alguém. Uma mão forte apertou em torno de meu braço. Eu estava prestes
a começar a implorar por nossas vidas quando eu reconheci o cheiro do gel
de banho do meu pai.
— Garotas! Para dentro! Agora! — meu pai exigiu.
Eu senti como se meu coração fosse explodir. Darcy agarrou-se ao meu
lado, cambaleamos até o portão aberto, subimos os degraus, e entramos em
nossa casa. As luzes brilhantes feriram meus olhos após a escuridão da rua,
e levaram um segundo para se focarem. Meu pai bateu a porta atrás de nós,
e eu pulei quando ele a trancou.
— O que vocês estavam pensando? — meu pai se irritou, girando sobre
nós. — Vocês saem de casa sem me dizer? Ficam fora até meia-noite? O que
vocês acham que isso é, uma espécie de férias?
Darcy cruzou os braços sobre o peito. — O que você espera que
façamos? Que fiquemos trancadas aqui o tempo todo?
— Sim — ele gritou, tremendo enquanto seu rosto ficava fúcsia. —
Isso é exatamente o que eu espero que vocês façam! Não conheço ninguém
nesta cidade. Vocês duas poderiam ter sido feridas! Ou mortas!
— Mas nós não fomos! — Darcy destacou com raiva. — Nós estamos
muito bem!
Mas meu pai não parecia ouvi-la. — A partir de agora, vocês duas estão
de castigo. Sem sair de casa à noite. E durante o dia vocês vão me dizer
exatamente onde vocês estão indo e com quem vocês estão indo. Sem
discussão.
Ele se virou e começou a pisar duro pelas escadas.
— Mas, pai — Darcy lamentou.
— Não me responda! — ele rugiu. — É para sua própria segurança.
Os olhos de Darcy brilharam. — Quando foi a última vez que você me
perguntou onde eu estava indo à noite? Quando eu iria voltar para casa
depois da escola? Quem eram meus amigos? Quem era o meu namorado? —
ela vociferou, lágrimas transbordando em suas bochechas vermelhas. —
Você nunca me perguntou nada! Você nunca ouvia qualquer coisa que eu
dizia! E agora, de repente, você quer me dizer o que fazer, quem eu posso
ver, onde eu posso ir? Não! De jeito nenhum! Você não pode simplesmente
decidir de repente ser um pai novamente após cinco anos de completo
silêncio!
Ela passou por ele e caminhou até as escadas.
— Darcy! — ele gritou atrás dela.
— Não! — ela gritou de volta. E, em seguida, a porta dela bateu.
Eu estava contra a parede, olhando para a nossa foto de família sobre a
mesa com os olhos embaçados, tentando recuperar o fôlego. Darcy já tinha
respondido o meu pai antes, mas nunca assim. Ela nunca gritou com ele.
Nunca colocou para fora todos os seus defeitos. E agora, aqui estávamos,
nós dois, de pé em meio à destruição de sua bomba nuclear.
Depois de um longo momento, eu ouvi meu pai suspirar. Olhei para
cima, derramando uma lágrima, e ele olhou para mim. Seus olhos estavam
pesados e tristes. Sua postura curvada. Pela primeira vez em muito tempo,
ele parecia arrependido.
— Eu apenas vou para a cama — eu disse calmamente.
Ele sentou-se na escada, como se o ar tivesse sido soltado dele. Até o
momento que eu passei por ele, ele tinha o rosto enterrado nas mãos. Pensei
no que eu tinha ouvido na noite passada, ele chorando sozinho em seu
quarto, e meu coração se penalizou por ele.
— Boa noite, pai — eu disse, percebendo que eu não tinha dito isso em
um impossível longo tempo.
Ele não respondeu a princípio, mas quando cheguei ao topo da escada,
ele se virou e olhou para mim, com lágrimas brilhando em seus olhos.
— Boa noite, Rory.
20 PRESENTES
Traduzido por L. G.
sta ilha não economizava em seus presentes. A neblina. A fantástica
neblina. Sua capacidade de cegar era tão completa. Tão
absolutamente abrangente. Não era igual a nada que ele já tivesse
visto, lido ou ouvido falar, mas era adorável. Era estimulante.
Ele tinha estado tão perto dela esta noite. Muito, muito perto. Ele
provou o seu medo de novo, tão doce e salgado. Ele se segurou para não
estender a mão e arrancar um fio daquele cabelo para si. Para prová-lo
novamente. Para obtê-lo. A possibilidade era quase demais para suportar.
Mas agora não era o momento. Ele já tinha colocado o seu plano em
ação e não podia arriscar agora. Desta vez, tudo iria acontecer como o
planejado. Desta vez, nada e ninguém iria impedi-lo. Desta vez, ela seria
dele.
E
21 PERFEITO
Traduzido por L. G.
eus músculos da coxa estavam em chamas, e minhas
panturrilhas com câimbra. Havia uma bolha se formando no
lado do meu dedão do pé, e suor encharcava as costas da minha
camiseta cinza. Meus pulmões queimavam, meus olhos estavam aguados, e
meu pescoço coçava sempre que meu cabelo roçava contra ele.
Eu estava no paraíso. Por que eu tinha esperado tanto tempo para fazer
isso?
Quando cheguei a uma curva na pista, o topo da falésia apareceu à vista.
No primeiro quilômetro, Olive tinha acompanhado o meu ritmo, ofegando
ao meu lado. Depois disso ela ficou para trás e agora não havia nada além
das ondas quebrando no mar e o vento chicoteando. Eu esperava que ela
estivesse bem, porque eu não iria parar. Isso era muito divertido.
Imaginando a linha de chegada à frente, ativei minha excitação e me
empurrei para uma arrancada para o último declive. Assim que cheguei ao
topo, deixei escapar um riso triunfante e eufórico. Eu diminuí meus passos
para uma caminhada e segurei meus dedos no pescoço para ver o meu pulso.
Perfeito. Tudo, neste momento, estava perfeito. Decidi saborear isso.
Saborear o sol no meu rosto, o ar limpo sibilando dentro e fora dos meus
pulmões, o aroma floral encantador ao meu redor. Eu não iria pensar na casa
estranha cinza, no pedaço de tecido e nem nos sussurros, nas risadas ou nos
assobios. Eu não iria refletir sobre o fato de que Darcy se recusou a me levar
a sério ontem à noite, ou que meu pai não tinha saído de seu quarto esta
manhã. Eu ia ficar aqui e respirar.
Bem abaixo de mim na colina havia um pequeno afloramento com um
mirante muito branco em seu centro, e mais abaixo eu podia ver o telhado
da nossa casa na Rua Magnolia. Depois disso, o mar seguia até o infinito.
Eu ergui meus braços sobre minha cabeça e estiquei.
M
Minha mãe teria adorado este lugar. Ela vivia para a praia, para cidades
pequenas e pitorescas. Os jardins daqui fariam ela morrer de inveja, e eu
podia imaginá-la polvilhando os moradores locais com perguntas sobre
como eles conseguiram fazer suas tulipas florescerem assim no final da
estação e se suas rosas precisavam de mais ou menos poda. Senti uma
pontada de tristeza, desejando que ela estivesse aqui neste lugar que parecia
feito sob medida para ela, e me esforcei para deixá-la de lado. Essas dores
eram parte da minha vida agora — elas seriam para sempre — e embora eu
às vezes me deixasse chafurdar nelas, este não era um desses momentos.
Não enquanto eu estava tentando apreciar a perfeição.
À minha esquerda, uma trilha fina e pavimentada cortava a grama, e
eventualmente rompia em duas direções. Uma levava à direita para a grande
casa azul que Darcy tinha notado ontem, a outra para a rua, onde se
transformava em uma grande calçada. Fui até um banco situado à direita na
bifurcação no caminho e me sentei nas costas dele alongando a panturrilha
enquanto eu esperava por Olive. Assim que eu virei de costas para a casa,
senti um arrepio como se alguém estivesse me observando e olhei por cima
do meu ombro. As plantas balançavam na brisa, e o cata-vento no topo do
telhado estava voltado para o sul. De resto, o lugar estava quieto.
— Deus, você não estava brincando quando disse que você era uma
corredora! — disse Olive entre suspiros quando ela finalmente se juntou a
mim uns bons cinco minutos mais tarde. Ela caiu sobre o banco e colocou a
cabeça entre os joelhos. Sua camiseta listrada preta e cinza de mangas
compridas estava saturada com o suor. — Você é perversamente rápida.
— É, eu sou um terceiro lugar sólido — disse eu, levantando um
ombro.
Os olhos dela se arregalaram. — Terceiro lugar? As pessoas que
chegam em primeiro têm asas em seus pés?
Eu ri e voltei a alcançar meu tornozelo para alongar meus quadríceps.
— Então você decidiu que correr não é sua praia?
— Nem um pouco — disse Olive, segurando sua mão em seu coração,
enquanto tentava regular a respiração.
Eu dei-lhe um sorriso torto. — Bem, obrigada, de qualquer maneira,
por me pedir para vir com você. Era exatamente o que eu precisava. Pela
última meia hora, eu não tive um pensamento sério.
— Sem problema — Olive respondeu. Ela puxou sua faixa para fora de
seu cabelo. — Você geralmente tem um monte de pensamentos sérios?
Meu coração golpeou com todos os pensamentos escurecendo minha
mente — pensamentos que eu não podia compartilhar. Eu contornei o banco
e me sentei ao lado dela, descansando os antebraços em meus joelhos.
— As coisas têm sido realmente... difíceis para a minha família
ultimamente — eu restringi.
Olive franziu os lábios. — Eu entendo. — Ela colocou sua faixa dentro
do bolso de seu short volumoso, que não foi feito para correr, e se inclinou
para trás, curvando os braços atrás da cabeça. — É claro que eu sou a que
torna as coisas difíceis, então...
Ela parou, puxando seus pés para cima do banco e olhando para além
do meu ombro para o oeste. Nesse sentido estavam as docas do estaleiro e
cerca de meia dúzia de barcos balançando pacificamente na baía. Aparecendo
à distância ao norte estava a ponte, cercada como sempre pela névoa espessa.
Havia algo de fascinante na névoa cinza que lentamente girava. De longe,
não era tão aterrorizante.
— Como assim? — perguntei.
Ela me olhou nos olhos, e a profundidade da tristeza e pesar que eu vi
fez algo virar dentro de mim.
— Quero dizer, você não tem que me dizer se não quiser — eu voltei
atrás.
— Não, é só que... nos últimos anos, eu não fui exatamente a melhor
filha. E então um dia eu ultrapassei os limites — disse Olive, levantando os
ombros. — Estou melhor agora... quero dizer, eu me fiz melhorar, mas eu
sei que realmente machuquei a minha mãe. Fiz coisas... — Ela suspirou com
tristeza e balançou a cabeça. — Bem, de qualquer maneira, eu tenho que
pedir desculpas a ela, encontrar uma maneira de fazer as pazes com ela, eu
só... não sei como.
— Eu sinto muito — eu disse a ela, sem saber o que dizer.
Eu não era boa nesse tipo de coisa. Eu nunca tinha tido qualquer
amizade próxima, a menos que Darcy contasse, e mesmo assim parecia ser
há um milhão de anos atrás. Olive olhou em volta para o céu, e vi que havia
lágrimas em seus olhos. Engoli em seco, odiando quão estúpida e inútil eu
me sentia.
— E você? — ela perguntou. — Quer falar sobre o que está
acontecendo com a sua família?
Senti-me quente e sem fôlego, desejando que eu pudesse dizer a ela,
desejando que eu pudesse apenas deixar escapar toda a história louca. Eu
tinha a sensação de que iríamos nos sentir melhor, ela sabendo que não era
a única com um passado deprimente, e eu porque desabafar tudo seria tão
libertador. Mas eu não podia. Eu tinha que manter tudo em segredo. Talvez
fosse por isso que eu estivesse tendo pesadelos. Porque eu não tinha
ninguém para conversar sobre essas coisas. Não tinha libertação.
Isso era só mais uma coisa que Steven Nell tinha tirado de mim.
— Eu não posso — eu disse finalmente. — É muito... complicado.
— Eu entendo — disse Olive. — Ninguém sabe todos os detalhes da
minha vida, também. Bem, exceto Tristan. — Ela corou e olhou para seus
pés. Então Olive gostava de Tristan. Claro que ela gostava. Lembrei-me da
primeira noite na praia quando eles estavam muito envolvidos em uma
conversa. A forma familiar na qual eles falavam um com o outro no bar e
como ela não parava de olhar para ele quando ele não estava olhando. Senti
um lampejo de ciúme antes de me lembrar de que eu não queria Tristan. Eu
queria Christopher. Eu só queria que ele não estivesse a centenas de
quilômetros de distância. E fosse ex da minha irmã.
— Mas se você quiser conversar, eu sou uma ouvinte fantástica —
Olive acrescentou, me empurrando com o ombro.
Eu cutuquei suas costas. — Eu acredito nisso. — Eu me levantei. —
Quer voltar para a cidade?
— Claro. Mas vamos caminhando, só pra você saber, porque eu acho
que minhas pernas podem se revoltar se eu tentar alguma coisa mais rápida.
— Sem problemas — eu respondi com uma risada.
Antes de irmos em direção à rua, virei para olhar a casa azul mais uma
vez. Havia algo quase assustador, mesmo em sua alegre beleza. Ele ficava lá
como uma espécie de fortaleza ou castelo, impondo sua imensa presença
sobre o resto da pitoresca cidade.
— Lindo, não é? — disse Olive, olhando por cima do ombro enquanto
caminhávamos na descida. — Você deveria ver o interior.
— Você já esteve lá dentro? — eu disse. — Quem mora lá?
Suas sobrancelhas se juntaram, e ela olhou para mim como se eu tivesse
acabado de lhe perguntar como se soletra “que”. — Essa é a casa do Tristan
e da Krista. Sua mãe é a prefeita.
Eu parei em minha caminhada e olhei para ela, sentindo como se
alguém tivesse acabado de arrancar o asfalto de debaixo de mim.
— Espera. Tristan mora lá? Eu pensei que ele morasse na casa em
frente à minha — eu disse.
— Hum, não — disse ela. — O príncipe de Juniper Landing vive aqui
em cima no castelo com a princesa e a rainha, assim como deve ser — disse
ela, levantando o nariz no ar comicamente. — Não é que eles hajam como
um príncipe e uma princesa. Eles são apenas tratados dessa maneira.
— Eu teria pensado que Joaquin era o príncipe deste lugar — eu disse
vagamente.
— Sério? Eu o vejo mais como um cavaleiro desonesto — Olive
respondeu.
Eu presumi que tudo era questão de percepção, e se ela gostava de
Tristan, talvez ela o visse como o líder da matilha. Mas eu ainda tinha que
vê-lo mandar em alguém como Joaquin fez com Fisher. Tristan parecia mais
refinado. Mais modesto. Mais confortável nas sombras.
Mais como eu.
— Interessante — eu disse, só para dizer alguma coisa.
Eu me virei e estreitei os olhos para a casa, e meu coração ficou preso
na minha garganta. Alguém estava de pé na varanda, à sombra de uma aba
do telhado, olhando para mim.
— Oh meu Deus — eu disse, inclinando-me para longe do espreitador
e falando com os dentes cerrados. Eu agarrei o braço de Olive. — Alguém
lá em cima está nos observando.
Olive seguiu meu olhar. — Onde? — disse ela, franzindo as
sobrancelhas em confusão.
— Bem ali. — Encorajada por seu movimento flagrante, eu me virei
também, mas depois congelei. A varanda estava deserta. Quem quer que
estivesse lá, nos observando, tinha desaparecido.
22 CONFRONTAÇÃO
Traduzido por Ivana
eus pés batiam contra o pavimento enquanto eu corria para
baixo em direção à cidade. Se Tristan vivia aqui em cima, por
que ele estava espreitando da casa do outro lado da minha rua?
Será que ele estava lá apenas para me observar? Ele era algum tipo de
perseguidor bizarro que ficava de olho na garota nova? E quem estava me
observando de sua verdadeira casa? Eu queria respostas, e eu queria elas
agora.
Eu cruzei a cidade, passando pelo nosso local favorito no parque, onde
um músico estava tocando seu violão com os olhos fechados e um sorriso no
rosto. Em um canto, eu flagrei um par de olhares perturbados de um casal
mais velho em um banco. Não que eu tivesse ficado surpresa. Devo estar
parecendo uma lunática maluca, correndo vigorosamente e ignorando
completamente a calçada. Eu só esperava que Olive não tivesse pensado que
eu estava louca quando eu disse que tinha que ir e fui embora, deixando-a
para trás.
Corri pela rua em diagonal, propositadamente evitando olhar o parque
degradado, e tomei o caminho para o nosso bloco, derrapando com tanta
força que quase tropecei no lixo. Eu estava prestes a tomar o caminho mais
curto para a casa cinza, quando vi algo pendurado no portão da frente.
Parei e recuperei o fôlego. Era uma bolsa estilo carteiro, cinza, com
uma correia desgastada. Exatamente a mesma bolsa que Steven Nell levava
para a escola todos os dias.
O ar estava frio e o chão molhado contra minhas costas. Agulhas de pinheiro
perfuraram meus braços. As nuvens se abriram em cima. Uma meia-lua perfeita e
o sorriso sádico de Steven Nell, com os olhos lacrimejantes, os lábios finos e secos.
Um sino tocou e me trouxe de volta para o agora. O sol quente fez
cócegas na minha carne. Pisquei enquanto um homem de meia-idade com
sua maleta passava por mim com um sorriso. Além dele, a rua estava deserta,
M
mas essa bolsa ainda estava lá. Aquilo não podia estar acontecendo. Não
podia ser real.
Parte de mim queria dar meia volta e correr direto para a polícia, mas
o que eu ia dizer a eles? Que alguém tinha deixado uma bolsa em nosso
portão? Eu ia ter que lidar com isso sozinha. Talvez não fosse nada.
Desafiadoramente, eu atravessei para o outro lado da rua até a bolsa.
Ela estava aberta, praticamente me convidando a olhar para dentro. Mas o
que eu ia encontrar se eu olhasse? Um bilhete ameaçador? Uma mão
decepada? O quê?
Segurando minha respiração, eu puxei a bolsa aberta. Eu pisquei,
surpresa. Estava cheia até a borda com modelos de faróis de vários
tamanhos. O menor tinha cerca de cinco centímetros de altura, esculpido em
pedra e meticulosamente pintado. O maior tinha cerca de quinze
centímetros de altura, feito de plástico de baixa qualidade e encimado por
uma pequena luz que iluminava ao pressionar um botão. Haviam dezenas
deles, cada um com um cisne de Juniper Landing estampado em suas
laterais.
— Ei.
Eu me virei, deixando cair a bolsa de volta onde ela estava, deixando-
a bater contra o muro. Tristan estava bem na minha frente, simplesmente
perfeito em uma camiseta branca e bermuda cargo, seu cabelo loiro caindo
para a frente em suas bochechas.
— Que diabos? — eu gritei, empurrando-o com as duas mãos tão forte
quanto eu podia. Ele não se moveu um centímetro, mas ele olhou para mim,
surpreso. — Você me assustou!
— Sinto muito — disse ele, com uma expressão sincera.
Por cima do ombro dele, vi a porta da casa cinza balançando
lentamente, se fechando. De repente, lembrei-me por que eu corri para casa.
— Por que você está sempre aqui? — eu exigi, cruzando os braços
sobre o peito. Meu rosto estava em chamas, e eu senti minha garganta
tentando fechar — a maneira do meu corpo de rejeitar o confronto — mas
eu pressionei. — Olive me disse que você vive em cima da falésia, então por
que você passa tanto tempo nessa casa? — eu disse, apontando do outro lado
da rua. — Por que você está sempre me olhando?
Tristan olhou por cima do ombro. — Eu só... Eu conheço a pessoa que
mora lá — disse ele. Então ele colocou as mãos sob seus braços e me olhou
diretamente, como se isso explicasse tudo.
— Ah, é? Quem? Quem mora lá? — eu exigi.
Ele franziu a testa ligeiramente. — Minha nanna — disse ele. — A
minha avó. Da parte do meu pai. Ela está confinada a uma cadeira de rodas
por isso que eu... nós... eu e Krista tentamos vir visitá-la sempre que possível.
— Oh. — Me enchi de culpa. Lá estava eu, julgando antecipadamente,
e tudo o que ele estava fazendo era ser o neto perfeito.
— Ela gosta de se sentar e ficar olhando por muito tempo para fora da
janela, então se você vê as cortinas se movendo ou o que for, provavelmente
é ela — ele acrescentou com um encolher de ombros.
— Então foi ela que eu vi me observando aquela primeira manhã? —
eu perguntei.
— Provavelmente — ele respondeu. — Na verdade, eu me lembro dela
mencionar algo. A menina loira bonita caminhando no outro lado da rua.
Ele parou e limpou a garganta, olhando para longe. Como se talvez ele
tivesse falado demais. Como se talvez ele concordasse com Nanna.
— Oh — eu disse de novo, corando. — Bem, isso é legal da parte dela.
— É.
Tristan bateu suas mãos juntas, e eu vi seu pomo de adão quando ele
apertou os lábios em uma linha. Por um longo momento, nós só ficamos ali,
até a situação ficar completamente estranha. Eu estava prestes a inventar
uma desculpa para ir para dentro quando Joaquin veio vindo da esquina e
caminhou propositadamente em direção à mim, uma linha vincada em sua
testa.
— Rory. Aí está você — ele disse, sua respiração um pouco irregular.
Ele caminhou até mim e me envolveu em um grande e caloroso abraço,
forçando Tristan a dar um passo para longe de mim.
Eu me contorci e mergulhei para fora do círculo de seus braços, quase
perdendo o equilíbrio. Tristan estendeu a mão e rapidamente me segurou.
— Hum, o que foi isso?
— Eu acabei de ver Olive na cidade. Você está bem? — perguntou
Joaquim, segurando meu pulso. — Ela disse que vocês estavam juntas
quando de repente você fugiu como se tivesse visto um fantasma.
Olhei para Tristan e corei. — Oh, isso. Eu estou bem — eu disse,
puxando meu braço para fora do agarre de Tristan. — Eu disse a ela que eu
tinha que voltar para casa. Ela está brava?
— Nem um pouco — disse Joaquin. — Só preocupada.
— Bem, eu estou bem — eu repeti, olhando de Tristan para Joaquin e
de volta. Dois exemplos de perfeição — fisicamente, a propósito — e tudo
que eu conseguia pensar era em ficar longe deles. As meninas da corrida a
corta mato do meu antigo lar provavelmente teriam pensando que eu havia
sofrido sérios danos cerebrais. — De qualquer forma, é melhor eu...
— Então, você já convidou ela? — Joaquin perguntou a Tristan.
— Eu estava prestes a fazer isso — Tristan respondeu.
— Me convidar para o quê? — perguntei.
— Tristan e Krista darão uma festa amanhã à noite — disse Joaquin,
cruzando os braços sobre o peito. — Eu acho que você deveria vir.
Eu senti meu rubor se aprofundar. — Você acha que eu deveria vir —
eu repeti. Olhei para Tristan. — O que você acha?
Ele piscou, surpreso. — O quê? Ah, com certeza. Sim. Você
definitivamente deve vir. Se você quiser.
Uau. Então um deles esperava que eu fosse apenas porque ele achava
que eu deveria e outro claramente não poderia se importar menos se eu iria
ou não.
— Isso é um belo convite, pessoal. Obrigada — eu disse
sarcasticamente. — Eu vou com certeza pensar bastante a respeito.
— Rory — disse Joaquin em um tom condescendente quando me virei
para ir embora.
Mas eu não queria parar. Corri em passos largos para casa, batendo a
porta atrás de mim e recostando-me contra ela. O que acontecia com esses
caras? Por que eles não poderiam perseguir Darcy em vez de mim? Ela teria
adorado cada minuto.
Olhei pela janela e vi Joaquin dizer algumas palavras para Tristan
antes de ir embora. Uma vez que ele se foi, Tristan olhou para a bolsa cinza,
e eu senti meu coração pular uma batida. Eu momentaneamente havia
esquecido que ela estava lá. Ele levantou a bolsa e espiou para dentro, as
sobrancelhas vincando em confusão. Pelo menos eu não era a única que
pensava que uma bolsa cheio de faróis era estranho. Ele olhou para a minha
casa, e eu abaixei para trás da parede novamente.
Quando eu olhei para fora da janela novamente, eu meio que esperava
que Tristan ainda estivesse lá, mas ele já havia ido. A bolsa cinza, no
entanto, continuava pendurada no portão, me provocando. Eu chequei se a
porta estava trancada e, em seguida, fui para o meu quarto. Eu esperava que
quem quer que tivesse deixado lá fosse voltar para buscá-la em breve, mas
eu também não queria estar ali quando eles voltassem.
23 RENDIÇÃO
Traduzido por Ivana
momento estava chegando. O momento em que ele iria finalmente
ter o que era seu por direito. Ele tinha estado tão perto tantas
vezes, mas agora, nada iria ficar em seu caminho. Uma vez que a
última etapa de seu plano estivesse concluída, não haveria nenhuma maneira
dela dizer não a ele. Não havia nenhuma maneira dela resistir.
Sim. Ela viria a ele, de bom grado. E, talvez, talvez, talvez...
Talvez esse seria o fim mais satisfatório para essa perseguição. Saber
que ele tinha vencido ela, finalmente. Que ela não iria lutar. Que a sua
rendição seria completa.
O
24 MILAGRE
Traduzido por Ivana
uarta-feira de manhã eu me sentei na mesa de fórmica da cozinha,
comendo sucrilhos de uma tigela lascada, observando o telefone velho
que estava pendurado na parede mais distante. Nós tínhamos estado
em Juniper Landing por quatro dias. Ele não tinha tocado uma única vez.
— Ok, qual é a sua? — Darcy perguntou, entrando na cozinha vestida
com seu pijama de seda preto e puxando uma cadeira na diagonal da minha.
Ela tinha o cabelo para trás em um rabo de cavalo elegante e já tinha lavado
o rosto. — Você lançou um feitiço sobre esta ilha ou algo assim?
— Do que você está falando? — eu perguntei, pegando minha tigela
para beber o último gole do leite.
Darcy ficou me olhando com um olhar de repugnância e esperou eu
colocar a tigela para baixo novamente.
— Ontem à noite, Joaquin finalmente me convidou para ir a uma festa
na casa de Tristan esta noite, e eu estava toda animada, até que ele
basicamente deu a entender que eu tinha que levar você ou eu não poderia
ir — ela disse, curvando-se para trás na cadeira com os braços cruzados
sobre a blusa de alcinha.
— Oh, isso — eu disse.
— Você já sabe sobre isso? — perguntou Darcy, com os olhos
incrédulos.
— Eles me convidaram ontem, também — eu disse a ela.
— Inacreditável — disse ela, empurrando a cadeira para trás e
caminhando para o armário. Ela pegou uma caixa de Froot Loops e colocou
de volta na mesa. — E isso teria sido quando Joaquin foi até você lá fora e
deu-lhe aquele abraço totalmente íntimo?
Senti minha pele quente. — Você viu isso?
— Todo mundo no bloco viu — Darcy respondeu, jogando um Froot
Loop em sua boca. — Eu aposto que alguém lá fora ficou inspirado a
Q
escrever um blog sobre isso. Eu acho que não havia um centímetro sequer
de seus corpos que não estivessem se tocando.
Estremeci. O próprio pensamento me deu arrepios. — Darcy...
— Você e Joaquin estão tendo alguma coisa pelas minhas costas? —
ela interrompeu.
Eu soltei uma risada. — O quê?
Darcy deu a volta até o final da mesa para que ela pudesse me olhar
nos olhos. A expressão em seu rosto, apontando, levantando seu queixo, a
ligeira apreensão em seus olhos, fez meu coração parar. Será que ela sabia
sobre Christopher e eu? Era por isso que ela estava imaginando alguma
intimidade entre mim e Joaquin?
— Ele vive me perguntando sobre você, em primeiro lugar. E depois
há todos os abraços, sorrisos e cumprimentos... Me diga a verdade, Rory.
Eu sou uma menina grande. Eu posso lidar com isso — disse ela. As pontas
de seus dedos ficaram brancos quando ela agarrou a caixa de cereal.
— Darcy, eu posso te garantir com cem por cento de certeza que não
tenho interesse em Joaquin — eu disse a ela com firmeza. — Eu prometo.
Ela me olhou por mais um momento, antes de caminhar de volta para
sua cadeira e cavar o saco de cereal com a mão. — Ótimo.
Vi quando ela saiu com um punhado de bolinhas de cereal coloridas.
Não havia nenhuma maneira que ela pudesse saber sobre mim e
Christopher. Eu não tinha contado a ela, e eu tinha certeza que ele não tinha
dito a ela também, e mais ninguém na Terra sabia. Eu estava apenas sendo
paranoica. Como de costume.
— O que, exatamente, Joaquin disse para você? — eu perguntei,
inclinando o meu peito em cima da mesa. — Por que você acha que tem que
me levar?
— Ele veio com uma conversa estranha sobre não ter o mesmo número
de rapazes e garotas... — Ela parou, colocando pedaços de cereais em sua
boca enquanto ela estreitava os olhos. — Fez sentido no momento, quando
ele tinha o braço em volta de mim, eu estava um pouco distraída...
— Que idiota — pensei, pegando meu suco de laranja.
— Tanto faz — disse Darcy, colocando a caixa em cima da mesa. —
Mas isso é bom! Você já ia mesmo, então não é uma grande coisa.
Isso era uma loucura. Como ela ainda podia querer ir na festa? Como
ela ainda podia gostar desse cara depois que ele veio com uma conversa tão
óbvia? Eu nunca ia entender o cérebro de Darcy. Nunca em um milhão de
anos.
— Só que eu não vou — eu disse, levantando e indo para longe da mesa.
— Uh, sim, você vai — disse Darcy.
— Não. Eu não vou — eu disse enquanto eu largava minha tigela e
copo na pia de cerâmica. Deus, eu desejava que nós voltássemos para casa.
Se estivéssemos em casa, eu estaria na aula de cálculo agora, resolvendo
problemas que eu poderia resolver. Não lidando com o dilema de saber se
eu deveria ajudar a manter a vida social de Darcy viva — um dilema que eu
nunca pensei que fosse ter que lidar em um milhão de anos e eu não tinha
ideia de como lidar. — E você não vai, tampouco. Nós estamos de castigo,
lembra?
Naquele momento, meu pai parou perto da porta aberta entre a cozinha
e o hall de entrada. Ele estava completamente vestido em jeans e uma
camiseta, com o rosto barbeado e seu cabelo penteado para trás. Ele tinha
começado a pegar um bronzeado, provavelmente das suas corridas, e ele
parecia diferente. Saudável.
— Na verdade, eu queria falar com vocês, meninas, sobre isso. — Ele
examinou nós duas e seu rosto caiu um pouco. — Oh. Vocês já comeram?
— Não, na verdade — disse Darcy com cautela, seu rosto ainda cheio
de cereal.
— Eu só comi cereais — eu disse. — Por quê?
— Vamos sair para tomar café da manhã — disse ele. — Eu ouvi que
a loja de departamentos tem excelentes panquecas.
Darcy e eu trocamos um olhar. Quem era essa pessoa e o que ele tinha
feito com o nosso verdadeiro pai?
— Hum... eu teria que me vestir — disse Darcy, engolindo.
— Eu também — eu acrescentei, olhando para a camiseta e calças de
moletom que eu vestia para dormir.
— Eu posso esperar — disse ele com um sorriso.
Nenhuma de nós se moveu.
— Vamos lá, meninas — meu pai incentivou. — É apenas um café da
manhã.
— Ok — eu disse finalmente.
— Claro — acrescentou Darcy.
Então nós duas caminhamos para fora da cozinha passando por ele.
— O que há com ele? — Darcy sussurrou enquanto subíamos os
degraus rangentes.
— Eu não tenho ideia — eu respondi, seguindo-a em seu quarto. —
Talvez você gritar com ele na outra noite mexeu com ele.
— Você acha? — ela perguntou, surpresa.
— Nunca se sabe. Mas seja legal com ele no café da manhã — eu disse
enquanto ela deslizava para dentro de seu guarda-roupa. Encostei-me em
uma de suas cômodas e olhei através da rua para as janelas da casa cinza.
Meu coração pulou uma batida com a visão da casa. — Talvez você tenha
deixado ele sem chão.
— E então, você vai à festa comigo? — perguntou Darcy, segurando
um suéter branco em seu peito quando ela veio até a porta do guarda-roupa.
Revirei os olhos, mas sorri. Era bom compartilhar este momento
fraternal com ela. Me senti esperançosa sobre o meu pai.
— Tudo bem — eu disse a ela. — Se, por algum milagre, ficarmos sem
chão, eu prometo que vou à festa com você.
— Uhul! — Ela pulou nas pontas dos pés, então mergulhou de volta
para o guarda-roupa para se vestir.
Eu ri e comecei a me virar para que eu pudesse ir me vestir, mas,
naquele momento, a cortina do outro lado se moveu. E dessa vez, eu podia
jurar que vi uma pulseira de couro desaparecer por trás dela.
25 UM PEDIDO DE DESCULPAS
Traduzido por Manoel Alves
ristan estava definitivamente me observando. A não ser que a
vovozinha tivesse uma pulseira de couro, também. Mas o que havia
de tão estupidamente interessante em mim que fazia ele ficar
espionando de uma casa de um décimo do tamanho da sua própria? E era
possível que fosse algo inocente? Que talvez ele apenas... tivesse uma queda
por mim?
— Está tudo bem, Rory? — perguntou meu pai, olhando para mim.
Minha pele estava queimando após o meu último pensamento, e
rapidamente desviei o olhar. Estávamos apenas passando pelo parque
estranhamente silencioso, onde as oscilações temporais pairavam sobre as
ervas daninhas desordenadas. O portão estava tão totalmente aberto que
estava nivelado com a cerca do lado de dentro, e como de costume, não havia
crianças à vista.
— Está — eu disse distraidamente. — Por quê?
— Você só parecia... séria — disse ele com um pequeno sorriso.
Darcy me lançou um olhar assustado, e eu sabia que ela queria saber se
eu tinha acabado de ter um flash. Eu dei uma sacudida quase imperceptível
de cabeça e relaxei os ombros. Eu não tinha dito ao meu pai sobre os flashes,
porque eu não precisava que ele se preocupasse e vasculhasse em alguma
lista telefônica para encontrar um psiquiatra na ilha para mim. Não que eu
já tivesse visto alguma lista telefônica desde que tinha chegado aqui, embora
na nossa antiga casa o nosso carteiro as deixava em nossa varanda, a cada
duas semanas. Na verdade, agora que eu pensava sobre isso, eu não tinha
visto nenhum carteiro aqui, também. Ou uma caixa de correio. Olhei em
volta para as casas e, de fato, não havia uma única caixa de correio à vista.
Hum. Talvez todos aqui tivessem suas encomendas entregues diretamente
para uma caixa postal. Não seria a primeira coisa antiquada e pitoresca nesta
ilha.
T
— Eu estava apenas... tentando me lembrar da última vez que todos
nós comemos juntos — eu disse em resposta ao meu pai.
— Oh. Não foi há muito tempo — disse o meu pai vagamente.
Darcy e eu trocamos um olhar. Deveria fazer, pelo menos, quatro anos.
O único instante que eu conseguia me lembrar era o décimo terceiro
aniversário de Darcy e uma viagem mal aconselhada para o restaurante
Friendly’s, a qual meu pai tinha insistido que ela comesse um daqueles
sundaes de palhaço, como se ela tivesse seis anos de idade. Desde que ela
tivera sua primeira menstruação e começara sua primeira dieta sem a mamãe
por perto para aconselhá-la em ambos, Darcy começou a chorar e correr
para fora do restaurante. E talvez tenha sido por isso que não comíamos
juntos desde então.
Chegamos ao topo da colina e viramos para a Main Street. Meu pai
olhou para o céu e sorriu.
Agora isso eu estava certa de que não via há anos. Pelo menos não
desde que minha mãe havia morrido.
Do outro lado da rua, a fonte no centro do parque borbulhava e
espirrava enquanto dois caras com cabelos longos e bermudas xadrez
saltavam em seus skates fora da borda da piscina. O banner dos fogos de
artifícios ondulava na brisa.
— Ei, Darcy, seu namorado rastafári que tinha sumido — eu brinquei,
empurrando meus óculos de sol para cima em meu cabelo. O lugar no topo
do caminho, onde ele normalmente ficava, parecia estranhamente solitário
sem ele.
Darcy olhou para mim sem entender. — O quê?
— Olha — eu disse, levantando o queixo em direção ao parque. —
Você acha que ele conseguiu dinheiro o suficiente para levar sua habilidade
para a estrada ou algo assim?
Eu não podia ver os olhos de Darcy por trás de seus óculos escuros,
mas sua expressão estava pálida quando ela se virou para olhar para o
parque. — Ok, eu não tenho ideia do que você está falando.
Eu fiquei boquiaberta para ela, meu coração dando um aperto
desagradável, nervoso. Meu pai tinha andado em frente e estava a poucos
passos das mesas ao ar livre da loja de departamentos.
— Darcy, vamos lá. Ele esteve lá todas as manhãs desde que chegamos
aqui? — eu disse, forçando uma risada na minha voz. — O cara que parece
Bob Marley...? Você disse que ele estava abraçando o clichê?
Darcy olhou para mim como se eu fosse louca.
— Eu acho que você precisa ter sua cabeça examinada — disse ela,
virando-se. Sua minissaia floral voava enquanto ela se afastava. Senti como
se meu cérebro tivesse acabado de ser ligado em hiperdrive. Não era como
se eu o tivesse imaginado. Eu o tinha visto três ou quatro vezes, eu tinha
visto outras pessoas em pé ao redor dele desfrutando de sua música, eu
poderia citar todas as músicas que eu o ouvi cantar, e Darcy e eu tínhamos
falado sobre ele em mais de uma ocasião. Ter caído da escada e batido com
a cabeça havia, de alguma forma, afetado a sua memória a curto prazo?
Respirando fundo, eu olhei de volta para o parque mais uma vez antes
de entrar na loja de departamentos. Papai e Darcy já tinham encontrado
uma pequena cabine em frente ao antigo contador de aro cromado. O casal
que eu tinha visto descer da balsa em nosso primeiro dia estava aqui no
balcão, seus mindinhos ligados enquanto bebericavam seu café. O alto
chapéu de feltro do homem estava pousado ao lado dele. Ele sorriu quando
ele me pegou olhando, e eu sorri de volta enquanto me escorregava no banco
ao lado de Darcy.
Meu pai me entregou um pequeno cardápio de plástico. Eu deixei meus
olhos deslizarem sobre as seleções clássicas do restaurante, então entreguei
para Darcy. Ela estava sem os óculos escuros e sentada com a cabeça
casualmente descansando em sua mão enquanto examinava o cardápio.
— Ei, pessoal! O que vão querer? — Uma garçonete em um vestido de
algodão azul e branco apareceu na nossa mesa, com a caneta já pronta.
— Meninas? — perguntou o meu pai.
— Eu vou querer uma pequena pilha de panquecas com mirtilo — disse
Darcy, empurrando o cardápio do outro lado da mesa. — E café.
— Bagel tostado e suco de laranja, por favor — eu disse.
— Eu vou experimentar essas panquecas de trigo com bacon e café
também — meu pai disse. Ele empilhou os cardápios e os entregou para ela.
— Obrigado.
— Obrigada vocês — disse ela com um sorriso, então se virou e se
afastou.
Meu pai soltou um suspiro e entrelaçou as mãos em cima da mesa. —
Ouçam. Eu devo um pedido de desculpas a vocês.
Agarrei a borda do assento de vinil em ambos os lados das minhas
pernas. Perto de mim, Darcy parou de respirar.
— Tem sido muito difícil para mim... desde que sua mãe morreu, e eu
sei que isso não é desculpa, mas eu não percebi até recentemente o quão...
fechado eu estava — ele disse, olhando para nós duas. — E... furioso.
Limpei a garganta. Darcy se moveu em seu assento.
— Na verdade, isso não é verdade — disse ele, esfregando a testa. —
Eu percebia o quanto eu estava com raiva, mas eu não queria admitir isso,
porque eu estava com raiva dela e me sentia mal.
Meu estômago espremeu-se, porque eu sabia exatamente o que ele
queria dizer. Houve momentos em que eu senti raiva da minha mãe por me
deixar, por nos deixar. Como se ela tivesse tido qualquer controle sobre
aquilo. No ano passado eu havia ganhado o primeiro lugar na feira de
ciências regional com o meu estudo de células cancerosas em ratos de
campo, derrotando Samir Clark e seu braço robótico, e enquanto todos os
funcionários, professores e alunos aplaudiam a minha vitória, eu apenas
olhava para a multidão, desejando que ela estivesse lá. Ela tinha se formado
em biologia na faculdade e ensinava em Princeton, assim como meu pai, e
eu sabia o quão orgulhosa ela teria ficado, mas não era o suficiente. Eu queria
ela lá. De alguma forma eu tinha conseguido passar por toda a recepção e
todas as fotos, mas assim que eu cheguei em casa, joguei o troféu no sofá,
corri para o meu quarto, e comecei a gritar em um travesseiro. Eu gritei,
gritei e gritei até que comecei a me sentir estúpida por estar gritando. Até
que eu percebi que ela estaria lá se ela pudesse. E então eu me senti muito
estúpida.
— Eu não acho que realmente aceitei que nunca vou ver sua mãe de
novo — meu pai disse, lágrimas brilhando em seus olhos. Darcy fungou.
Seus olhos estavam marejados, também. Talvez ela pensasse em nossa mãe.
Talvez ela sentisse falta dela. — E vocês, meninas, têm muito dela em
vocês... Eu a vejo sempre que olho para vocês. E isso me deixa muito
orgulhoso, mas ao mesmo tempo, isso me deixa triste. Eu apenas nunca sei
como lidar com isso. Eu nunca soube como ser a pessoa que vocês
precisavam que eu fosse.
Ele engoliu em seco, contendo as lágrimas. Darcy pegou um
guardanapo do dispensador e cobriu os olhos por alguns instantes.
— Eu entendo, pai — eu disse, minha voz um coaxar. — Eu realmente
entendo. Eu só... Eu acho que ela quer que façamos melhor. Acho que ela
quer que a gente se esforce mais para sermos...
— Uma boa família — concluiu Darcy, fungando novamente. — Ela
queria que fôssemos uma família.
Papai assentiu e desviou o olhar. — Vocês acham que nós poderíamos
fazer isso? — ele perguntou depois de um momento. — Vocês acham que
nós poderíamos tentar? Por ela?
— Eu acho que nós poderíamos — eu disse, meu coração batendo
contra minhas costelas.
Darcy assentiu, ainda tentando não chorar. — Ótimo — disse meu pai.
Ele respirou fundo, sentando-se em linha reta enquanto tomava ar e soltava,
apoiando os braços na mesa. — Obrigado — disse ele. — Por me ouvirem.
— Obrigada — disse Darcy suavemente, sua voz chorosa.
Ainda havia uma tonelada de porcarias entre nós. Todos os gritos, toda
a confusão e a raiva. Mas bem ali, naquele momento, o meu pai parecia,
soava, como antigamente. Como o pai que eu conhecia antes da palavra
câncer ter entrado em nossas vidas. Eu amava esse pai.
Então eu forcei um sorriso. — A qualquer hora.
Olhei para Darcy, esperando que ela aproveitasse a chance para
perguntar ao papai sobre a festa, mas ela estava olhando para a mesa, o lábio
inferior tremendo enquanto ela brincava com os dedos trêmulos em seu
colo. Ela parecia frágil, como se caso eu a tocasse de forma errada ela fosse
desmoronar. Engoli em seco. Eu me senti tão culpada, de repente, por
pensar que ela não se importava que a mamãe tivesse partido. Talvez ela
lidasse com isso de forma diferente da que eu lidei. Talvez todas as festas,
as compras e a torcida tenha sido sua maneira de distrair-se. Porque não era
tudo o que eu estava fazendo, estudando pra caramba o tempo todo,
correndo sempre que eu tinha muito tempo para pensar?
— Pai? — eu disse de repente. — Há uma festa hoje à noite, e Darcy e
eu estávamos pensando se poderíamos ir.
Darcy levantou o queixo e olhou para mim como se nunca tivesse me
visto antes.
— Uma festa? — disse ele, hesitante. — Eu não sei se...
Um prato de panquecas caiu na nossa mesa fazendo barulho. — Vocês
vão para a festa?
Krista estava ao lado de nossa mesa em um minivestido azul que fazia
suas pernas parecer com palitos de dente, o seu cabelo para trás em um rabo
de cavalo alto, e um sorriso de expectativa em seu rosto. Ela colocou a
comida de Darcy na frente dela, e então na minha. Olhei por trás ela e vi que
a nossa garçonete original estava ocupada fazendo um novo copo de café.
— Isso é ótimo! Tristan achava que você não ia! — disse Krista,
juntando as mãos enquanto sorria para mim.
— E você é? — meu pai perguntou agradavelmente.
— Pai, esta é Krista — Darcy saltou. — A festa vai ser na casa dela.
— Oh — meu pai disse, limpando a garganta. — Prazer em conhecê-
la, Krista. Haverá adultos nessa festa?
— Pai! — disse Darcy entredentes.
— Oh, é claro! — Krista respondeu, rindo. — Minha mãe é a prefeita,
então ela sempre faz questão de deixar a polícia a postos quando meu irmão
e eu damos uma festa. Ela é totalmente superprotetora, por isso eles
costumam enviar alguns oficiais para termos “vigilância policial” — disse
ela, acrescentando algumas aspas no ar. — Elas são, tipo, as festas mais
calmas de todas. — Então ela olhou para mim e Darcy. — Mas ainda assim
são divertidas!
— Viu? — eu disse, erguendo as sobrancelhas. — Uma festa com a
presença da polícia. Não vamos ter mais segurança do que isso, certo,
Darcy?
— Totalmente! — exclamou Darcy.
— Você tem que deixá-las ir, Sr. Thayer — disse Krista, tocando o
braço do meu pai. Olhei para a sua pulseira de couro, que parecia dura, em
comparação com a macia de seu irmão. — Estou morrendo de vontade de
conhecer Rory melhor. — Ela sorriu para mim.
Obriguei-me a sorrir de volta, apesar de que a última coisa que eu
queria era que Krista disparasse perguntas para mim a noite toda. Eu não
conseguia entender, mas sentia como se ela estivesse à procura de uma razão
para ficar perto de mim. Para algo nos unir. Ela segurou meu olhar, e um
punhado de arrepios passou ao longo dos meus braços.
— Tudo bem. Se for na casa da prefeita, eu tenho certeza que vai ficar
tudo bem — disse meu pai, finalmente. — Vocês, meninas, podem ir.
— Eba! Obrigada, obrigada, obrigada! — Darcy aplaudiu.
Eu soltei um suspiro. — Obrigada, pai.
— Obrigada, Sr. Thayer! — disse Krista.
Meu pai sorriu. Talvez ele estivesse percebendo que fazia um bom
tempo desde que ele tinha feito alguma coisa para fazer tantas pessoas felizes
ao mesmo tempo.
— Vocês me avisem se precisarem de alguma coisa, está bem? — disse
Krista. — Eu estarei bem atrás do balcão!
Ela praticamente pulou para longe, sua saia flutuando, e pegou o
telefone velho atrás do balcão. Depois de discar rapidamente, ela virou as
costas para nós, sussurrando para quem estava na extremidade oposta.
Quando ouvi seu grito, eu sabia que ela estava dizendo a alguém que nós
havíamos decidido ir à festa. Eu me perguntei se era Tristan. Eu me
perguntei se ele estava sorrindo.
E eu me perguntei por que eu me importava.
26 UM LIFER
Traduzido por Manoel Alves
orri pela rua que levava às docas naquela tarde, dizendo a mim
mesma que eu não estava indo por ali porque queria topar com
Tristan. Eu estava indo por aquele caminho porque queria fazer um
tour pela ilha, eu queria experimentar diferentes rotas para corrida —
algum lugar povoado, para me sentir um pouco mais segura em minha
primeira corrida sozinha desde Nell.
Mas, conforme eu virava a esquina e me dirigia ao Thirsty Swan, meu
coração acelerou e me perguntei se eu estava muito suada, se meu rosto
estava muito vermelho, e se — oh, meu Deus — e se eu cheirava mal?
O que diabos eu estava pensando, vindo aqui?
Eu aumentei o meu ritmo quando passei pelo bar, uma rodada de riso
flutuando para fora e me engolindo. Um vislumbre de dentro não me disse
nada. Tudo o que eu via era um borrão de rostos, as luzes da jukebox, e
alguém nas sombras gerenciando o bar. Corri passando pelo beco entre o
bar e um restaurante ao lado, chamado Crab Shack, e fiz uma pausa,
apoiando minhas mãos acima dos meus joelhos e tentando recuperar o
fôlego. Eu não podia acreditar que tinha corrido todo o caminho até aqui
para nada. Talvez eu devesse virar e ir para a loja de departamentos agora,
onde eu poderia prontamente nutrir minha humilhação interior com uma
grande e boa tigela de sorvete.
Levantei-me em linha reta e estava prestes a colocar meu plano em
ação quando uma porta próxima se abriu e ouvi a voz de Tristan.
— Tudo o que eu estou dizendo é que você tem que recuar um pouco
dela.
Meu coração pulsou cerca de duas mil batidas. Com quem quer que
fosse que ele estivesse falando, eles estavam no beco virando a esquina de
onde eu estava. Eu me inclinei contra a parede do Crab Shack e, tão
cuidadosamente quanto pude, vislumbrei a dobra da esquina. Krista estava
C
na frente de Tristan no beco limpo e vazio, ainda em seu uniforme da loja
de departamentos. Ela disse algo em resposta, que eu não consegui
entender.
Tristan suspirou profundamente. — Eu entendo o porquê de você estar
tão...
A porta do Crab Shack abriu e fechou, abafando suas próximas
palavras. Xinguei sob a minha respiração e tentei parecer natural enquanto
um grupo de rapazes saíam pela porta e passavam por mim.
— ...quero conhecê-la. Isso é tudo — Krista estava dizendo quando fui
capaz de me ajustar novamente.
— Eu entendo, mas você está começando a assustá-la — Tristan
respondeu. — Eu posso dizer.
— Como você sabe que não é você que está assustando-a? — Krista
exigiu.
— Talvez eu também esteja. Eu não sei — disse Tristan. — Ela é
diferente.
— Bem, dã! — exclamou Krista. — Até eu sei disso!
A porta do Crab Shack se abriu de novo e alguns homens mais velhos
saíram, falando alto sobre alguma viagem de pesca. Pareceu levar uma
eternidade para se afastarem da porta e irem embora. Assim que eles
desapareceram ao virar da esquina, eu prendi a respiração e escutei.
— ...mesmo que ela seja um lifer — Tristan estava dizendo.
— Tanto faz — disse Krista. — Se você quer que eu recue, tudo bem.
Eu vou recuar. Você deixou bem claro quem está no comando por aqui.
Ela estava prestes a se distanciar. Se ela saísse do beco para o calçadão
eu estava ferrada. Olhando ao redor, eu rapidamente me escondi atrás de
um alto arbusto em um vaso fora do Crab Shack e prendi a respiração.
Depois de alguns segundos, eu arrisquei um olhar ao redor do lado da
topiaria e vi Krista ao longo das pranchas de madeira indo na direção de
onde eu vim, voltando para a cidade.
Eu fiquei lá, escondida, esperando que Tristan voltasse para dentro. E
esperei. E esperei. A cada segundo eu esperava que ele aparecesse na dobra
da esquina e me pegasse. Mas então, depois do que pareceu uma eternidade,
eu finalmente ouvi o ranger da porta abrindo e se fechando novamente.
Deixei escapar a respiração que estava segurando e caminhei lentamente em
direção à água. Havia alguns bancos vazios de frente para a baía, pairando
sobre uma pequena praia onde duas gaivotas estavam empoleiradas na areia
recém penteada.
Sentei-me na areia quente, vendo um grande barco de pesca se mover
em direção ao cais à minha direita, seu sino retinindo. Suspirei e repassei a
conversa de Tristan e Krista em minha mente.
Primeiro de tudo, não havia nenhuma razão para acreditar que Tristan
e Krista estavam falando sobre mim. Eles poderiam estar falando sobre
qualquer um. Mas, aí é que estava. Por outro lado, Krista tinha estado
realmente interessada nela, e depois de ontem, Tristan sabia que eu tinha
um monte de perguntas sobre ele, também. Assim, eles poderiam estar
falando sobre mim. Eu acho que deveria estar me sentindo grata por Tristan
tentar me ajudar com Krista.
Mas o que era um lifer, e por que seria um?
Eu terminei o meu alongamento e caminhei para casa, nem sequer me
atrevendo a dar ao Thirsty Swan ou ao beco outra olhada.
27 HORA DA FESTA
Traduzido por Manoel Alves
ntão, espere. Você nunca tocou um instrumento musical?
Nem mesmo, tipo, uma música fácil no piano? — perguntou
Olive, com os olhos arregalados.
Estávamos sentados em um sofá de brocado contra uma das paredes
amarelo claro da sala de Tristan, e dezenas de jovens conversavam, riam e
flertavam ao nosso redor. O ar estava frio, graças à brisa movendo-se
através das grandes janelas, e o zumbido constante de conversa enchia-me
de dentro para fora. Olive tinha razão sobre o interior da casa, tão
impressionante quanto o exterior. Todo o lugar cheirava a madeira polonesa
e protetor solar de coco, como uma espécie de resort de praia de luxo. Toda
a mobília era antiga e perfeitamente conservada, com almofadas coloridas e
caprichosamente incompatíveis. Do outro lado da sala havia uma enorme
lareira com um vaso de mosaico único no centro da sua abóbada. Não havia
outras bugigangas, nem pilhas de revistas, nem fotos de família. Claramente
os pais de Tristan adoravam a simplicidade.
Eu ainda não tinha visto Tristan ou Krista. Darcy ficou perto das
portas de correr para o pátio, flertando com Joaquin, o que era bom. Esta
noite era importante para ela. Graças a Deus Joaquin não estava estragando
tudo.
— Bem, na escola tínhamos aula de música, então eu acho que usei um
pandeiro e alguns bongôs, mas não desde que eu tinha oito ou nove anos. —
Eu me mexi no meu lugar, movendo minha bolsa para o meu lado. — Eu
nunca fui interessada nisso.
— Uau. — Olive recostou-se, olhando para a festa em estado de
choque. — Você gostaria de aprender? Eu poderia ensiná-la a tocar violão.
Eu hesitei. Eu gostava de Olive e eu não queria decepcioná-la, mas
aprender a tocar um instrumento nunca tinha passado pela minha cabeça na
minha vida.
—E
— Vamos lá! — ela exclamou, apertando meu braço. — Eu corri com
você! Quem sabe, talvez você goste.
Seja imprevisível, Rory, eu disse a mim mesma. A vida é curta.
— Sabe de uma coisa? Ok. Eu adoraria aprender — eu disse.
— Legal. — O rosto de Olive iluminou-se completamente. — Por que
não nos encontramos no café da manhã de amanhã na loja de
departamentos? Então, podemos voltar para o meu quarto na pensão, e eu
vou lhe mostrar o básico.
— Parece ótimo.
Ela procurou em sua bolsa e tirou um pequeno bloco e um lápis. — Eu
vou anotar o endereço e o número para você — disse ela. — É a pensão da
Sra. Chen na Freesia. A dona é totalmente intrometida, mas o lugar tem
uma acústica de matar.
Ela arrancou o pedaço de papel, e eu o enfiei no bolso. — Há quanto
tempo você toca violão?
— Desde que eu era pequena — ela respondeu, pegando seu copo de
água. A manga de sua blusa começou a subir, e ela puxou-a de volta para
baixo novamente. Ela enfiou a mão livre debaixo do braço como se estivesse
com frio.
— Então, você provavelmente deve ter notado o cara no parque — eu
disse. — O que toca por dinheiro todos os dias?
Os olhos de Olive estreitaram sobre a borda de seu copo vermelho
enquanto ela considerava. — Não. Quando foi isso?
Naquele momento, Tristan e Krista apareceram na parte inferior da
escada larga. Ele vestia uma camiseta branca abaixo de uma jaqueta azul
aberta e bermuda. Ela estava com um vestido rosa floral, que balançava em
torno de seus joelhos quando ela se movia. Eles realmente faziam um par
impressionante, e pela primeira vez eu entendi o que Olive quis dizer com
eles serem tratados como o príncipe e a princesa de Juniper Landing. À
medida que se moviam pela sala de estar, todos pararam o que estavam
fazendo para cumprimentá-los. Eu quase poderia imaginar alguns deles
querendo mergulhar em reverências e aplausos.
Assim que eu pensei nisso, Tristan olhou para nós, e nossos olhos se
encontraram. Eu estava quente por toda parte, como se de alguma forma ele
soubesse o que eu estava pensando. Então Kevin e Fisher o levaram para o
barril, e o momento passou. Eu meio que esperava que Krista viesse e
exigisse uma reforma no cabelo, mas em vez disso ela encontrou Lauren e
Bea ao lado da lareira e começou a conversar. Talvez ela e Tristan tenham
falado sobre mim esta tarde. Definitivamente parecia que ela estava
atendendo o seu aviso para se afastar.
Meu coração disparou com a ideia, mas eu voltei minha atenção para
Olive e limpei minha garganta. — O que estávamos falando?
— Um cara que toca violão no parque? — Olive me lembrou.
— Certo! Ele estava lá em algumas manhãs e então hoje ele apenas...
não estava.
— Talvez ele tenha feito bastante dinheiro e pegou um avião para Nova
York — Olive brincou.
— Talvez, mas a coisa realmente estranha é que Darcy não se lembra
dele — eu disse, brincando com o zíper do meu suéter enquanto eu
observava Krista. Ela não olhou para mim nenhuma vez.
— O que você quer dizer? — perguntou Olive.
— Ela foi a primeira a apontá-lo no dia em que eu cheguei aqui — eu
expliquei, mantendo um olho em Krista e suas amigas. — E, em seguida,
alguns dias depois, nós o vimos tocar por alguns minutos e ela disse que ele
estava dando em cima dela. Mas quando eu disse que ele tinha ido embora,
ela não tinha ideia de quem eu estava falando.
— Isso é estranho — disse Olive, totalmente alerta. Ela colocou o copo
na mesa e endireitou-se, como uma convidada de um programa de
entrevistas particularmente interessante. A possibilidade do menestrel ter
desaparecido não a tinha incomodado, mas claramente a ideia do
esquecimento de Darcy sim. — Ela simplesmente não se lembra dele?
— Não — eu disse, feliz que alguém pensasse que essa coisa toda era
tão estranha quanto eu achava. — Era como se ele tivesse sido apagado da
sua memória.
— Isso costumava acontecer com um de meus amigos em casa — Olive
me disse, baixando a voz. — De vez em quando, ele esquecia horas inteiras
da sua vida. Às vezes, até mesmo dias.
— Sério? — eu perguntei, intrigada. — Ele foi ao médico?
Olive riu sarcasticamente. — Eu meio que acho que um médico teria
apenas lhe dito para parar com a heroína.
Meu queixo caiu, e eu senti meu pescoço aquecer. — Você acha que a
minha irmã é viciada em drogas? — eu sussurrei, surpresa e meio ofendida.
— Darcy nunca usou drogas na sua vida.
Olive me olhou como se ela tivesse acabado de ser esbofeteada.
— O que foi? Você está bem? — perguntei.
— Eu estou bem — disse Olive. — Eu só... algo voou no meu olho. —
Ela se levantou e pegou sua bolsa, segurando os dedos sobre sua pálpebra
direita. — Eu só vou correr para o banheiro. Volto em um segundo.
— Olive, espera. — Quando ela se abaixou em torno de um canto,
levantei-me também, mas quando eu peguei minha bolsa, ela abriu e tudo
derramou-se para fora — minha carteira, minhas faixas de cabelo, o meu
batom. Eu rapidamente coloquei tudo de volta na bolsa e segui Olive, mas
no momento em que eu virei no canto, encontrei-me no final de um longo
corredor com pelo menos meia dúzia de portas fechadas.
Suspirando, eu bati na primeira. — Olive?
Nada. Mudei-me para a segunda. — Olive? Você está aí?
Nenhuma resposta. Movendo-me lentamente pelo corredor, o barulho
da festa começou a desvanecer-se. Bati na terceira porta e ouvi uma resposta
abafada. Lentamente, eu testei a antiga maçaneta de bronze, e a porta se
abriu, mas não era um banheiro. Era um quarto enorme e ele estava cheio
do chão ao teto, com lixo.
— Uau — eu disse baixinho.
Minha curiosidade levou a melhor, e eu dei um passo para dentro.
Prateleiras preenchiam cada parede, cada uma repleta de todo tipo de coisa,
e ainda mais itens estavam amontoados em oscilantes torres no centro do
chão. Havia livros e revistas, várias joias emaranhadas, bolsas, mochilas e
malas de todas as formas e tamanhos, alguns deles recheados até as
aberturas. Havia computadores portáteis amontoados no chão, fios
enrolados em todos os lugares, e uma grande prateleira pregada na parede
cheia com iPads e outros tablets. Quando entrei mais, meu quadril bateu em
uma caixa de papelão enorme que estava cheia até a borda com telefones
celulares.
— Que diabos...?
Talvez por isso a casa de Tristan parecesse tão vazia. Sua família
mantinha todos os pertences atrás de portas fechadas. Lentamente, eu me
virei para sair, e eu congelei. Ao longo da parede ao lado da porta estava um
cabideiro de roupas, e ao lado um cabide cheio de bonés de beisebol e de
taxistas, chapéus de sol e viseiras. Pendurado no gancho superior estava
uma gasta correia de violão amarela, verde e vermelha.
28 RESPOSTAS
Traduzido por Matheus Martins
ory.
Eu pisquei. Tristan estava em pé na minha frente,
emoldurado pela porta, sua postura ereta.
— O que você está fazendo aqui? — ele perguntou, sem rodeios.
— M-me desculpe, eu só... — Eu limpei minha garganta, o calor
subindo no meu pescoço. Meus olhos dispararam de volta para a correia do
violão. Ela estava lá. Estava definitivamente lá. Isto não era um flash. — Eu
estava procurando por Olive.
— Bem, ela não parece estar aqui, então...
Ele segurou a porta aberta para mim. Tomei a dica e deslizei por ele.
Ele fechou a porta firmemente atrás de mim e colocou as mãos nos bolsos
da frente de sua bermuda.
— Desculpe. Minha mãe não gosta que ninguém venha aqui.
Ele se virou e me levou de volta para o corredor, em direção à festa.
— Oh. Desculpe. Olive disse que ia ao banheiro, então...
— O banheiro é do outro lado da cozinha — disse ele, inclinando o
rosto para baixo, e o seu cabelo caiu sobre sua bochecha. — Se você precisar
dele.
— Oh, bem... obrigada — eu disse.
Tínhamos chegado ao fim do corredor. À minha direita, Darcy e
Joaquin conversavam com Bea e Kevin. À minha esquerda estava a sala e o
sofá de brocado que eu tinha desocupado. Olive ainda não tinha voltado.
Virei-me para Tristan, morrendo de vontade de perguntar a ele sobre esse
quarto, sobre a correia do violão. Ela pertencia ao menino menestrel
desaparecido. Eu tinha certeza disso. Mas como tinha vindo parar aqui? Será
que Tristan conhecia o cara? E se ele tivesse dado a ele? Ou será que alguém
da família de Tristan o pegou?
— Então — disse Tristan. — Você veio.
—R
Um rubor rodou pelo meu rosto. — Darcy queria vir, então...
— Você sempre faz coisas que você não quer fazer pela sua irmã? —
ele questionou.
Ele caminhou para o sofá de brocado e se sentou. Ainda tentando
descobrir como abordar as minhas perguntas, eu me sentei ao lado dele. A
pele das minhas pernas formigava só pela proximidade de seu joelho com o
meu. Eu me virei no meu assento ligeiramente, angulando para longe dele.
— Não — eu disse. — Isso era muito importante para ela.
— Por quê? — ele perguntou, olhando do outro lado da sala, onde
Darcy estava rindo com a mão no braço de Joaquin.
Porque ela tem uma queda grande pelo seu amigo chato foi a primeira
resposta que me veio à mente.
— Ela gosta de festas — eu disse simplesmente.
— E você não? — perguntou ele, voltando-se para mim de novo.
Ele estava olhando para mim, como se estivesse olhando para a minha
alma. Nenhum cara nunca me olhou assim. Talvez nem mesmo Christopher.
Os olhos dele estavam sempre muito inquietos, ou olhando além de mim
para algo melhor. Eles tinham um desvio de atenção. Mas não Tristan.
Tristan sabia como focar. Eu só não sabia como ser o objeto desse foco.
— Por que você se importa? — eu perguntei, minha temperatura
corporal se elevando sob seu escrutínio.
— Eu apenas me importo — ele disse simplesmente. — Eu imagino
que você evita esse tipo de coisa porque é inferior a você.
— Uau. Então você acha que eu sou orgulhosa — eu o desafiei.
— Nem um pouco — disse ele com naturalidade. — Eu acho que você
sabe quem você é e não cede à pressão do grupo. Mas com a sua irmã é
diferente, por isso você está aqui. Isso não torna você uma orgulhosa. Isso
torna você especial.
Engoli em seco, sentindo-me lisonjeada, mas também desconcertada.
— Você gosta de observar as pessoas? — ele perguntou.
— O que você quer dizer?
— Às vezes, quando estou em uma festa, eu só sento e observo — disse
ele, olhando ao redor da sala. — Como aquele cara ali. — Ele acenou para
um menino ruivo adorável e nerd, mas encostado na parede oposta. — Ele
está claramente nervoso.
O menino estava enrolando o cordão em seu moletom ao redor de seu
dedo com tanta força que a ponta estava ficando branca. Enquanto isso, a
menina com quem ele estava conversando levantou o braço para alisar o
cabelo e disfarçadamente olhar para o relógio.
— E aquela menina não poderia se importar menos — eu apontei.
— Exatamente — disse Tristan, sorrindo para mim por cima do
ombro. — Então, eu estava certo. Você é uma observadora natural.
Me movi sob seu olhar, achando isso levemente inquietante, que ele
continuasse a agir como se soubesse muito sobre mim.
— Talvez — eu respondi. — Mas pelo menos eu nunca espiei ninguém
abertamente.
Tristan piscou, então finalmente desviou o olhar. Ele descansou seus
antebraços sobre os joelhos e entrelaçou os dedos. A pulseira de couro
trançada se agarrava firmemente a seu pulso. Parecia que era fundida à sua
pele. Como se tivesse estado lá desde sempre. Ele começou a brincar
distraidamente com a trança dela.
— Existe algo que você queira me perguntar, Rory? — disse ele
finalmente, olhando através da sala para Krista, que ainda estava de pé ao
lado da lareira.
— Sim, tem algo — eu disse, sentando-me em linha reta e de frente
para ele completamente. De alguma forma, a sua pergunta direta me tornou
valente.
— O que aconteceu com o garoto no parque?
Ele me olhou nos olhos. — O garoto no parque.
— O tocador de violão. Aquele com os dreadlocks. Eu vi que você o
estava vendo tocar com Fisher no outro dia, então eu sei que você sabe de
quem estou falando — eu disse, aquecendo a minha investigação. — Onde
ele está, e por que a minha irmã não se lembra dele? Ah, e por que a correia
do violão dele está pendurada no seu quarto de armazenamento lá atrás?
— Rory... — ele começou em voz baixa.
A maneira como ele disse meu nome, como se ele realmente me
conhecesse — como se sempre me conhecesse — enviou um ímpeto quente
no meu peito. Eu olhei para ele, bem nos olhos, e descobri que não conseguia
desviar o olhar.
— Rory! — uma voz familiar chamou.
— Oh, oi, Aaron! — eu disse, levantando-me para lhe dar um abraço e
tentando não gemer pelo seu timing. Tristan ia me dizer algo sobre o
menestrel. Eu podia sentir isso.
— Você já conhece Tristan? Esta é a casa dele.
— Oh, sim. Claro. — Aaron ofereceu sua mão, e Tristan se levantou
para apertar a dele. — Festa de matar, cara.
— Obrigado. — Então ele olhou para sua irmã, que estava dando a ele
algum tipo de olhar. Palavras não ditas entre irmãos, eu imaginei. — Eu
tenho que ir... fazer uma coisa — disse Tristan. Ele olhou de mim para
Aaron e de volta para mim novamente. Eu poderia dizer que havia algo que
ele queria dizer, mas ele pensou melhor.
— Vocês dois se divirtam.
Então, ele fez o seu caminho através da multidão, até a sua irmã.
— Ele parece ser um cara legal — disse Aaron.
Eu tomei uma respiração profunda. — Isso ainda está a ser
determinado.
— Então, você sentiu dores no outro dia? — perguntou Aaron,
tomando um gole de sua bebida.
Eu fiz uma careta com o pensamento. — Não, na verdade. Isso é
estranho.
Eu estava exausta depois do surf de vela — no bom sentido — e certa
de que os músculos que eu quase nunca usei estariam sofrendo nos dias que
viriam.
Aaron riu. — Acho que você é uma atleta melhor do que pensa.
— Aparentemente — eu disse.
— Então, vamos sair de novo? Tipo, sexta-feira de manhã? Eu pego
você na sua casa? — Aaron sugeriu.
— Eu estou dentro — eu disse com um sorriso.
Podia ser bom para mim passar mais tempo com Aaron e menos com
os moradores locais. Até agora, ele era a pessoa menos enigmática que eu
conheci nessa ilha maluca.
— Ei, olha só — ele disse, olhando por cima do meu ombro. — A
neblina está vindo de novo.
De fato, o ar lá fora estava rodando, as luzes ao longo da falésia
piscando uma por uma. Todos os festeiros começaram a se reunir nas janelas
para assistir, e Aaron me puxou para me juntar a eles.
— Isso é tão legal — alguém na multidão arfou.
— Assustador, você quis dizer — alguém respondeu.
— Eu li um livro, uma vez, e haviam monstros que viviam na névoa —
um cara disse, usando uma voz estranha. Alguns de seus amigos riram, e
todos ficamos em silêncio, observando o nevoeiro envolver a casa.
Do nada, senti um arrepio na parte de trás do meu pescoço e eu me
virei. Krista estava escorregando por uma porta lateral perto de mim,
enquanto, no outro extremo do corredor, Tristan estava abrindo a porta de
vidro para o pátio, segurando para Olive. Ela sorriu para ele quando eles
colocaram o pé para fora, a névoa cinza rodando em torno deles. Senti um
baque súbito de medo, e abri a boca para chamá-los, mas as palavras não
vieram. O que eu diria? Tenham cuidado? Não vão por aí? Tristan vivia
aqui. Ele conhecia este lugar e ele sabia sobre a névoa. Ele não estaria
levando Olive para fora se fosse perigoso. Eu esperava.
Enquanto todo mundo na festa ficava boquiaberto na frente da janela,
eu assisti Tristan e Olive descendo os degraus, a mão dele na parte inferior
das costas dela, até que ambos desapareceram na neblina.
29 QUEBRADA
Traduzido por Matheus Martins
o momento em que ele via uma menina, ele sabia ou não se ela era
o tipo dele. Isso não era físico. Não. Fisicamente, a variedade de
suas conquistas eram ótimas. Tão ótimas que todos os traçadores
de perfis em Washington, na Califórnia, na Virgínia e em DC tiveram
dificuldade para descobri-lo. Ele tinha certeza de que, num primeiro
momento, eles acreditavam que ele não tinha um tipo. Lacey Turner era,
afinal, baixa, gorda e loira, enquanto Gigi Abassian era alta e esbelta, de pele
escura, olhos escuros, cabelo escuro. Jenna Moskowitz tinha acne, eczema e
suspensórios, enquanto Felicia Renee havia modelado para revistas. E então
havia Rory Miller. Rory Miller, a mais simples de todas.
Exceto pelo cabelo. Aquele lindo e delicioso cabelo...
Então, não. Não era uma coisa física. Isso era interno. Toda garota que
ele já tinha escolhido era quebrada. Não importava o quão valente ela era,
ou o quão alto ela se levava ou como ela olhava para o mundo
desafiadoramente. Ele poderia apontar uma menina quebrada a um
quilômetro de distância. Estava tudo nos olhos.
E esta amiga de Rory Miller, ela era a mais destruída de todas elas.
N
30 DISPENSADA
Traduzido por Matheus Martins
onforme eu subia ao topo da colina na Main Street na quinta-feira
de manhã, eu cruzei meus dedos, esperando que o menino cantor
estivesse de volta ao seu lugar, cantando uma versão reggae de
“Sweet Dreams” ou algo assim. Esperando que eu tivesse imaginado o que
eu tinha visto na casa de Tristan. Mas ele não estava. Em vez disso, uma
jovem mulher em calças de ioga cinza fazia uma pose contorcida sob o
banner dos fogos de artifício, levantando o rosto para o sol.
Meus ombros caíram, e eu virei meus passos em direção à loja de
departamentos. Talvez eu prove as panquecas de mirtilo que Darcy tinha
pedido ontem. Elas pareciam incríveis. Talvez isso me animasse e me
preparasse para essa conversa. Eu queria perguntar a Olive o que eu havia
dito que tinha feito ela correr para o banheiro na noite passada, mas eu
estava nervosa para trazer isso à tona. Eu esperava que isso não fosse nada.
Esperava que eu tivesse imaginado isso, também. Assim que eu abri a porta,
eu disse a mim mesma que este era o caso, só para acalmar meus nervos.
Olhando para o balcão, fiquei aliviada ao encontrar duas garçonetes
desconhecidas movimentando em torno da cafeteira. Eu não queria que
Krista aparecesse no nosso café da manhã. Sentei-me de frente para a porta
para que eu pudesse ver Olive quando ela entrasse.
— O que eu posso pegar para você, senhorita? — uma mulher idosa
com o uniforme da loja de departamentos perguntou, aproximando-se da
mesa.
— Suco de laranja por enquanto, por favor. Eu estou esperando uma
amiga — eu disse a ela.
Ela bateu a ponta de seu lápis contra seu bloco. — Está bem!
Eu me estabeleci no assento confortável e li o cardápio, item por item,
apenas no caso de haver algo melhor do que panquecas de mirtilo para eu
provar. A porta se abriu e eu olhei para cima, mas era apenas um dos caras
C
do casal que eu tinha visto comer aqui ontem, o estudante meio loiro. Eu
olhei para a porta, à espera de seu namorado acompanhá-lo, mas ninguém
apareceu. O cara caminhou para o balcão e cumprimentou a garçonete com
um sorriso, em seguida, pediu um copo de café e um bagel.
Eu li o cardápio novamente, palavra por palavra. Ainda nada de Olive.
Olhei para o relógio. Ela só estava atrasada sete minutos. Meu suco chegou,
e eu o engoli, meu estômago roncando. Eu li o cardápio novamente. A porta
se abriu, e eu olhei para cima mais uma vez. Desta vez, era Tristan. Ele
estava vestindo um calção úmido, e sua camiseta branca agarrava-se a ele
em manchas molhadas. Seu cabelo estava penteado para trás de seu rosto,
acentuando suas maçãs do rosto afiadas e o azul surpreendente de seus
olhos.
Meu coração fez uma cambalhota estranha de esperança-mas-cheia-de-
apreensão quando eu me lembrei da nossa conversa ontem à noite. Eu
comecei a abrir minha boca para dizer olá, mas ele deu uma olhada em mim,
ficou vermelho, e saiu.
Isso era novo. Olhei em volta, envergonhada, até que eu percebi que
ninguém tinha notado ele ou a sua retirada. Eles não tinham nenhuma
maneira de saber que eu tinha sido a responsável por assustá-lo, de qualquer
maneira.
O cara no balcão pegou seu bagel e começou a comer. Tomei um gole
do suco e tentei não pensar no quanto eu estava com fome. A garçonete se
aproximou da minha mesa e limpou a garganta.
— Posso pegar mais alguma coisa para você, querida? — ela
perguntou.
Eu sorri para ela. — Eu acho que só vou esperar por minha amiga. —
Nós duas olhamos para o meu copo agora vazio. — Você poderia reenchê-
lo, por favor? — perguntei.
— Claro.
Ela pegou o meu copo e voltou com ele cheio. — Aproveite!
Esperei mais quinze minutos, desejando que eu tivesse um celular para
que eu pudesse mandar uma mensagem para Olive. Ela teria se esquecido
do nosso encontro para o café da manhã? Ou será que eu possivelmente a
ofendi tanto ontem à noite que ela simplesmente decidiu me dispensar? Eu
drenei meu suco novamente. Verifiquei o meu relógio. Ela estava mais de
meia hora atrasada. Claramente ela não viria. Finalmente, eu levantei,
pegando alguns dólares na minha carteira.
— Desistiu? — a garçonete perguntou, pairando sobre mim.
— Ela provavelmente dormiu demais — eu disse a ela com um sorriso
embaraçado. — Eu vou ver como ela está, e espero que voltemos aqui.
— Tudo bem, então — disse a garçonete com um sorriso de pena, como
se ela não acreditasse que eu voltaria. Quando eu abri a porta, o sino acima
dela tilintou e a garçonete levantou uma mão. — Tenha um bom dia!
Eu puxei o pedaço de papel com o endereço da pensão de Olive para
fora do meu bolso. Freesia Lane, número 22, quarto 2A. Olhei em volta,
percebendo que eu não tinha ideia para onde eu estava indo. Então eu vi o
cara ruivo da festa de Tristan virando à direita na rua lateral com o parque.
Corri atrás dele, imaginando que eu poderia perguntar se ele conhecia a rua,
e parei no caminho. Em uma placa diretamente sobre a minha cabeça lia-se
FREESIA LANE. Eu simplesmente não tinha notado antes.
— Ótimo. Ela tinha que viver na rua do parque assustador — eu disse
baixinho, empurrando o pedaço de papel no bolso.
Engolindo meu nervosismo, eu me virei na rua. Felizmente o número
vinte e dois era a apenas algumas casas a frente, a um quarteirão de distância
do parque. Havia uma casa alta, estreita e branca que lançava uma longa
sombra sobre a rua. Sua caixa de flores de ferro forjado estourava com
samambaias vermelhas. Parei na calçada por um segundo para reunir
coragem para entrar, esperando que ela não estivesse tentando me evitar.
Eu caminhei pela calçada da frente, o assoalho do alpendre rangendo
sob os meus pés. Quando eu tentei abrir a porta, ela se abriu com facilidade,
as velhas dobradiças deixando escapar um gemido agudo. Não havia
ninguém à vista, todas as luzes estavam apagadas, e lá havia um frio
diferente no ar, apesar do calor do dia.
Minha pele se arrepiou e meu peito ficou apertado. Eu verifiquei por
cima do meu ombro, meio que esperando ver Steven Nell se lançando em
direção a mim. Mas tudo o que havia lá eram as casas silenciosas e sem vida
do outro lado da rua.
Engoli em seco e entrei.
— Olá? — eu chamei. Uma escada alta e estreita levava ao segundo
andar, e um desbotado papel florido cor de canela e verde cobria as paredes.
— Olá? Tem alguém aqui?
Não houve resposta. Em algum lugar das profundezas da casa, ouvi um
murmurar. A melodia era familiar, mas eu não pude identificá-la. Lambi
meus lábios e engoli em seco. Olive entrava e saía de casa todos os dias. Não
havia nada a temer. Agarrei o corrimão lascado e me arrastei lentamente
pelas escadas. Depois de alguns passos, comecei a me sentir como se eu
estivesse no meio de um filme de terror e corri o resto do caminho
casualmente, recusando-me a fazer o papel da garota nervosa.
A primeira porta à esquerda tinha um 2A banhado a ouro cravado em
seu centro. Prendi a respiração e bati. A porta se abriu um centímetro ao
meu toque.
Com o coração acelerado, eu olhei através da fresta. Lá dentro, eu podia
apenas distinguir a manga de uma das blusas de Olive, jogada sobre a cama.
Então, notei o sinal sonoro incessante e empurrei a porta.
Ao lado da cama arrumada dela, o alarme de Olive estava badalando.
— Ela não está aqui.
Eu me virei, minhas mãos voando para me preparar contra a porta
aberta. Uma mulher chinesa pequena com cabelo branco e óculos enormes
estava atrás de mim.
— Quem é você? — perguntei.
— Sra. Chen. Eu gerencio este lugar — disse ela, gesticulando com um
aro enorme cheio de chaves. — Ela não voltou para casa ontem à noite.
— Ah... ok — eu disse.
Em seguida, ela balançou a cabeça e começou a descer as escadas muito
lentamente, os chinelos fazendo um som contra a madeira envelhecida.
Meu batimento cardíaco pulsava descontroladamente, e me voltei para
o quarto de Olive. Eu sabia que vir era uma enorme invasão a sua
privacidade, mas racionalizei com o pensamento de que alguém realmente
devia desligar o alarme antes de começar a incomodar seus vizinhos. Eu
andei para dentro e apertei o botão no relógio. Silêncio misericordioso.
A porta do armário de Olive estava aberta e apenas algumas peças de
roupa estavam penduradas no interior. Seu violão estava encostado na
cadeira do outro lado da sala, e algumas partituras estavam espalhadas sobre
uma mesa baixa. Havia flores frescas no parapeito da janela mais distante.
Um sino de bicicleta soou na rua, e eu me virei para a janela mais
próxima de mim, acima da mesa. No segundo que eu o fiz, um grande
pássaro preto levantou voo do peitoril da janela, suas asas fazendo um
barulho que enviou meu coração para minha garganta.
Inclinei as duas mãos na mesa, lutando para poder me sustentar.
Claramente, eu estava tensa demais se uma velha senhora e um pássaro
poderiam fazer tudo isso comigo. Eu inspirei e expirei, dizendo a mim
mesma para relaxar, mas eu simplesmente não conseguia.
Quando eu levantei a minha mão, um pedaço de papel estava preso à
palma da minha mão. Era um bilhete de recolhimento de uma restauradora
de bicicletas, que deveria ser pega hoje. Abaixo dele havia um pedaço de
papel de carta rosa antigo. No topo, Olive tinha escrito as palavras
QUERIDA MÃE. A carta estava apenas metade concluída.
Fiz uma pausa. Eu sabia o que era, e eu não estava com vontade de lê-
la.
Virei-me para o quarto dela mais uma vez. A cama feita. As roupas
espalhadas. O copo vazio na mesa de cabeceira. Era estranho. Como se
alguém tivesse congelado a vida de Olive no tempo. De repente, uma
sensação horrível e inquietante criou raízes dentro do meu peito. Algo tinha
acontecido com Olive. Algo terrível.
E eu sabia quem tinha feito isso.
31 LOUCA
Traduzido por Ivana
orri para casa tão rápido que qualquer pessoa que me visse teria
pensado que eu estava sendo perseguida. Eu senti como se estivesse
sendo perseguida. Toda vez que eu tomava ar, eu tinha certeza que
eu estava prestes a correr de cabeça para Steven Nell. Toda vez que eu
pensava em parar para tomar um fôlego, eu o via saltar de trás de uma cerca
viva. Eu não podia acreditar que eu tinha ignorado os sinais de alerta, que
eu tinha escolhido fechar os olhos e fingir estar segura quando tudo
apontava para o contrário. Steven Nell estava aqui. Ele estava me
perseguindo, me provocando, e agora ele tinha Olive. Eu tinha que avisar
Darcy. Eu tinha que avisar o meu pai.
Eu derrapei ao virar da esquina para o nosso bloco e corri em frente a
nossa casa, meu cabelo batendo na parte de trás do meu pescoço. Quando eu
passei pela porta da frente, meu pai e Darcy estavam ambos sentados à mesa
da cozinha, comendo em tigelas de cerâmica.
— Rory? O que há de errado? — perguntou o meu pai, de pé. Ele estava
usando seu uniforme de corrida e um boné de beisebol. Amontadas na frente
dele em cima da mesa haviam pilhas de páginas datilografadas. Eu as
reconheci em pânico. Essas páginas ficavam dispostas em nossa mesa de
jantar toda a minha infância, mas tinham desaparecido quando a minha mãe
ficou doente. Era o romance dele. Ele parou de trabalhar nisso anos atrás.
Eu teria ficado animada por ele estar recomeçando novamente, se eu não
estivesse prestes a explodir de terror.
— Ele está aqui! — eu engasguei, cambaleando em direção a eles. —
Steven Nell está aqui.
— Rory... — Darcy começou.
— Você o viu? Onde? — meu pai perguntou, pálido.
— Não. Eu não... eu não o vi. — Eu me inclinei para a parte de trás da
cadeira de Darcy, com a minha mão ao meu peito, tentando recuperar o
C
fôlego. — Mas ele está aqui. Darcy, diga a ele! Lembra da outra noite,
quando ouvimos o riso no nevoeiro? Era ele!
Darcy suspirou. — Sem essa, Rory. Tenho certeza de que era apenas
alguém brincando com a gente.
— Sim, e Steven Nell é esse alguém! — gritei. Virei-me para enfrentar
o meu pai, desesperada. — Pai, escuta. Na primeira manhã aqui, eu ouvi
alguém fora da casa cantarolar “The Long and Winding Road”, que o Sr.
Nell sempre costumava cantarolar nos corredores. E então alguém colocou
a música na jukebox no Thirsty Swan na noite em que nós fugimos. Eu ouvi
ele rindo, eu o ouvi sussurrar meu nome. E havia um pedaço de tecido
exatamente como o da sua jaqueta e uma bolsa carteiro pendurada em nossa
cerca a alguns dias atrás, assim como a que ele costumava levar para a aula.
— Espere um minuto, espere um minuto — meu pai disse, estendendo
a mão para segurar meus dois braços. — Você está baseando tudo isso em
uma série de coincidências aleatórias?
Meu coração se afundou. Ele não acreditou em mim. Eu senti como se
estivesse prestes a explodir.
— Não! Estou baseando no fato de que todas essas coisas aconteceram,
e agora Olive desapareceu! — eu soltei.
— Quem é Olive? — ele e Darcy perguntaram ao mesmo tempo.
Meu sangue se transformou em gelo em minhas veias. Eu senti como
se alguém tivesse acabado de me bater na cabeça com uma barra de madeira.
Lentamente, eu me virei para enfrentar Darcy. Minha visão estava borrada.
— O que você quer dizer com quem é Olive? — eu perguntei.
Ela levantou os ombros e levantou-se da mesa, pegando sua tigela e
colher. — Eu quero dizer, quem é Olive?
Casualmente, ela passou por mim e meu pai para despejar seus pratos
na pia. Ela correu a água por um segundo, em seguida, sacudiu as mãos e se
virou para mim, encostando-se ao balcão. Eu procurei seus olhos. Ela olhou
para mim com curiosidade, esperando. Esperando que eu respondesse para
ela. Para explicar a ela quem era essa pessoa — a pessoa com quem ela saiu
em várias ocasiões.
— Darcy, qual é — eu disse. — Agora eu sei que você está de
sacanagem comigo.
— Por que eu estou de sacanagem com você? — ela perguntou.
— Você sabe quem é Olive — gritei. — Nós saímos com ela na fogueira
e, novamente, no Thristy Swan! Eu saí para uma corrida com ela dois dias
atrás e você falou com ela na festa de ontem à noite antes de se encontrar
com Joaquin. — Minha voz ficou progressivamente mais alta, enquanto ela
continuava a olhar para mim como se eu estivesse falando em alguma língua
estrangeira.
— Espere um minuto, quem é Joaquin? — meu pai perguntou a Darcy,
completamente alheio ao meu pânico crescente.
Ela tornou-se agradavelmente rosa. — Ele é um cara que eu...
— Darcy — eu interrompi. — Você sabe quem é Olive!
— Deus, Rory! Desista! — Darcy deixou escapar, claramente
frustrada. — Eu conheço Krista, eu conheço Lauren e Bea, mas eu não me
lembro de Olive. E eu acho que eu me lembraria, porque com esse nome?
Eca.
Meus joelhos cederam e eu me deixei cair em sua cadeira desocupada.
Isso não estava acontecendo. Isso não estava acontecendo. Primeiro o
menino menestrel e agora Olive? Eu não estava fabricando essas pessoas.
Elas eram reais. Darcy os conhecia. Era como se ela tivesse desenvolvido
algum tipo de amnésia seletiva estranha que a fez apagar certas pessoas. Eu
fiquei boquiaberta para ela quando ela saiu da cozinha e se dirigiu para as
escadas.
— Eu vou tomar um banho e, em seguida, vou para a praia — disse ela.
— Me avise se você quiser vir.
— Nós vamos precisar falar sobre esse Joaquin! — o meu pai a chamou.
— Sim, sim — disse ela suavemente. — Mais tarde.
Eu esperei até que ouvi a porta bater e o chuveiro ligar antes de me
virar para o meu pai, meio que esperando ele me repreender por assustá-lo.
Essa teria sido sua reação normal. Mas hoje ele apenas ficou lá, olhando para
mim com uma expressão preocupada.
— Pai, há algo seriamente estranho acontecendo por aqui — eu disse.
— Darcy conhece Olive. Eu juro a você. Eu a conheci na primeira manhã
aqui, e nós saímos com ela a semana toda. Ela é a amiga que correu comigo.
E eu deveria encontrá-la no café da manhã, mas ela não apareceu, e quando
eu fui para a pensão, ela não esteve em casa durante toda a noite, e todas as
coisas dela ainda estavam lá.
— Talvez ela tenha dormido na casa de uma amiga — disse meu pai.
— Ou talvez ela saiu esta manhã para um café ou uma corrida. Ela poderia
ter se esquecido dos seus planos. Isso acontece.
— Sim, ou talvez quando ela estava caminhando para casa da festa da
noite passada algum serial killer psicopata a agarrou, a assassinou e
enterrou seu corpo na praia em algum lugar! — eu disse, enrolando meus
dedos em punhos. Por que ele não acreditava em mim? Por que a minha
irmã enlouqueceu?
Ou era eu? Eu era a única que estava ficando louca? Mas não era como
se eu tivesse criado Olive. Ela era uma pessoa real, com coisas reais em seu
quarto e verdadeiros sentimentos sobre seu passado, sua mãe e seu futuro.
E agora ela se foi.
Meu pai sentou-se em diagonal à mim e pegou uma das minhas mãos
entre as suas. Suas mãos eram quentes e aconchegantes.
— Rory, escuta, eu entendo por que você está chateada — disse ele
pacientemente, olhando-me nos olhos. Pisquei e olhei para as nossas mãos,
não acostumada com esse tipo de contato, este tipo de tratamento gentil. —
Você acabou de passar por uma experiência horrível. Lembra de depois que
a sua mãe morreu? Os flashes que você costumava ter? Talvez isso seja algo
parecido. Talvez seja apenas mais uma manifestação de estresse pós-
traumático.
Ele estendeu a mão e colocou meu cabelo atrás da minha orelha, assim
como ele costumava fazer quando eu era pequena e esfolava meu joelho ou
caía da cama. Eu apertei minhas mãos até minhas unhas cortarem a carne
da minha palma. Mal sabia ele que eu estava tendo flashes e que essas outras
coisas que eu estava vendo, ouvindo, sentindo, experimentando nada tinham
em comum com aqueles. Mas, agora, não parecia ser o momento para trazer
minhas pequenas desconexões da realidade. Só provaria o seu ponto — que
eu estava perdendo o controle.
— Por que você não vai para a praia com Darcy e tenta relaxar? — ele
sugeriu.
Minha boca estava completamente seca, o meu coração trabalhando
horas extras. Enquanto eu estava sentada lá, com a minha mão dentro das
mãos do meu pai, eu nunca me senti tão sozinha, tão absolutamente
desnorteada, tão assustada.
Ele não acreditou em mim. Ele nunca iria acreditar em mim. Mas eu
sabia que Steven Nell estava lá fora, e era só uma questão de tempo antes
que ele atacasse.
32 A VERDADEIRA AMEAÇA
Traduzido por Ivana
u acordei com um susto no meio da noite, certa de que o som de
vidro quebrando tinha interrompido meu sono. Com o coração na
minha garganta, eu joguei os lençóis de lado e me arrastei para
baixo. O nevoeiro estava espesso lá fora em todas as janelas, e tudo que eu
podia ouvir eram incessantes assobios enquanto a névoa úmida rastejava ao
longo das telhas, do telhado, das vidraças.
Fiz uma pausa fora da porta do quarto de Darcy, meu pulso batendo
nos meus ouvidos, e a abri. Sua cama estava vazia.
— Pai? — eu gritei. Atravessei o corredor e abri a porta dele. Não
havia ninguém lá.
Outro barulho, desta vez mais perto. Eu me virei e corri para baixo.
— Pai? Darcy?
Foi quando eu ouvi a risada.
Eu gritei com toda força dos meus pulmões e me lancei para a porta da
frente. Minhas mãos tremiam enquanto eu forçava as fechaduras e corri para
fora, para o terraço. A neblina estava tão espessa que eu poderia ter
segurado na minha mão. Tudo o que eu podia ouvir era o assobio. O assobio
e o som da respiração irregular.
— Por favor, não — eu gemi baixinho. — Papai? Me ajude.
A névoa rodopiava morta em frente, e foi quando eu vi seus corpos,
todos alinhados em uma fileira pequena e arrumada. Darcy com a parte de
trás de sua cabeça ferida. Meu pai com a perna quebrada, sua garganta
cortada. E Olive. Olive estava... quase irreconhecível.
— Não! — eu gritei, afastando-me deles. — Nããããããããão.
Eu esbarrei em alguém, e uma mão seca desceu sobre a minha boca.
— Sentiu minha falta?
* * *
E
Sentei-me em linha reta na minha cama com um estalo ensurdecedor
de um trovão acompanhado de um clarão de relâmpago. Lutando para
respirar, eu coloquei minha mão sobre minha barriga, que estava dolorida.
Agarrei os lençóis com a outra mão e segurei a respiração até que diminuísse
a dor.
— Foi apenas um sonho — eu disse em voz alta. — Apenas um sonho.
Lentamente, eu deitei de novo no meu travesseiro encharcado de suor.
Este era o inconveniente de estar no terceiro andar. O isolamento aqui não
era tão bom, e eu tinha certeza que eu estava ouvindo cada gota de chuva,
cada estrondo, muito mais claro do que Darcy ou meu pai.
Levantei-me, peguei meu iPad da mesa, e o levei para a cama. Eu tentei
várias vezes hoje e ainda não tinha sido capaz de conseguir qualquer sinal,
mas não ia doer tentar novamente. Eu tinha que pelo menos verificar os
sites de notícias e descobrir se havia alguma informação nova sobre Steven
Nell. Talvez eu estivesse sendo paranoica. Talvez eles o pegaram. Talvez
amanhã nós poderíamos ir para casa.
Mas quando eu cliquei no navegador e ele abriu, não havia nada além
de uma tela em branco e uma roda colorida girando. Suspirei e desliguei o
iPad.
Rolando sobre meu estômago, eu olhei pela janela enorme, observando
os raios sobre o oceano. Cada raio irregular iluminava bolsões de ondas,
esburacados pela chuva conforme a água se enfurecia e enervava. Inspirei e
expirei, inspirei e expirei, e lentamente o pesadelo desapareceu.
De repente, ouvi um grito, e quando o céu se iluminou mais brilhante
ainda, eu pude distinguir quatro silhuetas na água, segurando pranchas de
surf. Subi de joelhos e me inclinei para frente. As pessoas estavam surfando
nessa confusão? Eles estavam loucos?
Duas das figuras viraram em direção à costa e começaram a remar
furiosamente. Eles pularam nas pranchas em seus pés e subiram uma onda
maciça, lado a lado, até que um deles caiu para a frente, de cara na água.
Minhas mãos voaram para cobrir minha boca e ficaram lá até que ele
apareceu mais uma vez. Ele meio nadou, meio cambaleou para a costa, onde
seu amigo cumprimentou-o com um aceno. Logo depois, outro dos quatro
montou uma onda e se juntou a eles perto da areia. Chuva escorria por seus
ombros, mas eles não pareciam se importar — como se eles pensassem que
eram invencíveis. Eu os invejava. Eu costumava me sentir assim, e eu
gostaria de voltar à isso.
Relâmpagos brilharam novamente, e naquela fração de segundo eu os
reconheci. Kevin, Fisher e Bea. Os três conversaram por alguns minutos
antes de todos se virarem para olhar para a água. Eu me virei para olhar
também. O quarto surfista ainda estava lá. Ele remou passando por uma
onda grande e agora estava sentado, com as pernas balançando casualmente
em ambos os lados de sua prancha enquanto ele balançava para cima e para
baixo sobre o mar agitado. Ele estava indo em direção ao horizonte, apenas
olhando, com as mãos pousadas sobre suas coxas.
Meu coração deu uma batida extra. Uma batida triste. Havia algo
naquela figura solitária, algo na maneira como ele olhava fixamente, que
lembrava solidão, tristeza, talvez até arrependimento. Então os caras na
praia gritaram alguma coisa, e ele virou a cabeça, com o céu iluminando
novamente. Minha respiração ficou presa. O rosto anguloso e os cabelos
loiros molhados e casuais. Era Tristan.
Por alguma razão, eu me joguei para trás na minha cama. No segundo
que eu fiz, eu me senti tola. Não era como se ele fosse olhar para cima e me
identificar. E mesmo se o fizesse, quem se importava? Eu vivia aqui. Eu
estava autorizada a olhar para fora da minha janela. Além disso, ele tinha
me espionado bastante. Seria um jogo justo.
Arrastei-me para a frente com minhas mãos e joelhos e espiei pela
janela novamente. Ele remou na frente de uma onda e disparou para cima
em sua prancha. Fiquei maravilhada com o quão gracioso que ele era, quão
fácil ele fazia aquilo parecer, equilibrando com os pés descalços sobre uma
prancha encharcada, enquanto a chuva golpeava seu rosto.
Finalmente, ele chegou com segurança em terra, colocou sua prancha
debaixo do braço, e correu até a praia. Ele riu com seus amigos, batendo as
mãos e balançando o cabelo molhado para trás de seu rosto.
Eu pressionei meus lábios enquanto eu observava, e de repente uma
lembrança me bateu tão forte que eu engasguei. Ontem à noite, Olive tinha
deixado a festa com Tristan. Eu tinha visto eles saindo juntos na névoa. Isso
não quis dizer nada para mim na hora, porque eles eram amigos. Porque ela
gostava dele. Mas então me lembrei de como ele tentou ficar longe de mim
esta manhã na loja. Será que ele sabia algo sobre Olive? Talvez todo esse
tempo ele não tinha estado me espionado, mas espionado Olive. Talvez ele
realmente fosse algum tipo de perseguidor obcecado, mas não o meu
perseguidor sinistro e obcecado. Eu senti um frio agora, pensando em como
eu tinha deixado ele me tocar. Como eu tinha deixado ele me confortar.
Com os braços e pernas tremendo, eu me arrastei para mais perto da
janela, observando como os quatro amigos bebiam cervejas e tilintavam
garrafas. Tristan tomou um longo gole, depois inclinou a cabeça para trás e
sacudiu o cabelo longe de seu rosto, deixando a chuva cair sobre ele como
se ele estivesse sendo limpo.
Eu enrolei minha mão sobre o parapeito da janela, segurando apertado.
Talvez o Sr. Nell não fosse a única ameaça lá fora. Talvez houvesse uma
ameaça ainda maior muito, muito perto de casa.
33 DPJL
Traduzido por Ivana
sol estava pairando sobre o oceano na sexta-feira de manhã quando
eu fechei o meu moletom com capuz e sai pela porta da frente. O ar
estava frio, e eu tremi enquanto eu olhava para a casa cinza do
outro lado da rua. As cortinas ainda estavam fechadas. Olhei para a esquerda
e para a direita. Não havia sinal de ninguém à espreita, mas por precaução,
eu coloquei o capuz para cobrir o meu cabelo e desci correndo os degraus da
frente.
Lá fora no oceano, um veleiro cortava a água em direção ao horizonte.
Gaivotas grasnavam, mergulhando em direção aos golfinhos. Em algum
lugar, um conjunto de sinos de vento tocou feliz. Não havia nenhum
zumbido. Nem risada. Apenas o som da minha respiração e a batida nervosa,
mas determinada do meu coração.
Eu acelerei na esquina e quase atropelei Aaron.
— Oi! — disse ele alegremente. Ele tinha uma bolsa pendurada no
ombro. — Eu achei que ia te encontrar em sua casa.
Eu pisquei para ele. Seu rosto já estava se entristecendo quando eu
finalmente me lembrei. — Nós íamos praticar surf de vela! — exclamei.
— Você esqueceu — disse ele, mordendo o lábio inferior.
— Eu sinto muito. — Eu levei as duas mãos na minha testa. — Há
muita coisa acontecendo. Eu estou indo para a delegacia de polícia.
Seus olhos se arregalaram. — Para quê?
— É uma longa história, mas... minha amiga Olive desapareceu — eu
disse a ele.
— Olive? — ele questionou. — Já me encontrei com ela?
Uma brisa fresca bateu no meu nariz enquanto o meu coração dava um
baque extra-forte. Eu queria estender a mão e sacudir ele. Por que ninguém
se lembrava de Olive? Mas então eu lembrei que apesar de haverem estado
O
nas mesmas festas, eles não chegaram a ser apresentados. Não havia
nenhuma razão para ele se lembrar dela.
— Eu acho que não. Eu a conheci quando eu cheguei aqui, e nós
deveríamos sair para um café da manhã ontem, mas ela não apareceu — eu
disse, começando a andar novamente. Ele me seguiu em sintonia ao meu
lado. Eu não poderia dizer-lhe sobre as minhas suspeitas sobre Steven Nell,
e eu não sabia como colocar em palavras o que eu sentia por Tristan. Em
vez disso, eu torci minhas mãos e me forcei a manter isso simples. — Ela
não ligou, ela não veio falar comigo. Eu só estou realmente preocupada. Eu
estou a caminho da delegacia agora.
— Ir à polícia não é um pouco extremo? — disse ele, sua bolsa batendo
contra sua perna enquanto ele caminhava. — Talvez ela simplesmente se
esqueceu de seus planos.
Mordi a língua, desejando poder apenas dizer-lhe a verdade. — Eu sei.
Eu acho que sou uma pessoa que acredita que “o-seguro-morreu-de-velho”.
Chegamos ao topo da colina. Do outro lado da rua estava a fachada de
tijolos do Departamento de Polícia de Juniper Landing.
— Você não precisa vir comigo, se você não quiser — eu disse a ele.
Ele pegou minha mão e apertou-a. — Não. Eu quero.
Meu coração aqueceu, e trocamos um breve sorriso. Subimos os
degraus de pedra em uma corrida leve e entramos. O ar estava gelado,
graças ao ar-condicionado, e eu não pude deixar de notar o quão limpo
estava tudo. O piso de mármore brilhava, o banco de madeira sob a placa de
anúncio parecia recém encerado, e a placa de anúncio em si estava
praticamente vazia. O único aviso nela era um anúncio para a noite de
cinema na sala de atividades da biblioteca. Não haviam fotos de criminosos
procurados, nenhum aviso sobre a segurança da noite, nem lembretes para
renovar sua carta de motorista ou manter sua propriedade livre de perigos.
Aaron abriu a porta de vidro para a sala principal e segurou-a para
mim. Eu senti uma onda avassaladora de gratidão à ele por não me deixar
sozinha, mesmo que ele pensasse claramente que eu estava exagerando.
Encostado ao balcão de madeira não estava outro senão o meu
habitante local favorito, Joaquin, vestindo uma jaqueta de capuz vermelho e
conversando com quatro policiais fardados, que estavam em um círculo
muito unido atrás do balcão. Havia uma caixa de donuts e um grande livro
com capa de couro aberto entre eles. Quase parecia que Joaquin estava
explicando alguma coisa para eles. Um oficial alto assentiu enquanto ouvia,
e outro foi tomando notas. Então Joaquin deve ter dito algo engraçado,
porque todos riram, os olhos brilhando enquanto eles olhavam para ele,
como se ele fosse o segundo Jesus Cristo.
É claro. É claro que Joaquin era amigo dos policiais. Ele provavelmente
trazia rosquinhas todas as manhãs para que eles ignorassem suas pequenas
infrações, como fogueiras nas praias e menores de idade no Thirsty Swan.
Meu coração caiu quando nós lentamente nos aproximamos. Como eu
deveria dizer à polícia o que eu suspeitava, que Tristan tinha algo a ver com
o desaparecimento de Olive, com seu melhor amigo bem ali?
A porta finalmente se fechou atrás de nós, e todos olharam para cima.
Joaquin sorriu, empurrando o livro em direção a um dos policiais, que
rapidamente o fechou e colocou sob o balcão. Os policiais, por sua vez,
dispararam olhares irritados, como se tudo o que Joaquin estava dizendo a
eles fosse muito importante para ser interrompido.
— Rory! — disse Joaquin, sacudindo seus olhos sobre Aaron com
desdém. — O que você está fazendo aqui?
Eu busquei a minha coragem e enfrentei os homens por trás do balcão.
— Eu preciso falar com alguém sobre uma pessoa desaparecida — eu
disse, ignorando Joaquin.
Todos eles ficaram em silêncio. Um deles trocou um olhar com
Joaquin, que engoliu a última de suas rosquinhas com uma mordida. O
oficial era alto e robusto e parecia tão forte como uma rocha. Parecia um ex-
fuzileiro naval — e não alguém que uma pessoa iria querer mexer. Eu
poderia ter me sentido confortada por esse fato se ele não estivesse me
dando um olhar como se eu fosse algo rançoso que ele tinha raspado da parte
inferior da sua bota.
— Bem-vinda ao Departamento de Polícia de Juniper Landing. Eu sou
o Oficial Dorn — disse ele, como se não tivesse ouvido uma palavra do que
eu havia dito. Ele pôs as mãos espalmadas sobre a mesa. — Agora, o que é
isso de uma pessoa estar desaparecida?
— Minha amiga sumiu — eu disse. — Fomos a uma festa juntas há
duas noites atrás, e ninguém a viu desde então.
Os lábios de Dorn se contraíram levemente. Joaquin limpou a garganta
e fechou o topo da caixa de rosquinha, empurrando para longe.
— Esta menina era uma local ou um dos nossos turistas? — perguntou
Dorn.
Algo dentro de mim se moveu. Por que ele usou a palavra era? — Ela
é uma turista — eu disse. — Ela está ficando na pensão na Freesia.
— Ah, o lugar da Sra. Chen — disse Dorn com um grande sorriso.
Seus dentes eram muito retos e brancos. — Boa senhora. Ela faz um ótimo
pão com limão.
Os outros oficiais riram e fizeram sons de concordância geral. Aaron e
eu trocamos um olhar. Ok, ótimo. Ele estava tão irritado com este
comportamento como eu estava.
— Espere um minuto — disse Joaquin, esfregando suas mãos. — Você
está falando de Olive?
Meu espírito se iluminou imediatamente, e eu senti uma onda de
gratidão para com ele que era totalmente incongruente com tudo o que eu
sentia sobre o cara. Pelo menos alguém lembrava da existência de Olive.
Pelo menos eu não estava totalmente insana.
— Sim! — exclamei.
— Você a conhece? — perguntou Aaron.
— Sim, eu a conheço. É claro que eu conheço — disse Joaquin em um
tom de “dã”. Ele se inclinou para o lado no balcão, apoiando-se num cotovelo
e cruzando os pés. — Não se preocupe com Olive. Ela está bem.
— Você sabe onde ela está? — perguntei.
— Não, mas eu tenho certeza que ela está bem — disse Joaquin,
abrindo a caixa de rosquinhas e casualmente se levantando. — Ela é Olive.
O que diabos isso queria dizer?
— Ela não está bem — eu disse. — Ela está desaparecida.
— Ouça, senhorita — disse Dorn, claramente perdendo a paciência. —
O que você disse a nós é que vocês duas foram a uma festa e ela não voltou
para a Sra. Chen — disse ele, olhando para mim. Ele inclinou para trás para
endireitar sua cintura e suspirou. — O que eu acho é que ela teve sorte e
ficou com algum outro... amigo... — Então ele ficou rindo com seus
companheiros. — Ou ela decidiu terminar suas férias e foi para casa.
— Ela não foi para casa — eu insisti.
— E como você sabe disso? — ele questionou.
— Eu fui ao quarto dela. Todas as coisas dela ainda estão lá — eu disse.
Dorn piscou, e o sorriso de Joaquin congelou no rosto. Os caras atrás
dele sussurraram algo uns para os outros e, em seguida, um deles atravessou
a sala, entrou em outro escritório, e fechou a porta. Meus dedos começaram
a tremer.
— Além disso, ela não pode ir para casa — eu pressionei. — Ela está
brigada com sua mãe, e ela não pode ir até que ela faça as pazes com ela. —
Olhei de soslaio para Joaquin, odiando ter que dizer isso na frente dele, que
eu tivesse que deixar ele ouvir os segredos de Olive.
— Sabem de uma coisa? Eu tenho que ir — disse Joaquin de repente,
olhando para um relógio na parede oposta. — Vocês podem desfrutar dos
donuts — ele disse à polícia. Então ele olhou para mim e Aaron. — Até mais.
Deixei escapar um suspiro de alívio com sua partida. Pelo menos agora
eu poderia falar livremente sobre Tristan.
Quando a porta se fechou atrás de Joaquin, o Oficial Dorn exalou alto.
— Ouça, querida...
Meu rosto ficou vermelho tomate. Querida? Sério?
— Eu quero que você fale com Tristan Parrish — eu disse em voz alta.
Eu não era geralmente assim em torno de figuras de autoridade, mas minha
raiva e terror estavam, ironicamente, me deixando corajosa. — Ele foi a
última pessoa que eu vi com ela.
Houve um silêncio prolongado, e depois o Oficial Dorn e os outros dois
policiais restantes caíram na gargalhada.
— Tristan Parrish — disse Dorn, incrédulo. — O filho da prefeita.
— Sim! — exclamei. — Talvez ele saiba onde ela está.
— Nós não vamos interrogar o filho da prefeita — disse Dorn. Ele
pegou sua xícara de café e tomou um gole casual. Mas a partir do canto do
meu olho, eu vi um pequeno indício de um tremor em suas mãos.
— Por que não? Só porque ele é o filho da prefeita? E se ele sabe de
alguma coisa? — eu perguntei. — Eu não estou pedindo para você prendê-
lo. Eu só quero que você fale com ele.
Finalmente, um dos outros policiais se aproximou para se juntar a nós.
Ele era mais velho do que Dorn, mais baixo e mais feio. — Ouça, senhorita.
As pessoas vêm e vão por aqui o tempo todo. Isso é apenas a maneira como
são as cidades de veraneio. Agora, por que você e seu amigo não saem e vão
desfrutar desta bela manhã que estamos tendo?
— Eu estou dizendo que isso é diferente — eu disse estridentemente.
— Alguma coisa aconteceu com ela. Eu posso sentir isso.
O cara barrigudo cruzou os braços por cima de sua barriga. Ele me
estudou pelo que pareceu ser para sempre.
— Tudo bem, tudo bem. Se vai fazer você se sentir melhor, vamos
enviar alguns oficiais para a praia e para as docas, para ver se alguém a viu,
está bem? — ele disse. — Agora, vocês dois saiam daqui e vão se divertir.
Vamos procurar a sua amiga.
Aaron colocou a mão nas minhas costas, e eu relutantemente me virei
para ir, mas no momento em que estávamos saindo, eu percebi uma coisa e
corri de volta subindo os degraus.
— Eu nem sequer lhe disse seu sobrenome — eu anunciei assim que
entrei pela porta. — Ou como ela é.
Mas não havia mais ninguém atrás do balcão. O barrigudo, Dorn, os
outros oficiais... todo mundo tinha ido embora.
34 VAZIO
Traduzido por Matheus Martins
ara onde vamos agora? — Aaron perguntou quando eu
passei por ele e corri escada abaixo. Meu rosto estava em
chamas. Meu coração batia forte contra o meu crânio. Eu
cerrei os dentes quando acelerei e atravessei o parque, me abraçando contra
a brisa fria.
— Eles não acreditam em mim? Ótimo. Eu vou conseguir uma prova
— eu disse, furiosa.
Fisher e Lauren estavam sentados na borda da fonte conversando, mas
ambos pararam para olhar quando eu corri para eles, seus olhares duros e
silenciosos. Eu quase tropecei quando eu tive um vislumbre do que Fisher
estava usando. Colocado em um ângulo arrogante em sua cabeça havia um
chapéu de palha moderno, um que eu reconheci muito bem.
— Que diabos? — eu disse, parando de repente.
Mesmo que estivessem a metros de distância, Fisher e Lauren se
levantaram, como se tivessem ouvido o que eu disse, e começassem a se
afastar em outra direção. Na borda do parque, Fisher colocou o chapéu em
sua cabeça e segurou-o na frente dele, fora da minha linha de visão.
— O que foi? — perguntou Aaron, assistindo eles irem.
— Nada — eu disse, balançando a cabeça.
Eu senti como se uma série de peças de um quebra-cabeça estivessem
tentando se ajustar dentro da minha mente. Primeiro, o menestrel
desapareceu e, em seguida, sua correia do violão aparece misteriosamente
na casa de Tristan. Então, o cara loiro aparece na loja de departamentos
sozinho, e agora o chapéu do seu namorado ausente estava na cabeça de
Fisher. Será que os adolescentes locais estavam envolvidos em algum tipo
de onda de crimes? Roubando acessórios aleatórios dos visitantes?
—P
A menos, é claro, que o cara alto tinha dado o chapéu para Fisher.
Talvez foi por isso que ele não estava com seu namorado ontem. Eles
poderiam ter terminado. Ele poderia ter deixado o outro cara por Fisher.
Exceto que eles pareciam tão felizes, com seus dedos mindinhos
ligados, seus sorrisos verdadeiros. Eles poderiam ter realmente terminado
assim do nada?
— Rory? Você está começando a me assustar — disse Aaron.
— Desculpe — eu disse, começando a andar novamente. — Eu estou
bem. — Aaron se empurrou para me acompanhar enquanto eu atravessava
a Main Street e virava à esquerda para a Freesia Lane.
— Que tipo de prova que você está procurando? — ele me perguntou.
Essa era uma boa pergunta. O que eu estava procurando? Provas do
fato de que ela ainda não estava lá? Do canto do meu olho eu vi uma sombra
em uma das janelas superiores de uma casa amarela, e eu andei ainda mais
rápido. No parque, os balanços rangiam no vento crescente. Acima, nuvens
cinzentas começavam a se reunir.
— Eu não sei — eu disse a ele. Balançando a cabeça, eu abri a porta da
frente. — Mas tem que ter alguma coisa.
— Eu vou esperar aqui fora! — Aaron falou atrás de mim. — Apenas
no caso de ela estar lá e vocês duas precisarem conversar!
No caso de ela estar lá. Deus, seria tão surpreendente se ela
simplesmente estivesse lá.
Uma gota gorda de chuva se estatelou na parte de trás da minha mão
quando cheguei ao corrimão do alpendre, e, de repente, eu estava na floresta.
Gotas de chuva caíam de folhas molhadas e lisas. Havia lama como lodo sob
minhas unhas. A dor no meu intestino era insuportável quando eu levantei
a faca e balancei.
A porta da frente abriu, e Joaquin saiu dela. Pisquei, forçando-me de
volta ao presente. À realidade. Eu saltei os cinco passos para a varanda.
— Que diabos você está fazendo aqui? — eu exigi.
Ele olhou por cima do ombro e fechou a porta atrás dele, me forçando
a ficar na varanda.
— O que você está fazendo, me seguindo? — ele perguntou com um
sorriso casual.
— Não, eu não estou seguindo você — eu respondi. — O que você está
fazendo aqui, Joaquin?
— Eu só vim checar Olive — ele disse, virando as palmas das mãos,
em seguida, cruzando os braços sobre o peito. — Você está certa. Ela não
está aqui.
Meu coração caiu ligeiramente. Olhei para Aaron, que deu de ombros
para mim a partir da rua, como se perguntasse “O que está acontecendo?”
— Eu volto já! — eu gritei para ele, pegando a maçaneta da porta.
— Ei, espere. Aonde você vai? — perguntou Joaquim, agarrando meu
pulso. — Eu acabei de dizer que ela não está lá.
Eu nunca gostei de Joaquin, mas esta era a primeira vez que eu sentia
seu toque ser ameaçador. Minhas mãos ficaram úmidas quando a adrenalina
correu quente nas minhas veias.
— Eu não achava que ela estivesse aqui — eu disse a ele, tentando, sem
sucesso, me esquivar de suas garras. — Eu só quero ver se consigo alguma
prova de que algo aconteceu com ela.
— Você não vai encontrar nada — disse Joaquin com um sorriso
condescendente.
— Você pode, por favor, tirar a sua mão de cima de mim? — eu
perguntei, uma raiva quente fervendo sob a minha pele.
— Ei, amigo! Acho que ela disse para você tirar a mão dela — Aaron
gritou, começando a subir as escadas.
Instantaneamente, Joaquin levantou as mãos em sinal de rendição.
— Desculpe, cara. Não sabia que você era o guarda-costas dela.
No momento em que eu estava livre, eu me empurrei para dentro,
rasgando as escadas para o segundo andar, e abri a porta do quarto de Olive.
Ele estava vazio. A cama estava feita, todos os cantos dobrados
ordenadamente e os travesseiros arranjados perfeitamente. A mobília tinha
sido encerrada e brilhava à luz do sol derramada através das janelas recém
apagadas. Não havia papéis sobre a mesa, nem roupas na cadeira. Mesmo as
flores frescas foram embora. Era como se Olive nunca tivesse estado aqui.
Eu dei um passo hesitante no quarto. As janelas estavam fechadas e
trancadas e o ar estava parado e sufocante. Eu olhei para o local onde seu
violão tinha estado, como se eu pudesse fazê-lo reaparecer. Lentamente, eu
andei ao redor da cama para a mesa. Corri meus dedos sobre a superfície,
parando no lugar onde a carta para a mãe dela tinha estado. O silêncio era
tão completo que minha respiração irregular soava como um trem de carga.
Teria ela voltado, feito as malas e depois partido? Por que ela não tinha
vindo me ver? Por que ela não disse adeus?
Um grito soou perto, e me virei. A porta do guarda-roupa estava
entreaberta e eu podia jurar que havia visto uma sombra deslizar para seu
interior, fora de vista. Eu congelei no lugar.
— Olá? Tem alguém aí? — eu disse, minha voz embargada de medo.
Nada. Com os dedos trêmulos, eu alcancei a maçaneta de latão.
Outro rangido. Olhei para cima e vi a Sra. Chen parada do lado de fora.
Deixei escapar um suspiro de alívio. Era só a dona da pensão. Claramente,
minha mente estava brincando comigo.
— Olá, Sra. Chen — eu disse. — Você sabe se...
Ela estava tão parada que a bainha de seu roupão florido desbotado
pastava as tábuas do assoalho, mas no momento em que eu falei, ela começou
a se mover novamente, mais rápido do que eu teria imaginado.
— Sra. Chen? — eu disse.
Ela me ignorou, correndo as escadas para o terceiro andar.
— Espere! Sra. Chen! — eu disse, indo atrás dela. — Onde estão todas
as coisas de Olive? — A Sra. Chen parou em uma porta e se atrapalhou com
seu enorme conjunto de chaves, com os dedos tremendo.
— Ela mandou buscá-las — ela disse.
— Ela mandou? — eu disse, meio aliviada, meio perplexa. — Quando?
Para onde ela teria enviado?
— Eu não sei. — Ela empurrou a chave na maçaneta da porta na frente
dela. — Você precisa ir.
— O que você está querendo dizer com você não sabe? — eu disse
assim que ela abriu a porta e se moveu para dentro. Eu podia ver uma sala
de estar pouco decorada atrás dela e pilhas de revistas amontoadas sob uma
janela, tudo desde Mecânica Popular até a InStyle e a Cottage Home. — Você
que empacotou tudo? — eu perguntei. — Alguém veio buscar ou você teve
que enviar?
— Não é da minha conta e você está invadindo — disse a Sra. Chen, já
fechando a porta para mim. — Agora vá!
— Não, espere! Sra. Chen! Eu só quero saber onde ela está. Eu quero
saber se ela está bem — eu disse.
A porta parou de fechar com centímetros de sobra. A Sra. Chen espiou,
com os olhos lacrimejantes por trás de seus óculos de lentes grossas.
— Ela está bem, senhorita — ela sussurrou, olhando para as escadas.
Um calafrio passou por mim. Por que ela estava sussurrando? E o que ela
quis dizer com bem? Então ela estendeu uma mão íngreme e apertou-a em
volta do meu pulso. Sua pele era surpreendentemente quente, e eu senti uma
agradável vibração quase reconfortante dentro do meu peito. — Ela... está
melhor onde ela está. Agora vá.
E então ela fechou a porta.
35 EXPLICAÇÃO
Traduzido por Matheus Martins
uando eu cambaleei descendo os degraus em direção à Aaron, tudo
pareceu se inclinar. Eu agarrei o corrimão e fiz uma pausa, levando a
mão até a testa, tentando respirar.
— Ela ainda não está lá? — Aaron me perguntou.
Eu balancei minha cabeça, não confiando em minha voz ou no que eu
poderia deixar escapar, e comecei a passar lentamente por ele. Joaquin tinha
ido embora, graças a Deus. Eu não tinha certeza se poderia lidar com ele
agora.
Por que ela mandou buscar suas coisas? Por que ela não poderia passar
aqui e explicar?
— Rory? Aonde você vai? — perguntou Aaron.
— Para casa — eu disse, olhando para a calçada quando me virei para
a direita e comecei a descer a colina. — Eu não me sinto bem. — Grande
eufemismo. Eu sentia náuseas. E cansaço. E nervosismo. E confusão.
Ele correu para me alcançar, colocando uma mão reconfortante no meu
ombro.
— Me deixe acompanhá-la.
Eu me distanciei. — Obrigada, mas eu vou ficar bem — eu disse a ele
firmemente.
— Tudo bem — disse ele, segurando a alça de sua bolsa com as duas
mãos. Ele continuou no centro da calçada enquanto me via ir embora, um
olhar confuso e ligeiramente ferido no rosto. — Ei! Eu ia perguntar se
poderíamos ir para os fogos de artifício juntos mais tarde!
— Claro! — eu gritei de volta, principalmente para tirá-lo do meu pé.
— Eu passo na sua casa às oito!
— Ok! — eu gritei, acelerando o passo.
Tudo que eu queria era sair da rua. Voltar para o meu quarto. Sentar-
me e pensar. Nada fazia sentido agora. Nem Darcy excluindo a existência
Q
de Olive de sua memória. Nem Tristan e seus amigos me encarando
constantemente. Nem os policiais desrespeitando completamente os meus
medos. Nem Joaquin aparecendo na pensão ou a explicação da Sra. Chen de
que Olive estava melhor onde quer que ela esteja agora. E o que era aquele
quarto de armazenamento na casa de Tristan? Por que Fisher estava com o
chapéu daquele cara? E o que todas essas lembranças de Steven Nell tinham
a ver com tudo isso?
Quando eu pisei no portão em frente da nossa casa, uma cortina se
moveu em uma janela do outro lado da rua. Instantaneamente, toda a minha
confusão e terror transformou-se em uma bola gigante de raiva, e tudo isso
foi dirigido a Tristan. Ele sabia alguma coisa. Eu tinha certeza disso. E eu
ia fazer com que ele me dissesse.
Eu atravessei para o outro lado da rua até a porta da frente, e bati nela
tão forte quanto eu pude. Dor irradiou pelos meus braços e pelos meus
ombros, mas isso só me fez bater mais forte. Eu estava começando a me
perguntar se a sua avó realmente morava lá. Se alguém realmente morava
lá. Ou se ele estava se escondendo na casa para que ele pudesse ficar de olho
em mim. Ou em Olive. Ou em todos.
De repente, a porta se abriu, e lá estava Tristan em toda a sua
bronzeada, loira e esculpida perfeição. Sua camiseta branca salientava o
brilho do seu bronze, e quando ele empurrou seu cabelo dourado de seu
rosto, ele caiu de volta onde ele tinha estado, pastoreando suas maçãs do
rosto incríveis. Ele me olhou de cima a baixo com uma espécie de tristeza
resignada no rosto. Estava claro que ele não estava surpreso por me ver.
— Olá, Rory — ele disse.
— Visitando a vovó? — eu disse sarcasticamente.
Ele simplesmente me olhou, como se tal comportamento fosse abaixo
de mim. E ele estava certo. Engoli de volta a minha humilhação. Eu estava
aqui por uma razão.
— O que você sabe? — eu exigi.
— O que eu sei sobre o quê? — ele perguntou calmamente.
— Olive — eu disse, irritada. — Onde ela foi depois da festa na sua
casa? Onde você a levou?
Seus olhos azuis escureceram. — O que fez você pensar que eu a levei
a algum lugar? — Ele começou a passar por mim, mas eu o parei com a mão
em seu peito.
— Eu vi você sair da festa com ela.
Ele fez uma pausa e olhou para os meus dedos. Eu não pude deixar de
notar quão sólido era seu peito. Lentamente, trêmula, tirei minha mão.
Ele estreitou os olhos e piscou para o sol. — Nós não deixamos a festa.
Saímos com alguns amigos para a falésia.
— Naquele nevoeiro? — eu exigi.
— Os visitantes sempre querem verificar o nevoeiro — ele disse,
soando levemente divertido, como se nós, os turistas, fôssemos algum tipo
de subconjunto menor e ignorante da humanidade.
— E depois? — perguntei.
Olhando nos meus olhos, ele deu de ombros. — Eu não sei — disse ele
lentamente. — Era uma festa. Havia dezenas de pessoas lá. Eu não posso
manter o controle de todos.
— Sim, bem, ela sumiu — eu disse. — E até onde eu sei, você foi a
última pessoa a vê-la.
Tristan balançou a cabeça, olhando para algum ponto por cima do meu
ombro. — Sinto muito. Eu não posso ajudá-la.
— Ótimo! — eu disse, com lágrimas brotando de repente dos meus
olhos. Ele olhou para mim, alarmado. — Assim como todo mundo nesta
cidade confusa. O que tem de errado com vocês? Como é que ninguém se
importa que as pessoas continuem a desaparecer?
Eu levei a minha mão para a minha cabeça e me virei, chutando um
plantador de madeira vazio perto da borda do degrau da frente. Eu esperava
que Tristan se afastasse para evitar meu colapso, especialmente desde que
estava tão claro que ele queria fugir antes mesmo de eu começar a chorar,
mas ele estendeu a mão e a colocou no meu ombro. Seus dedos eram tão
quentes que eu podia sentir seu calor através do tecido do meu moletom
fino. Ele me puxou, me forçando a encará-lo.
Seus olhos estavam brilhantes.
— Você realmente quer saber?
— Sim — eu disse, mantendo a minha voz baixa como a dele. — Eu
realmente quero saber.
— Não — ele disse com um aceno de sua cabeça, frustrado. — Não.
Você precisa pensar sobre isso por um segundo, Rory. Olhe para mim. Olhe
para mim e me diga. Você realmente quer saber?
Eu olhei para ele, olhei-o nos olhos, e pensei sobre isso. Será que eu
realmente queria saber o que tinha acontecido com Olive? Será que eu
realmente queria saber o que estava acontecendo com a minha irmã? Será
que eu realmente queria saber por que o cara que estava tocando no parque
todas as manhãs parecia ter desaparecido? Será que eu realmente queria
respostas para as minhas mil-e-uma outras questões, como por que ele
estava me espionando? Por que Joaquin e Krista pareciam obcecados por
mim? E eu estava louca pensando que Steven Nell estava me deixando
alucinada, me provocando com presentes?
Olhei em seus belos olhos azuis caribenhos, e de repente algo se abriu
dentro de mim. Começou pequeno, como um pontinho de dúvida profundo
dentro do meu peito. Mas rapidamente cresceu. Tornou-se um buraco
grande, largo, escancarado, preto e vazio que congelou meu sangue dentro
das minhas veias. O mundo à minha volta pareceu acalmar e escurecer, todas
as cores silenciaram, todos os cheiros azedaram. Meu coração batia tão forte
que eu senti como se estivesse perdendo os sentidos. Eu tive uma súbita
sensação de que a calçada estava inclinando para trás abaixo de mim. Foi
como se o chão estivesse se abrindo, ameaçando me engolir inteira.
Sufocando um grito, eu agarrei a mão de Tristan para não escorregar para
o abismo.
No segundo que seus dedos se fecharam ao redor dos meus, o mundo
voltou ao foco. Som, olfato, visão, tudo voltou rapidamente. As aves piaram
em uma árvore na floresta próxima, alguém em algum lugar estava cortando
seu gramado, o cheiro de bacon frito flutuava no ar através de uma janela
da cozinha aberta. Eu poderia respirar novamente.
Tristan se aproximou de mim, quase como se ele estivesse me puxando
para um beijo, mas parou a centímetros da minha boca. Ele parecia triste.
Ele parecia arrependido.
— Ouça — disse ele em voz baixa. — Olive tem alguns problemas.
Eu pisquei. — Que tipo de problemas?
— Problemas com... vício — ele disse.
— O quê? — eu recuei um passo. Ainda assim, ele manteve o controle
sobre meus ombros. — Que tipo de vício?
Tristan engoliu em seco. Ele olhou para a calçada por um segundo, em
seguida, de volta para os meus olhos. Alguma coisa estava diferente agora.
Ele parecia menos seguro de si.
— Ela está bem agora — ela tem que se manter limpa — mas eu sei
que ela realmente queria fazer as pazes com sua mãe — disse ele. — Isso é
o que ela foi fazer. Ela está bem. Na verdade, ela está mais do que bem. Ela
está... seguindo em frente.
O rítmico zumbido do cortador se aproximava, cantarolando dentro
dos meus ouvidos. De repente, eu me lembrei do que Olive tinha me dito no
dia da nossa corrida. Que ela tinha conseguido melhorar. Ela deve ter
querido dizer que ela tinha melhorado de seu vício. E, em seguida, na outra
noite na festa, quando eu tinha ficado tão ofendida por ela ter pensado que
Darcy estava usando drogas... eu tinha ofendido ela. Eu tinha ofendido com
o meu choque e desgosto, porque ela mesma era uma viciada. Ela disse que
seu amigo tinha desmaiado graças à heroína. Deve ser por isso que ela
sempre usava mangas compridas, por que ela fazia questão de encobrir seus
braços. Ela estava encobrindo marcas de agulhas.
— Eu sou tão estúpida. — Eu respirei fundo, fechando os olhos
enquanto uma onda de vergonha tomava conta de mim. Quando eu os abri
novamente, Tristan ainda estava lá, ainda me segurando, ainda estudando
meu rosto. — Ela te contou isso? — eu perguntei, sentindo-me quase com
inveja. Olive claramente se sentia mais próxima de Tristan do que ela se
sentia de mim.
— Era algo que falávamos a respeito — respondeu ele.
— Mas por que ela não me disse que estava indo embora? — eu
perguntei, minha voz embargada. — Por que ela ao menos não disse adeus?
— Tenho certeza que ela teve suas razões, mas o ponto é que tudo vai
ficar bem — disse ele com firmeza. — As pessoas vêm e vão por aqui o
tempo todo. É apenas o jeito como as coisas são em cidades de veraneio. Eu
me acostumei com isso, e você também vai.
— Você soa exatamente como os policiais — eu disse com escárnio. Eu
me virei, me libertando de suas garras, e sentei-me no degrau mais alto.
Tristan sentou ao meu lado, nossas coxas se tocando.
— Você foi até a polícia? — ele perguntou, surpreso.
— Bem, o que mais você faz quando sua amiga desaparece? — eu
perguntei.
Tristan olhou para a rua, em direção ao oceano, com um pequeno
sorriso divertido.
— Deve ter sido interessante — disse ele em voz baixa.
— O quê? — eu perguntei.
— Oh, nada — respondeu ele. — É como nós dissemos no outro dia.
Nada de ruim acontece por aqui. Eles provavelmente não sabem o que fazer
com você, certo?
Deixei escapar uma risada silenciosa. — Praticamente.
— Vai ficar tudo bem — disse Tristan com confiança, colocando uma
mão reconfortante nas minhas costas.
— Vai? — eu disse.
— Vai — ele respondeu, virando-se para olhar para mim. Enquanto eu
olhava para seus olhos firmes, a terrível sensação de aperto ao redor do meu
coração começou a diminuir.
Quem era eu para pensar que depois de três dias de amizade eu merecia
uma explicação ou até mesmo um adeus? Olive não era do meu mundo, e ela
claramente tinha problemas que eu não podia sequer começar a entender.
Era perfeitamente razoável supor que ela era o tipo de pessoa que fugia, e
se ela tinha ido para casa para fazer as pazes com sua mãe, bom para ela.
Justo então, Joaquin apareceu no final da calçada. Eu nem tinha notado
ele virar para a rua.
— Tudo bem? — perguntou ele, inclinando-se de um lado casualmente
no poste.
Empurrei-me de pé, ainda irritada com a forma como ele me tratou na
pensão e riu de mim mais cedo.
— Eu já estava de saída.
— O que eu fiz? — perguntou Joaquim, erguendo as mãos quando eu
empurrei mais o portão para passar por ele.
— Como se você não soubesse — eu respondi.
— Rory, espere — disse ele, pegando meu pulso, mas muito mais suave
desta vez. Ele olhou significativamente para Tristan, mas eu não tinha ideia
do que ele estava tentando comunicar. — Precisamos contar algo para você.
— Eu acabei de dizer a ela, cara — disse Tristan, levantando e
empurrando as mãos nos bolsos.
Joaquin piscou, com um aborrecimento piscando em seu rosto. — Você
contou?
— Sim. Sobre o problema com drogas de Olive — Tristan respondeu,
seu tom pontual.
Joaquin deixou meu pulso cair e cruzou os braços sobre o peito. — Não
é disso que eu estou falando.
Tristan correu descendo os degraus e atravessou a calçada em duas
longas passadas. — É sim.
— Não. Não é — disse Joaquin com uma risada sarcástica.
Meu pulso disparou com curiosidade. Por um segundo, eles apenas
encararam um ao outro. As narinas de Joaquin queimavam. A respiração de
Tristan aumentou gradativamente.
— Será que um de vocês pode me dizer o que diabos está acontecendo?
— eu exigi.
— Precisamos conversar — Tristan disse a Joaquin com os dentes
cerrados. — Em particular.
Ele virou-se e caminhou de volta para a casa. Depois de hesitar por um
longo momento, Joaquin o seguiu. Eles ficaram sob a sombra de uma
laranjeira, suas cabeças inclinadas e próximas enquanto eles discutiam em
voz baixa. Eu tentei ouvir, mas o zumbido do cortador de grama agora
estava irritantemente perto e eu podia ouvir apenas algumas palavras.
— Mas ela me viu na delegacia com...
— Não importa! Ela não é...
— E então Krista estava no meio de...
— Eu estou dizendo a você, eu tentei e ela não pode...
— Tudo bem! — Joaquin disse de repente. — Você quem manda,
menino de ouro.
Ele virou-se e correu voando para mim, com o rosto contorcido de
raiva, mas parou na calçada e pareceu tomar uma decisão. Ele colocou as
duas mãos sobre os meus ombros e inclinou-se perto do meu ouvido. Eu
estava tão assustada que quase recuei, mas seu aperto me segurou firme no
lugar.
— Rory, se você quiser saber alguma coisa... se você tiver qualquer
pergunta sobre tudo... venha me ver, ok? — Ele se inclinou para trás para
me olhar nos olhos, e pela primeira vez o brilho superior tinha ido embora.
Ele era todo sinceridade. Meu coração bateu com surpresa. — Qualquer
coisa — disse ele. — Entendeu?
Eu balancei a cabeça lentamente, perplexa e intrigada. — Entendi.
Ele me soltou e atirou a Tristan uma espécie de olhar desafiador e
triunfante antes de virar e começar a correr rua acima. Virei-me para
perguntar a Tristan o que era aquilo tudo, mas ele já tinha ido embora. Tudo
o que eu vi foi a porta da casa cinza se fechar com um baque retumbante.
36 A BRIGA
Traduzido por Matheus Martins
le provavelmente se esqueceu que tinha me dito que ia me
pegar — Darcy teorizou mais tarde naquela noite, puxando
as longas mangas de seu suéter branco sobre suas mãos
enquanto caminhávamos até o caminho íngreme em direção ao penhasco
onde veríamos os fogos de artifício. O sol estava afundando rapidamente no
oeste, e uma brisa fresca nos fazia estremecer. — Em um momento estávamos
apenas falando em nos encontrarmos no penhasco. Aposto que ele apenas se
confundiu.
— Tenho certeza de que você está certa — disse Aaron. — Ele vai se
sentir como um idiota estúpido quando você contar a ele.
Ou ele realmente é um idiota estúpido. Mas eu decidi manter minha boca
fechada. Eu queria me divertir hoje à noite, e isso significava não brigar com
Darcy. Aaron parecia tão adorável em uma camisa de rúgbi listrada branca
e azul e short bege, seu desleixado cabelo castanho agitava contra o vento.
Ele me fez desejar que Joaquin fosse gay, assim Aaron teria uma chance e
Darcy poderia seguir em frente.
— Ei, obrigado. Você está bonita, também — disse Aaron, de repente,
atirando o braço por cima dos meus ombros.
Corei. — Como você sabia o que eu estava pensando?
— Nunca perco um olhar de admiração, especialmente quando se está
focado em mim — ele respondeu com um sorriso. — Mas eu estou falando
sério. O vestido ficou bem em você. Você deveria usar vestidos mais vezes.
Olhei para o vestido que eu tinha pegado emprestado de Darcy, com
suas mangas e uma saia gritante que fazia cócegas em minhas coxas
enquanto caminhávamos. Eu até abandonei a trança, indo com um rabo de
cavalo baixo ao invés. Todo o traje me fez sentir mais leve de alguma forma.
Mais livre.
— Talvez eu use — respondi.
—E
Conforme chegamos ao topo do penhasco, a multidão de moradores e
visitantes com bronzeados frescos ficava a vista, tomei uma respiração
profunda de ar floral e suspirei.
— Feliz por ter vindo? — perguntou Aaron, dando-me um aperto.
— Definitivamente.
Caminhamos em direção ao mirante no centro do afloramento. A
maioria das pessoas parecia estar se reunindo perto dos degraus, e conforme
chegamos mais perto, vi o porquê. Havia uma grande mesa oferecendo
bandejas de cupcakes, cookies e barras de frutas. Um casal estava perto dos
coolers com limonada e chá gelado. Um pouco além do mirante, vi a casa de
Tristan, localizada no ponto mais alto da ilha, a bandeira americana
balançando na brisa. Eu me vi de pé ali naquele dia que Olive e eu tínhamos
ido para uma corrida juntas — me vi olhando para esse mirante, sentindo,
ainda que brevemente, que tudo estava bem no mundo enquanto eu esperava
ela me alcançar. Eu me perguntei onde Olive estava naquela noite, e eu
esperava que, onde quer que ela estivesse, que ela estivesse se sentindo
assim agora.
— Por que vocês não encontram um lugar para nos sentarmos e eu
pego um pouco de comida para nós? — Aaron sugeriu, entregando-me a
manta xadrez que ele tinha trazido.
— Isso soa bem. Darcy? — perguntei.
Ela estava em pé na ponta dos pés, esticando o pescoço, procurando
pela multidão. Revirei os olhos e agarrei-lhe a mão.
— Vamos — eu disse. — Deixe os caras virem até você, lembra?
Ela suspirou, trazendo os calcanhares de volta à Terra. — Eu disse
isso?
Caminhamos ao redor do mirante e vi que as pessoas estavam nas
cadeiras e mantas de frente para a água. Desdobrei a nossa manta, e Darcy
me ajudou a achatá-la na grama. Nós nos sentamos perto uma da outra, e eu
inclinei minhas mãos para trás.
— Que pena que papai decidiu escrever esta noite — eu disse com um
suspiro. — Ele costumava amar fogos de artifício.
— Pois é. Correr, escrever, pedir desculpas... é como se os últimos
cinco anos nunca tivessem acontecido — respondeu Darcy. Ela sentou-se
sobre os joelhos, a bunda dela se inclinou para trás em seus pés, examinando
a multidão.
— Estranho, não é? — eu disse, aquecendo o tópico. Darcy e eu quase
nunca falávamos a sério sobre qualquer coisa. — Você acha que ele vai...
— Sinto muito. Eu não posso simplesmente sentar aqui —
interrompeu Darcy. — Eu aposto que ele está procurando por mim.
Eu gemi. Tanta coisa para isso.
— Então deixe-o encontrar você — eu sugeri. — Não era a mamãe que
sempre dizia que se você se perder, a melhor maneira de ser encontrado é
ficando parado em um só lugar?
Darcy mordeu o interior de sua bochecha. — Ela disse isso. — Ela
respirou fundo, e por um segundo eu pensei que ela estava prestes a relaxar,
mas em vez disso ela saltou sobre seus pés. O céu tinha escurecido para um
roxo profundo, e as pessoas estavam começando a se mover a partir do
mirante, se aproximando de nós. — Eu vou dar uma olhada rápida na
multidão.
— Darcy — eu disse, empurrando-me para cima. — Olhe para si
mesma. Essa não é você. Por que você vai perder tempo com alguém que
está claramente descartando você?
Seus olhos verdes brilharam. — Eu não posso acreditar que você
acabou de dizer isso para mim — disse ela, cruzando os braços sobre o
estômago.
Eu tentei pensar em alguma maneira de retirar o que eu disse, mas já
era tarde demais agora. E, além disso, eu estava certa e ela precisava ouvir
o que eu pensava.
— Sinto muito, mas acho que Joaquin é um conquistador, eu só não
quero que você se machuque — eu disse a ela.
— Se você se importa tanto em não me machucar, então talvez você
deva parar de flertar com ele na frente de todos — ela cuspiu.
— O quê? — eu disse, com meu rosto em confusão.
— Oh, por favor! Largue a atuação de inocente, Rory! — ela gritou,
jogando os braços para cima e deixando-os cair para baixo em seus lados.
Eu vi um casal de transeuntes sussurrar sobre nós, mas eu não poderia ter
me importado menos. — Primeiro, eu vejo vocês se abraçando, então hoje
de manhã ele está sussurrando em seu ouvido na frente da casa? Você gosta
dele, Rory! Admita!
— Você passa todo o seu tempo me espionando da sua janela? — eu
atirei de volta. — E para sua informação, eu não pedi a ele para fazer
qualquer uma dessas coisas!
— Ah, não? Bem, e quanto a Christopher? Você pediu a ele para
terminar comigo, ou foi tudo ideia dele, também?
Um único fogo de artifício estourou acima, uma branca explosão
brilhante anunciando o início do show. Todo mundo em torno de nós gritou
e aplaudiu. Darcy e eu simplesmente ficamos ali, nos encarando.
Ela sabia sobre Christopher. Ela sabia. Eu senti como se o penhasco
estivesse lentamente se desintegrando sob os meus pés.
— Como... como você... a quanto tempo você sabe? — eu gaguejei.
— Oh, só desde o dia em que o ouvi pedindo para você ir ao baile de
inverno com ele — ela atirou de volta, inclinando-se na cintura.
Outro fogo de artifício explodiu, seguido por uma série de estalos
alegres. Eu balancei minha cabeça, completamente desnorteada.
Christopher e eu tivemos essa conversa em nossa casa depois da escola.
Darcy estava no treino de líder de torcida, onde ela estava todos os dias. Ou
onde ela deveria estar.
— Você estava lá? — eu perguntei humildemente.
— Eu disse a treinadora Haskins que eu não estava me sentindo bem e
fui para casa. Eu estava tendo um monte de problemas para dormir, no caso
de você não se lembrar — ela disse amargamente.
Ela estava tendo problemas para dormir, porque ela estava chorando
praticamente sem parar durante as 48 horas desde que Christopher tinha
terminado com ela. Eu ainda me lembrava de estar deitada na cama,
contando os adesivos de estrelas que eu tinha pregado no meu teto na quarta
série, agarrando meu cobertor ao meu peito enquanto eu a ouvia soluçar.
— Mas, se... se você estava lá, então você sabe que eu recusei — eu
gaguejei. — Você... você sabe que eu disse a ele que não podia fazer isso com
você.
Darcy soltou uma risada tensa quando todo mundo começou a dizer
Ooooaah e Aaahhh sobre uma série barulhenta de fogos de artifício.
— Oh, sim, eu ouvi. E muito obrigada por sua piedade — disse ela, com
lágrimas escorrendo pelo rosto, cortando linhas através de sua maquiagem
cuidadosamente aplicada. — Isso é apenas o que toda garota quer. Ouvir o
amor de sua vida implorando para sua irmã mais nova e estúpida para estar
com ele e ouvi-la dizer que não para poupar os sentimentos dela. Muito
obrigada, Rory. E eu acredito que tudo isso aconteceu depois de você ter
passado uma tarde inteira ficando com ele? Eu definitivamente me lembro
dele dizendo algo sobre isso.
Uma enorme bola molhada estava sufocando o meu suprimento de ar.
— Vocês já... vocês já tinham terminado.
— Oh, nós já tínhamos terminado! — Ela jogou as mãos para cima. —
Uau! Muito obrigada por dar ao nosso relacionamento de dois anos oito
horas para esfriar.
Eu levei as minhas mãos para a minha testa por um segundo, tentando
recuperar o fôlego, tentando organizar meus pensamentos. Quando eu olhei
para ela novamente, havia lágrimas nos meus olhos.
— Darcy...
— Não. Você não tem permissão para olhar para mim desse jeito. Eu
estou indo me encontrar com Joaquin, e se você não gosta disso, ou se você
não gosta dele, então ótimo — disse ela. — Pelo menos isso significa que
você não vai tentar roubá-lo também.
Então ela se virou e cortou no meio da multidão, praticamente
empurrando Aaron e seu prato cuidadosamente equilibrado de guloseimas
fora de seu caminho.
— O que está acontecendo? — ele perguntou, mergulhando para baixo
para colocar a comida em nossa manta. — Onde Darcy esta indo? — Ele
inclinou a cabeça com preocupação antes de dar um olhar mais atento sobre
o meu rosto. — Rory, por que você está chorando?
— Eu tenho que ir atrás dela — eu disse.
— Agora? — Ele fez um gesto para o céu que ficava azul, depois roxo,
e, em seguida, ouro brilhante.
— Eu sei, mas... é coisa demais para explicar. Eu só tenho que falar
com ela — eu disse. — Você me ajudaria?
— É claro — disse ele. — Me siga.
Ele pegou minha mão e a puxou por uma pequena abertura no meio da
multidão. Minhas costas roçaram uma jaqueta jeans, e eu tropecei na perna
de metal de uma cadeira de gramado quando eu me agarrei a seus dedos. O
céu pareceu escurecer no segundo em que mais pessoas se amontoaram e os
fogos de artifício estouraram, transformando os rostos desconhecidos em
torno de mim em azul, depois roxo, depois vermelho.
— Você a viu? — eu perguntei a Aaron.
— Ainda não — ele gritou para ser ouvido sobre o show. — Ela estava
procurando por Joaquin? Talvez devêssemos encontrar ele, e então vamos
encontrá-la.
Virei-me para andar para trás, deixando-o esculpir um caminho para
mim. O menino ruivo da festa de Tristan apareceu perto do mirante,
conversando com uma menina com óculos de lentes grossas. O loiro da loja
de armazenamentos estava de costas para a treliça do mirante, ainda
sozinho, enquanto observava o céu. Uma chuva de faíscas brancas iluminava
o mundo, e eu vi Bea, Lauren, Fisher e Kevin inclinando-se para a grade do
mirante alguns passos acima. Meu coração parou. Havia uma centena de
pessoas no meio da multidão, mas cada um dos quatro moradores estavam
me observando.
Eu torci minha mão na de Aaron e empurrei meu caminho para o
mirante.
— Vocês viram Darcy? — eu exigi.
— Quem? — perguntou Fisher.
— Minha irmã! Darcy — gritei. Todos olharam para mim sem
entender. Eu senti como se quisesse arremessar algo neles. Algo seriamente
pesado. — Deixa pra lá. Onde está Joaquin?
— Não sei — respondeu Kevin. Ele deu de ombros, então virou as
costas para mim e os fogos de artifício, encostando a bunda na grade. —
Não o vi.
— Bem, se vocês vê-lo, vocês podem...
Alguém me empurrou por trás, e eu me virei, esperando que fosse
Darcy. Em vez disso, eu peguei um vislumbre de uma jaqueta de veludo cor
de canela pouco antes de ela ser engolida pela multidão.
Meu sangue gelou nas veias.
— Não — eu disse baixinho.
Era ele. Ele estava aqui.
Corri atrás do casaco. A multidão era grossa e pressionava em torno
de mim. Uma menina com uma toca de porco olhou para mim quando eu
pisei na ponta do seu pé, e um cara musculoso em um moletom me xingou
quando eu lhe dei uma cotovelada na costela para passar. O céu brilhava
rosa. Eu me virei, examinando a multidão para ter um vislumbre da jaqueta
de veludo. Uma brecha surgiu no meio da multidão, e lá estava ele, bem a
frente. Aquela cor feia de vomito. Aquela calça grande e horrível. Engoli em
seco quando o homem que a usava virou a cabeça, e eu vi sua silhueta em
perfil.
Ele usava óculos. Óculos de aros de arame.
Ele se afastou de mim, e seu ritmo estava acelerado.
— Steven Nell! — gritei no topo dos meus pulmões.
Ele congelou. E então ele realmente começou a se mover.
Com o coração na minha garganta, eu me mantive acotovelando por
entre a multidão e persegui Nell. Minha manga pegou o botão de alguém e
rasgou. Empurrei um cara em uma camisa xadrez com tanta força que ele
bateu os joelhos no chão. Meu tornozelo pegou uma perna esticada, e eu
voei para a frente e caí no colo de uma menina magra.
— Desculpe — eu murmurei, arremessada sobre ela.
Ele estava perto da borda da multidão agora, voltando para a cidade.
Ele estava tentando fugir. Mas, então, um grupo todo de meninas em
minissaias e tops minúsculos caminharam na frente dele, de braços dados,
fofocando, rindo e se divertindo, e ele foi forçado a parar. Ele estava a metros
de distância. Centímetros. Eu estava bem perto.
— Onde ela está? — eu gritei, minha mão caindo sobre seu ombro.
Ele virou-se de frente para mim, e eu senti meu coração explodir. Acnes
vermelhas e irritadas pontilhavam sua bochecha direita. Uma pequena
cicatriz cortava a carne sobre seu lábio. Sua testa larga estava pontilhada
com suor e os óculos não tinham armações de arame, mas sim grossas e
azuis.
Não era Steven Nell afinal de contas.
— O quê? — disse o rapaz, erguendo as palmas de carne branca. — O
que eu fiz?
Eu senti meu estômago revirar, e me esforcei para não vomitar em seus
Nikes brancos.
— Sinto muito. Eu... eu pensei que você fosse outra pessoa — eu disse
a ele.
— Tanto faz — disse ele, balançando a cabeça.
Então ele fungou, murmurou “maluca” baixinho, e voltou para a cidade.
Eu empurrei minhas mãos no meu cabelo e me forcei a respirar. Talvez eu
estivesse louca. Talvez Darcy estivesse bem. Ela provavelmente estava com
Joaquin agora, beijando a noite toda. Talvez eu devesse me acalmar.
Voltei para a multidão, com a intenção de encontrar Aaron e ficar com
ele durante a noite. Houve um breve momento de silêncio entre explosões
de fogos de artifício, e então ouvi um grito. O grito de Darcy. Seu grito
quando o caminhão bateu em nosso carro. Quando ele bateu na cabeça dela.
Seu cabelo emaranhado em seu rosto, seus dedos pálidos espalhados sobre a
sujeira. Seu pulso ainda quente, mas sem pulso.
Outro fogo de artifício estourou, e meu coração bateu dentro da minha
caixa torácica.
— Darcy! — eu gritei para as pessoas na minha frente. — Darcy! Onde
você está? Me responda!
Algumas pessoas perto da borda traseira da multidão atiraram-me
olhares irritados. Lentamente, eu me virei em um círculo, tentando abafar o
som da minha respiração, as batidas do meu pulso em meus ouvidos,
esperando ouvir outro grito, algo que iria identificar sua localização para
mim. Tudo piscava rapidamente. Árvores, luzes, mirante, oceano, fogos de
artifício, multidão, rochas, telhados. Árvores, luzes, mirante, oceano, fogos
de artifício, multidão, rochas, telhados. Uma e outra e outra vez, eu girei ao
redor, mas não vi Darcy. Eu parei de girar e apertei minhas mãos em meus
olhos, esperando que o mundo parasse de girar. À espera de algum som,
alguma pista. Mas não havia nada. Nada, mas além das explosões de fogos
de artifício acima, os gritos dos espectadores encantados.
Quando eu finalmente abri meus olhos, eu me concentrei direto em
uma coisa branca no chão a poucos metros na minha frente. Meu pulso
saltou mil batidas. Corri e parei. Era o cardigã de Darcy. Estava pousado no
chão ao lado de uma lata de lixo, enlameado com uma pegada de um homem
pressionada em seu tecido que já fora intocável. Minha visão ficou turva.
— Darcy? — eu choraminguei. — Darcy?
Minhas mãos tremeram quando me inclinei para pegá-lo. Outro
artifício explodiu, regando a cidade de Juniper Landing com faíscas
vermelhas.
— Darcy! — eu gritei o mais alto que pude. — Darcy, onde está você?
De repente, as luzes da cidade entorpeceram, em seguida, foram
extintas por completo. Dei um passo cambaleante para trás quando o ar ao
meu redor começou a se mover, começou a rastejar em direção a mim. Em
poucos segundos, o nevoeiro tinha chicoteado em torno de meus tornozelos
e rodou até os joelhos. Eu ouvi a multidão atrás de mim gemer com a névoa
espessa e cinza formando uma vedação entre nós e o céu, apagando os fogos
de artifício.
— Darcy! — eu gritei novamente. — Darcy, por favor, me responda!
Em algum lugar ao longe, em algum lugar incrivelmente longe, ouvi
um grito. Ouvi Darcy gritar.
Minhas mãos estenderam-se para cobrir minha boca. Não havia
nenhuma maneira de saber de onde o grito tinha vindo. Não havia forma de
saber qual direção que eu tinha que tomar. Eu fiquei lá e ouvi, na esperança
de outro grito, outro sinal, qualquer coisa. Mas tudo o que eu ouvi foi o
bater do meu coração e o assobio incessante da névoa.
Darcy tinha ido embora. E Nell tinha pegado ela.
37 IRMÃS
Traduzido por Lua Moreira
o longo dos anos, ele havia aprendido que as irmãs não eram a
mesma coisa. Não importava quão parecidas elas fossem, quão
próximas na idade eram, que tivessem crescido na mesma casa sob
as mesmas regras. Em sua experiência não havia quase nada sobre elas que
era semelhante. Nem o seu cheiro, nem o seu gosto, e nem seu espírito.
Muitas vezes, uma irmã era muito mais bem-sucedida, em termos coloquiais,
do que a outra. Mais bonita, mais extrovertida, mais popular. Alguns
teorizam que este era um simples acaso da natureza, mas não ele. Ele
acreditava que era tudo por causa de uma guerra psicológica.
As irmãs poderiam nem mesmo saber dessa guerra que estava sendo
travada, mas sempre estava, e era frequentemente a segunda ou terceira
nascida que sofria. Ela saiu do ventre fresco, cheia de esperança e propósito,
mas foi rapidamente ensinada que ela não era especial, ela nunca mais seria
a única, ela nunca seria tão boa ou tão amada quanto à primeira. E assim, ela
recuou. Ela enrolou em si mesma. Ela encontrou uma maneira de
sobreviver, mas não de brilhar.
Rory Miller merecia ter uma chance de brilhar, mas, infelizmente, ela
era a segunda filha. Talvez ela fosse lhe agradecer quando ela visse o que
ele tinha feito para ela. Agradecer-lhe por dar-lhe a oportunidade que ela
nunca teve, de ser a única, a estrela.
Claro, ela teria um precioso e rápido momento para tomar seu lugar de
direito na sua família, antes que ele a matasse, também.
A
38 AINDA NÃO
Traduzido por Lua Moreira
lguém bateu no meu lado, e eu cambaleei para a esquerda, minha
mão segurando o lixo de metal frio para me impedir de cair no chão.
— Desculpe. Não te vi — disse uma voz de homem.
A multidão estava se movendo em torno de mim, voltando para a
cidade na névoa desorientadora. Alguém pisou no meu pé. Uma mão roçou
meu quadril. Outra pessoa caminhou direto para a lata de lixo, quase a
derrubando. Agarrei-me ao casaco de Darcy e virei-me ao redor, tentando
encontrar alguém que eu reconhecesse, desesperada para fazer alguma coisa.
Uma mão desceu sobre o meu ombro, e eu gritei.
— Rory! Sou apenas eu! — Tristan segurou meus dois braços. Ele deu
uma olhada em meus olhos e empalideceu. — O que há de errado?
— Minha irmã — eu disse. — Eu não consigo encontrar a minha irmã.
Joaquin e Krista se materializaram para fora da névoa, em pé logo atrás
de Tristan. Joaquin estava vestindo uma camisa polo listrada vermelha e
branca com a gola virada para cima, e todo o visual playboy-superior me fez
querer bater nele.
— O quê? — disse Joaquin, uma sombra cruzando seu rosto.
— Ela saiu à sua procura depois que você deu um bolo nela! — eu falei,
vomitando veneno da minha língua. — E agora ele está...
Parei, mordendo minha língua. Eu não podia dizer-lhes sobre Steven
Nell. Eu não tinha permissão.
— E agora ela simplesmente desapareceu! — eu terminei.
— Desapareceu? — perguntou Krista, alarmada.
— E não me diga: “Ela é Darcy, ela está bem!” — eu gritei para Joaquin
sarcasticamente, imitando sua voz. — E não se atreva a me dizer que as
pessoas vêm e vão por aqui o tempo todo! — eu acrescentei, girando em
torno de Tristan. — É da minha irmã que estamos falando.
— O que está acontecendo? — perguntou Kevin.
A
Ele, Fisher, Bea e Lauren apareceram como que do nada, se reunindo
em torno de Tristan, com suas expressões sérias. Ah, então agora que
Joaquin estava oficialmente envolvido eles estavam dispostos a ajudar.
— Darcy Thayer está desaparecida — disse Tristan.
— Espere, tipo desaparecida desaparecida? — perguntou Fisher.
— O quê? — perguntou Lauren. — Mas isso não é...
— Nós sabemos — disse Joaquin, cortando-a. — Todo mundo,
espalhem-se. Nós temos que encontrá-la. Fisher, você começa na praia.
Kevin, você fica nas docas. Lauren e Bea, vocês vão para a cidade, e Krista...
— Eu sei — disse Krista. — Eu estou dentro.
Ela virou-se e saiu para o nevoeiro quando os outros desapareceram
também, se movendo em todas as direções. A névoa se moveu e rolou antes
de engoli-los por inteiro, um por um. Em algum lugar distante, o sino de
um barco soou, o som silenciado pela espessura do ar.
— O que está acontecendo? — perguntei. — Em quê Krista “está
dentro”?
Joaquin olhou friamente para longe de mim.
— Olá? Você disse que eu podia te perguntar qualquer coisa, certo? —
eu disse, agarrando-lhe o braço. — Então, o que ela sabe? Onde ela está
indo?
Meu peito estava prestes a estourar em frustração, mas Joaquin
permaneceu em silêncio. Virei-me para Tristan. — Será que alguém poderia
me dizer o que diabos está acontecendo?
— Rory... — Tristan começou.
— Cara, agora não é o momento — disse Joaquin em advertência,
agarrando o ombro de Tristan. — Nós temos que ir.
O rosto de Tristan corou. — Você deve estar brincando comigo. Agora
você quer deixá-la de fora? É da irmã dela que estamos falando!
Meu pulso batia em meus olhos. O que eles estavam falando? O que
eles estavam escondendo de mim?
— Isso é diferente, Tristan — disse Joaquin através de seus dentes. —
Isso é o DEFCON1 UM. Alguma coisa está errada. A menina não estava
pronta ainda. Temos que entrar. Temos de dizer-lhes o que está
acontecendo. Você sabe disso. — Ele virou para mim, com a mandíbula
abrindo e fechando. — Eu sinto muito, Rory — disse ele, com um tom de
negócios.
1 DEFCON (Defense Condition): Escala de 1 a 5 utilizada pelo exército norte-americano para avaliar o seu nível de preparação para a guerra (5=estado de preparação normal, 1=estado de alerta máximo).
Então ele se virou e começou a andar na direção da casa de Tristan.
Pelo menos, eu pensava que a casa dele estava naquele caminho. Na neblina,
era quase impossível saber com certeza. Tristan olhou para mim e apertou
os lábios, claramente desesperado para falar. Eu senti como se estivesse
sendo dobrada ao avesso.
— Vamos lá, cara — Joaquin disse, sua voz vindo de algum lugar
profundo dentro do nevoeiro.
Tristan deu um passo para trás, um passo de distância. — Sinto muito
— disse ele.
— Tristan, não. Não vá — eu implorei. — Por favor, diga-me o que
está acontecendo. Eu sei que você quer. Apenas me diga!
Ele balançou a cabeça. — Eu não posso — disse ele. — Ainda não.
— O que significa “ainda não”? — eu chorei, lágrimas escorrendo pelo
meu rosto. Com um último olhar arrependido, ele se virou e se afastou de
mim, o turbilhão de névoa ao seu redor. — Espere! O que significa “ainda
não”? Tristan! Tristan, volte! Não me deixe aqui!
Mas Tristan não voltou, e eu fui deixada sozinha no nevoeiro,
segurando o casaco da minha irmã.
39 CANADÁ
Traduzido por L. G.
u estava grudada aos calcanhares do meu pai quando ele empurrou
as portas do Departamento de Polícia de Juniper Landing e se
moveu rápido no lobby frio, tirando seu boné de beisebol dos
Yankees de sua cabeça.
— É a minha filha — ele gritou. — Ela...
Nós dois paramos no meio do caminho, no centro da sala ampla. Havia
cerca de cinquenta pessoas reunidas lá com jaquetas azul escuras em que se
lia JUNIPER LANDING, e todos eles ficaram em silêncio e olharam. A
maioria deles se reunia em torno do balcão, onde parecia que a polícia tinha
estabelecido um mapa de algum tipo. Eu ouvi um barulho e, de repente, o
mesmo policial corpulento daquela manhã saiu de trás do balcão, ajustando
sua calça na parte de trás.
— Você deve ser o Sr. Thayer — disse ele, estendendo a mão. — Eu
sou o chefe de polícia Grantz. Nós já sabemos sobre a sua filha, senhor.
Estamos montando um grupo de busca.
Ele gesticulou ao redor da sala, e algumas das pessoas que nos
rodeavam assentiram. Um homem com cabelo branco enfiou um pedaço de
papel atrás das costas, e eu pensei ter visto nele um vislumbre do rosto de
Darcy. Olhei em volta e vi rapidamente algumas outras pessoas enfiarem
fotos em seus bolsos também. Onde eles tinham arrumado uma foto de
Darcy?
— Obrigado, mas não precisamos de um grupo de busca — disse meu
pai com a voz rouca. — O que precisamos é chamar o FBI.
Um murmúrio atravessou a multidão e rapidamente virou um barulho.
Chefe Grantz olhou em volta nervosamente.
— Vamos ao meu escritório para conversarmos, pode ser?
O chefe agarrou o braço do meu pai e conduziu-o para trás do balcão.
Eu o segui, sentindo dezenas de pares de olhos me seguindo enquanto ia.
E
Contornamos algumas mesas cuidadosamente organizadas no centro da sala
e, em seguida, Grantz abriu uma porta, esperando por nós entrarmos antes
de fechá-la atrás de si. O escritório do chefe era pequeno e quadrado, com
uma mesa de metal no centro e um enorme emblema de metal com DP DE
JUNIPER LANDING na parede atrás dele. Não havia armários, nem
equipamentos de alta tecnologia. Nada além de um telefone e um porta-
casacos com um casaco e um chapéu pendurados. No centro da mesa estava
a foto do último ano de Darcy da escola. Meu sangue gelou. Como eles
haviam conseguido essa foto? Ninguém nesta ilha tinha aquela foto exceto,
talvez, o meu pai, e se ele a tivesse estaria em sua carteira. O chefe me viu
olhando para ela e empurrou-a em uma gaveta.
Olhei para o meu pai, mas ele não pareceu notar que alguma coisa
estava errada. Na sala ao lado, um par de vozes tensas brigavam, mas eu não
conseguia entender o que eles estavam dizendo.
— Não há nenhuma necessidade de alertar os federais, senhor — disse
o chefe baixinho. — Sua filha sumiu há menos de uma hora.
— Mas há uma razão — meu pai disse, atirando-me um olhar cauteloso
enquanto apertava seu boné de beisebol nas mãos. — Minha família está
aqui como parte do programa de proteção a testemunhas. Minha filha Rory
foi atacada por um serial killer chamado Roger Krauss na semana passada
e, tanto quanto sabemos, ele nunca foi pego. Há uma possibilidade de ele
estar com Darcy agora.
O homem olhou para nós. Houve uma pausa longa e arrastada, e eu
senti que eu podia ouvir as engrenagens em sua cabeça trabalhando com
esta informação. — Senhor, isso é altamente improvável.
— Eu não me importo o quão improvável é! — meu pai gritou. — Eu
quero uma ligação para eles, agora!
O chefe de polícia deu um passo para trás e pela primeira vez na minha
vida eu estava feliz que meu pai fosse tão assustador quando estava
chateado. Na sala ao lado, algo bateu e houve um grito de surpresa.
— Tudo bem. Tudo bem, então. Vou ligar para o meu contato do FBI.
O homem foi até a mesa e pegou o telefone preto perto do canto. A
briga na sala ao lado continuou cada vez mais alta, mais tensa, mas ainda
ininteligível.
— Vocês poderiam, por favor, esperar lá fora? — perguntou o chefe,
olhando para a parede entre nós e a briga.
— Não. Eu quero estar aqui — disse meu pai.
— Eu entendo senhor, mas eu receio que não seja o protocolo — disse
o chefe, com a mão tremendo um pouco quando ele levantou o receptor. —
Eu não posso ter civis na sala enquanto eu discuto um caso com o FBI.
Meu pai soltou um suspiro de frustração, mas abriu a porta. Ele me
deixou passar primeiro e, em seguida, a bateu, causando outra interrupção
de som no lobby. Eu vi algumas pessoas olhando para nós sobre o balcão e
virei de costas para eles. Dentro do escritório, Chefe Grantz começou a falar
em voz baixa.
— Eu sinto muito, Rory — meu pai disse, esfregando a testa com uma
mão, sentado em um banco do lado de fora do escritório. Ele olhou para
mim, com os olhos pesados. — Desculpa por não ter acreditado em você.
— Está tudo bem — eu disse calmamente. — Eu nem sabia no que
acreditar. Até agora.
Ele pegou minha mão e a segurou. — Se eu a perder...
— Eu sei — eu disse, minha voz cheia. — Nós não podemos sequer
pensar nisso. — Eu respirei fundo. — Pai? Posso ver sua carteira?
Suas sobrancelhas se uniram, mas ele estendeu a mão até o seu bolso
traseiro. — Por quê?
— Eu só quero ver uma coisa — eu disse.
Abri a carteira de couro macio e enfiei a mão no bolso onde meu pai
guardava fotos da família. Havia a minha foto do segundo ano, minha franja
muito curta e meu sorriso muito grande, e logo atrás estava a foto de Darcy.
Ela ainda estava lá. Ele não tinha perdido. Darcy não tinha pegado e dado a
Joaquin. Ninguém tinha roubado para fazer cópias. Então, como diabos a
polícia a tinha distribuído?
A porta atrás de nós se abriu, e o chefe veio caminhando para fora. —
Boas notícias. Não é Roger Krauss.
— O quê? — eu arfei. Meu pai levantou-se, ainda agarrado à minha
mão. As vozes na sala ao lado se elevaram.
— Acabei de falar com o Agente Lawrence do FBI — disse o chefe, se
endireitando em pé. — Ele disse que esse cara, Nell, partiu para o Canadá,
e eles estão seguindo várias pistas dele por lá. Eles parecem pensar que estão
chegando perto. Eles querem que você fique aqui por mais alguns dias até
que eles o alcancem, mas eles me garantiram que o homem está longe de
Juniper Landing.
Deixei escapar um suspiro, alívio inundando através de mim. Canadá.
Darcy estava bem.
— Graças a Deus — meu pai disse, relaxando um pouco. — Mas, então,
onde está Darcy? Onde está a minha filha?
— É para isso que serve a equipe de busca, senhor — disse o chefe,
colocando a mão nas costas de meu pai e levando-o em direção ao balcão,
longe da rápida elevação de vozes atrás das portas fechadas. — De vez em
quando, um dos nossos visitantes se perde na praia ou entra naquele
nevoeiro desagradável e nós temos que sair e encontrá-los. Já fizemos isso
antes, e sempre fomos bem sucedidos. Então, se você nos deixar fazer o
nosso trabalho...
— Bem, nós queremos nos juntar ao grupo de busca — disse meu pai
com força. — Rory e eu podemos ajudar.
Alguém tossiu nas proximidades, e o chefe de polícia puxou sua orelha.
— Isso não será necessário — disse ele.
— Por que não? Quanto mais pessoas procurarem por ela, melhor, não
é? — eu disse.
— Bem, suponho que sim, em teoria, mas eu acho que é melhor se vocês
dois esperarem por ela em sua casa. Nunca se sabe. Ela poderia ir para casa,
e se ninguém estiver por lá, nós não teremos nenhuma maneira de saber.
Meu pai olhou para mim, considerando a lógica disso. Eu poderia dizer
que ele se sentia muito melhor, muito mais seguro, sabendo que Steven Nell
ou Roger Krauss ou qualquer que fosse o nome dele, estava fora de
cogitação. Eu queria me sentir assim também, mas eu não conseguia afastar
a sensação que eu tive durante toda a semana de que algo estava errado.
— Ok, tudo bem — meu pai disse, finalmente, colocando o braço em
volta de mim. — Vamos voltar para casa. Mas você vai nos informar no
segundo em que encontrar alguma coisa?
— É claro — respondeu o chefe solícito.
Uma porta do escritório atrás do balcão abriu e vozes iradas ecoaram
pela sala.
— O que faz você achar que sabe mais sobre isso do que eu? — uma
voz familiar gritou. Eu me virei a tempo de ver Joaquin, com o rosto
vermelho como sangue, gritar por cima do ombro para o escritório. —
Quem diabos você pensa que é?
Ele saiu em direção à parte de trás do prédio, sem perceber eu ou o meu
pai, e bateu a porta de metal pesado. Um segundo depois, o Policial Dorn
entrou pela porta do escritório, parecendo abalado — como se tivesse
acabado de tomar uma bronca.
— Quem diabos era aquele? — meu pai me perguntou em voz baixa
enquanto se movia em direção à porta da frente.
— Era o Joaquin — eu respondi, minhas pernas tremendo.
— O menino que Darcy gosta? — ele perguntou, segurando a porta
aberta para mim. — Uau. Ele parecia realmente chateado. Ele deve gostar
dela também.
— Sim — eu disse vagamente. — Ele deve.
Mas o meu pai não tinha registrado o que ele disse, o que nós tínhamos
acabado de ver? O que Joaquin estava fazendo, repreendendo um policial?
O que ele quis dizer com “Quem diabos você pensa que é?” E o que,
exatamente, ele sabia mais do que Dorn?
40 A BUSCA
Traduzido por Manoel Alves
entei-me no terraço traseiro da nossa casa duas horas depois,
encarando o norte, observando enquanto o grupo de busca de
moradores caminhava em direção à praia, os flashes de sua lanternas
mergulhavam através da terra e do céu. Eu estive esperando a noite toda
para vê-los em ação, e agora, ali estavam eles, uma longa fila de cerca de
duas dezenas de pessoas, caminhando lado a lado ao longo da areia. A fila se
estendia desde as dunas até todo o caminho para a água, e eles caminhavam
lentamente, seus olhos baixos, olhando o chão sob seus pés com suas
lanternas. Deste modo, eu pensei, eles asseguravam-se de que não iriam
perder nada. Mas enquanto eu os observava se aproximarem da minha casa,
senti uma pontada de profundo desconforto no estômago.
Por que seus olhos miravam o chão? Eles estavam procurando a minha
irmã ou procurando um corpo?
Eu respirei fundo e olhei para o céu. O nevoeiro havia sumido assim
que meu pai e eu voltamos para casa, e agora milhões de estrelas piscavam
alegremente acima, claramente alheias à tortura que eu estava
experimentando sob sua vigília.
Onde estava Darcy? Se Steven Nell realmente não estava aqui, então
para onde ela havia ido? Por que eu a ouvi gritar?
À minha esquerda, ouvi vozes. Havia uma tenda branca entendida
entre a calçada e as duas casas próximas, uma espécie de sede improvisada
para a busca. Holofotes iluminavam o rosto do meu pai enquanto ele discutia
com os dois policiais ali parados. Um deles era o oficial Dorn. O outro, eu
não conhecia.
Depois, no clássico estilo do papai, ele pegou a prancheta das mãos de
Dorn e a jogou ao longo da praia, onde ela voou como um frisbee a uns bons
trinta metros antes de derrapar na areia. Ele afastou-se furioso e, momentos
depois, nossa porta da frente se abriu e fechou. Ele se juntou a mim no
S
terraço, e eu podia ouvi-lo trabalhando para manter sua respiração sob
controle.
— Eles ainda não me deixam participar da busca — disse ele, por fim,
de pé ao lado da minha cadeira. — Mesmo eu dizendo a eles que você ficaria
aqui. O que se passa com essa gente? É como se eles fossem algum tipo de
facção insular. Parece que Deus os proibiu de deixar alguém de fora da
cidade participar das coisas de alguma forma.
Eu não disse nada. Tudo em que eu conseguia pensar era que o FBI
poderia estar errado. Steven Nell era brilhante, fora o que Messenger tinha
dito. Ele poderia muito bem tê-los levado em uma busca inútil e vir para cá,
enquanto eles estavam distraídos. Ele poderia estar com Darcy em algum
lugar desta ilha, neste exato momento, e tudo o que estávamos fazendo era
ficar sentados, esperando o seu retorno.
Uma brisa fria arrepiou o cabelo do meu pescoço. Eu olhei para a água
e congelei. Tristan estava em pé na praia lá em baixo, vestindo um moletom
preto com o capuz cobrindo seu cabelo, olhando diretamente para mim.
— Eu vou pegar um suéter — meu pai disse, esfregando a mão nas
minhas costas. Ainda de frente para o grupo de busca que se aproximava do
norte, ele não tinha percebido o nosso espreitador. — Você precisa de
alguma coisa?
Eu olhei para ele e forcei um sorriso, só querendo que ele fosse, para
que eu pudesse falar com Tristan. — Não, pai. Obrigada.
Ele olhou para mim, infeliz, beijou minha testa, depois foi. Levantei-
me, jogando o cobertor das minhas pernas, e corri para a casinha de salva-
vidas em frente à água, meu coração pulsando com dezenas de perguntas
que se aglomeravam em meu cérebro.
Mas quando eu olhei para a areia novamente, Tristan havia sumido.
41 AJUDA
Traduzido por Manoel Alves
spinhos rasgaram meus tornozelos. Um ramo úmido chicoteou
minha bochecha. Eu caí de joelhos, uma pedra afiada perfurou
minha pele. Mas, tudo aquilo era nada. Nada. Nada comparado com
o que Steven Nell ia fazer comigo.
Quando tentei me levantar, meu joelho dobrou e tudo que eu podia
fazer era rastejar. Se eu soubesse onde eu estava. Se ao menos eu pudesse
ver onde eu estava indo, mas estava tão escuro. Muito, muito escuro.
Então, algo me chamou a atenção — algo branco e liso aparecendo na
escuridão. Choramingando, eu me inclinei para frente para dar um olhar
mais atento. Dedos brancos com as unhas pintadas. A mão de Darcy. Seu
braço preso em um ângulo não natural por debaixo de um arbusto, a manga
de seu suéter torcida e encharcada de sangue. Tremendo, eu empurrei os
ramos de lado. Os olhos de Darcy estavam abertos, sem vida, a parte de trás
de sua cabeça esmagada.
— Darcy! — eu gritei. — Não!
Eu afundei em minhas mãos. Steven Nell tinha matado ela, e eu era a
próxima. Eu abri minha boca para gritar de novo, e uma mão enluvada
tampou meus lábios.
— Não!
Eu abri meus olhos e encontrei-me olhando para o teto do meu quarto.
Eu ainda estava viva, mas Darcy... No momento que lembrei de tudo que
tinha acontecido mais cedo, eu levantei e gritei. Alguém estava sentado na
minha cadeira, vestido de preto da cabeça aos pés. Seus joelhos tocavam meu
colchão, seu capuz cobria seu rosto, e sua postura estava para frente como
se estivesse de luto. Assim que eu gritei, ele olhou para cima, o capuz caindo
para trás de seu cabelo loiro.
Tristan.
— Shhhh! — ele sussurrou, levando um dedo aos lábios.
E
Meu peito arfava enquanto eu lutava para respirar e tentava entender
o que estava acontecendo. Olhei para baixo e percebi que estava vestindo
apenas uma blusa fina sem sutiã, e eu puxei meu cobertor para cobrir meus
peitos.
— Que diabos você está fazendo? — eu exigi. — Como você entrou
aqui?
— Nós precisamos de sua ajuda — respondeu ele, ignorando minha
pergunta. Ele se inclinou para mim, apoiando os antebraços sobre os joelhos
e esfregando as mãos. Percebi a pulseira de couro espreitando para fora da
manga. Seu cabelo loiro caiu para frente, tocando as maçãs do seu rosto
quando ele olhou-me nos olhos. — Steven Nell está com a sua irmã em
algum lugar na ilha.
— O quê? — eu gritei, sobressaltada, ainda segurando o cobertor. Meu
pulso correu tão rápido que eu estava prestes a desmaiar. Eu levei uma mão
para a cabeça e tentei me concentrar. — Eu sabia! Eu sabia...
Fiz uma pausa e olhei para Tristan. Ele me olhou com uma espécie de
expectativa relutante. Como se ele estivesse esperando que eu percebesse o
que eu estava lentamente percebendo.
— Como você sabe sobre Steven Nell? — eu perguntei, tremendo. —
A polícia lhe disse? Eles disseram para Joaquin?
— Não importa como eu sei — disse ele, em pé. — Eu apenas sei.
Pisquei, completamente confusa. — Chefe Grantz disse que ele tinha
ido para o Canadá. Ele disse que o FBI...
— Chefe Grantz mentiu — disse Tristan categoricamente.
— O quê? — eu arfei. — Por quê?
Ele soltou um suspiro, olhando para o chão enquanto balançava a
cabeça. — É uma longa história.
Andei na frente dele, segurando a minha cabeça com uma das mãos. —
Ok, ok — eu disse, meu cérebro trabalhava arduamente para processar tudo
isso. — Como você sabe que ele está aqui? Ele entrou em contato com você?
— Não — ele disse, balançando a cabeça.
— Tristan, você não está colaborando. O que está acontecendo? — eu
perguntei, cada vez mais frustrada, mais desesperada a cada segundo. — O
que você quer dizer com você precisa da minha ajuda?
Tristan foi até a janela voltada para o norte e inclinou seu cotovelo
contra a borda superior do painel inferior. Ele fechou os olhos e apertou a
palma da mão na testa, como se as minhas perguntas perturbassem ele.
Como se ele não soubesse o que responder.
— Tudo o que posso dizer é que você é a única que pode encontrá-la
— disse ele, voltando-se para olhar para mim, seus olhos azuis aflitos.
Então, ele olhou pela janela de uma maneira que fez meu coração pulsar
uma batida. Ele estava olhando para algo ou alguém lá embaixo. Minha
respiração ficou curta e superficial, e eu caminhei até ele, meu cobertor longo
farfalhando atrás de mim. No início tudo que eu vi foi o brilho, mas quando
me aproximei da janela, a multidão entrou em foco. Havia pelo menos uma
dúzia deles reunidos em um grupo muito unido na areia. Cada um deles
usava um moletom com capuz, e cada um carregava uma lanterna preta. Eu
podia ver Joaquin, Lauren, Krista, Fisher, Bea e Kevin, além de alguns
outros que eu tinha notado em torno da cidade. Estavam todos ali, e eles
todos olhavam para mim em um silêncio sombrio.
— Você vai nos ajudar? — perguntou Tristan calmamente.
Engoli em seco. Minha garganta estava seca, meu coração estava
batendo forte, adrenalina incandescente aquecia a minha pele de dentro para
fora. Eu sabia que deveria ir acordar o meu pai. Eu sabia que devia fazê-lo
entrar em contato com a polícia. Nada disso fazia sentido. E de maneira
alguma eu deveria sair com um grupo de estranhos, um bando de jovens,
para tentar pegar um serial killer. Mas quando eu olhei nos olhos de Tristan,
eu sabia que havia apenas uma resposta para sua pergunta.
— Claro que eu vou — eu disse. — Ela é minha irmã.
42 AS PISTAS
Traduzido por Manoel Alves
areia era suave e fria sob meus pés descalços enquanto Tristan e eu
fazíamos nosso caminho através da praia com seus amigos
encapuzados. Cada um deles assistiu a minha aproximação como se
eu fosse algum tipo de profeta. Como se eu estivesse brilhando de dentro
para fora e fosse expelir o sentido da vida. Eu segurei meus tênis de corrida
contra meu peito, segurando-os em minhas mãos suadas.
Isto realmente estava acontecendo. Steven Nell tinha nos encontrado.
— Rory — disse Joaquin em uma voz profunda e prática. — O que
você sabe sobre Steven Nell?
— Não muito — eu disse. — Eu pensei que ele era apenas um professor
de matemática normal até que ele me atacou na floresta perto da minha casa.
Eu não sou realmente de Manhattan — eu esclareci, lembrando como Darcy
tinha enchido Joaquin com nossa história falsa. — Eu sou de Nova Jersey.
Ninguém sequer piscou.
— Continue — disse Tristan, tocando minhas costas por alguns
instantes.
— Bem... Acontece que ele assassinou quatorze meninas em todo o
país, e eu fui a única a conseguir fugir — eu disse. Tristan e Krista trocaram
um olhar sombrio. — A agente do FBI que nos colocou na proteção à
testemunha nos disse que Nell nunca havia falhado antes, então havia uma
boa chance de que ele tentaria vir atrás de nós, mas isso é tudo que eu sei.
Eu estava esperando que o apanhassem, até...
— Até agora — Tristan terminou para mim.
— É. — Engoli em seco um soluço e olhei para os tênis contra o meu
peito, sabendo quão aterrorizada Darcy deveria estar. Se ela ainda estivesse
viva. — Até agora. Por que a polícia não está aqui? — eu perguntei, olhando
para cima novamente, reprimindo uma lágrima. — Não deveríamos falar
com eles sobre isso? Ou, pelo menos, dizer a algum adulto?
A
— Os adultos são inúteis — disse Joaquin com escárnio. — Eles estão
todos em negação.
— Eles acham que é impossível que este homem esteja aqui — explicou
Krista. — Eles se recusam a acreditar em nós.
Olhei para Joaquin, cuja mandíbula estava cerrada. Era isso o que ele
tinha discutido com o oficial Dorn?
— Mas vocês acham que ele está aqui? — eu disse. — Por quê?
— Porque nada como isso já aconteceu antes — Lauren respondeu,
com a voz estridente. — Jamais.
Tristan e Joaquin atiraram-lhe um olhar de censura, e ela abaixou a
cabeça, corando.
— Nada como o quê? — perguntei. — Alguém desaparecendo? Mas
Grantz disse que isso acontece de vez em quando. Que eles sempre formam
um grupo de busca e...
Minhas palavras morreram na minha língua. Tristan estava olhando
para mim como se ele estivesse esperando que eu compreendesse.
— Oh — eu disse, meu coração se transformando em pedra. — Isso foi
uma mentira, também.
Mas, por quê? Por que o chefe de polícia iria mentir para mim e meu
pai? Ele estava envolvido? Será que ele sabia sobre Steven Nell de alguma
forma?
— O que eu não entendo é por que ele pegou Darcy — disse Joaquin,
cerrando o punho na frente de sua boca. — Se ele está tão chateado por ter
falhado, porque ele simplesmente não veio atrás de você de novo?
— Porque ele está brincando comigo — eu disse, abraçando meu
sapato ainda mais apertado. — Ele quer me fazer pagar antes de...
Eu não consegui terminar a frase. A multidão se deslocou em seus pés,
murmurando, sussurrando. Olhei para Tristan.
— Ele entrou em contato com você desde que você chegou aqui? —
ele questionou.
Pensei no bilhete que ele deixou na minha cama, na minha casa em
Princeton. — Não — eu disse.
— Tem certeza? — Ele me virou, me olhando de igual para igual, e
pegou minha mão direita. Ele segurou-a levemente em sua própria por um
segundo, em seguida, a apertou. — Pense, Rory. Você não recebeu nenhuma
mensagem dele de qualquer tipo?
Eu olhei nos olhos de Tristan, e de repente algo me acertou. Me
acertou com tanta força como o vento ao redor. A risada, o murmurado, a
música na jukebox. O pedaço de tecido, a bolsa carteiro, os faróis. Talvez
não tivesse sido coincidências. Talvez não tivesse sido provocações ou
lembretes. Talvez tivessem sido mensagens.
— “The Long and Winding Road” — eu arfei.
— O quê? — perguntou Joaquim.
— A música. “The Long and Winding Road” — eu disse, meu cérebro
correndo enquanto eu segurava a mão de Tristan. — É a música favorita
dele. Ouvi alguém cantarolando na minha primeira manhã aqui, e então ela
estava na jukebox no Thirsty Swan.
Joaquin olhou para Tristan. — “The Long and Winding Road.” O que
isso quer dizer?
— Eu não sei — disse Tristan, ainda olhando nos meus olhos. — O
que mais, Rory?
— Havia um pedaço de tecido que parecia que tinha sido arrancado de
sua jaqueta — eu disse. — Tinha dois remendos costurados sobre ele. Eu
acho que eles eram como aquelas bandeiras que se vê em um veleiro.
— Você pode desenhá-las? — perguntou Krista, sem fôlego.
— Com o quê? — perguntei.
— Na areia — Joaquin sugeriu, apontando para baixo.
Eu puxei meus dedos para longe de Tristan, deixando cair os meus
sapatos, e caí de joelhos na praia fria. Todo o grupo de moradores se reuniu
em torno de mim, seus capuzes escurecendo seus rostos quando eles
apontaram suas lanternas em um único ponto na areia. Trêmula, eu
consegui desenhar as duas bandeiras.
— Esta era xadrez azul e branca, e esta era azul, branca e vermelha no
centro — eu disse, olhando em volta para eles.
— Elas são bandeiras de sinalização. Isso significa um N — disse
Kevin, apontando para a xadrez. — E a outra é um O.
— Noroeste — acrescentou Tristan.
Outro murmúrio atravessou a multidão. Todos os minúsculos pêlos na
parte de trás do meu pescoço se arrepiaram. Meu estômago virou, e eu tive
que prender a respiração para não vomitar nos pés de alguém.
— A Via Dryer — disse Lauren. — Essa é uma estrada longa e sinuosa.
— E termina no ponto noroeste da ilha — acrescentou Joaquin.
Levantei-me, limpando a areia dos meus pés. Outra onda de náusea me
atingiu, e eu instintivamente agarrei o braço de Tristan. Eu respirei, limpei
minha garganta, e o soltei.
— Havia uma outra coisa — eu disse. — Sua bolsa carteiro. Ele deixou
pendurada na minha cerca, e ela estava cheia de pequenos faróis.
Joaquin piscou. — Não há nenhum farol em Juniper Landing.
Eu senti meu coração começar a despencar. Eu pensei que nós
estávamos chegando a algum lugar.
— Costumava haver — disse Tristan.
Todos se viraram para olhar para ele.
— O que você quer dizer? — perguntou Joaquim.
— Ela estava situada no ponto noroeste — disse ele, parecendo
assustado, mas resignado. — Eles o derrubaram porque as pessoas... os
visitantes... costumavam se machucar lá em cima. Mas o alicerce ainda está
lá. E também a casa do faroleiro.
— Como é que eu não sei disso? — perguntou Joaquim.
Tristan brincou com sua pulseira. — Nós nunca fomos lá em cima. A
não ser para a ponte — disse ele, olhando para Krista. Todos os amigos
trocaram olhares entendedores. Claramente, isso significava alguma coisa
para eles.
— Ele queria que eu o encontrasse — eu disse, tremendo. — Ele estava
planejando isso o tempo todo, e agora ele tem a sua isca.
Tristan deu um passo adiante. — Mas ele não espera que todos nós
iremos com você.
Olhei para eles. Para Lauren e Krista, Fisher, Bea e Kevin, todos os
outros cujos nomes eu não sabia. Até mesmo Joaquin. Todos eles estavam
dispostos a me ajudar a resgatar Darcy. Todos eles estavam dispostos a
arriscar tudo para salvá-la. Eu não entendia por que, mas eu estava grata.
De pé no meio deles, eu me sentia segura. Sentia-me como se ainda fosse
possível que tudo poderia ficar bem.
Olhei para Tristan, esperançosa. Seus olhos estavam determinados,
mas de alguma forma tristes.
— Bem, o que estamos esperando? — disse Joaquin. — Vamos pegá-
la.
43 O ASSASSINO
Traduzido por Lua Moreira
ós nos dirigimos ao ponto noroeste da ilha em silêncio, eu entalada
no banco da frente de uma velha caminhonete enferrujada entre
Joaquin e Tristan, com os pés calçados com tênis de Krista sobre
minha coxa. Joaquin estava dirigindo, e Krista estava sentada de lado no
colo de Tristan. Três carros cheios com os outros se arrastavam atrás de
nós, seus faróis ocasionalmente refletindo no espelho retrovisor, cegando-
me a intervalos aleatórios.
O farol encheu o carro. O barulho dissonante quando o caminhão bateu
em nosso para-choque. Darcy gritando. Meu pai desesperado ao volante.
Em seguida a leveza, a dor, o terror. Meu pai morto espalhado no chão.
— Vire à esquerda aqui — disse Tristan.
Eu voltei ao presente. Percebi que eu estava segurando o braço de
Tristan, e liberei lentamente o aperto. Ele me olhou nos olhos, mas não de
uma forma perturbada ou julgadora. Ele olhou para mim como se
entendesse.
Joaquin inclinou-se sobre o volante, olhando para a escuridão através
do para-brisa. — Onde?
— Bem ali! — disse Tristan, erguendo a voz pela primeira vez desde
que eu o conheci.
Vi a estrada de terra ao mesmo tempo em que Joaquin, e, em seguida,
a caminhonete virou à esquerda e os pneus cantaram, levantando areia e
sujeira para trás. Segurei o ombro de Tristan enquanto fazíamos a curva. A
cabeça de Krista bateu contra a janela do lado do passageiro.
— Ai — ela disse claramente, esfregando-a.
Ninguém perguntou se ela estava bem. Todo mundo estava muito
focado na pequena casa agredida pelo vento entrando e saindo de vista
enquanto Joaquin seguia pela estrada esburacada. Minha irmã estava dentro
daquela casa. Viva ou morta, ela estava lá. Eu tinha certeza disso.
N
A névoa se agarrava à baía como o merengue em cima de uma torta de
limão, e alguns dedos da névoa enrolavam em torno da base da casa. À nossa
esquerda estava a ponte, uma estrutura alta, de cobre, com duas torres, que
conduzia da ilha até dentro da névoa. Ela era ainda maior do que eu pensava,
pairando sobre a água como uma estrutura alienígena maciça.
— Pare aqui — disse Tristan. Joaquin pisou no freio, estacionando ao
virar a curva da casa, o carro camuflado por uma enorme floresta de juncos
crescidos.
— Apague os faróis — Tristan instruiu. Joaquin fez como ordenado.
Atrás de nós, os outros carros apagaram seus faróis também e andaram
lento até parar. Várias portas de carro bateram. Em poucos segundos, o
resto do grupo se reuniu em torno da nossa caminhonete, capuzes colocados,
lanternas desligadas.
— O que vamos fazer agora? — perguntou Fisher, com sua voz
profunda. Suas narinas estavam arregaladas, sua mandíbula apertada.
Parecia que ele estava pronto para uma briga.
— Nós vamos entrar — Joaquin começou a abrir a porta, mas eu senti
uma onda de pânico e agarrei seu ombro.
— Não.
— O que você quer dizer com “não”? — Joaquin estalou. — Nós
estamos perdendo tempo.
— Ouça ela — disse Tristan.
Joaquin exalou alto pelo nariz, mas sentou-se, as molas sob o seu antigo
assento de vinil do carro guinchando.
— Esse cara é um gênio — eu disse a eles. — Ele viajou o país matando
meninas e conseguiu iludir as autoridades por dez anos. Ele me atraiu até
aqui. Entrar pode ser uma armadilha.
— Então o que você quer fazer? — perguntou Krista calmamente.
Eu pressionei meus lábios. Eu podia ver a parte superior do telhado
sobre os juncos.
— Nós vamos fazê-lo vir até nós — eu disse com determinação.
Fiz um gesto para Joaquin sair da caminhonete. Deslizei atrás dele, e
meus joelhos quase dobraram quando meus pés tocaram o chão. Eu respirei
fundo e caminhei até a frente do carro, a multidão de moradores se dividindo
ao meu redor. Meus pés esmagavam os seixos, a areia e as conchas enquanto
eu andava pela pista em direção à casa. Parei a três metros da porta, Tristan
atrás do meu ombro direito, Joaquin atrás do meu esquerdo, o resto deles
reunidos em torno como um pequeno exército.
Em minha mente, eu vi as mãos secas de Steven Nell quando ele me
agarrou. Senti sua respiração contra meu rosto. Vi a membrana aquosa em
seus olhos. Cada centímetro de mim estava tremendo, mas enrolei meus
dedos em punhos. Eu tinha que fazer isso. Eu tinha que salvar minha irmã.
— Steven Nell! — gritei no topo dos meus pulmões.
Silencio mortal. Não havia vento, nem ondas, nada.
— Estou aqui! Eu fiz o que você queria! — eu gritei, minha voz
embargada. — Agora me deixe ver a minha irmã!
Esperamos. Eu inspirei e expirei, contando as batidas do meu coração.
Umdoistrêsquatrocincoseisseteoitonovedezonzedoze...
A porta se abriu. Minha respiração parou. Tristan deu um passo mais
perto de mim. Eu senti seu peito contra a parte de trás do meu ombro. O
raio de luz ficou mais amplo. Mais amplo.
— Rory Miller! — a voz esganiçada de Steven Nell chamou. — Você
não vai entrar e jogar?
Bile subiu no fundo da minha garganta. Tristan pegou minha mão, seus
dedos quentes entrelaçando em torno dos meus. — Não! Eu quero ver a
minha irmã primeiro.
— Você só vai ver a sua irmã se você entrar — ele zombou, ainda
pairando fora de vista.
Meu coração bateu forte em meu peito. Meu pulso batia nas minhas
têmporas. Nunca na minha vida eu tinha sentido esse terror, este frio, esta
incerteza. Mas eu tinha que salvar Darcy. Eu vim aqui para salvar Darcy.
Dei um passo para frente.
— O que você está fazendo? — Joaquin sussurrou. — Você mesma
disse que entrar pode ser uma armadilha.
— Deixe-a ir — disse Tristan, soltando minha mão.
— Eu não sei sobre isso, cara — disse Joaquin. — Eu não gosto disso.
Algo dentro de mim estalou. Eu estava cansada deles falarem de mim
como se eu não estivesse lá. Decidir o que me dizer e quando me manter no
escuro. Isso não tinha nada a ver com eles. Isto era sobre eu e minha irmã.
— Eu não me importo se você gosta ou não — eu disse rapidamente. —
Darcy está naquela casa, e eu vou lá buscá-la.
Joaquin e Tristan se entreolharam. Nenhum dos dois disse uma
palavra. Uma leve brisa passou quando me aproximei da casa branca. Uma
luz brilhava através de uma janela quebrada. O telhado cedeu no centro, e
toda a varanda da frente se inclinava para a direita. As tábuas soltaram um
gemido alto quando pisei em direção à porta da frente, e o vento levantou
meu cabelo do meu pescoço. Olhei para trás uma vez para Tristan e Joaquin.
Eles estavam tão imóveis quanto estátuas. Então eu me virei e passei pelo
limiar. Darcy levantou-se do chão e pulou em mim.
— Rory! Oh meu Deus! Rory!
Eu empurrei o cabelo emaranhado do seu rosto, lágrimas escorrendo
pelo meu rosto. — Você está bem? — eu sussurrei. — O que ele fez com
você?
Ela balançou a cabeça. Havia sujeira por toda sua blusa rosa e sangue
em seu ombro, mas apesar disso, ela parecia bem. Aterrorizada, mas bem.
— Nada. Ele disse que queria você — ela chorou. — Ele disse que nós
estávamos esperando por você.
— Onde ele está? — eu perguntei, tremendo enquanto meus olhos
corriam ao redor da pequena sala. Havia uma pequena mesa de madeira com
duas cadeiras quebradas em torno dela. Uma panela quente estava apoiada
no chão no canto, e havia um sofá azul perto da parede com um buraco
enorme rasgado na parte traseira do mesmo. Lentamente, os olhos de Darcy
se deslocaram para a direita. Comecei a me virar, assim que Steven Nell saiu
de trás da porta aberta. Ele agarrou o braço de Darcy e puxou-a para fora
do meu alcance, lançando-a para fora como uma boneca de pano. Ela ainda
estava gritando quando a porta bateu em seu rosto.
E de repente eu estava sozinha com o meu pior pesadelo.
— Olá, Rory — disse ele, com um pequeno sorriso rastejando em seus
lábios. — Eu sabia que você viria para mim.
Ele inclinou a cabeça para o lado, olhando-me de cima a baixo com uma
expressão avarenta e faminta. De repente eu queria atacá-lo, queria
enfrentar ele, queria surrá-lo até o esquecimento.
— Eu estava planejando ter a sua irmã, mas depois pensei que não seria
justo para nenhum de nós — disse ele, fazendo minha pele arrepiar. — Você
sempre foi o que eu queria, Rory. Só você. A estrela desconhecida.
Ele deu um passo em minha direção e estendeu a mão. Eu vacilei
enquanto ele acariciava meu cabelo com as costas de seus dedos.
— Vamos terminar o que começamos, vamos?
Com isso, ele investiu contra mim e me virou, travando o braço em
volta do meu pescoço. Eu estava prestes a gritar quando uma dor perfurante
e excruciante cortou meu intestino. Naquele exato momento, Nell gritou e
me soltou, cambaleando de costas contra a parede e afundando no chão, mas
eu estava com tanta dor que eu mal tinha consciência dele. Eu me dobrei,
engasguei, tossi, busquei por ar. Minhas mãos voaram para frente, mas meu
rosto ainda colidiu com o chão de madeira. De repente, a porta se abriu, e os
joelhos de Darcy caíram no chão ao meu lado.
— Rory? O que está acontecendo? Você está bem? — Darcy estava em
cima de mim, me sacudindo. A dor era tão horrível que as imagens na minha
frente se inclinaram e balançaram. Virei o rosto devagar, meu nariz
raspando contra as tábuas de madeira lascadas, e olhei para a parede.
Steven Nell estava se contorcendo no chão também. Gritando.
Implorando por misericórdia.
— O que é isso? — Darcy me perguntou desesperadamente. — O que
está errado?
Tossi e fechei os olhos. Eu só queria que isso parasse. Eu só queria que
a dor parasse.
E então Darcy desapareceu. Eu a ouvi gritando, mas alguém tinha
puxado ela para longe. Uma mão tocou a parte de trás do meu pescoço, e
um zumbido reconfortante e quente encheu meu corpo. Aos poucos, a dor
começou a diminuir. Resfriada a um pulsar lento. Eu tentei respirar e o
oxigênio doce encheu os meus pulmões.
— Está tudo bem — Tristan sussurrou em meu ouvido. — Você está
bem. Tudo vai ficar bem.
Abri os olhos. O mundo voltou lentamente de volta ao foco.
Cuidadosamente, eu sentei, os dedos de Tristan ainda apoiando a parte de
trás do meu pescoço. Ele se sentou na minha frente, as pernas tortas para o
lado, e me olhou nos olhos.
— Respire — disse ele. — Respire.
Então eu o fiz. Por cima do ombro, vi Kevin e Fisher arrastando Steven
Nell pelo chão enquanto ele se contorcia e gritava entre eles. Juntos, eles se
moveram até a porta, mas Nell cambaleou para o lado, com os joelhos
cedendo enquanto ele cuspia, chorava e se debatia. De alguma forma eles
conseguiram levá-lo para o lado de fora. Conseguiram arrastá-lo para longe.
— Olhe para mim — Tristan ordenou. — Rory. Olhe para mim.
Fiz o que me foi dito. Eu olhei nos olhos de Tristan.
— Você está pronta — disse ele, sem fôlego. — Você está pronta agora.
— Pronta para quê?
Mas mesmo enquanto eu dizia as palavras, estava acontecendo de novo.
Uma alfinetada de vazio começou dentro do meu peito e ampliou, aumentou,
aumentou até me engolir. Estendi a mão e agarrei-me aos braços de Tristan
quando me senti começar a deslizar para trás, começar a perder a gravidade
e a forma, começar a escorregar. Pânico tomou conta de cada poro meu,
espremendo o ar para fora, apagando o céu acima.
Mas não, isso era apenas o nevoeiro. Apenas o nevoeiro entrando.
— Olhe para mim, Rory — disse ele com firmeza. — Confie em mim.
Seus olhos eram tão azuis. A cor tão real, tão verdadeira, tão bonita.
— Eu não consigo, Tristan — eu me ouvi gemendo, apertando os olhos
fechados.
— Sim, você consegue. Está na hora — ele me disse, me segurando. —
Você consegue fazer isso, Rory. Está tudo bem. Apenas respire.
Eu respirei fundo e soltei o ar. De repente, as imagens vieram correndo
para mim. Minha mãe me empurrando no balanço no nosso quintal. Meu
pai apagando velas de aniversário na nossa cozinha, antes de mamãe
reformá-la. Darcy rindo de mim por cima do ombro enquanto eu a perseguia
em uma brincadeira de pega-pega. A tartaruga que eu tive por três semanas
na quinta série. O primeiro prêmio de ciências que ganhei, sendo pendurado
no meu pescoço. Minha mãe na cama, tão frágil e pequena, apertando a
minha mão e dizendo adeus. Ganhando o terceiro lugar nas regionais do ano
passado. Ganhando a fita na feira de ciências e a cara ranzinza de Samir
enquanto observava. Christopher me beijando no quarto dele. Steven Nell
me agarrando na floresta. Messenger nos dizendo que tínhamos que ir
embora.
E então meu pai jogado na estrada. A cabeça de Darcy machucada. O
sangue, as lágrimas, o grito. O corte de uma faca.
Abri os olhos, e o mundo voltou ao foco. Os dedos de Tristan estavam
apertados ao redor dos meus braços, os olhos presos nos meus, o nevoeiro
aumentando ao nosso redor. E foi assim que eu entendi.
— Rory? — Darcy gritou, aparecendo com Joaquin. Ela caiu no chão
ao meu lado e segurou minha mão. — Você está bem?
Limpei a garganta, ainda olhando para Tristan. Havia lágrimas em
seus olhos enquanto ele estudava meu rosto.
Darcy me abraçou, interrompendo o contato entre mim e Tristan, e eu
a abracei de volta tão firme quanto eu poderia, não querendo nunca deixá-
la ir.
Lá fora, Steven Nell gritou um contínuo gemido agudo, enquanto
Kevin e Fisher o levantaram como uma boneca de pano e o jogaram na parte
de trás da caminhonete de Joaquin com um estrondo. Tristan se levantou.
Ele me ajudou a levantar, e Darcy apoiou meu lado direito enquanto juntos
caminhamos para fora. Krista pairava perto da porta da cabine com Joaquin
e Lauren enquanto Nell esmurrava a plataforma da caminhonete, fazendo
barulho suficiente para acordar os mortos.
— Leve-o — disse Tristan a Krista.
Ela assentiu com a cabeça, correu até a caminhonete, e ficou atrás do
volante, sozinha. Os caras se afastaram quando ela engatou a marcha com
autoridade e decolou em direção à ponte, levantando areia enquanto ia. O
caminhão estava há cerca de meia milha de distância, quando de repente o
nevoeiro envolveu as luzes traseiras, e abruptamente, os gritos pararam.
44 REPARAÇÃO
Traduzido por L. G.
inda estava escuro quando voltamos para casa. Meus sentidos
estavam aumentados. Eu sentia cada batida do meu coração.
Cheirava cada aroma do ar florido. Tudo parecia diferente para
mim. A água do mar estava muito perfeita. As árvores floridas pareciam
falsas. Era tudo como um set de filmagem.
— Eu estou muito elétrica para dormir — Darcy disse quando nos
aproximamos da porta da frente. — Vamos sair de novo.
Caminhamos ao redor da lateral da casa até o quintal, onde nos
sentamos por um longo tempo, observando as ondas rolarem até a margem.
Com cada quebra de onda meu coração parecia mais e mais pesado. Eu tinha
dez milhões de perguntas, mas não havia ninguém aqui para perguntar.
— Eu sinto muito — disse Darcy de repente.
— Pelo quê? — perguntei. Ela não tinha nada para se desculpar. Se
dependesse de mim, ela nunca se sentiria mal sobre qualquer coisa nunca
mais.
— Por não acreditar em você. Por brigar com você. Por ser uma vadia
nos últimos meses — ela disse, olhando para a sujeira debaixo de suas unhas.
— Eu não deveria ter descontado em você. Christopher é o idiota.
Ela riu amargamente e fungou, limpando o nariz com as costas da mão.
Havia uma mancha de lama no seu rosto, e seu cabelo estava uma bagunça
de emaranhados.
Eu nunca tinha pensado nisso dessa maneira, mas ele meio que era. Não
importava o quanto eu gostava dele, não importava o quanto ele gostava de
mim, que tipo de cara terminava com uma menina e depois beijava sua irmã
na mesma tarde? Eu me virei e olhei para ela. — Você está certa.
Darcy e eu rimos. — Pena que não podemos ligar para ele para lhe
falar isso — disse ela, abraçando os joelhos contra o peito e descansando o
queixo no topo de um. — Talvez quando chegarmos em casa.
A
Meu coração bateu forte, e lágrimas encheram meus olhos. Eu olhei
para longe, em direção à água, não querendo que ela visse.
— Me desculpe por beijá-lo — eu disse, mordendo meu lábio. — Me
desculpe por ter tomado aquele atalho estúpido que nos mandou para cá.
Eu apertei meus olhos fechados contra uma enxurrada de emoção e
contive as lágrimas.
— Rory — Darcy falou com firmeza, pegando minha mão, — não é sua
culpa que um psicopata tenha te atacado. Você sabe disso, não é?
Eu balancei a cabeça, incapaz de formar uma palavra.
— E quer saber? Tirando o fato de ter sido sequestrada por um serial
killer, eu meio que gosto daqui — ela acrescentou.
Eu engoli o nó que se formou na minha garganta e assenti. — Sim,
Juniper Landing é legal.
Darcy bocejou imensamente e esticou os braços sobre a cabeça. —
Estou começando a ficar cansada. Acho que vou tomar um banho e ir para a
cama.
— Talvez você devesse acordar o papai primeiro e falar que está tudo
bem — eu disse.
— Bem lembrado — Darcy disse com uma risada, sacudindo a cabeça.
Ela começou a ir, mas parou perto da porta. — O que você acha que os
policiais vão fazer com o Sr. Nell? Será que eles ao menos têm uma prisão
nessa ilha?
Provavelmente não, eu pensei. Eu olhei para ela, me sentindo em
conflito. Era quase triste como ela não sabia de nada. Mas eu também a
invejava.
— Tenho certeza que eles vão entregá-lo direto para o FBI — falei.
Ela assentiu com a cabeça, aceitando isso. — Ótimo. E então sua bunda
vai estar longe daqui para sempre.
— É. Acho que essa é a ideia.
— Boa noite, Rory — disse ela.
— Boa noite.
Então ela se virou e entrou. Sentei-me nas almofadas e olhei através do
oceano sem fim. Quando eu era pequena, costumava assistir as ondas e
imaginar que eu pudesse ver através dele as terras estrangeiras do outro
lado do mundo. Eu imaginava visitar todos esses lugares exóticos um dia e
ficar na praia deles olhando o lugar onde eu costumava estar. Agora eu me
perguntava o que tinha de verdade lá fora. Será que continuava para sempre
ou terminava em algum lugar? Eu senti um arrepio que não tinha nada a
ver com a brisa e me abracei o mais apertado que consegui.
— Rory?
Eu me virei, quase pulando para fora da minha pele. Aaron estava na
ponta dos pés na lateral da casa, olhando para o quintal.
— O que você está fazendo aqui? — eu perguntei, levantando em um
pulo. — São três horas da manhã!
— Eu sei — ele disse, olhando para cima. — Eu não conseguia dormir.
Você achou sua irmã?
Meu coração bateu mais forte do que o normal. Ele era tão doce,
incapaz de dormir por causa de mim. Uma pessoa tão boa. Uma pessoa que
não merecia isso. Eu senti uma nova onda de lágrimas e balancei a cabeça.
Tudo iria me fazer chorar de agora em diante?
— É. Ela está de volta — eu disse simplesmente.
Seu sorriso quase quebrou meu coração. — Isso é ótimo! Posso entrar?
Parte de mim queria dizer sim. Eu queria passar um tempo com ele,
conversar e sentir esse tipo de sentimento seguro, confortável, sem
complicações que eu tinha quando eu estava perto dele. Mas eu não podia
simplesmente sair. Não agora. Não quando eu estava me sentindo tão crua.
— Estou muito cansada, na verdade — eu disse a ele. — Eu acho que
vou para a cama.
Aaron já tinha feito um movimento para as escadas e parou em seu
caminho. — Você tem certeza?
— Sim. Vejo você amanhã — eu disse a ele.
Pelo menos eu esperava que sim.
— Mas obrigada — acrescentei. — Por vir ver como eu estava.
— A qualquer hora — disse ele com um sorriso. — É pra isso que
servem os amigos.
Ele ergueu a mão em um aceno, então se virou e caminhou de volta
para a rua. Eu o observei até ele sair de vista, melancolicamente me
perguntando se eu iria vê-lo novamente. Querendo saber se amanhã Darcy
teria esquecido quem ele era.
45 A VERDADE
Traduzido por Manoel Alves
epois de um tempo, eu desci os degraus para a praia, sentei na areia
fria, recentemente suavizada. O amanhecer estava se aproximando
rapidamente, e eu queria ver o sol nascer. Era algo que minha mãe,
Darcy e eu costumávamos fazer juntas quando éramos pequenas, em Ocean
City. Ela nos acordava quando ainda estava escuro e prendia-me no meu
carrinho, em seguida, carregava Darcy até a água, enquanto me empurrava
na frente delas. Eu cochilava no caminho, mas ela sempre me acordava
justamente quando o céu começava a ficar rosa. Então nós duas nos
aninhávamos em seu colo no momento em que a primeira luz surgia para
nós sobre a água e até a praia. Assistíamos a benção de um novo dia
começando diante de nós.
Era assim que ela sempre chamava. Uma benção. Eu nunca percebi o
quanto ela estava certa até agora.
A minha mãe tinha vindo alguma vez à Juniper Landing? Ela já
assistira a este nascer do sol em particular?
Eu respirei fundo e soltei o ar. Um formigamento deslizava pela minha
espinha enquanto eu sentia Tristan se aproximando. Seus pés pararam
próximos a mim na areia.
— Você quer falar sobre isso? — ele questionou.
Eu balancei minha cabeça e abracei meus joelhos no meu peito. —
Ainda não.
Ele caiu ao meu lado, puxando as pernas até o queixo. Escutei o som
rítmico de sua respiração e olhei para sua pulseira de couro, sua mão
pressionada na areia perto do meu quadril.
— Ele já foi? — eu perguntei depois de um tempo. — Steven Nell. Ele
realmente se foi?
— Oh, ele se foi — disse Tristan, levantando o queixo um pouco
quando a primeira névoa rosa apareceu no horizonte.
D
— E quanto a Olive? — perguntei. — E o cantor do parque?
— Eles... seguiram em frente — disse Tristan com cuidado.
— E o cara com o chapéu? — perguntei.
— Ele também. — Ele nem sequer pausou. Ele sabia exatamente do
que eu estava falando.
— Então, quando a Sra. Chen disse que Olive tinha mandado pegar
suas coisas...
— Isso foi uma mentira — disse Tristan francamente. — Krista fez
besteira. Acontece. Raramente, mas acontece. Claro, geralmente não há
ninguém procurando os visitantes então... você tornou as coisas um pouco
mais difíceis.
Ninguém procurando. É por isso que Darcy a esquecera. Porque Aaron
a esquecera. Porque os habitantes locais não se lembravam dela. Aquilo era
simples. Mas então, por que eu me lembrava?
— Ela ainda estava lá naquele dia, quando você veio com Aaron —
disse ele. — Joaquin foi até lá com ela, e eles estavam quase acabando de
pegar suas coisas quando você chegou lá, mas Krista ainda estava no quarto.
Ela me disse que se escondeu no armário até que você foi embora.
Eu sabia. Eu sabia que alguém estava lá dentro.
Virei na areia de frente para ele, e ele se virou para mim. Eu cruzei as
pernas, assim como ele, e nossos joelhos se tocaram.
— Eu preciso que você diga, Tristan — eu disse, minha voz
embargada. — Apenas me diga. Basta dizer isso em voz alta. Isso é o que eu
penso que é? Eu estou...?
Eu não conseguia me obrigar a pronunciar a palavra que se agarrava
na ponta da minha língua. Eu não podia forçá-la a sair. Era completamente
inacreditável. Completamente surreal. Completamente errado.
Tristan pegou a minha mão, e depois a outra. Ele segurou as duas entre
nós, seus dedos quentes como o sol que agora estava explodindo no
horizonte.
— Eu sinto muito, Rory, mas sim, é exatamente o que você pensa —
disse ele. — Você, sua irmã, seu pai... todos nós aqui na ilha... estamos todos
mortos.
FIM!
PRÓXIMO LIVRO: HEREAFTER (A SEGUIR)
Sinopse: Rory Miller pensou que sua vida havia acabado quando um serial killer
voltou suas atenções para ela e a forçou a entrar na proteção a testemunhas. Mas
um novo começo na Ilha Juniper Landing era exatamente o que ela e sua família
precisava. Pela primeira vez em anos, ela e sua irmã iam à praia, fofocavam
sobre meninos e festejavam juntas. Ela também fez amizade com um grupo local
— incluindo um menino magnético e misterioso chamado Tristan.
Mas o mundo de Rory está prestes a mudar novamente. A pitoresca Juniper
Landing não é o que parece. A verdade sobre a névoa que rodopia todas as
manhãs, a ponte que leva a lugar nenhum, e aqueles belos moradores locais que
parecem vigiar cada movimento de Rory é mais aterrorizante do que estar sendo
caçada por Steven Nell. E tudo que Rory queria era a verdade. Mesmo que isso
significasse saber que ela nunca mais poderia voltar para casa.