silveira - principios de direito ambiental ii: articulações teóricas e aplicações práticas

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Coletânea de artigos envolvendo articulações teóricas e aplicações práticas dos princípios de Direito Ambiental.

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  • 1

    Princpios de direito ambiental: articulaes tericas e aplicaes prticas

  • 2

    FUNDAO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

    Presidente:

    Roque Maria Bocchese Grazziotin

    Vice-Presidente:

    Orlando Antonio Marin

    UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

    Reitor:

    Prof. Isidoro Zorzi

    Vice-Reitor:

    Prof. Jos Carlos Kche

    Pr-Reitor Acadmico:

    Prof. Evaldo Antonio Kuiava

    Coordenador da Educs:

    Renato Henrichs

    CONSELHO EDITORIAL DA EDUCS

    Adir Ubaldo Rech (UCS)

    Gilberto Henrique Chissini (UCS)

    Israel Jacob Rabin Baumvol (UCS)

    Jayme Paviani (UCS)

    Jos Carlos Kche (UCS) presidente

    Jos Mauro Madi (UCS)

    Luiz Carlos Bombassaro (UFRGS)

    Paulo Fernando Pinto Barcellos (UCS)

  • 3

    Princpios de direito ambiental: articulaes tericas e aplicaes prticas

    Clvis Eduardo Malinverni da Silveira (Organizador)

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Universidade de Caxias do Sul

    UCS - BICE - Processamento Tcnico

    ndice para o catlogo sistemtico:

    1. Direito ambiental 349.6 2. Desenvolvimento sustentvel Brasil 502.15(81) 3. Biossegurana 608.3 4. Responsabilidade (Direito) 347.51

    Catalogao na fonte elaborada pelo bibliotecrio Ana Guimares Pereira CRB 10/1460

    EDUCS Editora da Universidade de Caxias do Sul Rua Francisco Getlio Vargas, 1130 Bairro Petrpolis CEP 95070-560 Caxias do Sul RS Brasil Ou: Caixa Postal 1352 CEP 95001-970 Caxias do Sul RS Brasil Telefone/Telefax PABX (54) 3218 2100 Ramais: 2197 e 2281 DDR (54) 3218 2197 Home Page: www.ucs.br E-mail: [email protected]

    P957 Princpios do direito ambiental [recurso eletrnico] : articulaes tericas e aplicaes prticas / org. Clvis Eduardo Malinverni da Silveira - Dados eletrnicos. - Caxias do Sul, RS : Educs, 2013.

    Vrios colaboradores. ISBN: 978-85-7061-728-6 Apresenta bibliografia.

    Modo de acesso: World Wide Web.

    1. Direito ambiental. 2. Desenvolvimento sustentvel - Brasil. 3. Biossegurana. 4. Responsabilidade (Direito). I. Silveira, Clvis Eduardo Malinverni da, 1979-.

    CDU 2.ed.: 349.6

  • 5

    Sumrio

    DIREITO AO AMBIENTE, DIREITOS SOCIAIS E NECESSIDADES HUMANAS BSICAS Direitos socioambientais e polticas pblicas: reflexes sobre as indispensveis relaes efetivao das necessidades humanas bsicas Mara de Oliveira Daniela Andrade da Anunciao Gissele Carraro

    DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E BIODIVERSIDADE Biodiversidade na Amrica Latina: ecologia poltica e a regulao jurdico-ambiental Jernimo Siqueira Tybusch Luiz Ernani Bonesso de Araujo

    PRINCPIO DA INFORMAO E RESPONSIVIDADE AMBIENTAL DO ESTADO Elementos de responsividade ambiental estatal no enfrentamento dos danos ambientais Elizete Lanzoni Alves

    PRINCPIO DA INFORMAO E BIOSSEGURANA O princpio da informao no acrdo referente apelao cvel n. 5002685-22.2010.404.7104/RS do Tribunal Regional Federal da 4 Regio: a necessidade de se informar os riscos dos transgnicos e dos pesticidas Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira Jovino dos Santos Ferreira

    DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E MATRIZ ENERGTICA Desenvolvimento sustentvel e a matriz energtica: aspectos ambientais, econmicos e sociais Clvis Eduardo Malinverni da Silveira Isabel Nader Rodrigues

    IDENTIDADE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL Identidade e desenvolvimento sustentvel Caroline Ferri Crishna Mirela Andrade Correa Karine Grassi

    EDUCAO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL Sustentabilidade na complexidade: o desafio da educao ambiental sob a tica de Edgar Morin Tnia Andrea Horbatiuk Dutra.

    RESPONSABILIDADES COMUNS, MAS DIFERENCIADAS E MUDANAS CLIMTICAS O regime internacional das mudanas climticas e o princpio das responsabilidades comuns, porm diferenciadas Patrcia Kotzias Aguiar

    DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E REGULARIZAO FUNDIRIA A necessidade de regularizao fundiria para a efetivao do princpio do desenvolvimento sustentvel numa regio da fornteira amaznica: o Nordeste do Estado de Mato Grosso Kennia Dias Lino

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    DIREITO AO AMBIENTE E FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE A funo socioambiental da propriedade e a garantia de acesso terra frente necessidade de se garantir um ambiente sadio para as atuais e futuras geraes Caroline Vargas Barbosa Natlia Fernanda Gomes

    PRINCPIOS DE DIREITO AMBIENTAL E ESTADO CONSTITUCIONALISTA A incorporao do conceito de estado de direito ambiental na teoria do estado constitucionalista e o papel dos princpios de direito ambiental Caroline Ferri Karine Grassi

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    Apresentao

    A presente obra tem como finalidade coligir trabalhos que, embora diversificados em sua delimitao temtica, propem articulaes tericas ou aplicaes prticas em torno dos princpios do Direito Ambiental compreendidos tanto na sua funo normativa como na sua funo meramente argumentativa.

    A este respeito, Canotilho1 distingue: (i) princpios hermenuticos, que desempenham funo argumentativa, ao denotar (tal como o fazem os cnones de interpretao) a ratio legis de uma disposio, ou ao revelar normas implcitas nos enunciados normativos; e (ii) princpios propriamente jurdicos, espcies de normas que ao contrrio das regras, obedecem lgica do tudo ou nada so exigncias ou standarts de otimizao, suscetveis de coexistncia com outros princpios conflituais.

    Entende-se que os princpios de Direito Ambiental orientam a compreenso da disciplina jurdica e produzem locus de debates e confrontao de ideias. Justamente por isso, tm fundamental interesse no apenas quando eficazes no plano jurisprudencial ou quando efetivamente inspiradores da atividade legislativa e adminitrativa, mas tambm, em um sentido crtico, quando se trata de denunciar a fragilidade de seu contedo jurdico e de sua prtica.

    No primeiro captulo, Oliveira, Anunciao e Carraro tratam da indispensvel relao entre os direitos socioambientais operacionalizados atravs de polticas sociais e ambientais pblicas , e o alcance das necessidades humanas bsicas. Os direitos socioambientais, ali entendidos como componentes dos direitos de cidadania, so analisados luz da Constituio Federal e interpretados considerando determinado referencial terico sobre polticas pblicas e proteo social. Reconhece-se que, muito embora trate-se de temticas vastamente discutidas academicamente, dentro de suas respectivas abordagens e especificidades, a teorizao e as consequncias prticas desta articulao so incipientes da a grande riqueza e a atualidade da abordagem. No segundo captulo, Tybusch e Arajo discutem, a partir da perspectiva sistmico-complexa, a regulao ambiental sobre a utilizao da biodiversidade no contexto brasileiro e da Latino-America. Apresentando o patenteamento como forma de apropriao, o fenmeno da biopirataria e as interlocues entre conhecimento tradicional e conhecimento cientfico, os autores conferem especial enfoque ao contraste entre, por um lado, as inovaes biotecnolgicas e os imperativos de expanso econmica e, de outra parte, a sobrevivncia dos produtores tradicionais, a proteo da biodiversidade e das identidades coletivas. No terceiro captulo, Alves evidencia o papel fundamental da informao, na dupla funo de dever de informar e de direito de acesso, e discorre sobre a responsividade estatal no campo ambiental. O texto se debrua sobre trs objetivos principais: demonstrar, luz da Contituio, a necessidade de uma dinmica

    1 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituio. 4. ed. Coimbra: Almedina,

    2000. p. 1124-1126.

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    participativa Poder Pblico/coletividade e o dever do Estado de dar respostas a respeito das questes ambientais; propor a efetivao do direito/dever de informao atravs de mecanismos de governana pautados na participao, informao e transparncia; e defender a solidariedade e a cooperao como instrumentos de governana global no enfrentamento dos danos ambientais. No quarto captulo, Ferreira e Ferreira examinam, luz do princpio da informao, o teor do acrdo em que o Tribunal Regional Federal da 4 Regio reconhece como enganosa a propaganda veiculada pela Empresa Monsanto do Brasil Ltda., a qual relacionava o uso de sementes de soja transgnica, bem como o uso do respectivo herbicida, conservao do meio ambiente, ao aumento da produtividade e qualidade da lavoura. O acrdo apreciado pelos autores como importante precedente acerca do direito informao e efetivao do Estado Democrtico de Direito Ambiental.

    No quinto captulo, Silveira e Rodrigues problematizam a implementao de fontes renovveis em substituio matriz petrolfera, luz da noo controversa de desenvolvimento sustentvel. O texto ressalta que as decises a respeito da matriz energtica possuem dimenses tcnicas e ticas, de modo que qualquer projeto voltado sustentabilidade deve ser avaliado sob ambos os pontos de vista. As energias solar, elica e a gerao de energia pela Biomassa so tematizadas como solues possveis e parciais dos problemas da destinao do lixo e da oferta de energia, com complexas repercusses sociais e econmicas. No sexto captulo, Ferri, Correa e Grassi abordam o tema da incluso das comunidades nos processos de definio das polticas pblicas ambientais, com enfoque no conceito de identidade e luz dos desafios internacionais para o desenvolvimento socieconmico. Debate-se a necessidade de insero do tema da identidade e da superao de paradigmas no inclusivos na gesto ambiental, com vistas sustentabilidade ecolgica e ao desenvolvimento socioeconmico. No stimo captulo, Dutra intenta discutir o projeto educacional para a sustentabilidade pautada no paradigma ecolgico e a complexidade de Edgar Morin. A autora entende que as insustentabilidades no mbito tico, poltico, social, econmico e natural requerem uma ruptura com o que se pode chamar de arcabouo racionalizador, que ignora a complexidade do homem sapiens/demens. Prope ento a religao amorosa da humanidade pelo paradigma da complexidade como transio paradigmtica em direo sustentabilidade.

    No oitavo captulo, Aguiar aborda o regime internacional das mudanas climticas, iniciado com a Conveno Quadro das Naes Unidas (1992) e o Protocolo de Kyoto (1997), cuja finalidade a transio mundial para economia de baixo carbono, luz do princpio das responsabilidades comuns, porm diferenciadas. A autora entende que o princpio de soft law; porm, que o reconhecimento da necessidade de tratamento desigual entre as naes capaz de orientar as negociaes mundiais concretamente, a partir de acordo entre partes.

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    No nono captulo, Lino estuda a polmica temtica da regularizao fundiria no Nordeste do Estado de Mato Grosso, sob a tica da efetivao do princpio do desenvolvimento sustentvel, explicitando a poltica de ocupao, a realidade de conflitos pela terra e a expanso da monocultura naquela parte da Amaznia legal. No dcimo captulo, Barbosa e Gomes abordam a transmutao da noo de funo socioambiental da propriedade, sob a tica da evoluo histrica do acesso terra no Brasil, desde a colonizao portuguesa at os dias atuais, passando pela Lei de Terras em 1850 e pelo Estatuto da Terra de 1964. As autoras demonstram como a Constituio de 1988 contempla o princpio da funo social em sua plenitude (que abarca elementos econmicos, sociais, polticos e ambientais). O acesso terra torna-se, na nova ordem constitucional, meio de garantia de direitos difusos e coletivos, bem como do direito dignidade e do direito vida.

    Por fim, no dcimo primeiro captulo, Ferri e Grassi discutem a incorporao do conceito de Estado de Direito Ambiental Teoria do Estado constitucionalista, refletindo sobre o papel dos princpios de direito ambiental no contexto deste panorama terico. Uma vez que nas cartas de direitos do modelo dito constitucionalista os princpios gerais de direito aparecem como ordens a serem cumpridas, porm com textura aberta, dado seu carter multidisciplinar, valorativo e (re)definvel conforme o contexto, sobreleva-se o papel dos intrpretes, cuja importncia, bem como as formas e os limites de atuao devem ser criticamente teorizados.

    Aos leitores, deseja-se que este livro seja til como material de consulta e de reflexo acerca das temticas desenvolvidas pelos autores.

    Clvis Eduardo Malinverni da Silveira Professor pesquisador/adjunto no

    Mestrado em Direito da Universidade de caxias do Sul (UCS)

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    Direitos socioambientais e polticas pblicas: reflexes sobre as indispensveis relaes efetivao das necessidades humanas bsicas*

    Mara de Oliveira** Daniela Andrade da Anunciao***

    Gissele Carraro****

    Introduo

    preciso sujeitos, no caso pesquisadoras,

    que apreenda[m] elementos desta realidade, buscando significados, tendncias, limites e possibilidades no contexto das relaes sociais estabelecidas (de ordem conjuntural e estrutural), construindo um quadro de referncia baseado em conhecimentos tericos e prticos. Para ir alm da apreenso imediata dos fatos e dos fenmenos, desvendando a estrutura imanente do objeto em estudo, preciso compreender que o conhecimento das estruturas, seus significados e tendncias, no so colocados [...] imediatamente conscincia: sua apreenso resultado de uma reflexo crtica obstinada sobre as relaes que constituem o objeto e as suas circunstncias.1

    O marco de referncia apresentado est baseado em conhecimentos tericos, e sua defesa significa aspecto central s prticas sociais que visem, a partir de aproximaes sucessivas, compreenso da realidade social, e conduo de processos emancipatrios e transformadores dessa realidade.

    Com certeza, nas reflexes explicitadas, no se dar conta de vrias problematizaes obrigatrias ao melhor entendimento do defendido, mas espera-se introduzir debates, estudos e pesquisas.

    * Importante mencionar, que essa sistematizao partiu de contedo de outro artigo publicado pelas autoras h dois

    anos, porm com reviso e avanos significativos de alguns conceitos e explicaes, inclusive de redefinio do tema central, a partir do que constitui outro trabalho. Artigo publicado anteriormente: OLIVEIRA, Mara; ANUNCIAO, Daniela Andrade da; CARRARO, Gissele. Meio ambiente: direito de segunda e terceira dimenso? In: CONGRESSO INTERNACIONAL FLORENSE DE DIREITO E AMBIENTE, 1., 2011, Caxias do Sul. Anais... Caxias do Sul: Plenum, 2011. v. 1. **

    Graduada em Servio Social pela Universidade de Caxias do Sul (1979). Doutora em Servio Social pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (2005). Docente na Universidade de Caxias do Sul no, curso de Servio Social e Programa de Mestrado em Direito. Coordenadora do Ncleo de Estudos e Pesquisas em Polticas Pblicas e Sociais (NEPPPS-UCS). Principais temas de estudo: organizao e gesto das polticas sociais pblicas; poltica social pblica de assistncia social; intersetorialidade e polticas sociais pblicas; controle social; polticas pblicas e meio ambiente. ***

    Graduada em Servio Social pela Universidade de Caxias do Sul UCS (2011). Mestranda no Programa de Ps-Graduao em Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bolsista CNPq. Participante do Ncleo de Estudos em Polticas e Economia Social (Nepes) na PUC/RS. Colaboradora no Ncleo de Estudos e Pesquisas em Polticas Pblicas e Sociais (NEPPPS-UCS). Principais temas de estudo: poltica social pblica de assistncia social; proteo social; polticas sociais pblicas e intersetorialidade. ****

    Graduada em Servio Social pela Universidade de Caxias do Sul UCS (2008). Mestre em Servio Social pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS (2011). Doutoranda no Programa de Ps-Graduao em Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Colaboradora no Ncleo de Estudos e Pesquisas em Polticas Pblicas e Sociais (NEPPPS-UCS)). Principais temas de estudo: metodologia de trabalho com famlias, servio social, planejamento e avaliao de polticas sociais pblicas, poltica social pblica de assistncia social. 1 BAPTISTA, Myriam Veras. Planejamento social: intencionalidade e instrumentao. So Paulo: Veras, 2002. p. 69.

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    Entre os balizamentos tericos utilizados, encontra-se o das Necessidades Humanas Bsicas (NHB),2 que, diferentemente de outras posies, so consideradas,

    objetivas e universais,3 na compreenso de que existem necessidades essenciais a qualquer ser humano, no variveis, porque comuns a todos, independentes de cultura, costumes, desejos e gostos. A premissa da invariabilidade dessas necessidades baseia-se na convico de que, para haver o desenvolvimento de uma vida humana digna, preciso que determinadas necessidades essenciais, independentes de opes individuais,4 sejam viabilizadas. As NHB so tambm universais, uma vez que sua no-satisfao, em qualquer regio e cultura do planeta, representa srios prejuzos vida dos sujeitos.5

    As NHB so constitudas a partir de dois conjuntos: sade fsica e autonomia.6

    Sade fsica [leia-se sobrevivncia fsica]7 [...] porque, sem a proviso devida para satisfaz-la, os homens estaro impedidos inclusive de viver. [...] necessidade natural que afeta a todos os seres vivos e que, em princpio, no diferencia os homens dos animais (PEREIRA, 2000, p. 69, grifo do autor), a no ser porque, para os homens, a satisfao de uma necessidade se relaciona proviso, a partir de um teor humano-social. Os seres humanos so algo a mais do que a dimenso biolgica, o que coloca em destaque sua intencionalidade, elemento constituinte e inerente da sua natureza e existncia. Isso justifica a prescrio do outro elemento do conjunto: a autonomia. A autonomia tem como finalidade ltima [...] a defesa da democracia como recurso capaz de livrar os indivduos no s da opresso sobre as suas liberdades (de escolha e de ao), mas tambm da misria e do desamparo. (PEREIRA, 2000, p. 70).8

    A satisfao das NHB demanda o acompanhamento de necessidades intermedirias (NI):9

    1. alimentao nutritiva e gua potvel; 2. habitao adequada; 3. ambiente de trabalho desprovido de riscos; 4. ambiente fsico saudvel; 5. cuidados de sade apropriados, ateno primria e tratamento teraputico; 6. proteo infncia; 7. relaes primrias significativas; 8. segurana fsica; 9. segurana

    2 Utilizam-se necessidades humanas bsicas como sinnimo de necessidades sociais.

    3 A objetividade e a universalidade, nessa concepo, nega o vnculo de necessidades bsicas a estados subjetivos e

    relativos de carncia, a preferncias individuais por determinados bens ou servios, ao desejo psquico de algum que se sente carente de algo, compulso por algum objeto de consumo, etc. Necessidade tambm no [...] motivao, expectativa ou esperana de obter algo de que se julga merecedor por direito ou promessa. (OLIVEIRA, Mara. Avanos e retrocessos das reformas estruturais s cpulas das Amricas: uma leitura na perspectiva do Servio Social. 2005. Tese (Doutorado) Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005 p. 166). 4 Ressalta-se que, no capitalismo, o reconhecimento de necessidades sociais no expressa, obrigatoriamente, o

    valimento das mesmas como objetivas e universais. Ao contrrio, comum, principalmente na contemporaneidade, ligarem-se necessidades sociais a desejos e vontades individuais, inclusive de ordem subjetiva. (OLIVEIRA, op. cit.). 5 OLIVEIRA, op. cit., p. 165-166.

    6 As NHB [...] devem ser concomitantemente satisfeitas para que todos os seres humanos possam se constituir como

    tais (diferentes dos animais) e realizar qualquer outro objetivo ou desejo socialmente valorado. [...] Essas necessidades no so um fim em si mesmo, mas precondies para se alcanarem objetivos universais de participao social. (PEREIRA, Potyara A. P. Necessidades humanas: subsdios crtica dos mnimos sociais. So Paulo: Cortez, 2000. p. 68). 7 A sobrevivncia fsica a mais bvia das necessidades, constituindo a precondio essencial da existncia animal,

    pois se trata do direito vida. (PEREIRA, Potyara A. P. Polticas Pblicas e Necessidades Humanas com Enfoque no Gnero. Sociedade em Debate (UCPel), v. 12, 2006, p. 74). 8 OLIVEIRA, op. cit., p. 167.

    9 Em acordo a Doyal e Gough apud PEREIRA, op. cit., 2000, p. 44.

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    econmica; 10. educao apropriada; 11. segurana no planejamento familiar, na gesto e no parto.

    Compem ainda as necessidades humanas bsicas os intitulados satisfadores especficos, que fazem parte de imperativos que afetam condies, modo de vida e subjetividade de grupos particulares (mulheres, idosos, pessoas portadoras de deficincias [atualmente denominadas pessoa com deficincia],10 estratos sociais submetidos opresso racial, sexual, de origem social, intolerncia ou interferncia excessiva de Estados repressivos, etc.) e pequenas comunidades.11

    Compreende-se que essas necessidades intermedirias, quando reconhecidas pela Constituio dos pases, contemplam os direitos sociais e os ambientais operacionalizados atravs de polticas sociais e ambientais pblicas.

    Parte-se da premissa, mesmo que provisria,12 de que os direitos ambientais, apesar de classificados como novos direitos, possuem particularidades que os diferenciam dos direitos sociais e, ao mesmo tempo, possuem aspectos eminentemente sociais. Nesse sentido, a relao inerente entre direitos ambientais e direitos sociais, nessa sistematizao, tido como direitos socioambientais, que so interpretados e explicados luz de determinado referencial terico sobre polticas sociais pblicas e proteo social.

    As polticas sociais e ambientais pblicas, grosso modo, nesse referencial so entendidas como polticas em ao, porque operacionalizadoras de direitos socioassistenciais, logo polticas setoriais que devem atender certos direitos e que compem um sistema de proteo social.

    Dessa forma, se a proteo social deve ser garantida atravs de um sistema programtico de segurana contra riscos, circunstncias, perdas e danos sociais cujas ocorrncias afetam negativamente as condies de vida dos cidados,13 no h dvida sobre o fato de meio ambiente ser avaliado conjuntamente com os direitos sociais, compondo assim os direitos socioambientais a serem operacionalizados por polticas sociais e ambientais pblicas no atendimento a necessidades humanas bsicas.

    Este artigo est dividido em trs partes, alm desta introduo e das consideraes finais. Na primeira parte, intitulada Direitos sociais e ambientais: articulao indispensvel na efetivao das necessidades humanas bsicas, de forma geral, localizam-se os direitos sociais e ambientais, como componentes dos direitos de cidadania, explicando os alicerces dos direitos fundamentais, bem como alguns dos desafios a sua operacionalizao. No subitem direitos sociais e ambientais: uma

    10 A nomenclatura Pessoa com Deficincia (PCD) substituiu Pessoa Portadora de Deficincia (PPD), a partir de

    agosto de 2009, atravs do Decreto legislativo 6.949, que aprovou a Conveno sobre os direitos das Pessoas com Deficincia, atravs do entendimento de que a condio de deficincia faz parte da prpria pessoa, que, assim, no tem como portar algo que j a integra. (BRASIL, Loas anotada: Lei Orgnica de Assistncia Social anotada. Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate fome. 2. ed. 2010. nota 4, p. 7. Alterao entre colchetes nossa). 11

    OLIVEIRA, op. cit., p. 169. Alterao entre colchetes nossa. 12

    Provisria, pois, com certeza, tal premissa demanda maiores reflexes resultantes de estudos e pesquisas para explicaes mais aprofundadas. 13

    PEREIRA, 2000, op. cit., p. 16.

  • 13

    interpretao Constituio Federal brasileira, como o prprio nome diz, desenvolve-se a leitura, interpretao e explicao, possibilitada atravs de anlise documental, a respeito das polticas sociais e dos direitos sociais e ambientais dispostos na Constituio Federal de 1988, possibilitando estabelecer relaes entre NI e direitos socioambientais, apontando para a necessria articulao no sentido de efetivao das NHB.

    Na segunda parte, Polticas sociais e ambientais pblicas no Brasil, desenvolve-se uma breve reviso bibliogrfica articulando as temticas: proteo social, poltica pblica, poltica social e ambiental e direito social e ambiental, na inteno de melhor explicao das premissas defendidas nessa sistematizao.

    1 Direitos sociais e ambientais: articulao indispensvel na efetivao das necessidades humanas bsicas

    Os direitos sociais e ambientais compem os direitos, de cidadania14 que, para esta sistematizao, englobam os direitos civis,15 polticos,16 sociais e os novos direitos formando aqueles direitos classificados como fundamentais.17 Essa categorizao no tem a inteno de torn-los divisveis, ao contrrio. Sendo parte inerente dos direitos humanos, so indivisveis e interdependentes, porque universais.

    Os alicerces dos direitos civis esto na liberdade individual, tendo como essncia o direito

    vida, liberdade, propriedade, igualdade perante a lei. Eles se desdobram na garantia de ir e vir, de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e da correspondncia, de no ser preso a no ser pela autoridade competente e de acordo com as leis, de no ser condenado sem processo regular. So eles que

    14 Direitos de cidadania uma categoria terica aqui utilizada como forma de agrupamento de informaes

    semelhantes. Assim sendo, so conceitos classificatrios. [...]. O cientista [...] cria sistemas de categorias buscando encontrar unidade na diversidade e produzir explicaes e generalizaes. [...] as categorias so consideradas rubricas ou classes que renem um grupo de elementos sob um ttulo genrico, agrupamento esse, efetuado em razo dos caracteres comuns desses elementos [...]. (MINAYO, Maria Ceclia de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em sade. 11. ed. So Paulo: Hucitec, 2008). Neste sentido, apesar do desdobramento de que os direitos de cidadania agrupam os civis, os polticos, os sociais e os novos direitos, sendo as trs primeiras distines efetuadas por T. A. Marshall (1967), no se adota a premissa de direitos sequenciais/cronolgicos (gerao de direitos recomendada por Marshall). At por que h estudos, de grande relevncia, demonstrando que no Brasil (entre outros pases) isso no ocorreu: [...] houve no Brasil, pelo menos duas diferenas importantes: A primeira refere-se maior nfase em um dos direitos, o social, em relao aos outros. A segunda refere-se alterao na seqncia em que os direitos foram adquiridos: o social precedeu os outros. (CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002. p. 11-12). Neste sentido, ainda em apropriao s anlises de Carvalho: Seria tolo achar que s h um caminho para a cidadania. A histria mostra que no assim. Mas razovel supor que caminhos diferentes afetam o produto final, afetam o tipo de cidado, e, portanto, de democracia que se gera. (p. 220-221). Para aprofundamento dessa temtica ver, entre outros, autores citados nas Referncias: Enzo Bello e Jos Murilo de Carvalho. 15

    De maneira especificada, os direitos civis encontram-se explicitados na Constituio Federal brasileira de 1988, no art. 5. 16

    De maneira esmiuada, os direitos polticos encontram-se citados na Constituio Federal brasileira de 1988, nos arts. 10; 14; 15; 16; 37 (pargrafo 3); 194 (inciso VII); 198 (inciso III); 203 (inciso II); 216 A (inciso X); 230. No Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, ver arts.: 79 (pargrafo nico) e 82. 17

    Em concordncia com Jos Joaquim Gomes Canotilho, os direitos fundamentais so identificados como aqueles vigentes, diante de uma determinada ordem jurdica, no caso a Constituio Federal de 1988. (CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. So Paulo: LTr, 2008).

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    garantem as relaes civilizadas entre as pessoas e a prpria existncia da sociedade civil surgida com o desenvolvimento do capitalismo.18

    Os direitos civis no Brasil, analisando os perodos de ditadura, foram sistematicamente violados. Contrariamente aos batizados pases modernos centrais, os direitos civis no precederam os demais direitos de cidadania. A histria brasileira dos direitos de cidadania tem maior nfase em um dos direitos, o social, em relao aos outros. [...] entre ns o social precedeu os outros.19 Alm disso, apesar de a Constituio Federal de 1988, h vinte e cinco anos, ter inovado, introduzindo vrios dispositivos afianadores, por exemplo: a) contrrios as todas as formas de preconceitos: de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao (art. 3. Objetivos Fundamentais); a prtica do racismo constitui crime inafianvel e imprescritvel, sujeito pena de recluso, nos termos da lei (art. 5, inciso XLII); b) a direitos iguais homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes (art. 5, inciso I), de fato, falta populao brasileira a efetivao desses direitos, sobretudo no que se refere segurana individual, integridade fsica, ao acesso justia.20 Alia-se a isso o fato de que, de acordo com os indicadores sociais disponveis, as mulheres negras so maioria entre a populao em situao de extrema pobreza. Os direitos civis no tiveram

    tradio [nos] pases latino-americanos. Aps o perodo de transio democrtica e de superao dos regimes ditatoriais durante a dcada de 80 (sc. recm-findo, tais direitos foram novamente reconhecidos nos diversos textos constitucionais e internacionais, com destaque para as novas variaes do tradicional direito de propriedade agora abarcando a titularidade de bens imateriais como marcas e patentes. Todavia o que se verifica em matria de direitos civis um retrocesso ilustrado por alguns fatores: agigantamento da abrangncia de condutas sociais pelo Direito Penal, restrio de garantias clssicas de liberdade, aumento das taxas de encarceramento e crescimento dos ndices de violncia.21

    Os direitos polticos referem-se a diferentes formas de participao da sociedade nas decises polticas, inclusive do governo. Seu exerccio pode se dar em demonstraes pblicas (mobilizaes populares), em atividades em organizaes sociais (sindicatos, associaes, partidos polticos), no ato de votar e ser votado, independentemente de riqueza e status pessoal. Logo, menciona atos do cidado no controle das aes do Estado, incorporando a sua insero em Conselhos de Direitos e de Polticas Pblicas (controle social).

    A operacionalizao dos direitos polticos exige a existncia de direitos civis.

    18 CARVALHO, op. cit., p. 9.

    19 CARVALHO, op. cit., p. 11-12.

    20 CARVALHO, op., cit. p. 211.

    21 BELLO, Enzo. A cidadania no constitucionalismos latino americano. Caxias do Sul: Educs, 2012. p. 67.

    Alterao entre colchetes nossa.

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    Sem os direitos civis, sobretudo a liberdade de opinio e organizao, os direitos polticos [...] podem existir formalmente mas ficam esvaziados de contedo e servem antes para justificar governos do que para representar cidados. [...] So eles que conferem legitimidade organizao poltica da sociedade. Sua essncia a idia de autogoverno.22

    Uma certeza:

    Em relao aos direitos polticos, constata-se uma importante manifestao do fenmeno da confluncia perversa. A ampla constitucionalizao do sufrgio universal convive com uma apatia poltica generalizada e uma crise da democracia representativa, temperadas com fortes doses de desigualdades socioeconmicas e pobreza.23

    Um desafio: a organizao e gesto das polticas sociais e ambientais no Brasil, ps- Constituio de 1988, indica como aspecto importante a participao da sociedade civil na organizao e no controle social do Estado direito poltico, por excelncia. A premissa era que

    a participao provocaria um tensionamento nas agncias estatais, tornando-as mais transparentes, mais responsveis, mais suscetveis ao controle da sociedade. A sociedade poderia exercer um papel mais efetivo de fiscalizao e controle estando mais prxima do Estado, assim como poderia imprimir uma lgica mais democrtica na definio da prioridade na alocao de recursos pblicos. Esses mecanismos de participao obrigariam o Estado a negociar suas propostas com outros grupos sociais. [...] Esperava-se, ainda, que a participao tivesse um efeito direto sobre os prprios atores que participavam, atuando, assim, como um fator educacional na promoo da cidadania.24

    Esse continua sendo um desafio, conforme demonstram vrias pesquisas, teses de doutorado e dissertaes de mestrado.

    Quanto aos direitos sociais, estes so entendidos como um modo de se apropriar da herana (certa herana) da modernidade e de assumir a promessa de igualdade e justia com que acenaram.25 importante distinguir que esses direitos, inscritos em lei [...] em algum momento na histria dos pases, fizeram parte dos debates e embates que mobilizaram homens e mulheres por parmetros mais igualitrios no reordenamento do mundo.26 Sendo assim, baseiam-se nas premissas de [...] igualdade, uma vez que decorrem do reconhecimento das desigualdades sociais.27

    Os denominados novos direitos abarcam diferentes posies polticas, ideolgicas e metodolgicas.28 Entre estas, citam-se autores que: a) batizam tais direitos, de terceira

    22 CARVALHO, op. cit., p. 9.

    23 BELLO, op. cit., p. 67.

    24 TATAGIBA, Luciana. Os Conselhos Gestores e a democratizao das polticas pblicas no Brasil. In: DAGNINO,

    Evelina (Org.). Sociedade civil e espaos pblicos no Brasil. So Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 47-48. 25

    TELLES, Vera da Silva. Direitos sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2006. p. 175. 26

    Ibid., p. 173. 27

    COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistncia social na sociedade brasileira: uma equao possvel? So Paulo: Cortez, 2004. p. 48. 28

    Apesar do interesse das autoras pelo estudo acerca dos novos direitos (principalmente por incluir diferentes e divergentes concepes tericas e de classificao), esse no faz parte dos objetivos das reflexes dispostas neste texto. Assim, o elenco de nomeaes trazidas tem o intuito de demonstrar, de forma muito sinttica, que a utilizao

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    dimenso que no envolvem grupos determinados de cidados, mas toda a humanidade, englobando geraes futuras. Como exemplos esto os direitos: ao desenvolvimento da paz; autodeterminao dos povos; ao meio ambiente ecologicamente equilibrado;29 comunicao; ao desenvolvimento; b) interpretam que os novos direitos abrangeriam

    pacote de direitos completamente diferente, para incluir o direito s oportunidades de vida, associao poltica e boa governana, para controle sobre a produo pelos produtores diretos, inviolabilidade e integridade do corpo humano, a se engajar em crtica sem medo de retaliao, a um meio ambiente decente e saudvel, ao controle coletivo da propriedade coletiva dos recursos naturais, produo do espao, diferena, tal como direitos humanos nossa condio de seres humanos. Para propor direitos diferenciais em relao queles tidos como sacrosantos pelo neoliberalismo impe, contudo, a obrigao de especificar um processo social alternativo dentro do qual tais direitos alternativos possam integrar.30

    c) que atrelam os novos direitos ao conceito de uma cidadania ampliada que

    trabalha com uma redefinio da idia de direitos, cujo ponto de partida a concepo de um direito a ter direitos. Essa concepo no se limita a provises legais, ao acesso a direitos definidos previamente ou efetiva implementao de direitos formais abstratos. Ela inclui a inveno/criao de novos direitos, que surgem de lutas especficas e de suas prticas concretas. Nesse sentido, a prpria determinao do significado de direito e a afirmao de algum valor ou ideal como um direito so, em si mesmas, objetos de luta poltica. O direito autonomia sobre o prprio corpo, o direito proteo do meio ambiente, o direito moradia, so exemplos (intencionalmente muito diferentes) dessa criao de direitos novos. Alm disso, essa redefinio inclui no somente o direito igualdade, como tambm o direito diferena, que especifica, aprofunda e amplia o direito igualdade.31

    d) analisam os novos direitos adotados por pases da Amrica Latina atravs de

    desta expresso: novos direitos, no tem consenso. A partir disso, mencionam-se determinadas posies, salientando que h, entre algumas, certa proximidade. 29

    O meio ambiente sendo direito de terceira dimenso, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF): No julgamento do MS n 22.164, o Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, em 30.11.1995, afirmou: O direito integridade do meio ambiente tpico direito de terceira dimenso constitui prerrogativa jurdica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmao dos direitos humanos, a expresso significativa de um poder atribudo, no ao indivduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, prpria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira dimenso (direitos civis) realam o princpio da liberdade, e os direitos de segunda dimenso (direitos econmicos, sociais e culturais) que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas acentuam o princpio da igualdade, os direitos de terceira dimenso, que materializam poderes de titularidade coletiva atribudos genericamente a todas as formaes sociais, consagram o princpio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expanso e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurana n 22164 / SP. Relator: Min. Celso de Melo. Julg.: 30/10/1995. rgo Julgador: TRIBUNAL PLENO. Publicao DJ 17-11-1995 PP-39206. Ement. Vol.-01809-05 PP-01155. Disponvel em: . Acesso em: 2 mar. 2010. 30

    HARVEY, 2005, apud BELO, Enzo. Poltica, cidadania e direitos sociais: um contraponto entre os modelos clssicos e a trajetria da Amrica Latina. 2007. Dissertao (Mestrado em Direito) Departamento de Direito da PUC-Rio, Rio de Janeiro, maio de 2007. p. 92. 31

    DAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participao e cidadania: de que estamos falando? In: MATO, Daniel (Coord.). Polticas de ciudadana y sociedad civil en tiempos de globalizacin. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, p. 104.

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    sistemas de direito representados pelo pluralismo jurdico, consagrando direitos especficos para determinadas etnias e permitindo, inclusive, a criao e o reconhecimento de instncias e instituies prprias desses segmentos, como a Justia indgena. [...] observa-se a formao de dois grupos: o primeiro contm direitos concebidos a partir do aprimoramento ou da adequao de noes como liberdade e solidariedade, originrias do constitucionalismo europeu: o direito autonomia tnica e o direito diversidade cultural; o segundo composto de direitos reconhecidos a partir da cultura dos pases latino-americanos e expressam elementos da suas tradies histricas e culturais: o direito geral ao bem-viver (suma qamaa na Bolvia, e sumak kawsay, no Equador), que envolve interesses ligados aos recursos naturais e energticos, e os direitos da natureza considerada como sujeito de direito no Equador.32

    Como se pode perceber, diante das posies listadas, h em comum, na categorizao novos direitos ao que interessa s ponderaes deste artigo , aqueles direitos que tratam da natureza, do meio ambiente, os direitos ambientais.

    1.1 Direitos sociais e ambientais: uma interpretao Constituio Federal brasileira

    Tendo como orientao as premissas de que: (a) os direitos sociais e ambientais na sociedade contempornea se encontram em uma situao de brutal defasagem entre os princpios igualitrios da lei e a realidade das desigualdades e das excluses;33 (b) mais do que nunca, preciso defender aqueles direitos que podem afianar a participao do indivduo na vida em sociedade os direitos sociais e os ambientais.

    Aqui cabe uma digresso. No caso brasileiro, tem-se a opinio diferentemente de alguns autores de que a definio de quais so os direitos sociais encontra-se exposta, na Constituio Federal (CF) de 1988 em vrios Ttulos e Captulos e pode ser analisada em dois sentidos: genrico e especfico.

    A compreenso de que os direitos sociais formulados e executados como prestaes positivas proclamadas em normas constitucionais abrangem uma gama maior do que aqueles consignados nos seis artigos que compem o Captulo II da CF (1988) sustenta-se em trs assertivas:

    i) na definio abrangente desses direitos, avaliados como direitos do cidado, dever do Estado, consequentemente, de funo governamental; ligados a um determinado contexto histrico, devem intervir nos desequilbrios que constituem as mltiplas expresses da questo social, porquanto possibilitam que aspectos primordiais vida em sociedade sejam supridos;

    ii) nas disposies estabelecidas na CF (1988) particularmente no art. 1 e 5. No art. 1 chama-se a ateno para dois dos fundamentos l declarados: a cidadania (inciso II) e a dignidade da pessoa humana (inciso III). Quanto ao art. 5, chama-se a ateno para a sua prpria exposio: Art. 5. Todos so iguais

    32 BELLO, op. cit., 2012, p. 121. Para aprofundamento, ver tambm: ACOSTA, Alberto; MARTNEZ, Esperanza

    (Comp.). La naturaleza con derechos: de la filosofa a la poltica. Quito: ABYA-YALA, 2011. 33

    TELLES, op.cit., p. 174.

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    perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes (grifo nosso). Igualmente, em relao ao art. 5, enfatizam-se dois pargrafos l estabelecidos. O primeiro indicativo de que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata34 e, o segundo, por estabelecer, em outras palavras, que os direitos fundamentais e seu afianamento encontram-se expressos na Constituio no excluindo outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte;35

    iii) sendo direitos inerentes aos direitos de cidadania direitos fundamentais so essenciais dignidade da pessoa humana. Somente eles, articuladamente aos demais direitos, podem afianar o direito vida, igualdade de condies e de oportunidade, segurana. So, por isso, direitos de todos, consequentemente, dever do Estado.

    Um dos sentidos genricos aparece claramente delimitado no art. 6, indicando os direitos sociais universais, por conseguinte, de todo o cidado brasileiro.

    So direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio [assistncia social].36 (Redao dada pela Emenda Constitucional n. 64 de 2010).37

    Alguns dos direitos especficos encontram-se assinalados nos arts. 7, 8, 9 10 e 1138 indicativos daqueles sujeitos que esto inseridos no mercado de trabalho, destarte, no qualificados como universais.39

    Contudo, depreende-se que o art. 7 preconizado como direito social, devido apenas ao trabalhador assalariado,40 indica trs direitos no assinalados no art. 6, sob os quais interessa uma inferncia: vesturio, higiene, transporte. Concebe-se que vesturio e higiene, apesar de configurarem parte intrnseca da vida humana, no podem

    34 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil 1988. Braslia, DF, art. 5, 1.

    35 Ibid., art. 5, 2.

    36 A assistncia social encontra-se disposta como tal no Ttulo VIII, Da Ordem Social, arts. 203 e 204. A designao

    proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, aparece no art. 203 como objetivos. 37

    A Emenda Constitucional n. 64 de 2010 incluiu a alimentao como direito social. 38

    Lembra-se que conforme a CF (1988), o Captulo II (Ttulo II) Dos Direitos Sociais, congrega os arts. 6, 7, 8, 9, 10 e 11. Alterao entre colchetes nossa. 39

    Com certeza, o fato de no serem universais, direitos de todo o cidado brasileiro, mas direito apenas do trabalhador assalariado ou em situao de trabalho, mesmo que autnomo, configura uma necessria pesquisa, no objeto deste artigo. 40

    So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: [...] IV salrio mnimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais bsicas e s de sua famlia com moradia, alimentao, educao, sade, lazer, vesturio, higiene, transporte e previdncia social, com reajustes peridicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculao para qualquer fim (grifo nosso). (BRASIL, 1988, op. cit., art. 7).

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    ser identificados como direitos sociais, mas, como ao assistencial conectada operacionalizao (atravs de polticas sociais pblicas) de vrios direitos sociais. Por exemplo, o educando tem direito a uniforme escolar, diante de sua condio de estudante que deve ser suprida, caso seja primordial, pela poltica pblica de educao. O mesmo pode ser referido quanto a produtos de higiene. Os vrios servios, programas e projetos executados pelas diferentes polticas sociais pblicas, tais como assistncia social, educao, sade, trabalho, devem ser realizados diante de condies bsicas de higiene, sendo para isso afianados os equipamentos e materiais indispensveis.

    Todavia, o transporte, sem dvida, deveria ser um direito social de sentido genrico (universal).41

    A defesa quanto a esse ser um direito social de todos os cidados brasileiros, deve-se ao fato de ser indispensvel, pois tem consonncia direta com exigncias vinculadas mobilidade urbana, que se apresenta, no Brasil, como um dos principais problemas urbanos.42

    O deslocamento via transporte coletivo para o trabalho, servios de diferentes polticas pblicas, etc., na contemporaneidade alm de imprescindvel vida cotidiana gera, quando no eficiente, gil, seguro, confortvel, em quantidade suficiente, enfim, no qualificado, impactos insatisfatrios: congestionamentos, acidentes, poluio e lentido, o que resulta em menor tempo de descanso, lazer e disponibilidade para atividades pessoais, alm de estresse.

    Do mesmo modo, o alto preo das passagens incompatvel com as condies financeiras de um nmero significativo de usurios e, perverso, para a populao empobrecida, que no possui transporte particular, o que resulta, em vrias ocasies, imobilidade. Por conseguinte, o transporte servio que pode acessar ou impedir o exerccio do direito individual de ir e vir e o acesso aos demais direitos sociais.43 Outrossim, no por acaso que o transporte coletivo competncia do Executivo nacional44 e municipal,45 sendo preconizado como tendo carter essencial.

    41 No dia 3 de julho de 2013, foi criada, junta Cmara de Deputados, comisso especial responsvel por analisar a

    Proposta de Emenda Constituio (PEC 90/11), que adiciona o transporte entre os direitos sociais. A admissibilidade do texto foi aprovada no dia 25 de junho de 2013 pela Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania (CCJ). 42

    Exemplo dos problemas de transporte, no Brasil, vem sendo explicitados pelas mobilizaes populares ocorridas no ms de junho de 2013, em vrias cidades brasileiras, com protesto e reivindicaes acerca do transporte coletivo. 43

    No por acaso, os subsdios a transporte no caso das empresas; do transporte escolar no caso dos estudantes; da luta, efetivada por usurios e conselhos de sade, para que os municpios instituam em seus oramentos verbas para o pagamento de transporte aqueles que precisam se deslocar no acesso a servios de sade; as vrias leis municipais e/ou estaduais abonadoras de transporte a pessoas com deficincia e idosos. 44

    O art. 21 da CF (1988) indica que Unio compete: XII explorar, diretamente ou mediante autorizao, concesso ou permisso: [...]; c) a navegao area, aeroespacial e a infra-estrutura aeroporturia; d) os servios de transporte ferrovirio e aquavirio entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Territrio; e) os servios de transporte rodovirio interestadual e internacional de passageiros; f) os portos martimos, fluviais e lacustres. [...]. XX instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitao, saneamento bsico e transportes urbanos. 45

    O art. 30 da CF (1988) indica que aos municpios compete: V organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concesso ou permisso, os servios pblicos de interesse local, includo o de transporte coletivo, que tem carter essencial (grifo nosso).

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    Referendando o carter universal de alguns direitos sociais, lembram-se as competncias comuns Unio, aos estados, ao Distrito Federal e aos municpios (art. 23 da CF, 1988):

    II cuidar da sade e assistncia pblica, da proteo e garantia das pessoas portadoras de deficincia; [...] V proporcionar os meios de acesso cultura, educao e cincia; VI proteger o meio ambiente e combater a poluio em qualquer de suas formas; VII preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII fomentar a produo agropecuria e organizar o abastecimento alimentar; IX promover programas de construo de moradias e a melhoria das condies habitacionais e de saneamento bsico; X combater as causas da pobreza e os fatores de marginalizao, promovendo a integrao social dos setores desfavorecidos; [...] XII estabelecer e implantar poltica de educao para a segurana do trnsito.

    Em resumo: a descrio dos incisos acima expostos (art. 23) refora alguns dos direitos sociais em sentido genrico (universais), descritos no art. 6: sade, educao, abastecimento alimentar (identificado como o direito alimentao), assistncia social (atravs, entre outros, do combate s causas da pobreza e dos fatores de marginalizao, promovendo a integrao social dos setores desfavorecidos); da habitao (indicada atravs da promoo de programas de construo de moradias e melhoria das condies habitacionais). No obstante, designa outro direito fundamental, aqui intitulado ambiental proteger o meio ambiente e combater a poluio em qualquer de suas formas; VII preservar as florestas, a fauna e a flora, aspecto que ser posteriormente analisado. Outro reforo efetivao de direitos sociais, na CF (1988), apresentado no Ttulo VIII, Da Ordem Social, art. 193: A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justia sociais:46 trabalho, direito social, bem-estar e justia social finalidades a serem aplicadas na concretizao desses direitos. Nesse mesmo Ttulo, encontram-se caracterizados vrios dos direitos sociais indicados no art. 6 e outros tantos no.47 Elucida-se: no caso do Captulo II, atravs do art. 194, so institudos os direitos sade, previdncia e assistncia social, integrantes da seguridade social. Tais direitos vo receber ateno particular nos arts.: 196-197-198-199-200 (sade); 201-202 (previdncia social); 203-204 (assistncia social), apontando, de forma geral, os deveres do Estado e a organizao das polticas sociais operacionalizadoras desses direitos. O Captulo III, da Educao, da Cultura e do Desporto nomeia: nos arts. 205-206-207-208-209-210-211-212-213-214 o que caracteriza o direito Educao; nos arts. 215, 216 e 216-A o que pode ser definido como o direito cultura; no art. 217 o dever do

    46 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF, 1988.

    47 No se encontram referidos no Ttulo VIII, Da Ordem Social, nem, designadamente em nenhum outro artigo da

    Constituio Federal, os direitos sociais indicados no art. 6 alimentao e lazer. No consta, tambm, no Ttulo VIII, a segurana pblica. Ponderando que o direito segurana refira-se segurana pblica, essa merece uma anlise especial. Consta no art. 6 da CF (1988) como direito social, o que poderia indicar, conforme a educao, a sade, a previdncia e a assistncia social, melhor caracterizao, deveres do Estado e organizao, constantes no Ttulo VIII, Da Ordem Social. Todavia, sobre a segurana pblica, os deveres do Estado e os direitos do cidado encontram-se estabelecidos no Ttulo V, Da Defesa do Estado e das Instituies Democrticas, Captulo III.

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    Estado em relao ao desporto. No que concerne educao e cultura, a exemplo do indicado no Captulo II, assinala, de forma geral, os deveres do Estado e a organizao das polticas sociais operacionalizadoras desses direitos. Constata-se que a educao direito social preconizado no art. 6; no entanto, a cultura e o desporto no. Quanto cultura, no parece haver dvida de a mesma constituir-se como direito social a ser efetivada atravs de uma poltica social pblica. Os arts. 215 e 216 oferecem os elementos que indicam o carter coletivo desse direito, uma vez que avalizador da herana histrica de uma sociedade/comunidade:

    Art. 215. O Estado garantir a todos o pleno exerccio dos direitos culturais e acesso s fontes da cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorizao e a difuso das manifestaes culturais. 1 O Estado proteger as manifestaes das culturas populares, indgenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatrio nacional. 2 A lei dispor sobre a fixao de datas comemorativas de alta significao para os diferentes segmentos tnicos nacionais. 3 A lei estabelecer o Plano Nacional de Cultura, de durao plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do Pas e integrao das aes do poder pblico que conduzem : (Includo pela Emenda Constitucional n 48, de 2005). I defesa e valorizao do patrimnio cultural brasileiro; (Includo pela Emenda Constitucional n 48, de 2005). II produo, promoo e difuso de bens culturais; (Includo pela Emenda Constitucional n 48, de 2005). III formao de pessoal qualificado para a gesto da cultura em suas mltiplas dimenses; (Includo pela Emenda Constitucional n 48, de 2005). IV democratizao do acesso aos bens de cultura; (Includo pela Emenda Constitucional n 48, de 2005). V valorizao da diversidade tnica e regional. (Includo pela Emenda Constitucional n 48, de 2005).

    Art. 216. Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I as formas de expresso; II os modos de criar, fazer e viver; III as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico-culturais; V os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico.48

    O reconhecimento da cultura como direito social encontra-se em discusso na Cmara dos Deputados, que deve criar uma comisso especial para analisar a Proposta de Emenda Constituio (PEC) 49/07, que contm, entre os direitos sociais, o acesso cultura.

    48 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF, 1988.

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    No se tm dados (o que merece um estudo particular) acerca do desporto (art. 217) e sua caracterizao ou no como direito social. Um dos questionamentos a serem realizado poderia ser: o desporto49 abrange o lazer (indicado no art. 6) ou o contrrio?

    Ainda no Ttulo VIII, Da Ordem Social, encontram-se elencadas a Cincia e Tecnologia (Captulo IV, arts. 218 e 219) e a Comunicao Social (Captulo V, arts. 220-221-222-223-224). So temticas que requerem discusses e anlises particulares, principalmente no que concerne serem ou no direitos sociais (no objeto deste artigo), tendo em vista que, na sociedade capitalista, principalmente na contemporaneidade, tm sido articuladas como polticas de ordem econmica.

    Levando em conta as vrias descries e interpretaes at aqui desenvolvidas, de que os direitos sociais a serem executados atravs de polticas sociais pblicas seriam onze (nove dispostos no art. 6 e dois apresentados em Propostas de Emendas Constituio):

    1. alimentao; 2. cultura; 3. educao; 4. lazer; 5. moradia; 6. previdncia social; 7. proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados; 8. sade; 9. segurana; 10. trabalho; 11. transporte.

    Mas, ponderando acerca do objeto de investigao aqui desenvolvido, alm desses onze direitos sociais, conforme j referido, interessa mencionar outro(s) direito(s) fundamental(is), aquele(s) garantidor(es) do meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 215): Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.50

    Como possvel identificar no art. 225, o meio ambiente concebido como bem de uso comum do povo [poder-se-ia ler, povos] (entre colchetes, nosso), mas , tambm, essencial sadia qualidade de vida.

    No por acaso que o meio ambiente estabelecido em vrios artigos da CF (1988), alm do 225: 5 direitos individuais e coletivos; 21, 23 e 24 competncias dos entes federados; 129 competncias do Ministrio Pblico; 170 e 174 princpios

    49 O art. 217 da Constituio Federal (1988) designa em seu 3: O Poder Pblico incentivar o lazer, como forma

    de promoo social. 50

    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF, 1988.

  • 23

    da atividade econmica; 186 poltica agrcola, fundiria e reforma agrria; 200 poltica de sade; 220 comunicao social.

    Como o meio ambiente engloba vrios recursos naturais, tais como terra, ar, gua, floresta, fauna, flora, assim como outros elementos transformados ou que interferem no ambiente tal como energia, clima, meio ambiente do trabalho (Constituio Federal, 1988, art. 200, inciso VIII), etc., cogita-se a ideia de diferentes direitos ambientais, direitos com caractersticas coletivas, que interferem absolutamente na sobrevivncia da natureza, destarte do planeta e da raa humana. Assim sendo, remete a um bem essencial de toda a humanidade, baseada na solidariedade entre os povos, em que Estado e mercado no detenham o poder de deciso total.

    Dito de outra forma, a questo ambiental deve ser apreendida como uma forma de ver e agir no mundo. Isso significa apreender que sua preservao se d atravs de relaes de interdependncia entre diversos aspectos estabelecedores da preservao da vida, contemplando, assim, vrios direitos ambientais.

    Alm disso, os direitos ambientais, apesar dos atributos particulares que os distinguem dos direitos sociais, tambm, absorvem aspectos eminentemente sociais.51 Inferncias mais aprofundadas sobre os novos direitos, especialmente aqueles que envolvem o meio ambiente e sua relao intrnseca com direitos sociais merecem maiores pesquisas (que compem os estudos atuais das autoras deste artigo). Por ora, articulando-se os direitos sociais aos ambientais, tem-se o que aqui se nomeia de direitos socioambientais.

    Parte-se do pressuposto de que os direitos socioambientais, como inerentes condio de ser cidado, constituem-se como direitos fundamentais ao afianarem elementos imprescindveis sobrevivncia da vida humana. Nesse sentido, so direitos que devem ser efetuados na busca da

    satisfao otimizada de necessidades, a partir da garantia das condies bsicas como exigncia fundamental para essa otimizao, [isso]constitui o cerne de todas as justificaes das polticas sociais [e ambientais] pblicas e a meta a ser alcanada e defendida por todos aqueles que acreditam que a condio de vida [...] deve ser crescentemente melhorada.52 (entre colchetes nosso).

    Em sntese: os direitos socioambientais a serem materializados pelas polticas sociais e ambientais pblicas (setorizadas) devem ser caracterizados a partir de sua conexo com as questes de justia social e igualdade53 positiva,54 tendo como um de

    51 O social compreende o conjunto das aes e relaes, quer de cooperao quer de conflito, quer de integrao

    quer de ruptura, que se estabelecem entre indivduos, grupos, associaes, instituies, naes, em todos os campos societrios. Diz respeito aos vnculos que cimentam o tecido de uma sociedade e que, ao mesmo tempo, gestam os conflitos e contradies que levam a rupturas. Esses vnculos comparecem, em todas as sociedades, para atender essencialmente a trs necessidades: as materiais, as de relacionamento interpessoal e as espirituais (arte, subjetividade, cultura, etc.) (WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Enigmas do social. In: WANDERLEY, Mariangela Belfiore et al. (Org.). Desigualdade e a questo social. So Paulo: EDUC, 2000., p. 201). 52

    PEREIRA, 2000, op. cit., p. 35. 53

    TELLES, op. cit. 54

    Liberdade positiva pode ser compreendida como a capacidade objetiva de ao dos cidados que, para tanto, devem contar com meios materiais e polticos institucionalmente garantidos. Trata-se assim, de algo que compromete

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    seus objetivos conforme o colocado na CF (1988), o bem-estar e a justia sociais.55 (art. 193).

    Adota-se a premissa de que as polticas sociais e ambientais pblicas devem, dentro do que possvel no capitalismo, avalizar as necessidades intermedirias, no sentido do alcance da NHB. Necessidades que, pela sua multidimenso, se no satisfeitas geram srios prejuzos vida material dos homens e atuao destes como sujeitos (informados e crticos).56 Esses prejuzos constituem os [...] impactos negativos cruciais que impedem ou pem em risco a possibilidade objetiva de viver fsica e socialmente em condies de poder expressar a sua capacidade de participao ativa e crtica.57(grifo do autor). Para melhor compreenso da configurao que envolve NHB, necessidades intermedirias, direitos socioassistenciais e polticas sociais e ambientais pblicas, apresenta-se o quadro 1.

    A ideia que: Se no houvesse necessidades percebidas e socialmente compartilhadas, no existiriam polticas, direitos, normas protetoras, trabalho e tantas outras respostas resultantes da prxis humana, por meio da qual tanto a natureza quanto a sociedade (e os prprios atores sociais) so transformados.58

    Quadro 1 Relao entre necessidades intermedirias e direitos socioassistenciais brasileiros Necessidades Intermedirias (NI) Direitos socioambientais e

    Constituio Federal brasileira alimentao nutritiva alimentao

    x.x.x.x cultura educao apropriada educao

    x.x.x.x lazer habitao adequada moradia

    segurana econmica previdncia social proteo infncia

    proteo maternidade e infncia; assistncia aos desamparados

    cuidados de sade apropriados segurana no planejamento familiar, na

    gesto e no parto

    sade

    segurana fsica segurana segurana econmica

    ambiente de trabalho desprovido de riscos

    trabalho x.x.x.x transporte

    gua potvel meio ambiente ambiente fsico saudvel

    relaes primrias significativas x.x.x.

    o Estado e a sociedade na sua consecuo, exigindo a mediao de polticas pblicas. Este tipo de liberdade defere da liberdade negativa, prezada pelos liberais clssicos e contemporneos, para quem os indivduos devero agir livres de compulso, coero, interferncias e uso de fora fsica, mas tambm de qualquer ingerncia ou ao protetora do Estado. (PEREIRA, Potyara A. P. Poltica social: temas e questes. So Paulo: Cortez, 2008. p. 175). 55

    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF, 1988. 56

    PEREIRA, 2000, op. cit., p. 67. 57

    PEREIRA, 2000, op. cit., p. 68. 58

    PEREIRA, 2006, op. cit., p. 68.

  • 25

    Como pode ser percebido no quadro1, vrias necessidades intermedirias tm direitos sociais e ambientais brasileiros correspondentes, mesmo que no adjetivados qualitativamente como o caso das NI.

    Concebe-se que a NI segurana econmica compe tanto o direito social trabalho, como a previdncia social.

    Transporte e lazer no so identificados de maneira direta como NI; entretanto, em relao ao transporte, as ponderaes realizadas sobre direitos socioambientais, bem como o fato de que ele condio sine qua non para o acesso, entre outros, educao apropriada, habitao adequada, segurana econmica e aos cuidados de sade apropriados, conclui-se que, na contemporaneidade, o mesmo configura, de fato, uma NI. O direito ao lazer, no Brasil, precisa ser melhor perfilado e objetivado, resultando em um embasamento programtico mais evidente e consensual. De maneira simplista, sem profundidade, possvel identificar, em estudos sobre condies essenciais de sade, que o lazer lhe aspecto inerente. Alis, a Lei Orgnica da Sade (Lei 8.080/1990, art. 3) assinala o lazer como um dos fatores determinantes e condicionantes da sade ao lado da alimentao, habitao, do saneamento bsico, meio ambiente, transporte, trabalho, da educao, etc.

    O direito social cultura, que tambm no se encontra claramente identificada como NI, associa-se a outros componentes das NHB, os satisfadores especficos, que dizem respeito a formas particulares de vida em sociedade: tradies histricas, formas de expresso, modos de viver, etc. que comprometem diametralmente a NHB autonomia.

    Por fim, a NI relaes primrias significativas no encontra um direito socioambiental correlacionado. Parte-se do entendimento de que tal necessidade parte intrnseca da vida em sociedade; nesse sentido, a operacionalizao de todos esses direitos, via polticas sociais e ambientais deve ter como diretriz intencional a promoo de aes voltadas manuteno ou ao desenvolvimento de potencialidades contribuidoras de relaes primrias significativas, aspectos centrais autonomia que, conjugadamente sade fsica (sobrevivncia fsica), constituem as chamadas NHB.

    Para Doyal (1998), a autonomia, que pessoal, pode ser descrita a partir de caractersticas mnimas nos indivduos: (a) a capacidade intelectual para fixar metas de acordo com sua forma de vida; (b) a suficiente confiana em si mesmo para desejar e atuar junto vida social; (c) a possibilidade de formular finalidades consistentes e ser capaz de comunic-las aos outros; (d) a percepo de suas aes como sendo prprias, possibilitando a compreenso das restries empricas que dificultam ou impedem o alcance de suas metas, podendo sentir-se responsvel pelas decises tomadas e pelas suas consequncias.59

    O alcance das NI, conjugadamente aos demais direitos de cidadania, deve ser buscado no sentido de efetivao das NHB.

    59 OLIVEIRA, op. cit., p. 167.

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    A operacionalizao dos direitos socioambientais se d atravs de polticas pblicas, especificamente aquelas do gnero social, como ser descrito na parte 3.

    2 Polticas sociais e ambientais pblicas no Brasil

    H vrias maneiras de se descrever, interpretar e explicar polticas pblicas na sociedade capitalista e, junto a essas, as do gnero social (agregando as ambientais).60 Pode-se trat-las, por exemplo, como uma disciplina acadmica (que o ) estudada em estabelecimentos de ensino, quanto ao contedo dessa disciplina61 e/ou enquanto uma poltica em ao, que tem perfil, funes e objetivos prprios e produz impactos no contexto em que atua.62 Para o presente artigo, privilegiada a segunda identificao. Entretanto, merece destaque que, na perspectiva terica aqui utilizada, as polticas sociais e agregando-se a essas as ambientais pblicas, so entendidas como

    um fenmeno contraditrio, porque ao mesmo tempo em que responde positivamente aos interesses dos representantes do trabalho, proporcionando-lhes ganhos reivindicados na luta constante contra o capital, tambm atendem positivamente a interesses dos representantes do capital, preservando o potencial produtivo da mo-de-obra.63

    Como fenmeno contraditrio, conjuga

    relao dialeticamente contraditria entre estrutura e histria, e, portanto de relaes simultaneamente antagnicas e recprocas entre capital x trabalho, Estado x sociedade e princpios de liberdade e da igualdade que regem os direitos de cidadania. Sendo assim, a poltica social [e a ambiental] se apresenta como um conceito complexo que no condiz com a idia pragmtica de mera proviso ou alocao de decises tomadas pelo Estado e aplicadas verticalmente na sociedade (como entendem as teorias funcionalistas). Por isso, tal poltica jamais poder ser compreendida como um processo linear, de conotao exclusivamente positiva ou negativa, ou a servio exclusivo desta ou daquela classe.64 Na realidade ela tem se mostrado simultaneamente positiva e negativa e beneficiado interesses contrrios de acordo com a correlao de foras prevalecente. E essa contradio que permite classe trabalhadora e aos pobres em geral tambm utiliz-la a seu favor.65 (Negrito e entre colchetes nosso).

    60 No entendimento, conforme j referido, os direitos ambientais, apesar da classificao como novos direitos, tm

    atributos particulares que os distingue dos direitos sociais, mas, tambm, absorvem aspectos eminentemente sociais, para essa sistematizao (o que demanda a continuidade de pesquisas, interpretaes e explicaes mais aprofundadas), apropria-se do referencial analtico sobre polticas sociais reunindo a essas aquelas polticas pblicas aqui nomeadas de ambientais. 61

    PEREIRA, 2008, op. cit., p. 166. 62

    Idem. 63

    PEREIRA, Potyara A. P. A metamorfose da questo social e reestruturao das polticas sociais. Capacitao em servio social e poltica. Mdulo I: Crise contempornea, questo social e servio social. Braslia: CEAD, 1999. p. 54. 64

    Concordando com a Jos Paulo Netto, [...] as polticas sociais [e ambientais] decorrem fundamentalmente da capacidade de mobilizao e organizao da classe operria e do conjunto dos trabalhadores, a que o Estado, por vezes, responde com antecipaes estratgicas. (NETTO, Jos Paulo. Crise do socialismo e ofensiva neoliberal. 2. ed. So Paulo: Cortez, 1995. Alterao entre colchetes nossa). 65

    PEREIRA, 2008, op. cit., p. 166.

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    Postos tais esclarecimentos, diante da finalidade deste artigo, buscar-se- identificar quais so as polticas sociais e ambientais pblicas no Brasil, polticas em ao, operacionalizadoras de direitos socioassistenciais, logo polticas setoriais. Explica-se: cada poltica socioambiental pblica deve atender um direito socioambiental especfico, sendo assim caracterizada por determinadas funes e objetivos prprios.

    Explica-se: as polticas sociais e ambientais pblicas, ps-Constituio Federal de 1988, so legitimadas mediante o reconhecimento de necessidades sociais, resultando em direitos sociais e ambientais que se operacionalizam como campos de atuao especficos (alimentao, assistncia social, cultura, educao, moradia, lazer, previdncia social, sade, segurana pblica, trabalho, transporte, meio ambiente).

    O campo especfico de cada poltica pblica deve estar claramente exposto na juno de preceitos que formam o aparato-legal.66 Esses preceitos agregam articuladamente definies conceituais, concepes e prticas empricas, determinaes e particularidades histricas, especificidades, responsabilidade estatal e formas de controle social a serem efetuadas pela sociedade civil organizada:

    Dito de outra forma, a matriz Constitucional estabelece campos especficos (setoriais) de polticas sociais [e ambientais],67 definidos a partir de certos objetos necessidades sociais [...] O conjunto integrado das diferentes polticas sociais pblicas, aliados as polticas econmicas, que permite a garantia, universal, da proteo social.68

    Como pode ser percebido, apreende-se proteo social a partir de conceito ampliado

    [...] que, desde meados do sculo XX, engloba seguridade social69 (ou segurana social), o asseguramento ou garantias seguridade e polticas sociais. A primeira constitui um sistema programtico de segurana contra riscos, circunstncias, perdas e danos sociais cujas ocorrncias afetam negativamente as condies de vida dos cidados. O asseguramento identifica-se com as regulaes legais que garantem ao cidado a seguridade

    66 Pereira (1996) traz duas classificaes internas ao que aqui se qualifica como aparato-legal: disposies

    declaratrias de direito e disposies assecuratrias de direito. A primeira diz respeito Lei maior, tendo-se como exemplo a CF/88. A segunda refere-se s leis complementares, tendo-se como exemplo, as leis orgnicas, com a funo de [...] dar vida e concretude ao direito proclamado [pela lei maior ou disposio declaratria] [...] (PEREIRA, 1996, p. 10. Alterao entre colchetes nossa), e no caso da assistncia social, a Lei 12.435, de 6 de julho de 2011, referente alterao da LOAS (1993) quanto organizao da assistncia social, legitimando o SUAS. Alm das disposies declaratrias de direito e das disposies assecuratrias de direito, acrescentam-se as normativas como as normas operacionais e as polticas nacionais, a tipificao dos servios e as orientativas tais como as orientaes tcnicas. As normativas e orientaes estabelecem regramentos e direes no que refere-se operacionalizao. No desenvolver deste texto, utiliza-se-, apenas, aparatolegal, mas, no sentido de envolver todos esses documentos. (ANUNCIAO, Daniela Andrade da. Especificidade no identificvel da Poltica Social Pblica de Assistncia Social: dilemas conceituais, legais, histricos e polticos. 2011. Trabalho de Concluso de Curso (Curso de Servio Social) Universidade de Caxias do Sul, Centro de Cincias Humanas, Caxias do Sul (RS), 2011. p. 13-14). 67

    As polticas pblicas ambientais ainda precisam ser melhor caracterizadas. Seja no que compe os direitos ambientais; seja nas definies conceituais. Mas isso finalidade de outros artigos, em continuidade aos imprescindveis aprofundamentos deste. 68

    ANUNCIAO, op, cit., p. 51. Alterao entre colchetes nossa. 69

    O conceito de seguridade social aqui empregado filia os vrios direitos sociais e ambientais, indispensveis concretizao das necessidades sociais. Nesse sentido, a seguridade comportaria todos os direitos sociais e ambientais e no apenas, como no caso da Constituio Federal brasileira (1988), a sade, a previdncia e a assistncia social.

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    social como direito. E as polticas sociais constituem uma espcie de poltica pblica que visa concretizar o direito seguridade social, por meio de um conjunto de medidas, instituies, profisses, benefcios, servios e recursos programticos e financeiros.70 (Sublinhado nosso).

    Em outras palavras, a proteo social se d mediante um sistema planificado de segurana, legitimado e regularizado por meio de aparato-legal e consolidado por meio de diferentes polticas sociais e ambientais pblicas. Logo, traduz um pacto assegurado e regulado de responsabilidade estatal com os cidados em determinado perodo histrico, a ser concretizado no sentido de satisfazer as necessidades sociais e efetivar direitos de cidadania.

    Ainda: se a proteo social, conforme j afirmado, deve ser garantida atravs de um sistema programtico de segurana contra riscos, circunstncias, perdas e danos sociais cujas ocorrncias afetam negativamente as condies de vida dos cidados,71 no h dvida sobre o meio ambiente ser avaliado conjuntamente aos direitos sociais, compondo assim os direitos socioambientais.

    Mas, para melhor compreender as polticas sociais pblicas,72 em acordo base terica sustentadora do presente artigo, preciso, tambm, explicitar que:

    a) essas fazem parte da relao Estado e sociedade, pois seu estabelecimento est intimamente ligado s articulaes realizadas entre o aparato estatal e os interesses sociais (mercado e sociedade);

    b) caracterizam-se como

    um tipo, dentre outros, de poltica pblica. Ambas so designaes (poltica social e poltica pblica) so policies (polticas de ao), integrantes do ramo de conhecimento denominado policy science, s que poltica social uma espcie do gnero poltica pblica (public policy). Fazem parte desse gnero relativamente recente na pauta dos estudos polticos, todas as polticas (entre as quais a econmica)73 que requerem participao ativa do Estado, sob controle da sociedade, no planejamento e execuo de procedimentos e metas voltados para a satisfao de necessidades sociais.74

    a) Em uma verso abrangente, enquanto poltica pblica,

    70 PEREIRA, 2000, op. cit., p. 16.

    71 Idem.

    72 No existe acordo na definio de polticas pblicas. O termo serve para referir-se tanto a um campo de atividade

    poltica como os campos educacional ou econmico, quanto para expressar propsitos polticos muito concretos como diminuir o dficit pblico, reduzir gastos na rea social, combater a fome ou ainda para mencionar uma no-deciso governamental diante de um problema especfico. (MINCATO, Ramone. Polticas pblicas e sociais: uma abordagem crtica e processual. In: OLIVEIRA, Mara de; BERGUE, Sandro Trescastro (Org). Polticas pblicas: definies, interlocues e experincias. Caxias do Sul: Educs, 2012. p. 83). 73

    As polticas econmicas so entendidas como as aes pblicas que tratam de assegurar o permanente desenvolvimento econmico; envolvem, assim, o enfrentamento no s das questes de macroeconomia, relacionadas gesto monetria, fiscal, cambial, mas estabelecem as diretrizes e os programas governamentais conectados s polticas de desenvolvimento econmico. Essas polticas, sem sombra de dvida, apresentam tambm elementos e efeitos sociais: h uma simbiose entre as diferentes polticas pblicas: todas possuem uma dimenso econmica, poltica, repressiva e ideolgica; todas so funcionais para o capitalismo e para manter a ordem social. (MINCATO, Ramone. Estado capitalista e polticas pblicas. In: LUCAS, Joo Igncio Pires et al. Fundamentos histricos, sociolgicos e polticos da relao estado e sociedade. Caxias do Sul: Educs, 2005). 74

    PEREIRA, 2008, op. cit., p. 173.

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    so todas decises e tambm no-decises polticas que afetam os assuntos pblicos. Genericamente, em matria poltica, tomar uma deciso ou decidir no fazer nada frente os problemas que vo surgindo, sejam econmicos, sociais, ambientais ou polticos, uma deciso poltica.75

    Nesse sentido, as polticas sociais e ambientais pblicas tm um carter eminentemente poltico e contraditrio. So instrumentos para fazer poltica. Em sntese, como polticas pblicas:

    constituem um caminho do agir estatal; referem-se a tudo aquilo que os governos decidem fazer ou no; patenteia, tanto, quanto outras polticas pblicas, o Estado em ao e revela o

    modo pelo qual o Estado opera, ou seja, faz poltica. Destarte, as polticas sociais e ambientais pblicas, assim como as econmicas,

    devem ser compreendidas como estratgias governamentais de interveno nas relaes sociais, pois, se expressa[m] fundamentalmente como [...] ao incluindo, claro, os momentos conflituosos de escolha e de tomada de deciso, que fazem parte de qualquer poltica.76

    Consideraes finais

    A descrio exposta nesse artigo, acerca dos direitos socioambientais e sua operacionalizao atravs de polticas pblicas, tendo como referencia terica NHB e base legal a Constituio Federal Brasileira (1988), ainda precisa de maiores investimentos: estudos, articulaes e rearticulaes, possveis atravs de pesquisas cientficas. H dados ainda no suficientemente trabalhados/explicitados, h outros ainda a serem descobertos, para que se possa melhor desvendar, interpretar e explicar acerca da relao apresentada entre direitos sociais e ambientais, logo polticas sociais e ambientais. Para as autoras deste, as reflexes expostas permite as mesmas no prprio processo de construo e, ao receberem questionamentos e crticas, revisarem conceitos e tomara retomarem idias e ideais, permitem a percepo da possibilidade de conjugao de esforos, permitem a visualizao de perspectivas e construo de alternativas possveis s relaes hegemnicas postas no cotidiano de nossa sociedade.77

    Em concordncia com Iamamoto,78 a construo de propostas criativas e capazes de preservar e efetivar direitos somente so possveis se a realidade for decifrada, a partir das demandas emergentes, uma vez que as possibilidades esto colocadas na realidade, mas no se fazem conhecer, nem se transformam, autonomamente, em intervenes. A construo do conhecimento realizada de muitas idas e vindas, uma vez que cumulativo e coletivo. uma construo, que numa perspectiva dialtica,

    75 MINCATO, 2005, op. cit., p. 128.

    76 PEREIRA, 2008, op. cit., p. 171. Alterao entre colchetes nossa.

    77 OLIVEIRA, op. cit., p. 19.

    78 IAMAMOTO, Marilda Vilela. O servio social na contemporaneidade: trabalho e formao profissional. So

    Paulo: Cortez, 1988.

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    envolve estruturaes tericas anteriores; apreenses dos sujeitos que a apreendem, as experenciam e, diante dessas, interrogam-se, e as revises e articulaes sucessivas, sistemticas e metdicas, que resultam em novas formulaes qualitativas (snteses), mesmo que provisrias e parciais, como novo ponto de partida. Dessa construo inicial tem-se como sntese: as polticas sociais e ambientais pblicas constituem-se em elementos imprescindveis de proteo social para a vida das pessoas em sociedade, uma vez que tm por finalidade atender necessidades sociais. Neste sentido, devem: a) efetivar-se como dever do Estado, direito de cidadania. Tendo funo governamental, significa ao coletiva, realizada atravs da articulao dos trs entes federados (Unio, estados e municpios) e destes com entidades e rgos pblicos e privados; b) ser formadas por um conjunto integrado de diretrizes jurdico-legais e embasamento programtico; c) ser colocadas em ao pela interveno profissional de diferentes agentes, atravs da prestao de benefcios, servios, programas e projetos, em [...] geral de forma continuada no tempo, que tem como objetivo o atendimento de necessidades [sociais] [...], que afetam vrios dos elementos que compem as condies bsicas de vida da populao [...].79

    Nunca demais ressaltar que as polticas sociais no podem ser apreendidas como ajuda ou como favor, mas sim como direito. preciso evitar que a justia se transforme em caridade e os direitos em ajuda, a que o indivduo tem acesso no por sua condio de cidadania, mas pela prova de que dela est excludo.80

    As polticas sociais e ambientais tm por funo concretizar direitos demandados pela sociedade e previstos em leis. Em outros termos, os direitos declarados e garantidos nas leis s tm aplicabilidade por meio de polticas pblicas correspondentes, que, por sua vez, operacionalizam-se mediante servios, programas, projetos e benefcios.

    Por conseguinte, as polticas sociais e ambientais pblicas fazem parte do processo estatal de alocao e distribuio de recursos. Dessa forma, esto no centro do confronto entre interesses de grupos e classes sociais, uma vez que a ao governamental reflete escolhas ou resultados de embates e correlao de foras, em um quadro de conflito. Para finalizar, referenda-se que os direitos socioambientais, ao atenderem determinadas necessidades sociais, adentram no conjunto de desafios a serem enfrentados pelas polticas socioambientais pblicas, atravs de um sistema de ordem racional, tica e moral. Racional, porque toda poltica pblica deve ser implementada baseando-se em indicadores cientficos, estudos, pesquisas, diagnsticos e estar sujeita permanente avaliao, especialmente no que se refere aos seus resultados e impactos.81 Trata-se de

    79 CASTRO, Jorge Abraho de et al. Anlise da evoluo do gasto social federal. 1995-2001. IPEA. Texto para

    discusso n. 598. Braslia, DF, out. 2003. Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 200. Alterao entre colchetes nossa. 80

    TELLES, Vera da Silva. Pobreza e cidadania. So Paulo: Ed. 34, 1999. p. 52. 81

    PEREIRA, Potyara A. P. Estado, regulao social e controle democrtico. In: BRAVO Maria Ins Souza; PEREIRA, Potyara A.P. (Org.). Poltica social e democracia. So Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UERJ. 2001, p. 220.

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    um processo de tomada de decises coletivas, o que define prioridades, estratgias e metas. tica, porque constitui uma responsabilidade moral que nenhum governo srio deve abdicar.82 Cvica, porque deve ter vinculao inequvoca com direitos de cidadania [...]. Concretizar direitos [socioambientais] significa prestar populao, como dever do Estado, um conjunto de benefcios e servios que lhe devido em resposta s suas necessidades sociais.83 Alm disso, qualquer poltica socioambiental pblica deve estabelecer inter-relaes:

    com as demais polticas sociais e ambientais no sentido da proteo social, desenvolvimento da qualidade de vida e de cidadania da populao;

    com as polticas econmicas. Isso constitui procedimento necessrio para impedir que a proviso social, no que se refere ao bsico, seja reproduo da pobreza.

    Partindo dessa premissa, listam-se alguns desafios postos s polticas pblicas aqui descritas:

    a poltica social e ambiental pblica no pode ser guiada pela improvisao, pela intuio e pelo sentimentalismo [...] embora no descarte o sentimento (de cooperao, solidariedade e at de indignao diante das iniqidades sociais;84

    diagnosticar necessidades e identificar demandas, atravs da produo e sistematizao de informaes nacionais, estaduais e municipais (sob responsabilidade de cada ente federado);

    construir, no municpio, indicadores e ndices territorializados de vulnerabilidade e risco (mapas ou diagnsticos territoriais), que incidem sobre a populao, limites e possibilidades, inclusive equipamentos sociais disponveis;

    propor polticas, servios, programas, projetos, benefcios e aes, articuladamente as redes de outras polticas pblicas;

    edificar, atualizar e manter um sistema pblico de informaes e dados acerca das entidades e rgos pblicos e privados, bem como servios, programas, projetos e benefcios prestados, usurios atendidos, trabalhadores envolvidos, etc.;

    organizar a rede de servios da poltica em questo; organizar e gestar a poltica pblica em questo, o que inclui a elaborao de

    planos e relatrios; elaborao e execuo de poltica de recursos humanos; capacitar gestores, profissionais, conselheiros e prestadores de servios; organizar e operacionalizar o sistema de monitoramento e avaliao.

    82 Ibid., p. 220.

    83 Ibid., p. 221. Alterao entre colchetes nossa.

    84 Ibid., p. 220.

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    Referncias

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