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SIMONE CONFORTO SER SURDO: UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS PRODUZIDAS POR JOVENS SURDOS Rio de Janeiro Outubro 2007

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SIMONE CONFORTO

SER SURDO: UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS PRODUZIDAS POR JOVENS SURDOS

Rio de Janeiro

Outubro 2007

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

SIMONE CONFORTO

SER SURDO: UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

PRODUZIDAS POR JOVENS SURDOS

Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Helenice Maia

Rio de Janeiro

Outubro 2007

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DEDICATÓRIA

Esta pesquisa, este estudo, é a semente de algo que não foi, ou foi? Fruto de uma luta, um legado, quase uma lenda. Costumo dizer que ter nascido nesta família, neste país, e ter me tornado professora de História e, principalmente, de surdos, faz parte de uma memória, uma memória de fogo, que fala de meus pais e de mim, menina, nestas terras em tempo de ditadura, de dor e tortura. De meus pais e sua militância, de seu desejo de mudar o mundo, de transformar, de criar um novo mundo para se viver... É a minha luta, é a herança dessa luta. Tem algo do sonho de mudar, de acreditar na vida e faz parte da vida que carrego em mim. É feita de sonhos e dor. Por isso, estes escritos e manuscritos ou esta dissertação, dedico a meus pais, Dyrce e Sylas, com quem aprendi a amar e compartilhar minha casa, meu coração, que me ensinaram desde muito cedo a lutar. Que me ensinaram que era possível um outro mundo, um outro mundo de solidariedade e amor pelo outro. Estes outros, diferentes, sempre estiveram presentes. Nós mesmos somos o outro, neste ensinamento. Dedico também, com muito carinho, a minhas filhas, Larissa e Isadora, com quem aprendo, todo dia, a me doar e amar incondicionalmente. Em especial, dedico este trabalho a Oliver Sacks, Carlos Skliar, Jorge Larossa e Eduardo Galeano, com quem estou, a cada dia, aprendendo a escrever sobre o outro, estar na pele do outro. E este é um longo aprendizado, leva uma vida...

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AGRADECIMENTOS

Aos professores do Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá, pelo incentivo. Aos amigos do Mestrado: Nelly, Francisco e Carmem. À Professora Helenice Maia, pela orientação segura e competente, que tanto me auxiliou nesta caminhada. A meu querido Professor Marco Silva, por compartilhar seu saber e seu afeto. Ao Instituto Nacional de Educação de Surdos e aos amigos do INES, que tanto me ajudaram e apoiaram: Isabel, Helena, Cida, Gladys e Rita. À Equipe do COAPP e aos Inspetores. A minha querida Equipe de História, em especial a Sonia. A Maura, pelas idéias maravilhosas e toda tecnologia de que dispõe. A Vera, pelo acervo fantástico de documentos e disponibilidade na Biblioteca do INES. A Jardel, Flávio e Farah, minha Equipe de Pesquisa, pela força e dedicação. Sem eles, eu não poderia estar aqui. A Eli, por sua força com as meninas. A Lísia e Sérgio, pelo apoio, confiança e carinho. A meus amigos, que amo, com quem aprendo a cada dia a ser sempre melhor: Monique, Helena, Jurema, Simone, Binha, Alessandra, Cristina, Júlio Levi e Júlio Marcolin. A meus amores com quem aprendo a me multiplicar. A Carlos, porque foi o primeiro a me fazer ver a necessidade do Mestrado. A Ivan, porque ele é único. A Pascoal, que sempre está em meu coração. A minha família: meus pais, Dyrce e Sylas, por seu apoio incondicional sempre e também pelo amor infinito. Sem seu apoio emocional, pessoal e financeiro, não seria possível este Mestrado. A minhas queridas tias Dyrcéa e Deolinda, que sempre estiveram comigo. A minhas filhas, minhas queridas meninas que, com seu amor e cuidado, me ensinam a amar e me superar todos os dias, sem falar de suas contribuições “tecnológicas”. A meus alunos surdos, com quem aprendo todo dia a ser melhor e aos surdos em geral e sua língua, por me fazerem acreditar num mundo a conquistar.

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Somos notavelmente ignorantes a respeito da surdez, muito mais ignorantes do que um homem instruído teria sido em 1886 ou 1786. Ignorantes e indiferentes (...). Eu nada sabia a respeito da situação dos surdos, nem imaginava que ela pudesse lançar luz sobre tantos domínios, sobretudo o domínio da língua. Fiquei pasmo com o que aprendi sobre a história das pessoas surdas e os extraordinários desafios (lingüísticos) que elas enfrentam, e pasmo também ao tomar conhecimento de uma língua completamente visual, a língua de sinais, diferente em modo de minha própria língua, a falada.

Oliver Sacks, 1990

Eu escrevo para aqueles que não podem ler... os sem terra, sem casa, sem dinheiro, os que esperam há séculos na fila da História e estes... não sabem ler (...) Pretendo desamarrar vozes, (des)sonhar sonhos: escrevo querendo revelar o real maravilhoso e descubro que, nestas terras, cada promessa é uma ameaça; cada perda, um encontro. Dos medos, nascem as coragens e das dúvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível e os delírios, outra razão.

Eduardo Galeano, 2005

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RESUMO Esta pesquisa teve por objetivo buscar indícios das representações sociais de ser surdo,

produzidas por 57 alunos, de 12 a 18 anos, de duas turmas de quinta e duas de sexta

série do Ensino Fundamental do Instituto Nacional de Educação de Surdos. Pesquisa

qualitativa com enfoque teórico-metodológico das representações sociais, foi

desenvolvida em três etapas: na primeira, foram realizadas quatro sessões de grupo

focal, uma em cada turma, nas quais tópicos específicos foram propostos para

discussão. Registraram-se 111 “falas” que, submetidas à análise categorial temática,

permitiram identificar que os jovens ancoravam os sentidos de ser surdo no slogan “ser

diferente é normal”. Na segunda etapa, foi realizada uma intervenção durante as aulas

de História, momento em que se articularam os conteúdos desenvolvidos e diferentes

questões relacionadas à cultura surda. As manifestações dos alunos foram coletadas por

meio de registro cursivo de todas as aulas ministradas durante quatro meses e de

gravação em vídeo de quatro aulas por turma. Da análise empreendida verificou-se que

os alunos possuíam pouca informação sobre a história dos surdos, legislação específica,

instituições, associações e fundações que promovem atividades para os surdos ou

movimento surdo, observando-se atitudes de revolta e indignação do grupo quando

eram discutidos temas relacionados, por exemplo, à exclusão dos diferentes e a sua

participação na sociedade. Na terceira etapa, quatro novas sessões de grupo focal foram

realizadas com os participantes, para verificar se houve alguma mudança de idéias,

saberes, valores e visões de mundo provocada pela intervenção. Para que as

manifestações iniciais e finais dos alunos pudessem ser comparadas, foram colocados

em discussão os mesmos tópicos da rodada inicial. Foram registradas 101 “falas” que,

também submetidas à análise categorial temática, possibilitaram verificar que os jovens

ainda ancoravam os sentidos de ser surdo no slogan “ser diferente é normal”. Concluiu-

se que o tempo destinado à intervenção não foi suficiente para promover uma mudança

nas representações sociais dos jovens, além de as condições de sua realização não terem

sido favoráveis. No entanto, foi possível verificar que os jovens obtiveram mais

informações sobre fundações e associações que defendem os direitos da pessoa surda e

se propuseram a intensificar a busca por elas, como possibilidade de viver melhor entre

ouvintes.

Palavras-chave: Surdez, diferença, representações sociais

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ABSTRACT

This research has aimed to search signs of the social aspects of being death. It was

produced by 57 students, of ages from 12 to 18 and of two 5th grade class and two 6th

grade classes of INES (The National Deaf Education Association) Primary School. This

research is a qualitative one, with a theoretical-methodological focus of social aspects,

which is developed in three phases: in phase one, four focus-group sessions were held,

one in each class, in which specific topics were given out to the youngsters. A 111

“declarations” were registered and made it possible, when submitted to categorical

theme analysis, to conclude that the youngsters anchored their senses of being deaf in

the slogan “being different is normal”. In phase two, an intervention was held during a

History lesson, this moment being the one in which the developed contents and the

various questions regarding deaf culture were articulated. The student’s participations

were collected in writing in all of the ministered lessons during four months and

videotaped in four lessons for each class during this same period. From the analysis

undertaken it was possible to evidence that the students possessed little knowledge on

the history of the deaf, specific legislation, institutions, associations and foundations

that might promote activities for the deaf or a deaf movement, while manifestations of

indignation and revolt arose when certain themes were discussed, for instance the ones

related to the exclusion of people who are different and their participation in society. In

phase three, four new focus-group sessions were held with the participants to verify if

there was any change of ideas, knowledge base, values and world vision brought on by

the interventions. The same topics of the initial round were set down for discussion as a

way of comparing the initial and final manifestations. A 101 “declarations” were

registered and, when submitted to categorical themed analysis, made it possible to

conclude that youngsters still anchored their senses of being deaf in the slogan “being

different is normal”. It was concluded that the time used for the interventions was not

enough to promote a change in the youngster’s social representations; in addition, the

conditions in which the interventions were held were not favorable. But it was possible

to verify that the young people did obtain more information regarding foundations and

associations that defend the rights of the deaf and were willing to intensify their search

for them, as a possible way of living better between the hearing ones.

Key words: Deafness, difference, social representations

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 – UMA BREVE HISTÓRIA DOS SURDOS ................................................ 15

1.1 A modernidade e a norma como regime de verdade ......................... 19 1.1.1 A perspectiva médico-terapêutica da surdez ......................... 22 1.1.2 O oralismo ................................................................................. 23

1.2 A pós-modernidade e a surdez como diferença .................................. 26 CAPÍTULO 2 – A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NO INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DOS SURDOS (INES) ...................................................................................... 29

2.1 O Instituto Nacional de Educação de Surdos ..................................... 31 2.2 O projeto político-pedagógico do INES .............................................. 48 2.3 O programa da disciplina História para 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental ................................................................................................ 41

CAPÍTULO 3 – A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ................................... 43

3.1 Teoria das representações socais ......................................................... 43 3.2 Estudos de representação social de surdos ......................................... 46

CAPÍTULO 4 – FALANDO COM JOVENS DO INES ....................................................... 49

4.1 Metodologia ........................................................................................... 50 4.2 Perfil dos participantes ......................................................................... 53 4.3 Relatos .................................................................................................... 55

4.3.1 Relato da reunião com mães de alunos realizada no INES em 22/03/2007 ................................................................................................ 56 4.3.2 Relato grupos focais 1 .................................................................... 58 4.3.3 Relato das aulas transcorridas durante o primeiro semestre de 2007 ........................................................................................................... 80 4.3.4 Relato dos grupos focais 2 ............................................................. 91

4.4 Análise de dados e resultados ............................................................. 102 4.4.1 Análise das categorias no 1º Grupo Focal ................................... 102 4.4.2 Análise das categorias no 2º Grupo Focal ................................... 106 4.4.3 Análise dos Grupos Focais ........................................................... 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 110 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 113 ANEXOS.................................................................................................................................. 120 1 Cronograma das atividades realizadas .............................................................................120 2 Roteiro do grupo focal ........................................................................................................125 3 Autorização dos responsáveis ............................................................................................126 4 Programa da disciplina História .......................................................................................127 5 Categorização temática grupo focal 1 ................................................................................ 128 6 Categorização temática grupo focal 2 ................................................................................137

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve por objetivo buscar indícios das representações sociais

de ser surdo produzidas por 23 moças e 34 rapazes (N = 57), na faixa etária de 12 a 18

anos, alunos de duas turmas de quinta e duas de sexta série do Ensino Fundamental, que

estavam matriculados no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), Rio de

Janeiro, no ano de 2007.

O interesse pela realização deste estudo surgiu em função de minha atividade no

INES, onde leciono há cerca de dez anos a disciplina História, e da preocupação com o

ensino para a pessoa surda que ali tem sido desenvolvido.

Questões relacionadas à língua de sinais (LIBRAS), aos procedimentos adotados

em sala de aula, às diferentes opiniões sobre metodologias, discussões polarizadas sobre

cultura surda e percepções díspares sobre exclusão social, por exemplo, me chamavam a

atenção desde quando iniciei minha prática como professora de surdos, ainda no

Município. Nessa época, os surdos eram identificados como sujeitos passivos e os

professores entendiam que somente a língua oral poderia ser utilizada como forma de

comunicação1. Os alunos tinham dificuldade em acompanhar diferentes atividades

proporcionadas pelas escolas em que o uso da fala era intenso, como palestras, muitas

vezes restritas a médicos, fonoaudiólogos e professores, únicos que delas participavam,

uma vez que a maior parte dos docentes era ouvinte. A primeira palestra de que

participei com surdos assistindo e interagindo com ouvintes foi na APADA (Associação

de Pais e Amigos dos Deficientes de Audição), em Niterói. Ao verificar que isso era

possível, fiquei muito emocionada.

Acenava-se então com a entrada da comunicação total na educação dos surdos.

Discutia-se se seria bom para o surdo o aprendizado da língua de sinais, se não

atrapalharia o desenvolvimento da sua fala, que era primordial na educação oralista.

Portanto, a comunicação total serviu como marco na aceitação do surdo e abriu caminho

para o bilingüismo.

1 No II Congresso de Surdos, realizado em Milão, em 1880, foi recomendado o oralismo como o meio mais adequado de ensino dos surdos. Desde então, tanto no exterior como no Brasil, a abordagem educacional oralista tem grande força e é ainda utilizada.

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Embora a língua de sinais tenha começado a ser utilizada, na educação de surdos

em geral, com a chegada da Comunicação Total2 em meados dos anos 1980, somente na

década de 1990, com a verificação por parte dos lingüistas de que a língua de sinais se

tratava de uma língua própria com regras próprias, puderam ser discutidas diferentes

formas e métodos, e o biligüismo foi introduzido no INES, não sem muitas críticas. O

Instituto passou a desenvolver cursos para intérpretes e monitores surdos e, atualmente,

com a Lei de LIBRAS (Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002), adotou uma política de

respeito à LIBRAS e os professores contam com intérpretes para garantir a

compreensão e participação dos alunos, o que tem proporcionado aumento de sua

presença em seminários realizados no Instituto sobre temas relacionados a surdez,

identidade e cultura surda.

Entretanto, mesmo após a entrada do bilingüismo, o que é possível perceber é

que os professores do Instituto parecem ancorar sua representação de aluno surdo na

idéia de passividade, o que pode ser evidenciado não apenas por sua didática, ainda

centrada no oralismo, e comentários acerca da aprendizagem dos alunos, como também

por suas atitudes em relação a eles. Embora os docentes adotem um discurso em defesa

de uma educação e uma escola inclusiva, identifica-se em suas práticas diversas formas

de exclusão que promovem o reconhecimento do sujeito surdo como aquele que não

pode e nada consegue fazer3.

Essa percepção me despertou o desejo de abraçar a teoria das representações

sociais, desenvolvida por Serge Moscovici (2001), como referencial teórico-

metodológico para compreender como os alunos do INES se representam enquanto

sujeitos surdos.

Entendo que esses alunos existem a partir da visão do outro, são seres sociais

que se constituem em relação com os outros, num processo de interação que dura a vida

toda. Considero, como Ceia (2005), que o eu só existe em diálogo com os outros, sem

os quais não se poderá definir, e que o processo de autocompreensão só se realiza

através da alteridade, isto é, pela aceitação e percepção dos valores do outro.

2Conforme explica Dorziat (2007), a Comunicação Total é uma filosofia educacional que entende o surdo como pessoa e a surdez como marca em vez de considerá-lo portador de uma patologia de ordem “médica”. 3Lacerda (1998) comenta que, mesmo havendo propostas educacionais que têm por objetivo o desenvolvimento pleno das capacidades dos alunos surdos, na prática não é o que acontece. Conforme explica a autora, diferentes práticas pedagógicas apresentam limitações e ao fim da escolarização básica, os alunos surdos não são capazes de ler e escrever satisfatoriamente.

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Nesse sentido, acredito que as representações sociais são uma das maneiras que

os sujeitos têm de se apropriar dos aspectos da realidade, compreendidas, pois, como

uma forma de conhecimento,

as representações sociais constituem-se no senso comum dos indivíduos, elaborado a partir de imagens, crenças, mitos e ideologias. Por tudo isso é fundamental em se tratando do tema, saber “por quê” se produzem as representações sociais, uma vez que a sua função é contribuir exclusivamente para os processos de formação de condutas e de orientação das comunicações sociais (SILVA, 2000)

Portanto, é relevante conhecer comportamentos, idéias, valores, crenças e

modelos dos alunos do INES, que legitimam e sustentam sua pertença ao grupo dos

diferentes, dos excluídos, dos discriminados. “É por meio das representações sociais

que os sujeitos são orientados e organizam os comportamentos, intervindo nos

comportamentos coletivo e individual, nas transformações sociais e na definição das

identidades pessoal e social” (BASSANI, 2007, p. 2).

Ao buscar estudos sobre as representações sociais de ser surdo, encontrei

inúmeros trabalhos que focalizavam a surdez, como aquele desenvolvido por

Bittencourt e Montagnoli (2007), que procuraram conhecer as representações sociais e o

impacto da surdez no cotidiano de familiares de crianças surdas. Os autores verificaram

que a surdez era representada como “um fardo”, “sofrimento”, “transtorno” e

“sobrecarga”, o que gerava um sentimento de culpa e dificuldade de aceitação da

criança surda por parte da família.

Os trabalhos cujo objeto de estudo eram os alunos surdos, em sua maioria,

buscavam conhecer as representações sociais do diferente na escola regular,

principalmente elaboradas por seus professores. O estudo de Silva e Pereira (2003), por

exemplo, realizado através de entrevistas e de observações em sala de aula de sete

professoras do Ensino Fundamental, que lecionavam em escolas municipais ou

estaduais do município ou da região de Campinas e que tivessem pelo menos um aluno

surdo freqüentando suas aulas, gerou quatro categorias que compuseram as

representações que as professoras têm de seus alunos surdos: aspecto intelectual,

aspecto comportamental, aspecto da linguagem e aspecto da aprendizagem. Ao

empreenderem a análise dessas categorias, as autoras concluíram que, embora as

professoras fizessem o discurso que os alunos surdos têm condições de serem incluídos

por serem inteligentes e por se comportarem bem, na prática eram tratados como

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excluídos, uma vez que elas exigem muito menos deles e toleram muito mais seus

comportamentos e atitudes. Mais ainda: para as professoras, os alunos surdos são menos

capazes que os ouvintes.

As discussões sobre inclusão do diferente têm incentivado a produção de muitos

estudos nessa direção. Entre eles, chamou minha a atenção o artigo de Lunardi (2001),

que relaciona o discurso da surdez com as práticas de inclusão e exclusão. A autora

utiliza como ferramenta a noção de normalidade desenvolvida por Foucault por

entender que esta perpassa os discursos das políticas de inclusão e das pedagogias

especiais e que não há alguém completamente incluído e excluído e sim “jogos de poder

em que, dependendo da situação, da localização e da representação, alguns são

enquadrados e outros não”. Ao assumir essa compreensão, Lunardi (2001) discute a

relação inclusão/exclusão a partir da noção de saber/poder e conclui que ser surdo não é

estar excluído do mundo ouvinte. Para ela,

ser surdo e participar de um processo de escolarização juntamente com os sujeitos ouvintes não significa estar incluído e gozar de todos os benefícios que esta suposta inclusão o proporcionaria (...) O que deve ser posto em discussão não é o caráter binário das políticas de inclusão/exclusão, mas os argumentos, as condições de possibilidade que fundamentam essas políticas, como também quais os significados e representações que se produzem e reproduzem nestas propostas (LUNARDI, 2001, p. 6).

Grande parte dos trabalhos relacionados às representações sociais de ser surdo

focaliza a língua de sinais (LIBRAS) e, em decorrência, discute a identidade e a cultura

surda. Dentre esses, destaco o estudo de Santana e Bergamo (2005) e o de Cavalcanti

(1999).

Santana e Bergamo (2005) abordam a legitimação da identidade e da cultura

surda pela defesa da língua de sinais, considerada a língua natural dos surdos. Os

autores consideram que a língua é tomada como o instrumento por excelência de

constituição e definição da comunidade de ouvintes e da comunidade de surdos e

determinada pelas práticas e interações sociais, ao mesmo tempo em que é definidora

dessas mesmas práticas. Revelam a divisão social que se faz a partir da questão

lingüística e demonstram que “o que está por trás dela não é apenas a cisão entre surdos

e ouvintes, mas uma outra cisão, interna à academia, a respeito de qual seria a forma

mais verdadeira de ver – ou analisar – uma “identidade” e uma “cultura” (SANTANA;

BERGAMO, 2005, p. 9).

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O estudo de Cavalcanti (1999) focaliza a educação bilíngüe e a escolarização em

contextos de minorias lingüísticas no Brasil. A autora tece considerações sobre a

necessidade de os currículos de formação de professores contemplarem uma forma ou

outra dos contextos bilíngües / multilíngües e a efetivação de uma política lingüística de

inclusão que tenha influência na modificação dos cursos de formação de professores e

de técnicos e agentes educacionais.

Verifiquei, no entanto, que pesquisas relacionadas às representações sociais de

ser surdo elaboradas por jovens surdos, matriculados em uma instituição de ensino que

é referência nacional, ainda não foram realizadas. Por entender que as representações

sociais reestruturam a realidade, permitindo uma integração simultânea das

características do objeto, das experiências anteriores e de seu sistema de atitudes e

normas (MOSCOVICI, 2001), considero a teoria das representações sociais de

fundamental importância para o desenvolvimento de pesquisas sobre o tema. É essa

lacuna que o estudo agora apresentado visa a suprir.

A pesquisa qualitativa, desenvolvida no período compreendido entre fevereiro e

setembro de 2007, tomou como norteadoras as seguintes questões:

Quais as representações sociais de ser surdo elaboradas por jovens que

estudam no Instituto Nacional de Educação de Surdos?

Que mudanças nas representações sociais de ser surdo foram percebidas

após a intervenção efetuada nas aulas de História?

Para responder essas questões, foram elaborados quatro capítulos. No primeiro,

intitulado Uma breve história dos surdos, procurei refletir criticamente sobre como os

surdos eram considerados incapazes no passado, especialmente entre os séculos XV e

XX. Em duas seções, procurei apresentar como na modernidade as normas tornam os

indivíduos comparáveis e possibilitam que cada um se reconheça como uma medida

comum (EDWALD, 1993), e como na pós-modernidade, época em que os componentes

que formaram a modernidade estão em crise, a surdez passa a ser vista como diferença,

rompendo com uma concepção, ainda hegemônica, de localizar a surdez dentro dos

discursos e práticas vinculadas à deficiência.

No segundo capítulo, A educação dos surdos no Instituto Nacional de

Educação dos Surdos (INES), por meio de três seções, relato a origem dessa

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instituição para, em seguida, apresentar seu Projeto Político Pedagógico e o Programa

da Disciplina de História para as 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental.

No terceiro capítulo, A teoria das representações sociais, apresento, na

primeira seção, aspectos fundamentais da teoria seminal desenvolvida por Serge

Moscovici e ampliada por Denise Jodelet, como, por exemplo, sua definição mais

consensual: “As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente

elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção

de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 2002, p. 22). Na segunda

seção relaciono estudos sobre representação social de surdos que contribuíram para a

elaboração desta pesquisa.

No quarto capítulo, Falando com jovens do INES, apresento a pesquisa

qualitativa4 com enfoque teórico-metodológico nas representações sociais empreendida

através de quatro seções: Metodologia, Perfil dos Participantes, Relatos, Análise de

Dados e Resultados. É nesse capítulo que relato as três etapas em que foram coletados

os dados no campo.

Nas Considerações Finais são discutidos os resultados encontrados registradas

considerações sobre a intervenção realizada. Concluí que, mesmo levando-se em conta

que o tempo destinado à intervenção não foi suficiente para promover uma mudança nas

representações sociais dos jovens, foi possível verificar que os alunos obtiveram mais

informações sobre fundações e associações que defendem os direitos da pessoa surda e

se propuseram a intensificar a busca por elas, como possibilidade de viver melhor entre

ouvintes.

4As pesquisas qualitativas “compreendem um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo de significados. Tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e indicado; entre teoria e dados; entre contexto e ação” (NEVES, 1996, p. 1).

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CAPÍTULO 1

UMA BREVE HISTÓRIA SOBRE OS SURDOS

Por muitos séculos, a história dos surdos tem sido uma história de exclusões e

não pertencimentos, marcada por conflitos e controvérsias. É uma história sobre a qual

faltam registros verídicos e comprovados (STROBEL, 2006), pois muitos daqueles que

desenvolveram trabalhos com surdos não deixaram escritos. Conforme aponta Souza

(1998, apud SÁ, 2006, p. 3),

o pouco conhecimento que ainda temos dos surdos, enquanto personagens constitutivos de vários grupos sociais minoritários, pertencentes, pois, a comunidades tão legítimas quanto tantas outras, tem colaborado, e em muito, para a exclusão de gerações e gerações de surdos pela assimilação da diferença, pelo assujeitamento das alteridades à lógica da igualdade descabida de uns poucos.

Na Antiguidade, os surdos eram considerados não educáveis e imbecis. Não

falar significava não ter uma pátria, não pertencer, ser um não-lugar, pois a linguagem

dava a condição humana para o indivíduo.

Na Idade Média, os surdos não tinham direito a terra nem a herança, porque não

falar significava não pertencer a nenhum grupo. O alfabeto dactilológico, introduzido

nessa época e muito utilizado entre os monges beneditinos que não queriam violar o

voto de silêncio, não surgiu entre os surdos, pois as letras do alfabeto manual

representavam sons da língua oral dos ouvintes (STROBEL, 2006). Na Espanha, os

monges do Mosteiro de Oana, por exemplo, para se comunicarem empregavam um

sistema de comunicação manual inventado pelo próprio mosteiro (PLANN, 1993 apud

LODI, 2005).

Os surdos também foram considerados loucos por muito tempo. Foucault (1991)

registra a presença de surdos na nau dos loucos5, que eram abandonados ao mar, no

5“A Renascença viu surgir uma nova e estranha figura ao longo dos canais flamengos e dos rios da Renânia: a nau dos loucos. Já por aquela época, os loucos tinham uma existência errante. Escorraçados das grandes cidades, expulsos de suas fortificações e condenados à peregrinação, foi se firmando o costume de confiá-los, também, aos barqueiros. Desta prática surgia a certeza de que os insanos iriam para longe o quê – nas palavras de Foucault – os tornava prisioneiros de sua própria partida”. (ROLIM, 1991. Disponível em http://www.rolim.com.br/ensaio2.htm. Acesso em 19/06/06; 19:41:45).

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Renascimento. Ao final do século XV não havia escolas especializadas para surdos e os

ouvintes tentavam ensinar os surdos a falar.

Somente nos meados do século XVI, é que

se começa a admitir que os surdos podem aprender através de procedimentos pedagógicos [e] diversos pedagogos colocaram-se à disposição para fazer este trabalho, apresentando várias práticas pedagógicas e, conseqüentemente, vários resultados. Contudo, tinham um único propósito, desenvolver o pensamento, adquirir conhecimentos e fazer com que o surdo se comunicasse com o mundo ouvinte. Para tal, procurava-se ensiná-los a falar e a compreender a língua falada, mas a fala era considerada uma estratégia, em meio a outras, de se alcançar tais objetivos (COMANDOLLI, 2006, p. 3).

Na Itália, Cardamo afirma que a audição e o uso da fala não são indispensáveis à

compreensão das idéias e começa a utilizar sinais e linguagem escrita. O monge

beneditino espanhol Pedro Ponce de León, além de usar sinais, treina a voz e a leitura

dos lábios. Apontado como o primeiro professor de surdos, Ponce de León ensinava-os

a ler, escrever, fazer cálculos e afirmava que eles podiam aprender porque não possuíam

nenhuma lesão cerebral, o que era evidenciado por médicos da época. Ao contrário do

que pensavam os especialistas, os surdos eram capazes de desenvolver uma linguagem

assim como qualquer aprendizagem.

Apesar de em seu estudo Ponce de León ter observado a necessidade do ensino

de uma fala para os surdos, seu método se baseou exclusivamente na linguagem escrita.

Procedendo desse modo, o monge e pedagogo estava apenas em consonância com o

pensamento de sua época, em que se acreditava que “à escrita cabia a chave do

conhecimento, ou seja, ela era tida como a natureza primeira da linguagem; a fala era

apenas um instrumento que a traduzia. À escrita, fora atribuído, assim, um signo de

poder” (LODI, 2005, p. 4).

Conforme explica Lodi (2005), as razões da primazia da linguagem devia-se a

um desejo de preservar aos escribas e ao clero, representantes da classe social de poder,

a posse exclusiva de determinadas informações. As religiões eram consideradas como

religiões orais em função da conversão realizada a partir da palavra escrita, que

possibilitava acesso privilegiado aos textos sagrados6. Esse era também o motivo pelo

qual cabia aos clérigos a função de educar a sociedade e, conseqüentemente, os surdos.

6 “O monge franciscano Fray Melchor Yebra (1526-1586) foi o primeiro a escrever um livro que descreve e ilustra um alfabeto manual, que foi publicado sete anos após sua morte. O Yebra usava alfabeto manual para finalidades

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Francisco e Pedro de Velasco, dois irmãos que foram educados por Ponce de

León, pertenciam a uma família que possuía dois outros irmãos também surdos. Devido

à surdez identificada, na educação dos irmãos, Ponce de León utilizava uma linguagem

desenvolvida pela própria família dos alunos. No entanto, apesar de haver alguma

diferença entre a linguagem familiar (home signs) e a linguagem utilizada pelos

beneditinos, no Mosteiro de Oana,

Ponce de León parece não haver hesitado em utilizar os sinais, negociados entre os dois sistemas, como instrumento comunicativo para o desenvolvimento da educação. Essa negociação fazia-se necessária, na medida em que o sistema manual utilizado pelos Beneditinos era restrito a um conjunto lexical utilizado para a representação dos objetos; era uma coleção de sinais que tinha o espanhol como ponto de referência. Os home signs dos de Velasco, por sua vez, podem ser caracterizados como um sistema de comunicação utilizado e criado pelos próprios surdos, não tendo como base a gramática da linguagem oral espanhola (LODI, 2005, p. 5).

Os surdos da família de Velasco contribuíram para o desenvolvimento do

processo educacional de Ponce de León e tal contribuição deve ser enfatizada, porque

talvez tenha sido o principal fator para o sucesso do método educativo proposto pelo

monge beneditino, particularmente entre os nobres. Por essa razão, muitos filhos de

nobres buscaram inspiração no método de Ponce de León para a educação dos surdos e

tomaram para si a tarefa de educar seus pares, tanto para ganhar prestígio quanto por

poder econômico, o que retirou, de certa maneira, a educação geral e a dos surdos das

mãos da Igreja7. Nessa época, o objetivo principal era ensinar os surdos a falar, uma vez

que somente desse modo é que, segundo a visão da época, seria possível que eles

deixassem sua condição de selvagens, pois sua língua nada mais era do que uma mímica

e não poderia ser usada na educação.

É no início do século XVIII que inúmeras discussões dividirão oralistas de

gestualistas8. “Com base nessas posições configuram-se duas orientações divergentes na

religiosas ao promover entre o povo surdo a compreensão de matérias espirituais” (SOBREL, 2006. Disponível em http://www.surdospelsurdos.com/historia_alfabetomanual.asp). 7 Entendemos que a chegada dos ideais iluministas contribuiu significativamente para o enfraquecimento do poder eclesiástico no campo da educação, uma vez que enfatizavam educação “com o objetivo de se criar uma raça iluminada. Os iluministas acreditavam que tinha chegado o momento de esclarecer as massas, criando assim uma sociedade melhor. Com uma maior educação, seria o fim da miséria e da opressão, pois estas eram causadas apenas pela ignorância e pela superstição” (DUARTE, 2002. Disponível em http://www.miguelduarte.net/humanismo-secular/historia-humanismo-secular.html. Acesso em 20/05/06; 07:51:47). 8 “Os oralistas exigiam que os surdos superassem sua surdez e falassem, e que se comportassem como se não fossem surdos, fazendo assim com que ele fossem aceitos pela sociedade. Nesse processo deixava-se a imensa maioria dos surdos de fora de toda a possibilidade educativa. Os gestualistas eram mais tolerantes diante das dificuldades do

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educação de surdos, que se mantiveram em oposição até a atualidade, apesar das

mudanças havidas no desdobramento de propostas educacionais” (LACERDA, 1998, p.

3).

Foi no Iluminismo que surdos de famílias abastadas começaram a ser vistos

como sujeitos passíveis de estudar, porém com professores particulares.

A figura do preceptor era muito freqüente em tal contexto educacional. Famílias nobres e influentes que tinham um filho surdo contratavam os serviços de professores / preceptores para que ele não ficasse privado da fala e conseqüentemente dos direitos legais, que eram subtraídos daqueles que não falavam (LACERDA, 1998, p. 4).

Mestres em toda Europa desenvolveram diferentes métodos que ora priorizavam

a língua falada, ora a língua de sinais e o ensino da fala. O padre e educador Juan Pablo

Bonet, na Espanha, defensor da metodologia oralista, propôs o alfabeto digital e, por

meio da língua de sinais, ensinava gramática. É de sua autoria o primeiro livro sobre

educação de deficientes, publicado em Madri em 1620: Redução das letras e arte de

ensinar a falar os mudos. Nessa obra, dedicada aos professores de surdos, Bonet

considera, inclusive, o uso precoce do alfabeto manual.

Na Inglaterra, John Bulwer defende o uso da linguagem manual para os surdos,

assim como George Dalgarno, que desenvolve teorias para ensinar a linguagem dos

surdos.

Defensores do oralismo, Jacob Rodrigues Pereira, espanhol de nascimento e

apontado como pioneiro do ensino aos surdos na França, modificou o método de Bonet,

introduzindo pontuação, acentuação e números, e Waalis, considerado “o pai do

oralismo inglês”, seguiu os passos de Bonet, mas desistiu de ensinar os surdos a falar,

voltando-se à linguagem de sinais. Na Alemanha, Braidwood funda a primeira escola

para correção da fala, utilizando palavras escritas (significado e pronúncia), leitura

orofacial (LOF) e alfabeto digital.

Na França, o abade Charles-Michel de L’Epée, no final do século XVIII, recolhe

surdos pobres nas ruas parisienses, aprende sua língua gestual e tenta associar os gestos

a palavras escritas e imagens. Foi com L’Epée que os surdos não oralizados tiveram a

oportunidade de serem vistos como humanos, podendo realizar tarefas que eram

surdo com a língua falada e foram capazes de ver que os surdos desenvolviam uma linguagem que ainda que diferente da oral, era eficaz para a comunicação e lhes abria as portas para o conhecimento e a cultura” (COMANDOLLI, 2006. Disponível em http://www.unifebe.edu.br).

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designadas apenas aos ouvintes.

O Instituto Nacional para Surdos-Mudos daquela época, primeira escola para

surdos, reconheceu a existência de uma língua utilizada pelos surdos para se

comunicarem entre si, entendendo que a essa linguagem era um instrumento adequado

para desenvolver o pensamento e a comunicação dos surdos e que poderia ser usada em

sua educação.

Segundo L’Epée, cada surdo-mudo enviado a nós já tem uma língua (...) Ele tem o hábito de usá-la e de entender os outros que o fazem. Com ela ele expressa suas necessidades, desejos, dúvidas, dores e assim por diante... Nós queremos instruí-lo e ensinar-lhe o francês. Qual método mais curto e mais fácil? Não seria nós nos expressarmos em sua língua? Adotando sua língua e fazendo isto conforme regras claras nós não seremos capazes de conduzir sua instrução como desejamos? (LANE, 1984, apud LODI, 2005, p. 6).

Entretanto, o reconhecimento da língua dos surdos foi apenas parcial, uma vez

que L’Epée, quando dizia “regras claras”, fazia referência apenas à gramática francesa,

considerada àquela época superior às demais.

É também na França do final do século XVIII que Ernaud desenvolve o método

oralista francês, que vai influenciar a educação dos surdos durante muitos séculos,

chegando à contemporaneidade. Ernaud colocava-se contra o alfabeto manual, que

“impedia a leitura labial, estragava a articulação, paralisava a atividade orgânica

necessária à fala e era inútil à sociedade” (ASSOCIAÇÃO DE SURDOS DE

PERNAMBUCO, 2006).

1.1 A modernidade e a norma como regime de verdade

O advento da modernidade é acompanhado por um processo de disciplinarização

e normatização da sociedade derivado tanto de uma forma científica de ver o mundo e

as coisas quanto de uma necessidade de controle sobre o outro, que até então era

desconhecido. Este outro se constitui tanto dos diversos objetos que o conhecimento

humano vinha descobrindo ou inventando a partir do advento da modernidade quanto os

habitantes do Novo Mundo descoberto a partir da expansão marítima e comercial.

O quadro geral mencionado anteriormente oferece uma série de

condicionamentos relativos à forma como na modernidade as pessoas se relacionam

com a alteridade. No âmbito de uma sociedade que procurava conhecer de forma

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científica, “o diferente somente poderia ser considerado como um desvio ou uma

anormalidade, em relação a uma suposta norma que se acreditava fixa, estável, centrada

e homogênea” (SKLIAR, 2001, p. 121).

Norma, neste caso, refere-se a uma série de sujeitos e objetos que fazem dos

autores da modernidade aquilo que ela é, caracterizando-a. Nesse sentido, se a norma

era considerada fixa, estável, centrada e homogênea, tudo o que dela se desviava era

denominado de “anormal”, podendo ser considerado como

esses cada vez mais variados e numerosos grupos e autores da Modernidade vêm, incansável e incessantemente, inventando e multiplicando: os sindrômicos, deficientes, monstros e psicopatas (em todas as suas variadas tipologias), os surdos, os cegos, os aleijados, os rebeldes, os pouco inteligentes, os estranhos, os GLS, os “outros”, os miseráveis, o refugo enfim (VEIGA-NETO, 2001, p. 105).

A perspectiva científica muniu os autores pós-modernos para analisar e

representar o mundo e emprestou tanto às definições quanto às descrições (portanto,

também às narrativas) do que era normal e anormal, um caráter de veracidade e de

precisão, fazendo parecer que “as coisas eram assim mesmo”. No entanto, conforme

observou Skliar (2001, p. 122-3), “o problema da representação não está delimitado por

uma questão de denominação / descrição da alteridade. Há, sobretudo, uma regulação e

um controle do olhar que definem quem são e como são os outros”.

Na medida em que se define o outro, ou aquilo que se desvia de uma suposta

normalidade, necessariamente define-se esta normalidade, porque o outro é aquilo que

nós não somos, ou que, de alguma forma, não queremos ser. Desse modo, torna-se ainda

mais premente a definição de normalidade, a fim de expulsar de nós mesmos aquilo que

não desejamos que se apresente como uma “marca” nossa.

Necessitamos do outro, mesmo que assumindo certo risco, pois de outra forma não teríamos como justificar o que somos, nossas leis, as instituições, as regras, a ética, a moral e a estética de nossos discursos e nossas práticas. Necessitamos do outro para, em síntese, poder nomear a barbárie, a heresia, a mendicidade etc. e para não sermos, nós mesmos, bárbaros, hereges, mendigos (SKLIAR, 2001, p. 124).

Desta forma, nos termos colocados pela normalidade (isto é, de totalidades fixas,

homogêneas, centradas, estáveis; e também, a necessidade de se definir, medir,

quantificar), a questão da alteridade não poderia deixar de se apresentar a partir de uma

lógica binária, eu/outro, normal/anormal, dentro/fora.

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Nesta lógica, até mesmo pela disposição dos termos, as oposições binárias

sugerem a existência de um privilégio e de uma superioridade em relação ao primeiro

termo, sendo o segundo sua inversão negativa. Nesse sentido,

a lógica binária atua como se rompesse e se projetasse: o centro expulsa suas ansiedades, contradições e irracionalidades sobre o termo subordinado, levando-os com as antíteses de sua própria identidade. O outro simplesmente reflete e representa aquilo que é profundamente familiar ao centro, porém projetado para fora de si mesmo. Por isso, quando os binarismos são identificados culturalmente, o primeiro termo sempre ocupa a posição gramatical do “o”, porém nunca o eu ou o tu, construindo na modalidade enunciativa sua posição de privilégio (SKLIAR, 2001, p. 123).

Foi nesta perspectiva de se tratar e se referir ao outro que os surdos também

foram considerados.

Como os autores da modernidade procederam ao nomear o outro, relacionando-

se com a alteridade, os surdos não poderiam deixar de ser colocados no segundo termo

do par binário normal/anormal. E, nesse sentido, foram igualados aos anormais, loucos,

deficientes, desviantes.

No entanto, mesmo sob esta perspectiva, é possível encontrar algumas nuances,

decorrentes de diferentes processos históricos pelos quais passou a própria

modernidade. Até o século XIX, apesar de serem considerados como anormais, os

surdos ainda não haviam sido suficientemente conhecidos, definidos e nomeados. Se de

um lado havia não se sabia ao certo quem eles eram, sendo muitas vezes considerados

como “demoníacos”; de outro, aqueles que se interessavam pelos surdos ainda não

haviam sido totalmente contaminados pelo discurso médico-terapêutico, havendo

autores que, não apenas não consideravam os surdos como tal, como também

propunham, por exemplo, a utilização de uma linguagem de sinais para sua educação ou

“a possibilidade para os filósofos de estudar a formação das línguas a partir da

investigação da ‘língua dos gestos’ de um surdo de nascença” (OLIVEIRA, 2003, p.

28), como fizera Diderot.

Nos séculos XVIII e XIX surgiram as primeiras escolas para surdos que

utilizavam uma língua de sinais. No entanto, a partir de meados do século XIX, esta

concepção mais aberta para com os surdos e a utilização de uma língua de sinais para a

sua educação sofrem uma reversão, com o advento do que se pode denominar “alta

modernidade”. A partir de então, em função das inúmeras descobertas científicas que

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ocorreram no século XIX, bem como da necessidade de uma maior normatização da

sociedade a fim de “educá-la” para o trabalho de modo a satisfazer às necessidades da

Revolução Industrial que estava em seu auge, houve uma ênfase ainda maior no

tratamento das coisas de forma científica.

Tornou-se ainda mais premente na modernidade (quer dizer, o poder

hegemônico) a dominação do mundo e das coisas à sua volta, nomeando-os, medindo-

os, definindo-os e os julgando. Este foi um período em que a dominação colonial e

industrial e a ciência atingiram o seu ápice, não deixando mais nenhum espaço livre da

regulação e do controle.

Neste contexto, os surdos passaram a interessar ainda mais à ciência, que acabou

por considerá-los a partir de uma perspectiva meramente medicinal.

1.1.1 A perspectiva médico-terapêutica da surdez

Segundo a perspectiva médico-terapêutica, que se centra em aspectos

estritamente biológicos, os surdos são considerados como “deficientes”. Possuem uma

deficiência auditiva que os impede de falar e de adquirir uma linguagem verbal,

considerada como fundamental para a aquisição de todo conhecimento disponível pela

sociedade, assim como toda a comunicação realizada por esta e, portanto, a integração e

o desenvolvimento cultural. Por isso, necessitariam de um tratamento que visasse à

“cura” do déficit auditivo, ou, pelo menos, das conseqüências dele advindas (SKLIAR,

1997).

De acordo com esta concepção, o aprendizado da língua oral era considerado

imprescindível e a linguagem de sinais utilizada pelos surdos um obstáculo a tal

aprendizado. Nesse sentido, criou-se uma oposição binária entre ouvintes/surdos e entre

língua oral/língua de sinais, sendo os primeiros termos considerados como a norma, a

correção, o que deveria ser seguido, e os segundos o desvio, a incorreção e que, por isso

mesmo, deveriam ser banidos.

A perspectiva médico-terapêutica de se ver os surdos permaneceu incólume até

mesmo contra diversas descobertas da ciência e, em particular, da lingüística acerca do

fato de que a competência lingüística é geneticamente a mesma para todos os

indivíduos. Skliar (1997) considera que todo déficit sempre tende a criar determinados

estímulos visando à produção de uma compensação. Nesta perspectiva, o

desenvolvimento humano e o de sua linguagem não são unidirecionais, mas dialéticos,

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de modo que a educação especial deveria proporcionar à criança mediações – signos,

símbolos, instrumentos – visando ao favorecimento de um desenvolvimento centrado

não no déficit, mas naquilo que o compensa. Skliar (1997), ao tomar Noam Chomsky

como norte, sugere que tanto a língua falada quanto a de sinais se desenvolvem a partir

de uma capacidade inerente ao homem. Considera que a língua de sinais, na medida em

que se utiliza do espaço como um elemento sintático, pode ser considerada como mais

complexa que a falada. Para Sacks (1990), não há evidência de que o uso de sinais iniba

a aquisição da fala, mas, ao contrário, isto é, a imposição da fala tende a inibir o seu

próprio aprendizado.

A língua de sinais utiliza-se predominantemente do hemisfério esquerdo do

cérebro, que interpreta literalmente as frases ditas. Portanto, conforme afirma Saussure (1995, p. 48-49),

a língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta é necessária para que a língua se estabeleça; historicamente, a fala precede sempre. Como seríamos capazes de associar uma idéia a uma imagem verbal se antes não tivéssemos surpreendido uma associação num ato de fala? Por outro lado, é ouvindo os outros que aprendemos a nossa língua materna; ela só se instala no nosso cérebro após inúmeras experiências. Por último, é a fala que faz evoluir a língua: são as impressões recebidas ao ouvirmos os outros que modificam os nossos hábitos lingüísticos. Há, portanto, interdependência da língua e da fala; aquela é, ao mesmo tempo, o instrumento e o produto desta. Mas tudo isto não as impede de serem duas coisas absolutamente diferentes

A língua de sinais seria banida da educação dos surdos, voltando ao contexto

apenas na década de 1970 e com mais intensidade na década de 1980, em função não

apenas de diversas descobertas científicas relativas à linguagem e à língua de sinais,

mas, sobretudo, em função de mudanças sociais e culturais. No entanto, o que vigorou

em relação à educação dos surdos foi a imposição da língua oral como a primeira língua

que eles deveriam aprender e de valores relativos a esta consideração, que configuraram

o que passou a ser considerado como oralismo.

1.1.2. O oralismo

A idéia de que os surdos deveriam aprender a língua oral foi estabelecida a partir

do Congresso de Milão, em 1880. Neste congresso, “que não contava com a

participação nem com a opinião da minoria interessada – um grupo não muito numeroso

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de educadores ouvintes” (SKLIAR, 1997, p. 109) , a língua oral foi considerada

superior à língua de sinais, devendo esta última ser excluída da educação dos surdos.

A escola oralista parte do princípio de que a criança surda possui uma

deficiência intrínseca que a faz estar aquém da capacidade de aprendizagem dos

ouvintes, o que a impede de atingir os objetivos educacionais propostos. Além disso, o

método oralista dá uma excessiva atenção à estrutura gramatical da língua.

Com a imposição do oralismo à educação dos surdos, somente cerca de 10% dos

surdos conseguiam alcançar um desenvolvimento comunicativo satisfatório em termos

de leitura escrita e leitura labial. Desta forma, o fracasso final da educação surda acabou

por ser não apenas justificado, mas, também, esperado. Tal perspectiva, no entanto, não

fora entendida como um fracasso do método educativo em questão, mas sim dos alunos

para os quais este se dirigia, em função de sua deficiência auditiva.

No entanto, não se deve confundir diferença auditiva com suas conseqüências

sociais. Isso significa dizer que nem todos os problemas sociais, comunicativos,

lingüísticos, educacionais dos surdos derivam de um déficit auditivo. Isso é importante,

porque considerar que os problemas dos surdos derivam de uma deficiência auditiva

significa imputar-lhes a responsabilidade sobre o fracasso de sua educação e integração,

individualizando uma questão cuja causa é coletiva e social. Conforme registra Patto

(1990), o processo de individualização dos fracassos consiste num procedimento

bastante comum de posturas teóricas e culturais etnocêntricas, sobretudo no âmbito da

educação.

O maior ou menor êxito no desenvolvimento da capacidade comunicativa,

lingüística e cognitiva dos surdos depende de muitos fatores, entre os quais sua inserção

social na sociedade, começando pela inserção familiar (se a família do surdo é surda ou

ouvinte); se as instituições escolares oferecem aos surdos as mesmas possibilidades

educacionais que aos ouvintes; se existe possibilidade de comunicação social por parte

dos surdos na sociedade (programas de televisão com legenda ou linguagem de sinais);

enfim, a própria forma como os surdos são representados socialmente na sociedade.

A imposição da língua falada como primeira língua na educação dos surdos

acarreta outro problema: o desenvolvimento de dupla identidade por parte do indivíduo

surdo. Uma identidade deficitária – derivada da educação oralista e da idéia de uma

suposta superioridade da língua falada e do mundo dos ouvintes – e uma identidade

surda – derivada do compartilhamento e da vivência do surdo com outros surdos cuja

integração ao mundo dos ouvintes fora fracassada.

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Além disso, pelo fracasso da integração dos surdos, estes acabaram por

desenvolver uma espécie de “surdez atitudinal”, produto de processos de identificação

dos próprios surdos entre si, em oposição a uma surdez audiométrica ou .audiológica,

utilizada como uma “defesa” dos surdos em relação ao mundo dos ouvintes (SKLIAR,

2001).

Portanto, a aplicação do oralismo na educação dos surdos lhes trouxe diversos

problemas cujas conseqüências podem ser observadas até hoje, uma vez que ainda

restam diversos nichos de ideologia oralista na educação de surdos. No entanto, o

aspecto mais complexo em relação a esta forma de educação foi que

[o] Oralismo foi fruto de uma dificuldade humana de lidar com a diferença e ver o outro como um sujeito, vivo e sensível ao mundo (...) Mais do que isso, foi conseqüência de uma educação técnica e bancária iniciada há várias gerações, que não apenas ecoou na educação praticada junto aos surdos, mas que antes, (des)educou a todos (LUZ, 2003, p. 7).

Até os anos 50 do século XX, quase nada foi acrescentado ao panorama

educacional dos surdos. Foram fundados a Federação Mundial de Surdos, em Roma, o

Grupo Desportivo de Surdos-Mudos, em Lisboa, e desenvolvidos novos modelos de

prótese auditiva e técnicas com a intenção de propiciar/restituir a audição dos surdos.

Esperava-se que com o uso de próteses fosse possível educar crianças com surdez grave

e profunda e ajudá-las a ouvir e conseqüentemente a falar.

Passados os primeiros séculos de imposição do oralismo e do fracasso da

educação dos surdos devido ao radicalismo dos métodos orais, a década de 60, com toda

sua turbulência, contribuiu para a conscientização política de diferentes minorias, nelas

incluídas as minorias lingüísticas9. Movimentos como o feminismo, novas revoluções e

mudanças características da época propiciaram o surgimento dos primeiros discursos a

respeito da surdez como diferença.

9 “Minorias lingüísticas são grupos que usam uma língua, quer entre os membros do grupo, quer em público, que claramente se diferencia daquela utilizada pela maioria, bem como da adotada oficialmente pelo Estado. Não há necessidade de ser uma língua escrita. Entretanto, meros dialetos que se desviam ligeiramente da língua da maioria não gozam do status de língua de um grupo minoritário. Do mesmo modo que religião, e, a seguir, etnia, precisam ser definidas, o mesmo se dá com a expressão língua, e minorias lingüísticas. Língua é utilizada como sinônimo de linguagem, querendo significar método humano e não instintivo de comunicar idéias, sentimentos e desejos, por meio de um sistema de sons e símbolos sonoros. Daí se percebe a importância, quer para o grupo minoritário, quer para a sociedade dominante, do reconhecimento da existência de uma comunidade cujo patrimônio se distingue e é tornado especial precisamente pelo modo de comunicação de seus sentimentos, suas idéias, seus valores, etc. A língua constrói fronteiras, define marcos e limites. Ou os supera. Todas têm de ser respeitadas no que de particular têm para contribuir com a diversidade cultural” (MAIA, 2006. Disponível em http://www.dhnet.org.br. Acesso em 27/06/06).

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1.2 A pós-modernidade e a surdez como uma diferença

Independentemente das críticas que se fizeram, as teorias pós-estruturalistas e

pós-modernas foram importantes no sentido de colocar em questão a idéia de verdade

absoluta, de estrutura e, particularmente, de estrutura binária, apontando para a

diversidade e heterogeneidade.

Autores como Sacks (1990), Skliar (1997) e Bueno (1999), entre outros,

procuraram abordar questões de gênero e etnia numa perspectiva cultural e propuseram

a diversidade e a diferença em oposição às totalidades homogêneas. Seus estudos

contribuíram para que os surdos passassem a serem vistos de outra forma. Isto é, a

surdez não podia ser mais identificada como uma deficiência, mas como uma diferença,

um traço, uma marca, entre tantas, que os indivíduos trazem consigo.

Entretanto, no âmbito da diferença, as pessoas são tratadas como se houvesse

uma igualdade absoluta entre os pares. Nesse sentido, consideram-se não apenas os

iguais como iguais, mas também os diferentes como iguais, ou seja, os negros viveriam

todos a negritude de uma mesma forma; as mulheres viveriam sua condição de mulher

de modo igual; assim como outros grupos excluídos.

O perigo dessa homogeneização é considerar as diferenças como entidades

fechadas, essencializadas, dificultando o diálogo tanto com outras comunidades

diferentes quanto com o próprio poder normativo.

Tentando fugir da forma como tradicionalmente a diferença tem sido tratada, foi

proposta a utilização de outros termos para se referir a ela, com o objetivo de modificar

a própria diferença enquanto conceito. Foi assim que Ricouer (1983) propôs a utilização

da noção de reconhecimento e Hall (2005) o uso do conceito de diferença, por exemplo.

Pinto (2006), Garcia (1999) e Gonçalves e Silva (1998) têm apontado a

necessidade de considerar a língua de sinais e a cultura surda como marcas de diferença

da comunidade surda e não colocar a surdez como o único traço do indivíduo. Além de

surdos, os indivíduos nesta condição são também brancos ou negros, entre outras etnias;

pobre ou rico; homem ou mulher; entre outros tantos traços que, muitas vezes, podem

ser considerados como mais importantes do que o traço da surdez. Ao considerar apenas

a surdez como marca principal do indivíduo, corre-se o risco de

colocar num plano quase imperceptível da discussão sobre as condições sociais da surdez, as determinações de raça, classe e gênero,

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isto é, de considerar que essas determinações são menos significativas no caso da surdez. Pois, se fossem, deveriam fazer parte integrante de nossas análises sobre a “a comunidade de surdos” e sobre os “indivíduos surdos” (...) Em síntese, será que a surdez é suficiente para identificarmos dois sujeitos como uma mulher negra, pobre, latino-americana, vivendo em pequena localidade rural e surda e um homem branco, rico, europeu, vivendo em metrópole e surdo? (BUENO, 1999, p. 9).

Nesse sentido, a surdez precisa ser tratada de forma transversal, pois ninguém

nunca é apenas surdo ou ouvinte, negro ou branco, mulher ou homem, mas algumas

destas coisas, simultaneamente. É preciso colocar em questão as próprias palavras com

que designamos as coisas e as pessoas, de modo a indagar acerca do motivo pelo qual

são vistos socialmente, em termos de representação social, desta ou daquela maneira.

É num cenário de conflitos e controvérsias que a identidade surda10 ainda é

apontada como uma “negatividade”. O surdo é o “não ouvinte”, o que não fala, aquele

que, em função de uma determinada deficiência, apresenta uma “falha” ou uma “falta”.

Os surdos continuam sendo considerados diferentes em relação aos ouvintes, sobre os

quais é construída a norma e, por isso, são tratados de forma desigual, em detrimento

dos ouvintes.

Os questionamentos mundiais sobre identidade efetuados por diferentes autores

como Bauman (2005), Hall (2005) e Lopes (2002), entre outros, aliados à reação dos

surdos contra sua identificação como aquele que não é (o “não ouvinte”, o “não

normal”, o “não falante”) tem evidenciado a necessidade de se discutir a identidade

surda.

A negação da identidade surda como uma negação ao não ouvinte, isto é,

negação da negação11, passou a ser central nos trabalhos que abordam a cultura surda,

nos processos das trajetórias dos surdos, no ensino do currículo adaptado às

necessidades do sujeito surdo e, mais significativamente, nos princípios do Movimento

Surdo12.

É no repensar das diferenças e na reconstrução da identidade surda que a 10“Identidade surda, aqui, refere-se à maneira como os surdos definem a si mesmos, ou seja: de forma cultural e lingüística” (SÁ, 2006. Disponível em http://www.ines.org.br/paginas/revista/espaco18/Atualidade05.pdf. Acesso em 24/06/06). 11 Para Hegel (1992), a realidade e a racionalidade apresentam-se como dialéticas. Isto é, uma oposição de contrários que se realiza como um processo. “O botão desaparece no desabrochar da flor, e pode-se dizer que é refutado [negado] pela flor. Igualmente, a flor se explica por meio do fruto como um falso existir da planta. Essas formas não apenas se distinguem, mas se repelem como incompatíveis entre si. Mas sua natureza fluida as torna, ao mesmo tempo, momentos da unidade orgânica na qual somente não entram em conflito, mas uma existe tão necessariamente quanto a outra, e é essa igual necessidade que unicamente constitui a vida do todo”. 12Ver documento de acessibilidade e direitos humanos dos surdos (Disponível em http:www.faders.rs.gov.br/documento_acessibilidade_direitos_humanos_surdos. Acesso em 17/05/2006).

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educação se faz presente, pois

os educadores perdem de vista a importância da formação da Identidade e Cultura Surda para o Surdo, deixam de formá-los enquanto cidadãos críticos e muito pouco se confrontam a trabalhar o sentido real do conceito da eqüidade, a qual busca a igualdade sem, entretanto, eliminar a diferença. [...] Nesse sentido, a negação da Cultura Surda, da Língua de Sinais, das Identidades Surdas é inerente à tradição oralista imperativa nas escolas, com o pressuposto de que o Surdo é estigmatizado como deficiente auditivo, que carece de educação oralista, que sofre de patologia, necessitando de especialistas para restituir-lhe a fala (PINTO, 2006).

Em direção oposta e tendo como perspectiva a educação como fator de inserção

social, o Instituto de Educação dos Surdos (INES) tem procurado desenvolver “uma

proposta de formação abrangente, visando a oferecer o máximo de oportunidades para

que a pessoa surda possa usufruir de sua cidadania plenamente” (INES, 2006). Nesse

Instituto, a aprendizagem se dá por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), o

Português é ministrado como segunda língua e os profissionais que ali atuam devem

estar comprometidos com a educação dos surdos, levando em consideração suas

necessidades e defendendo a língua de sinais como sua língua natural.

Para conhecer como, há 150 anos, esta instituição vem desenvolvendo seu

trabalho, o próximo capítulo a terá como foco.

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CAPÍTULO 2

A EDUCAÇÃO DOS SURDOS NO INSTITUTO NACIONAL DE

EDUCAÇÃO DE SURDOS (INES)

Até o início da década de 90, a educação de surdos era predominantemente oral,

visando à integração da criança surda à comunidade de ouvintes. No entanto, se de um

lado tal perspectiva possuía o aspecto “positivo” de integrar, de outro, dado à forma

como procurava realizar esta própria integração, a partir da imposição de uma língua

alheia à comunidade surda, acabava por não integrar, mas excluir. Ao utilizar a

linguagem oral, considerando a surdez como uma deficiência, o oralismo provocava a

exclusão social daqueles que pretendia incluir e, conseqüentemente, promovia o

fracasso escolar.

Somente na atualidade é que a língua de sinais (LIBRAS) passou a ser utilizada

paralelamente à oralização. Sua introdução deveu-se a uma forte pressão dos alunos e

de parte dos profissionais, numa longa luta de caráter tanto teórico e educacional quanto

político. Moura (1993), Ciccone (1997), Goldfeld (1997) e Soares (1999) e versam

sobre esse assunto ao discorrerem sobre a educação de surdos.

O bilingüismo na educação para surdos se baseou em seu inicio na filosofia da

Comunicação Total, que tem “como principal objetivo desenvolver processos

comunicativos para o surdo se relacionar com outros surdos e ouvintes, mediante

utilização de recurso espaço–viso-manual, para representar uma língua oral e facilitar a

comunicação” (FLÔRES, 2005, p. 5). Essa filosofia defende uma simultaneidade de

códigos manuais e o uso da Língua Portuguesa oral, acreditando que “somente a língua

oralizada não assegura o pleno desenvolvimento da criança surda" (GOLDFELD, 1999,

p. 39). Mas o bilingüismo se distancia desta filosofia por apresentar a necessidade de o

surdo adquirir duas línguas (línguas maternas L1 e L2), tanto no contexto escolar

quanto no social e político, pois exige respeito à língua e à cultura surda.

O surdo é visto como uma pessoa que possui uma diferença que repercute nas

suas relações sociais e no seu desenvolvimento afetivo e cognitivo.

Segundo Sacks (1990), as crianças surdas têm uma organização de pensamento

diferente que exige uma também resposta diferente. Por isso, o educador de surdos deve

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estar apoiado num tripé educacional composto de LIBRAS, conhecimento disciplinar

especifico e metodologia adequada.

Os professores de surdos devem favorecer a aprendizagem utilizando materiais

concretos para vencer a barreira da comunicação. Por ter uma língua viso-espacial, o

surdo precisa aprender a partir de uma visualização concreta, tornando-se construtor de

seus próprios conceitos de modo a poder realizar a passagem de um mundo perceptivo

para o conceitual e dialógico.

Diante da constante preocupação dos professores de surdos com a reelaboração

do currículo, as diversas metodologias procuraram dar valor a uma prática educativa

que propiciasse a presença ativa do aluno como sujeito do seu conhecimento. É nesse

sentido que a educação surda tem procurado aumentar o leque de escolhas possíveis,

particularmente por meio de diversas linguagens, com o objetivo de adequar a realidade

lingüística dos surdos e sua necessária educação bilíngüe aos objetivos do aprendizado.

Por se referir a uma linguagem utilizada pela comunidade surda em sua prática

cotidiana é que a educação bilíngüe assume um caráter não apenas educacional, mas

também político. Dada a íntima relação existente entre linguagem e realidade,

linguagem e conhecimento, com a linguagem se constituindo numa entidade construtora

de cada um destes pares, todo o processo de construção da realidade e do conhecimento

pode se realizar a partir de uma “língua natural” e não de uma língua imposta por

outros, os ouvintes.

A discussão acerca do uso ou do não uso, ou da forma de se usar a educação

bilíngüe na educação surda não é caracterizada como mera escolha de mais um

dispositivo pedagógico “especial”. É necessário discutir a educação bilíngüe sob uma

perspectiva política, como construção histórica, cultural e social, e entendida como as

relações de poder e conhecimento atravessam e delimitam a proposta e o processo

educacional.

É nesse sentido que o foco de análise acerca da educação bilíngüe para surdos e

da educação surda deve transcender o espaço escolar, o que permitiria discutir inúmeras

questões que são insistentemente ignoradas, entre as quais

as obrigações do Estado para com a educação da comunidade surda, as políticas de significação dos ouvintes sobre os surdos [em outras palavras da representação social do surdo na sociedade de ouvintes], o amordaçamento da cultura surda, os mecanismos de controle através dos quais se obscurecem as diferenças, o processo pelo qual se constituem – e ao mesmo tempo se negam – as múltiplas identidades

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surdas, a “ouvintização” dos currículos escolares, a separação entre a escola de surdos e comunidade surda, a burocratização da língua de sinais dentro do espaço escolar, a onipresença da língua oficial na sua modalidade oral e/ou escrita, a necessidade de uma profunda reformulação nos projetos de formação de professores (surdos e ouvintes) etc.(PERLIN, 1998, p. 8).

É nesta perspectiva que o Instituto Nacional de Educação de Surdos tem

investido: transmitir acontecimentos e idéias relativos aos surdos e sua comunidade,

colocando-os à luz de uma perspectiva da diversidade, da condição multicultural do

surdo com uma abordagem interdisciplinar. Conforme expresso no sítio da instituição:

Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES, órgão do Ministério da Educação - MEC, tem como missão institucional a produção, o desenvolvimento e a divulgação de conhecimentos científicos e tecnológicos na área da surdez em todo o território nacional, bem como subsidiar a Política Nacional de Educação, na perspectiva de promover e assegurar o desenvolvimento global da pessoa surda, sua plena socialização e o respeito às suas diferenças.

2.1 O Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES)

O fundador do INES foi o francês e professor de surdos Ernest Huet, que chegou

ao Rio de Janeiro em fins de 1855, trazendo uma carta de apresentação do Ministro da

Instrução Pública da França, Saint Georg, para o governo do Brasil. Huet foi ao

encontro do Marquês de Abrantes, que o apresentou a D. Pedro II, que por sua vez o

recomendou a Manoel Pacheco da Silva, Reitor do Imperial Colégio Pedro II. O

imperador pretendia que Huet organizasse uma escola para surdos.

No entanto, como a sociedade brasileira sequer reconhecia aos surdos o direito

de cidadania, foi difícil à recém-criada instituição encontrar alunos candidatos. Com o

empenho de Marquês de Abrantes e Manoel Pacheco da Silva, Huet conseguiu duas

alunas que foram atendidas inicialmente no Colégio Vassinon, na Rua Municipal, n. 8.

As alunas de Huet, que se chamavam Umbelina Cabrita e Carolina Bastos, tinham 12 e

dez anos, respectivamente, e recebiam pensão anual paga pelo Império Brasileiro.

O programa de ensino apresentado por Huet, em 1865, continha as disciplinas de

Língua Portuguesa, Aritmética, Geografia, História do Brasil, Escrituração Mercantil,

Linguagem Articulada, Leitura sobre os Lábios e Doutrina Cristã. No que diz respeito à

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disciplina Leitura sobre os Lábios, o programa dizia que a mesma seria administrada

apenas aos que tivessem aptidão. Segundo Rocha (2006, p. 5),

esta aptidão citada devia-se ao fato de se reconhecer que quem tivesse resíduo auditivo teria muito mais chances de desenvolver a Linguagem Oral. Portanto, a orientação educacional era diferenciada; os que não tinham aptidão para a linguagem oral, segundo o entendimento da época, não freqüentavam as aulas de Leitura sobre os Lábios.

Esta questão sempre esteve presente no Instituto, de modo que foi criada uma

comissão com figuras importantes do Império,13 sob a coordenação do Marquês de

Abrantes, para promover a fundação de uma escola para surdos. Em sua primeira

reunião, em 3 de junho de 1856, a comissão decidiu:

1 – Promover a definitiva instalação do Instituto de Surdos-Mudos; 2 – Procurar um prédio para a sede do estabelecimento; 3 – Não remover os alunos que já estudavam no Colégio Vassinon, antes de Huet casar-se. Esperava-se que a esposa de Huet viesse a tomar conta das meninas internas (ROCHA, 2006, p. 6).

Em 1857, foi fundado o INES, situado na Ladeira do Livramento, com sete

alunos. Em dezembro do mesmo ano, portanto três meses após sua fundação, o

professor Huet entregou ao imperador os primeiros resultados de seu trabalho que,

segundo consta, teriam deixado uma boa impressão tanto no imperador quanto em todos

os presentes.

No entanto, já em seus primeiros anos, o Instituto passa por diversos problemas,

tais como “questões econômicas, disciplinares e morais” (ROCHA, 2006, p. 6). Em

1861, devido a problemas pessoais, Huet decide entregar a escola ao Império mediante

indenização. Com sua saída, os alunos não teriam quem cuidasse deles. “Há indícios de

que Huet preparara professores para substituí-lo, o que, no entanto, não diminuíra a

preocupação do Império em relação ao destino dos alunos” (ROCHA, 2006, p. 6-7).

Huet parte para o México, onde havia fundado um instituto com seu irmão Adolphe

Huet e lá lecionaria para surdos.

13Os membros desta comissão foram o Marquês de Monte Alegre, o Conselheiro de Estado Euzébio da Silva, o Prior do Convento do Carmo, o Abade do Mosteiro de São Bento, o Padre Doutor Joaquim Fernandes Pinheiro (como secretário) e o Marquês de Olinda (Presidente).

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Em 1867, foi criado o primeiro regulamento provisório do Instituto, em que foi

definido o quadro de pessoal: “um diretor, um professor, um capelão, um inspetor de

alunos, uma inspetora de alunas, uma roupeira, uma enfermeira, uma despenseira, uma

criada, um cozinheiro e quatro serventes” (ROCHA, 2006, p. 7).

Com um curso de duração de cinco anos, o currículo previa as seguintes

disciplinas: Leitura, Escrita, Doutrina Cristã, Aritmética, Geografia, Geometria

Elementar, Desenho Linear, Elementos de História, Português, Francês e Contabilidade

(ROCHA, 2006).

O primeiro relatório sobre o trabalho do Instituto, elaborado por Tobias Leite

(médico), mostrou que não havia realizado nenhum trabalho e que o Instituto era apenas

num grande asilo onde eram depositados surdos-mudos (ROCHA, 2006). Tais

afirmações incitaram a exoneração do diretor, Manoel de Magalhães Couto, em 1872,

sendo substituído pelo próprio Dr. Tobias Leite, que permaneceu no cargo até 1896.

Em 1873, Tobias Leite apresentou um projeto com algumas mudanças no regime

do Instituto, entre as quais o retorno da disciplina Leitura sobre Lábios, a criação do

professor repetidor, com a função de repetir as lições do professor, acompanhar os

alunos e corrigir exercícios, e a introdução do ensino profissional, com todos os alunos

sendo obrigados a aprender um ofício ou uma arte (ROCHA, 2006).

A base teórica da educação ministrada no Instituto àquela época vinha do

primeiro livro para o ensino de pessoas surdas publicado no Brasil por Tobias Leite, em

1871, que era uma tradução do livro francês Méthode pour enseigner aux surdsmuets,

de J. J. Vallade Gabel, cujo método era denominado “intuitivo”. Na apresentação deste

livro, Leite (1871, apud ROCHA, 2006, p. 8) diz que

É preceito corrente da pedagogia que o professor deve reconhecer seu discípulo, estudando-lhe o temperamento, o gênio, o caráter e até os costumes adquiridos na vida doméstica. O professor do surdo-mudo, antes deste estudo, deve saber distinguir as espécies de surdo-mudez, para poder regular os meios que tem de empregar para o bom êxito de sua difícil tarefa.

Em 1883, o Congresso da Instrução do Rio de Janeiro, entre outras questões

relativas à educação, trata da educação dos surdos (26ª questão). O professor Dr.

Menezes Vieira, do Instituto, fornece uma idéia da situação da educação surda no Brasil

e no mundo naquela época. Vieira informa que havia 364 institutos de educação para

surdos no mundo e que a educação surda possuía o objetivo de “oferecer às pessoas

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surdas a instrução para torná-las economicamente produtivas e socialmente viáveis”

(ROCHA, 2006, p. 9).

Embora reconhecendo o trabalho de Tobias Leite no Instituto, Vieira realizou

uma série de criticas ao seu programa educacional que, segundo ele, seguia as mesmas

diretrizes do Instituto de Paris. Segundo Vieira, citado por Rocha (2006, p. 9), o

programa do instituto

adotando para instrumento geral de comunicação a Linguagem Escrita e reservando para certos casos especiais a articulação ou palavra articulada, (o Instituto) obedeceu a influência imitativa, tomou pelo atalho e abandonou a estrada real. Colocou em segundo lugar, reservou para casos particulares os grandes instrumentos de uma educação completa.

Vieira acreditava que era necessário que a Linguagem Articulada fosse

ministrada a todos os alunos, uma vez que os exercícios para articulação oral

“produziam um melhor desempenho dos órgãos da respiração e conseqüentemente

maior oxigenação cerebral” (ROCHA, 2006, p. 9). Defendendo o oralismo, Vieira

apresenta estudos desenvolvidos nas escolas da Alemanha, Itália e França, que

mostravam que dos 24.862 alunos destes países, 10.506 eram educados pelo método

oral, 9.887 pelo método combinado (mímico-oral) e 1.574 pela mímica (ROCHA,

2006).

Assim, em 23 de março de 1901, na gestão do Professor Dr. João Paulo de

Carvalho, foi assinado o Decreto n. 3.964, que estabelecia um novo regulamento para o

Instituto e mantinha o mesmo plano de estudos estabelecido pelo regulamento anterior,

de 1873. Em seu artigo 8º, está registrado que “o ensino da Linguagem articulada e da

Leitura sobre Lábios será dado de preferência aos alunos que mostrarem-se aptos para

recebê-lo” (ROCHA, 2006, p. 13).

Em 1908, foi criada a cadeira de Linguagem Escrita e em 1911, por meio do

Decreto n. 9.198, ficou estabelecido que o método oral puro deveria ser adotado no

ensino de todas as disciplinas. Devido a este decreto, os professores de Linguagem

Escrita acabaram sendo transferidos para as três novas cadeiras de Linguagem

Articulada e Leitura sobre Lábios.

Como, com a utilização do método oral puro, 60% dos alunos não chegaram a

atingir um nível considerado como satisfatório, o então diretor do Instituto, Dr.

Custódio Martins, enviou um relatório ao governo sugerindo novas mudanças no

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regulamento, particularmente em relação à idade de ingresso dos alunos no Instituto.

Segundo este relatório,

Os surdos-mudos são aptos para aprender a Linguagem Articulada até a idade de 7 anos; esta capacidade de apreensão vai diminuindo gradualmente à medida que o aluno vai adquirindo maioridade, de modo que, aos 9 e 10 anos, a percentagem dos aptos é muito diminuta. Neste ano verificou-se uma percentagem muito pequena de alunos aptos a tirarem proveito do ensino oral, talvez menos de 40%. É, pois, necessário que V. Exª reforme o regulamento deste Instituto, permitindo a entrada dos alunos de 6 a 10 anos, no máximo, entrada essa que só é permitida no regimento em vigor aos alunos de 9 a 14 anos (ROCHA, 2006, p. 14).

A partir daí, em 1921, algumas mudanças foram realizadas, entre as quais o fim

de uma das cadeiras de Linguagem Articulada e de uma das vagas de “professor-

repetidor”; a organização do Departamento Nacional de Ensino, com a transformação

do Instituto Nacional de Educação de Surdos; e o Instituto Benjamim Constant em

estabelecimento de ensino profissionalizante.

Em 1926, foi publicada uma tese de doutoramento pela Faculdade de Medicina

de São Paulo, de autoria do Dr. Arnaldo de Oliveira. Nesta obra, o autor empreende

uma série de críticas à educação realizada pelo INES. Segundo Oliveira (1926, apud

ROCHA, 2006), o Instituto estaria à beira do caos, pois tudo lhe faltava. O professor

observava que

Alumnos maltrapilhos e descalços, recebendo instrucção péssima, não por falta de professores ou por incompetência técnica delles, muito pelo contrário, mas por falta absoluta de material escolar (...) Quanto a méthodos de ensino, não existem, por quanto, verdadeiramente, não existe ensino. Não há seleção de alunos, encontramos lá desde o surdo mudo verdadeiramente, até o perfeito idiota. Numa das classes tivemos ocasião de ver um rapaz, atrasado mental, que ouvia e falava perfeitamente, e que, pelo convívio com os surdos mudos, estava tomando os hábitos e os gestos delles (OLIVEIRA, 1926, apud ROCHA, 2006, p. 15).

Oliveira conclui em seu trabalho que o Instituto se configurava um asilo

decadente e que de educação tinha apenas fachada. Suas críticas, assim como as

deflagradas pela imprensa, colocaram por terra a gestão do Dr. Custódio Martins, que

acabou sendo demitido em 1930 e substituído pelo Dr. Armando Lacerda, médico

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otologista, reconhecido pela publicação de um trabalho de reeducação auditiva em

parceria com o Dr. Henrique Mercaldo.

No início da gestão de Lacerda, o Instituto passou por uma nova série de

modificações. Cada aluno passou a ter uma ficha com nome, classificação da perda

auditiva e capacidade mental, com vistas a servir de base para a elaboração de plano

pedagógico do Instituto, que foi elaborado tendo como base a divisão dos alunos em

dois grupos: o oral, para o qual seria ministrado o ensino da linguagem articulada e da

leitura labial, e o silencioso, para o qual seria ministrado o ensino da linguagem escrita,

em substituição da mímica.

Com vistas a uma melhor distribuição dos alunos nas respectivas classes e

visando a seu melhor rendimento nas oficinas, foi realizada uma pesquisa que buscava

verificar fragmentos de linguagem, resíduos auditivos e medidas de inteligência

(ROCHA, 2006).

O ensino profissionalizante combinado com uma educação oralista vai permear

toda a história do Instituto. No entanto, ainda que desde 1911 o “oralismo puro” tenha

sido estabelecido pelo Instituto, o fato é que

a comunicação em Sinais sobreviveu em sala de aula até 1957, quando foi oficialmente proibida. [Os sinais] não eram vistos como uma Língua, mas como algo prejudicial à sociedade moderna, que visava à perfeição do corpo, e para alcançar a meta o caminho era a língua oral. [Assim] o objetivo do trabalho no Instituto era adaptar o Surdo ao meio social, ministrar o conhecimento da linguagem usual, evitar os sinais digitais (os sinais não eram vistos neste momento como língua) e realizar a sua habilitação profissional (oficinas de marcenaria, tornearia, entalhe, encadernação, douração, alfaiataria, costura e bordado para mulheres e outros) para que pudessem viver de seu trabalho (FLÔRES, 2005, p. 33-35).

Essa concepção de educação de surdos era compatível com a idéia de educação

vigente no Brasil daquela época, que enfatizava o tecnicismo e focalizava o método,

“um modelo comportamental e funcionalista, que visava à adaptação do homem à

sociedade e ao trabalho” (FLÔRES, 2005, p. 35).

Durante todo o século XX até meados da década de 1980, quando o oralismo é

aparentemente abolido, sendo substituído pela linguagem de sinais, o principal objetivo

da educação para surdos era o de “reabilitar em direção à normalidade, à não surdez”

(GOLDFELD, 1999, p. 34), buscando “tornar o Surdo um “quase-ouvinte, um quase-

normal” (FLÔRES, 2005, p. 34).

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Durante as décadas de 1960 e 1970, a partir da influência da educação norte-

americana e de acordo com as orientações da educação durante a ditadura militar

(acordo MEC/USAID)14, o Instituto adota a concepção bimodal de educação para

surdos, que ficou conhecida como “Comunicação Total”. Tal concepção derivava do

fato de que, segundo o regime da época, “todos os meios devem ser levados em conta

para facilitar e proporcionar a comunicação dos surdos com os ouvintes, ou seja, plena

adaptação do surdo à sociedade e ao trabalho, como era previsto pela ditadura

(FLÔRES, 2005, p. 36).

A Língua dos Sinais só passou a fazer parte do projeto pedagógico do INES na

década de 1980, sob a influência da Declaração Mundial de Educação para Todos,

assinada durante a Conferência Mundial promovida pela ONU, em Jomtien, Tailândia,

em março de 1990, e a Declaração de Salamanca, assinada na Conferência Mundial

sobre Necessidades Educativas Especiais, também promovida pela ONU e o Ministério

de Educação e Ciência da Espanha, em junho de 1994, em Salamanca.

Nesta época, foi realizada a chamada “Pesquisa de Alternativas Educacionais

Aplicadas à Educação do Deficiente” (PAE), que concluiu pela adoção da LIBRAS pelo

INES.

Foi nessa época que o Instituto ganhou autonomia administrativa, passando a ter

um orçamento próprio, e autonomia técnico-pedagógica. Isso significava que passaria

elaborar seu próprio projeto político-pedagógico, sem imposição do Governo Federal.

Em consonância com a idéia da autonomia, em 1994 aconteceu a primeira eleição direta

para diretor, confirmando a permanência de Leni de Sá Duarte Barbosa no cargo.

Em sua gestão, foi reformulado o Regimento Interno do INES e criado um

terceiro Departamento. A partir de então, o Instituto passa a ser centro de referência

nacional na área da surdez, tendo em sua estrutura regimental, além do Departamento de

Planejamento e Administração, um Departamento Técnico-Pedagógico, responsável

pelo Colégio de Aplicação, e o Departamento de Desenvolvimento Humano, Científico

e Tecnológico.

14MEC USAID é a fusão das siglas Ministério da Educação (MEC) e United States Agency for International Development (USAID). Simplesmente conhecidos como acordos MEC-USAID, cujo objetivo era introduzir no Brasil o modelo educacional estadunidense. Isto se deu através da reforma do ensino, pela qual os cursos primário (cinco anos) e ginasial (quatro anos) foram fundidos, se chamando de primeiro grau, com oito anos de duração; o curso científico fundido com o clássico, passando a ser denominado segundo grau, com três anos de duração; e o curso universitário passou a ser denominado terceiro grau. Com essa reforma, se eliminou um ano de estudos fazendo com que o Brasil tivesse somente 11 níveis até chegar ao fim do segundo grau enquanto outros países europeus e o Canadá possuem no mínimo 12 níveis (Ver a respeito: http://pt.wikipedia.org/wiki/MEC-Usaid).

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2.2 O projeto político-pedagógico do INES

O projeto político-pedagógico (PPP) constitui-se num dos principais documentos

de uma instituição de ensino, na medida em que apresenta o conjunto de suas idéias

educacionais, o que almeja realizar, objetivos, metas e desejos. O PPP constitui uma

verdadeira “carta de intenções” da instituição escolar.

Do latim projectu, projeto significa lançar para diante. Nesse sentido, projeto

pode ser considerado como um plano, planejamento de futuro, com vistas ao que se

deseja fazer e, conseqüentemente, também ao que se deseja ser. Tal ação, por sua vez,

implica tanto uma dinâmica quanto uma transformação de uma dada situação passada

ou presente. Portanto, seja num maior ou menor grau, todo projeto implica uma ruptura

com passado/presente. Nesse sentido, conforme observa Gadotti (1994, p. 579),

todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se. Atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente.

No caso de um projeto político-pedagógico, saberes/conhecimentos que se

deseja privilegiar no processo de ensino não podem estar dissociados do caráter cidadão

e político do homem. Nesse sentido, todo projeto pedagógico é sempre político, sendo o

acréscimo deste termo ao primeiro uma espécie de redundância, justamente, para frisar

uma característica que está necessariamente presente em todo processo educativo, mas

que, muitas vezes, é desconsiderada. Por isso, todo o conjunto de

saberes/conhecimentos que se deseja privilegiar num projeto político-pedagógico está

necessariamente relacionado ao que se acredita ser mais adequado ou apropriado para a

educação, visando a transformar o homem de hoje no homem de amanhã. Todo projeto

político-pedagógico consiste numa construção da escola e da educação que se dá na

escola, principalmente na sala de aula.

O PPP do INES, realizado pela equipe de docentes e técnicos representantes dos

diferentes departamentos e contando com as contribuições do consultor Carlos Sckliar e

do monitor surdo e ex-aluno do INES, Alex Curione, foi iniciado em 1997 e concluído

em 1999. Sua elaboração se deu por meio de reuniões de equipes, reuniões de Centros

de Estudos e de dinâmicas que envolveram o corpo técnico e docente do Departamento

Técnico-Pedagógico (DETEP) e do Departamento de Pesquisa (DDHCT).

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O PPP ressalta que todo projeto pedagógico é necessariamente político e enfatiza

a diferença entre projeto e plano, apontando que “o plano diretor da escola – como

conjunto de objetivos, metas e procedimentos – faz parte do seu projeto, mas não é todo

seu projeto” (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 1999).

O documento registra os fundamentos nos quais se baseia, dividindo-os em:

ético-políticos; epistemológicos; e didático-pedagógicos.

No que diz respeito aos fundamentos ético-políticos, o documento concebe a

surdez “como uma experiência visual e como uma construção histórica comunitária e

lingüística, independente da deficiência sensorial” e que, ao concebê-la dessa maneira,

está se assumindo “o compromisso com uma educação democrática e participativa que

assegura a formação de cidadãos críticos, autônomos e solidários” (PROJETO

POLÍTICO PEDAGÓGICO, 1999).

Com relação aos fundamentos epistemológicos, o conhecimento escolar é

definido como “conhecimento selecionado a partir de uma cultura social mais ampla,

associado ao que se entende como conhecimento socialmente válido e legítimo”

(PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 1999). Os critérios para essa seleção, “não são

construídos a partir de critérios exclusivamente epistemológicos ou referenciados em

princípio de ensino-aprendizagem, mas a partir de um conjunto de interesses que

expressam relações de poder na sociedade” (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO,

1999).

Neste aspecto, o documento registra que o INES se propõe a “oportunizar o

acesso a um conhecimento reflexivo e crítico não hierarquizado, de construção e

recriação permanente, numa relação dialógica entre aprendizes surdos e seus próprios

saberes, professores e as exigências da realidade social mais ampla” (PROJETO

POLÍTICO PEDAGÓGICO, 1999).

No que se refere aos fundamentos didático-pedagógicos, o projeto baseia-se na

perspectiva sociointeracionista, em que o aluno é visto como sujeito de sua própria

aprendizagem. Tal abordagem, registra-se no projeto, ao contrário de ancorar o processo

ensino-aprendizagem no aluno ou no professor, procura incluir ambos.

Neste momento, citando palavras de Paulo Freire e referindo-se a Vigotsky, o

documento indica que “o conhecimento é entendido como sendo construído através da

interação por aprendizes e pares mais competentes (o professor ou outros aprendizes) no

esforço conjunto de resolução de tarefas, explorando o nível real em que o aluno está e

o seu nível em potencial para aprender” (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 1999).

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Ainda fazendo uso de palavras de Paulo Freire, o projeto define professor como

aquele que “tem a função central de construir andaimes que serão retirados no momento

em que este aluno demonstrar controle consciente sobre o conhecimento” (PROJETO

POLÍTICO PEDAGÓGICO, 1999).

O projeto apresenta como objetivos gerais:

Formar cidadãos autônomos, críticos e solidários, com competência comunicativa e capacidade de argumentação; desenvolver aspectos cognitivos, lingüísticos, emocionais e sociais do aluno na comunidade surda; garantir ao aluno, o mais cedo possível, a aquisição da LIBRAS como primeira língua; proporcionar o desenvolvimento da modalidade oral da Língua Portuguesa, através do atendimento fonoaudiólógico, a partir do que são denominadas como “diferentes arquiteturas escolares, função do educador, currículo, didática e dinâmica; oferecer encaminhamento profissional; proporcionar aos familiares dos educandos orientações que favoreçam a participação dos mesmos no processo educacional (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 1999).

Como objetivos específicos, o projeto propõe:

Assegurar a continuidade do desenvolvimento dos projetos e atividades que possibilitem a plena atuação profissional dos surdos e dos intérpretes nas atividades didático-pedagógicas; garantir a co-participação dos monitores surdos no planejamento, condução e avaliação profissional; criar dinâmicas e atividades para que os alunos desenvolvam a competência em LIBRAS; propiciar uma ambiente de convivência harmônica; desenvolver atividades curriculares relacionadas a produções e processos artísticos, comunitários e culturais dos surdos; promover o aprimoramento profissional do corpo técnico e docente; orientar os familiares sobre as implicações sociopsicolingüísticas da surdez, através de atividades que promovam a interação entre alunos, familiares e comunidade surda (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 1999).

O PPP do INES possui o mérito de colocar a educação surda em novos termos.

Entretanto, identificaram-se algumas falhas no corpo do texto do documento. Uma delas

se refere a conceitos, definições e afirmações que não são desenvolvidos sequer de

forma sucinta, o que prejudica o entendimento do leitor. Outra falha se refere à

definição de conhecimento escolar, que não se encontra epistemologicamente

fundamentada, permitindo que cada um faça as relações que mais lhe convierem.

Verificou-se, também, que a educação surda não é abordada suficientemente,

apresentando conceitos apenas indiretamente relacionados a ela. Um exemplo é a noção

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de diferença. Da forma como a surdez é apresentada, “uma experiência visual e como

uma construção histórica comunitária e lingüística, independente da deficiência

sensorial” (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 1999), acaba por não ressaltar a

diferença, sem contar que, mesmo identificando a surdez como uma construção

histórica, ela é dissociada da deficiência sensorial. A deficiência, portanto, assume

conotação negativa e o conceito de diferença não é desenvolvido.

Outro falha se refere à apresentação de pedagogia específica aplicada à educação

surda. Atualmente é colocada em questão a pedagogia da diferença, mas o texto do

documento nem a ela se refere, o que exclui a discussão sobre a pedagogia dos surdos15.

Verificou-se, também, a necessidade de maior articulação entre os itens que compõem o

documento.

O restante do PPP está dividido pelos segmentos de ensino, fundamental e

médio, e apresenta as diferentes disciplinas que compõem um “currículo em ação”, isto

é, um currículo que deve estar sempre sendo renovado, modificado e discutido pelas

equipes no cotidiano escolar, em função de modificações nos projetos e outras

atividades, contribuindo para a construção de uma metodologia crítica.

2.3 O programa da disciplina História para 5ª. e 6ª. séries do Ensino Fundamental

O programa da disciplina História foi sendo construído ao poucos.

Em 1991 ainda não havia propriamente um programa, mas apenas um rol de

assuntos estanques, cada série era desconectada da outra. À medida que se sentiu a

necessidade de trabalhar interdisciplinarmente, um currículo bilíngüe foi construído,

assim como um programa de disciplina.

Este foi um longo processo, pois era necessário que as equipes discutissem que

conteúdos fariam parte do currículo e os integrassem aos de outras disciplinas. Para

isso, foram realizadas reuniões semanais de equipes, momentos em que se percebeu a

necessidade da elaboração de um projeto político-pedagógico.

A partir daí, tiveram início estudos sobre língua, linguagem, surdez, cultura

surda, currículo e projetos, entre outros. Discutiu-se a importância de construir um novo

currículo em função destes estudos, que foi implementado em 2001.

15Perlin (2007) se refere a uma pedagogia dos surdos que tem em vista a subjetividade do sujeito surdo, que visa a um ato inaugural do surdo, o outro, surdo no ser surdo.

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O programa de História parte da premissa de que os alunos aprendam em

diferentes contextos e diferentes situações e objetiva que os alunos entendam e analisem

o mundo de forma crítica e autônoma. Assume a perspectiva de que história é um

processo que se constrói desde o passado, no presente e no futuro. A prioridade são as

fontes históricas, filmes, livros e visitas a museus, no sentido de possibilitar a criação e

a investigação criativa.

Os programas de 5ª. e 6ª. séries foram divididos em eixos temáticos, deixando

espaço livre para alunos e professores desenvolverem projetos pedagógicos

interdisciplinares, que integrem toda a escola num fazer constante atual e crítico.

Na 5ª. série são trabalhadas noções de tempo, espaço e memória, buscando-se

compreender diferentes sociedades. Os objetivos são identificar, relacionar tempo,

memória, cultura e conceituar história.

Na 6ª. série, cultura é entendida como algo que o homem produz e trabalho

como uma construção social do homem. O programa pode ser adaptado a projetos,

buscando promover discussões a respeito dos surdos, sua história, sua implicação na

história, o que significaram os surdos na história, a exclusão. A intenção é trabalhar

questões relativas a identidade, cidadania e direito dos surdos, imbricadas no estudo e

na análise da história e seu significado.

Os programas de ambas as séries são propícios à intervenção, uma vez que é no

cotidiano que se constroem as experiências. A intervenção, enquanto uma investigação

qualitativa, “busca criar um campo de problematização, escavando outras dimensões do

cotidiano e instaurando tensão entre representação e expressão, com a perspectiva de

dar consistência a novos modos de subjetivação” (ROCHA, 2006, p. 171).

Foi a partir de minha experiência em sala de aula que descobri a necessidade de

uma aprendizagem interativa e que a idéia da intervenção se cristalizou, pois nas aulas

de História, os “conteúdos” a serem “transmitidos” devem ser problematizados,

trazendo discussões sobre cultura, classes sociais, atualidades, criando sentido e

significação em que os alunos possam dialogar e interferir, possibilitando-lhes a busca

de soluções criativas, a construção de conceitos, entre os quais os de “inclusão” e

“exclusão social”, considerando os alunos como agentes transformadores da realidade

que os cerca.

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CAPÍTULO 3

A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A teoria da representação social tem se apresentado como uma das mais

promissoras teorias para a análise dos mais diferentes objetos. Neste estudo, é relevante

sua utilização, na medida em que a representação social é uma modalidade de

conhecimento que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação

entre os indivíduos e é no convívio social e escolar que os indivíduos interagem com

base na imagem que fazem de si e dos outros.

3.1 Teoria das representações sociais

As representações sociais, conforme explica Moscovici (2005), são uma forma

de criação coletiva de nós, dos outros e das coisas (tangíveis e intangíveis) à nossa

volta, uma forma de se abordar a identidade. Assim, o estudo da identidade, no sentido

mais profundo, só pode ser analisado pela psicologia social. Segundo Moscovici (2005,

p. 164),

há numerosas ciências que estudam a maneira como as pessoas tratam, distribuem e representam o conhecimento. Mas o estudo de como, e por que, as pessoas partilham o conhecimento e desse modo constituem sua realidade comum, de como eles transformam idéias em prática – numa palavra, o poder das idéias – é o problema específico da psicologia social.

Introduzida por Moscovi, em 1961, e tendo seguimento com os trabalhos de

Claude Flament e Jean-Claude Abric, a representação social consiste numa forma

característica de conhecimento, sendo considerada mais como um fenômeno do que

como um conceito. Mais precisamente, segundo Jodelet (2001, p. 22), a representação

social pode ser considerada como

uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este,

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devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais.

Moscovici, o fundador da teoria da representação social, filia-se à corrente de

pensamento sociopsicológico que situa claramente a psicologia na mesma encruzilhada,

entre os conceitos sociológicos e psicológicos.

O conceito de representação social a Durkheim, o verdadeiro inventor do

conceito, na medida em que fixa os contornos e lhe reconhece o direito de explicar os

fenômenos mais variados na sociedade. Ainda segundo Moscovici (2001), Durkheim

define o conceito de representação por uma dupla separação, isto é, as representações

coletivas se separam das representações individuais.

Se a teoria da representação social tem uma dívida para com Durkheim, é

verdade que existe uma diferença significativa nas abordagens deste autor e de

Moscovici. Comparando tais perspectivas, pode-se dizer que, enquanto em Durkheim a

representação coletiva é analisada a partir de um esquema, observando-se o que esta

possui de coercitividade, generalidade e exterioridade, para Moscovici a representação

social é vista, sobretudo, a partir de sua dinâmica. O próprio conceito de representação

possui um sentido dinâmico, referindo-se tanto ao processo pelo qual as representações

são elaboradas, quanto às estruturas de conhecimento que são estabelecidas. Na

realidade, é de uma articulação entre processo e estrutura que a teoria da representação

social oferece uma perspectiva diferente da cognição social.

Mas a relevância de Durkheim está em ter observado que o importante, em

termos de representação social, é análise do conjunto das crenças e idéias e não a análise

atômica destas. É esta, também, a perspectiva de Lévy-Bruhl, outro autor caro ao

conceito de representação social. Levy-Bruhl analisara a relação entre sociedades

primitivas e civilizadas, observando como aquelas pensam de modo diferente, em

função de valores, crenças, idéias, enfim, de representações sociais.

Moscovici (2001) define dois processos de construção das representações

sociais: a objetivação e a ancoragem. Na ancoragem o sujeito insere o que lhe é

estranho num pensamento já existente, tornando-o familiar. A objetivação se refere à

cristalização de uma representação, à condensação de significados diferentes.

A representação social interfere tanto no nosso conhecimento de um objeto

quanto no sujeito. Conforme observa Jodelet (2001), representar ou se representar

corresponde a um ato de pensamento pelo qual um sujeito se reporta a um objeto. Este

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pode ser tanto uma pessoa quanto uma coisa, um acontecimento material, psíquico ou

social, um fenômeno natural, uma idéia, uma teoria .

As representações sociais surgem como um modo particular de compreender um

objeto e na forma como um grupo específico, ou sujeito se vê, adquirindo capacidade de

se definir em função de uma identidade e como as representações expressam um valor

simbólico. Constituindo-se numa forma de se compreender não apenas objetos, mas

também sujeitos, as representações sociais se constituem produtos da interação e da

comunicação humana. Nesse sentido, nas palavras de Moscovici (2001), uma

representação social é

um sistema de valores, idéias e práticas, com uma dupla função: primeiro estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambigüidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual.

Moscovici (2001) considera que a observação e a representação da realidade não

se dão a partir de um processo absolutamente objetivo nem a partir de um mero

processamento de informações. Segundo ele, tais pressupostos são contraditos tais como

o fato de algumas informações que, apesar de óbvias, não são consideradas como tal, ou

que até mesmo não são consideradas existentes, como, por exemplo, a negritude.

Algumas das coisas que são consideradas como certas e que estruturam e norteiam a

nossa forma de compreender a realidade, de repente podem se tornar absolutamente

falsas. A certeza de que o sol girava em torno da Terra, o fato de que nossa reação a

determinados acontecimentos está relacionada a determinados conceitos e definições

que são comuns a todos.

Em todos esses casos notamos a intervenção de representação que tanto nos

orienta em direção ao que é visível como àquilo que nós temos de responder, ou que

relacionam a aparência à realidade, ou de novo àquilo que define essa realidade.

Desta forma, o conhecimento que podemos realizar de uma dada realidade, seja

ela um sujeito ou um objeto, não se constitui numa réplica desta realidade e está

permeado de conceitos. Pode-se dizer que a própria realidade possui um caráter

convencionalizado, em função de estar permeada de representações sociais.

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Se as representações dizem respeito tanto ao conhecimento de objetos quanto de

pessoas, todas as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois

grupos, pressupõem representações. Na realidade, é isso que as caracteriza.

A importância da noção de representação social para a pesquisa e análise em

educação consiste no fato de que orienta a atenção para o papel de conjuntos

organizados de significações sociais no processo educativo. E um dos motivos pelos

quais o uso da noção de representação demorou tanto a ser utilizado pela educação

deve-se ao fato de, historicamente, esta se preocupar mais com problemas técnicos

referentes à prática pedagógica em si do que com aspectos relativos à cultura.

Somente as perspectivas mais recentes é que tenderam a se preocupar com a

educação como uma forma de interação em referência a um ambiente social mais

amplo, condicionado por determinadas “situações pedagógicas” que podem ser vistas

em termos de representações sociais. Tal perspectiva, por exemplo, é a que tem sido

utilizada em pesquisas mais recentes na França.

A teoria de representação social considera que representar uma coisa não é

duplicá-la, mas reconstruí-la, retocá-la, modificando o seu texto. Nesse sentido,

“Moscovici propõe que a representação se desdobre em duas faces, uma figurativa e

outra significativa, sob a forma do par figura/significação, entendendo por isso que ela

faz compreender em toda figura um sentido e em todo sentido uma figura” (SÁ, 1996,

p. 34).

A importância de um estudo da representação social reside, em primeiro lugar,

no fato de ser uma teoria do conhecimento do senso comum e permitir uma

compreensão da forma como as pessoas conhecem a realidade, representando-a. Desse

modo, a teoria da representação social torna-se relevante para compreender os sentidos

de ser surdo por aqueles que o são.

3.2 Estudos de representação social de surdos

Alguns estudos aqui descritos foram fundamentais para as análises dos dados

coletados por esta pesquisa.

O mais significativo é a pesquisa desenvolvida por Favorito (2006). Em “O

difícil são as palavras: representações de/sobre estabelecidos e outsiders na

escolarização de jovens e adultos surdos”, a pesquisadora enfatiza que, embora se

reconheça a importância da teoria da representação social para a educação e a

identidade surda, ao realizar sua investigação, notou a quase inexistência de trabalhos

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específicos nela baseados. Sua pesquisa, de cunho etnográfico, tomou como referência

os estudos empreendidos por Erickson (1984, 1989), Cavalcanti (1990), Lopes (1994,

1996), Emerson (1995), Mason (1997) e Agar (1998). Sua pesquisa teve como questão

norteadora: Que representações são construídas por surdos adultos?

Estes surdos adultos fazem parte de uma turma da Educação de Jovens e Adultos

do Instituto Nacional de Educação de Surdos e para responder sua questão, a autora

buscou uma interpretação possível para as relações entre representações, linguagem e

ensino no contexto escolar. Partiu da idéia de que as representações que se constroem da

língua de sinais e da Língua Portuguesa as localizam em determinadas posições,

produzindo repercussões no processo ensino-aprendizagem. Dadas as particularidades

das interações entre alunos surdos, profissionais surdos e professores ouvintes, no

contexto desse estudo, a pesquisadora utilizou a concepção de estabelecidos e outsiders

desenvolvida por Elias e Scotson (2000). Procurou entender as diferentes posições que

os participantes ocupam nos seus modos de ver a si mesmos e ao outro em suas práticas

discursivas.

A análise dos registros mostrou que as representações construídas pelos

participantes acerca das duas línguas que circulam naquele contexto escolar remetem a

um conflito nuclear vivido por todos: a língua de sinais, língua natural dos alunos

surdos, importante traço identitário desse grupo. O processo ensino-aprendizagem tem

apenas a função de ponte e apoio para a aprendizagem, enquanto o Português escrito,

em relação ao qual os alunos podem ser considerados aprendizes iniciantes, ocupa um

lugar central como língua legitimada na escola pensada pelos ouvintes. A repercussão

desse conflito nas interações entre os participantes e nos diferentes significados que

atribuem às línguas ora os insere, ora os desloca nos/dos discursos hegemônicos

historicamente construídos sobre os surdos e a surdez calcados na representação matriz

da deficiência. É nas brechas desses deslocamentos, presentes nas vozes desses

participantes, que esse estudo se apóia, para apontar possíveis saídas em direção a um

projeto educativo que incorpore os próprios surdos em sua arquitetura curricular e em

suas decisões pedagógicas.

A pesquisa desenvolvida por Silva e Pereira (2003) analisa a imagem que o

professor possui acerca da surdez e a influência desta imagem na prática pedagógica.

Bettencourt e Montagnoli (2007), buscam conhecer as representações sociais da surdez

e impacto da surdez no cotidiano de familiares de crianças surdas. Silva (2007) analisa a

representação social que pais, professores e os próprios alunos surdos fazem da surdez,

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sob a perspectiva da psicanálise. Lunardi (2001) utiliza a noção de normalidade para

analisar as práticas de inclusão e exclusão social, consideradas como duas faces de uma

mesma moeda. Félix, Rampelloto e Thoma (1999) analisam a influência da língua de

sinais na educação surda, abordando questões relativas à identidade surda, observando a

existência de uma variedade de identidades surdas.

Sob a perspectiva das representações sociais, Machado (2007) focalizou o ensino

da leitura e da escrita da criança surda; Felipe (2003) analisou a importância do

intérprete na escolarização da criança surda; Correa (2007) verificou a existência de

diferentes representações sociais acerca do que seja ser surdo na história da educação; e

Andrade (2007) observou a importância da representação social na construção dos

sujeitos surdos.

No âmbito das ciências médicas, o trabalho de Zanoli (2006) investiga as

representações sociais de surdez por parte de mães de surdos e Fonseca (2007) verifica

a influência da representação social na avaliação da surdez tanto na medicina quanto na

educação.

Entretanto, muito poucos são os trabalhos que pretendem dar voz aos surdos e

nenhum buscou os sentidos de ser surdo por jovens que estudam em um centro de

referência de educação de surdos, lacuna que esta pesquisa visa a preencher.

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CAPÍTULO 4

TRABALHANDO COM OS JOVENS DO INES

Nesse capítulo, são apresentados (1) metodologia desenvolvida para a coleta de

dados no campo; (2) perfil dos participantes; (3) relatos de campo; (4) análise de dados

empreendida e resultados encontrados.

A pesquisa foi desenvolvida através de três etapas. Na primeira, foram realizadas

quatro sessões de grupo focal (MORGAN, 1998; KRUEGER, 1998; GATTI, 2005) com

alunos que cursavam duas turmas de 5ª. e duas turmas de 6ª. séries do Ensino

Fundamental e que estavam matriculados no Instituto Nacional de Educação de Surdos

no ano de 2007, um em cada turma. Durante essas sessões, tópicos específicos foram

propostos para discussão (Anexo 2), com a intenção de apreender informações sobre os

sentidos de ser surdo, a partir da interação entre os participantes. Nesses momentos,

pretendi verificar as expectativas dos alunos enquanto “ser surdo”, relacionado com a

perspectiva de “ser deficiente”, “não ouvinte” e “não falante”. O registro simultâneo e

posterior das “falas” mais representativas e a gravação em vídeo das sessões permitiram

levantar as informações que circulavam no grupo. Foram registradas 111 “falas” que,

submetidas à análise categorial temática (BARDIN, 1987), originaram nove categorias

(Normalidade, Solidão, Comunicação, Maus-tratos, Língua de sinais, INES,

Relacionamento com ouvintes, Proteção da família) sendo a de maior freqüência a que

agrupou “falas” sobre o relacionamento entre ouvintes e não ouvintes. Nessa etapa, foi

possível identificar que os jovens ancoravam os sentidos de ser surdo no slogan “ser

diferente é normal”, divulgado pelo Instituto MetaSocial.

Na segunda etapa, foi realizada uma intervenção, durante as aulas de História,

momento em que procurei realizar a articulação entre os conteúdos desenvolvidos nessa

disciplina e diferentes questões relacionadas à cultura surda. Ao estimular a participação

dos alunos nos debates promovidos em sala de aula, esperava poder verificar se há

mudanças em suas manifestações.

As manifestações dos alunos foram coletadas por meio de registro cursivo de

todas as aulas ministradas durante quatro meses e de gravação em vídeo de quatro aulas

por turma durante quatro meses para análise posterior. Nesse período, foi possível

verificar que os alunos possuíam pouca informação sobre a história dos surdos,

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legislação específica, instituições, associações e fundações que promovem atividades

para os surdos ou movimento surdo, sendo possível observar atitudes de revolta e

indignação do grupo, quando eram discutidos temas relacionados, por exemplo, à

exclusão dos diferentes e à sua participação na sociedade.

Na terceira etapa, quatro novas sessões de grupo focal foram realizadas com os

participantes, para verificar se houve alguma mudança de idéias, saberes, fins, valores e

visões de mundo provocadas pela intervenção. Para tanto, foram colocados em

discussão os mesmos tópicos da rodada inicial para que as manifestações iniciais e

finais dos alunos pudessem ser comparadas. Tal comparação permitiria verificar se a

intervenção (BRANDÃO, 1981; THIOLLENT, 1985) realizada pôde contribuir para

uma transformação das representações sociais de ser surdo (ALVES-MAZZOTTI e

WILSON, 2004).

Nessa última etapa, o registro simultâneo e posterior das “falas” mais

representativas e a gravação em vídeo das sessões também permitiram levantar as

informações que agora circulavam no grupo. Foram registradas 101 “falas” que,

submetidas à análise categorial temática (BARDIN, 1987), originaram sete categorias

(Normalidade, Comunicação, Língua de sinais, INES, Relacionamento com ouvintes,

Proteção da família, Associações e Cultura surda) sendo a de maior freqüência a que

agrupou “falas” sobre o relacionamento entre ouvintes e não ouvintes. Aqui,

identificou-se que os jovens também ancoravam os sentidos de ser surdo no slogan “ser

diferente é normal”.

Com a intervenção, o que se esperava, era contribuir para o desfazimento da

perspectiva patológico-clínica sobre o sujeito surdo e revelar a importância da formação

da identidade surda e da cultura surda para o surdo.

4.1 Metodologia

A pesquisa qualitativa16 com enfoque teórico-metodológico nas representações

sociais aqui apresentada teve por objetivo buscar indícios das representações sociais de

ser surdo, produzidas por 23 moças e 34 rapazes (N = 57) na faixa etária de 12 a 18

anos, alunos de duas turmas de 5ª. série e duas de 6ª. série do Ensino Fundamental do

Instituto Nacional de Educação de Surdos, no Rio de Janeiro, no ano de 2007.

16 As pesquisas qualitativas “compreendem um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo de significados. Tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e indicado; entre teoria e dados; entre contexto e ação” (NEVES, 1996, p. 1).

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Por entendermos que a abordagem qualitativa é adequada a este estudo,

características como: ser realizada no local de origem dos dados; tomar o ambiente

natural como fonte direta para obtenção dos dados; ter o pesquisador como seu

instrumento fundamental; descrever as situações em seus contextos tal como ocorreram;

e captar o significado que as pessoas dão às coisas e à vida (GODOY, 1995) foram

rigorosamente seguidas.

Além disso, como a “investigação qualitativa trabalha com valores, crenças,

hábitos, atitudes, representações, opiniões” (PAULILO, 2007, p. 1) e “é capaz de

incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerente aos atos, às

relações, e às estruturas sociais” (MINAYO, 1994, p. 10), foi fundamental empregá-la

para identificar os sentidos que os sujeitos investigados dão ao ser surdo em um mundo

ouvinte.

As representações sociais de ser surdo produzidas por moças e rapazes que

participaram desse estudo foram buscadas por meio de duas técnicas: observação

participante, em que o pesquisador participa das situações instauradas e chega ao

conhecimento do grupo a partir de seu interior17, e grupo focal, técnica não diretiva, em

que o moderador facilita a discussão sobre um tema em foco, sem interferir e

procurando estimular que todos falem18.

Como a realização do grupo focal com surdos é relativamente difícil, uma vez

que as perguntas precisam ser traduzidas em língua de sinais, foi necessária a presença

de um tradutor/intérprete de LIBRAS para que os alunos surdos pudessem compreender

o que estava sendo solicitado e serem compreendidos em seus depoimentos. Sua

presença visava a garantir, também, que não houvesse dúvidas e mal-entendidos

conseqüentes de problemas de comunicação. Entendemos, como Shirley Vilhalva19, que

o tradutor / intérprete é um canal que interliga o mundo do ouvinte e o mundo do surdo.

Sua presença se torna imprescindível porque ele capta palavras e emoções daquele que

fala e as transmite para os surdos e vice-versa. Nas conversações, seu papel era facilitar

a discussão e a troca de experiências, contribuindo para que o debate acontecesse da

forma mais natural possível.

Os dados foram coletados, tanto na observação participante quanto nos grupos

focais, através de registro cursivo posterior referente às atividades realizadas; registro

17 Ver Bogan; Biklen, 1994. 18Ver Gatti, 2005. 19Shirley Vilhalva é professora surda e uma das autoras do primeiro livro de língua de sinais de Mato Grasso do Sul, LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais com Dialeto Regional de MS, publicado em 2000, pela Editora Athenas.

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cursivo simultâneo, efetuado por professor ajudante; transcrição das gravações em vídeo

dos oito grupos focais realizados, dois em cada turma, um no início e o outro ao final do

semestre; e transcrição das gravações em vídeo de 16 aulas de História realizadas ao

longo do primeiro semestre de 2007.

Como pretendíamos verificar se haveria mudanças nas representações sociais de

ser surdo produzidas pelos alunos após sua participação nas aulas de História, ao

construirmos o design da pesquisa, consideramos ser possível empreender uma pesquisa

do tipo intervenção.

A pesquisa-intervenção vem sendo muito utilizada em diferentes instituições,

pois viabiliza “a construção de espaços de problematização coletiva junto às práticas de

formação e potencializa a produção de um novo pensar / fazer educação” (ROCHA e

AGUIAR, 2003, p. 64). Nesse tipo de pesquisa, há uma interferência do pesquisador na

realidade pesquisada sem que haja mudança imediata provocada pela ação instituída.

Conforme explicam Rocha e Aguiar (1997, p. 97),

na pesquisa-intervenção, a relação pesquisador / objeto pesquisado é dinâmica e determinará os próprios caminhos da pesquisa, sendo uma produção do grupo envolvido. Pesquisa é, assim, ação, construção, transformação coletiva, análise das forças sócio-históricas e políticas que atuam nas situações e das próprias implicações, inclusive dos referenciais de análise. É um modo de intervenção, na medida em que recorta o cotidiano em suas tarefas, em sua funcionalidade, em sua pragmática – variáveis imprescindíveis à manutenção do campo de trabalho que se configura como eficiente e produtivo no paradigma do mundo moderno.

As representações sociais são elaboradas a partir de imagens, crenças, valores e

modelos e orientam condutas e comunicações sociais. Transformar uma representação,

portanto, é transformar os processos de formação de conduta e as relações com o outro

(MOSCOVICI, 2003). Embora o processo de transformação seja longo, uma nova

representação social pode ser incorporada pelo grupo. E é nesse sentido que a

intervenção pode produzir uma outra relação entre sujeito e objeto.

Assim, ao incitarmos discussões sobre questões relativas aos surdos em

diferentes áreas como educação, lingüística, artes, organizações, história cultural, entre

outras, durante as aulas de História, esperávamos provocar mudanças nos

comportamentos e nas práticas dos alunos e também em suas representações sociais. Foi

por essa razão que realizamos grupos focais antes e depois da intervenção efetuada em

sala de aula.

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A organização da pesquisa de campo teve início quando organizamos o

cronograma de atividades (Anexo 1) e elaboramos o roteiro do grupo focal (Anexo 2),

devidamente validado por dois professores do Mestrado em Educação da Universidade

Estácio de Sá.

A pesquisa propriamente dita começou com a entrega de uma carta de

apresentação do Programa Mestrado em Educação ao Departamento de Pesquisa

(DDHCT) do INES, no início de março. Entretanto, a permissão para realizar o trabalho

só foi efetivada no mês de abril.

Enquanto aguardávamos essa liberação, fizemos uma reunião com as mães dos

alunos que participariam da pesquisa, pois precisavam concordar e autorizar a filmagem

(Anexo 3). Nesse período, contratamos um intérprete que atuaria nos grupos focais e

ajudaria na transcrição das gravações.

No início de abril, pudemos gravar a primeira rodada dos grupos focais e, em

julho, a segunda. Entre esses meses, realizamos a intervenção.

4.2 Perfil dos participantes

Participaram da pesquisa 57 alunos, dentre eles 23 moças e 34 rapazes, assim

distribuídos por turma:

Tabela 1 – Distribuição dos alunos por turma segundo o sexo

Turma Feminino Masculino Total

501 6 10 16

502 4 7 11

602 6 9 15

603 7 8 15

Total 23 34 57

Com relação à faixa etária, os alunos tinham entre 12 e 18 anos, assim

distribuídos por turma:

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Tabela 2 – Distribuição dos alunos por turma segundo a faixa etária

Turma 12 a 13 a 14 a 15a 16ª 17a 18a Total

501 1 2 3 5 3 2 0 16

502 1 1 2 2 3 2 0 11

602 2 2 3 4 2 2 0 15

603 0 0 0 1 6 6 2 15

Total 4 5 8 12 14 12 2 57

A Tabela 2 mostra que, de acordo com a faixa etária, a concentração se encontra

entre 15 e 17 anos.

A maior parte dos alunos participantes são surdos profundos, conforme indicado

na Tabela 3 apresentada a seguir:

Tabela 3 – Distribuição dos alunos segundo o tipo de surdez

Tipo de surdez Quantidade

Disacusia sensório-neural profunda bilateral 34

Disacusia sensório-neural severa 15

Disacusia sensório-neural mista profunda 5

Baixa acuidade visual 2

Síndrome associada à surdez com risco de perda da visão 1

Total 57

Os bairros da cidade do Rio de Janeiro onde moram os alunos foram agrupados

segundo a região administrativa a que pertencem. A Tabela 4 mostra a distribuição dos

alunos por região administrativa e evidencia que a maior parte deles vêm da Baixada

Fluminense e da Zona Norte.

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Tabela 4 – Distribuição dos alunos segundo o bairro/região administrativa onde moram

Região Administrativa Quantidade

Baixada Fluminense (Austin, Belford Roxo, Duque de Caxias, Coelho da Rocha, Mesquita, Nova Iguaçu)

24

Zona Norte (Bonsucesso, Brás de Pina, Madureira, Oswaldo Cruz, Pavuna, Ramos, São João de Meriti e Vicente de Carvalho)

20

Zona Oeste (Bangu, Cidade de Deus, Guaratiba) 5

Centro (Centro, Cidade Nova, Gamboa) 4

Zona Sul (Vidigal) 3

Niterói (Engenhoca) 1

Total 57

Quanto à instituição escolar de origem dos alunos, a maioria não estudava no

INES, procurando o Instituto depois de ter passado por outras escolas, conforme

registrado na Tabela 5.

Tabela 5 – Distribuição dos alunos segundo a instituição escolar de origem Instituição de Origem Quantidade

Estudaram em escolas municipais até o ano anterior 32

Estudam no INES desde a educação precoce 16

Estudaram em escolas particulares para surdos até o ano anterior

7

Estudaram em classes especiais em escolas públicas até o ano anterior

2

Total 57

Conforme os dados coletados, o perfil do participante desta pesquisa é do sexo

masculino, tem entre 15 e 17 anos, possui surdez profunda, mora entre a Zona Norte e a

Baixada Fluminense e estuda no INES após ter passado por escolas da rede pública de

ensino.

4.3 Relatos

Esses relatos são resultado da triangulação das técnicas de coleta de dados

utilizadas e anteriormente descritas, e serão apresentados na seguinte ordem: (1) reunião

com mães de alunos participantes; (2) primeiro grupo focal realizado com as turmas

501, 502, 602 e 603; (3) quatro das aulas realizadas durante o primeiro semestre de

2007 e que foram gravadas em vídeo e transcritas; e (4) segundo grupo focal realizado

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com as mesmas turmas.

4.3.1 Relato da reunião com mães de alunos realizada no INES em 22/03/2007

Quando solicitei a permissão dos responsáveis para a gravação em vídeo,

verifiquei a necessidade de marcar uma reunião com as mães, pois elas se mostraram

interessadas em conhecer o trabalho que seria realizado. No dia 22 de março, pela

manhã, foi marcada a primeira reunião, momento em que estiveram presentes 37 mães.

Dentre essas, 14 são donas de casa, 13 são domésticas sem estudo, três têm

Ensino Fundamental completo e duas Ensino Médio. As demais (cinco) não têm estudo.

Os pais, na sua maioria, são garis, operários, eletricistas, mecânicos, taxistas e

vendedores ambulantes e não estiveram presentes na reunião agendada.

As mães que estiveram presentes comentaram que ser mãe de surdo é muito

difícil, pois seus filhos passam por humilhações constantes. Como explica uma das

mães: “Todas nós, mães, passamos pelo mesmo problema. Não é diretamente uma

rejeição, mas é uma diferença no tratamento, até a família mesmo não se enturma com

eles. A própria família rejeita, discrimina” (Mãe 1).

Contam que seus filhos muitas vezes sofriam violência física somente por serem

surdos. Quando “iam brincar na rua, levavam pedradas. Então se afastam das pessoas,

da família porque não são compreendidos por irmãos e irmãs. Acabam ficando

isolados” (Mãe 8).

Todas as mães presentes concordam com a afirmativa, e uma delas dá um

exemplo da dificuldade por que elas passam: “Uma vez, ele quase apanhou no ônibus

porque uma mulher cismou que meu filho estava zombando dela, daí ela nos xingou e

disse: ‘Seu filho é maluco?’ Respondi: ‘Eu não sei.’ Naquela época, não sabia nada

sobre LIBRAS” (Mãe 14). Elas entendem que a falta de comunicação entre mãe e filhos

“deixa um monte de perguntas sem respostas e ainda têm muitas perguntas que eles

querem fazer e não sabem como perguntar” (Mãe 7). Relatam que, por não conhecerem

LIBRAS, “houve muito problema de comunicação entre mãe e filhos surdos” (Mãe 1).

Dizem que quando não sabiam sinais era tudo muito pior. “Agora, pelo menos consigo

compreender o que ele quer dizer, mas ele ainda fica muito isolado” (Mãe 20). Uma

mãe conta que sua filha se isolou completamente de seus irmãos porque eles não sabem

LIBRAS, “então, fica difícil a convivência na família, porque os próprios irmãos não

querem aprender sinais para falar com ela” (Mãe 10). Outras contam ainda que seus

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filhos ouvintes reclamam da atenção que ela dá ao filho surdo e dizem que “eu só gosto

de surdos e que eles vão furar seus ouvidos para serem surdos também” (Mãe 19).

Consideram que não saber se comunicar através de sinais é um impedimento,

mas não é o maior empecilho para que os surdos possam conviver com outras pessoas e

se comunicar com elas. Há outras barreiras muito mais significativas. Conforme outra

mãe manifesta: “Ninguém entende, ninguém sabe, afinal, onde forma a barreira. Não é

fácil lidar com um surdo, o diferente, o deficiente” (Mãe 31). De acordo com seus

depoimentos, não falar “é ser deficiente, é o mesmo que ser excluído da sociedade”

(Mãe 8). Muitas vezes precisaram esconder seus filhos para que não sofressem

discriminação.

As mães que estavam presentes disseram que sofreram muito com seus filhos

surdos, porque, para ter filho surdo, ninguém está preparado. Conforme elas mesmas se

expressaram, “para ter filho diferente, é de repente que acontece” (Mãe 14). Informam

que quando tiveram seus filhos eram muito jovens, desinformadas, não sabiam nada

sobre ser mãe, nada sobre questões relacionadas à saúde, a doenças. Para elas, “não

existe receita de ser mãe, imagina ser mãe de surdo! Mãe de surdo é marginalizada a

vida toda, porque o seu filho é maluco, deficiente, retardado. Ele incomoda porque não

fala, porque não sabe se comunicar e ninguém o compreende” (Mãe 4)

As mães dizem que a tarefa de educar seus filhos surdos é somente delas,

ninguém ajuda, pois, além de eles não falarem, necessitam muita atenção para se tornar

alguém. Por essa razão, se vêem como heroínas porque também se sacrificam por seus

filhos, isolados pelo restante da família, que “não quer saber dessas pessoas que não são

educados pela fala” (Mãe 25). Muitas se separam e acabam se distanciando de tudo para

poder cuidar de seus filhos. Comentam que acabam tendo problemas de coluna, ficam

muito magras, com a saúde abalada. “Se não tem ninguém, as famílias enlouquecem

com a diferença e acabam por se isolar” (Mãe 17). Consideram que ter filho surdo exige

muito delas: tratamento especial para compensar a surdez, cuidados intensos e “isso faz

com que a ligação entre a gente fique muito forte” (Mãe 3).

Elas contam que demoraram a perceber que seus filhos não falavam. Achavam

que “eles estavam demorando para falar. Também demoraram a andar e a compreender

as coisas. No início eles são como selvagens, não têm língua nem comunicação. Tem

que haver um investimento maciço na educação e terapia para o surdo ‘dar certo’” (Mãe

6). Apontam que seus filhos “têm grande preocupação com os nenéns e perguntam:

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‘Eles são surdos?’ Também perguntam: ‘Por que eu sou surdo?’ E eu respondo que foi

porque Deus quis” (Mãe 8).

O desconhecimento, a falta de informação e a baixa renda contribuem para que

as dificuldades para cuidar de seus filhos sejam aumentadas. Muitas delas disseram que

perderam a juventude, “porque não sabiam como lidar com filho surdo” (Mãe 2) e que

nunca imaginaram “que iria penetrar num mundo tão diferente” (Mãe 14).

Ter seus filhos estudando no INES foi muito bom, porque somente “agora estou

recuperando a vida” (Mãe 4). Eles consideram que seus filhos melhoraram muito, em

diferentes aspectos e que os familiares agora dizem “Nossa, como cresceram!” E são

todos simpáticos novamente” (Mãe 10). Dizem que quando seus filhos encontram quem

sabe LIBRAS ficam alegres. Consideram que os surdos precisam se unir e ter mais

orientação por parte de profissionais, pois, para elas, tudo é novo e diferente.

As mães que participaram da reunião consideram que os surdos precisam de

educação, trabalho, LIBRAS e ter mais chances na vida. Por isso algumas delas

“enfrentam Deus e todo mundo pra defender seus direitos” (Mãe 2). Entendem que “se a

mãe se comunica com o filho, ótimo, mas o ideal é que todos pudessem conhecer e usar

LIBRAS. A família, a sociedade, pois ainda há muita discriminação na escola, no

trabalho e os surdos devem ter direito a um futuro melhor” (Mãe 7).

4.3.2 Relato grupos focais 1

(a) Turma 501, realizado em 02/04/2007

A turma 501 é uma turma que contém 16 alunos na faixa etária de 12 a 17 anos.

É uma turma considerada grande. Os alunos são identificados pelos professores como

agitados e difíceis, porque muitas vezes não colaboram e não participam das atividades

propostas.

Embora a filmagem da conversa tenha sido combinada anteriormente com os

alunos, muitos fugiam da câmera, não querendo ser filmados. No início, alguns alunos

que não queriam participar, depois que viram as outras turmas participarem com

tranqüilidade da gravação em vídeo, disseram que iriam filmar também.

Ao darmos início à realização da técnica, pedimos que os alunos se sentassem

dispostos em forma de semicírculo, para que pudessem conversar. Dissemos que

gostaríamos de conversar sobre pessoas surdas, o que elas pensam e sentem e que esse

encontro era muito importante para todos nós. Lembramos que já havíamos conversado

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sobre o assunto muitas vezes, durante as aulas de História e que a única diferença,

naquele momento, era a filmagem que iríamos fazer. Explicamos que a gravação seria

necessária para que pudéssemos, depois de ter conversado com eles, verificar se o que

havíamos registrado nas anotações era exatamente o que eles haviam falado.

Nesse momento, apresentamos o tradutor / intérprete e a ajudante que faria os

registros cursivos simultâneos, tanto dos grupos focais quanto das aulas, e explicamos

que ambos estavam contribuindo para que suas falas fossem entendidas e registradas

devidamente. Explicamos, também, que durante aquele semestre, faríamos quatro

filmagens de aulas que aconteceriam dentro ou fora das salas do Instituto, pois

gostaríamos de acompanhar suas atividades escolares.

Após esta breve explicação, perguntamos se eles não achavam isso importante.

Todos afirmaram que sim e um dos alunos disse que “é bom conversar sobre surdos,

nem sempre querem falar sobre isso” (Adolescente masculino, 15 anos).

Essa fala proporcionou que a primeira pergunta fosse apresentada ao grupo: O

que é ser surdo?

As primeiras manifestações versavam sobre a vida que levavam, apontada como

boa, sem problemas, conforme as falas registradas a seguir:

Ser surdo é normal, levo uma vida normal sem preconceito. (Adolescente masculino, 15 anos) Ser surdo é vida boa. (Adolescente masculino, 17 anos) Vida igual. (Adolescente masculino, 16 anos) Ser surdo é bom. (Adolescente masculino, 12 anos) Ser surdo, sem problemas. (Adolescente masculino, 16 anos) É legal. (Adolescente masculino, 13 anos)

Um dos presentes diz que se sente normal e explica o porquê:

Eu gosto de ser surdo, porque a surdez me apresentou a língua de sinais e isto é um privilégio. Eu nasci ouvinte e fiquei surdo e depois eu vim estudar no INES. Mas eu me sinto uma pessoa normal, porque eu viajo e estudo no INES. (Adolescente masculino, 17 anos)

O Instituto Nacional de Educação de Surdos é uma referência para os jovens.

Antes de virem para o INES, alguns desses jovens estudavam em turma de ouvintes.

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Contam que não entendiam nada, sofriam preconceito e os colegas zombavam deles por

não poderem se comunicar. Conforme declara um aluno,

Estudar no INES significa estar em casa, fazemos sinais todo o tempo, todos sabem sinais. Aprendemos e somos felizes. (Adolescente masculino, 17 anos)

Um outro jovem afirma que

Estudava em escola de ouvintes e não sabia nada sobre ser surdo, ter direitos e ter identidade. Aqui tenho mais consciência de minha identidade e isso é muito importante para o surdo. (Adolescente masculino, 16 anos)

Passados os primeiros instantes, conforme os alunos foram se sentido mais à

vontade para falar, outras manifestações foram surgindo. Algumas enfatizavam o fato

de se sentirem sozinhos, isolados, sem amigos:

Eu sou só. (Adolescente feminino, 15 anos) Me sinto só. (Adolescente masculino, 15 anos) Não tenho amigos. (Adolescente feminino, 16 anos) Fico muito sozinho. (Adolescente masculino, 17 anos)

Perguntamos por que os surdos se sentem sozinhos e os jovens falaram sobre a

dificuldade que têm em se comunicar com as pessoas, mesmo com seus pais, pois

muitos deles desconhecem os sinais, como aponta um dos alunos:

Gostaria que meus pais soubessem LIBRAS. (Adolescente masculino, 13 anos)

De acordo com esses jovens, não falar e não ouvir é ser enganado, desrespeitado.

Segundo um dos jovens, muitas vezes as pessoas se aproveitam do fato de eles serem

surdos. De acordo com seu relato,

Por ser surdo, já sofri várias vezes assédio sexual. Isso por que os ouvintes dizem é normal, todo mundo faz. E ficam aproveitando do fato de eu ser surdo. (Adolescente masculino, 16 anos)

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Um outro jovem concorda e afirma que “todos zombam do surdo, eles zoam,

fazem maldades” (Adolescente masculino, 15 anos). Para exemplificar, um dos jovens

conta o que aconteceu com ele:

Aconteceu comigo, há um tempo atrás, num jogo de futebol, perto da minha casa. Fizeram par-ou-ímpar, pra se escolher os times. Todos foram escolhidos menos eu, pelo fato de ser surdo. Muitas vezes isto aconteceu. Eu passei a jogar bola com os surdos, e deixei os ouvintes de lado, devido à falta de comunicação. (Adolescente masculino, 13 anos)

Todos os presentes começaram a falar de situações em que se sentiam

discriminados por serem surdos: “Quando os surdos estão passando pelas ruas,

conversando em sinais, percebem que os ouvintes estão debochando da gente”

(Adolescente masculino, 13 anos).

Um jovem apontou que muitas vezes os surdos sofrem muita discriminação no

trabalho, contando o que aconteceu com ele:

No emprego, levei culpa de roubo por ser surdo. Não pude me comunicar e não pude me defender. Mas levei um intérprete, desfez o engano e fizeram justiça. O cara pensava que eu era bobo só por ser surdo. (Adolescente masculino, 17 anos).

Um outro jovem concorda com o colega e diz que

Lá no meu trabalho existe preconceito, eles zombam de mim, debocham de mim. Eu gostaria de saber se fosse ao contrário. Por exemplo, as pessoas que moram nas favelas sofrem preconceito? Assim somos nós, os surdos, é assim que nós nos sentimos. Nos dá vontade de processarmos essas pessoas que usam de preconceito porque existe uma lei que nos defende. (Adolescente masculino, 16 anos)

Concordando com o colega, um jovem fala que no trabalho as pessoas não

surdas riem dele e colocam a mão na frente da boca para que ele não veja o que elas

estão falando. “As pessoas fazem segredo e zombam o tempo todo” (Adolescente

masculino, 12 anos). Um rapaz revela que “onde eu moro as pessoas me xingam, falam

palavrão e eu não ligo. Quem sabe, futuramente, elas não possam passar pelas mesmas

dificuldades que eu?” (Adolescente masculino, 14 anos)

Uma jovem revela que até na família essas coisas acontecem e explica:

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Sou muito maltratada pelo meu irmão. Ninguém na minha família sabe sinais. Minha mãe, muito pouco. Fico muito triste por isso (Adolescente feminino, 15 anos).

Outro jovem, ao contrário, diz que tem o apoio da família e relata: “Na minha

família eu não sofro muito preconceito dentro de casa porque a família me apóia em

tudo” (Adolescente masculino, 16 anos)

Perguntamos se os surdos são maltratados pelas pessoas não surdas, e um

deles diz: “De todos os jeitos” (Adolescente masculino, 17 anos). Insistimos e eles

contam que as pessoas não gostam de chegar perto deles, que fingem que não os estão

vendo, fazem sinais mostrando que são malucos, empurram, batem, machucam. Um dos

presentes considera que “Tudo isso é preconceito, muito preconceito” (Adolescente

masculino, 16 anos).

Esses dois jovens afirmaram, quase simultaneamente, que o surdo sempre vai

sofrer preconceito. Revelaram que não se sentem aceitos e gostariam muito que seus

pais e familiares aprendessem sinais para se comunicarem com eles. A falta de

comunicação em casa, na escola, faz com que se sintam muito isolados. Essa é uma das

razões da importância que dão à aprendizagem de LIBRAS e se referem a ela como “um

sonho. E eu tenho esse sonho de que todos falem sinais” (Adolescente masculino, 17

anos). Um outro rapaz diz que “seria bom que as pessoas soubessem língua de sinais”

(Adolescente masculino, 15 anos).

Os jovens recomeçam a falar sobre o preconceito que sofrem e apontam que,

quando eram pequenos, não se comunicavam, eram muito agitados e sofriam muito

preconceito. Perguntamos a eles que tipo de preconceitos os surdos sofrem e todos

disseram que o preconceito maior é porque eles não falam e não ouvem como as outras

pessoas e “isso é motivo de zombaria, maldades, xingamentos e agressões”

(Adolescente masculino, 15 anos).

Perguntamos, então, como as pessoas não surdas deveriam tratar os surdos e os

jovens disseram que “algumas pessoas são boas e algumas pessoas são ruins porque elas

zombam e debocham de nós surdos” (Adolescente masculino, 14 anos). Dois jovens

presentes deram exemplos dos tipos de pessoas e realidades que costumam encontrar /

enfrentar:

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Onde eu moro, os meus vizinhos têm interesse pela língua de sinais. Eu ensino um pouco dos sinais para elas e então nós saímos juntos, passeamos, jogamos futebol (Adolescente masculino, 15 anos) A minha realidade é outra, aonde eu moro, as pessoas são distantes de mim. Mesmo aqueles que foram criados comigo, depois de um certo tempo, se afastaram. Isso ocorre devido à diferença existente entre eu, pessoa surda, e as pessoas ouvintes (Adolescente masculino, 16 anos).

Incentivamos que os jovens falassem sobre o preconceito que sentiam. Uma das

jovens disse: “Eu acho o seguinte, existe preconceito dos ouvintes, sim!” (Adolescente

feminino, 14 anos) O que outro confirmou: “Os ouvintes têm preconceito” (Adolescente

masculino, 15 anos).

Nesse momento um diálogo é estabelecido entre alguns rapazes presentes e que

é reproduzido a seguir:

Por exemplo eu sou surdo e na hora de escolher não me escolheram no futebol e também na rua eu percebo as pessoas debochando de mim, fazendo gestos atrás de mim, me xingando, fazendo sinais obscenos. Isso é um tipo de preconceito (Adolescente masculino, 13 anos). Você precisa interagir com os ouvintes ou procurar lugares onde seja aceito e compreendido, tais como associações, igrejas, o INES... e nesses lugares você vai encontrar pessoas que são boas, não são envolvidas com drogas. Apesar das coisas ruins, dos preconceitos, existem também pessoas boas, tanto surdas quanto ouvintes (Adolescente masculino, 14 anos). Eu tenho medo de estar perto deles e eles me aliciarem ou me acusarem de alguma coisa que eu não tenha feito, insistir em alguma coisa, colocar a culpa em mim, sem eu ser culpado (Adolescente masculino, 13 anos). Quando alguém tentar te aliciar, procure uma autoridade, denuncie. Você não é obrigado a aceitar nada. (Adolescente masculino, 15 anos) E se alguém colocar uma arma na sua cabeça e te obrigar a fazer algo que você não queira? E se você também não conseguir se comunicar com esse policial? (Adolescente masculino, 16 anos). É só você explicar para o policial que a droga não é sua e devolvê-la. Alguém colocou na minha mão... (Adolescente masculino, 13 anos) Aonde eu moro, já aconteceu que um carro de polícia veio na minha direção, o policial desceu e me revistou, colocou arma na minha cabeça, eu levei um baita susto. Fiquei muito assustado (Adolescente masculino, 16 anos). Mas existe uma lei que te apóia. (Adolescente masculino, 14 anos)

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Que lei? (Adolescente masculino, 13 anos) Eu não consegui nem me comunicar com o policial. Afinal não tinha ninguém na rua, a rua estava deserta. (Adolescente masculino, 16 anos) Se você for para a delegacia, o delegado vai reconhecer que você é surdo e vai te ajudar. (Adolescente masculino, 14 anos) E se eu não conseguir me comunicar com o delegado e for acusado de uma coisa que não fiz? O que se passa na cabeça deles? Afinal existem bons policiais e maus. (Adolescente masculino, 15 anos) Eu já sofri uma situação parecida, levei um solavanco de um policial, sem saber o motivo. Minha família processou este policial para ele aprender a nunca mais fazer isso com ninguém. (Adolescente masculino, 14 anos) Perto da minha casa, eu soube que um colega que é surdo e sabe pouco [língua de] sinais, foi abordado por um policial, perto de um supermercado e o policial falou com esse colega, ele não respondeu, por isso o policial bateu nele. (Adolescente masculino, 12 anos)

Somente após percebemos que haviam esgotado a conversa, momento em que

pararam de falar, entendemos que poderíamos colocar em foco outra questão: Como os

surdos vivem entre as pessoas não surdas?

Para os jovens presentes, viver entre as pessoas não surdas é viver isolado. É

difícil conviver e fazer amizades. Um dos jovens revelou que só tem uma amiga que é

surda também. Conforme ele explica, “é muito difícil fazer amizade com ouvinte”

(Adolescente masculino, 17 anos).

A proteção de suas mães também contribui para que eles fiquem isolados.

Disseram que elas ficam muito preocupadas, com medo de acontecer alguma coisa com

eles na rua e não os deixam sair de casa porque são surdos. Uma das adolescentes

explica que tem “dificuldade de fazer amigos devido à super proteção e cuidados

exagerados da minha família” (Adolescente feminino, 13 anos).

Todos começam a falar que esses cuidados acabam contribuindo para que não

conheçam pessoas e façam amigos. Nesse instante, um jovem, ao se queixar que se

sentia muito sozinho, foi consolado por um colega, que disse para ele:

Tenha calma que em breve você vai crescer e freqüentar as associações de surdos, vai conviver com surdos, seja na igreja... vai ser mais feliz porque vai ter amigos surdos também. (Adolescente masculino, 17 anos)

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Perguntamos se os surdos somente se sentiam felizes quando estavam entre

outros surdos e eles disseram que as pessoas não surdas os maltratam, “zoam” deles e

os confundem com malucos, deficientes, diferentes. Ser surdo num mundo de quem

ouve é muito difícil, é viver isolado, afastado, sem comunicação. Um dos jovens fala

que usar aparelho de surdez não ajuda:

Está vendo esse aparelho? Vou quebrar, não vou mais usar. Ele me dá susto, me incomoda muito e não adianta. Eu não vou ouvir. Vou quebrar. Uma vez eu falei com meus pais, “Tá vendo esse aparelho? Eu não agüento mais, ele fica apitando, me incomoda, eu vou quebrar ele, não me adianta mais. Eu odeio aparelho auditivo!” (Adolescente masculino, 17 anos)

Perguntamos se ouvir com a ajuda de aparelhos é melhor para os surdos. Os

jovens dizem que não. Dizem que a sociedade não ouve o surdo e os jovens entendem

que todos deveriam saber usar os sinais, aprender LIBRAS, “porque assim as pessoas

poderiam se comunicar e seria melhor para todos” (Adolescente masculino, 15 anos).

Consideram que “tudo ficaria mais fácil, seria mais fácil se relacionar com as pessoas”

(Adolescente masculino, 16 anos).

Um dos jovens diz que “para namorar é melhor uma surda, porque tem mais

afinidade” (Adolescente masculino, 16 anos). Um outro diz que não, “é melhor namorar

ouvinte porque se fazem de coitadinhos para se dar bem com as meninas” (Adolescente

masculino, 17 anos). Um outro ainda pondera que namorar menina não surda é “uma

boa oportunidade para trocar, ensinar sinais para as meninas ouvintes” (Adolescente

masculino, 17 anos).

Nesse momento, todos riem e falam ao mesmo tempo. Uns contam sobre

namoradas que já tiveram, outros falam da dificuldade em “arrumar namorada, surda ou

não” (Adolescente masculino, 16 anos). Acabam retornando ao preconceito que sentem

e um dos alunos informa que “existe mais preconceito em lugares onde não tem muitos

surdos, por exemplo, em Recife” (Adolescente masculino, 17 anos). Ele conta que

morou nesta cidade e que não havia surdos andando nas ruas. Achava que ele era o

único surdo de Recife. Diz que no trabalho e na escola sofria muito preconceito e que

no Rio de Janeiro é melhor, tem mais surdos e não sofre tanto.

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Começam a falar sobre Rio de Janeiro e sobre o INES. Apontam que o Instituto

é para eles um lugar de troca, de encontro com outros surdos. É um lugar onde se

sentem entre iguais. Um jovem afirma que

Quando eu cheguei no INES, eu sabia pouco de sinais e aqui eu adquiri e pude interagir com os colegas. Após este aprendizado da língua de sinais, eu pude participar das atividades escolares. É importante que os surdos estejam unidos para aprenderem ainda mais em língua de sinais (Adolescente masculino, 16 anos).

Esses jovens entendem que há muito a fazer e que eles têm que “informar os

ouvintes, dizer quem eles são” (Adolescente masculino, 17 anos).

Perguntamos o que querem dizer com isso e um deles responde que “Somos

iguais, só não falamos como eles. Temos que melhorar o futuro e lutar por direitos”

(Adolescente masculino, 15 anos).

Ao questionarmos sobre os direitos dos surdos, os jovens apontaram que o

desconhecimento de LIBRAS prejudica seu dia-a-dia. Sentem falta de pessoas para

falarem com eles nos serviços públicos, nos lugares aonde vão. Sofrem preconceito com

a polícia, na delegacia, pois “muitas vezes as pessoas não entendem o que dizemos”

(Adolescente feminino, 13 anos). Sentem-se prejudicados também por não terem

ninguém que vá com eles ao médico, posto de saúde, escolas, hospitais para falarem por

eles. Dizem que dependem de intérprete para tudo e nem sempre tem intérprete nos

lugares onde precisam ir, o que os limita muito. Disseram que é proibido ao surdo

estudar Direito, mas acham importante que os surdos conheçam as leis para lutar, se

defender e impor seus direitos.

Perguntamos, então, o que os surdos poderiam fazer para melhorar seu modo

de viver, e os jovens presentes se mostraram entusiasmados para dar seus depoimentos.

Um dos rapazes diz que os ouvintes os tratam mal e relata:

Por exemplo, eles tentaram me aliciar sexualmente achando que por eu ser surdo, eu não conseguiria contar para ninguém. Também me acusam de coisas que eu não fiz. Os ouvintes me convidavam para uma situação constrangedora, por acharem que eu não conseguiria me comunicar ou me defender. Tentavam me induzir a fazer aquilo que eles queriam. (Adolescente masculino, 14 anos)

Concluem que, para eles, ser surdo é ter muitas limitações, o que torna suas

vidas muito difícil.

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(b) Turma 502, realizado em 02/04/2007

A turma 502 tem 11 alunos distribuídos na faixa etária de 12 a 17 anos.

Iniciamos o grupo focal solicitando que os alunos fizessem um semicírculo, para todos

pudessem participar. Explicamos o que seria feito, como no grupo anterior.

Os alunos estavam excitados com o fato de que iríamos filmá-los, mesmo já

tendo sido conversado com eles anteriormente sobre a atividade. Logo no início

começaram a falar que atualmente não sofrem tanto preconceito, mas que é difícil

estudar em escola inclusiva sem estrutura, intérprete. Eles não aproveitavam e não

entendem nada nestas escolas, pois suas relações com os ouvintes não são boas. Há

dificuldade e deboche por parte dos ouvintes que, segundo eles, não têm paciência nem

respeito pelos surdos. Revelam que suas famílias tiveram dificuldade com eles pela falta

de comunicação e que todos deveriam aprender LIBRAS em respeito aos surdos.

Perguntamos a eles o que é ser surdo e uma das presentes responde que

Meus pais são surdos, têm facilidades. Pais surdos me tratam bem. Não sofre preconceito pelo fato de ter pais surdos. Pelo contrário, tem muitos amigos. Não tem problemas, não sofre preconceito. (Adolescente feminino, 13 anos)

O foco da conversa passa a ser, como no grupo anterior, o preconceito, que é

identificado pelos alunos na rua, no trabalho, em todos os lugares. Perguntamos aos

participantes como os surdos vivem entre as pessoas não surdas e uma das jovens

presentes conta que sofria preconceito na escola:

Estudei na escola da Prefeitura onde não tinha intérprete e eu estava muito atrasada nos estudos. Na escola em que eu estudava antes, tinha preconceito sim. Um pouco de preconceito. Não tinha entrosamento entre os colegas nem apoio da direção e tinha muitas dificuldades nos trabalhos em grupo. (Adolescente feminino, 12 anos)

Um dos rapazes concorda com a colega e diz que na escola da Prefeitura “sofria

muito preconceito principalmente no futebol. O meu irmão, por exemplo, ficava

zombando de mim e eu ficava muito chateado. Eu reclamava com ele mas não

adiantava, ele ficava debochando de mim” (Adolescente masculino, 14 anos). Um outro

revela que é difícil ser surdo em uma família de ouvintes, pois somente a mãe fala a

língua de sinais. O pai e os irmãos não falavam com ele, o que o fazia sentir-se isolado

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da família. Conta ainda que, quando ele era pequeno, era pior. Só depois que as pessoas

se acostumam é que melhora. Mesmo assim o preconceito aparece: “Hoje me dia, as

pessoas zombam do meu cabelo dizendo que sou veado, por causa do cabelo grande”

(Adolescente masculino, 17 anos).

Os jovens falam que é difícil se comunicar com as pessoas porque as mães

proíbem muitas coisas, por medo de acontecer alguma coisa com eles. Uma jovem

comenta que sua família gosta dela:

Me tratam bem. Meu problema é quando eu quero sair e minha mãe não deixa porque fica preocupada comigo. Meu pai gosta de mim, mas às vezes a gente briga. Hoje em dia eu vivo com meus tios porque meus pais se separaram porque eles brigavam muito. (Adolescente feminino, 15 anos)

Um dos rapazes diz que a falta de comunicação é o que mais complica. Segundo

sua fala, ter ido estudar no INES mudou muita coisa:

Há um tempo atrás, em 1990 e pouco, comecei a estudar aqui no INES. Até então eu não sabia ainda de sinais, não compreendia nada. Eu não conseguia me comunicar com ninguém, nem surdos, nem ouvintes e eu sofria muito com isso. Eu fiz tratamento de fono, tentei oralizar, foi quando eu comecei a aprender LIBRAS no INES, aí tudo mudou. Eu descobri minha identidade (Adolescente masculino, 16 anos).

Um outro jovem concorda com o colega e diz que

Sem a LIBRAS a comunicação é muito difícil. Eu era obrigado tentar falar, a oralizar, assim o tempo foi passando. Nas ruas as pessoas zombavam de mim, mas eu não me importava, eu deixava pra lá, continuava calado, seguindo a minha vida, Em casa, em minha família não tínhamos comunicação porque eles não aceitavam a LIBRAS, a gente não tem comunicação, eles não sabem LIBRAS, mas tudo bem. Fazer o quê? (Adolescente masculino, 17 anos)

Nesse momento perguntamos a eles o que os surdos poderiam fazer para

melhorar seu modo de viver. Os adolescentes presentes dizem que os ouvintes

poderiam aprender a língua de sinais, porque ficaria mais fácil a comunicação entre

eles, pois os surdos não querem ser oralizados. De acordo com suas falas, a relação

entre surdos e ouvintes somente poderia melhorar se os ouvintes aprendessem LIBRAS.

Consideram que os ouvintes não têm interesse em aprender a língua de sinais porque

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não são surdos, têm outra cultura e não têm ninguém na família que seja surdo. Um

jovem afirma que “seria bom se houvesse um maior número de pessoas interessadas em

aprender a LIBRAS. Teria mais integração, viveríamos mais juntos e nos sentiríamos

mais felizes. Seria legal, pois as pessoas viveriam em união” (Adolescente masculino,

14 anos).

Um adolescente de 16 anos diz que o preconceito é muito grande. “As pessoas

dizem, inclusive, que parecemos macacos, quando sinalizamos” (Adolescente

masculino, 16 anos). Outro rapaz conta que as pessoas não gostam de ajudar e muitas

vezes eles não entendem o que está acontecendo:

A falta de ajuda, as ocorrências de violências físicas, o preconceito em colocar de castigo sem saber o motivo, esta falta de troca, falta de explicação, falta de união, tratar o surdo como coitadinho...Essa falta de respeito, tudo isso que eu falei, é preconceito. É importante participar, de brincadeiras, jogos, juntos, tudo isso gera para a pessoa surda um sofrimento muito grande. E importante participar das atividades. Isso cria dentro de nós um sofrimento muito grande, qualquer tipo de preconceito é errado. Esse preconceito parte dos ouvintes (Adolescente masculino, 17 anos)

Esse depoimento incentiva um adolescente, que revela que o colégio em que

estudava era muito ruim:

No colégio só tinha eu de surdo, as coisas eram muito ruins antes. Mas depois outros surdos foram inseridos e aí então melhorou. Na quarta série, repeti de ano, mas no ano seguinte recuperei, porque eu vim aqui para o INES (Adolescente masculino, 14 anos).

Perguntamos como os surdos são tratados pelos ouvintes e os participantes

disseram que nem sempre têm ajuda daqueles que ouvem. No INES eles têm amigos, há

ajuda, há troca. Em outras escolas, não. Uma das moças afirma que

Na outra escola que eu estudava, eles tinham muito preconceito, por exemplo, a gente não podia participar das atividades com os ouvintes, nas brincadeiras, nos jogos, tudo era diferente, a saída, tudo isso era preconceito. (Adolescente feminino, 15 anos)

Um dos rapazes lembra que no ambiente de trabalho as coisas são parecidas:

No meu trabalho tem muitos ouvintes que me tratam mal e eu percebo eles cochichando, falando de mim, na minha direção, colocam a mão

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na boca e sei que estão falando de mim. Aí também eu relevo, deixo pra lá. (Adolescente masculino, 17 anos)

Os participantes dizem que é melhor se relacionar com pessoas surdas, “porque

com pessoas surdas consigo conversar com elas em sinais, o que adianta namorar

ouvinte sem entender o que está falando?” (Adolescente masculino, 16 anos). Um dos

rapazes discorda e explica que

Tem como namorar uma pessoa ouvinte. O mais importante é o sentimento. Existem outros recursos de comunicação como a escrita, leitura labial e etc. De repente você pode fazer uma troca, ensinar libras e aprender o Português (Adolescente masculino, 14 anos).

Uma das moças ri e responde que “isso depende, se o rapaz for bonito, tanto faz

ser surdo ou ouvinte” (Adolescente feminino, 15 anos). Todos riem e começam a

conversar sobre namoro, namoradas e namorados. Um rapaz de 16 anos considera que

“não combina um surdo casar com ouvinte, porque o ouvinte pode enganar o surdo em

ligações telefônicas e outras coisas”. Imediatamente, um outro rapaz, de 15 anos, diz

que “tem muitas formas de se comunicar: celular, torpedo, msn, computador”. Uma das

moças concorda e explica que

Essa questão da internet complica às vezes pelo fato de os surdos desconhecerem algumas palavras em Português. Aqueles que são oralizados têm mais facilidades, os outros não. Quanto à relação entre surdos e ouvintes, tem a questão do ciúme. O ciúme pode atrapalhar a relação. (Adolescente feminina, 16 anos)

Os adolescentes consideram que é necessário conscientizar e aconselhar as

pessoas sobre a língua de sinais. Uma moça de 15 anos fala que sempre haverá

preconceito.

Por exemplo, na minha família, eu sou a única surda. Me sinto muito sozinha. As pessoas da família interagem entre si, mas eu não consigo acompanhar e sempre me acusam e falam de coisas que eu não fiz. Quando vêm falar comigo, falam por trás e eu penso que eles não gostam de surdos. Só minha mãe sabe um pouco de sinais. Muitas vezes eu apanhei sem saber o motivo. Bem pequena eu fui entregue aos meus avós pra cuidarem de mim, só os via de vez em quando. Minha mãe vinha de vez em quando na minha casa, e com isso eu percebi o preconceito a partir deles e entendo. Se fosse ouvinte, eles não teriam me dado para os meus avós me criarem.

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Os jovens falam que a dificuldade de comunicação os deixa tristes e sozinhos.

Uma das moças presentes diz que é sozinha e que seus pais não sabem sinais para

poderem conversar com ela. Revela que tem apenas uma amiga, mas que ela não

freqüenta sua casa.

A conversa vai terminando com os alunos defendendo o ensino de LIBRAS para

todas as pessoas. Seu desejo é que um dia todos possam se comunicar. Mostram-se

preocupados com seu futuro, pois sabem que onde forem trabalhar nem sempre haverá

intérprete para eles.

(c) Turma 602, realizado em 09/04/07

Nesta turma há 15 alunos entre 12 e 17 anos. Iniciamos a atividade perguntando

ao grupo o que é ser surdo. Imediatamente os alunos começaram a discutir, pois um

dos presentes respondeu que “ser surdo é ser normal, tem trabalho, escola”

(Adolescente masculino, 16 anos). Contestando a fala inicial do colega, outros alunos

manifestaram suas opiniões:

Eu não acho. Eles zombam de mim, eu não sei o que fazer. (Adolescente, masculino, 12 anos) Eles, os ouvintes, debocham muito dos surdos. Eu fico chateado. (Adolescente masculino, 13 anos) No meu trabalho também. (Adolescente masculino, 17 anos) Meu pai, mãe e avó me tratam normal. (Adolescente feminino 12 anos) Mas minha família não. Ninguém sabe sinais. (Adolescente masculino, 13 anos) Só meu irmão sabe sinais, mas pra mim é muito importante. Queria que a família toda soubesse. (Adolescente masculino, 14 anos)

Os alunos passam a comentar sobre sua vida entre os ouvintes e entendemos ser

o momento adequado para perguntar como os surdos vivem entre pessoas não surdas.

A conversa gira em torno da família e dos amigos, que também têm preconceito,

pois não sabem lidar com uma pessoa que não fala, conforme expressam os

adolescentes:

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Os únicos ouvintes que me tratam bem são, na verdade, a minha família, eles que me sustentam e eu preciso que eles me tratem bem. (Adolescente feminino, 17 anos) Às vezes a família tem preconceito. (Adolescente masculino, 16 anos)

Os alunos revelam que no Instituto tiveram oportunidade de encontrar amigos,

pessoas com quem podem conversar. A chegada na instituição mudou suas vidas:

Ela nasceu desde pequena era única surda. Não tinha amigos se sente triste e isolada. Agora no INES ela está feliz, encontrou um grupo de surdos que tem sinais. Ela se sente melhor, mais acolhida. (Adolescente feminina, 15 anos) Em outros lugares é mais difícil, no INES é mais fácil. (Adolescente masculino, 15 anos)

Eu estudava em outra escola em que eu participava do grêmio, havia parceria. Quando eu vim pro INES, eu percebi que este grêmio na verdade está dormindo, podia estar lá fora, colhendo informações como na verdade um grêmio funciona. Podia ir pra Brasília pra poder colher dados de como funciona realmente um grêmio e trazer essa realidade para o INES. Eles não sabem o significado de um grêmio e ficam assim. (Adolescente feminino, 16 anos)

Uma das moças presentes retoma a fala anterior e diz que o preconceito é muito

grande e que as pessoas não tratam bem quem é diferente. Perguntamos como os surdos

são tratados pelas pessoas não surdas, e as falas sobre preconceito se repetiram:

Muito preconceito, eles não gostam e não respeitam os surdos. (Adolescente masculino, 15 anos)

A solução apontada é que os ouvintes devem aprender a usar sinais, como afirma

uma adolescente de 14 anos: “Eles precisam aprender sinais”. Essa é a opinião dos

alunos presentes que entendem ser esse um caminho para que ouvintes e surdos possam

se entender. Quando perguntamos como as pessoas não surdas deveriam tratar os

surdos, os alunos disseram que isso era muito difícil, pois os ouvintes não gostam dos

surdos. As falas apresentadas a seguir foram proferidas em tom doloroso:

Eles não gostam de surdos. (Adolescente masculino, 13 anos) Não ligam, zombam muito. (Adolescente feminino, 14 anos)

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Às vezes nos maltratam. (Adolescente masculino, 15 anos) Tem gente que bate nos surdos. (Adolescente masculino, 12 anos) Não conhecem nada sobre nós. (Adolescente masculino, 14 anos) Acham que a gente é maluco. (Adolescente masculino, 15 anos) Riem da gente. (Adolescente feminino, 15 anos) A gente sofre muito. (Adolescente feminino, 16 anos)

A atmosfera de tristeza nos incentivou a perguntar-lhes o que os surdos

poderiam fazer para melhorar o seu modo de viver. Todos disseram que a

comunicação era o aspecto principal:

Ter intérprete, essas coisas, para ia ao médico, ajuda. (Adolescente feminino, 16 anos) Precisava que todos soubessem língua de sinais. Eu poderia viajar para qualquer lugar, viajaria para os Estados Unidos, mesmo que eu não soubesse inglês, mas soubessem língua de sinais, para qualquer outro lugar. Isso facilitaria a minha vida. (Adolescente masculino, 16 anos) Se no trabalho tivesse língua de sinais seria bom. (Adolescente masculino, 17 anos) Precisava melhorar o nosso conhecimento de vocabulário na Língua Portuguesa. Eu gostaria que tivesse a mesma quantidade de usuários de Português e a mesma quantidade de usuários de língua de sinais, isto é, que houvesse mais surdos. (Adolescente feminino, 15 anos) Às vezes os ouvintes não sabem língua de sinais. Às vezes encontramos um outro, dependendo da sorte, mas na verdade, se trata de respeito. Os ouvintes não têm o respeito que é preciso ter com o surdo, com o surdo que sabe sinais, mas se eles não têm respeito pelo surdos, não têm. Eles têm muitos amigos surdos no INES. (Adolescente feminino, 16 anos) A língua de sinais é uma coisa que ela se acostumou a ter. Ela se acostumou com a língua de sinais e acha que os ouvintes não podem ter preconceito. Tem de ter melhor comunicação com os surdos. Os ouvintes têm de que saber fazer língua de sinais, ter língua de sinais na faculdade, respeito, a língua de sinais. (Adolescente feminino, 17 anos)

Comentamos que se as pessoas ouvintes não têm respeito pelos surdos, o que

eles poderiam fazer para melhorar o tratamento que recebem dos não surdos. Os

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alunos presentes disseram que os ouvintes desconhecem a vida dos surdos e essa é a

razão para que o tratamento que recebem seja eivado de preconceitos:

Muitas vezes as pessoas não sabem, não sabem que eles são surdos. Pensam que são surdos-mudos e eles não gostam disso. Isto significa que tem de conscientizar as pessoas. (Adolescente feminino, 17 anos) Eu nasci ouvinte e depois fiquei surdo. Sempre achei importante aprender sobre os surdos. Hoje em dia tem muito mais gente aprendendo sinais e isto é bom. (Adolescente masculino, 15 anos)

Os jovens começam a comentar que a língua de sinais é uma coisa que só surdo

sabe, pois nem todos os ouvintes querem aprender. Quando perguntamos se os surdos

têm alguma coisa que é somente deles, dizem que não, que o intérprete é a pessoa que

os coloca em comunicação com outras pessoas. Sem ele, tudo fica mais difícil. De

acordo com suas falas: “Importante ter mais pessoas, intérprete, precisa ter mais

comunicação com os surdos. Os ouvintes zoam muito, nas escolas, nas ruas, por ai”

(Adolescente masculino, 14 anos).

Os alunos voltam a dizer que a falta de respeito pelos surdos torna tudo mais

difícil. A partir do momento em que os surdos forem respeitados, muita coisa poderá

mudar. Acreditam que se todas as pessoas utilizarem a língua de sinais, será possível o

surdo viver melhor:

No INES, por exemplo, falta intérprete, falta professor. Falta muita coisa para o surdo. (Adolescente feminino, 14 anos) Já aconteceu uma situação comigo, que uma pessoa começou a zoar, debochar, até que houve uma explicação, uma conscientização, e tudo mudou. (Adolescente masculino, 16 anos) A língua de sinais é importante para o surdo se desenvolver. (Adolescente masculino, 15 anos) Importante, surdo precisa de língua de sinais, intérprete. (Adolescente masculino, 16 anos)

A partir desse momento, os alunos começam a falar sobre a língua de sinais,

ratificando as manifestações anteriores em que afirmavam ser ela a ponte de

comunicação com os ouvintes.

(d) Turma 603, realizado em 09/04/2007

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Esta turma é composta de 15 alunos entre 15 e 18 anos. Após a apresentação,

solicitamos que os alunos se dispusessem em semicírculo, para que todos pudessem se

ver e participar da atividade. Os alunos estavam descontraídos, demonstravam alegria e

pediram para explicar, novamente, o que seria feito. Dissemos que gostaríamos de

conversar com eles sobre assuntos que já havíamos falado antes, sobre o que os surdos

pensam sobre sua língua, seus hábitos, como vivem e como são tratados. Reforçamos

que esse era um momento importante para todos nós e que ficávamos muito felizes por

eles terem aceitado participar.

Os alunos se mostraram entusiasmados e colaborativos e por essa razão foi

possível provocar discussões que foram bem acompanhadas pelo tradutor/intérprete.

Logo no início, perguntamos aos participantes o que é ser surdo. Imediatamente, um

dos rapazes presentes afirmou que ser surdo é muito difícil. Solicitamos que ele nos

explicasse por quê:

Surdos têm muito sofrimento, sofrem muito preconceito, pouco apoio familiar. A maior parte das escolas são oralistas, não se tem língua de sinais. Os surdos querem participar das atividades na sala de aula, mas não conseguem acompanhar por isso nós ficamos muito tristes. Felizmente encontra a língua de sinais, que, na verdade, oferece em profundidade os conhecimentos necessários para as nossas vidas e é exatamente isto que nós precisamos, porque temos pouco apoio da família e da sociedade. Tudo isso muda quando se tem língua de sinais. (Adolescente masculino, 17 anos)

Um outro rapaz concorda e afirma que a falta de comunicação das pessoas torna

a vida deles muito ruim, pois na família a dificuldade é percebida. Conforme ele mesmo

fala:

As famílias prejudicam os surdos quando não usam a língua de sinais. E isto acaba atrasando o cognitivo, o aprendizado de nós, os surdos. Seria bom se as pessoas se colocassem no nosso lugar para sentir o que nós sentimos, conhecer um pouco de nossas necessidades diárias. A impressão é que eles nos odeiam quando zombam de nós, comparando. Eu não falo de ninguém, assim também como eu não quero que ninguém fale mal de mim. Quero ser tratado como qualquer outra pessoa, interagindo nestes dois mundos. (Adolescente masculino, 18 anos)

Em seguida, um jovem fala sobre a curiosidade que os surdos despertam entre os

ouvintes e lembra que muitas pessoas desejam aprender língua de sinais:

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Estou aqui no INES desde pequeno, aprendendo a língua de sinais e percebo que lá fora existe uma curiosidade dos ouvintes saberem o que nós estamos conversando. Até que eles vêm ao INES, fazem o curso, aprendem língua de sinais e isso facilita a comunicação, se tornando alguns deles intérpretes e nos auxiliando nos consultórios médicos. Mas tudo isso é muito relativo, porque existem alguns ouvintes que não querem aprender. (Adolescente masculino, 16 anos).

Os presentes começam a falar sobre sua dificuldade de relacionar-se com os

ouvintes e então perguntamos a eles como os surdos vivem entre as pessoas não

surdas. Os exemplos se referem, inicialmente à família, pois a maior parte deles é surdo

em família de ouvintes, o que expõe uma diferença de tratamento por parte de suas

mães, conforme relata um dos jovens: “Por exemplo, na minha família minha mãe me

prende muito, já o meu irmão sai a hora que quer e eu não posso. Por quê? É uma

pergunta sem resposta” (Adolescente masculino, 16 anos).

Quando comentam sobre os ouvintes, mostram-se zangados, porque se sentem

maltratados e desrespeitados. Um dos rapazes diz que “a dificuldade é que eles falam

palavrão, xingam, chamam de macaco, dizem que nós somos como animais. Eu não

gosto disso” (Adolescente masculino, 16 anos). Uma moça confirma e comenta que

“eles nos chamam de filha da p... Aconteceu dentro de um ônibus, um ouvinte ficou

zombando porque eu era surda, eu fiquei um pouco triste, mas Deus está vendo, pode

castigá-lo” (Adolescente feminino, 17 anos).

Os jovens dizem que as zombarias são inúmeras e que muitas vezes as brigas são

inevitáveis, conforme as falas registradas a seguir:

Um tempo atrás estava conversando em língua de sinais com um amigo e um garoto pequeno ficou zombando de mim, mas eu estava de olho. Eles estavam fazendo gestos, eu continuei, ele não parou de zombar de mim. (Adolescente masculino, 17 anos) Às vezes, os surdos ficam tão revoltados com as zombarias que partem para agressão física (Adolescente masculino, 16 anos) Eu virei, olhei, ele estava dizendo: surdo, veado. Me revoltei, fui lá e parti pra briga, agressão física mesmo. (Adolescente masculino, 18 anos)

Todos falam que as provocações são muito ruins e que eles não querem puxar

brigas. Entretanto, o modo como os ouvintes os tratam, acaba provocando situações

desagradáveis e que muitas vezes a agressão se torna seu único meio de defesa.

Perguntamos, então, como as pessoas não surdas deveriam tratar os surdos, e mais

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uma vez o preconceito se tornou foco da discussão. Dessa vez, um dos rapazes revela

que, mesmo no Instituto, eles percebem preconceito. Solicitamos que ele dê um

exemplo:

Existe preconceito aqui também no INES. Às vezes eu estou conversando com um amigo e vem o inspetor brigando, dizendo que não pode namorar. E eu penso, quem falou que eu estou namorando? Ele é só meu amigo! Então, o preconceito acontece aqui também dentro do INES. (Adolescente masculino, 16 anos)

Todos falam que o preconceito das pessoas prejudica muito e que é muito difícil

viver entre diferentes. Perguntamos o que é ser diferente, e um dos jovens presentes

explica:

As pessoas não entendem é que nós somos somente surdos, não temos nenhum um outro comprometimento. As pessoas me chamam de deficiente e de mudo, mas esta não é a nossa realidade. A nossa cultura é diferente da dos ouvintes, mas temos os nossos valores e nós, surdos, aqui dentro da cabeça, somos normais, nós só temos uma forma diferente de ler o mundo. As pessoas acham que nós somos ignorantes, não entendemos nada. Isso porque essas pessoas não nos conhecem. Na verdade, nós temos toda condição de estudarmos, fazermos uma faculdade, tornarmo-nos um bom profissional, enfim como qualquer outra pessoa. (Adolescente masculino, 18 anos)

Rapazes e moças presentes dizem que eles são iguais a todas as pessoas e que a

única diferença é que eles falam a língua de sinais. Entendem que a LIBRAS ajudou-os

a viver melhor, conforme os depoimentos apresentados a seguir:

Antigamente a língua de sinais não era tão divulgada. Com o tempo, a língua de sinais foi se transformando e hoje eu percebo enquanto usuário da língua de sinais que muitas coisas mudaram. (Adolescente masculino, 17 anos) Eu cheguei aqui no INES bem pequena e via só surdos adultos conversando e ficava admirada, eu tentava copiar. Eles achavam bonitinho e começaram então a me ensinar. Eu muito interessada, fui aprendendo a língua de sinais e hoje em dia eu tenho muita facilidade em me comunicar em sinais. (Adolescente feminino, 17 anos) Quando eu comecei a estudar, eu não entendia muito bem a língua de sinais. Com o tempo, fui me acostumando com a língua de sinais. Eu tinha muita dificuldade de adaptação, gritava muito, era muito agitado devido à falta da própria língua. Comecei então a aprender a língua de sinais, convivia também com a comunidade surda e aprendi muitos

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sinais, sempre observando e adquirindo sinais. E eu sou fluente em sinais. (Adolescente masculino, 18 anos) Antigamente, eu tinha preconceito comigo mesma. Eu não queria ser surda, gostaria de ser ouvinte, fazia fono na tentativa de aprender a falar. Eu ficava confusa em relação a ser surda ou ouvinte, falar em Português ou em língua de sinais, mas, de tanto fazer fono, eu fui percebendo que a dificuldade era muito grande. Foi então que eu resolvi aprender a língua de sinais e vi que a língua de sinais me proporcionou coisas que a Língua Portuguesa e a oralização não conseguiram me proporcionar. Eu decidi aprender a língua de sinais e sou usuária da mesma. (Adolescente feminino, 17 anos) Antes eu não sabia língua de sinais, me comunicava através de gestos e aqui no INES eu percebi a língua de sinais e eu ficava olhando o tempo todo os surdos adultos a ponto de eles estranharem a minha curiosidade. Hoje em dia, a história se repete, eu percebo que outros surdos pequenos fazem igual, ficam olhando curiosos. (Adolescente feminino, 15 anos) Sábado passado, em Rio Bonito, eu estava andando de bicicleta e parei para visitar e encontrei um surdo que estava junto com o pai, mas tinha pouco sinal. Ele estava com um pedaço de papel, procurando um endereço, eu então o ajudei e perguntei o nome. Ele não sabia me dizer, falei o meu e percebi a dificuldade que ele tinha em se comunicar. (Adolescente masculino, 16 anos) Quando era pequeno, eu ficava olhando as pessoas conversarem em línguas de sinais, mas não entendia e com 14 anos eu comecei a aprender no INES (Adolescente masculino, 17 anos) Por exemplo, eu sou surdo e meus pais são ouvintes. Eu estou conversando com eles, digamos, estes pais não aceitem língua de sinais, mas querem que eu oralize. Mas com o tempo, eu poderei decidir o que é melhor pra mim, entre a língua de sinais e a oralização, daí os pais não poderão mais interferir. (Adolescente masculino, 16 anos)

Uma das moças começa a dizer que os pais têm preocupações demais com ela e

que muitas vezes a proteção atrapalha. Ela diz que

Minha dificuldade é familiar, porque eles não me deixam sair, passear, porque é muito perigoso. As minhas irmãs podem sair, menos eu e quando pergunto por que, a minha família diz que é por eu ser surda e me diz que, por me amar muito, quer me poupar da violência. (Adolescente feminino, 16 anos)

Um dos rapazes concorda com a colega e diz que é difícil se acostumar a andar

sozinho, pois as pessoas zombam dos surdos. Ele conta que:

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Um tempo atrás, quando eu era pequeno, minha mãe sempre me acompanhava aonde eu ia e eu estudava numa escola da Prefeitura em Caxias e os amigos surdos me perguntaram: “Você só anda com a sua mãe?” Eu dizia que era muito novo e precisava dos cuidados dela. Minha mãe sempre conversava comigo, dizia que me amava. O tempo foi passando, eu fui me acostumando, passei a andar sozinho e hoje estou bem. As pessoas zombam sim da gente, mas eu não ligo. (Adolescente masculino, 17 anos)

Um rapaz diz que nem sempre a família é dedicada e que ele é um exemplo de

como existe preconceito mesmo entre os familiares:

A minha tia tem muito preconceito comigo, mas eu nem ligo porque eu sei quem eu sou e sei do meu valor. Não adianta me zombar nem me xingar, porque eu conheço os meus direitos. Eu sei que eu posso trabalhar, melhorar de vida, posso enfim ter uma vida social normal. Ela vive me explorando, tirando o meu dinheiro, eu digo “vai trabalhar” e “Deus na verdade está vendo tudo isso”. Se eu trabalhei, então o dinheiro é meu. (Adolescente masculino, 17 anos)

Todos dizem que ser enganado é muito ruim e que os ouvintes são pessoas

difíceis. Perguntamos, então, o que os ouvintes poderiam fazer para melhorar a vida

do surdo. Os jovens dizem que os ouvintes podem ajudar com a língua de sinais. Um

dos rapazes revela que poder se comunicar é a coisa mais importante para os surdos:

Eu acho o seguinte, que a forma de ajudar é promovendo a língua de sinais, isto é importante para gente. A gente não quer na verdade, ficar isolado, nem viver em guetos, porque na verdade, o que a gente quer é aumentar este leque. Nós queremos que a língua de sinais apareça para que os ouvintes tenham a oportunidade de aprender sinais para que a gente esteja trocando assim como está acontecendo agora com o intérprete. Melhora, as pessoas ouvintes tentam se comunicar conosco através de gestos comuns. A partir daí, nós oferecemos o sinal. Com o tempo estas pessoas interessadas vão aprendendo língua de sinais. É claro que alguns com mais dificuldade e outros com mais facilidade. É importante que geralmente se aprenda língua de sinais para nos ajudar, enfim trocarmos. Acho que este é o objetivo maior da língua de sinais: trocar. (Adolescente masculino, 18 anos)

Uma das meninas concorda e diz que “o aprendizado da língua de sinais é

importante, porque onde o surdo estiver ele vai obter as informações” (Adolescente

feminino, 16 anos).

Perguntamos, então, o que os surdos poderiam fazer para melhorar seu modo

de viver e os adolescentes disseram que estudar é o melhor caminho. Nesse momento,

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todos começaram a falar sobre as profissões que gostariam de exercer no futuro, como

registrado a seguir:

Estudar informática, engenharia (Adolescente masculino, 17 anos) Informática (Adolescente masculino, 16 anos) Informática (Adolescente feminino, 16 anos) Educação infantil, pedagogia, informática ou educação física (Adolescente feminino, 17 anos) Quero fazer pedagogia, ser professor, trabalhar com crianças. (Adolescente masculino, 18 anos) Quero fazer pedagogia dar aula pra crianças. (Adolescente feminino, 17 anos) Bibliotecário, administração (Adolescente masculino, 17 anos)

A conversa permaneceu aí, focalizada até o momento em que foi necessário

finalizar a atividade. Agradecemos a participação de todos e os alunos disseram que foi

muito bom ter conversado sobre surdos, o que nem sempre acontece, mesmo no

Instituto.

4.3.3 Relato das aulas transcorridas durante o primeiro semestre de 2007

a) Turma 501

1ª. aula – 11/04/2007

Tema – A importância da História

Iniciei a aula perguntando aos alunos: O que é história?

Eles definiram como “Macacos. Antigamente, sempre coisas antigas, macacos,

evolução”.

Forneci a eles diferentes materiais: livros, histórias variadas, fotos, gravuras de

fósseis, objetos relacionados à Pré-história, Idade Média, Antiguidade, Egito,

Mesopotâmia, Idade Moderna. Pedi que desenhassem e contassem uns aos outros sobre

o que pesquisaram.

Relataram diferentes momentos, mostrando desenhos, mapas antigos,

explicando. Chegamos à conclusão que história seria o estudo das sociedades através do

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tempo e no espaço. Chegamos também à conclusão de que a história não diz respeito

somente ao passado, mas este funciona como um elemento importante de

transformação. Quando estudamos, podemos entender melhor o passado para assim não

repetir erros, transformando o presente e principalmente o futuro. Daí a importância de

estudar História para todos nós. Para os surdos, é muito importante, para que eles

possam entender por que ao longo da história foram discriminados.

Perguntei se conheciam a história dos surdos. Eles disseram que não e se

mostraram entusiasmados em estudá-la. Combinamos que na próxima aula

conversaríamos sobre sua história.

2ª aula - 16/04/2007

Tema – A história dos excluídos

Pedi que os alunos pegassem os livros, mas como estavam muito agitados, foi

necessária uma conversa sobre comportamento, devido às brigas constantes entre eles.

Sentamos em semicírculo.

Nesta aula, utilizando o livro adotado (Nova História Crítica, 5ª série, Mário

Furley Schmidt), fomos conversando sobre História. Perguntei-lhes se a História é

sempre a história dos fortes, das batalhas, das guerras. Vimos que, muitas vezes, nos

filmes, vemos a história dos reis, que é muito bonita e nobre. Falamos da vida na corte,

cheia de riquezas, e que esquecemos a história dos homens comuns. Percebemos que a

História é contada geralmente pelos vencedores, as batalhas dos navios, os generais, os

cavaleiros da Távola Redonda. Esquecemo-nos dos povos sofridos, dos escravos no

Egito, dos camponeses na Idade Média e no feudalismo. Discutimos que a História não

é contada pelos vencidos, pelos subjugados.

3ª aula - 23/04/2007

Tema – Diferentes culturas

Passamos o filme Xingu, um documentário sobre os índios no Xingu. Conforme

a crítica especializada, o filme nos permite rever valores pessoais e sociais e refletir

sobre as palavras “civilizado” e “selvagem”.

Após assistirmos ao filme, discutimos sobre as diferentes culturas no mundo e

suas características. Disseram que os índios usam tangas, não plantam, são coletores,

dormem em redes. Os alunos falaram sobre os diferentes costumes desses povos:

notaram suas danças, pintura e religiões e pediram uma visita ao Museu do Índio.

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Discutimos sobre diferentes culturas e dentre estas a cultura dos surdos. Falamos sobre

sua história, cultura e língua de sinais.

4ª aula - 03/05/2007

Tema – Trabalho em grupo sobre diferentes culturas

Conversamos sobre as tarefas que seriam realizadas e fomos trabalhar na sala de

estudos, uma sala adaptada para trabalhos em grupo, onde os alunos podem cortar,

colar, pesquisar. Em grupos formados por três e quatro alunos, organizaram um mural

com diferentes culturas.

Alguns escolheram religião; outros, costumes; outros, roupas. Um grupo

organizou as culturas africanas. Conversamos a respeito dos povos da África que, assim

como os índios brasileiros e os indianos, não são todos iguais, são povos diferentes, têm

línguas e costumes distintos. Discutimos sobre os surdos formarem um grupo diverso,

que difere, nesses mesmos aspectos, dos ouvintes.

(b) Turma 502

1ª aula - 09/05/2007

Tema – Pesquisa sobre diferentes culturas

Os alunos estavam agitados e foi necessário um certo tempo para dar início à

tarefa. Conversamos sobre as diferentes sociedades e suas manifestações culturais e

étnicas. Através de imagens de livros e revistas, pudemos evidenciar características

diferentes dos grupos ali encontrados. Ao abordarmos o conceito de cultura, os alunos

elaboraram o seu: um conjunto de manifestações de um grupo ou país. A partir daí,

comparamos diferentes culturas: tipo de alimentação, vestimentas, língua, organização

social e construções arquitetônicas. Entre essas, destacou-se a japonesa. Uma das

alunas, filha de japoneses, deu um depoimento, descrevendo a cultura de seus pais e

comparou-a com a brasileira. Pedi a eles que pesquisassem em jornais e revistas as

diferentes culturas.

Perguntei se os surdos têm uma cultura própria e discutimos aspectos dessa

cultura, tentando defini-la. Surgiu, então, outra questão: Como os surdos eram tratados

pelas diferentes sociedades do passado?

Fizemos uma linha do tempo e falamos sobre a história dos surdos, desde a

Antiguidade, citando, por exemplo, Grécia e Esparta, onde havia uma supervalorização

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dos guerreiros. Os surdos e demais deficientes eram, portanto, descartados e jogados ao

mar, por não serem úteis na guerra.

Expliquei que os surdos não tinham direitos a terra, herança ou casamento. Nos

mosteiros da Idade Média, os monges usavam língua de sinais para se comunicar e

preservaram-na por milênios. Não havia escolas para surdos. Só os surdos ricos na

Idade Moderna estudavam em casa. Mais tarde, com o Iluminismo, surgiram na França

as primeiras escolas para surdos. Entretanto, algumas usavam sinais e outras eram

oralistas. Expliquei que o oralismo foi defendido por 300 anos. Os surdos tinham que

falar, a língua de sinais foi proibida até o século XX, mais ou menos até 1960. A partir

daí começaram a surgir outras teorias que valorizavam a língua de sinais. Concluímos

que os surdos têm muitos anos de lutas e ainda precisam lutar por seus direitos.

2ª aula - 14/05/2007

Tema – Vista ao Museu Nacional

Fomos ao Museu Nacional observar fontes históricas. Os alunos ficaram

maravilhados com as múmias do Egito, pois haviam visto fotos nas aulas anteriores.

Vimos vestígios dos povos pré-históricos: instrumento feitos de pedra, como pequenas

facas, flechas e agulhas. Os alunos questionaram a utilidade daqueles utensílios

primitivos, comparando-os aos atuais.

Mais à frente, havia fósseis de dinossauros que deixaram os alunos perplexos.

Eles desconheciam a existência de uma era pré-histórica no Brasil. Discutimos sobre

essa era, salientando que ainda existem muitas cavernas com pinturas rupestres em

diferentes regiões brasileiras.

Conversamos sobre as diferentes culturas observadas no museu e concluímos

que o estudo de diferentes culturas faz parte do conhecimento sobre os surdos.

3ª aula - 17/05/2007

Tema – Trabalho em grupo sobre Fontes Históricas

Organizamos um mural sobre as fontes históricas que vimos no Museu e pedi

aos alunos que pesquisassem em gravuras e revistas. Comentamos que estudar o

passado nos auxilia a entender o presente e modificar o futuro.

Nesse momento, discutimos sobre a necessidade de conhecer a história de

diferentes grupos, sobretudo a de um grupo como o dos surdos. Concluímos que

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conhecer a sua própria história é não esquecer suas lutas e sofrimentos e perceber a

necessidade de mudar o futuro.

4ª aula - 29/05/2007

Tema – Visita ao Largo do Boticário

O INES está desenvolvendo um projeto que engloba toda a escola. É um projeto

sobre meio ambiente e todas as disciplinas se envolveram com este trabalho.

Por conta deste projeto, fomos visitar a fonte do rio Carioca, no Largo do

Boticário. Os alunos ficaram entusiasmados em poder fazer uma visita a um lugar perto,

no mesmo bairro, e com tanta história para contar. Ao chegar ali, primeiro observamos

o rio Carioca e perguntei se eles sabiam que os índios tupis chamavam os portugueses

de tribo da carioca ou tribo da “oca branca”. Os cariocas são este povo.

Os alunos riram, acharam a história engraçada. Eles se espantaram com o rio

Carioca, que ali no Largo do Boticário é bem mais limpo do que no Aterro do

Flamengo, aonde chega muito poluído.

Falamos também sobre as fontes históricas, pois vimos que as casas são todas

muito antigas, do período colonial. Os alunos observaram o ano de construção das casas

e acharam muito interessante o tipo de construção colonial.

Pudemos conhecer uma índia que estava numa das casas e eles perguntaram de

onde ela era. Concluímos a aula, falando da necessidade de conhecer o passado,

melhorar o presente e como os alunos surdos precisam deste conhecimento para

entender sua própria história.

(c) Turma 602

1ª aula - 25/04/07

Tema - Construção de uma linha de tempo

A turma foi solicitada a pensar como era o planeta Terra antigamente. Vimos o

desenho animado Fantasia, de Walt Disney, sobre a história da Terra, junto com os

alunos da 5ª série.

Em seguida, fomos para sala de estudos fazer um trabalho conjunto: construir

uma linha de tempo.

Perguntei aos alunos se a Terra ainda era muito quente, como nos primórdios do

planeta e eles disseram que não. Perguntei, em seguida, se vivíamos no Egito e mostrei

as pirâmides. Discutimos sobre o ano um, sobre a Idade Média. Lembramos do filme

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Robin Hood, que eles já haviam visto. Falei sobre Idade Moderna, exploração marítima,

Revolução Francesa e, por fim, a invenção do avião e a chegada do homem à Lua.

Todos disseram que vivemos nessa época.

Começamos então a procurar gravuras em livros de Ciências e encontramos uma

gravura sobre a evolução do planeta Terra. Depois encontramos outras de dinossauros,

evolução das espécies, evolução do homem. Começamos a montar a linha do tempo,

enquanto os alunos iam procurando gravuras em revistas e livros.

Falamos sobre a Grécia e lembramos que os surdos eram mortos por causa de

sua surdez. Perguntei se eles conheciam a história da nau dos loucos e eles não sabiam.

Recordamos que os surdos não tinham escolas e que somente os surdos ricos

estudavam. Procuramos despertar para a história dos surdos inseridos na História da

Terra e das sociedades.

2ª aula - 27/04/07

Tema - Pesquisar conceitos na biblioteca

Nesse dia fomos para nossa sala ambiente de História e Geografia, que está em

fase de montagem no INES. Eles puderam trabalhar com livros paradidáticos, manipular

livros antigos e atuais, enciclopédias, enfim ter contato com diferentes livros e

materiais. Solicitei que os alunos procurassem no material disponível os seguintes

conceitos: feudalismo, feudo, servos, exploração, Idade Média, agricultura.

Após um certo intervalo de tempo, eles mostraram o que tinham encontrado,

cada um explicando o que tinha descoberto para os outros colegas. Desse modo,

puderam aprender como se faz pesquisa usando livros. Conversamos que este tipo de

trabalho é importante para todas as matérias e que seria importante pesquisar sobre a

história dos surdos.

3ª aula - 13/06/07

Debate sobre o filme O nome da rosa

Assistimos ao filme O nome da rosa. É um filme passado em um mosteiro

beneditino, durante a baixa Idade Média, marcada pelo declínio do feudalismo e o

surgimento do capitalismo na Europa. É o período de transição da Idade Média para a

Idade Moderna. O mosteiro tem uma grande biblioteca, onde estava guardado o

conhecimento grego e latino. A expressão “o nome da rosa” se refere ao poder das

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palavras. Nos mosteiros, os monges apagavam textos científicos e escreviam ou

copiavam por cima deles orações e rituais litúrgicos.

Após vermos o filme, fizemos um debate. Os alunos ficaram impressionados

com a cultura da Idade Média: como eram as construções, as roupas, os livros, os

religiosos, a Igreja Católica, que tinha tanto poder e riqueza. Comentaram sobre a

escrita e sobre como os monges dos mosteiros guardavam o saber e que isto era uma

forma de poder. Observaram que nos tempos atuais somos diferentes, vivemos num

mundo globalizado, conectados pela internet. Naquela época, as pessoas viviam em

sociedades estáticas e hierarquizadas. Era uma sociedade religiosa e a Igreja Católica

tinha muito poder e quem discordasse dela era queimado vivo em fogueira. Lembramos

que os surdos viviam em mosteiros, onde os monges usavam sinais para se comunicar

entre si, devido ao voto de silêncio. Os alunos falaram que deveria ser muito difícil,

para quem pode falar, ficar sem falar.

4ª aula – 21/06/07

Tema - Impostos e servos

Conversamos sobre a vida na Idade Média. Os alunos estavam com o nosso livro

didático que tem gravuras grandes e interessantes.

Expliquei que na Idade Média o importante não era o ouro ou as jóias, mas a

terra. A terra era dividida em feudos, grandes fazendas medievais, cujos donos eram os

senhores feudais, condes, duques, viscondes, cavaleiros, que arrecadavam impostos dos

camponeses. Os servos deviam prestar fidelidade e ajudar seus senhores. Os servos

tinham que pagar impostos, como corvéia (trabalho de três a quatro dias nas terras do

senhor feudal), talha (metade da produção), banalidade (taxas pagas pela utilização do

moinho e forno do senhor feudal). Comparamos com os dias de hoje e perguntei aos

alunos se eles pagavam impostos. Todos disseram que não. Expliquei que pagávamos

impostos como o sobre a renda, a Contribuição Provisória sobre Movimentação

Financeira (CPMF) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),

que incide sobre quase todos os produtos que compramos. Discutimos que a cobrança

de impostos é uma forma de explorar o homem e que muitas vezes este desconhece seus

direitos.

A partir daí passamos a falar sobre os direitos do cidadão, como direito à

assistência, à moradia, à saúde, à educação, da criança e do adolescente, das mulheres,

dos trabalhadores, do consumidor.

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Perguntei se eles conheciam seus direitos e todos falaram que não. Falamos que

os surdos foram, ao longo da História, estigmatizados e considerados de menor valor

social.

Lembrei que, de acordo com o Censo de 2000, o Brasil tem mais de 2 milhões

de deficientes auditivos e que, entre esses, 500 mil são surdos profundos e que somente

em outubro de 2005 é que a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos

publicou sua segunda lista de reivindicações, denominada Documento de Acessibilidade

e Direitos Humanos dos Surdos.

Informei ainda que a II Conferência dos Direitos e Cidadania dos Surdos20,

realizada em São Paulo em novembro de 2005, defende que os surdos devem ter sua

forma de comunicar respeitada, seja escrita, por sinais ou outra. Essa conferência

procura analisar as necessidades da comunidade surda e encaminhar propostas a

organizações governamentais e não governamentais.

Perguntei se os alunos tinham alguma informação sobre comunidade surda e,

como responderam que não, combinamos de pesquisar na internet. Forneci-lhes o

endereço http://especial.futuro.usp.br/comunidade.html21 para que conhecessem a

Central de Recursos para Surdos. Combinamos de conversar novamente sobre o tema

em uma próxima aula.

(d) Turma 603

1ª aula – 24/05/07

Tema - A História dos Surdos

Assistimos ao filme Filhos do silêncio. A história se passa em uma escola para

deficientes auditivos, e James Leeds é um professor especializado, que desenvolve uma

prática inovadora, propondo desafios contextualizados após discutir com os alunos.

Seus colegas e superiores não acreditam em seus métodos, embora reconheçam seus

esforços. Sarah é uma moça surda que tem dificuldades de relacionamento,

conseqüência de estupro praticado por amigos de sua irmã. Leeds vê em Sarah um

desafio à sua didática e dedica-se a ajudá-la. Sarah quer tornar-se independente, acredita

em seu potencial e busca seu espaço.

Debatemos o filme e a importância de não se identificarem como “coitadinhos”,

mas como pessoa que fala uma língua diferente e que se orgulha de sua cultura e

20 Ver http://www.surdos.com.br/condicisur/sobrecon/index.asp. 21Nesse sitio, há informações sobre associações e instituições; comunicação; educação; e informações.

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identidade. Conversamos que os surdos têm muitos desafios. É preciso que eles

estabeleçam uma identidade própria não ouvinte e afirmem seus valores. A língua de

sinais é um dos meios para que isso aconteça. Explicamos que “a constituição da

identidade do sujeito está relacionada às práticas sociais, e não a uma língua

determinada, e às interações discursivas diferenciadas no decorrer de sua vida: na

família, na escola, no trabalho, nos cursos que faz, com os amigos” (SANTANA e

BERGAMO, 2005, p. 567).

O debate foi muito interessante, os alunos participaram intensamente,

expressando o reconhecimento da necessidade de os surdos fazerem cinema e teatro.

Contei-lhes sobre o Centro Educacional Cultura Surda, em São Paulo22, e a Feneis

(Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos)23, no Rio de Janeiro. As

duas instituições têm finalidades socioculturais, assistenciais e educacionais e por

objetivo defender e lutar pelos direitos da Comunidade Surda Brasileira. A Feneis é

filiada a Federação Mundial dos Surdos e suas atividades foram reconhecidas como de

Utilidade Pública Federal, Estadual e Municipal. Combinamos que falaríamos mais

sobre o assunto posteriormente.

2ª aula - 28/05/07

Visita ao Jardim Botânico

A visita ao Jardim Botânico faz parte do projeto de meio ambiente do INES.

Após organizar a logística (autorização das famílias, reserva de data na

secretaria do Jardim Botânico, agendamento de transporte coletivo, contratação de

intérprete / tradutor, preparo do lanche que seria servido durante o passeio e negociação

com o professor de Geografia para integrar o grupo), conversei com os alunos sobre o

objetivo da visita: estudar o meio ambiente e o Brasil Colônia, período que vai da

descoberta do Brasil à sua independência de Portugal, em 1822.

Falamos que nessa época a sociedade brasileira era patriarcal, as mulheres

tinham poucos poderes e nenhuma participação política, deviam apenas cuidar do lar e

dos filhos. Nessa época a educação se restringia à educação religiosa, a cargo dos

jesuítas e

22Ver http://www.culturasurda.com.br/ 23Ver http://www.feneis.com.br

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muitos deficientes passavam despercebidos, desempenhando atividades pouco complexas, uma vez que a sociedade estava organizada com base em uma agricultura rudimentar, trabalhos manuais simples no qual o letramento ainda não era requisito imprescindível. Os altamente lesados poderiam ter sido recolhidos nas Santas Casas de Misericórdia fundadas por ordem do rei (Mesgravis, 1976), ou recolhidas por pessoas sensibilizadas aos seus aspectos (JANUZZI, 2004, p. 1).

Somente no Brasil Império, em 1854, é que foi construído o Imperial Instituto

dos Meninos Cegos, posteriormente Instituto Benjamin Constant e Instituto dos Surdos-

Mudos, em 1856, e hoje o Instituto Nacional de Educação de Surdos, INES.

Os alunos perguntaram sobre a vida dos surdos e como eram educados.

Conversamos que no Brasil Colônia, os surdos não tinham reconhecimento social e

intelectual e sua educação estava assentada no assistencialismo, sob uma visão médico-

higienista e religiosa. Isto é, eles tinham algum problema orgânico, o que despertava a

atenção dos médicos, e eram pessoas que necessitavam de cuidados diferenciados, o que

chamava a atenção dos padres, abades e ordens inteiras que se responsabilizavam pela

educação dos surdos (PINTO, 2007). Comentamos que os surdos sofreram

discriminação porque eram diferentes, mas que na atualidade muitas pessoas entendem

que eles são pessoas que têm características próprias, apenas distintas das dos ouvintes.

3ª aula - 04/06/07

Construção de Maquete

Como parte do projeto de meio ambiente, fizemos uma aula conjunta de

História, Geografia e Artes. Procuramos montar uma maquete que apresentasse as

conseqüências do desmatamento ao longo dos anos. Na maquete conseguimos mostrar a

Mata Atlântica antes do Descobrimento, sendo dizimada pelos colonizadores

portugueses e como se encontra hoje.

Perguntei a eles se lembravam de como os surdos vivam antes e como eles

viviam hoje e se havia alguma diferença. Falei que as mudanças nos últimos 20 anos

foram muito grandes, principalmente depois da publicação de lei e decreto que

reconhecem e regulamentam a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais.

4ª aula – 04/07/07

Visita à Câmara Legislativa do Rio de Janeiro

Durante a visita, falei sobre a Constituição Federal, Leis Estaduais e Legislação.

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Os alunos se mostraram muito interessados quando comentei sobre o Projeto de

Lei que reconhecia a profissão de intérprete de LIBRAS, o que eles desconheciam.

Comentei que havia muitos outros projetos, como por exemplo, o que instituía o Dia

Nacional dos Surdos em 26 de setembro e a criação de salas especiais para surdos.

Todos começaram a falar e perguntaram para que serviam as leis. Respondi que as leis

devem servir para garantir que os direitos individuais e coletivos sejam respeitados e

que sem elas, cada um agiria de acordo com suas próprias idéias. As leis deveriam

servir para que os conflitos fossem resolvidos de maneira pacífica.

Comentamos sobre a Associação dos Surdos e lembramos seus objetivos24:

1 Reunir a comunidade surda, em nível local, por meio de contatos sociais, culturais e esportivos, para extinguir seu isolamento; 2 Promover a socialização do surdo, por meio da utilização da Língua de Sinais; 3 Defender o espaço da Língua de Sinais como língua específica da minoria que representa; 4 Promover cursos de Língua de Sinais para os surdos; 5 Participar do treinamento e capacitação de intérprete da Língua de Sinais; 5 Atender individualmente a pessoa surda em situação de necessidade; 6 Representar os surdos na cidade em que estiver; 7 Zelar pela melhoria das condições da comunidade surda; 8 Ampliar conhecimentos e manter intercâmbio com os surdos de outros locais do país; 9 Divulgar as capacidades dos surdos nas diversas áreas, especificamente na área profissional; 10 Promover a integração entre os membros da comunidade surda, entre a comunidade surda e a ouvinte e entre o surdo e a família; 11 Organizar e apoiar encontros, seminários e palestras acerca da surdez e suas conseqüências em nível local; 12 Firmar convênios com empresas prestadoras de serviços locais especializados em Psicologia, para orientação, encaminhamento e acompanhamento profissional; em Assistência Social e em Assessoria Jurídica; 13 Promover qualificação e aperfeiçoamento da pessoa surda via convênios com entidades profissionalizantes da comunidade; 14 Atuar junto à Secretaria do Trabalho com vistas à inserção do surdo no mercado de trabalho; 15 Lutar pela igualdade, justiça e integração social; 16 Lutar pela conquista de espaço e dos direitos do surdo de forma que ele possa exercer plenamente sua cidadania.

Lembramos que no sítio da Feneis pode ser consultada a legislação de interesse

para os surdos.

24 Ver em www.ines.gov.br.

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4.3.4 Relato dos grupos focais 2 (a) Turma 501, realizado em 10/07/2007

Nesse dia faltou luz e foi necessário fazer a gravação do grupo focal nas escadas

do INES, um lugar com muito barulho, o que causava dispersão nos alunos. Mesmo

assim tentamos realizar a tarefa, devido ao cronograma estabelecido.

Lembrei aos alunos que esse era um momento importante, pois gostaríamos de

registrar sua fala. Aproveitamos para perguntar-lhes sobre a Língua de Sinais,

considerada por eles como muito importante para se comunicarem com todas as

pessoas, surdas ou ouvintes. Um dos presentes lembrou que “sempre aproveitamos para

ensinar a língua de sinais para os ouvintes. Queremos que eles aprendam sinais e ia

ensinando e paquerando. Acabava saindo com as ouvintes (Adolescente masculino, 13

anos). Um outro rapaz comenta que prefere “namorar com surdas devido à

comunicação” (Adolescente masculino, 15 anos).

A conversa sobre namoros é estabelecida e os participantes riem muito. Um

rapaz de 18 anos conta sua história:

Aos 17 anos de idade perguntei pra minha mãe se eu podia namorar. Ela disse que sim, desde que tivesse cuidado. Ela disse que ia pensar e eu, “rápido, mamãe, responde logo”. Ela disse “cuidado, toma cuidado”. Dai eu fui na festa de um amigo, minha mãe me levou e lá eu me comuniquei com uma menina, perguntei se ela queria falar comigo. Nós saímos dali, conversamos, eu peguei na mão dela, insisti para conversar em outro lugar. Então ficamos aquele dia e, daí em diante, comecei a ficar com outras garotas.

Todos aplaudem e um dos presentes lembra da época em que estudou em colégio

de ouvintes:

Já estudei em colégio de ouvintes quando pequeno, e ninguém entendia nada do que eu dizia. Eu não conseguia acompanhar as aulas e ainda levava bronca da professora, de não fazer as atividades. Eu me sentia isolado nesta escola. Daí eu fui transferido pra uma escola em Caxias onde havia outros surdos. Foi nesta escola que eu comecei a aprender a língua de sinais e depois eu vim pro INES. (Adolescente masculino, 17 anos)

Outros alunos contam suas histórias:

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Desde pequena eu sempre oralizei e fiz tratamento de fonoaudiologia durante muitos anos. Daí mudei pra Gávea. Mesmo assim eu não consegui me comunicar com os ouvintes. Parei a oralização e fui aprender a língua de sinais. Vim para o INES e tenho aprendido língua de sinais. (Adolescente feminino, 17 anos) Eu morava antes em Itaguaí. Lá estudava em colégio de ouvintes até que me mudei para o Rio de Janeiro e vim para um colégio estadual. Era um colégio onde eu sofri muito, por não entender o que estava sendo ensinado e isso me deixava muito triste. Fui suspenso muitas vezes e minha mãe sempre preocupada comigo me transferia de uma escola para outra e eu sempre sendo expulso, por falta de comportamento. Vim morar em Nilópolis e lá fui melhorando meu comportamento. Comecei a melhorar na escola, a passar de ano. Eu era muito agitado, repeti de ano muitas vezes, até então e não conseguia entender, compreender língua de sinais. Mudei-me para o Rio de Janeiro, tive acesso ao INES, onde encontrei muitos surdos e aprendi a língua de sinais. (Adolescente masculino, 16 anos)

Os alunos dizem que a língua de sinais é muito boa, porque com ela conseguem

conversar entre eles. Perguntamos, então, o que os surdos acham de ter um língua

que parece ser somente deles. Eles respondem que a falta de comunicação é o maior

problema que eles enfrentam e explicam por quê:

Existem surdos que, por falta de informação, acabam caindo no mundo de drogas, prostituição. No supermercado encontrei um surdo que estava perdido, sem informações, drogado e ele podia estar estudando. Tem muitas meninas surdas que acabam engravidando por falta de informação. Tenho pena delas. (Adolescente masculino, 17 anos) Eu já estudei em colégio de ouvintes, quando era pequeno, mas logo em seguida eu vim para a educação infantil aqui do INES. Minha família percebeu que eu precisava de uma educação especializada, me trouxeram para o INES e estou muito feliz. (Adolescente feminino, 14 anos) Eu estudei na Gávea, numa escola inclusiva, mas eu já esqueci como era. (Adolescente feminino, 15 anos)

Nossa conversa precisou encerrar neste momento, porque a luz voltou e os

alunos retomaram as atividades em sala de aula.

(b) Turma 502, realizado em 10/07/2007

Solicitamos que os alunos se colocassem em semicírculo e demos início à

atividade, perguntando ao grupo o que os surdos pensam de ter uma língua própria,

a LIBRAS. Todos querem dar seus depoimentos e pedimos que todos falem:

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As pessoas acham que o surdo é burro, idiota. (Adolescente masculino, 15 anos) Ele quer ter coisas próprias dos surdos. (Adolescente feminino, 16 anos) Neste país dos surdos, fictício, seria proibido falar português. (Adolescente masculino, 17 anos) Desenvolver vocabulário e usar língua de sinais. (Adolescente feminino, 15 anos) Surdo gosta de ter amigos, contar piadas. Essa é a cultura surda. (Adolescente masculino, 17 anos) Todas as pessoas devem ser amigas dos surdos. Aprender a se comunicar com eles. (Adolescente feminino, 15 anos)

Perguntamos se os surdos gostariam de ter outras coisas que fossem somente

deles e quais seriam essas coisas. Os alunos se agitam e dizem que têm muita

dificuldade de se relacionar com os ouvintes. Pedimos que eles dêem exemplos:

Elas não têm respeito pelo surdos. (Adolescente feminino, 16 anos) Precisam respeitar a língua de sinais. O surdo deve ter direito a estudar, ter identidade, trocar língua de sinais. (Adolescente masculino, 17 anos) Surdo deve estudar sozinho, é melhor, prefiro [estudar com] surdos só, sem ouvintes. (Adolescente feminino, 15 anos). Bom, escola só de surdos é melhor, para desenvolver sinais, só tem surdo, eles crescem e desenvolvem mais sinais. (Adolescente masculino, 17 anos) Tem intérprete, coisas, todo mundo fica zoando dos surdos na escola com ouvintes, tem muito preconceito contra os surdos. (Adolescente masculino, 16 anos)

Perguntamos, então, que coisas os surdos têm e que eles consideram que

sejam somente deles. Eles dizem que os surdos têm sua própria língua. Perguntamos o

que mais eles têm. Os alunos respondem:

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O surdo tem uma cultura própria. A gente vem para o INES tem treino, trabalho profissionalizante, pode-se trocar muito nas associações. (Adolescente masculino, 16 anos) Há respeito no INES. Antigamente, a gente ficava muito isolado, mas agora não fica mais, todo mundo ajuda. (Adolescente masculino, 17 anos) É importante ter associações. Para passear, se juntar, os surdos. É preciso associações. Fono, futebol. O INES é bom porque é a nossa terra. Não gosto das escolas de ouvintes porque tem muita discriminação. Ainda tem muito preconceito com o surdo. (Adolescente masculino, 16 anos) Eu tinha um amigo que, quando jogava futebol, conheceu muita gente que tem preconceito com os surdos. Mas agora eles vão para o PAN. Nós vamos ver os surdos na tv, lutando judô. Isso é muito importante, pois os surdos antigamente, não tinham nada disso. Olha só, cegos, surdos, 2006, foram para o Japão. (Adolescente masculino, 17 anos). Na Inglaterra tem vôlei, é bom que o surdo conheça os esportes e participem. O Brasil não tinha nada disso, agora o surdo vai ser chamado para o PAN e tem surdo de todos os países. É bom para a troca entre eles. (Adolescente masculino, 16 anos) As associações ajudam muito ao surdo. Ajudar aos surdos, a Feneis, todo mundo precisa trabalhar, estudar. Lá na Feneis tem intérprete, lá tem muito emprego para os surdos. (Adolescente feminino, 16 anos).

Embora tentássemos conversar sobre as associações que ajudam os surdos, os

alunos começaram a falar sobre o PAN. Infelizmente o tempo disponível para a

realização das atividades se esgotou e não conseguimos retirar o foco dos XV Jogos

Panamericanos que aconteceriam no Rio de Janeiro, entre 12 e 29 de julho de 2007.

(c) Turma 602, realizado em 10/07/2007

O segundo grupo focal realizado na turma 602 foi bastante produtivo.

Solicitamos que os alunos sentassem em semicírculo e explicamos novamente o que

iríamos fazer. Os alunos questionaram para que serviria a pesquisa e qual sua

importância para os surdos. Expliquei que todas as pessoas gostariam de saber o que os

surdos pensam sobre muitos assuntos e que isso era importante para que pudéssemos

ajudar no que eles precisassem. Eles disseram que conversar era muito importante

mesmo e deram muitos depoimentos sobre suas vidas, seu sentimento de solidão, a falta

de comunicação com os ouvintes e com o mundo. Enfatizaram a importância da

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LIBRAS e o respeito para com o surdo. Informaram também que no INES se sentem em

casa porque se sentem acolhidos.

Os alunos colaboraram muito e estavam desejosos de falar, de dar seus

depoimentos. Falaram que sua relação com os ouvintes é complicada, porque os

ouvintes não gostam de colaborar e não respeitam a língua de sinais. Disseram que o

grêmio, sua principal associação, não trabalha a seu favor, conforme seus depoimentos:

Não adianta participar do grêmio. O grêmio do INES é uma grande mentira. (Adolescente masculino, 17 anos) Já fizeram tanta coisa, mas nada adiantou. O grêmio continua parado. (Adolescente feminino, 16 anos) O grêmio é bom porque é importante, ajuda, foram a uma passeata junto com os ouvintes, eles gostam. (Adolescente masculino, 16 anos) As pessoas falam de um grêmio antigo, participativo, forte, um grêmio de luta, que lutava pelos direitos dos surdos. (Adolescente feminino, 15 anos) Eu estudava em outra escola em que eu participava do grêmio, havia parceria. Quando eu vim pro INES, percebi que este grêmio na verdade está dormindo. Podia estar lá fora colhendo informações como na verdade um grêmio funciona, podia ir pra Brasília pra poder colher dados de como funciona realmente um grêmio e trazer essa realidade para o INES. Eles não sabem o significado de um grêmio e ficam assim. (Adolescente masculino, 18 anos) Quando a gente vota em alguém tem de ser alguém verdadeiro, não sei o que acontece, parece que a pessoa muda quando chega lá. Já aconteceu de eu escolher alguém em que nós acreditávamos e que ia ser um bom líder do movimento estudantil, mas não vingou, não deu certo. (Adolescente feminino, 17 anos) Eu já liderei vários projetos, já dei várias idéias pra mudar. Lá fora, o grêmio dos ouvintes é mais organizado, eles podiam estar envolvidos em lutas verdadeiras e não em besteirol. Isto não é luta, é uma confusão, um entra-e-sai, as pessoas não são compatíveis, isso não é luta política, se a comida está boa ou ruim. Mas no INES é estranho, eles poderiam se envolver em lutas verdadeiras e não em besteirol. (Adolescente masculino, 17 anos).

Nesse momento, os participantes voltam a falar sobre os ouvintes e

aproveitamos para perguntar como os surdos são tratados pelos ouvintes. Eles

reafirmam que é difícil estabelecer comunicação com os ouvintes porque os ouvintes

têm preconceito. Os alunos começam a falar:

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Os únicos ouvintes que me tratam bem são na verdade a minha família, eles que me sustentam, e eu preciso que eles me tratem bem. (Adolescente feminino, 17 anos) Às vezes eles têm preconceito. (Adolescente feminino, 16 anos) Acho que é normal. (Adolescente feminino, 15 anos) Eu nasci e desde pequena era a única surda. Não tinha amigos, me sentia triste e isolada. Agora no INES estou feliz, encontrei um grupo de surdos que tem sinais, me sinto melhor, mais acolhida em outros lugares. (Adolescente feminino, 15 anos) Queria que eles falassem com os surdos e tivessem língua de sinais. (Adolescente masculino, 16 anos)

Perguntamos, então, o que os surdos poderiam fazer para melhorar o seu

modo de viver e eles respondem:

Ter intérprete, essas coisas, para ir ao médico, ajudar. (Adolescente masculino, 17 anos) Se no trabalho tivesse língua de sinais seria bom. (Adolescente masculino, 16 anos) Precisava melhorar o nosso conhecimento de vocabulário na Língua Portuguesa. Eu gostaria que tivesse a mesma quantidade de usuários de Português e a mesma quantidade de usuários de língua de sinais, isto é, que houvesse mais surdos. Às vezes os ouvintes não sabem língua de sinais, às vezes encontramos um ou outro, dependendo da sorte, mas na verdade se trata de respeito, os ouvintes não têm o respeito necessário ter com o surdo, com o surdo que sabe sinais, mas eles não têm respeito pelos surdos, não têm. Tenho muitos amigos surdos no INES. A língua de sinais é uma coisa que me acostumei a ter e acho que os ouvintes não podem ter preconceito. Tem de ter melhor comunicação com os surdos. Os ouvintes têm que saber fazer língua de sinais, ter língua de sinais na faculdade, respeito à língua de sinais. (Adolescente feminino, 17 anos) Sempre achei importante aprender sobre os surdos, hoje em dia tem muito mais gente aprendendo sinais e isto é bom! É importante ter mais comunicação com os surdos. (Adolescente feminino, 16 anos)

Perguntamos se a língua de sinais seria um impedimento para a comunicação

entre surdos e ouvintes. Eles dizem que não e que a maior dificuldade é o ouvinte não

aprender LIBRAS. E explicam:

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A língua de sinais é o importante para o surdo se desenvolver. (Adolescente feminino, 16 anos) Porque os ouvintes ficam falando, têm grupos de amigos, precisam trocar com os surdos, vir no INES estudar, tem de ter escola. No INES falta intérprete, língua de sinais, tudo isto. Para o surdo falta muita coisa. Os ouvintes têm de aprender a se comunicar com os surdos para no futuro ter um futuro igual para todo mundo. Ter língua de sinais, precisam estudar, conhecer o INES. Falta mais integração dos surdos com os ouvintes. (Adolescente masculino, 17 anos)

Perguntamos se os surdos conheciam alguma associação, algum grupo que os

ajudava e como era essa ajuda. Eles dizem que não lembram e menciono a Feneis.

Eles respondem que a Feneis ajuda o surdo no trabalho e no estudo. Um dos alunos

omenta:

Antigamente os ouvintes não conheciam agora há mais escolas, associações. O problema é que a língua de sinais é diferente. Por que a língua de sinais é diferente nos EUA, diferente na China? Por que a língua de sinais não é igual? (Adolescente masculino)

Explicamos que a língua de sinais tem origens diferentes e são independentes.

Os alunos começam a falar que não deveria ser assim, pois isso torna mais difícil a

comunicação com os ouvintes. Perguntamos a eles como os surdos se sentem em um

mundo de ouvintes, e as respostas vêm rápido:

Pra mim é normal ser surda, cada um tem sua deficiência, seus defeitos, dentro desta desigualdade que existe no mundo. Eu estou à vontade. (Adolescente feminino, 17 anos) Eu perdi audição e me sinto normal sem vontade de ser ouvinte. Gostaria, já pensei nisso, mas hoje eu acho normal. Me sinto normal, não gostaria de ser ouvinte. (Adolescente masculino, 16 anos) Quero ser amigo dos ouvintes. (Adolescente masculino, 17 anos)

Nossa conversa termina, com os alunos comentando o quanto é necessário

estabelecer comunicação com os ouvintes, uma vez que o mundo fora do INES é de

pessoas que ouvem e muitas delas não dominam a LIBRAS.

(d) Turma 603, realizado em 10/07/2007

A turma 603 estava muito ansiosa para gravar. Os alunos se sentaram em

semicírculo e iniciamos o grupo focal, com grande debate e participação de todos. Eles

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deram seus depoimentos em meio a brincadeiras e piadas sobre eles mesmos.

Demonstraram ter orgulho da língua de sinais e falaram que querem ter um futuro

melhor. Disseram que o INES tem coisas boas, mas que não gostam do grêmio, pois o

acham pouco útil.

Quando perguntamos o que os surdos acham de ter uma língua própria,

responderam que:

Ser surdo é difícil. A cultura dele é a língua de sinais. (Adolescente masculino, 16 anos) É importante ter língua de sinais. (Adolescente feminino, 17 anos). É importante se comunicar, por exemplo, quando estiver na rua, em qualquer lugar, essas informações são importantes para nossas vidas, se pelo menos as pessoas tivessem um pouco de língua de sinais, poderiam nos dar estas informações. (Adolescente masculino, 17 anos) É o que eu falei antes, por exemplo, a minha mãe sabe sinais, mas está ocupada o tempo todo, não tem tempo para nada. Às vezes quero ir em algum lugar e tenho que chamar o intérprete. Por exemplo, quando eu vou ao médico, eu chamo um ouvinte que saiba sinais para me acompanhar, interagindo comigo e com o médico. (Adolescente feminino, 17 anos) A língua de sinais nos proporciona conversar com outras pessoas, inclusive pessoas de outros paises, porque mesmo não sendo a mesma língua, eles conseguem se comunicar, por ser uma língua gestual. (Adolescente masculino, 16 anos) A língua de sinais precisa ser pesquisada, os ouvintes precisam fazer cursos para aprender a língua de sinais e poder trabalhar em língua de sinais, ter campo de trabalho. Precisa também ser inserido no mercado do trabalho. Nas famílias os parentes precisam saber sinais para aprender a se comunicar com os surdos. Isto nos faria mais felizes. (Adolescente masculino, 16 anos) Se nos obrigassem a falar, a gente ia questionar porque a gente não questiona o fato de os ouvintes falarem Português. Assim como os ouvintes têm direito de falar Português, nós temos direito de falar a nossa própria língua. (Adolescente feminino, 17 anos) Se proibissem os sinais, como nós, surdos, iríamos viver? Nós precisamos da língua de sinais, porque a ela faz parte da nossa própria vida. (Adolescente masculino, 16 anos) Quando alguém se comunica comigo através da língua de sinais, eu consigo compreender o que é falado. Não se pode proibir a língua de sinais, porque existe uma lei que a protege. (Adolescente masculino, 17 anos)

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Surdo precisa de tudo: filmes, nos Estados Unidos tudo tem sinais. (Adolescente feminino, 16 anos) Na tv, na internet, precisa aprender com surdo e outros países. Surdos do INES podem fazer cursos de teatro, comédia. (Adolescente masculino, 15 anos) No futuro, eu gostaria de fazer tv, novela, comédia, piadas sobre surdo. (Adolescente masculino, 18 anos) Eu tenho vontade de aprender ajudar os surdos para melhorar. (Adolescente feminino, 17 anos)

Aproveitamos o último depoimento para perguntar se os surdos conheciam

associações ou grupos que procuravam ajudá-los. Eles respondem que não, e lembro

que conversamos sobre a Feneis. Eles dizem que as associações são importantes:

Eu acho importantes as associações porque elas fazem um trabalho diversificado que ajuda os surdos. (Adolescente masculino, 17 anos). Eu já fui em algumas associações de surdos e encontrei lá algumas coisas ruins, como fofoca. Precisa estar escolhendo com quem conversar, as pessoas que vocês vão conviver, as pessoas precisam estar abertas para convivermos com elas. (Adolescente masculino, 17 anos).

Os alunos começam a falar sobre o INES:

No INES tem muitos problemas. Tem computador, precisa de internet, mas tem problemas. O INES é bom, o estudo é forte, mas precisa que os surdos participem mais. (Adolescente feminino, 16 anos) Os professores do INES? Alguns são ruins, alguns são bons, alguns são estressados. (Adolescente feminino, 16 anos) Deve formar professores especializados, ter mais intérpretes. (Adolescente feminino, 17 anos) Alguns têm paciência de colocar no quadro e explicar, já têm outros que não, a gente fica esperando a explicação. E o professor não explica nada. (Adolescente masculino, 17 anos) Alguns não sabem língua de sinais. (Adolescente masculino, 15 anos) Muitos se aposentam e não são substituídos. (Adolescente masculino, 16 anos) Os professores novos deveriam ter um curso de sinais antes de começarem a trabalhar. Eles podem fazer o curso de manhã e os

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outros à tarde, ou conversar com a chefia e pedir para remanejar o horário para que dê tempo de todos participarem do curso de sinais. (Adolescente feminino, 17 anos)

Perguntamos, então, o que os surdos poderiam fazer para melhorar suas

vidas. Todos querem falar e pedimos que cada um dê seu depoimento, para que

possamos ouvi-los com atenção.

Não podermos falar, não temos voz. (Adolescente masculino, 17 anos) No Japão a cultura é completamente diferente, sua comida, sua língua, suas roupas. O surdo também tem sua cultura. O que diferencia entre surdos e ouvintes é o fato de não ouvir, o aparelho auditivo, a campainha adaptada nas casa dos surdos quando não se tem a campainha adaptada, nós entramos assim mesmo. Quando o surdo não tem a campainha que acende a luz, o surdo tem um cachorro que chama e se aproxima do surdo e avisa que tem alguém na porta. (Adolescente masculino, 18 anos) Se o porteiro vê que é surdo, ele tem que subir lá em cima, na casa, e chamar o surdo. (Adolescente feminino, 17 anos) Nem todos os cinemas têm legenda. Nem todos os filmes são legendados e mesmo os que são nós não conseguimos acompanhar porque não conhecemos o vocabulário, porque é muito rápido e também para prestar atenção na legenda e nas cenas fica complicado. Poderia, em vez da legenda, termos a janelinha, com intérprete. (Adolescente masculino, 16 anos) É engraçado, falta tanta coisa, principalmente que os ouvintes saibam língua de sinais, mas nas igrejas nós encontramos uma grande quantidade de ouvintes que sabem língua de sinais. Na igreja os religiosos têm interesse em ensinar língua de sinais. (Adolescente masculino, 16 anos) Acho que deveria ter intérpretes, principalmente nos telejornais. Seria bom ter nas novelas, filmes, mas principalmente nos telejornais. (Adolescente feminino, 17 anos) Eu percebo também a necessidade do intérprete nas declarações do presidente da República. É um desprezo mesmo à pessoa surda. Deus pode até castigar! (Adolescente masculino, 16 anos) A gente tem muita dificuldade por ser surdo. Os pais não deixam a gente sair, pois têm medo da violência. (Adolescente feminino, 17 anos) Meus pais ficam preocupados comigo por isso não me deixam sair. (Adolescente feminino, 16 anos)

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Minha mãe não me deixa sair, eu disfarço e saio assim mesmo. Finjo que vou comprar um biscoito na rua e aproveito para passear. Minha mãe fica com raiva, mas aí já era! (Adolescente masculino, 16 anos) Às vezes as pessoas nos tratam bem, tratam mal, mas existem alguns que têm o interesse pela língua de sinais e vêm para o INES para fazer o curso. (Adolescente masculino, 16 anos) Depende muito do coração de cada pessoa. Existem realmente algumas pessoas ruins, mas também existem pessoas boas, querendo ajudar, que respeitam o ser humano. Isso é uma questão de sorte. Essas pessoas que querem ajudar, sempre nos apóiam quando precisamos. (Adolescente feminino, 17 anos) Quando eu comecei a trabalhar acontecia que os ouvintes sempre me acusavam de ter feito algo que eu não fiz. Meu chefe me chamava a atenção, embora eu não tivesse feito nada. As acusações eram que eu tinha roubado alguma coisa, mas eu me defendia dizendo que não tinha sido eu que tinha roubado nada. É mentira, eu disse e com muita seriedade. Eu dizia que era mentira deles, para auxiliar na discussão, eu chamava um intérprete para esclarecer o que aconteceu, aí então, se descobriu a verdade (Adolescente masculino, 16 anos). É muito relativo, porque existem pessoas dispostas a mudar e outras não. Falta entrosamento, união e troca, muitas vezes nos sentimos isolados porque os ouvintes adultos não querem compartilhar conosco as suas idéias. (Adolescente feminino, 18 anos)

Nesse momento, encerramos a atividade, pois já havíamos passado em muito o

tempo disponibilizado pelo Instituto para realização da atividade.

4.4 Análise de dados e resultados

Para empreender a análise do material coletado por meio dos grupos focais, foi

necessário transcrever as falas dos alunos minuciosamente. Para isso, o auxílio do

intérprete foi fundamental, pois precisávamos identificar sinais, expressões, gestos e

explicitar o contexto.

De posse da transcrição, foi iniciada a análise de conteúdo conforme proposto

por Bardin (1987), organizada nas seguintes fases: pré-análise, exploração, tratamento

dos resultados, inferência e interpretação.

Na fase de pré-análise, as transcrições foram submetidas à leitura flutuante dos

dados, sendo identificados cada um dos participantes por sexo, idade e turma. Na fase

de exploração, nova leitura do material permitiu destacar temas e assinalar idéias-

chaves, que permitiram identificar valores, crenças, tendências e motivações dos alunos.

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As falas foram tomadas como unidades de registros e a partir delas foram criadas

categorias, isto é, as falas foram agrupadas em categorias de acordo com a analogia dos

temas. Foram realizadas três categorizações até se chegar à categorização temática final.

Na primeira rodada de grupo focal, foram registradas 111 falas, que originaram nove

categorias: Normalidade, Solidão, Comunicação, Maus-tratos, Língua de sinais, INES,

Relacionamento com ouvintes, Proteção da família. Na segunda, 101 “falas” foram

agrupadas em sete categorias: Normalidade, Comunicação, Língua de sinais, INES,

Relacionamento com ouvintes, Proteção da família, Associações e Cultura surda.

4.4.1 – Análise das Categorias no Primeiro Grupo Focal

1) Normalidade

Ser surdo é normal é um argumento se refere ao fato de os surdos se sentirem num

primeiro momento normais, trabalhando, estudando, porque são tratados sem

preconceito. A família os tratam como normais e eles fazem tudo que todas as pessoas

fazem. Esta é a forma de ancorar a sua subjetividade na normalidade para que se sintam

aceitos pela sociedade.

Sobre a anormalidade e sobre o anormal, Skliar (1998) sugere que, ao falar de

deficientes, não está se referindo a indivíduos concretos, mas às representações

dominantes que circulam sobre eles; a representação de um modelo biológico de

deficiência, em que o centro de gravidade está localizado no indivíduo e sua

anormalidade, na correção, na cura e na normatização, como diz Foucault, dos corpus.

Por outro lado, alteridade deficiente é uma expressão que remete não ao

indivíduo ou grupo, mas à sua invenção, à sua produção como outro. Assim, me

distancio de toda pretensão de acompanhar as sucessivas mudanças e remudanças de

termos para denominar o outro, porque a linguagem não é senão uma colonização do

outro e o uso de eufemismos para, na verdade, exercer controle sobre as representações

sobre esta e outras alteridades.

Iludir, utilizar palavras mais modernas no sentido de serem mais aceitáveis no

mundo normatizado como “sujeitos portadores de necessidades educativas especiais”,

segundo Foucault (1991), é um processo de inversão do problema da anormalidade no

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problema da normalidade, desconstruindo a normatização da deficiência e deslocando

para o campo do normal e da normalidade.

2) Solidão

A referência à normalidade aparece de forma dúbia, pois ela também é

sofrimento, estranhamento, diferença, solidão. A solidão de não ter com quem se

comunicar, de ser diferente, de não ser compreendido pelos demais. A relação de

normalidade/diferença/solidão é um trinômio de sentimentos que desperta o que o surdo

sente como não familiar, ancorando seu sentimento na normalidade para se sentir igual

aos demais.

Ancoram seu sofrimento no fato de que em sua casa, em sua própria família,

ninguém sabe, quer ou deseja saber sinais. Sente-se só, sem comunicação, ancorado na

solidão. O outro, o surdo, é rejeitado, excluído do futebol, dos jogos sociais por sua

ausência de língua, por sua diferença.

2) Comunicação

Quando falamos no surdo sem comunicação, estamos falando de alguém que não

se faz compreender. Ele não é o outro em sua solidão. Larrosa e Skliar (2007), se

referem a esta falta de compreensão como a Babel, onde cada um fala uma língua e

ninguém se entende de verdade. O diferente não é compreendido, o surdo se sente

excluído da comunicação quando diz que não é ouvido, acolhido, entendido pelo outro.

Para Larrosa e Skliar (2007), o fato de sermos habitantes de Babel significa que

desmoronou a comunidade baseada na essência comum, universal do ser humano. A

condição babélica não está no fato de não haver uma torre para hospedar este homem,

que inclui todos os homens, mas no fato de que não há uma fronteira definida. Para

esses autores, a língua não nos permite dar sentido ao mundo, nem darmos sentido a nós

mesmos. Pensar e habitar, ética e poeticamente a Babel, quer dizer não naquilo que a

língua não pode dizer, mas naquilo que a língua conserva e dá, porém, como

inapropriável, como um mistério.

Larrosa e Skliar (2007) explicam que a Babel significa exílio, sobretudo interior,

um certo desenraizamento com relação àquele que se é. Babel é, portanto, o mito da

perda de algo que talvez nunca tenhamos sentido: uma cidade, uma língua, uma terra,

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uma identidade no mundo, por isso, depois de Babel, estamos exilados de nossa pátria,

de nossa língua, de nossa terra, de nosso nome, de nosso mundo. O relato de Babel pode

nomear tudo que é estrangeiro, a própria condição humana como estrangeiridade.

Portanto, quando os alunos surdos falam de comunicação e ausência de

comunicação, se referem à comunicação que lhes é vedada, porque a sua língua e a sua

pátria o são para ele e não para nós, os ouvintes.

3) Maus Tratos

Quando os alunos surdos se referem a maus-tratos e deboches dos ouvintes, se

referem ao(des)encontro, à não aceitação do diferente. Os ouvintes xingam, ofendem,

discriminam, estigmatizam por não aceitar o diferente e por não respeitar com o outro.

por desconhecê-lo e excluí-lo.

Esta mesma categoria foi identificada por Norbert (2000) ao verificar que “os

estabelecidos” xingam, ignoram e estigmatizam os que são diferentes e que vieram

depois, não compartilhando de seus sistemas de crenças tradicionais. O outro é ruim

porque não compartilha sua cultura, por isso é estigmatizado e se torna um outsider –

um excluído.

Muitas vezes a ausência de comunicação pode desencadear exploração, abuso.

Os surdos têm medo dos ouvintes, que não se comunicam com eles, são rejeitados por

serem diferentes, são oprimidos pela ausência da língua. Muitas vezes esta diferença,

esta ausência de língua, pode ser opressora, como no caso de acusações, xingamentos e

até casos mais graves como abusos sexuais pelo silenciamento da condição de diferente,

pela exploração do outro que não pode falar, de sua condição de silenciado. Os ouvintes

se aproveitam desta condição.

4) Língua de sinais

O encontro com a língua de sinais, seja no INES, seja nas associações, é a

chegada ao paraíso. Para eles sua língua é a sua pátria e deve ser respeitada como tal.

Os alunos surdos querem respeito à LIBRAS e ao direito de serem educados em

sua língua. Entendem que os ouvintes não os respeitam por desconhecerem sua língua,

não desejar saber a língua, assim como de suas especificidades. Acreditam que a família

que não deseja aprender sua língua, os rejeitam. O outro, sem língua, não se comunica

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com o ouvinte. Na verdade é o outro da exclusão, é um sem rosto, sem subjetividade,

sem identidade, sem outro corpo a não ser, exatamente, o corpo do excluído. Eles se

referem à falta de comunicação, de troca, de explicações como origem do preconceito

em relação aos surdos, sua cultura, suas especificidades e sua língua.

5) INES

Quando se referem ao INES, referem-se a um retorno à casa, o lugar do paraíso,

de encontro com o igual, um lugar do encontro de sua pátria e sua língua. Do encontro

com seus pares, um lugar de respeito a sua língua e cultura e, portanto, o lugar onde se

sentem bem.

Embora identifiquem falhas, consideram que o INES é o lugar que os acolhe

quando vêm das escolas inclusivas, que na verdade não os incluem, pois nelas se

sentiam estrangeiros, sem língua, sem comunicação. Neste sentido, o INES é o próprio

paraíso.

6) Relacionamento com ouvintes

O outro zomba do surdo porque não o entende. Desconhece a sua língua e o

surdo fica perdido entre os que não o podem compreender. O ouvinte é ruim porque o

trata como outro e não deseja aprender sua língua, se comunicar com ele. Não há

comunicação possível entre eles. Eles vêem o não saber sinais como uma forma de

maltratá-los. Esta falta de ver o outro, a violência que se estabelece, o surdo chama de

falta de interesse no outro, falta de respeito.

Os surdos também relatam que os ouvintes não se interessam por assuntos dos

surdos e nomeiam tal desinteresse como falta de relacionamento com os ouvintes.

7) Proteção da família

Ao mesmo tempo a família protege e isola. Expõe a diferença e a oculta. Não

aceita a surdez e não querem aprender a língua de sinais. Como identificaram Negrelli e

Marcon (2006, p. 4), a família “não raramente negam o fato, ou seja, recusam-se a ver e

admitir a deficiência do filho, buscando, na maioria das vezes, um atendimento tardio, o

que pode prejudicar o desenvolvimento da criança e de suas habilidades”.

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Os alunos surdos revelaram que suas famílias demonstram um misto de amor e

desprezo por eles, pois os vêem como seus filhos mas também como alguém que precisa

de constantes cuidados, o que muda a vida da família.

4.4.2 – Análise das Categorias no Segundo Grupo Focal

Na segunda rodada do grupo focal, 101 “falas” foram agrupadas em sete

categorias: Normalidade, Comunicação, Língua de sinais, INES, Relacionamento com

ouvintes, Proteção da família, Associações e Cultura surda. Percebemos que passados

quatro meses, as manifestações dos alunos não diferenciava muito, o que permitiu

manter a categorização inicial. Foi possível, no entanto, estabelecer duas novas

categorias , que serão apresentadas em seguida.

1) Associações O que foi possível perceber nas falas dos alunos, é que a maioria deles

desconhece a existências de associações que podem ajudá-los de diversas maneiras.

Durante as seções do grupo focal, sentimos que era o momento de apresentar-lhes o

trabalho desenvolvido por diferentes associações e fundações que promovem atividades

para os surdos ou movimento surdo.

2) Cultura Surda Percebemos que os alunos entendem a cultura surda é estabelecida na e pela

língua de sinais.

Entendemos como Sá ( 2007, p. 5) que

o uso da língua de sinais, então, pode ser entendido como um dos aspectos definidores da “auto-identidade” de uma minoria lingüística ou étnica, mas não significa, que para participar de uma “comunidade surda” tem-se que, necessariamente, usar/conhecer a língua de sinais. Os surdos e os que ouvem mas que participam da comunidade surda, o fazem por opção, por acercarem-se das questões que estão na base da problemática da surdez, seja por experiência própria, seja por afetarem ou por serem afetados por esta experiência (isto é bem mais amplo que saber usar corretamente a língua de sinais – sem negar que este é um importante aspecto de identificação).

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4.4.3 – Análise dos grupos focais

Em ambas categorizações, a de maior freqüência foi a que agrupou falas sobre o

relacionamento entre ouvintes e não ouvintes, o que permitiu depreender que os jovens

ancoravam os sentidos de ser surdo no slogan “ser diferente é normal”.

Conhecendo-se a lógica da representação social, segundo a qual a necessidade

das pessoas de transformação do não familiar em familiar, parece natural que o surdo

acabasse por ser considerado como um “não ouvinte”, passando, desse modo, segundo a

concepção ouvinte hegemônica, a ter de se sujeitar às normas, padrões e paradigmas do

mundo dos ouvintes.

A “naturalidade” provém do fato de que, segundo os princípios básicos da teoria

da representação social, o que os não surdos fizeram foi ancorar o não familiar (a

surdez) em algo familiar (a condição de ouvinte). Nesse mesmo processo, as diversas

experiências de representação e conhecimento, aquilo que é familiar, também acaba por

se transformar. Tanto em relação à representação social que os ouvintes fazem de si

mesmos quanto da representação que os surdos fazem dos não surdos e de si mesmos.

O reconhecimento social do surdo como um problema e, conseqüentemente, a

necessidade da construção de uma representação social sobre os mesmos, passaram por

diferentes processos. Desse modo, o fato de os surdos serem considerados, primeiro

como “deficientes mentais”, depois como “não ouvintes” representa uma forma

diferente de se conhecer e representar socialmente tanto os surdos quanto os “não-

surdos”.

No caso da consideração dos surdos como deficientes , o que se privilegiou foi a

consideração dos não surdos como “normais”, e, desse modo, não deficientes. Já no

caso da consideração dos surdos como “não ouvintes”, o que se privilegia é a

consideração dos não surdos como ouvintes.

Não estamos questionando ou chamando a atenção para o processo metonímico

presente na denominação do objeto, no caso o surdo, mas sim a parte específica do

“todo” que foi escolhida para denominá-lo. Muito já se discutiu acerca do processo do

conhecimento e da denominação, e o quanto a linguagem está intimamente relacionada

ao conhecimento.

Pela necessidade de apreendermos o “repertório da realidade”, ou do objeto que

investigamos, a partir de seu próprio uso, é que a representação deste deve se realizar a

partir de uma prática. Segue que toda representação de um dado fenômeno deve se

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apresentar como uma redução deste mesmo fenômeno a um de seus elementos, tomado

como mais importante e, por isso, escolhido para representá-lo, figurando-o. Tal

representação, por sua vez, é realizada por meio do senso comum e de uma “lógica

natural”, expressa por meio de uma língua natural e não da lógica formal, expressa por

símbolos.

Cada uma destas considerações, por sua vez, implicou diferentes representações

sociais, tanto de surdos quanto de não surdos, bem como em práticas diferenciadas, com

repercussões tanto para as representações sociais (numa espécie de retroalimentação da

realidade construída pela representação social agindo sobre a própria representação

social) quanto para a realidade vivida pelas pessoas envolvidas, sobretudo para os

surdos.

No primeiro caso, o que se receitou para os surdos fora o tratamento dado aos

deficientes mentais de sua época (o que, de resto dependeu, como num desdobramento,

na representação social que se fazia dos deficientes mentais de então) que era o choque

elétrico, o encarceramento, entre outras modalidades menos cotadas; no segundo caso, o

que se receitara fora a imposição de uma oralidade que não se adequava à realidade

surda, com implicações para o seu aprendizado bem como para o seu desenvolvimento

cognitivo e psicossocial.

Se os surdos são considerados deficientes é natural que, como uma reação

defensiva, os surdos venham denominar a si mesmos como mentalmente não

deficientes, ou simplesmente “não deficientes”, diferentes tanto em termos mentais

como biológicos em geral. Nesse sentido, a recente denominação de surdos, cegos,

deficientes mentais, entre outros, não como deficientes, mas como pessoas “portadoras

de necessidades especiais”, parece ser conseqüência lógica da denominação anterior dos

mesmos como deficientes.

Decorre desta mesma lógica o desenvolvimento de outros “pares correlatos”, só

que com o sinal invertido. É assim que se, para os não surdos, num primeiro momento,

os surdos foram considerados como deficientes mentais e anormais, os surdos passaram

a ser considerados como “não ouvintes”, mesmo quando denominados de “surdos”, é

porque os não surdos passaram a ser considerados como ouvintes, e não a partir de um

outro nome (por exemplo, não surdos).

Mas, ainda, o que é mais importante, é que para cada um dos termos destes

pares, necessariamente, em função de uma “lógica natural” derivada da própria

representação social, bem como da forma como surdo e ouvinte passaram a ser

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socialmente representados, tornou-se comum a consideração de um ou outro desses

pares como positivo ou negativo, bom ou mal, normal ou anormal.

Concordamos com Quadros e Karnopp , ao analisar a dicotomia entre ouvintes e

surdos, que as diferenças das pessoas surdas não se deveria estabelecer em oposição,

mas identificar nos discursos as representações da diferença.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Dorziat (2007), as pessoas surdas sofrem as conseqüências da política

educacional que se mostra democrática e culturalmente vinculada, quando se trata da

defesa dos interesses do próprio sistema.

Os surdos sentem duplamente os preconceitos sociais: são vistos como

deficientes, incapazes, por não se moldarem às exigências do mercado. São, em sua

maioria, oriundas das classes populares menos informadas, menos servidas de saúde

básica e, por isso, mais suscetíveis de contraírem os males causadores da surdez,

quando a causa não é hereditária.

Ainda como explica a autora, o particular diz respeito aos modos particulares de

expressão desse grupo que, por possuir uma cultura própria (visual/gestual), tem

necessidades específicas. Por isso, é imprescindível estar atento ao que os surdos têm a

dizer, às suas formas de organização, de racionalização, fazendo sobressair suas idéias,

suas aspirações. O conhecimento dos seus modos de organização pode indicar

procedimentos adequados que contribuam para uma estruturação curricular

culturalmente referenciada.

Isso significa entender a diferença como contradição social, diferença como

relação, em vez de diferença como algo livre-flutuante e deslocada. O refazer social e a

reinvenção do eu devem ser entendidos como dialeticamente sincrônicos. Não são sem

relação ou apenas marginalmente conectados. São processos que se formam e se

informam mutuamente.

No momento histórico em que vivemos, o ambiente educacional que pode reunir

tais critérios é a escola de surdos. Nela, será possível perceber mais claramente em que

consiste a diferença e como trabalhá-la, trazendo à tona a necessidade de novas

construções pedagógicas, numa síntese política e lingüística, pois só elas darão suporte

a uma inclusão social de fato.

Segundo Lane (apud Sá, 1998), falar e pensar como ouvinte é negativo na

cultura surda. Assim, as representações dos ouvintes, dos surdos, são ouvintizadas ou

dominadas, assim como as representações sociais da surdez estão associadas ao

significado de deficiente, de falha, mutilação. Os surdos sofrem uma crise de

identidade, pois precisam entender as diferenças entre ser surdo e ser ouvinte e as

representações sociais de ser surdo. Os movimentos de resistência dos grupos surdos

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são, na verdade, uma forma de expressão e explosão da cultura surda, tendo papel

fundamental na sua cultura.

Gesueli (2006) apresenta uma nova abordagem e aponta para uma nova visão em

surdez que implica em mudanças ideológicas que rompem de vez como oralismo e com

a comunicação total, já que esta, segundo a autora, não fez mudanças substanciais na

forma como se utiliza a língua de sinais. Ela enfatiza o uso da língua de sinais e na

importância das comunidades surdas no contexto educacional, sendo o mais importante,

o respeito à cultura surda, a sua comunidade e à condição bilíngüe do surdo.

Para Behares (1993), a aceitação do surdo significa aceitar sua cultura e não

apenas uma mudança metodológica de ensino. Para ele, existe uma mudança ideológica

em relação à surdez e propõe aceitar a surdo e a educação de surdos em uma pedagogia

socializada, abandonando a prática clinica.

Skliar (1998) vê a surdez como uma concepção, sendo uma experiência visual.

Para ele a surdez é, sobretudo, uma experiência visual com identidade múltiplas e

multifacetadas.

Silva (2000) visualiza a fala dos surdos como uma ouvintização das

representações dos ouvintes ao se narrarem como ouvintes.

Para Perlin (1998), a narrativa da inclusão assume a narrativa dos surdos, suas

formas de sofrimento, a resistência à violência. Ele vê a diferença como um processo de

tradução. O ser diferente ou deficiente depende do lugar em que o surdo ocupa ou é

definido.

Estas abordagens desestabilizam as idéias preconcebidas a respeito da

normalidade. Para estes autores, é preciso ouvir a forma como os surdos narram a si

mesmos e, .neste sentido, o papel do professor de surdos no ambiente escolar é

fundamental para existirem mudanças na construção da identidade surda.

Segundo Mclaren (apud Sá, 1998), a possibilidade de trabalhar com a idéia do

multiculturalismo crítico nos permite optar pelo caminho da surdez vista como

experiência visual e pensarmos as identidades surdas pelo conceito da diferença. Um

olhar pelas diferenças exige mudanças profundas, se a base da cultura surda não estiver

presente no currículo. Ou então haverá uma tendência de as escolas inclusivas

homogeneizarem as produções culturais, não dando muita importância às interações

surdo/surdo, na construção da subjetividade e identidade dos surdos, que sabemos ser

fundamental para a construção da identidade e cultura surda.

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A pesquisa empreendida mostrou que os alunos surdos se definem como

normais, não deficientes, apenas diferentes. Vêem um mundo partido, dividido,

antagônico e que os rejeita. Vivem suas carências e as enfrentam como podem,

inclusive pelo silêncio, pela sua invisibilidade.

É preciso pensar o não lugar do outro, pois todos somos de certo modo, outros,

diferentes. O outro parece ser somente um de fora, um permanente estrangeiro.

A relação excluído/incluído ainda persiste. É uma típica representação social de

território, de onde foi exercida pressão para organizar o mundo, a cultura e onde há

sujeitos fora do mapa, o que pressupõe necessariamente a existência de sujeitos dentro

do mapa: os estabelecidos, os incluídos.

Esse binômio exclusão/inclusão constitui sujeitos, configura pactos, poderes.

Assim, o mundo politicamente correto, conforme define Skliar (1998) , é o mundo onde

se nomeia o surdo, o índio, o negro. Ao não nomeá-los, não dizê-los, mantemos intactas

as representações e os olhares sobre eles. E ao nomeá-los, mantemos a distância entre

nós.

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Anexo 1

Cronograma das Atividades Realizadas

Data Atividade Turma Participantes Duração 02/02/07

12/02/07

15/02/07

16/02/07

15/03/07

Elaboração do cronograma de atividades Visita ao departamento de pesquisa do INES - DDHCT Elaboração da carta de apresentação - UNESA Entrega da carta no DDHCT/INES Apresentação da carta na coordenação do SEFE (Setor de Ensino Fundamental)

22/03/07 Apresentação da Pesquisa e assinatura de consentimento para participação dos alunos

Todas

Pais de aluno (0)

Mães de aluno (37)

5 h

02/04/07 Grupo focal 1 (filmagem)

501 Rapazes (10) Moças (6)

40 min.

02/04/07 Grupo focal 1 (filmagem)

502 Rapazes (7) Moças (4)

40 min.

09/04/07 Grupo focal 1 (filmagem)

602 Rapazes (9) Moças (6)

40 min.

09/04/07 Grupo focal 1 (filmagem)

603 Rapazes (8) Moças (7)

40 min.

10/04/07

O que é História 501 502 602 603

R(10)M (4) R (7)M (4) R (9)M (5) R (8)M (6)

40 min.

11/04/07 A importância da História (Debate)

501 502 602 603

R (9)M (5) R (6) M (4) R (7) M (4) R (8)M (7)

40 min.

16/04/07 A história dos excluídos 501 502 602 603

R(10)M (4) R (7)M (4) R (9)M (5) R (8)M (6)

40 min.

17/04/07 A história dos excluídos 501 502 602

R(10)M (4) R (6M (3) R (8)M (5)

40 min.

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603 R (7)M (6) 18/04/07 A história dos excluídos 501

502 602 603

R (8)M (5) R (7)M (3) R (7)M (6) R 8 M (5)

40 min.

23/04/07 Diferentes culturas 501 502 602 603

R(10)M (5) R (7)M (4) R (8)M (4) R (7)M (5)

40 min.

24/04/07 Diferentes culturas 501 502 602 603

R(10)M (3) R (7)M (4) R (8)M (6) R (7)M (6)

40 min.

25/04/07 Fantasia (Filme)

501 502 602 603

R (9)M (4) R (7)M (4) R (7)M (5) R (6)M (7)

2 h

27/04/07 Pesquisa na biblioteca 501 502 602 603

R(10)M (5) R (7)M (4) R (8)M (4) R (7)M (5)

40 min.

30/04/07 Construção de mural: A linha do tempo

501 502 602 603

R(10)M (4) R (6M (3) R (8)M (5) R (7)M (6)

40 min.

01/05/07 FERIADO 02/05/07 Diferentes culturas

(Debate) 501 502 602 603

R (9)M (5) R (7)M (3) R (8)M (6) R (8)M (5)

40 min.

03/05/07 Diferentes culturas (Debate)

501 502 602 603

R (9)M (4) R (7)M (4) R (7)M (5) R (6)M (7)

40 min.

0705/07 Xingu (Filme)

501 502 602 603

R(10)M (6) R (7)M (4) R (8)M (4) R (7)M (5)

2 h

08/05/07 Trabalho em grupo: Diferentes culturas

501 502 602 603

R(10)M (3) R (6)M (3) R (8)M (4) R (7)M (7)

40 min.

08/05/07 Cultura e sociedade 501 502 602 603

R (9)M (4) R (7)M (4) R (7)M (5) R (6)M (7)

40 min.

09/05/07 Diferentes culturas 501 502 602 603

R (9)M (4) R (7)M (4) R (7)M (5) R (6)M (7)

40 min.

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10/05/07 Construção de linha do tempo da História

501 502 602 603

R(10)M (6) R (6)M (4) R (9)M (5) R (8)M (5)

40 min.

11/05/07 Construção de linha do tempo

501 502 602 603

R(10)M (6) R (5)M (4) R (9)M (6) R (7)M (7)

40 min.

14/05/07 Visita ao Museu Nacional 501 502 602 603

R(10)M (5) R (7)M (4) R (7)M (6) R (8)M (6)

4 h

15/05/07 Os filhos do silêncio (Filme)

501 502 602 603

R(10)M (5) R (7)M (4) R (8)M (4) R (7)M (5)

2 h

16/05/07 Os filhos do silêncio (Debate sobre o filme)

501 502 602 603

R (9)M (4) R (7)M (3) R (9)M (5) R (8)M (6)

40 min.

17/05/07 Fontes históricas (Trabalho em grupo)

501 502 602 603

R (9)M (6) R (6)M (3) R (9)M (6) R (8)M (5)

40 min.

21/05/07 Surdez e exclusão 501 502 602 603

R(10)M (6) R (6)M (3) R (8) M (5) R (8)M (5)

40 min.

22/05/07 Impostos e servidão 501 502 602 603

R(10)M (4) R (7)M (4) R (8)M (4) R (7)M (5)

40 min.

23/05/07 Escravidão 501 502 602 603

R(10)M (5) R (7)M (4) R (7)M (6) R (8)M (6)

40 min.

28/05/07 Visita ao Jardim Botânico 501 502 602 603

R(10)M (6) R (6)M (3) R (7)M (6) R (7)M (6)

4 h

29/05/07 Visita ao Largo do Boticário 501 502 602 603

R(10)M (4) R (7)M (4) R (6)M (6) R (7)M (5)

2 h

01/06/07 Grupos sociais (Debate)

501 502 602 603

R (9)M (4) R (7)M (4) R (6)M (6) R (8)M (6)

40 min.

04/06/07 Construção de maquete 501 502

R(10)M (3) R (7)M (3)

40 min.

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602 603

R (9)M (6) R (8)M (7)

05/06/07 Visita à Associação de Surdos

501 502 602 603

R(10)M (6) R (6)M (4) R (7)M (5) R (8)M (5)

4 h

06/06/07 História dos surdos (Debate)

501 502 602 603

R (9)M (4) R (6)M (3) R (8)M (5) R (7)M (6)

40 min

07/06/07 FERIADO 08/06/07 FERIADO 11/06/07 Grupos sociais e cultura

(Debate) 501 502 602 603

R(10)M (3) R (7)M (3) R (9)M (6) R (8)M (7)

40 min.

12/06/07 Pesquisa na biblioteca 501 502 602 603

R(10)M (6) R (7)M (4) R (9)M (6) R (8)M (6)

40 min.

13/06/07 O nome da rosa (Filme)

501 502 602 603

R(10)M (5) R (7)M (4) R (9)M (6) R (8)M (6)

2 h

18/06/07 O nome da rosa (Debate sobre o filme)

501 502 602 603

R (9)M (6) R (6)M (3) R (9)M (6) R (8)M (5)

40 min.

19/06/07 História dos surdos e exclusão (Debate)

501 502 602 603

R (9)M (4) R (6)M (4) R (9)M (5) R (7)M (6)

40 min.

20/06/07 A história dos surdos (Seminário)

501 502 602 603

R(10)M (6) R (7)M (4) R (9)M (6) R (8)M (7)

40 min.

21/06/07 Impostos e servos 501 502 602 603

R(10)M (5) R (7)M (4) R (9)M (6) R (8)M (6)

40 min.

25/06/07 Sem aula 26/06/07 Revisão 501

502 602 603

R(10)M (5) R (7)M (4) R (9)M (6) R (8)M (7)

40 min.

27/06/07 Avaliação 501 502 602 603

R(10)M (6) R (7)M (4) R (8)M (5) R (8)M (7)

40 min.

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02/07/07 Visita à Associação de Surdos

501 502 602 603

R(10)M (5) R (6)M (3) R (8)M (6) R (6)M (7)

4 h

04/07/07 Visita à Câmara Legislativa 501 502 602 603

R(10)M (6) R (7)M (3) R (8)M (6) R (7)M (7)

4 h

06/07/07 Surdez e exclusão 501 502 602 603

R(10)M (5) R (7)M (4) R (8)M (6) R (7)M (6)

40 min.

10/07/07 Grupo focal 2 (filmagem)

501 Rapazes (10) Moças (6)

40 min.

10/07/07 Grupo focal 2 (filmagem)

502 Rapazes (7) Moças (4)

40 min.

10/07/07 Grupo focal 2 (filmagem)

602 Rapazes (9) Moças (6)

40 min.

10/07/07 Grupo focal 2 (filmagem)

603 Rapazes (8) Moças (7)

40 min.

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Anexo 2

Roteiro do Grupo Focal 1 O que é ser surdo? 2 Como os surdos vivem entre as pessoas não surdas? 3 Como os surdos são tratados pelas pessoas não surdas? 4 Como as pessoas não surdas deveriam tratar os surdos? 5 O que os surdos poderiam fazer para melhorar seu modo de viver? 6 O que os surdos poderiam fazer para melhorar o tratamento que recebem das pessoas não surdas? 7 Os surdos têm sua própria língua, a língua de sinais, LIBRAS. O que os surdos pensam sobre isto? 8 O que os surdos pensam sobre ter coisas que são somente deles? Quais seriam essas coisas? 9 O que os não surdos pensam sobre terem coisas só para eles? 10 Você conhece algum grupo ou movimento que procura ajudar os surdos? O que eles fazem? 11 O que eles fazem ou fizeram ajudam os surdos? No que ajudam?

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Anexo 3

Autorização dos responsáveis

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Anexo 4

Programa da Disciplina História

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Anexo 5

Categorização Temática Grupo Focal 1

Categoria Fala

1 Normalidade (8)

Ser surdo é normal, levo uma vida normal sem preconceito (Adolescente masculino, 15 anos) Ser surdo é vida boa (Adolescente masculino, 17 anos) Vida igual (Adolescente masculino, 16 anos) Ser surdo é bom (Adolescente masculino, 16 anos) Ser surdo, sem problemas (Adolescente masculino, 16 anos) É legal (Adolescente masculino, 13 anos) Ser surdo é normal, tem trabalho, escola (Adolescente masculino 16 anos) Meu pai, mãe e avó me tratam normal (Adolescente feminino, 12 anos)

2 Solidão (7) Eu sou só (Adolescente feminino, 15 anos)

Me sinto só (Adolescente masculino, 15 anos)

Não tenho amigos (Adolescente feminino, 16 anos).

Fico muito sozinho (Adolescente masculino, 17 anos)

Por exemplo, na minha família, eu sou a única surda. Me sinto muito sozinha. As pessoas da família interagem entre si, mas eu não consigo acompanhar e sempre me acusam e falam de coisas que eu não fiz. Quando vêm falar comigo, falam por trás e eu penso que eles não gostam de surdos. Só minha mãe sabe um pouco de sinais. Muitas vezes eu apanhei sem saber o motivo. Bem pequena eu fui entregue aos meus avós pra cuidarem de mim, só os via de vez em quando. Minha mãe vinha de vez em quando na minha casa, e com isso eu percebi o preconceito a partir deles e entendo. Se fosse ouvinte, eles não teriam me dado para os meus avós me criarem (Adolescente feminino, 15 anos) A gente sofre muito (Adolescente feminino, 16 anos) Surdos têm muito sofrimento, sofrem muito preconceito, pouco apoio familiar. A maioria das escolas são oralistas, não se tem língua de sinais. Os surdos querem participar das atividades na sala de aula, mas não conseguem acompanhar por isso nos ficamos muito tristes. Felizmente encontra a língua de sinais que na verdade oferece em profundidade os conhecimentos necessários para as nossas vidas e é exatamente isto que nós precisamos, porque temos pouco apoio da família e da sociedade. Tudo isso muda quando se tem língua de sinais (Adolescente masculino, 17 anos)

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3 Comunicação (10) Aconteceu comigo, um tempo atrás, num jogo de futebol, perto da minha casa. Fizeram par-ou-ímpar, pra se escolher os times. Todos foram escolhidos menos eu, pelo fato de ser surdo. Muitas vezes isto aconteceu. Eu passei a jogar bola com os surdos, e deixei os ouvintes de lado, devido à falta de comunicação (Adolescente masculino, 13 anos) Gostaria que meus pais soubessem LIBRAS (Adolescente masculino, 13 anos) Eu não consegui nem me comunicar com o policial. Afinal não tinha ninguém na rua, a rua estava deserta (Adolescente masculino, 16 anos). Perto da minha casa, eu soube que um colega que é surdo e sabe pouco [língua de] sinais, foi abordado por um policial, perto de um supermercado e o policial falou com esse colega, ele não respondeu, por isso o policial bateu nele (Adolescente masculino, 12 anos) Meus pais são surdos, têm facilidades. Pais surdos me tratam bem. Não sofro preconceito pelo fato de ter pais surdos. Pelo contrário, tem muitos amigos. Não tem problemas, não sofre preconceito (Adolescente feminino, 13 anos). Muitas vezes as pessoas não estão entendem o que dizemos (Adolescente feminino, 15 anos). Na minha família ninguém sabe sinais (Adolescente masculino, 13 anos).

Só meu irmão sabe sinais, mas pra mim é muito importante. Queria que a família toda soubesse (Adolescente masculino, 14 anos). Importante ter mais pessoas, intérprete, precisa ter mais comunicação com os surdos. Os ouvintes zoam muito, nas escolas, nas ruas, por ai (Adolescente masculino, 14 anos) Sábado passado em Rio Bonito eu estava andando de bicicleta e parei para visitar e encontrei um surdo que estava junto com o pai, mas tinha pouco sinal. Ele estava com um pedaço de papel, procurando um endereço, eu então o ajudei e perguntei o nome. Ele não sabia me dizer, falei o meu e percebi a dificuldade que ele tinha em se comunicar (Adolescente masculino, 16 anos)

4 Maus-tratos (13) Sou muito maltratada pelo meu irmão. Ninguém na minha família sabe sinais. Minha mãe, muito pouco. Fico muito triste por isso (Adolescente feminino, 15 anos). Sofria muito preconceito principalmente no futebol. O meu irmão por exemplo ficava zombado de mim e eu ficava muito chateado. Eu reclamava com ele mais não adiantava, ele ficava debochando de mim (Adolescente masculino, 14 anos) Eu tenho medo de estar perto deles e eles me aliciarem ou me acusarem de alguma coisa que eu não tenha feito, insistir em algum coisa, colocar a culpa em mim, sem eu ser culpado (Adolescente masculino, 13 anos). E se alguém colocar uma arma na sua cabeça e te obrigar a fazer algo que você não queira? E se você também não conseguir se comunicar com esse policial? (Adolescente masculino, 16 anos).

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É só você explicar para o policial que a droga não é sua e devolvê-la. Alguém colocou na minha mão... (Adolescente masculino, 13 anos). Aonde eu moro, já aconteceu que um carro de polícia veio na minha direção, o policial desceu e me revistou, colocou arma na minha cabeça, eu levei um baita susto. Fiquei muito assustado (Adolescente masculino, 16 anos). Onde eu moro as pessoas me xingam, falam palavrão e eu não ligo. Quem sabe, futuramente, elas não possam passar pelas mesmas dificuldades que eu?” (Adolescente masculino, 14 anos). Sou muito maltratada pelo meu irmão. Ninguém na minha família sabe sinais. Minha mãe sabe muito pouco. Fico muito triste por isso (Adolescente feminino, 15 anos). A falta de ajuda, as ocorrências de violências físicas, o preconceito em colocar de castigo sem saber o motivo, esta falta de troca, falta de explicação, falta de união, tratar o surdo como coitadinho... Essa falta de respeito, tudo isso que eu falei, é preconceito. É importante participar de brincadeiras, jogos, juntos, tudo isso gera para a pessoa surda um sofrimento muito grande. E importante participar das atividades. Isso cria dentro de nós um sofrimento muito grande, qualquer tipo de preconceito é errado. Esse preconceito parte dos ouvintes (Adolescente masculino, 17 anos) No meu trabalho tem muitos ouvintes que me tratam mal, e eu percebo eles cochichando, falando de mim, na minha direção, colocam a mão na boca e sei que estão falando de mim. Aí também eu relevo, deixo pra lá (Adolescente masculino, 17 anos) A minha tia tem muito preconceito comigo, mas eu nem ligo porque eu sei quem eu sou e sei do meu valor. Não adianta me zombar nem me xingar, porque eu conheço os meus direitos. Eu sei que eu posso trabalhar, melhorar de vida, posso enfim ter uma vida social normal. Ela vive me explorando, tirando o meu dinheiro, eu digo vai trabalhar e Deus na verdade está vendo tudo isso. Se eu trabalhei, então o dinheiro é meu (Adolescente masculino, 17 anos) Por exemplo, eles tentaram me aliciar sexualmente achando que por eu ser surdo, eu não conseguiria contar para ninguém. Também me acusam de coisas que eu não fiz. Os ouvintes me convidavam para uma situação constrangedora por acharem que eu não conseguiria me comunicar ou me defender. Tentavam me induzir, a fazer aquilo que eles queriam (Adolescente masculino, 14 anos) Por ser surdo, já sofri várias vezes assédio sexual. Isso por que os ouvintes dizem é normal, todo mundo faz. E ficam aproveitando do fato de eu ser surdo (Adolescente masculino, 16 anos)

5 LIBRAS (23) Eu gosto de ser surdo, porque a surdez me apresentou a língua de sinais e isto é um privilégio. Eu nasci ouvinte e fiquei surdo e depois eu vim estudar no INES. Mas eu me sinto uma pessoa normal, porque eu viajo e estudo no INES (Adolescente masculino, 17 anos). Quando eu cheguei no INES, eu sabia pouco de sinais e aqui eu adquiri e pude interagir com os colegas. Após este aprendizado da língua de sinais, eu pude participar das atividades escolares. É importante que os surdos estejam unidos para aprenderem ainda mais em língua de sinais (Adolescente masculino 16anos).

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E eu tenho esse sonho de que todos falem sinais” (Adolescente masculino 17 anos). Seria bom que as pessoas soubessem língua de sinais (Adolescente masculino, 15 anos). Gostaria que meus pais soubessem LIBRAS (Adolescente masculino, 13 anos) Seria bom se houvesse um maior número de pessoas interessadas em aprender a LIBRAS. Teria mais interação, viveríamos mais juntos e nos sentiríamos mais felizes. Seria legal pois as pessoas viveriam em união (Adolescente masculino, 16 anos). aquió Há um tempo atrás,em 1990 e pouco comecei a estudar aqui no INES. Até então eu não sabia ainda de sinais, não compreendia nada. Eu não conseguia me comunicar com ninguém, nem surdos, nem ouvintes e eu sofria muito com isso. Eu fiz tratamento de fono, tentei oralizar, foi quando,eu comecei a aprender LIBRAS no INES, aí tudo mudou. Eu descobri minha identidade (Adolescente masculino, 16 anos). Sem a LIBRAS a comunicação é muito difícil. Eu era obrigado tentar falar, a oralizar, assim o tempo foi passando. Nas ruas as pessoas zombavam de mim, mas eu não me importava, eu deixava pra lá, continuava calado, seguindo a minha vida, Em casa, minha família não tínhamos comunicação porque eles não aceitavam a LIBRAS, a gente não tem comunicação, eles não sabem LIBRAS,mas tudo bem. Fazer o que? (Adolescente masculino, 17 anos) A língua de sinais é importante para o surdo se desenvolver (Adolescente masculino, 15 anos)

Importante surdo precisa de língua de sinais, intérprete (Adolescente masculino, 16 anos)

O aprendizado da língua de sinais é importante, porque onde o surdo estiver ele vai obter as informações (Adolescente feminino, 16 anos). Eu acho o seguinte, que a forma de ajudar é promovendo a língua de sinais, isto é importante para gente. A gente não quer na verdade, ficar isolado, nem viver em guetos, porque na verdade, o que a gente quer, é aumentar este leque. Nós queremos que a língua de sinais apareça para os ouvintes tenham a oportunidade de aprender sinais para que a gente esteja trocando assim como está acontecendo agora com o intérprete. Melhora, as pessoas ouvintes tentam se comunicar conosco através de gestos comuns. A partir daí, nos oferecemos o sinal. Com o tempo estas pessoas interessadas vão aprendendo língua de sinais. É claro que alguns com mais dificuldade e outros com mais facilidade. É importante que geralmente se aprendam língua de sinais para nos ajudar, enfim trocarmos. Acho que este é o objetivo maior da língua de sinais: trocar (Adolescente masculino, 18 anos) Eu cheguei aqui no INES bem pequena e via só surdos adultos conversando e ficava admirada, eu tentava copiar. Eles achavam bonitinho e começaram então a me ensinar. Eu muito interessada, fui aprendendo a língua de sinais e hoje em dia eu tenho muita facilidade em me comunicar em sinais (Adolescente feminino, 17 anos) Quando eu comecei a estudar, eu não entendia muito bem a língua de

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sinais. Com o tempo, fui me acostumando com a língua de sinais. Eu tinha muita dificuldade de adaptação, gritava muito, era muito agitado devido à falta da própria língua. Comecei então a aprender a língua de sinais, convivia também com a comunidade surda e aprendi muitos sinais, sempre observando e adquirindo sinais. E eu sou fluente em sinais (Adolescente masculino, 18 anos).

Antes eu não sabia língua de sinais, me comunicava através de gestos e aqui no INES eu percebi a língua de sinais e eu ficava olhando o tempo todo os surdos adultos a ponto deles estranharem a minha curiosidade. Hoje em dia, a história se repete, eu percebo que outros surdos pequenos fazem igual ficam olhando curiosos (Adolescente feminino, 15 anos) Quando era pequeno, eu ficava olhando as pessoas conversarem em línguas de sinais, mas não entendia e com 14 anos eu comecei a aprender no INES (Adolescente masculino, 17 anos) Antigamente, eu tinha preconceito comigo mesma. Eu não queria ser surda, gostaria de ser ouvinte, fazia fono na tentativa de aprender a falar. Eu ficava confusa em relação a ser surda ou ouvinte, falar em português ou em língua de sinais, mas de tanto fazer fono eu fui percebendo que a dificuldade era percebendo que a dificuldade era muito grande. Foi então que eu resolvi aprender a língua de sinais e vi que a língua de sinais me proporcionou coisas que a língua portuguesa e a oralização não conseguiram me proporcionar. Eu decidi aprender a língua de sinais e sou usuária da mesma (Adolescente feminino, 17 anos) Se no trabalho tivesse língua de sinais seria bom. (Adolescente masculino, 17 anos)

Precisava melhorar o nosso conhecimento de vocabulário na língua portuguesa. Eu gostaria que tivesse a mesma quantidade de usuários de português e a mesma quantidade de usuários de língua de sinais, isto é, que houvessem mais surdos (Adolescente feminino, 15 anos)

Às vezes os ouvintes não sabem língua de sinais. Às vezes encontramos um outro, dependendo da sorte, mas na verdade, se trata de respeito. Os ouvintes não têm respeito que precisa ter com o surdo, com o surdo que sabe sinais, mas se eles não têm respeito pelo surdos, não têm. Eles têm muitos amigos surdos no INES (Adolescente feminino, 16 anos)

A língua de sinais é uma coisa que ela se acostumou a ter. Ela se acostumou com a língua de sinais e acha que os ouvintes não podem ter preconceito. Tem de ter melhor comunicação com os surdos. Os ouvintes têm de que saber fazer língua de sinais, ter língua de sinais na faculdade, respeito, a língua de sinais. (Adolescente feminino, 17 anos) Ter intérprete, essas coisas, para ia ao médico, ajuda (Adolescente feminino, 16 anos)

Precisava que todos soubessem língua de sinais. Eu poderia viajar para qualquer lugar, viajaria para os Estados Unidos, mesmo que eu não soubesse inglês, mas soubessem língua de sinais, para qualquer outro lugar. Isso facilitaria a minha vida (Adolescente masculino, 16 anos)

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6 - INES (8) Estudava em escola de ouvintes e não sabia nada sobre ser surdos, ter direitos e ter identidade. Aqui tenho mais consciência de minha identidade e isso é muito importante para o surdo (Adolescente masculino, 16 anos) Estudar no INES significa estar em casa, fazemos sinais todo o tempo, todos sabem sinais. Aprendemos e somos felizes (Adolescente masculino, 17 anos). Quando eu cheguei no INES, eu sabia pouco de sinais e aqui eu adquiri e pude interagir com os colegas. Após este aprendizado da língua de sinais, eu pude participar das atividades escolares. É importante que os surdos estejam unidos para aprenderem ainda mais em língua de sinais (Adolescente masculino 16 anos).

No colégio só tinha eu de surdo, as coisas eram muito ruins antes, mas depois outros surdos foram inseridos e aí então melhorou. Na 4ª série, repeti de ano, mas no ano seguinte recuperei porque eu vim aqui para o INES (Adolescente masculino, 14 anos).

Ela nasceu desde pequena era única surda. Não tinha amigos se sente triste e isolada. Agora no INES ela está feliz, encontrou um grupo de surdos que tem sinais. Ela se sente melhor, mais acolhida. (Adolescente feminina, 15 anos).

Em outros lugares é mais difícil, no INES é mais fácil. (Adolescente masculino, 15 anos). Existe preconceito aqui também no INES. Às vezes eu estou conversando com um amigo e vem o inspetor brigando, dizendo que não pode namorar. E eu penso, quem falou que eu estou namorando? Ele é só meu amigo! Então, o preconceito acontece aqui também dentro do INES (Adolescente masculino, 16 anos) No INES, por exemplo, falta intérprete, falta professor. Falta muita coisa para o surdo (Adolescente feminino, 14 anos)

7 - Falta de informação (1) Mas existe uma lei que te apóia (Adolescente masculino, 14 anos) Que lei? (Adolescente masculino, 13 anos)

8 - Relacionamento com

ouvintes (35)

É muito difícil fazer amizade com ouvinte (Adolescente masculino, 17 anos). Tenha calma que em breve você vai crescer e freqüentar as associações de surdos, vai conviver com surdos seja na igreja, vai ser mais feliz porque vai ter amigos surdos também (Adolescente masculino, 17 anos). Tem como namorar uma pessoa ouvinte. O mais importante é o sentimento. Existem outros recursos de comunicação como a escrita, leitura labial e etc. De repente você pode fazer uma troca, ensinar LIBRAS e aprender o português (Adolescente masculino, 14 anos). Não combina um surdo casar com ouvinte, porque o ouvinte pode enganar o surdo em ligações telefônicas e outras coisas (Adolescente masculino 16 anos)

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Muitas vezes as pessoas não sabem, não sabem que eles são surdos. Pensam que são surdos-mudos e eles não gostam disso. Isto significa tem de conscientizar as pessoas (Adolescente feminino, 17 anos) Eu nasci, ouvinte e depois fiquei surdo. Sempre achei importante aprender sobre os surdos. Hoje em dia tem muito mais gente aprendendo sinais e isto é bom (Adolescente masculino, 15 anos) Já aconteceu uma situação comigo, que uma pessoa começou a zoar, debochar, até que houve um explicação, uma conscientização e tudo mudou (Adolescente masculino, 16 anos). Eles não gostam de surdos (Adolescente masculino, 13 anos) Não ligam, zombam muito (Adolescente feminino, 14 anos) Às vezes nos maltratam (Adolescente masculino, 15 anos) Tem gente que bate nos surdos (Adolescente masculino, 14 anos) Não conhecem nada sobre nós (Adolescente masculino, 14 anos) Acham que a gente é maluco (Adolescente masculino, 15 anos) Muito preconceito eles não gostam e não respeitam os surdos (Adolescente masculino, 15 anos) Riem da gente (Adolescente feminino, 15 anos) É bom conversar sobre surdos, nem sempre querem falar sobre isso (Adolescente masculino, 15 anos) Com pessoas surdas consigo conversar com elas em sinais, o que adianta namorar ouvinte sem entender o que está falando? (Adolescente masculino, 16 anos). A dificuldade é eles falam palavrão, xingam, chamam de macaco que nós somos como animais. Eu não gosto disso (Adolescente masculino, 16 anos). A minha realidade é outra, aonde eu moro, as pessoas são distantes de mim. Mesmo aqueles que foram criados comigo, depois de um certo tempo, se afastaram. Isso ocorre devido a diferença existente entre eu, pessoa surda, e as pessoas ouvintes (Adolescente masculino, 16 anos). Está vendo esse aparelho? Vou quebrar, não vou mais usar. Ele me dá susto, me incomoda muito e não adianta. eu não vou ouvir. vou quebrar. Uma vez eu falei com meus pais, tá vendo esse aparelho? Eu não agüento mais, ele fica apitando, me incomoda, eu vou quebrar ele, não me adianta mais. Eu odeio aparelho auditivo! (Adolescente masculino, 17 anos). Estudei na escola da prefeitura onde não tinha intérprete e eu estava muito atrasada nos estudos. Na escola em que eu estudava antes, tinha preconceito sim. Um pouco de preconceito. Não tinha entrosamento entre os colegas nem apoio da direção e tinha muita dificuldades nos trabalhos em grupo (Adolescente feminino, 12 anos). No emprego, levei culpa de roubo por ser surdo. Não pude me comunicar e não pude me defender. Mas levei um intérprete, desfez o

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engano e fizeram justiça. O cara pensava que eu era bobo só por ser surdo (Adolescente masculino, 17 anos) Por exemplo eu sou surdo e na hora de escolher não me escolheram no futebol e também na rua eu percebo as pessoas debochando de mim, fazendo gestos atrás de mim, me xingando, fazendo sinais obscenos. Isso é um tipo de preconceito (Adolescente masculino, 13 anos). Quando os surdos estão passando pelas ruas, conversando em sinais, percebem que os ouvintes estão debochando da gente (Adolescente masculino, 13 anos). Na outra escola que eu estudava, eles tinham muito preconceito, por exemplo, a gente não podia participar das atividades junto com os ouvintes, nas brincadeiras, nos jogos, tudo era diferente, a saída, tudo isso era preconceito (Adolescente feminino, 15 anos) As pessoas dizem, inclusive, que parecemos macacos, quando sinalizamos (Adolescente masculino, 16 anos). A falta de ajuda, as ocorrências de violências físicas, o preconceito em colocar de castigo sem saber o motivo, esta falta de troca, falta de explicação, falta de união, tratar o surdo como coitadinho...Essa falta de respeito, tudo isso que eu falei, é preconceito. É importante participar,de brincadeiras, jogos, juntos, tudo isso gera para a pessoa surda um sofrimento muito grande. E importante participar das atividades. Isso cria dentro de nós um sofrimento muito grande, qualquer tipo de preconceito é errado. Esse preconceito parte dos ouvintes (Adolescente masculino, 17 anos) Eles zombam de mim, eu não sei o que fazer (Adolescente, masculino, 12 anos).

Eles, os ouvintes, debocham muito dos surdos. Eu fico chateado.(Adolescente masculino, 13 anos).

No meu trabalho também (Adolescente masculino, 17 anos). Eles nos chamam de filha da p... Aconteceu dentro de um ônibus, um ouvinte ficou zombando porque eu era surda, eu fique um pouco triste, mas Deus está vendo, pode castigá-lo” (Adolescente feminino, 17 anos). Há um tempo atrás estava conversando em língua de sinais com um amigo e um garoto pequeno ficou zombando de mim, mas eu estava de olho. Eles estavam fazendo gestos, eu continuei, ele não parou de zombar de mim (Adolescente masculino, 17 anos) Às vezes, os surdos ficam tão revoltados com as zombarias que partem para agressão física (Adolescente masculino, 16 anos) Eu virei, olhei, ele estava dizendo: surdo, veado. Me revoltei, fui lá e parti pra briga, agressão física mesmo (Adolescente masculino Estou aqui no INES desde pequeno, aprendendo a língua de sinais e percebo que lá fora existe uma curiosidade dos ouvintes saberem o que nós estamos conversando. Até que eles vêm ao INES, fazem o curso, aprendem língua de sinais e isso facilita a comunicação. Se tornando alguns deles intérpretes e nos auxiliando nos consultórios médicos,

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tudo isso é muito relativo porque existem alguns ouvintes que não querem aprender (Adolescente masculino, 16 anos). As pessoas não entendem é que nós somos somente surdos, não temos nenhum um outro comprometimento. As pessoas me chamam de deficiente e de mudo, mas esta não é a nossa realidade. A nossa cultura é diferente da dos ouvintes mas temos os nossos valores e nós surdos, aqui dentro da cabeça, somos normais, nós só temos uma forma diferente de ler o mundo. As pessoas acham que nós somos ignorantes, não entendemos nada. Isso porque essas pessoas não nos conhecem. Na verdade nós temos toda condição de estudarmos, fazermos uma faculdade, tornarmos um bom profissional, enfim como qualquer outra pessoa (Adolescente masculino, 18 anos) As famílias prejudicam os surdos quando não usam a língua de sinais e isto acaba atrasando o cognitivo, o aprendizado de nós, os surdos. Seria bom se as pessoas se colocassem no nosso lugar para sentir o que nós sentimos, conhecer um pouco de nossas necessidades diárias. A impressão é que eles nos odeiam quando zombam de nós comparando. Eu não falo de ninguém, assim também com eu não quero que ninguém fale mal de mim. Quero ser tratado como qualquer outra pessoa, interagindo nestes dois mundos (Adolescente masculino, 18 anos

9 - Proteção da família (6) Dificuldade de fazer amigos devido à super proteção e cuidados exagerados da minha família (Adolescente feminino, 13 anos). Me tratam bem. Meu problema é quando eu quero sair e minha mãe não deixa porque fica preocupada comigo. Meu pai gosta de mim, mas às vezes a gente briga. Hoje em dia eu vivo com meus tios porque meus pais se separaram porque eles brigavam muito (Adolescente feminino, 15 anos). Por exemplo, na minha família minha mãe me prende muito, já o meu irmão sai a hora que quer e eu não posso. Por que? É uma pergunta sem resposta (Adolescente masculino, 16 anos) Por exemplo, eu sou surdo e meus pais são ouvintes. Eu estou conversando com eles, digamos estes pais não aceitem língua de sinais mas querem que eu oralize. Mas com o tempo, eu poderei decidir o que é melhor pra mim , entre a língua de sinais e a oralização , daí então os pais não poderão mais interferir (Adolescente masculino, 16 anos) Há um tempo atrás, quando eu era pequeno, minha mãe sempre me acompanhava aonde eu ia e eu estudava numa escola da prefeitura em Caxias e os amigos surdos me perguntaram, Você só anda com a sua mãe? Eu dizia que era muito novo e precisava dos cuidados dela. Minha mãe sempre conversava comigo, dizia que me amava. O tempo foi passando e eu fui me acostumando e passei a andar sozinho e hoje estou bem. As pessoas zombam sim da gente, mas eu não ligo (Adolescente masculino, 17 anos). Minha dificuldade é familiar porque eles não me deixam sair, passear, porque é muito perigoso. As minhas irmãs podem sair, menos eu e quando pergunto porque, a minha família diz que é por eu ser surda e me diz que por me amar muito querem me poupar da violência (Adolescente feminino, 16 anos)

TOTAL 111

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ANEXO 6

Categorização Temática Grupo Focal 2

Categoria Fala 1 – Comunicação (8) Já estudei em colégio de ouvintes quando pequeno e ninguém entendia

nada do que eu dizia. Eu não conseguia acompanhar as aulas e ainda levava bronca da professora, de não fazer as atividades. Eu me sentia isolado nesta escola. Daí eu fui transferido pra uma escola em Caxias onde havia outros surdos. Foi nesta escola que eu comecei a aprender a língua de sinais e depois eu vim pro INES (Adolescente masculino, 17 anos). Desde pequena eu sempre oralizei e fiz tratamento de fonoaudiologia durante muitos anos. Daí mudei pra Gávea. Mesmo assim eu não consegui me comunicar com os ouvintes. Parei a oralização e fui aprender a língua de sinais. Vim para o INES e tenho aprendido língua de sinais (Adolescente feminino, 17 anos)

Eu morava antes em Itaguaí. Lá estudava em colégio de ouvintes até que me mudei pra o Rio de Janeiro e vim para um colégio estadual. Era um colégio onde eu sofri muito por não entender o que estava sendo ensinado e isso me deixava muito triste. Fui suspenso muitas vezes e minha mãe sempre preocupada comigo me transferia de uma escola para outra e eu sempre sendo expulso, por falta de comportamento. Vim morar em Nilópolis e lá fui melhorando meu comportamento. Comecei a melhorar na escola, a passar de ano. Eu era muito agitado, repeti de ano muita vezes, até então e não conseguia entender, compreender língua de sinais. Me mudei para o Rio de Janeiro, tive acesso ao INES onde encontrei muitos surdos e aprendi a língua de sinais (Adolescente masculino, 16 anos)

. Já estudei em colégio de ouvintes quando pequeno e ninguém entendia nada do que eu dizia. Eu não conseguia acompanhar as aulas e ainda levava bronca da professora, de não fazer as atividades. Eu me sentia isolado nesta escola. Daí eu fui transferido pra uma escola em Caxias onde havia outros surdos. Foi nesta escola que eu comecei a aprender a língua de sinais e depois eu vim pro INES (Adolescente masculino, 17 anos). Não podermos falar, não temos voz (Adolescente masculino, 17 anos)

Eu percebo também a necessidade do intérprete nas declarações do presidente da república. É um desprezo mesmo à pessoa surda. Deus pode até castigar! (Adolescente masculino, 16 anos).

É importante ter mais comunicação com os surdos (Adolescente feminino, 16 anos) Existem surdos que por falta de informação acabam caindo no mundo de drogas, prostituição. No super mercado encontrei um surdo que estava perdido, sem informações, drogado e ele podia estar estudando. Tem muitas meninas surdas que acabam engravidando por falta de informação. Tenho pena delas (Adolescente masculino, 17 anos)

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2 – Cultura surda (9) O surdo tem uma cultura própria. A gente vem para o INES tem treino, trabalho profissionalizante, pode-se trocar muito nas associações (Adolescente masculino, 16 anos). Ele quer ter coisas próprias dos surdos (Adolescente feminino, 16 anos) Surdo gosta de ter amigos, contar piadas. Essa é a cultura surda- (Adolescente masculino, 17 anos) Eu tinha um amigo que quando ele jogava futebol, ele conhece muita gente que tem preconceito com os surdos. Mas agora eles vão para o PAN. Nós vamos ver os surdos na tv, lutando judô. Isso é muito importante, pois os surdos antigamente, não tinham nada disso. Olha só, cegos, surdos, 2006, foram para o Japão (Adolescente masculino, 17 anos).

Na Inglaterra tem vôlei, é bom que o surdo conheça os esportes e participem. O Brasil não tinha nada disso agora, o surdo vai ser chamado para o PAN e tem surdo de todos os países. É bom para a troca entre eles (Adolescente masculino, 16 anos).

No Japão a cultura é completamente diferente, sua comida, sua língua, suas roupas. O surdo também tem sua cultura. O que diferencia entre surdos e ouvintes é o fato de não ouvir, o aparelho auditivo, a campainha adaptada nas casa dos surdos quando não se tem a campainha adaptada, nós entramos assim mesmo. Quando o surdo não tem a campainha que acende a luz, o surdo tem um cachorro que chama e se aproxima do surdo e avisa que tem alguém na porta (Adolescente masculino, 18 anos)

Nem todos os cinemas têm legenda. Nem todos os filmes são legendados e mesmo os que são nós não conseguimos acompanhar porque não conhecemos o vocabulário, porque é muito rápido e também para prestar atenção na legenda nas cenas fica complicado. Poderia ao invés da legenda, termos a janelinha, com intérprete (Adolescente masculino, 16 anos). Acho que deveria ter intérpretes, principalmente nos telejornais. Seria bom ter nas novelas, filmes, mas principalmente nos telejornais (Adolescente feminino, 17 anos). Ser surdo é difícil. A cultura dele é a língua de sinais (Adolescente masculino, 16 anos).

3 - Relacionamento com

ouvintes (27)

É melhorar namorar com surdas devido a comunicação (Adolescente masculino, 15 anos). As pessoas acham que sempre aproveitamos para ensinar a língua de sinais para os ouvintes. Queremos que eles aprendam sinais e ia ensinando e paquerando. Acabava saindo com as ouvintes (Adolescente masculino, 13 anos) Aos 17 anos de idade perguntei pra minha mãe se eu podia namorar. Ela disse que sim desde que tivesse cuidado. Ela disse que ia pensar e eu, rápido, mamãe responde logo. Ela disse cuidado, toma cuidado. Dai eu fui na festa de um amigo, minha mãe me levou e lá eu me comuniquei com uma menina, perguntei se ela queria falar comigo. Nós saímos dali, conversamos, eu peguei na mão dela, insisti para conversar em outro lugar. Então ficamos aquele dia e dai em diante comecei a ficar com outras garotas (Adolescente masculino, 18 anos)

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Sempre aproveitamos para ensinar a língua de sinais para os ouvintes. Queremos que eles aprendam sinais e ia ensinando e paquerando. Acabava saindo com as ouvintes (Adolescente masculino, 13 anos) As pessoas [ouvintes] acham que o surdo é burro, idiota. (Adolescente masculino, 15 anos). Neste país dos surdos, fictício, seria proibido falar português (Adolescente masculino, 17 anos).

[Os ouvintes deveriam] Desenvolver vocabulário e usar língua de sinais (Adolescente feminino, 15 anos). Todas as pessoas devem ser amigas dos surdos. Aprender a se comunicar com eles (Adolescente feminino, 15 anos). [Os ouvintes] Precisam respeitar a língua de sinais. O surdo deve ter direito a estudar, ter identidade, trocar língua de sinais (Adolescente masculino, 17 anos)

Surdo deve estudar sozinho, é melhor, prefere surdos só, sem ouvintes (Adolescente feminino, 15 anos). Bom, escola só de surdos é melhor, para desenvolver sinais, só tem surdo, eles crescem e desenvolvem mais sinais (Adolescente masculino, 17 anos) Às vezes as pessoas tratam bem, tratam mal, mas existem alguns [ouvintes] que têm o interesse pela língua de sinais e vem para o INES para fazer o curso (Adolescente masculino, 16 anos). Depende muito do coração de cada pessoa. Existe realmente algumas pessoas ruins mas também existem pessoas boas, querendo ajudar, que respeitam o ser humano. Isso é uma questão de sorte. Essas pessoas que queiram ajudar, sempre nos apóiam num momento em que precisamos (Adolescente feminino, 17 anos)

É muito relativo por que existem pessoas dispostas a mudar e outras não. Falta entrosamento, união e troca, muitas vezes nos sentimos isolados porque os ouvintes adultos não querem compartilhar conosco as suas idéias (Adolescente feminino, 18 anos). Quando eu comecei a trabalhar acontecia que os ouvintes sempre me acusavam de ter feito algo que eu não fiz. Meu chefe me chamava a atenção, embora eu não tivesse feito nada. As acusações eram que eu tinha roubado alguma coisas, mas eu me defendia dizendo que não tinha sido eu que tinha roubado nada. É mentira, eu disse e com muita seriedade. Eu dizia que era mentira deles, para auxiliar na discussão, eu chamava um intérprete para esclarecer o que aconteceu, ai então, se descobriu a verdade (Adolescente masculino, 16 anos). Elas [os ouvintes] não tem respeito pelo surdos (Adolescente feminino, 16 anos)

Tem intérprete, coisas, todo mundo fica zoando do surdos na escola com ouvintes, tem muito preconceito contra o surdos (Adolescente masculino, 16 anos) Se o porteiro vê que é surdo, ele tem que subir lá em cima, na casa, e chamar o surdo (Adolescente feminino, 17 anos).

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Os únicos ouvintes que me tratam bem são na verdade a minha família, eles que me sustentam, e eu preciso que eles me tratem bem (Adolescente feminino, 17 anos) Às vezes eles [os ouvintes] têm preconceito (Adolescente feminino, 16 anos) Queria que eles [os ouvintes] falassem com os surdos e tivessem língua de sinais (Adolescente masculino, 16 anos Estabelecer comunicação com os ouvintes,ter intérprete, essas coisas, para ia ao médico, ajudar (Adolescente masculino, 17 anos) Precisava melhorar o nosso conhecimento de vocabulário na língua portuguesa. Eu gostaria que tivesse a mesma quantidade de usuários de português e a mesma quantidade de usuários de língua de sinais, isto é, que houvesse mais surdos. Às vezes os ouvintes não sabem língua de sinais, às vezes encontramos um ou outro, dependendo da sorte, mas na verdade se trata de respeito, os ouvintes não têm respeito que precisa ter com o surdo, com o surdo que sabe sinais, mas eles não têm respeito pelos surdos, não tem. Tenho muitos amigos surdos no INES. A língua de sinais é uma coisa que me acostumei a ter e acho que os ouvintes não podem ter preconceito. Tem de ter melhor comunicação com os surdos. Os ouvintes têm que saber fazer língua de sinais, ter língua de sinais na faculdade, respeito à língua de sinais (Adolescente feminino, 17 anos) Porque os ouvintes ficam falando, tem grupo de amigos, precisam trocar com os surdos, vir no INES estudar, tem de ter escola. No INES falta intérprete, língua de sinais, tudo isto. Para o surdo falta muita coisa. Os ouvintes têm de aprender a se comunicar com o surdos para no futuro ter um futuro igual para todo mundo. Ter língua de sinais, precisam estudar, conhecer o INES. Falta mais integração dos surdos com os ouvintes (Adolescente masculino, 17 anos). Se nos obrigassem a falar, a gente ia questionar porque a gente não questiona o fato dos ouvintes falarem português. Assim como os ouvintes têm direito de falar português, nós temos direito de falar a nossa própria língua(Adolescente feminino, 17 anos). Quero ser amigo dos ouvintes (Adolescente masculino, 17 anos) Deve formar professores especializados, ter mais intérpretes (Adolescente feminino, 17 anos)

3 – LIBRAS (13) Se no trabalho tivesse língua de sinais seria bom (Adolescente masculino, 16 anos) Sempre achei importante aprender sobre os surdos, hoje em dia tem muito mais gente aprendendo sinais e isto é bom! A língua de sinais é o importante para o surdo se desenvolver (Adolescente feminino, 16 anos). Antigamente os ouvintes não conheciam agora tem mais escolas, associações. O problema é que a língua de sinais é diferente. Por que a língua de sinais é diferente nos EUA, diferente na China. Por que a língua de sinais não é igual? (Adolescente masculino) É importante ter língua de sinais (Adolescente feminino, 17 anos).

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É importante se comunicar, por exemplo, quando estiver na rua, em qualquer lugar, essas informações são importantes para nossas vidas, se pelo menos as pessoas tivessem um pouco de língua de sinais, poderiam nos dar estas informações (Adolescente masculino, 17 anos). É o que eu falei antes, por exemplo, a minha mãe sabe sinais mas está ocupada o tempo todo, não tem tempo para nada. Às vezes quero ir em algum lugar e tenho que chamar o intérprete. Por exemplo, quando eu vou ao médico, eu chamo um ouvinte que saiba sinais para me acompanhar, interagindo comigo e com o médico (Adolescente feminino, 17 anos). A língua de sinais precisa ser pesquisada, os ouvintes precisam fazer cursos para aprender a língua de sinais e poder trabalhar em língua de sinais, ter campo de trabalho. Precisa também ser inserido no mercado do trabalho. Nas famílias os parentes precisam saber sinais para aprender a se comunicar com os surdos. Isto nos faria mais felizes (Adolescente masculino, 16 anos). A língua de sinais nos proporciona conversar com outras pessoas, inclusive pessoas de outros paises porque mesmo não sendo a mesma língua, eles conseguem se comunicar, por ser uma língua gestual (Adolescente masculino, 16 anos). Se proibissem os sinais, como nós os surdos íamos viver? Nós precisamos da língua de sinais porque a ela faz parte da nossa própria vida (Adolescente masculino, 16 anos). Quando alguém se comunica comigo através da língua de sinais, eu consigo compreender o que é falado. Não se pode proibir a língua de sinais, porque existe uma lei que a protege (Adolescente masculino, 17 anos). É engraçado, falta tanta coisa, principalmente que os ouvintes saibam língua de sinais, mas nas igrejas nós encontramos uma grande quantidade de ouvintes que sabem língua de sinais. Na igreja os religiosos têm interesse em ensinar língua de sinais (Adolescente masculino, 16 anos). Surdo precisa de tudo: filmes, nos EUA tudo tem sinais (Adolescente feminino, 16 anos).

4 – Normalidade (4)

Acho que [ser surdo] é normal (Adolescente feminino, 15 anos) Pra mim é normal ser surda, cada um tem sua deficiência, seus defeitos dentro desta desigualdade que existe no mundo. Eu estou à vontade (Adolescente feminino, 17 anos) Eu perdi audição e me sinto normal sem vontade de ser ouvinte. Gostaria, já pensei nisso, mas hoje eu acho normal. Me sinto normal, não gostaria de ser ouvinte. (Adolescente masculino, 16 anos) No futuro, eu gostaria de fazer tv, novela, comédia, piadas sobre surdo (Adolescente masculino, 18 anos).

5 – Associações (2)

Eu acho importante as associações porque elas fazem um trabalho diversificado que ajuda os surdos (Adolescente masculino, 17 anos). Eu já fui em algumas associações de surdos e encontrei lá algumas

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coisas ruins, como fofoca. Precisa estar escolhendo com quem conversar, as pessoas que vocês vão conviver, as pessoas precisam estar abertas para convivermos com elas (Adolescente masculino, 17 anos).

6 – INES (15) Eu nasci e desde pequena era única surda. Não tinha amigos, me sentia triste e isolada. Agora no INES estou feliz, encontrei um grupo de surdos que tem sinais, me sinto melhor, mais acolhida em outros lugares (Adolescente feminino, 15 anos). Na TV, na Internet, precisa aprender com surdo e outros países. Surdos do INES podem fazer cursos de teatro, comédia (Adolescente masculino, 15 anos). No INES tem muitos problemas. Tem computador, precisa de Internet, mas tem problemas. O INES é bom, o estudo é forte, mas precisa que os surdos participem mais (Adolescente feminino, 16 anos) Os professores do INES? Alguns são ruins, alguns são bons, alguns são estressados (Adolescente feminino, 16 anos) Alguns [professores do INES] têm paciência de colocar no quadro e explicar, já têm outros que não, a gente fica esperando a explicação. E o professor não explica nada (Adolescente masculino, 17 anos) Alguns [professores do INES] não sabem língua de sinais (Adolescente masculino, 15 anos) Muitos [professores do INES] se aposentam e não são substituídos (Adolescente masculino, 16 anos). Os professores novos [do INES] deveriam ter um curso de sinais antes de começarem a trabalhar. Eles podem fazer o curso de manhã e os outros à tarde ou conversar com a chefia e pedir para remanejar o horário para que dê tempo de todos participarem do curso de sinais (Adolescente feminino, 17 anos) Não adianta participar do grêmio. O grêmio do INES é uma grande mentira (Adolescente masculino, 17 anos) Já fizeram tanta coisa mas nada adiantou. O grêmio continua parado (Adolescente feminino, 16 anos) O grêmio é bom porque é importante, ajuda, foram a passeata junto com os ouvintes, eles gostam (Adolescente masculino, 16 anos) As pessoas falam de um grêmio antigo, participativo, forte, um grêmio de luta, que lutava pelos direitos do surdos (Adolescente feminino, 15 anos) Eu estudava em outra escola em que o grêmio eu participava havia parceria. Quando eu vim pro INES eu percebi que este grêmio na verdade está dormindo. Podia estar lá fora colhendo informações como na verdade um grêmio funciona, podia ir pra Brasília pra poder colher dados de como funciona realmente um grêmio e trazer essa realidade para o INES. Eles não sabem o significado de um grêmio e ficam assim (Adolescente masculino, 18 anos). Eu já liderei vários projetos, já dei várias idéias pra mudar. Lá fora, o grêmio dos ouvintes é mais organizado, eles podiam estar envolvidos

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em lutas verdadeiras e não em besteirol. Isto não é luta, é uma confusão, um entra e sai, as pessoas não são compatíveis, isso não é luta política, se a comida está boa ou ruim. Mas no INES é estranho, eles poderiam se envolver em lutas verdadeiras e não em besteirol (Adolescente masculino, 17 anos). Quando a gente vota em alguém tem de ser alguém verdadeiro, não sei o que acontece, parece que a pessoa muda quando chega lá. Já aconteceu de eu escolher alguém em que nós acreditávamos e que ia ser um bom líder do movimento estudantil, mas não vingou, não deu certo (Adolescente feminino, 17 anos)

7 – Proteção da família (3)

A gente tem muita dificuldade por ser surdo. Os pais não deixam a gente sair, pois têm medo da violência (Adolescente feminino, 17 anos). Meus pais ficam preocupados comigo por isso não me deixam sair (Adolescente feminino, 16 anos). Minha mãe não me deixa sair, eu disfarço e saio assim mesmo. Finjo que vou comprar um biscoito na rua e aproveito para passear. Minha mãe fica com raiva mas ai já era! (Adolescente masculino, 16 anos)

TOTAL 101