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ALTO RISCO SÍSMICO EM LISBOA A inevitabilidade de um sismo em Lisboa, só não se sabendo a data, obriga a reflectir sobre as precauções que tem havido (ou não) na construção. O SOL mostra-lhe as zonas e edifícios mais vulneráveis 3 Pág. 16

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ALTO RISCO

SÍSMICO

EM LISBOA

• A inevitabilidade de um sismoem Lisboa, só não se sabendoa data, obriga a reflectir sobreas precauções que tem havido(ou não) na construção. O SOL

mostra-lhe as zonas e edifíciosmais vulneráveis 3 Pág. 16

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LISBOACIDADE DEALTO RISCO

Sônia [email protected]

O SOL fez uma ronda pela capital,acompanhado por especialistas: em casode sismo, muitos hospitais, escolas e atéministérios não resistirão. E milharesde habitações não estão preparadas.

Quando

ocorrer o prô-i ximo sismo de gran-I des dimensões emI Lisboa - uma certe-z a científica, segun-

do os especialistas,que poderá verificar-

-se um tremor de terra a qualquermomento -, grande parte dos hos-

pitais públicos, escolas e até minis-térios não deverá resistir.

Hospitais como S. José, Capu-chos ou mesmo Santa Maria po-derão ser destruídos por um sis-

mo como o que devastou Lisboaem 1755. «Do ponto de vista sís-

mico, grande parte dos hospi-tais públicos terá uma grandevulnerabilidade» - diz João

Appleton, engenheiro civil espe-cializado em reforço sísmico, res-

ponsável por obras em vários edi-fícios públicos, incluindo escolasintervencionadas pela Parque Es-

colar e o próprio Parlamento. «Es-tes hospitais foram construí-dos muito antes de haver qual-quer regulamentação sísmica.Apenas no Santa Maria foi fei-to um estudo, em que se detec-taram algumas vulnerabilida-des», explica o engenheiro.

Mário Lopes, engenheiro sísmi-

co e professor do Instituto Supe-rior Técnico (IST), acrescentaque, apesar de ter sido projectadonuma época em que não se pensa-va dar resistência sísmica aos edi-

fícios, Santa Maria apresenta«mais resistência do que se es-

perava». «O que, sendo positi-vo, não é suficiente para nosdeixar tranquilos».Escolas em perigoA maioria das escolas públicasnão está em melhor situação.«Apenas as que foram inter-vencionadas pela Parque Esco-lar estão seguras», diz Appleton,que participou nos projectos de 10

estabelecimentos de ensino se-cundário.

Um dos casos mais dramáticos,com uma «vulnerabilidade gra-víssima», é o Liceu Camões, ondeestudaram ilustres personalida-des. «O Camões chegou a ter os

planos de reforço sísmico apro-vados, prontos a pôr em práti-ca, mas as obras nunca avan-çaram», conta o engenheiro civil,lembrando que a «vulnerabili-dade também está relacionadacom a quantidade de pessoasdentro dos edifícios». Por iro-

nia, a escola, cujas obras são ur-gentes, fica ao lado de um dos edi-

fícios mais seguros do país, a re-

cém-inaugurada sede da PolíciaJudiciária.

Mas em situação idêntica estão

vários ministérios, que ocupamvelhos edifícios públicos. «Nuncafoi feita qualquer análise paradeterminar a segurança dos edi-fícios», refere João Appleton.

O QUE FAZERSair logo de casaquando se sente um

sismo, caso haja tempo.

Colocarobjectos pesados pertodo chão e nunca em cimade armários altos.

Fixaros armários às paredespara não caírem.

Cortarautomaticamente o gás, atra-vés de um dispositivo própriocolocado previamente.

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AR e pontes estão segurasJá a Assembleia da República so-

freu, em 2008, obras de reforço naparede da sala das sessões, que re-velara debilidades.

Também as pontes 25 de Abrile Vasco da Gama deverão estar se-

guras: «Foram projectadas pararesistir a vibrações», sintetizaMário Lopes.

Os edifícios públicos são ape-nas uma ponta do icebergue davulnerabilidade de Lisboa e Valedo Tejo a um sismo, que poderámatar entre 17 mil e 27 mil pes-soas, segundo o simulador do La-boratório Nacional de Engenha-ria Civil (LNEC).

Grande parte das habitaçõesprivadas da capital também nãoestá preparada para resistir. O

próprio LNEC alertava, há já cer-ca de 15 anos (ver texto ao lado),para a urgência de obras de refor-ço anti-sísmico das estruturas -um aviso que foi ignorado por to-dos os governos. O actual Execu-tivo, aliás, aprovou em Fevereiro,o chamado 'programa lowcosf dareabilitação urbana, sem incluiressa necessidade. O diploma foientretanto promulgado, em Abril,pelo Presidente da República, ape-sar dos avisos dos especialistas(que o SOL então noticiou).

«A seguir ao terramoto de1755, houve um grande cuida-do. A construção pombalina é

bastante resistente», explica Má-rio Lopes, ressalvando que se refe-re à construção original, com as es-

truturas em gaiola de madeira, dis-

postas em triângulo. «Muitas

vezes, os edifícios sofreramobras posteriores para incluircanalizações, por exemplo, queos debilitaram», avisa o professor.

A verdade é que há poucas cer-

tezas no que diz respeito à segu-

rança das habitações. «Sem umaanálise detalhada, é impossívelter a certeza se uma casa está

segura ou não, a não ser que se

tenha acompanhado a constru-

ção», sustenta o especialista.Mas é possível ter alguns indica-

dores da resistência, ou da sua fal-

ta, pelo tipo de construção. «Quan-do procurei casa, excluí à parti-da casas anteriores aos anos 60,porque foi a partir dessa alturaque o cálculo sísmico se tornouobrigatório», conta Mário Lopes.«Não é garantia nenhuma, masé mais natural que as casas an-teriores a essa data não contem-plem esse tipo de cuidados», ex-

plica. Teve também atenção à es-

trutura. «Mesmo assim, se oempreiteiro tiver usado menosferro do que devia, por exemplo,é insegura. Mas é um bom indi-cador de risco».

Outro aspecto a ter em conta po-derá ser, em certos casos, a altura:

«Os prédios mais baixos, emparticular os de betão com umaqualidade razoável, serão rela-tivamente seguros, uma vez quea resistência que precisam deter para aguentar o seu própriopeso também lhes confere algu-ma resistência a sismos», apon-ta Mário Lopes.

Das gaiolas ao betão armadoA seguir à construção em gaiola,

apareceram os chamados 'gaiolei-ros', edifícios que ainda utilizavama madeira nas construções, massem o mesmo cuidado da sua dis-

posição - ou seja, não utilizando jáas cruzes que conferiam estabili-dade às estruturas de gaiola. «As

ligações entre elementos estru-turais passam a ser menos cui-dadosos», refere Mário Lopes.

Estes edifícios, distintos pela ri-queza decorativa das fachadas,acabariam, no séc. XX, por dar lu-

gar aos chamados edifícios de

transição, com a introdução do

betão. Nessa altura, começou a

usar-se alvenaria de tijolo e betãoem pilares de canto e betão arma-do nas lajes das varandas. São ain-da edifícios inseguros, sobretudodevido ao peso dos pisos e aos di-

ferentes materiais utilizados. E os

edifícios de alvenaria «não têmcuidados do ponto de vista sís-

mico», explica o engenheiro.Nas décadas de 40 e 50, entrou-

-se «no betão armado» - que, naprimeira fase, era ainda de baixaresistência e sem estruturas re-gulares e harmoniosas. Com a re-

gulamentação de 1958, começama ser observadas condições de se-

gurança sísmica nas construções.Mas mesmo em relação aos edi-

fícios desta época é preciso ter cui-

dado, avisa Mário Lopes, pois «nãohá fiscalização eficiente e a fal-ta de resistência não se nota anão ser quando há sismos». «Porisso, o cidadão fica exposto a ris-cos que não conhece e que pode-riam ser muito inferiores».

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# PRÉDIOS DÊ COLUNASEncontram-se nas avenidas do Brasil,dos EUA e Infante Santo: edifícios já de

betão armado, mas em que o piso térreofoi vazado para albergar lojas,tornando-se perigosos

# EDIFÍCIOS 'GAIOLEIROS'0 nome pejorativo vem da época seguinteà da construção pombalina: usou-semadeira mas não as estruturas de 'gaiola'.Há muitos nas avenidas novas, alguns de

fachada artdéco

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LNEC alertoupara perigo

Em 2001, o LaboratórioNacional de EngenhariaCivil avisou que era ne-cessário reforçar as cons-truções contra os sismos.

O Laboratório Nacional de Enge-nharia Civil (LNEC) alertava, em2001, no relatório Redução da Vul-nerabilidade Sísmica do Edifica-do, enviado a todos os partidos,grupos parlamentares e váriosministérios: «Portugal está nes-te momento a lançar um con-junto de operações de reabili-tação urbana e é Importanteque aí se incluam também osaspectos de reabilitação sísmi-ca das construções».

Fonte do gabinete do Secretáriode Estado do Ordenamento do

Território e da Conservação da

Natureza, Miguel Castro Neto, ga-rantiu, em Março, quando ques-tionada pelo SOL, que o LNEC foiuma das entidades que integra-ram a comissão redactora do

novo 'pacote low cosf para a rea-bilitação urbana. Esta legislação,porém, não prevê a necessidadede se fazer o reforço sísmico emedifícios reabilitados - o que mo-tivou uma carta aberta ao Presi-dente da República de 13 especia-listas em engenharia sísmica, devárias universidades e institui-ções, incluindo o LNEC.

No documento de 2001, o LNECsalientava ainda: «A reabilita-ção do parque construído po-

derá de facto contribuir para aefectiva diminuição da expo-sição das populações ao riscosísmico e assegurará tambémuma melhor salvaguarda dasconstruções existentes, aspec-to importante nos casos em queessas construções façam partedo nosso património cultural».

Camará fiscaliza edifíciosO organismo tutelado pelo Go-verno justificava então a sua po-sição com a necessidade de pre-venção: «Como os recentes sis-mos continuam a mostrar,temos que nos preparar, refor-çando as construções vulnerá-veis ou tomando medidas paraa sua eliminação programada,nos casos em que essa seja amelhor opção». E acrescentava:«Se não o fizermos, corremossério risco de ser confronta-dos no futuro com um desas-tre de grande dimensão, querem termos de perdas humanascomo económicas».

Apesar do 'programa low cosfdo Governo, a Câmara Municipalde Lisboa está a começar a tomaralgumas medidas para tentar mi-tigar o risco. Nomeadamente, aautarquia está a preparar acçõesde fiscalização a edifícios muni-cipais e, a médio prazo, pretendeabranger as residências privadas,que serão inspeccionadas paramedir a vulnerabilidade em casode sismo.

A medida tem objectivos seme-

lhantes aos de um projecto apresen-tado por António Proa, deputadodo PSD, que previa medir a vulne-rabilidade sísmica em edifícios aser intervencionados. «Tentar mi-nimizar o risco», disse na época o

deputado, «tem que ver com osentido ético da política». O pro-jecto, porém, não teve acolhimen-to na Assembleia da República.

Condenados por tranquilizarfalsamente' cidadãosEm Aquila, Itália, a questão da

responsabilidade dos políticoschegou à barra dos tribunais, nasequência da morte de 300 pessoasdevido a um sismo de 6,3 na esca-

la de Richter, em 2009.

Na altura, o tribunal de Aquilaconsiderou sete arguidos culpadosde homicídio involuntário, por te-

rem «falsamente» tranquilizadoos habitantes antes do sismo. Ossete réus, todos membros da Co-missão Nacional de Previsão e Pre-

venção de Grandes Riscos, foramconsiderados culpados de forne-cer informação «incorrecta, in-completa e contraditória» sobre

o perigo dos tremores sentidos an-tes do principal abalo - o que terãofeito a pedido do Governo.

Cientistas de todo o mundo sur-giram em sua defesa, garantindoque os abalos não estariam direc-tamente relacionados com o sis-

mo principal e que é impossívelprever um tremor de terra.S.B.