sistema de educaÇÃo: subsÍdios para a conferÊncia nacional de educaÇÃo
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Autor: Dermeval Saviani - 31 páginasO objetivo desse trabalho é apresentar subsídios para os eventos preparatórios que se desenrolarão ao longo deste ano de 2009 tendo em vista a realização da Conferência Nacional de Educação em 2010. Tendo presente esse objetivo este texto reúne elementos desenvolvidos pelo autor em trabalhos anteriores, especificamente no livro “Educação brasileira: estrutura e sistema” (SAVIANI, 2008a), no artigo “Estruturalismo e educação brasileira” (SAVIANI, 2007) e no trabalho “Sistema nacional de educação: conceito, papel histórico e obstáculos para a sua construção no Brasil”.TRANSCRIPT
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SISTEMA DE EDUCAO: SUBSDIOS PARA A CONFERNCIA NACIONAL DE
EDUCAO1
Dermeval Saviani2
O objetivo desse trabalho apresentar subsdios para os eventos preparatrios que se
desenrolaro ao longo deste ano de 2009 tendo em vista a realizao da Conferncia Nacional de
Educao em 2010. Tendo presente esse objetivo este texto rene elementos desenvolvidos pelo autor
em trabalhos anteriores, especificamente no livro Educao brasileira: estrutura e sistema
(SAVIANI, 2008a), no artigo Estruturalismo e educao brasileira (SAVIANI, 2007) e no trabalho
Sistema nacional de educao: conceito, papel histrico e obstculos para a sua construo no Brasil,
apresentado em 2008 na 31 Reunio Anual da ANPEd que, por sua vez, incorporou, ampliando-o, o
artigo Desafios da construo de um sistema nacional articulado de educao (SAVIANI, 2008b).
Considerando que a tarefa principal da Conferncia Nacional de Educao diz respeito
construo de um sistema nacional de educao no Brasil e tendo em vista as imprecises e confuses
que tm marcado o uso do termo sistema no campo educacional, considero conveniente comear pela
discusso da prpria noo de sistema seguida da noo de estrutura que lhe correlata. Feita essa
incurso preliminar abordarei o significado da expresso sistema educacional a partir de sua
configurao histrica. Na seqncia, aps destacar o relevante papel que a organizao dos sistemas
nacionais de ensino desempenhou na histria da educao nos ltimos dois sculos, tratarei dos
obstculos para a construo do sistema nacional de educao no Brasil, desdobrando-os em quatro
espcies: os obstculos econmicos, traduzidos na tradicional e persistente resistncia manuteno do
ensino pblico; os obstculos polticos, expressos na descontinuidade das iniciativas de reforma da
educao; os obstculos filosfico-ideolgicos representados pelas idias e interesses contrrios ao
sistema nacional de educao; e os obstculos legais, correspondentes resistncia aprovao de uma
legislao que permita a organizao do ensino na forma de um sistema nacional em nosso pas. Por
fim abordarei alguns aspectos relativos aos problemas e perspectivas suscitados pela retomada do tema
da construo do sistema nacional de educao no contexto brasileiro atual.
1 Texto organizado a pedido da Assessoria do MEC para servir de subsdio s discusses preparatrias da Conferncia Nacional de Educao. 2 Professor Emrito da UNICAP e Coordenador Geral do HISTEDBR.
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1. Sobre a noo de sistema
Embora o termo sistema seja de uso corrente em diferentes contextos dando a impresso de
que se trata de algo previamente dado que ns podemos identificar externamente, preciso ter presente
que o sistema no um dado natural, mas , sempre, um produto da ao humana. Se ns procedermos
a uma anlise da estrutura do homem3, vamos concluir que a realidade humana se encontra demarcada
pelo trinmio situao-liberdade-conscincia. A existncia humana , pois, um processo de
transformao que o homem exerce sobre o meio, ou seja, o homem um ser-em-situao, dotado de
conscincia e liberdade, agindo no mundo, com o mundo e sobre o mundo. Na maior parte do tempo as
aes humanas se desenvolvem normalmente, espontaneamente, ao nvel, portanto, da conscincia
irrefletida, at que algo interrompe seu curso e interfere no processo, alterando sua seqncia natural.
A, ento, o homem obrigado a se deter e examinar, a procurar descobrir o que esse algo que,
normalmente, ns nomeamos com a palavra problema. A partir desse momento ele comea a refletir,
isto , ele tematiza a realidade, voltando-se intencionalmente para ela a fim de compreend-la tendo em
vista resolver os problemas que interromperam o curso de sua ao vital. Em conseqncia, a atividade
anterior, de carter espontneo, natural, assistemtico substituda por uma atividade intencional,
refletida, sistematizada. Conseqentemente, possvel ao homem sistematizar porque ele capaz de
assumir perante a realidade uma postura tematizadamente consciente. Portanto, a condio de
possibilidade da atividade sistematizadora a conscincia refletida. ela que permite o agir
sistematizado, cujas caractersticas bsicas podem ser assim enunciadas:
a) Tomar conscincia da situao;
b) Captar os seus problemas;
c) Refletir sobre eles;
d) Formul-los em termos de objetivos realizveis;
e) Organizar meios para atingir os objetivos propostos;
f) Intervir na situao, pondo em marcha os meios referidos;
g) Manter ininterrupto o movimento dialtico ao-reflexo-ao, j que a ao sistematizada
exatamente aquela que se caracteriza pela vigilncia da reflexo.
Ora, percebe-se facilmente, pelas notas mencionadas, que a atividade sistematizadora envolve
toda a estrutura do homem nos seus trs elementos (situao, liberdade e conscincia).
O ato de sistematizar, uma vez que pressupe a conscincia refletida, um ato intencional. Isto
significa que, ao realiz-lo, o homem mantm em sua conscincia um objetivo que lhe d sentido; em
3 Empreendi essa anlise no livro Educao brasileira: estrutura e sistema (SAVIANI, 2008a, p. 35-69).
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outros termos, trata-se de um ato que concretiza um projeto prvio. Este carter intencional no basta,
entretanto, para definir a sistematizao. Esta implica tambm uma multiplicidade de elementos que
precisam ser ordenados, unificados, conforme se depreende da origem grega da palavra sistema:
reunir, ordenar, coligir. Sistematizar , pois, dar, intencionalmente, unidade multiplicidade. E o
resultado obtido, eis o que se chama sistema. Este , ento, produzido pelo homem a partir de
elementos que no so produzidos por ele, mas que a ele se oferecem na sua situao existencial. E
como esses elementos, ao serem reunidos, no perdem sua especificidade, o que garante a unidade a
relao de coerncia que se estabelece entre os mesmos. Alm disso, o fato de serem reunidos num
conjunto no implica que os elementos deixem de pertencer situao objetiva em que o prprio
homem est envolvido; por isso, o conjunto, como um todo, deve manter tambm uma relao de
coerncia com a situao objetiva referida.
Da se conclui que as seguintes notas caracterizam a noo de sistema:
a) Intencionalidade;
b) Unidade;
c) Variedade;
d) Coerncia interna;
e) Coerncia externa.
Ora, v-se por a, a estrutura dialtica que caracteriza a noo de sistema: intencionalidade
implica os pares antitticos sujeito-objeto (o objeto sempre algo lanado diante de um sujeito) e
conscincia-situao (toda conscincia conscincia de alguma coisa); a unidade se contrape
variedade, mas tambm se compe com ela para formar o conjunto; e a coerncia interna, por sua vez,
s pode se sustentar desde que articulada com a coerncia externa, pois, em caso contrrio, ser mera
abstrao. Por descuidar do aspecto da coerncia externa que os sistemas tendem a se desvincular do
plano concreto esvaziando-se em construes tericas.
Podemos, enfim, concluir as observaes sobre a noo de sistema enfeixando-as na seguinte
conceituao: Sistema a unidade de vrios elementos intencionalmente reunidos de modo a formar
um conjunto coerente e operante.
A simples leitura revela que nessa definio esto contidos todos os caracteres bsicos que
compem a noo de sistema. Foi necessrio acrescentar o termo operante para se evitar que a
coerncia fosse reduzida apenas coerncia interna. Na verdade, um sistema se insere sempre num
conjunto mais amplo do que ele prprio; e a sua coerncia em relao situao de que faz parte
(coerncia externa) se exprime precisamente pelo fato de operar intencionalmente transformaes sobre
ela. Com efeito, se o sistema nasce da tomada de conscincia da problematicidade de uma situao
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dada, ele surge como forma de superao dos problemas que o engendraram. E se ele no contribuir
para essa superao ele ter sido ineficaz, inoperante, ou seja, incoerente do ponto de vista externo. E
tendo faltado um dos requisitos necessrios (a coerncia externa) isso significa que, rigorosamente
falando, ele no ter sido um sistema.
2. Sobre a noo de estrutura
O termo estrutura, da mesma forma que sistema, tambm se refere a conjunto de elementos;
por isso, muitas vezes, ambos so usados como sinnimos. Para evitar ambigidades cumpre, no
entanto, distingui-los.
O termo estrutura originou-se do verbo latino struere. A esse verbo atribudo
correntemente o significado de construir. Esse sentido aceito sem objees tanto entre os leigos
como nos crculos especializados. Tal fato dispensa os estudiosos de um exame mais detido do
significado etimolgico do termo, o que pode ser ilustrado pela frase com a qual Bastide (1971, p.2)
introduz o exame dos diferentes itinerrios percorridos pela palavra estrutura no vocabulrio
cientfico: Sabemos que a palavra estrutura vem do latim structura, derivada do verbo struere,
construir.
V-se, por a, que estrutura significaria construo, o que j abre margem para uma
duplicidade de sentido tambm mencionada pelo prprio Bastide: a de modelo e concreto, de relaes
latentes e relaes reais, e esta oposio encontra-se em todas as disciplinas [...] (idem, ibidem, p.11).
De fato, construo pode indicar tanto o modo como algo construdo (o que sugere a idia de
paradigma ou modelo) como a prpria coisa construda (e a estrutura se confunde, ento, com a
realidade mesma). Um exame mais detido da origem etimolgica revela, contudo, que a interpretao
anterior suscetvel de certos reparos, uma vez que, alm de struo encontram-se em latim os verbos
construo, destruo, instruo. Isso indica que struo a raiz a partir da qual se podem compor
outros vocbulos de significados diferentes e at antinmicos, na medida em que se acrescenta esse ou
aquele prefixo. Indica, ainda, que construo deriva diretamente de construo e no de struo, o
que lana dvidas em relao identificao entre estrutura e construo sugerindo a idia de que essa
interpretao um tanto apressada e superficial, hiptese que talvez permita explicar boa parte das
confuses relativas ao termo em questo.
Sendo um termo-raiz, struo (assim como structura) no possui um sentido preciso e
suscetvel de ser caracterizado de imediato e a priori. Seu uso na lngua latina, como se pode inferir
do manuseio dos dicionrios e enciclopdias, sugere um significado cuja preciso se instaura em
funo dos contextos em que utilizado. Variando os contextos, variar, conseqentemente, o sentido
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do termo. Assim, se possvel dizer de imediato e a priori que construo se ope a destruo, o
mesmo no ocorre com struo (FORCELLINI, 1940, vol. IV, p. 509)4; este no se ope nem se
identifica aos termos anteriores a no ser quando considerado em funo de determinado contexto. Isso
permite compreender ao mesmo tempo a polissemia e a respectiva difuso do termo estrutura bem
como suas imprecises e confuses.
As observaes feitas permitem concluir que estrutura a matriz fundamental a partir da qual
ou em funo da qual so construdos os modelos. Em outros termos: possvel construir modelos cuja
funo permitir conhecer da maneira mais precisa possvel as estruturas, pondo em evidncia os
respectivos elementos e o modo como estes se relacionam entre si; e possvel, tambm, a partir do
conhecimento das estruturas, construir modelos que permitam tanto a modificao das estruturas
existentes como a formao de novas estruturas. A noo de estrutura no coincide, pois, com a de
modelo (no importando, no caso, se se trata de modelos de conhecimento ou de modelos de ao).
Considerando-se que estrutura origina-se de struo, o substantivo correspondente derivado
de construo seria construtura. Como tal palavra no utilizada, o contedo que lhe corresponde
acaba, por extenso, sendo designado tambm pelo termo estrutura.
interessante notar, porm, que a cincia acabou por cunhar o termo constructo, este sim
diretamente derivado do supino do verbo construo. Ora, os constructos so modelos cuja funo
permitir conhecer as estruturas o/ou agir sobre elas.
Conclui-se, ento, que a palavra estrutura designa primria e originariamente totalidades
concretas em interao com seus elementos que se contrapem e se compem entre si dinamicamente.
Nesse sentido, estrutura ope-se a constructo ou modelo. Este decorre do modo de existir do
homem, ser concreto, que, por necessidade de compreender a realidade da qual faz parte, constri
esquemas explicativos dessa mesma realidade.
3. As noes de estrutura e sistema na educao
Os termos estrutura e sistema, como j se assinalou, so utilizados com significados
intercambiveis entre si, do que decorre, na educao, o uso das expresses estrutura educacional e
sistema educacional com significados mais ou menos equivalentes. Repete-se aqui o mesmo
fenmeno que se constata em outros setores do conhecimento nos quais, por exemplo, estrutura
social e sistema social, estrutura econmica e sistema econmico etc., assume sentidos
intercambiveis. Isso se evidencia no prprio Lvi-Strauss, que denomina estruturas de parentesco ao
4 Conferir, especialmente, os verbetes structura e struo. No Lexicon totius latinitatis Forcellini indica os seguintes sinnimos de struo: exstruo, construo, instruo, obstruo e moveo.
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mesmo fenmeno que recebera de Morgan a denominao sistemas de parentesco (BASTIDE, 1971,
p. 4).
Se existe uma certa sinonmia entre os vocbulos estrutura e sistema, interessante notar
que, enquanto nos demais contextos predomina a palavra estrutura, no contexto educacional a
preferncia conferida ao termo sistema. Mas preciso reconhecer a presena do termo estrutura
em vrias expresses como ocorre, por exemplo, na denominao da disciplina estrutura e
funcionamento do ensino. Nesse caso tambm no se explicita de modo claro o significado de
estrutura. Todavia, a contraposio com funcionamento sugere a analogia com a biologia.
Estrutura indicaria a anatomia do ensino (os rgos que o constituem, suas caractersticas bsicas);
funcionamento, a fisiologia do ensino (o modo como funcionam os diversos rgos que constituem o
ensino). Passa-se, ento, a falar tambm em estrutura do sistema educacional, o que acaba por
aumentar as confuses. Com efeito, expresses como estrutura do ensino superior e sistema de
ensino superior equivalem-se? Uma vez que se fala em estrutura do ensino superior e em estrutura
do sistema de ensino superior, o que que a palavra sistema acrescenta que no est contido no
significado da expresso anterior? Poder-se- multiplicar as questes propostas pondo em evidncia
exaustivamente a confuso existente entre estrutura e sistema no emprego corrente dessas palavras
no contexto educacional. Cumpre, pois, demarcar mais claramente a distino entre esses dois termos.
A estrutura implica a prpria textura da realidade; indica a forma como as coisas se entrelaam
entre si, independentemente do homem e, s vezes, envolvendo o homem (como no caso das estruturas
sociais, polticas, econmicas, educacionais etc.). O sistema, em contrapartida, implica uma ordem que
o homem impe realidade. Entenda-se, porm: no se trata de criar a realidade. O homem sofre a
ao das estruturas, mas, na medida em que toma conscincia dessa ao, ele capaz de manipular a
sua fora agindo sobre a estrutura de modo a lhe atribuir um sentido.
Parafraseando um dito de Sartre (1968, p. 117) numa de suas famosas polmicas com o
estruturalismo dir-se-ia: o que foi feito do homem so as estruturas; o que ele faz (daquilo que fizeram
dele) o sistema.
V-se, pois, que enquanto a estrutura implica inintencionalidade (no nvel da prxis coletiva),
o sistema implica intencionalidade. No se deve, porm, inferir, da, que sistema se indentifica
com modelo ou constructo situando-o num plano exclusivamente terico. Sistema uma
organizao objetiva resultante da atividade sistematizadora que se dirige realizao de objetivos
coletivos. , pois, um produto da prxis intencional coletiva. Prxis (SNCHEZ VZQUEZ, 1975,
parte 2, caps. I, II e III) entendida aqui como uma atividade humana prtica fundamentada
teoricamente. Tal conceito implica, ento, uma unidade dialtica entre teoria e prtica, o que significa
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que se trata de uma atividade cujos objetivos no se realizam apenas subjetivamente; ao contrrio,
trata-se de resultados que se manifestam concretamente.
O produto intencional e concreto de uma prxis intencional coletiva, eis o que est sendo
denominado sistema. V-se, pois, que a teoria no faz o sistema; ela apenas uma condio
necessria para que ele se faa. Quem faz o sistema so os homens quando assumem a teoria na sua
prxis. E quem faz o sistema educacional so os educadores quando assumem a teoria na sua prxis
educativa, isto , quando a sua prtica educativa orientada teoricamente de modo explcito.
Feitos esses esclarecimentos preliminares podemos, agora, compreender o significado da
expresso estrutura do sistema educacional. Uma vez que o sistema educacional se configura como
uma organizao objetiva, concreta, ele possui uma estrutura. Lanando mo de um jogo de palavras,
dir-se-ia, pois, que, enquanto a estrutura se apresenta como um sistema que o homem no fez (ou fez
sem o saber), o sistema pode ser comparado a uma estrutura que o homem faz e sabe que o faz. Note-
se que no segundo caso o verbo foi utilizado no presente e no foi por acaso; preciso atuar de modo
sistematizado no sistema educacional; caso contrrio, ele tender a distanciar-se dos objetivos
humanos, caracterizando-se, agora sim, especificamente como estrutura (resultado coletivo
inintencional de prxis intencionais individuais). Este risco particularmente evidente no fenmeno
que vem sendo chamado de burocratismo. Este consiste em que, a um novo processo, se apliquem
mecanicamente formas extradas de um processo anterior.
4. O sistema educacional como produto da educao sistematizada
Levando-se em conta a estrutura do homem caracterizada pelo trinmio situao-liberdade-
conscincia, constatamos que a educao, enquanto fenmeno, se apresenta como uma comunicao
entre pessoas livres em graus diferentes de maturao humana, numa situao histrica determinada; e
o sentido dessa comunicao, a sua finalidade o prprio homem, quer dizer, sua promoo.
A educao, assim considerada, encontrada em todas as sociedades: de maneira simples e
homognea, nas comunidades primitivas; de modo complexo e diversificado, nas sociedades atuais.
Aparece de forma difusa e indiferenciada em todos os setores da sociedade: as pessoas se comunicam
tendo em vista objetivos que no o de educar e, no entanto, educam e se educam. Trata-se, a, da
educao assistemtica; ocorre uma atividade educacional, mas ao nvel da conscincia irrefletida, ou
seja, concomitantemente a uma outra atividade, esta sim, desenvolvida de modo intencional. Quando
educar passa a ser objeto explcito da ateno, desenvolvendo-se uma ao educativa intencional, ento
tem-se a educao sistematizada. O que determina a passagem da primeira para a segunda forma o
fato de a educao aparecer ao homem como problemtica; ou seja: quando educar se apresenta ao
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homem como algo que ele precisa fazer e ele no sabe como faz-lo. isto o que faz com que a
educao ocupe o primeiro plano na sua conscincia, que ele se preocupe com ela e reflita sobre ela.
Assim, a educao sistematizada, para ser tal, dever preencher os requisitos apontados em
relao atividade sistematizadora em geral. Portanto, o homem capaz de educar de modo
sistematizado quando:
a) Toma conscincia da situao (estrutura) educacional;
b) Capta os seus problemas;
c) Reflete sobre eles;
d) Formula-os em termos de objetivos realizveis;
e) Organiza meios para alcanar os objetivos;
f) Instaura um processo concreto que os realiza;
g) Mantm ininterrupto o movimento dialtico ao-reflexo-ao.
O ltimo requisito (g) resume todo o processo, sendo condio necessria para garantir sua
coerncia, bem como sua articulao com processos ulteriores. Pois o modo de existncia do homem
tal que uma prxis que se estrutura em funo de determinado(s) objetivo(s) no se encerra com a sua
realizao, mas traz a exigncia da realizao de novos objetivos, projetando-se numa nova prxis (que
s nova pelo que acrescenta anterior e porque a pressupe; na realidade prolonga-a num processo
nico que se insere na totalidade do existir).
Ora, assim como o sistema um produto da atividade sistematizadora, o sistema educacional
resultado da educao sistematizada. Isso implica que no pode haver sistema educacional sem
educao sistematizada, embora seja possvel esta sem aquele. Isso porque ns podemos ter educadores
que, individualmente, desenvolvem educao sistematizada preenchendo todos os requisitos antes
apontados. O sistema, porm, ultrapassa os indivduos. Estes podem agir de modo intencional visando,
contudo, objetivos diferentes e at opostos. Estas aes diferentes ou divergentes levaro, verdade, a
um resultado coletivo; este no ter, contudo, um carter de sistema, mas de estrutura,
configurando-se como resultado comum inintencional de um conjunto de prxis individuais
intencionais.
Mas o sistema j que implica em intencionalidade dever ser um resultado intencional de
uma prxis tambm intencional. E como as prxis intencionais individuais conduzem a um produto
comum inintencional, o sistema educacional dever ser o resultado de uma atividade intencional
comum, isto , coletiva. Mas como se poder passar da atividade intencional individual atividade
intencional comum? aqui que entra o papel da teoria. Sem uma teoria educacional ser impossvel
uma atividade educativa intencional coletiva. Com efeito, o homem comum, imerso no cotidiano,
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incapaz de ultrapassar o domnio do prtico-utilitrio para perceber as implicaes e conseqncias de
sua prpria atividade prtica. A conscincia que tem da prxis , mesmo, um obstculo ao
intencional comum, uma vez que o leva a desprezar a teoria. Para ele, a prtica se basta a si mesma; se
surgem problemas, a prpria prtica j apresenta um repertrio satisfatrio de solues. A atividade
terica o no-prtico, portanto, intil; mais ainda: o antiprtico, pois introduz complicaes, altera a
seqncia natural dos acontecimentos, quebra a rotina, causa transtornos.
Em suma, para se ter um sistema educacional que evidentemente dever preencher os trs
requisitos mencionados, a saber: intencionalidade (sujeito-objeto), conjunto (unidade-variedade),
coerncia (interna-externa) preciso acrescentar s condies impostas atividade sistematizadora
(educao sistematizada), esta outra exigncia: a formulao de uma teoria educacional. Reduzindo-se
os requisitos da educao sistematizada a dois pontos fundamentais pode-se, enfim, determinar as
condies bsicas para a construo de um sistema educacional numa situao histrico-geogrfica
determinada; so elas:
a) Conscincia dos problemas da situao;
b) Conhecimento da realidade (as estruturas);
c) Formulao de uma pedagogia
A conscincia dos problemas um ponto de partida necessrio para se passar da atividade
assistemtica sistematizao; do contrrio, aquela satisfaz, no havendo razo para ultrapass-la.
Contudo, captados os problemas, eles exigiro solues; e como os mesmos resultaram das estruturas
que envolvem o homem, surge a necessidade de conhec-las do modo mais preciso possvel, a fim de
mud-las; para esta anlise das estruturas, as cincias sero um instrumento indispensvel. A
formulao de uma pedagogia (teoria educacional) integrar tanto os problemas como os
conhecimentos (ultrapassando-os) na totalidade da prxis histrica na qual recebero o seu pleno
significado humano. A teoria referida dever, pois, indicar os objetivos e meios que tornem possvel a
atividade comum intencional.
5. Significado histrico da expresso sistema educacional
O desenvolvimento da sociedade moderna corresponde ao processo em que a educao passa do
ensino individual ministrado no espao domstico por preceptores privados para o ensino coletivo
ministrado em espaos pblicos denominados escolas. Assim, a educao sistematizada prpria das
instituies escolares tende a se generalizar impondo, em conseqncia, a exigncia de se sistematizar
tambm o funcionamento dessas instituies dando origem aos sistemas educacionais organizados pelo
poder pblico. Nessas condies, a partir segunda metade do sculo XIX a emergncia ou consolidao
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dos Estados nacionais se fez acompanhar da implantao dos sistemas nacionais de ensino nos
diferentes pases.
O fenmeno dos sistemas nacionais de ensino generalizou, na educao, o uso do termo sistema
que se configurou como uma espcie de termo primitivo no carecendo, pois, de definio. Da sua
polissemia com as imprecises e confuses decorrentes, o que nos impe a exigncia de examinar,
preliminarmente, o significado da expresso sistema educacional.
Na base do uso difuso do conceito de sistema na educao est, como j se mostrou, a noo de
que o termo sistema denota conjunto de elementos, isto , a reunio de vrias unidades formando um
todo. Da a assimilao do conceito de sistema educacional a conjunto de unidades escolares ou de rede
de instituies de ensino. Assim, normalmente quando se fala em sistema pblico de ensino, o que
est em causa o conjunto das instituies pblicas de ensino; quando se fala em sistema particular de
ensino, trata-se da rede de escolas particulares; ao se falar em sistema superior de ensino, sistema de
ensino profissional, sistema de ensino primrio, igualmente a referncia so as redes de escolas
superiores, profissionais ou primrias e assim por diante.
De fato, os exemplos mencionados j indicam outra fonte de equvoco que diz respeito aos
critrios de classificao dos diferentes aspectos ou partes constitutivas do sistema, o que pode ser
evidenciado pelos seguintes exemplos:
a) Do ponto de vista da entidade administrativa, o sistema educacional pode ser
classificado em: federal, estadual, municipal, particular, etc.;
b) Do ponto de vista do padro, em: oficial, oficializado ou livre;
c) Do ponto de vista do grau de ensino, em: primrio, mdio, superior;
d) Do ponto de vista da natureza do ensino, em: comum ou especial;
e) Do ponto de vista do tipo de preparao, em: geral, semi-especializado, ou
especializado;
f) Do ponto de vista dos ramos de ensino, em: comercial, industrial, agrcola, etc.
Da derivam expresses como: sistema geral de educao, sistema federal de ensino,
sistema oficial, sistema pblico, sistema escolar, etc. Na verdade, porm, o uso dessas expresses
imprprio; um exame mais detido revelar que, em todos esses casos, se trata propriamente do
sistema educacional, considerado sob este ou aquele prisma, nesse ou naquele aspecto.
Mas preciso considerar que, para l dessas acepes, o termo sistema denota um conjunto de
atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade. E isso implica que as referidas
atividades so organizadas segundo normas decorrentes dos valores que esto na base da finalidade
preconizada. Assim, sistema implica organizao sob normas prprias (o que lhe confere um elevado
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grau de autonomia) e comuns (isto , que obrigam a todos os seus integrantes). Ora, os cursos livres so
tais exatamente porque no se subordinam s normas gerais e comuns. Dessa maneira, os cursos livres,
por definio, esto fora do sistema educacional. Logo, no parece adequado classificar o sistema
educacional como oficial, oficializado ou livre. V-se que falar em sistema livre de educao seria
uma forma de se referir ao conjunto das escolas livres, isto , aquelas escolas que no se subordinam s
normas definidas pelo sistema educacional e que, conseqentemente, regulam o funcionamento de
todas as escolas que o integram. Fica evidente, a, a contradio, pois sistema livre de educao
significa o conjunto das escolas que no integram o sistema educacional, o que pe em evidncia de
forma cristalina o carter equvoco do uso corrente na noo de sistema.
No podemos perder de vista, ainda, que nas sociedades modernas a instncia dotada de
legitimidade para legislar, isto , para definir e estipular normas comuns que se impem a toda a
coletividade, o Estado. Da que, a rigor, s se pode falar em sistema, em sentido prprio, na esfera
pblica. Por isso as escolas particulares integram o sistema quando fazem parte do sistema pblico de
ensino, subordinando-se, em conseqncia, s normas comuns que lhe so prprias. Assim, s por
analogia que se pode falar em sistema particular de ensino. O abuso da analogia resulta responsvel
por boa parte das confuses e imprecises que cercam a noo de sistema, dando origem a expresses
como sistema pblico ou particular de ensino, sistema escolar etc. Ora, a expresso sistema pblico de
educao pleonstica porque o sistema de ensino s pode ser pblico. J a expresso sistema
particular de ensino contraditria porque as entidades privadas no tm o poder de instituir sistemas
educacionais. Em verdade, a atitude que tem prevalecido entre os educadores em geral e especialmente
entre os legisladores tem sido a de evitar a questo relativa ao esclarecimento preciso do conceito de
sistema, considerando-o como algo constantemente referido, mas cujo sentido permanece sempre
implcito, supostamente compreendido, mas jamais assumido explicitamente.
At a atual LDB, aprovada em 20 de dezembro de 1996, havia no Brasil apenas duas
modalidades de sistemas de ensino: o sistema federal, que abrangia os territrios federais e tinha carter
supletivo em relao aos estados; e os sistemas estaduais e do distrito federal. Nesse contexto as
escolas de educao bsica, pblicas e particulares, integravam os respectivos sistemas estaduais. J as
escolas superiores, pblicas e particulares, integravam o sistema federal subordinando-se, pois, s
normas fixadas pela Unio. Nesse ltimo caso a legislao admitia a possibilidade do sistema federal
delegar aos sistemas estaduais a jurisdio sobre as escolas superiores, desde que se tratasse de Estado
com tradio consolidada no mbito do ensino superior.
Cabe observar que as dificuldades em relao a esse tema decorrem j do prprio texto
constitucional. Tudo indica que os constituintes procederam nesse assunto segundo aquela atitude
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acima descrita, pressupondo tacitamente o significado de sistema, mas sem compreend-lo de forma
rigorosa e clara. Com isso, inadvertidamente, introduziram no texto, por analogia, o conceito de
sistema municipal de ensino.
Ora, a prpria Constituio, ao prescrever no art. 22, inciso XXIV, que compete privativamente
Unio legislar sobre diretrizes e bases da educao nacional; que compete Unio, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educao, cultura, ensino e desporto (art.24, inciso
IX); e que competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios
proporcionar os meios de acesso cultura, educao e cincia (art. 23, inciso V), no estendeu aos
Municpios a competncia para legislar em matria de educao. Portanto, no tendo autonomia para
baixar normas prprias sobre educao ou ensino, os Municpios estariam constitucionalmente
impedidos de instituir sistemas prprios, isto , municipais, de educao ou de ensino. No obstante, o
texto constitucional deixa margem, no art. 211, para que se possa falar em sistemas de ensino dos
Municpios quando estabelece que a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios
organizaro, em regime de colaborao, os seus sistemas de ensino.
Como interpretar esse dispositivo? Estaria ele afirmando claramente a competncia dos
Municpios para instituir os respectivos sistemas de ensino? Mas ento, por que no se estendeu aos
Municpios, de forma explcita, a competncia para legislar em matria de educao?
Observe-se que nessa passagem da Constituio Federal no aparece a expresso os
respectivos sistemas de ensino, mas os seus sistemas de ensino. Ora, o adjetivo respectivos denota
univocamente de cada um enquanto que a palavra seus pode significar tanto de cada um como
deles, isto , os sistemas de ensino da Unio, Estados e Municpios.
Ser que, no citado artigo 211, o acento deve ser posto na competncia individual de cada ente
federativo ou no regime de colaborao entre eles? Ou seja: o plural sistemas de ensino deve ser lido
como significando que cada um organiza o respectivo sistema de ensino ou estaria significando que a
organizao dos sistemas de ensino pressupe sempre a colaborao entre os vrios entes federados?
Assim, no Distrito Federal, que no constitudo por municpios, a organizao do sistema de ensino
implicaria apenas a colaborao entre a Unio e o Distrito Federal. J nos Estados essa organizao
envolveria a colaborao entre a Unio, o Estado e os seus municpios.
Por outro lado, como j foi salientado, o termo sistema utilizado em educao de forma
equvoca assumindo, pois, diferentes significados. Ao que tudo indica o artigo 211 da Constituio
Federal de 1988 estaria tratando da organizao das redes escolares que, no caso dos municpios,
apenas por analogia so chamadas a de sistemas de ensino. Com efeito, sabe-se que muito comum a
utilizao do conceito de sistema de ensino como sinnimo de rede de escolas. Da falar-se em sistema
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estadual, sistema municipal, sistema particular, etc., isto , respectivamente, rede de escolas
organizadas e mantidas pelos Estados, pelos Municpios ou pela iniciativa particular. Obviamente, cabe
aos Municpios manter escolas, em especial de educao infantil e de ensino fundamental o que, alis,
est prescrito expressamente no inciso VI do artigo 30 da Constituio Federal de 1988: compete aos
Municpios: VI manter, com a cooperao tcnica e financeira da Unio e do Estado, programas de
educao pr-escolar e de ensino fundamental. de se notar, por outro lado, que no consta desse
artigo 30 que trata das competncias dos Municpios, a prerrogativa de legislar sobre educao,
cultura, ensino e desporto como ocorre com a Unio, Estados e Distrito Federal. Portanto, numa
interpretao estrita do que est expresso no texto da Constituio Federal em vigor, os Municpios no
disporiam da faculdade de instituir sistemas prprios de ensino j que isto entraria em conflito com o
disposto no Ttulo III da Constituio. Conseqentemente, no haveria lugar para a instituio de
sistemas municipais de ensino. As escolas municipais integrariam, via de regra, os sistemas estaduais
de ensino subordinando-se, pois, s normas estabelecidas pelos respectivos Estados.
O texto da nova LDB, entretanto, procurou contornar a dificuldade, ultrapassando a
ambigidade do texto constitucional e estabelecendo com clareza a existncia dos sistemas municipais
de ensino. Para tanto, alm do artigo 211 (A Unio, os Estados e os Municpios organizaro em
regime de colaborao os seus sistemas de ensino), a LDB ter buscado respaldo nos incisos I e II do
artigo 30 da Constituio Federal que afirmam, respectivamente, a competncia dos Municpios para
legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislao federal e a estadual no que
couber. Assim, o inciso III do artigo 11 da LDB estipula que cabe aos Municpios baixar normas
complementares para o seu sistema de ensino. Isto posto, ainda que do ponto de vista da hermenutica
constitucional se possa argir contra a constitucionalidade do disposto na LDB j que, se os
constituintes quisessem, de fato, estender essa competncia aos Municpios o teriam feito
expressamente como o fizeram em relao aos Estados e ao Distrito Federal, j no pairam dvidas,
luz do texto da LDB, quanto competncia dos Municpios para instituir os seus sistemas de ensino.
Conclui-se, ento, que a definio clara da competncia dos municpios para instituir os
prprios sistemas de ensino flui da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) e no da
Constituio Federal. Portanto, no parece procedente a posio daqueles que entendem que a LDB, ao
tornar opcional a organizao dos sistemas municipais de ensino, teria enfraquecido a norma
constitucional, pois, em sua interpretao, a Constituio no apenas permite, mas teria determinado
aos municpios a tarefa de organizar os prprios sistemas, como afirma Jos Eustquio Romo (1997,
p.21 e 22). Em verdade, a LDB, ainda que lhe d carter opcional, estabelece claramente a competncia
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dos municpios para organizar os prprios sistemas de ensino. Alis, o prprio fato de deixar a eles a
opo indica o reconhecimento explcito de sua competncia nessa matria.
Diferentemente da referida interpretao, entendo que, ao admitir a possibilidade da
organizao de sistemas municipais de ensino, a LDB se viu diante da questo relativa s condies
para a sua efetivao. E, como uma medida de cautela, prescreveu, no pargrafo nico do artigo 11, que
os municpios podero optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele
um sistema nico de educao bsica.
Com certeza a LDB introduziu a possibilidade de opo luz de duas evidncias, uma no plano
formal e outra no plano real. Do ponto de vista formal, levou em conta a ambigidade da Constituio,
como j se mostrou. Do ponto de vista real, considerou as dificuldades tcnicas e financeiras que
muitos municpios teriam para organizar a curto ou mesmo a mdio prazo os seus sistemas de ensino.
de se notar que o reconhecimento dessa limitao est expresso tambm no texto constitucional
quando, ao estabelecer no inciso VI do artigo 30 a competncia inequvoca dos municpios de manter
programas de educao pr-escolar e de ensino fundamental, acrescenta que isso ser feito com a
cooperao tcnica e financeira da Unio e do Estado.
Assim, enquanto ns ainda nos perdemos nessas discusses que nos desviam da questo do
sistema nacional, os principais pases foram, desde o final do sculo XIX, organizando os respectivos
sistemas nacionais de ensino. Vejamos, ento, qual foi o papel que esses sistemas desempenharam.
6. Papel histrico dos sistemas nacionais de ensino
Como sabemos, a sociedade burguesa ou moderna surgiu a partir do desenvolvimento e das
transformaes que marcaram a sociedade feudal. Nesta dominava a economia de subsistncia que se
caracterizava por uma produo voltada para o atendimento das necessidades de consumo. O seu
desenvolvimento, porm, acarretou a gerao sistemtica de excedentes, intensificando o comrcio, o
que acabou por determinar a organizao do prprio processo de produo especificamente voltado
para a troca surgindo, assim, a sociedade capitalista ou burguesa que, pela razo indicada, tambm
chamada de sociedade de mercado. Nesta, inversamente ao que ocorria na sociedade feudal, a troca
que determina o consumo. Portanto, o eixo do processo produtivo deslocou-se do campo para a cidade
e da agricultura para a indstria convertendo-se o saber (a cincia), de potncia espiritual (intelectual)
em potncia material. Nessas novas condies, a estrutura da sociedade deixou de se fundar em laos
naturais, passando a basear-se em laos propriamente sociais, isto , produzidos pelos prprios homens.
Em conseqncia, a organizao social passou a reger-se pelo direito positivo (sociedade contratual) e
no mais pelo direito natural ou consuetudinrio.
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Est posta, a, a equao que desembocar na questo escolar: o direito positivo, assim como o
saber sistemtico, cientfico, supe registros escritos. Assim, o domnio de uma cultura intelectual, cujo
componente mais elementar o alfabeto, se impe como exigncia generalizada de participao ativa
na sociedade. Ora, a cultura escrita no produzida de modo espontneo, natural, mas de forma
sistemtica e deliberada. Portanto, requer, tambm, para a sua aquisio, formas deliberadas e
sistemticas, isto , institucionalizadas, o que fez com que, na sociedade moderna, a escola veio a
ocupar o posto de forma principal e dominante de educao.
Em suma: o deslocamento do eixo do processo produtivo do campo para a cidade e da
agricultura para a indstria provocou o deslocamento do eixo do processo cultural do saber espontneo,
assistemtico para o saber metdico, sistemtico, cientfico. Em conseqncia, o eixo do processo
educativo tambm se deslocou das formas difusas, identificadas com o prprio processo de produo
da existncia, para formas especficas e institucionalizadas, identificadas com a escola.
Nesse contexto, a necessidade de disseminar as luzes da razo, to bem teorizada pelo
movimento iluminista, trouxe consigo a necessidade de difundir a instruo indistintamente a todos os
membros da sociedade, o que foi traduzido na bandeira da escola pblica, gratuita, universal, leiga e
obrigatria. Da, o dever indeclinvel do Estado de organizar, manter e mesmo de impor a educao a
toda a populao.
Para cumprir esse desiderato, na medida em que, ao longo do sculo XIX, os Estados nacionais
foram se constituindo ou se consolidando, cada pas foi tomando a iniciativa de organizar os
respectivos sistemas nacionais de ensino. E o papel desses sistemas era precisamente universalizar a
instruo pblica, entendida como aquela que assegura, ao conjunto da populao, o domnio da leitura,
escrita e clculo, ademais dos rudimentos das cincias naturais e sociais (histria e geografia). Portanto,
a referncia fundamental da organizao dos sistemas nacionais de ensino estava dada pela escola
elementar que, uma vez universalizada, permitiria erradicar o analfabetismo. esse o papel histrico
dos sistemas nacionais de educao que os principais pases conseguiram cumprir satisfatoriamente,
ainda que de formas distintas e em graus diferenciados de eficcia.
Para se ter uma idia da importncia dessa questo consideremos o caso da Itlia. Quando esse
pas se constituiu como Estado Nacional em conseqncia do processo de unificao que se completou
em 1861 sob a liderana do Piemonte, foi estendida a toda a Itlia a Lei Casati, uma extensa lei
composta de 380 artigos que regulava o funcionamento da educao nos seus mais diferentes aspectos
e que fora aprovada no Piemonte em 1859. Essa lei regulava minuciosamente o ensino superior e
continha um brevssimo captulo sobre o ensino primrio que era relegado ao encargo das comunas,
isto , dos municpios. Com isso, a Itlia chegou ao final do sculo com metade de sua populao
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analfabeta, o que levou Ernesto Nathan a afirmar em 1906: Em relao nossa posio social somos
muito cultos e muito ignorantes, de um lado atormentados pelo analfabetismo, de outro pelo
universitarismo (BARBAGLI, 1974, p. 29). Portanto, sua situao, ento, no era muito diferente
daquela do Brasil.
No entanto, ao longo do final do sculo XIX desenvolveu-se uma intensa campanha pela
avocao do ensino primrio ao Estado, ou seja, o governo central. A mobilizao contou, inclusive,
com a fora do martrio da jovem professora cujo nome, emblematicamente, era Itlia Donati. Vtima
de assdio sexual e da maledicncia, Itlia Donati encontrou no suicdio o meio de recuperar a paz e a
honra. Sua morte desencadeou grande impacto na imprensa tendo frente o jornal Corriere della Sera
que se viu encorajado a persistir na denncia da triste situao de muitas das colegas da professora
toscana. Seu enterro provocou grande comoo e em sua tumba foi posta uma lpide com a seguinte
inscrio: A Itlia Donati / professora municipal em Porciano / to bela quanto virtuosa / forada por
ignbil perseguio / a pedir morte a paz / e o atestado da sua honra. / Nascida em Cintolese em 1 de
janeiro de 1863 / Morta em Porciano em 1 de junho de 1886 (CATARSI, 1985, pp. 112-113). Por
fim, a campanha resultou vitoriosa e em 1911, atravs da reforma Daneo-Credaro (idem, pp.55-71 e
123-131), o ensino primrio foi colocado sob a responsabilidade do Estado Nacional, instalando-se o
sistema nacional de ensino a partir do qual foi possvel erradicar o analfabetismo.
Diferentemente, O Brasil foi retardando essa iniciativa e, com isso, foi acumulando um dficit
histrico imenso no campo educacional, em contraste com os pases que implantaram os respectivos
sistemas nacionais de ensino tanto na Europa e Amrica do Norte como na Amrica Latina como o
ilustram os casos da Argentina, Chile e Uruguai. Estes equacionaram o problema na passagem do
sculo XIX para o XX. O Brasil j ingressou no sculo XXI e continua postergando a dupla meta
sempre proclamada de universalizar o ensino fundamental e erradicar o analfabetismo.
Cabe, ento, perguntar: como se pe hoje, no Brasil, a questo do sistema nacional de
educao? possvel, ainda, organiz-lo? Para responder a essa indagao devemos comear pelos
desafios sua construo.
7. Obstculos construo do sistema nacional de educao no Brasil
7.1. Os obstculos econmicos: a histrica resistncia manuteno da educao pblica
no Brasil
Ao iniciar sua obra educativa no Brasil em 1549 os jesutas cumpriam mandato de D. Joo III,
cabendo coroa manter o ensino por eles ministrado. Mas o rei enviava verbas para a manuteno e a
vestimenta dos jesutas; no para construes. Ento, os recursos que chegavam eram aplicados no
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colgio da Bahia e, como relata o padre Manuel da Nbrega em carta de agosto de 1552, ns no
vestido remediamo-nos com o que ainda do reino trouxemos, porque a mim ainda me serve a roupa
com que embarquei... e no comer vivemos por esmolas (HUE, 2006, p. 68). Essa situao foi
contornada a partir de 1564 com o plano da redzima que destinava dez por cento de todos os impostos
arrecadados da colnia brasileira manuteno dos colgios jesuticos.
No perodo seguinte (1759-1827) as reformas pombalinas da instruo pblica instituram as
aulas rgias a serem mantidas pela Coroa por meio do subsdio literrio criado em 1772. Mas a
dificuldade de cobrana desse tributo na colnia no permitiu a adequada manuteno do ensino.
Com a independncia poltica foi instalado o Primeiro Imprio que fez aprovar, em 15 de
outubro de 1827, a lei das escolas de primeiras letras, cujo artigo primeiro estabelecia: em todas as
cidades, vilas e lugares mais populosos havero (sic) as escolas de primeiras letras que forem
necessrias (TAMBARA e ARRIADA, 2005, p. 23). Mas essa lei permaneceu letra morta. E o Ato
Adicional Constituio do Imprio, promulgado em 1834, colocou o ensino primrio sob a jurisdio
das Provncias, desobrigando o Estado Nacional de cuidar desse nvel de ensino. Mas as provncias
no estavam equipadas financeiramente e nem tecnicamente para promover a difuso do ensino.
Durante os 49 anos correspondentes ao Segundo Imprio, entre 1840 e 1888, a mdia anual dos
recursos financeiros investidos em educao foi de 1,80% do oramento do governo imperial,
destinando-se, para a instruo primria e secundria, a mdia de 0,47% (CHAIA, 1965, pp.129-131).
Era, pois, um investimento irrisrio como constatou Rui Barbosa em 1882: "O Estado, no Brasil,
consagra a esse servio apenas 1,99% do oramento geral, enquanto as despesas militares nos devoram
20,86%" (idem, p. 103). Dessa forma, o sistema nacional de ensino no se implantou e o pas foi
acumulando um grande dficit histrico em matria de educao.
Ao longo da Primeira Repblica o ensino permaneceu praticamente estagnado, o que pode ser
ilustrado com o nmero de analfabetos em relao populao total, que se manteve no ndice de 65%
entre 1900 e 1920, sendo que o seu nmero absoluto aumentou de 6.348.869 em 1900, para 11.401.715
em 1920. A partir da dcada de 1930, com o incremento da industrializao e urbanizao, comea a
haver, tambm, um incremento correspondente nos ndices de escolarizao sempre, porm, em ritmo
aqum do necessrio vista dos escassos investimentos. Assim, os investimentos federais em ensino
passam de 2,1%, em 1932, para 2,5% em 1936; os estaduais se reduzem de 15,0% para 13,4% e os
municipais se ampliam de 8,1% para 8,3% no mesmo perodo (RIBEIRO, 2003, p. 117). Isso no
obstante a Constituio de 1934 ter determinado que a Unio e os municpios deveriam aplicar nunca
menos de 10% e os estados 20% da arrecadao de impostos na manuteno e desenvolvimento dos
sistemas educacionais (art. 156). Essa vinculao oramentria foi retirada na Constituio de 1937,
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do Estado Novo, e foi retomada na Carta de 1946, que fixou em 20% a obrigao mnima dos estados e
municpios e 10% da Unio. No entanto, em 1955 tnhamos os seguintes ndices: Unio, 5,7%; estados,
13,7%; municpios, 11,4%.
A Constituio do regime militar, de 1967 e a Emenda de 1969, voltaram a excluir a vinculao
oramentria5. Constata-se, ento, que o oramento da Unio para educao e cultura caiu de 9, 6% em
1965, para 4,31% em 1975.
A atual Constituio, promulgada em 1988 restabeleceu a vinculao fixando 18% para a Unio
e 25% para estados e municpios. E, como o texto constitucional estabelece esses percentuais mnimos
em relao receita resultante de impostos, alm do desrespeito contumaz norma estabelecida na
Carta Magna, encontrou-se, especialmente a partir do governo FHC, um outro mecanismo de burlar
essa exigncia. Passou-se a criar novas fontes de receita nomeando-as, porm, no com a palavra
imposto, mas utilizando o termo contribuio, como so os casos da COFINS (Contribuio para o
Financiamento da Seguridade Social), CPMF (Contribuio Provisria sobre Movimentao
Financeira), CIDE (Contribuio sobre Interveno no Domnio Econmico). A essas receitas, como
no recebem o nome de impostos, no se aplica a vinculao oramentria constitucional dirigida
educao. Alm disso, tambm a partir do governo FHC, instituiu-se a DRU (Desvinculao das
Receitas da Unio) que permite subtrair 20% das vinculaes oramentrias.
Tomemos, ento, para considerar a situao atual, um ndice de carter global e, ao menos por
enquanto, ainda no atingido pelos truques e jeitinhos em que so mestres as nossas elites
econmicas e polticas: o PIB (Produto Interno Bruto), isto , a soma de todas as riquezas produzidas
pelo pas. Calculado pela nova metodologia do IBGE, o PIB brasileiro em 2006 foi de 2 trilhes e 322
bilhes de reais. Isso significa que, levando-se em conta a informao do prprio MEC de que o Brasil
gasta em educao 4,3% do PIB, os gastos para 2007 deveriam ser da ordem de 99 bilhes e 846
milhes de reais. Assim, mesmo descontando-se os gastos com ensino superior, que no chegam a um
por cento do PIB, o total de 43 bilhes e 100 milhes previstos para o FUNDEB em 2007 est muito
aqum do que corresponderia a esse ano. Com efeito, mesmo que fossem destinados 23 bilhes (1% do
PIB de 2006) ao ensino superior, o montante a ser destinado educao bsica seria de 76 bilhes e
800 milhes, muito superior, portanto, ao valor de 43 bilhes e 100 milhes programados para 2007.
Diante dessa reiterada resistncia da Unio em assumir as responsabilidades financeiras na
manuteno do ensino no pas, como instituir o sistema nacional de educao?
5 A Emenda Constitucional de 1969 indiretamente restabeleceu a vinculao oramentria apenas para os municpios ao determinar, na alnea f do 3, Inciso II do Art. 15, que o Estado poder intervir no municpio que no aplicar no ensino primrio, em cada ano, pelo menos 20% da receita tributria municipal.
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7.2. Os obstculos polticos: A descontinuidade nas polticas educativas
A outra caracterstica estrutural da poltica educacional brasileira que opera como um desafio
para a construo do sistema nacional de educao a descontinuidade. Esta se manifesta de vrias
maneiras, mas se tipifica mais visivelmente na pletora de reformas de que est povoada a histria da
educao brasileira. Essas reformas, vistas em retrospectiva de conjunto descrevem um movimento que
pode ser reconhecido pelas metforas do ziguezague ou do pndulo. A metfora do ziguezague indica o
sentido tortuoso, sinuoso das variaes e alteraes sucessivas observadas nas reformas; o movimento
pendular mostra o vai-e-vem de dois temas que se alternam seqencialmente nas medidas reformadoras
da estrutura educacional.
Desde a primeira fase do Brasil independente as reformas se sucedem: Lei das escolas de
primeiras letras, em 1827; Ato Adicional de 1834; reforma Couto Ferraz, de 1854; Lencio de
Carvalho em 1879, sem contar os vrios projetos de reforma apresentados no Parlamento no final do
imprio que no chegaram a vingar, como os de Paulino de Souza em 1869; de Joo Alfredo em 1871;
de Rui Barbosa em 1882; de Almeida Oliveira, tambm em 1882; e o do Baro de Mamor em 1886.
Observe-se que prevalece a tendncia em nomear as reformas pelos seus proponentes, em geral
ministros da pasta de instruo pblica ou da educao, a indicar que quem chega ao poder procura
imprimir sua marca, desfazendo o que estava em curso e projetando a idia de que com ele, finalmente,
o problema ser resolvido.
Esse movimento prossegue no perodo republicano patenteando-se melhor a o carter pendular,
pois se uma reforma promove a centralizao, a seguinte descentraliza para que a prxima volte a
centralizar a educao, e assim sucessivamente. Se uma reforma se centra na liberdade de ensino, logo
ser seguida por outra que salientar a necessidade de regulamentar e controlar o ensino. Uma reforma
colocar o foco do currculo nos estudos cientficos e ser seguida por outra que deslocar o eixo
curricular para os estudos humansticos.
No plano federal o regime republicano expressou a tenso na poltica educacional oscilando
entre a centralizao (oficializao) e descentralizao (desoficializao). Aps a reforma Benjamin
Constant, de 1890, que procurou introduzir os estudos cientficos e atenuar o excesso de liberdade que
marcou a reforma Lencio de Carvalho, tivemos o Cdigo Epitcio Pessoa, em 1901. Esse cdigo
ratificou o princpio de liberdade de ensino da Reforma Lencio de Carvalho, equiparou as escolas
privadas s oficiais e acentuou a parte literria dos currculos. Mas a reforma Rivadvia Correa, em
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1911, volta a reforar a liberdade de ensino e a desoficializao, alm de retomar a orientao
positivista, tentando imprimir um carter prtico orientao dos estudos. Diante das conseqncias
desastrosas, uma nova reforma, a de Carlos Maximiliano, instituda em 1915, reoficializou o ensino e
introduziu o exame vestibular a ser realizado nas prprias faculdades podendo a ele se submeter apenas
os candidatos que dispusessem de diploma de concluso do curso secundrio. O ciclo das reformas
federais do ensino na Primeira Repblica se fecha, em 1925, com a Reforma Joo Lus Alves/Rocha
Vaz. Considerando que ela se encontra em pleno centro da ltima dcada da Primeira Repblica
quando, sobre a base das transformaes econmicas e sociais em curso, a estrutura de poder vigente
passa a ser amplamente contestada, essa nova reforma ir reforar e ampliar os mecanismos de controle
institudos pela reforma Carlos Maximiliano.
descentralizao representada pelo protagonismo das reformas de ensino estaduais que
marcaram a dcada de 1920 seguiu-se um processo de centralizao com as reformas de mbito
nacional encabeadas por Francisco Campos, em 1931, com o ciclo das reformas Capanema entre 1942
e 1946, com a LDB de 1961 e com a legislao do regime militar nos anos de 1968 e 1971. Mas nesse
mesmo perodo os liberais adeptos da pedagogia nova defenderam a descentralizao do ensino
impedindo que a legislao no mbito federal consagrasse o princpio organizacional do sistema
nacional de educao.
A era atual tem incio com a Constituio de 1988 e, aps algumas alteraes da legislao do
perodo militar durante a Nova Repblica, tivemos as reformas dos anos de 1990 em cujo centro se
encontra a nova LDB, de 1996, e o Plano Nacional de Educao aprovado em janeiro de 2001.
A marca da descontinuidade na poltica de educao atual se faz presente na meta, sempre
adiada, de eliminao do analfabetismo e universalizao do ensino fundamental. O Brasil chegou ao
final do sculo XX sem resolver um problema que os principais pases resolveram na virada do sculo
XIX para o XX: a universalizao do ensino fundamental, com a conseqente erradicao do
analfabetismo. Para enfrentar esse problema a Constituio de 1988 previu, nas disposies
transitrias, que o Poder Pblico nas suas trs instncias (a Unio, os estados e os municpios) deveria,
pelos dez anos seguintes, destinar 50% do oramento educacional para essa dupla finalidade. Isso no
foi feito. Quando esse prazo estava vencendo, o governo criou o FUNDEF com prazo de mais dez anos
para essa mesma finalidade; e a LDB, por sua vez, instituiu a dcada da educao; seguiu-se a
aprovao em 2001, do Plano Nacional de Educao, que tambm se estenderia por dez anos. No final
de 2006, ao se esgotarem os dez anos do prazo do FUNDEF, foi institudo o FUNDEB, com prazo de
14 anos, ou seja, at 2020. Em 2007, quando mais da metade do tempo do PNE j havia passado, veio
um novo Plano, o Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE) que estabeleceu um novo prazo,
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desta vez de quinze anos, projetando a soluo do problema para 2.022. Nesse diapaso, j podemos
conjecturar sobre um novo Plano que ser lanado em 2022 prevendo, quem sabe, mais 20 anos para
resolver o mesmo problema.
7.3 Os obstculos filosfico-ideolgicos: a resistncia no nvel das idias
A idia de sistema nacional de ensino foi pensada no sculo XIX como forma de organizao
prtica da educao, constituindo-se numa ampla rede de escolas abrangendo todo o territrio da nao
e articuladas entre si segundo normas comuns e com objetivos tambm comuns. A sua implantao
requeria, pois, preliminarmente, determinadas condies materiais dependentes de significativo
investimento financeiro, o que se constitui no primeiro desafio, conforme j foi analisado. Alm disso,
a implantao do sistema nacional de educao requeria tambm determinadas condies polticas, o
que igualmente j foi analisado ao se abordar, no segundo desafio, a questo da descontinuidade nas
reformas educacionais.
Mas alm das limitaes materiais e polticas cumpre considerar, tambm, o problema relativo
mentalidade pedaggica. Entendida como a unidade entre a forma e o contedo das idias
educacionais, a mentalidade pedaggica articula a concepo geral do homem, do mundo, da vida e da
sociedade com a questo educacional. Assim, numa sociedade determinada, dependendo das posies
ocupadas pelas diferentes foras sociais, estruturam-se diferentes mentalidades pedaggicas. Na
sociedade brasileira da segunda metade do sculo XIX trs mentalidades pedaggicas se delinearam
com razovel nitidez: as mentalidades tradicionalista, liberal e cientificista. Destas, as duas ltimas
correspondiam ao esprito moderno que se expressava no laicismo do Estado, da cultura e da educao
(BARROS, 1959, pp.21-36). Nesse contexto, era de se esperar que os representantes dessas
mentalidades de tipo moderno, empenhados na modernizao da sociedade brasileira, viessem a
formular as condies e prover os meios para a realizao da idia de sistema nacional de educao. No
entanto, a mentalidade cientificista de orientao positivista, declarando-se adepta da completa
"desoficializao" do ensino, acabou por se converter em mais um obstculo realizao da idia de
sistema nacional de ensino. Na mesma direo se comportou a mentalidade liberal que, em nome do
princpio de que o Estado no tem doutrina, chegava a advogar o seu afastamento do mbito educativo.
Nessas circunstncias, embora os debates do final do imprio apontassem na direo da
construo de um sistema nacional de ensino colocando-se a instruo pblica, com destaque para as
escolas primrias, sob a gide do governo central, o advento do regime republicano no corroborou
essa expectativa. Seja pelo argumento de que, se no Imprio, que era um regime poltico centralizado, a
instruo estava descentralizada, a fortiori na Repblica Federativa, um regime poltico
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descentralizado, a instruo popular deveria permanecer descentralizada; seja pela fora da mentalidade
positivista no movimento republicano; seja pela influncia do modelo norte-americano; seja
principalmente pelo peso econmico do setor cafeeiro que desejava a diminuio do poder central em
favor do mando local, o certo que o novo regime no assumiu a instruo pblica como uma questo
de responsabilidade do governo central, o que foi legitimado na primeira Constituio republicana. Ao
estipular, no artigo 35, que incumbe ao Congresso Nacional, ainda que no privativamente, criar
instituies de ensino superior e secundrio nos Estados (Inciso 3) e prover a instruo secundria
no Distrito Federal (Inciso 4), a Constituio, embora omissa quanto responsabilidade sobre o
ensino primrio, delegava aos Estados competncia para legislar e prover esse nvel de ensino.
A partir da dcada de 1930, com o avano da industrializao e urbanizao do pas, a educao
comea a ser tratada como questo nacional. No entanto, apesar do Manifesto dos Pioneiros da
Educao Nova ter advogado a formulao de um plano de reconstruo educacional convergente
com a idia de sistema nacional de educao, os renovadores, organizados no mbito da ABE, se
posicionaram recorrentemente em favor da descentralizao. Isto os levou a preconizar, no projeto de
LDB elaborado em 1947, a instituio de sistemas estaduais de ensino, elidindo a questo do sistema
nacional. Levando mais longe essa posio Ansio Teixeira se manifestou como um fervoroso adepto
da municipalizao chegando, mesmo, a preconizar a vinculao distrital. Essa posio fica clara
quando ele considera que os sistemas educacionais no so algo abstrato referido populao de todo o
pas, mas conjuntos de escolas vinculadas s unidades da populao e, em rigor, a cada comunidade
local concluindo que sua vinculao ao municpio o mnimo que temos de admitir pois
poderamos consider-lo vinculado ao distrito (TEIXEIRA, 1962, p.101). Com certeza essa posio
decorre do comunitarismo americano presente no iderio pedaggico de Dewey. Com todo o respeito
pela enorme folha de servios prestados educao brasileira, o que o torna, em minha opinio, o nico
brasileiro a merecer o ttulo de estadista da educao, essa viso de Ansio Teixeira no deixou de ter
efeitos negativos para o ensino em nosso pas. Essa resistncia dos liberais idia de sistema nacional
de educao persistir nos anos subseqentes estendendo-se at os dias de hoje sendo, agora, de certo
modo exacerbada no contexto do chamado neoliberalismo.
Conclui-se, pois, que as dificuldades para a realizao da idia de sistema nacional de ensino se
manifestaram tanto no plano das condies materiais e polticas como no mbito da mentalidade
pedaggica. Assim, o caminho da implantao dos respectivos sistemas nacionais de ensino, por meio
do qual os principais pases do Ocidente lograram universalizar o ensino fundamental e erradicar o
analfabetismo, no foi trilhado pelo Brasil. E as conseqncias desse fato se projetam ainda hoje
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deixando-nos um legado de agudas deficincias no que se refere ao atendimento das necessidades
educacionais do conjunto da populao.
7.4. Os obstculos legais: a resistncia no plano da atividade legislativa
Do ponto de vista lgico resulta evidente a relao de implicao entre os conceitos de lei de
diretrizes e bases da educao nacional e de sistema nacional de educao. Quando a Constituio
determina que a Unio estabelea as diretrizes e bases da educao nacional, obviamente ela est
pretendendo com isso que a educao, em todo o territrio do pas, seja organizada segundo diretrizes
comuns e sobre bases tambm comuns. E a organizao educacional com essas caractersticas o que
se chama sistema nacional de educao. Essa situao se encontra ainda mais tipificada no caso da
Constituio atual que estabeleceu, no artigo 211, o regime de colaborao.
O fato de que, por se tratar de uma Repblica Federativa, a Constituio reconhea tambm a
competncia dos Estados para legislar em matria de educao, em nada afeta o enunciado anterior.
Com efeito, sistema no unidade da identidade, uma unidade monoltica, indiferenciada, mas unidade
da diversidade, um todo que articula uma variedade de elementos que, ao se integrarem ao todo, nem
por isso perdem a prpria identidade. Ao contrrio, participam do todo, integram o sistema, na forma
das respectivas especificidades. Em outros termos: uma unidade monoltica to avessa idia de
sistema como uma multiplicidade desarticulada. Em verdade, sistematizar significa reunir, ordenar,
articular elementos enquanto partes de um todo. E esse todo articulado o sistema.
Considerar, pois, como inconstitucional a incluso do tema relativo ao sistema nacional de
educao na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional uma contradictio in terminis, a
prpria contradio lgica. E isto porque a LDB implica o sistema.
Como demonstrei em outro trabalho (SAVIANI, 2008a), h uma estreita relao entre a LDB e
a sistematizao da educao. A educao assistemtica no objeto de legislao especfica. Veja-se,
por exemplo, as questes referentes ao ptrio poder, s diverses pblicas etc., que podem ser
consideradas atividades educativas segundo o prprio conceito adotado no Ttulo I da nova LDB; no
entanto, tais questes so reguladas pelo Cdigo Civil. Quando, no entanto, se pensa numa lei
especfica para a educao, porque se est visando sua sistematizao e no apenas sua
institucionalizao. Antes de haver leis de educao, havia instituies educativas. Isso no implica,
entretanto, a vinculao necessria da sistematizao legislao, ou seja: no necessrio que haja lei
especfica de educao para que haja educao sistematizada; esta poder existir mesmo no existindo
aquela. O que fica claro a vinculao necessria da lei especfica de educao sistematizao. Tal
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lei visar consolidar o sistema ou reform-lo (caso exista), ou ento, institu-lo, ou pelo menos,
determinar as condies para que ele seja criado (caso no exista).
Ora, em se tratando de uma lei que se prope a fixar as Diretrizes e Bases da Educao
Nacional, mais ainda se impe a concluso acima apresentada. Com efeito, se por diretrizes e bases se
entendem fins e meios, ao serem estes definidos em termos nacionais pretende-se no apenas indicar os
rumos para onde se quer caminhar, mas organizar a forma, isto , os meios atravs dos quais os fins
sero atingidos. E a organizao intencional dos meios com vistas a se atingir os fins educacionais
preconizados em mbito nacional, eis o que se chama sistema nacional de educao.
No obstante essa evidncia, na trajetria da nova LDB houve aqueles protagonistas que
incidiram nessa contradictio in terminis, opinando pela inconstitucionalidade do Ttulo relativo ao
Sistema Nacional de Educao que integrava o Susbstitutivo Jorge Hage. Em conseqncia, a referida
denominao foi substituda por esta outra: Organizao da Educao Nacional.
Em verdade, essa resultou uma soluo de tipo nominalista j que os que a postularam se
satisfizeram com a mudana do nome sem se preocupar com a manuteno do mesmo contedo. O vis
nominalista talvez tenha tido mesmo algum peso, pois se argumentava que na Constituio no
aparecia a expresso sistema nacional de educao, mas apenas sistemas de ensino. Aos que
defendiam o sistema nacional, em contrapartida, preocupava exatamente o seu contedo,
secundarizando a terminologia o que permitiu, nas negociaes, que se abrisse mo da denominao.
Efetivamente, no projeto aprovado na Cmara o Captulo que tratava Da Organizao da
Educao Nacional preservava os mecanismos bsicos do sistema entre os quais desempenhava papel
central o Conselho Nacional de Educao secundado pelo Forum Nacional de Educao. Com a
prevalncia do Substitutivo Darcy Ribeiro manteve-se a denominao (Organizao da Educao
Nacional), mas o contedo foi fortemente alterado.
O Ttulo IV - Da Organizao da Educao Nacional, da lei finalmente aprovada, est calcado
no Substitutivo Darcy Ribeiro. Em conseqncia, desaparece o Forum Nacional de Educao, assim
como a regulamentao criteriosa dos artigos 209 e 213 da Constituio. Recorde-se que esses artigos
versam respectivamente sobre a liberdade de ensino conferida iniciativa privada e a destinao de
recursos pblicos s instituies de ensino de carter comunitrio, confessional e filantrpico.
O Conselho Nacional de Educao que estava inteiramente ausente do primeiro projeto D.
Ribeiro, no texto da lei apenas mencionado no 1 do inciso IX do artigo 9. E isso era inevitvel,
uma vez que j se encontrava em vigor, homologada pelo Congresso, a medida provisria originria do
Presidente Itamar Franco e reeditada por Fernando Henrique. Foi excludo, assim, o detalhamento
referente composio e atribuies do CNE que figurava no projeto aprovado pela Cmara.
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A razo invocada para a excluso do Conselho Nacional de Educao do texto da LDB foi a
denominada inconstitucionalidade por vcio de iniciativa. Remete-se, ento, ao art. 6l, 1, alnea e
(so de iniciativa privativa do Presidente da Repblica as leis de criao, estruturao e atribuies
dos Ministrios e rgos da administrao pblica) e ao art. 84, VI (compete privativamente ao
Presidente da Repblica: dispor sobre a organizao e o funcionamento da administrao federal, na
forma da lei) e XXV (prover e extinguir os cargos pblicos federais, na forma da lei). Mas essa
interpretao no tranqila. Ela parte do entendimento prvio do Conselho Nacional de Educao
como sendo meramente um rgo administrativo federal. Na concepo de LDB que prevaleceu na
Cmara o CNE tinha outro carter: era uma instncia com funes deliberativas no mbito da educao
anlogas quelas exercidas pelo Legislativo e Judicirio no mbito da sociedade como um todo.
Fica claro, no entanto, que no era esse, propriamente, o problema. Digamos que, de fato, estava
configurado o vcio de iniciativa. Isso no impediu que o governo Itamar Franco referendasse o CNE
tal como proposto no projeto da LDB sanando, assim, o vcio de iniciativa.
A questo, a, era o carter deliberativo do CNE que, segundo a interpretao do governo Collor
como do governo FHC, secundarizaria o MEC na tarefa de formular a poltica nacional de educao. O
que se pretendia, no entanto, era instituir uma instncia com representao permanente da sociedade
civil para compartilhar com o governo a formulao, acompanhamento e avaliao da poltica
educacional. Tanto assim que na verso aprovada pela Cmara metade dos membros do CNE era
escolhida pelo Presidente da Repblica.
E deve-se destacar que com esse encaminhamento se pretendia evitar a descontinuidade que tem
marcado a poltica educacional, o que conduz ao fracasso as tentativas de mudana, pois tudo volta
estaca zero a cada troca de equipe de governo, como se mostrou na anlise dos obstculos polticos.
O Conselho Nacional de Educao, pensado como um rgo revestido das caractersticas de
autonomia, representatividade e legitimidade, enquanto uma instncia permanente e renovada por
critrios e periodicidade distintos daqueles que vigoram no mbito da poltica partidria, estaria, seno
imune, pelo menos no to vulnervel aos interesses da poltica mida.
Infelizmente mais uma vez a vitria foi da poltica mida o que nos deixa merc do vai-e-vem
da poltica educacional. E o obstculo legal construo do sistema nacional de educao no foi
removido.
8. A retomada do tema do sistema nacional de educao no contexto brasileiro atual
Ao longo de minha exposio procurei esboar o quadro em que se situa o problema do sistema
nacional de educao em nosso pas. Diante desse quadro qual o significado da retomada dessa questo
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no atual contexto? Se esse fato no deixa de ser auspicioso, foroso tambm reconhecer que as
dificuldades ainda persistem.
Assim, permanece a questo da impreciso. No prefcio 10 edio do livro Educao
brasileira: estrutura e sistema, redigido em janeiro de 2008, observo que, na esteira do Plano de
Desenvolvimento da Educao (PDE), lanado em 24 de abril de 2007, o prprio MEC induz
retomada da discusso sobre o sistema nacional de educao. Pela Portaria n. 11, baixada pelo ministro
no mesmo dia 24 de abril de 2007, foi constituda a Comisso Organizadora da Conferncia Nacional
de Educao Bsica a ser realizada em abril de 2008, para a qual deveriam confluir as Conferncias
Estaduais de Educao previstas, na mesma portaria, para serem realizadas no segundo semestre de
2007. E o Regimento Interno da Conferncia Nacional da Educao Bsica estabeleceu como primeiro
objetivo promover a construo de um Sistema Nacional Articulado de Educao. Por sua vez, o
documento denominado O Plano de Desenvolvimento da Educao: razes, princpios e programas,
lanado pelo MEC, contempla, no ponto 3, o plano de desenvolvimento da educao como horizonte
do debate sobre o sistema nacional de educao, justificado com esta considerao: a viso sistmica
da educao a nica compatvel com o horizonte de um sistema nacional de educao... (p. 39).
Como se v, o debate, j no seu lanamento, aparece eivado de problemas e imprecises. Com
efeito, formula-se o objetivo de construo de um sistema nacional de educao no mbito de uma
conferncia nacional de educao bsica. Por que no uma Conferncia Nacional de Educao que,
portanto, abrangesse, tambm, a educao superior? Dada a restrio do mbito em que o problema
formulado surgem, tambm, enunciados do tipo sistema nacional de educao bsica. Ora, o sistema
se refere ao conjunto que articula, num todo coerente, as vrias partes que o integram. Como, ento,
falar de um sistema de educao bsica se esta deveria ser, na verdade, uma das partes do sistema?
Igualmente, resulta pleonstica a expresso sistema articulado de educao, que vem freqentando os
documentos, uma vez que s se pode falar em sistema se, efetivamente, suas partes estiverem
articuladas. Um passo importante foi dado em 2008 quando, aps a realizao da Conferncia Nacional
de Educao Bsica, programou-se a realizao de uma Conferncia Nacional de Educao, em 2010,
sendo precedida de um amplo processo de preparao consubstanciado nas Conferncias Municipais e
nas Conferncias Estaduais a serem realizadas respectivamente no primeiro e no segundo semestre de
2009. Eis a a oportunidade para, finalmente, encaminhar de forma adequada e abrangente a questo da
construo do sistema nacional de educao no Brasil.
No texto citado do MEC que apresenta as razes, princpios e programas do PDE estabelece-se
uma aproximao da noo de sistema com o enfoque sistmico. No entanto, no podemos perder de
vista que a organizao dos sistemas nacionais de ensino antecede historicamente em mais de um
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sculo ao advento do chamado enfoque sistmico. Portanto, trata-se de coisas distintas. O enfoque
sistmico um conceito epistemolgico que est referido a uma determinada maneira de analisar os
fenmenos, mais especificamente, ao mtodo estrutural-funcionalista. Portanto, quando aplicado
educao, o referido enfoque diz respeito a um dos possveis modos de se analisar o fenmeno
educativo. Em contrapartida, a noo de sistema educacional tem carter ontolgico, pois se refere ao
modo como o prprio fenmeno educativo (ou deve ser) organizado. Alm do mais, o enfoque
sistmico, inspirado na Ciberntica (WIENER, 1964), tende a considerar o sistema como algo
mecnico, automtico, instaurando um processo em que os homens, em vez de sujeitos passam
condio de meros objetos do sistema, cujos pontos de referncia bsicos so os imput e output.
Um exemplo referido por Churchman particularmente ilustrativo ao referir-se a um sistema de
sade que pretende eliminar o sarampo: o sucesso do sistema resultar na reduo da mortalidade
infantil, e conseqentemente produzir um intolervel aumento da populao nas reas
subdesenvolvidas (CHURCHMAN, 1971, p. 56). Para evitar esse efeito indesejvel o autor invoca a
competncia do pensador de sistemas totais: talvez seja melhor deixar o sarampo fazer sua feia
obra do que permitir a fome resultante da exploso populacional (idem, ibidem).
Como aceitar um raciocnio como esse quando Josu de Castro j havia demonstrado, vinte
anos antes da publicao do livro de Churchman, que o mundo j era capaz de produzir alimentos pelo
menos para o dobro da populao (CASTRO, 1967, p. 13) que vivia naquela poca? Por que, ento, o
hipottico pensador de sistemas totais permite o aumento da mortalidade infantil? Que sistemas
totais so esses? Por que as referidas populaes se tornam objetos do processo que se inscreve no
mbito do enfoque sistmico?
Esses problemas se tornam particularmente agudos quando se trata do contexto educacional,
uma vez que a idia segundo a qual a tarefa primordial da educao a promoo do homem aceita
de modo geral.
Para alm da questo conceitual, os obstculos tambm persistem. Como foi evidenciado ao
longo da exposio, o desafio econmico ligado ao financiamento da educao continua presente.
Considerando-se que a fonte principal e quase exclusiva do financiamento do PDE est constituda pelo
FUNDEB, preciso reconhecer que o FUNDEB no representou aumento dos recursos financeiros. Ao
contrrio. Conforme foi divulgado no dia 20 de junho de 2007, na ocasio da sano da lei que
regulamentou o FUNDEB, o nmero de estudantes atendidos pelo fundo passa de 30 milhes para 47
milhes, portanto, um aumento de 56,6%. Em contrapartida o montante do fundo passou de 35,2
bilhes para 48 bilhes de reais, o que significa um acrscimo de apenas 36,3%. Esse fundo passa a
abarcar toda a educao bsica sem que, em sua composio, entrem todos os recursos que estados e
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municpios devem destinar, por imperativo constitucional, educao. O que estados e municpios
faro com os 5% que lhes restam dos recursos educacionais? Se, em razo da criao do FUNDEB,
esses entes federativos se sentirem estimulados a investir em outros setores para alm de suas
responsabilidades prioritrias (educao infantil e ensino fundamental para os municpios e ensino
fundamental e ensino mdio para os estados) esses recursos, com certeza, faro falta para a manuteno
da educao bsica. Tambm a complementao da Unio no implicou em acrscimo. Com efeito,
antes a Unio deveria entrar com pelo menos 30% de seu oramento. Ora, o oramento do MEC para
2007, aps o corte de 610 milhes imposto pela Fazenda, foi de 9 bilhes e 130 milhes de reais. Logo,
30% corresponderiam a 2 bilhes e 739 milhes. No entanto, a importncia prevista como
complementao da Unio para 2007 se limita a 2 bilhes. E, para 2008, esse desafio no s se
manteve como tendeu a se agravar. Isso porque o governo anunciou a necessidade de cortes no
oramento da educao para adequar as contas da Unio extino da CPMF. No bastasse isso, um
dos itens da reforma tributria que se pretende aprovar a extino do salrio-educao, cujo montante
superou, em 2007, a casa dos 7 bilhes de reais.
Mantm-se igualmente o obstculo da descontinuidade, o que se patenteia no alto grau de
fragmentao das aes que compem o PDE e nas disputas polticas que marcam os partidos nas
instncias federal, estadual e municipal. Em conseqncia, persistem tambm os obstculos
ideolgicos, pois a idia de sistema nacional de educao permanece sujeita a considervel
controvrsia, o que interfere no ordenamento legal que continua sendo um grande desafio para se
chegar a uma normatizao comum, vlida para todo o pas, condio indispensvel implantao do
sistema nacional de educao.
9. Concluso: algumas indicaes para a construo do sistema nacional de educao no
Brasil
Foi acertado o encaminhamento da organizao da Conferncia Nacional de Educao ao
articular, no tema central, a questo da construo do Sistema Nacional de Educao com o Plano
Nacional de Educao. H, efetivamente, uma ntima relao entre esses dois conceitos. Como se
mostrou, o sistema resulta da atividade sistematizada; e a ao sistematizada aquela que busca
intencionalmente realizar determinadas finalidades. , pois, uma ao planejada. Sistema de ensino
significa, assim, uma ordenao articulada dos vrios elementos necessrios consecuo dos objetivos
educacionais preconizados para a populao qual se destina. Supe, portanto, o planejamento. Ora, se
sistema a unidade de vrios elementos intencionalmente reunidos, de modo a formar um conjunto
coerente e operante(SAVIANI, 2008a, p.80), as exigncias de intencionalidade e coerncia implicam
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que o sistema se organize e opere segundo um plano. Conseqentemente, h uma estreita relao entre
sistema de educao e plano de educao.
Considerando que o prazo de vigncia do atual PNE se esgota em 9 de janeiro de 2011, ser
necessrio, o quanto antes, elaborar uma nova proposta e encaminhar ao Congresso Nacional o projeto
do novo Plano Nacional de Educao. preciso proceder a uma reviso detida e cuidadosa do atual
PNE refazendo o diagnstico das necessidades educacionais a serem atendidas pelo Sistema
Educacional. E esse trabalho dever, evidentemente, ser realizado j em perfeita sintonia com os
encaminhamentos relativos construo do Sistema Nacional de Educao.
No que se refere construo do Sistema Nacional de Educao propriamente dito, o ponto de
referncia o regime de colaborao entre a Unio, os Estados/Distrito Federal e os Municpios,
estabelecido pela Constituio Federal. A implementao do regime de colaborao implicar uma
repartio das responsabilidades entre os entes federativos, todos voltados para o mesmo objetivo de
prover uma educao com o mesmo padro de qualidade a toda a populao brasileira. Assim, deixam
de ter sentido os argumentos contra o sistema nacional baseados no carter federativo que pressupe a
autonomia de estados e municpios. O regime de colaborao um preceito constitucional que,
obviamente no fere a autonomia dos entes federativos. Mesmo porque, como j afirmei, sistema no
a unidade da identidade, mas unidade da variedade. Logo, a melhor maneira de preservar a diversidade
e as peculiaridades locais no isol-las e consider-las em si mesmas, secundarizando suas inter-
relaes. Ao contrrio, trata-se de articul-las num todo coerente, como elementos que so da mesma
nao, a brasileira, no interior da qual se expressam toda a sua fora e significado.
Na repartio das responsabilidades os entes federativos concorrero na medida de suas
peculiaridades e de suas competncias especficas consolidadas pela tradio e confirmadas pelo
arcabouo jurdico. Assim, as normas bsicas que regularo o funcionamento do sistema sero de
responsabilidade da Unio, consubstanciadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional e no
Plano Nacional de Educao. Os Estados/Distrito Federal podero expedir legislao complementar,
adequando as normas gerais a eventuais particularidades locais.
O financiamento do sistema ser compartilhado pelas trs instncias, conforme o regime dos
fundos de desenvolvimento educacional. Assim, alm do FUNDEB, que dever ser aperfeioado, cabe
criar tambm um Fundo de Manuteno da Educao Superior (FUNDES). Se no caso do FUNDEB a
maioria dos recursos provm de estados e municpios cabendo Unio um papel complementar, em
relao ao FUNDES a responsabilidade da Unio ser dominante, entrando os estados apenas em
carter complementar, limitando-se aos casos de experincia j consolidada na manuteno de
universidades.
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A responsabilidade principal dos municpios incidir sobre a construo e conservao dos
prdios escolares, assim como sobre a inspeo de suas condies de funcionamento. Efetivamente so
esses os aspectos em que os municpios tm experincia consolidada o que, obviamente, no impede
que eles assumam, em carter complementar e nos limites de suas possibilidades, responsabilidades
que cabem prioritariamente aos estados e Unio. Esto nesse caso, por exemplo, a formao,
definio das condies de exerccio e a remunerao do magistrio de todos os nveis de ensino.
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