sistema de numeração babilônico

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Prof. José do Carmo Toledo DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA, ESTATÍSTICA E CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO – DEMAT Introdução à História da Matemática Sistema de Numeração Babilônico

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Page 1: Sistema de Numeração Babilônico

Prof. José do Carmo Toledo DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA, ESTATÍSTICA E CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO – DEMAT

Introdução à História da Matemática

Sistema de Numeração Babilônico

Page 2: Sistema de Numeração Babilônico

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Sistema de Numera~ao Babilonico

BARRY D. VOGELI

Numa epoca anterior ao ano 2000 a.c. os babil6nios desenvolveram um sistema 1

de numerar;ao sexagesimal ou de base sessenta que empregava 0 princlpio posicional. Na

verdade l esse sistema era uma mistura de base dez e base sessenta, em que os numeros

menores que 60 eram representados pelo uso de um sistema de base dez simples/ por

agrupamentos, eo numero 60 e os maiores eram designados pelo princlpio da posir;ao na

base sessenta.

Os babil6nios escreviam em tabulas de argila, usando um estilo. Inicialmente era

usado um estilo cillndrico para imprimir sinais numericos na tabula umida, sendo que

uma forma circular representava 0 10 e uma meia-Iua representava a unidade. Esse

sistema/ depois, foi superado pelo uso de um estilo com extremidade triangular/ que

produzia as impressoes caracterfsticas em forma de cunha/ ou cuneiformes.

o sfmbolo , representava a unidade e era repetido para numeros ate 9.

o sfmbolo

representava 0 10 e era repetido e usado com 0 simbolo da unidade, conforme 0

necessario/ para representar numeros de 11 a 59.

Os numeros de 60 em diante eram representados em termos dos sfmbolos para os

numeros de 1 a 59/ usando 0 princlpio da posir;ao para indicar multiplos de potencias de

60. Nos textos dos antigos babil6nios (1800 a 1600 a.c.) nenhum sfmbolo era usado para

o zero! mas um espar;o em branco era deixado! para qualquer potencia de 60 ausente.

Alguns dos textos do per/odo seleucida (ultimos tres seculos a. C.) contem urn simbolo

separat6rio

usado para indicar tal espac;o vazio entre dfgitos. Esse sfmbolo, todavia, nunca era usado

(pelo menos nos documentos que nos chegaram), ao fim do numeral. Isso constitufa a

maior desvantagem do sistema babilOnico, pOis, a nao ser a partir do contextol nao havia

como determinar, por exemplo! se a combinac;ao

significava 111 11 . 60 ou 11 . 602.

Ainda assim! esse sistema de numerar;ao era superior aos outros sistemas antigos!

uma vez que foi 0 primeiro a empregar 0 conceito de valor relativo.

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o mesmo princlplo do valor relativo era usado tambem, vantajosamente, para

representar frac5es. 0 valor de 1 + 30/60 ou 11/2 seria representado por

Mas como nao era usada nenhuma separatriz ("vlrgula sexagesimal"), essa combinacao

tambem podia ser interpretada como 1 • 60 + 30, isto e, 90, ou 1/60 + 30/(602), isto e, 90/3.600 ou 1/40. As desvantagens dessa ambigOidade eram com­

pensadas, em grande parte, pela flexibilidade permitida pelo uso de tabelas para fins

computacionais.

No perfodo 6abilonico Antigo, 0 principio subtrativo as vezes era usado para

representar numeros. Assim, 0 19 seria representado S~QopF@:3eiltad'E> como 20 menos

I, com 0 sinallal C'subtrair"),

escrito entre 0 20 e 0 1.

A origem da base sessenta nao pode ser determinada com certeza. Uma teoria

plauslvel a associ a a valores encontrados em primitivos sistemas de pesos e medidas em

que uma unidade maior era 60 vezes a menor. Embora a divisao da circunferencia em

360 partes se originasse na astronomia babilonica nos ultimos seculos a.c., 0 sistema

sexagesimal de numeracao desenvolveu-se muitos seculos antes, e assim provavelmente

nada tem a ver com conceitos astronomicos, Na realidade, 0 sistema sexagesimal s6 era

aplicado consistentemente em contextos mate maticos ou astronomicos. Em tabelas

referentes a varios assuntos economicos (datas, medidas de pesos, areas etc.)

encontramos mesclas de base sessenta, base dez e outras bases.

Ao se usar notacao moderna para mostrar a forma do sistema sexagesimal,

costuma-se separar os "dfgitos" (de 0 a 59) por virgulas e usar ponto e vfrgula para

indicar a "virgula sexagesimal". Assim, 2,34;15 representa 2 • 60 + 34 + 15/60.

A posicao da separatriz deve sempre ser deduzida do contexto pela tradUl;ao das tabulas

originais; como ja se disse, nenhum simbolo especial era usado pelos babilonios com essa

finalidade.

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As dificuldades do sistema babilonio

Adaptac;;:ao de um trecho do livro "Historia Universal dos Aigarismos", de GEORGES IFRAH

Apesar de seu carater sexagesimal e estritamente posicional, a numerac;;:ao erudita

babil6nia foi decimal e de tipo aditivo no interior de cada ordem de unidades.

Inconveniente que engendrou, naturalmente, varias ambigOidades e que esteve na

origem de erros bastante numerosos. Assim, num texto matematico de Susa (d. BRUINS e

RUTIEN, texto v, tabul. Aa face; col. II, 1.4) 0 numero [10;15] = 1.0 x 60 + 15 e nomeado como se segue:

<<rf [10; 15J

Essa notac;;:ao pode ser confundido com as seguintes:

~Yf «W [25] e [10; 10; 5] (= lOx 6()2+ 10 X 60 .... 5) .....> ............>

Foi, portanto, um pouco como se os romanos tivessem aplicado 0 princlpio de

posic;;:ao a seus algarismos segundo a base sessenta, notando uma expressao como

10°3'1" (= 36.181") sob a forma:

xmI. se prestando, assim, aconfusao com

Conscientes da dificuldade, os escribas babil6nios e susianos deixaram por vezes

urn espac;;:o vazio para marcar bem a passagem de uma ordem sexagesimal aseguinte. E assim que, no mesmo texto (face, col. II, 1.3), 0 escriba contornou a dificuldade notando

o numero [10;10] (= 10 x 60 + 10) sob a forma:

-< -< [10-; 10] •• of " ••• • ,,>

As duas vigas da dezena foram assim muito nitidamente separadas, eliminando,

portanto, qualquer ambigOidade com a notac;;:ao do numero 20.

Num outro texto matematico de Susa (cf. BRUINS e RUTTEN, texto XXII, tabul. Q;

face, 1.10), encontramos igualmente a escrita do numero:

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[1;1;12] (- 1)( W+ I,x 60 + 12)

sob a forma:

T T<rr [I ; 1 ; 12]

'" .............. >

o espa,o vazio assirn deixado para distinguir essa representa,ao numerica da seguinte:

Tr<rr [2; 12l (::; 2 x.60 -+ 12) .......>

Por vezes, para evitar qualquer confusao entre varios pregos ou vigas sucedendo­

se, os escribas empregaram, em lugar do espa,o vazio, 0 sinal cuneiforme abaixo (trata­

se de urn duplo prego obliquo, ou de dois pregos superpostos):

, ou~ou 011

Isso servia, de um modo geral, como sinal de separa,ao nos textos cientfficos

ou literarios1•

Exemplos que pertencem a uma tabuleta matematica de Susa

(cf. BRUINS e RUTTEN, texto XII, tabul. Mi 1.16 e 19):

Exemplo 1.

r.(~ <Vf 4:Vf {1;lO~ 18: 45]

Sinaldcs~ I •••• ,. ,. ••••• *' , , " l' .. " • ,>

Exemplo 2.

-«~nr4~~ [20~ 3 ~ J3 ; 21; 33]

Simdde~ '" ......... 't .......................>

(= 20 X 60'+ 3 x 6()l+ 13 x 6()2 + 21 x 60 x 33)

1 Nos comenti3rios de textos litenkios, esse sinal servia, por vezes, para separar as palavras de suas explica~5es. Nos textos bilingOes ou triHngOes, servia tambem para marcar a passagem de uma lingua aoutra. E no catalogo dos pressagios, era empregado regularmente entre duas f6rmulas, ou ainda indicando 0 infcio de uma senten~a (cf. R. LABAT).

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Grac;as ao sinal de separac;ao a primeira notac;ao diferencia-se, portanto,

lllitidamente da do numero:

[1 ; 1 + 18 ; 45] (= I X 60'-+ 28 x 60+ 45)

E a segunda nao se presta a nenhuma confusao com a do numero:

[20+ 3; 13; 21 ~ 33] (:: 23 x W+ 13 x ~+ 21 x 60 + 33).

Mas essa dificuldade escondia uma outra muito mais grave: a ausencia do zero.

Durante mais de quinze seculos, as matematicos e astronomos babilonios ignoraram-no.

Assim, essa lacuna deve te-Ios incomodado consideravelmente.

Quando se aplica a principia de posic;ao, ha um momenta em que e necessaria

dispor de um sinal grafico especial para representar as unidades que faltam. Um

exemplo: quer-se escrever a numero dez utilizando nossa numerac;ao decimal de posiC;ao

atual. Dez e a base desse sistema: deve-se, portanto, colocar a algarismo 1 na segunda

posic;ao para que queira dizer: "uma dezena". Mas entao como significar que esse "1"

esta na segunda posi~ao se nao se tem nada para colocar na primeira fileira?

Doze e facil: escreve-se primeiro "1" e depois um "2" (uma dezena e duas unidades).

Mas e para dez? Epreciso colocar "1" e ... nada.

Tambem para setecentos e dais e preciso colocar um "2" na primeira posic;ao, um "7" na

terceira e nada entre as dais.

Esse "nada" acabar-se-a, portanto, pouco a pouco, par tamar consciencia de que se

deve obrigatoriamente figura-Io par "alga" se nao se quer atrapalhar-se em suas

representac;oes algaritmicas. Esse "alga" que nao quer dizer "nada", au antes, esse sinal

grafico, servindo para marcar a ausencia das unidades de uma certa ordem, sera

final mente a zero.

Par volta de 1.200 a. as eruditos babilonios ignoravam ainda esse conceito.

Prova disso: este exemplo extraido de uma tabuleta matematica dessa epoca2, em que se

pode ler isto (na linha 14):

"Calcula a quadrado de

IT-<<'JF [2 ; 27J

e encontraras:

2. A tabuleta provem de Uruk e remonta a uma epoca posterior ao final da primeira dinastia

babilonia (cf. T. THUREAU-DANGIN). Eatualmente conservada no Museu do Louvre sob 0

numero de inventario AD 17.264 (cf. RA, XXXI, 1934, p. 61-69).

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1WfW" [6 ; 9]

No nosso sistema posicional decimal 0 primeiro desses numeros equivale a:

(2 ; 27] = 2 X 60 + 27 = 147..

Seu quadrado e, portantol igual a:

147)( 147 =21.609.

E como este pade tambem ser decomposto sob a forma:

.6 x 3.600 + 0 X 60 +9 = 6 X W+ 0 X 60 + 9.

deveria ser escrito no sistema posicional sexagesimal babilonio colocando 0 algarismo \\9"

na primeira posi(;ao, 0 algarismo "6" na terceira e ... "nada" entre os dois.

Se 0 escriba tivesse conhecido 0 usa do zero, teria seguramente evitado

representar 0 quadrado de [2;27] sob a forma [6;9], que se presta visivelmente a confusao com 0 numero;

[6 ; 9) =6 X 60 + 9 =369!

Teria l portanto, notado 0 resultado escrevendo algo como:

[6; 0; 9},

marcando, assim, a ausencia das sessentenas (unidades sexagesimais de 2a ordem).

Outro exemplo do mesmo genero nos e fornecido por uma tabuleta matematica

babilonia datando de por volta de 1700 a.c.. Nesse document03, com efeito, os numeros:

[2 ; 0 ; 20] (- 2 X 6()l + 0 )( 60 + 20)

e

[1; 0; 10] (= 1 x 6()2+0 x60 + 10)

sao, respectivamente, indicados da seguinte maneira (cf. linhas 3 e 4 a esquerda da

tabuleta):

f( 2;20 1;10

Essas nota(;5es sao, eVidentemente, ambfguas, pOis, se prestam respectivamente a

3 Essa tabuleta FIgura entre as aqulsic;5es do Museu arqueol6gico de Berlim eleva 0 numero de

inventario VAT 8524 (cf. O. NEUGEBAUER [MKT]. II, pro 57; e F. THUREAU-DANGIN, problema 218).

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confusao com:

[2 ; 20] == 2 X 60 + 20:::: 140 e [1; 10} :::: I X 60 + 10::: 701

Para tentar sobrepujar essa dificuldade os escribas da Babilonia deixaram por vezes

um espa<;o vazio ali onde uma potencia de sessenta faltava.

Exemplo 1.

r '<<If (= 1 x 6Q2+ 0 x 60 + 25)

ausfncia das wudades de 21 ordem [1 ; ~; 2~J

Exemplo 2.

T (:;;; I x 6()2+ 0 x 60 + 35) [1; 0; 35] _............... ->

Exemplo 3.

r (s: 1 x6QZ+O X 60 + 40) [1; 0; 40] .... " " ..... " "- . . ->

Exemplo 4.

[I ; 27 ; 0 ; 3 ; 45]

4 Os exemplos 1, 2 e 3 foram descobertos em tabuletas matematicas em Susa (cf. BRUINS e

RUTTEN, texto V, tabul. Aa, verso, col. 1, 1.39; texto VI, tabul. Bb, face, col. I, 1.25 e 8) e.o

exemplo 4 na tabuleta da FIGURA 1, a seguir, linha 15. Precisemos que as interpretac;oes

dadas a essas diversas menc;oes numericas sao certas, ja que os valores considerados

respondem a relac;oes matematicas ciaramente indicadas pelo contexto.

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9

t

2

3 4

5 6 7

8

9

10 11

12

13 14

1.5 16

17

TRANSCRI\,:Ao

2 3 4 5 6 7

8 91 0 t-;r-:::,,-::-:~!'-...L.,;...,~-=-___

II 12 l3 t:1',,==,~~~-'---L--.!._.l..-_

14 15 16 17

* Esp~o vario exprimindo a amentia de unidade de uma eerta fiIeira.

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Mas, 0 problema nem p~r isso foi resolvido. Esse espac;o era freqOentemente

omitido pelos escribas distrafdos ou pouco conscienciosos. Por outro lado, era diffcil,

nessas condic;6es, simbolizar a ausencia de duas ou mais ordens de unidades

4aconsecutivas: como representar, p~r exemplo, a ausencia das unidades das 3a e

ordens p~r dois "brancosll consecutivos? Enfim, se em virtude da ausencia do zero 0

algarismo 4, p~r exemplo, podia tanto representar 4 quanto 4 x 60, 4 X 602, 4 X 603 OU

4 X 604 , como se podia saber que se tratava de um ou outro desses valores?

A todas essas dificuldades vieram acrescentar-se as da notac;ao das frac;6es.

Enquanto seus predecessores tin ham atribuido um algarismo particular a cada frac;ao em

questao, os babilonios, partindo do princlpio de posic;ao, estenderam a representac;ao as

frat;oes cujo denominador e uma potencia de 60. Noutros termos, a notac;ao sexagesimal

posicional foi estendida ao que chamarfamos hoje as potencias negativas de 60 (60-1 = 1/60, 60-2 =1/602 =1/3.600, 60-3 =1/603 = = 1/216.000 etc.). De modo que 0

sfmbolo da unidade veio a significar nao apenas 1, 60, 602 , .,,' mas tambem um

sessenta avos etc. DOis pregos podiam portanto significar tanto 2 ou 2 x 60 quanto

2/60 (um trigesimo) ou 2/3.600; a representat;ao de 15 podia ter 0 sentido

suplementar de 15/60 e a notac;ao de 30 podia ser interpretada como 30/60.

Assim, a numerac;ao era desenvolvida aesquerda em potencias positivas de 60 (1,

60, 602 , 603 etc.) e a direita em potencias negativas da base (1, 60-1 60-2 etc.),1

exatamente da mesma maneira como 0 desenvolvimento dos numeros em potencias

positivas ou negativas de dez de nosso sistema posicional decimal. A unica diferenc;a e

que nao houve no sistema babilonio nenhum sinal comparavel a nossa vfrgula para

permitir a separac;ao da parte inteira da parte fracionaria.

E a razao de certas dificuldades que veremos nas tres interpretac;oes seguintes

(entre tantas que se poderia fazer) a partir de uma notac;ao dada:

Notarrao: -«w --«<W [25 38J

2Sx60+38 25 +38/60 25160 + 3813 600

Durante mais de um milemio todas essas ambigOidades n130 impediram os

matematicos e os astronomos da Babil6nia de efetuarem, com a ajuda de seu sistema

imperfeito, muitos calculos sofisticados. Everdade que esses eruditos tiveram sempre em

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mente a ordem de grandeza em questao: todas as confusoes engendradas p~r seu

sistema eram resolvidas ou peto contexto (isto e, pelos proprios dados do problema), ou

pelo comentario do mestre que devia precisar de viva voz, ao mesmo tempo, os dados e

a ordem de grandeza.