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SISTEMAS ALTERNATIVOS DE DESCONTAMINAÇÃO DE ÁGUA: UMA
REFLEXÃO SOBRE A QUESTÃO HÍDRICA NO BRASIL
Identificação
Paulo Bernardi Junior, Dr. em Energias Renováveis IPEN-USP, gestor ambiental FSP-USP e
biólogo; Janaina da Silva Augusto, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora de história e geografia.
Modalidade
Relato de experiência
Resumo
Em função dos objetivos da UNESCO para o ano de 2013, que contemplava o tema –
“ano internacional da cooperação da água”, teve como principal objetivo promover uma reflexão
sobre a crise hídrica que atinge todas as regiões do país e é resultado da ação predatória do
homem no meio natural.
Diante disso, foram apresentadas alternativas de sistemas já utilizados em outros países
para promover, a baixo custo, processos de descontaminação dos recursos hídricos utilizando um
experimento científico que demonstrou uma possibilidade alternativa, com a utilização da
filtragem de material particulado a partir da utilização de filtro de areia e do sistema SODIS de
descontaminação biológica (utilizando os raios ultravioletas do sol para a desinfecção da água).
Sendo que a montagem do equipamento e as características desse experimento contemplaram
soluções viáveis e sustentáveis.
Os sistemas de descontaminação por filtragem e por ação biológica podem ser utilizados
em regiões do país afetados pela escassez e contaminação dos recursos hídricos, em função do
baixo custo e da facilidade de construção e utilização por qualquer pessoa, sem a necessidade de
treinamento especializado.
A observação, análise e reflexão sobre a problemática hídrica foram observadas e
contextualizadas pelos alunos envolvidos no projeto, durante os processos de estudo de meio e
das experiências científicas desenvolvidas no colégio.
Palavras Chaves:
Crise hídrica, descontaminação, sistemas alternativos.
Problema
Diante das reflexões propostas pelo tema da UNESCO em 2013 sobre a necessidade da
implantação de sistemas de reutilização de recursos hídricos na sociedade contemporânea, é que
a equipe multidisciplinar de professores do Colégio Notre Dame, junto aos alunos dos sexto e
sétimo anos, propôs colocação do tema problema: Como tratar e descontaminar, de forma
sustentável, recursos hídricos que sofreram contaminação por interferência direta ou indireta do
homem?
Objetivos
A relação estabelecida entre homem e natureza é responsável por impactos ambientais
negativos que revelam as fragilidades do meio natural em manter a vitalidade dos recursos
naturais essenciais à vida humana. Esses impactos são muito significativos nas águas,
provocando a deterioração e a crise hídrica, a qual se constitui um problema mesmo para países
com grande disponibilidade de água como o território brasileiro, conforme destacado por
REBOUÇAS, (2002, 689) “[....] a baixa eficiência dos serviços de oferta d’água nas cidades, os
grandes desperdícios e a degradação da sua qualidade em níveis nunca imaginados, poderão
colocar países ricos de água doce, como o Brasil, na vala comum dos pobres e muitos pobres de
recursos hídricos.”
Pensando nisso, várias instituições sem fins lucrativos (ONG’s), tomam iniciativas que
acabam por levar uma grande ajuda emergencial para populações que são afetadas pela escassez
e contaminação dos recursos hídricos, sem se falar na importante mudança de mentalidade
ambiental que essas iniciativas acabam causando. As ações alternativas e sustentáveis propostas
por essas organizações são de suma importância para o desenvolvimento de práticas econômicas
que sejam viáveis ambientalmente e supram as necessidades de várias comunidades.
Nesse sentido, o corpo docente e discente do colégio Notre Dame desenvolveram
pesquisas, observações e análises de vários ambientes hídricos e, foram motivados a desenvolver
formas alternativas e sustentáveis de economizar água, além de refletir sobre os problemas
ligados com a perspectiva da contaminação dos recursos hídricos, buscando soluções
sustentáveis com o objetivo proporcionar uma melhor qualidade de vida para as comunidades
locais que sofrem com o desabastecimento e a falta de tratamento adequado da água.
Fundamentação Teórica
O projeto desenvolvido durante o ano de 2013, partiu do pressuposto teórico referendado
pelo PEA UNESCO – que contempla quarto pilares fundamentais: aprendizagem intercultural,
sustentabilidade, cultura de paz e a compreensão do sistema das Nações Unidas (PEA, 2013).
Partindo desses princípios, os projetos são sistematizados e desenvolvidos a partir de um tema
anual gerador, no caso – o ano de cooperação da água.
Outro princípio teórico compreendido foi a reflexão sobre o conceito de desenvolvimento
sustentável, que é admitido como capacidade de desenvolver no presente, sem comprometer as
necessidades das gerações futuras, desenvolver ao ponto sustentável significa desenvolver ao
ponto de equilíbrio entre os três componentes do meio ambiente, ou seja, o natural/ecológico, o
social e o econômico. (CAVALCANTI, 1998).
A perspectiva interdisciplinar das atividades de educação ambiental desenvolvidas em
2013 pelo colégio Notre Dame, são validadas teoricamente por MORRIN (2003), que revela à
percepção da urgência ambiental que as camadas mais necessitadas da população vivem e de que
a conscientização e a busca de soluções sustentáveis envolve um pensamento complexo,
interdisciplinar e afastado de qualquer interesse que não seja o bem estar do próximo e a saúde
do meio ambiente envolvido.
Como aporte teórico para a reflexão sobre a questão hídrica no Brasil, WREGE (2000)
nos diz que o deficit de água, produto da modificação ambiental cujo processo encontra-se
acelerado, atinge a higidez humana não somente pela sede, principal consequência da escassez
de água, mas também por doenças e queda de produção de alimentos, o que gera tensões sociais
e políticas.
Diante desse referencial teórico, é que todas as ações que permearam o projeto do colégio
Notre Dame em 2013 foram desenvolvidas.
Resultados Obtidos
Dentro dos parâmetros dessa discussão, foi realizada a atividade de estudo do meio nas
cidades de Itu e Salto com os alunos do sexto ano e, na cidade de Brotas com a sala do sétimo
ano do ensino fundamental II (fig.1). Esses estudos do meio tiveram o objetivo de reconhecer os
impactos ambientais relacionados com a exploração dos recursos florestais e hídricos. Os alunos
envolvidos no projeto foram orientados a procurar trabalhos nessa área e especificar quais
deveriam ser as soluções que seguissem as coordenadas já citadas. Chegou-se à solução sugerida
pelo sistema “SODIS”- Solar Water Disinfection, recomendado pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), para a construção de um filtro de água para contenção de material particulado e
um sistema que utilizou os raios UV contidos nos raios solares visando a descontaminação dos
recursos hídricos, pois foi reconhecida a importância desses mecanismos na descontaminação da
água, e mostram-se sistemas limpos, eficientes e economicamente viáveis.
Após a fundamentação teórica sobre os processos desenvolvidos pelo sistema SODIS, as
turmas realizaram um trabalho que fizesse aumentar o conhecimento em relação ao tema e, que
relacionasse as questões ambientais com as formas alternativas de recuperação de recursos
hídricos contaminados como o filtro e o processo de descontaminação por aquecimento solar,
além de desenvolver pesquisas temáticas sobre as dificuldades vividas por populações em
diversas partes Brasil, em relação a ambientes devastados pelo homem ou áridos naturalmente e
que sofrem com a escassez e contaminação permanente dos corpos hídricos. Os alunos foram
conduzidos a verificar a dificuldade de obtenção de água em várias regiões do país e refletir
sobre as causas e consequências das doenças de vinculação hídrica.
Figura 1: Estudos dos meio realizados pelas turmas do sexto e sétimo anos
Fonte: arquivo pessoal, abril de 2013.
A- Filtro para material particulado
Para a filtragem do material particulado que turva a água retirada diretamente da natureza
e que não pode estar presente no momento da utilização do sistema SODIS, pois impede que os
raios UV atravessem por igual a garrafa PET que contem a água, foi usado um filtro de areia
(fig.2) composto por: Um balde de plástico transparente de 20 litros vendido no comércio, uma
torneira plástica usada para filtros convencionais, e os seguintes elementos filtrantes, também de
fácil obtenção colocados em camadas.
-Camada A: Tecido de “bidin” para filtragem final.
-Camada B: Cascalho grosso de brita.
-Camada C: Cascalho médio de brita.
-Camada D: Cascalho fino de brita.
-Camada E: Areia de rio grossa.
-Camada F: Areia de rio fina.
Com esse sistema foi possível retirar a turbidez da água, permitindo assim o uso do
sistema SODIS. Figura 2: Filtro de material particulado utilizando areia.
Fonte: arquivo pessoal, setembro de 2013
B- Sistema de descontaminação da água por raios UV solares e calor
A desinfecção solar da água (SODIS) é muito simples, ecologicamente sustentável, uma
solução de baixo custo para se beber água tratada a nível doméstico. O SODIS usa energia solar
para a destruição de microrganismos patogênicos – organismos causadores da contaminação da
água com doenças, com isto melhorando a qualidade da água de beber. Os microrganismos
patogênicos são vulneráveis a dois efeitos da luz solar: radiação no espectro da luz UV-A e calor
(aumento de temperatura da água). Há uma combinação destes dois efeitos, tornando o efeito em
conjunto muito maior que a soma dos efeitos em separado. Isto significa que a mortalidade dos
microrganismos aumenta quando eles são expostos simultaneamente a um aumento de
temperatura e a luz UV-A. SODIS é ideal para desinfectar quantidades pequenas de água de
baixa turvação. A água contaminada é colocada em garrafas de plástico transparente e exposta à
plena luz solar durante seis horas. No período de exposição solar os microrganismos causadores
de doenças são destruídos. Havendo nebulosidade durante pelo menos 50% do período, as
garrafas de plástico precisam ser expostas durante por 2 dias sucessivos para produzirem água
segura para consumo. Porém, se as temperaturas da água excederem 50°C, uma hora de
exposição é suficiente para obter água boa para consumo. A eficiência do tratamento pode ser
melhorada se as garrafas de plástico estiverem acomodadas em superfícies refletoras da luz solar
como alumínio ou placas de ferro onduladas (SODIS, 2013).
Para o desenvolvimento desse processo, foi montada uma placa refletora feita de telha
plástica forrada com papel alumínio, para melhor reflexão dos raios solares. As garrafas PETs
foram devidamente higienizadas para receber a água contaminada. Essas garrafas foram expostas
ao sol no período estipulado pelo manual SODIS, durante seis horas, recebendo a devida
incidência de luz e calor, o que conferiu ao experimento o resultado esperado (fig.3).
Figura 3: montagem do sistema de descontaminação de água pelos alunos do Colégio Notre
Dame
Fonte: arquivo pessoal, setembro de 2013
Conclusão
O tema norteador da mostra do conhecimento realizada pelo colégio Notre Dame, foi
pautada nas propostas direcionadas pela UNESCO – ano internacional da cooperação da água.
Nesse sentido, os alunos do sexto e sétimo anos tiveram a oportunidade de expor o percurso do
projeto – estudo do meio, pesquisas temáticas e experimentos científicos do filtro para material
particulado e do sistema de descontaminação da água. Esses experimentos permitiram a
compreensão sobre o manejo e recuperação sustentável de recursos hídricos, assim como, na
participação cidadã de ações que permitam o reconhecimento da real definição do termo
sustentabilidade, onde desenvolvimento econômico das comunidades contemporâneas não
deixou de ser associados com a preservação recursos ambientais (LEFF, 2001).
A conclusão que os alunos chegaram sobre o sistema de descontaminação por meio de
utilização do calor solar e do filtro para material particulado, foi que esses métodos podem
possibilitar a eliminação de micro-organismo e são de fácil confecção e manejo, além de
apresentar um custo baixo para sua implantação tornando-se compatível com a realidade
econômica de várias localidades no Brasil.
A eficácia desses sistemas foi comprovada através da análise microbacteriológica
realizada no laboratório do colégio, porém é importante ressaltar que a desinfecção por luz e
calor não elimina a contaminação química. Os alunos também compreenderam que em países de
clima tropical, ou com incidência de raios solares suficientes, o sistema de descontaminação por
luz e calor é muito eficiente, sendo seu custo restrito ao material utilizado, não produzindo
nenhum tipo de impacto ao meio ambiente. Nesse sentido, esse sistema alternativo de
descontaminação torna-se ideal para comunidades com recursos econômicos limitados e que não
possuem tratamento adequado dos recursos hídricos.
As produções realizadas dentro desse projeto tiveram como objetivo propor a discussão
sobre o sentido da sustentabilidade ambiental através do enfoque na preservação dos recursos
hídricos. Os sistemas escolhidos como forma alternativa de filtragem e descontaminação de
água, são de fácil execução, baixo custo, mínimo impacto e, alcançaram a funcionalidade
desejada, contemplando de forma efetiva os objetivos pedagógicos propostos pela UNESCO.
Nesse sentido, o projeto desenvolvido pelo corpo docente e discente do Colégio Notre
Dame foi marcado pela pluralidade de seus princípios, destacando o viés ambientalmente
sustentável, a prática científica e a formação participativa e crítica para a cidadania.
Referências
CAVALCANTI, C.(org.) Desenvolvimento e Natureza: estudo para uma sociedade sustentável.
São Paulo: Cortez, 1998.
MORIN Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.
PEA UNESCO. Disponível em: <www.peaunesco.com.br>. Acesso março de 2013.
LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Rio de
Janeiro: Vozes, 2001.
Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001. Banco Mundial, 2001, págs. 302/303.
REBOUÇAS, Aldo da C. (Coord.) et al. (2002): Aspectos relevantes do problema da água. In:
_____. Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação, 2. ed., São Paulo:
Escrituras. 687-702.
SODIS. Disponível em: <www.sodis.ch/index>. Acesso março de 2013.
WREGE M. A ética da água. InformANDES 2000;(96):12.