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www.ts.ucr.ac.cr 1 O Serviço Social e a intervenção no processo educativo de Capacitação de Conselheiros (as) de Saúde em Mato Grosso Marilda C. E. Matsubara * Nina Rosa Ferreira Soares ** O Serviço Social vem enfrentando, hoje, desafios significativos desencadeados pelo processo de globalização que vem redimensionando, em âmbito mundial, as relações econômicas, sociais, políticas e culturais, cuja visibilidade aparece em três grandes dimensões: na esfera do Estado e das políticas públicas; no mundo do trabalho e da cultura. O processo de gobalização, de acordo com IANNI (1992) envolve relações, processos e estruturas de dominação política e apropriação econômica de alcance global que vem operando desigual e contraditoriamente. Nesse sentido, a sociedade global deve ser compreendida enquanto uma totalidade histórico-social diversa, abrangente, complexa, heterogênea e contraditória em escala desconhecida. Ainda segundo IANNI, o mesmo processo de globalização em que é desenvolvida a interdependência, a integração e a dinamização das sociedades nacionais, produz desigualdades, tensões e antagonismos. Assim, podemos dizer que as desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais estão lançadas em escala mundial, porém podem ser minimizadas à medida em que ampliem-se as formas de controle da sociedade sobre o Estado. Se o processo de globalização, como analisa MATSUBARA (1997), não é algo que inexoravelmente leva-nos ao caos e a falência absoluta do Estado e da sociedade civil, é possível dizer que abre-se, nesse mesmo processo, a possibilidade de dar a ele um novo rumo que se expressa, entre outras dimensões, pela constituição e a consolidação da esfera pública. A constituição da esfera pública no Brasil, entendida segundo RAICHELLIS (1997) * Professora do Departamento de Serviço Social da UFMT. Mestra em Educação Pública. Assessora e Monitora do Projeto de Capacitação de Conselheiros. ** Assistente Social Sanitarista. Mestranda em Educação pela UFMT. Representante do Instituto de Saúde Coletiva/UFMT no Grupo de Condução do Projeto de Capacitação de Conselheiros e Monitora.

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O Serviço Social e a intervenção no processo educativo de Capacitação de Conselheiros (as)

de Saúde em Mato Grosso

Marilda C. E. Matsubara∗ Nina Rosa Ferreira Soares∗ ∗

O Serviço Social vem enfrentando, hoje, desafios significativos desencadeados pelo

processo de globalização que vem redimensionando, em âmbito mundial, as relações

econômicas, sociais, políticas e culturais, cuja visibilidade aparece em três grandes dimensões:

na esfera do Estado e das políticas públicas; no mundo do trabalho e da cultura.

O processo de gobalização, de acordo com IANNI (1992) envolve

relações, processos e estruturas de dominação política e apropriação

econômica de alcance global que vem operando desigual e contraditoriamente.

Nesse sentido, a sociedade global deve ser compreendida enquanto uma

totalidade histórico-social diversa, abrangente, complexa, heterogênea e

contraditória em escala desconhecida.

Ainda segundo IANNI, o mesmo processo de globalização em que é

desenvolvida a interdependência, a integração e a dinamização das

sociedades nacionais, produz desigualdades, tensões e antagonismos.

Assim, podemos dizer que as desigualdades sociais, econômicas,

políticas e culturais estão lançadas em escala mundial, porém podem ser

minimizadas à medida em que ampliem-se as formas de controle da sociedade

sobre o Estado. Se o processo de globalização, como analisa MATSUBARA (1997), não é algo que

inexoravelmente leva-nos ao caos e a falência absoluta do Estado e da sociedade civil, é

possível dizer que abre-se, nesse mesmo processo, a possibilidade de dar a ele um novo rumo

que se expressa, entre outras dimensões, pela constituição e a consolidação da esfera

pública.

A constituição da esfera pública no Brasil, entendida segundo RAICHELLIS (1997)

∗ Professora do Departamento de Serviço Social da UFMT. Mestra em Educação Pública. Assessora e Monitora do Projeto de Capacitação de Conselheiros. ∗∗ Assistente Social Sanitarista. Mestranda em Educação pela UFMT. Representante do Instituto de Saúde Coletiva/UFMT no Grupo de Condução do Projeto de Capacitação de Conselheiros e Monitora.

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como sendo “parte integrante do processo de democratização da vida social, pela via do

fortalecimento do Estado e da sociedade civil, de forma a inscrever o interesses das maiorias

nos processos de decisão política” vem se firmando como um novo espaço de participação e

possibilidade do exercício do controle da sociedade sobre as ações do Estado.

Segundo TELLES (1994),

“nesses tempos em que se redefinem as relações

Estado, economia e sociedade, em que a crença em

soluções redentoras não mais se sustenta, em que

exclusões velhas e novas, se processam numa

lógica que escapa às soluções conhecidas, o que

parece estar em jogo é a possibilidade de uma nova

contratualidade que construa uma medida de

eqüidade e as regras de civilidade nas relações

sociais”.

Ainda, conforme TELLES (1994), deve-se construir uma noção plural

de bem público, não como consenso que dilui históricas diferenças e

interesses em conflito, nos espaços públicos, mas que expresse “a

pluralidade das opiniões, onde os conflitos tomam visibilidade e as

diferenças se representam nas razões que constróem os critérios de

validade e legitimidade dos interesses e aspirações defendidos como

direitos“.

A perspectiva da ocupação dos espaços públicos de participação social,

tanto quanto as novas demandas trazidas hoje pela sociedade, pelo mercado

e mesmo pelo Estado, representam um grande desafio, também, para as

profissões, de um modo geral, e em particular para o Serviço Social. Esse

desafio consiste fundamentalmente em traduzir, no seu interior, a

complexidade dessas transformações de modo a instigar a busca da

construção de mediações que possam contribuir para a analise não só do

seus impactos no âmbito da profissão, como também para a antecipação das

respostas às demandas que delas advierem. Procuraremos neste trabalho fazer uma reflexão sobre a contribuição de Assistentes

Sociais no processo de qualificação da participação em espaços institucionalizados de gestão

pública, configurados, aqui, pelos Conselhos de Saúde.

A Política de Saúde definida pela Constituição Brasileira e suas leis

complementares se sustenta no Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como

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diretrizes básicas a universalização do sistema; a descentralização das ações;

e a participação popular. Esta participação é expressa, principalmente, através

dos Conselhos e das Conferências de Saúde.

Os Conselhos de Saúde surgem, no cenário político sanitário brasileiro,

integrando a configuração institucional do Sistema Único de Saúde, cabendo-

lhes a missão de “garantir o cumprimento da participação da comunidade e

assegurar o controle social sobre as ações e serviços de saúde”. 1 São

instâncias colegiadas compostas, paritariamente, por representações

governamentais e não governamentais com objetivo de deliberar e fiscalizar as

políticas de saúde, inclusive em seus aspectos econômicos, em cada uma das

esferas de governo, de acordo com a Lei 8.142 de 1990 2.

Embora a participação popular esteja garantida em lei, os Conselhos, na

prática, vêm enfrentando dificuldades estruturais para se constituírem em

espaços privilegiados para o exercício da cidadania, sobretudo, porque a

Política de Saúde no Brasil também é permeada por contradições.

Se de um lado esta política, assume, de acordo com a Constituição

Brasileira, um caráter universal, centrado na inclusão, por outro, é determinada

por um sistema capitalista neoliberal, centrado na exclusão. Nesse sentido,

temos um sistema de saúde de conotação socializante sustentado por uma

lógica individualizante.

É nesse cenário que os Conselhos de Saúde vêm se institucionalizando

enquanto estratégia de controle e participação da população na gestão pública.

E, apesar de todas as limitações e contradições, diferentes práticas políticas

começam a ser engendradas a partir da participação de novos agentes

políticos – os movimentos sociais – na esfera pública. Para SADER (apud

CASTRO, 1998), é exatamente a inserção desses novos personagens, que vão

dar condições para o exercício da democracia.

Os Conselhos de Saúde, enquanto espaços de Controle Social no SUS -

aqui entendido, como controle da sociedade civil organizada sobre as ações do

1 CARVALHO, Antônio Ivo de. Conselhos de Saúde no Brasil: participação cidadã e controle do Estado sobre a sociedade. 2 Lei 8.142 de 28.12.90- dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área de saúde e dá outras providências.

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Estado3, apesar de definidos em lei, como já visto anteriormente, em si

mesmos não garantem esse controle. Essa garantia passa, sobretudo neste

momento histórico, pela rearticulação das forças organizadas da sociedade civil

para efetiva ocupação, com qualidade, desses espaços coletivos de

participação no sentido de que esta se traduza em melhoria das condições de

vida e saúde da população.

A partir desses marcos analíticos, é possível dizer que os impactos do

processo de globalização sobre o sistema de saúde brasileiro e,

consequentemente, sobre as suas formas institucionalizadas de controle

social, serão positivos ou não, no limite da participação e organização da

sociedade civil.

Assim, o exercício do Controle Social está condicionado, principalmente,

ao acesso à informação; à formação técnico-política; à representação

legitimamente respaldada pelas bases e a um processo técnico-político e

pedagógico. É a com esta compreensão, que o Projeto de Capacitação de Conselheiros de Saúde e

Sociedade Civil Organizada, em Mato Grosso, está sendo entendido como um espaço

profissional para o Serviço Social, de caráter educativo-político, que pode contribuir

significativamente com a formação de uma consciência crítica conseqüente, que se expresse

em ações redefinidas e renovadas de todos os atores envolvidos no processo - sociedade civil

e profissionais - numa perspectiva dialética de construção do conhecimento e de ação.

O Projeto de Capacitação de Conselheiros de Saúde, em Mato Grosso,

é resultado de um longo processo de análise e avaliação sobre a participação

da comunidade nos Conselhos.

Este, por si só, já é expressão de um trabalho coletivo na medida em

que estiveram envolvidos, em todas as suas etapas, diferentes atores

representantes de instituições governamentais, não governamentais e

movimentos populares4 .

O Projeto de Capacitação, portanto, tem substancialmente uma

dimensão educativa e a perspectiva do CONTROLE SOCIAL é o seu grande

3 “O controle social é um processo no qual a população participa, através de representantes, na definição, execução e acompanhamento de políticas públicas, as políticas de governo”. (MS, 1994) 4 Instituições e Organizações envolvidas : Secretaria Estadual de Saúde/MT, Conselho Estadual de Saúde/MT, Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso, Conselho de Secretários Municipais de Saúde - COSEMS/MT, Fundação de Saúde de Cuiabá - FUSC, Movimento Popular de Saúde - MOPS, Grupo de Saúde Popular - GSP e Instituto

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eixo articulador. Assim, é preciso compreender de um lado, os princípios dos

quais se parte para exercer o controle social e o nível de organização da

sociedade e, de outro que os Conselhos são instâncias coletivas mas

contraditórias perpassadas por diferentes interesses. A participação, nesse espaço colegiado, se dá através da representação. Esta, em

última instância, está relacionada à ação através da qual os interesses dos representados são

expressos em organismos colegiados. Assim sendo, podemos dizer que, nos Conselhos, esses

representados, as condições de participação dos seus representantes bem como as

possibilidades de mobilização e organização das suas bases, apresentam diferentes matizes

que resultam da construção da trajetória de cada segmento que compõe esse espaço.

A representação nos Conselhos, espera-se, deve estar sustentada na

base dos seus respectivos segmentos. Todavia , sabemos que isso não se dá

assim, tão tranqüilamente. Este Projeto contribui com o resgate do sentido

maior da participação5 e, através dela, busca fortalecer a concepção e a prática

do controle social na área da saúde.

Os relatórios produzidos pelas Conferências de Saúde, pelas Plenárias e

por outros fóruns coletivos de discussão e deliberação sobre os princípios e

diretrizes do SUS, em Mato Grosso, no que se refere ao controle social, vêm

evidenciando que a sociedade conquistou espaços democráticos de

participação mas está encontrando dificuldades de diversas ordens, para a sua

concretização, dentre elas a qualificação técnica e política.

Assim, podemos dizer que o processo de constituição dos Conselhos

trouxe desafios a serem enfrentados tanto por profissionais ligados às

instituições de saúde quanto por movimentos populares, por organizações não

governamentais e instituições formadoras de recursos humanos.

No campo da saúde pública, o Movimento Sanitário já no final da década

de 70, por exemplo, indicava para a necessidade de uma articulação entre a

atuação profissional e as novas solicitações da sociedade. Isso, pode-se dizer

que foi um salto de qualidade na medida em que encaminha-se para a

ampliação da própria concepção de atuação profissional que aparece, então,

sintonizada com as novas demandas societárias dos anos em que se torna

Pastoral de Educação em Saúde Popular - IPESP 5 UGA (1991) indica algumas condições necessárias à participação: “1) garantia do acesso às informações necessárias para a gestão; 2) garantia de assento aos segmentos menos poderosos da sociedade na composição dos conselhos de direção; 3) a transparência dos processos de gestão e tomada de decisões”’.

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pauta de discussão nacional a redemocratização social e política brasileira. Esse novo cenário tem também rebatimentos diretos no Serviço Social, configurando-

se em um novo espaço para sua atuação onde, Assistentes Sociais aparecem como

articuladores, estabelecendo mediações possíveis entre o Estado e a Sociedade Civil.

Para BRAVO (1996),

“os assistentes sociais da área da saúde necessitam construir

alternativas profissionais que superem as atividades técnico-

burocráticas e focalizem a ação técnico - política, contribuindo

principalmente para viabilizar a participação popular, a

democratização das instituições, a elevação da consciência sanitária

e a ampliação dos direitos sociais.”

Considera, ainda, que a articulação com a sociedade civil é um desafio para o Serviço

Social uma vez que, a prática profissional não vem acompanhando a renovação do debate

teórico-metodológico.

O Serviço Social construiu um discurso importante e significativo que

valoriza, sobremaneira, a ação profissional no processo de organização da

sociedade civil através dos movimentos sociais e populares, e junto a

Organizações Não governamentais. No entanto, é importante que essa

vinculação efetiva dos profissionais seja ampliada de forma a que tenha maior

visibilidade para a sociedade.

ESCOREL (1989) quando analisa a saúde como um campo privilegiado

de conflitos de interesses onde se enfrentam o direito em si e o exercício deste,

o faz na medida em que considera que “a saúde é um elemento potencial de

consenso, a forma de distribuição desse direito consensual é que é motivo de

dissenso.” Neste sentido, é fundamental que profissionais de Serviço Social

busquem responder às demandas colocadas pela sociedade do final do século

marcada por uma nova reordenação das relações sociais, econômicas e

políticas. Cada vez mais é significativa a participação da sociedade civil em

espaços institucionalizados de decisão como é o caso dos Conselhos de

Saúde, entre outros.

A possibilidade do Serviço Social antecipar as novas demandas, como

nos diz NETTO (1996), certamente indicará a atualidade da profissão que é

marcada, entre outros fatores, pela conexão que estabelecer com as mesmas.

É a busca desta conexão que motivou o nosso envolvimento com o

Projeto de Capacitação de Conselheiros e Sociedade Civil Organizada.

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CONSTRUINDO O PROJETO...

A construção de um projeto coletivo sustentado numa metodologia participativa, implica

sempre na discussão, análise e avaliação das propostas apresentadas pelos atores envolvidos

no processo em suas respectivas instâncias. Nesta direção o Projeto teve como marco a

realização, em meados de 1996, de uma OFICINA, com a participação de várias instituições;

movimentos sociais; e organizações não governamentais, visando a sua construção.

Concluída essa etapa os resultados foram apresentados na III

Conferência Estadual de Saúde de Mato Grosso, que além de valorizar a

iniciativa interinstitucional, recomendou a sua realização. A Secretaria de

Estado da Saúde de Mato Grosso toma, então, a decisão política de encampar

a proposta e financiar o Projeto ao que teve também a aprovação do Conselho

Estadual de Saúde. Isso foi fundamental, na medida em que houve o

reconhecimento da importância do desenvolvimento de um trabalho educativo-

político que, em última instância, é vital para a efetivação do Controle Social no

Estado.

O SIGNIFICADO DA CAPACITAÇÃO

A capacitação assume, aqui, como eixo central, a dimensão da construção coletiva,

necessitando do envolvimento direto de todos os atores comprometidos com o Projeto6. Neste

caso específico, os atores são MONITORES7 e conselheiros que, sabidamente têm diferentes

perspectivas, vivências e experiências. Essa diversidade é, basicamente, a matéria prima mais

significativa do processo já que o reconhecimento da diferença é o que nos possibilita perceber

a perspectiva do outro. Isso implica em esclarecer que, não se buscou, em nenhum momento,

a homogeneidade e o nivelamento de comportamentos, condutas, atitudes e conhecimentos .

Assim sendo, é possível dizer que há uma ampliação do sentido da

capacitação, se entendermos que esta não é forjada de fora para dentro, mas

construída de dentro para fora com o suporte das informações, discussões, e

outros recursos que fazem parte do processo educativo.

6 Assistentes Sociais, Enfermeiras, Médicas, Nutricionistas, Artistas populares, lideranças comunitárias, Pedagogos, Educadores populares, entre outros, fazem parte deste cenário. 7 O MONITOR é um participante do processo com um diferencial de conhecimento maior sobre as temáticas trabalhadas nas Oficinas. Desempenha, também, o papel de animador e apoiador de todo o trabalho. No caso específico do Projeto os monitores foram indicados pelas Instituições/Organizações ou Movimentos Sociais envolvidos no processo.

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DESENVOLVENDO O PROJETO...

A estratégia metodológica adotada em todo o processo, da construção à

operacionalização, foi a OFICINA tendo em vista que

“ [...] se constitui em espaço para reflexão e discussão

das vivências, permitindo a identificação de temas

fundamentais para melhor compreender o problema em

pauta (...) A realização de uma oficina de trabalho

pressupõe uma seqüência de encontros com uma

temática geral delimitada anteriormente, nos quais se

percorre a seguinte trajetória: aquecimento, uso de

estratégias facilitadoras da expressão, problematização

das questões, processo de troca dos conhecimentos,

análise e articulação com o geral8,

traduzindo-se, assim, em um produto final que demonstra os interesses

do coletivo.

O desenvolvimento das Oficinas esteve sob a responsabilidade de

MONITORES, e o seu conteúdo sustentado no princípio da problematização,

uma vez que, segundo BORDENAVE (1983), “o importante não são os

conhecimentos ou idéias nem os comportamentos corretos e fáceis que se

espera, mas sim o aumento da capacidade do participante para detectar

problemas reais e buscar soluções originais e criativas”. Apresenta, ainda,

os seguintes aspectos importantes: reconhece e potencializa os saberes, os

valores e as vivências; envolve os participantes nas ações; desenvolve um

processo educativo/formativo construído com base na motivação para a busca

do conhecimento; democratiza e socializa as informações; valoriza o processo

de construção do trabalho e não só o seu produto e co-responsabiliza os

resultados alcançados.

O Projeto constitui-se de duas etapas partindo do conteúdo discutido

coletivamente. A primeira referente à construção dos conceitos de democracia,

cidadania, participação, representação, Estado, direitos sociais, saúde e a

8 CHIESA, A. M. e WESTPHAL, M. E. A sistematização de oficinas educativas problematizadoras no contexto dos serviços públicos de saúde. Revista Saúde em Debate nº 46.

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discussão da dimensão técnico-operacional e política do Sistema Único de

Saúde (SUS). A segunda, que ainda está em desenvolvimento, aborda

questões mais específicas da operacionalização da Política de Saúde

relacionados ao Financiamento, Orçamento e Plano de Saúde. Os temas são

abordados, pedagogicamente, em Cartilhas e estão sustentados nas

demandas identificadas nas Oficinas.

Compõe, ainda, o suporte pedagógico, Boletins Informativos que têm

como objetivo dar visibilidade ao Projeto identificando os seus propósitos e

metas e também socializar as informações e as ações desenvolvidas. A

produção de vídeos e a criação de peças teatrais constituem-se, também, em

instrumentos educativos que vem sendo utilizados no Projeto e encontram-se

à disposição da sociedade em geral. Quanto ao recurso utilizado do teatro

pode-se dizer que tem estimulado, tanto as discussões dos conteúdos das

Oficinas, como a representação das questões e problemas do cotidiano e,

ainda, tem suscitado alternativas de enfrentamento dos mesmos, ainda que

não fosse possível utilizá-lo em todas as localidades, tendo se restringido à

região metropolitana de Cuiabá9.

A estratégia utilizada, para viabilização do Projeto, parte da articulação

com as Diretorias das Regionais de Saúde10. Estas contribuem

significativamente no processo de sensibilização dos gestores e comunidade

para participação das Oficinas.

DIMENSÕES ANALÍTICAS FUNDAMENTAIS

Mato Grosso possui 127municípios dos quais 111 se fizeram representar

nas 36 Oficinas realizadas. Estas envolveram 532 Conselheiros, 74 munícipes

oriundos de diferentes organizações da sociedade civil e 26 monitores.

As primeiras análises, tomando como referência tanto os relatórios

recebidos das 09 Regionais de Saúde quanto os relatos verbais dos

Monitores, indicam para repercussões positivas do trabalho desenvolvido, de

9 Cuiabá é a capital do Estado de Mato Grosso. A região metropolitana referida inclui o município de Várzea Grande. 10A Secretaria Estadual de Saúde, administrativamente, mantém nove Diretorias Regionais de Saúde que são responsáveis pela programação, assessoria técnica, supervisão, controle e

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uma forma geral. A importância fundamental, avaliada como significativa, foi a

possibilidade concreta do envolvimento da sociedade civil organizada na

construção e operacionalização do Projeto.

Outro fator relevante foi a articulação entre as Regionais de Saúde e

dessas com as comunidades locais, além da interrelação interinstitucional e

interdisciplinar que é uma experiência singular. O sentido da

interdisciplinaridade é valorizado por FRIGOTTO (1992) quando diz que “o

caráter necessário do trabalho interdisciplinar na produção e na socialização

do conhecimento no campo das ciências sociais e no campo educativo que se

desenvolve no seu bojo, não decorre de uma arbitrariedade racional e

abstrata. Decorre da própria forma do homem produzir-se enquanto ser social

e enquanto sujeito e objeto do conhecimento social.”

Nesse sentido, o Projeto de Capacitação de Conselheiros é expressão

do esforço empreendido no sentido da construção de uma alternativa possível

de fortalecimento do Controle Social em Mato Grosso tendo como ponto

básico de referência a organização da sociedade e o entendimento do

Conselho enquanto um espaço contraditório onde diferentes interesses e

concepções de mundo, de homem e de sociedade se apresentam.

Dessa forma é importante ressaltar a noção de que o processo encontra-

se em construção e assim sendo é necessário que os atores estejam

motivados e abertos para rever conceitos e posições o que fundamenta a

concepção ampliada do processo educativo.

As avaliações positivas por parte dos Conselheiros tem validado o

percurso e a metodologia adotadas no processo de desenvolvimento do

projeto. Todavia estamos diante de desafios de toda natureza e estes dizem

respeito tanto à participação efetiva da sociedade nos espaços coletivos de

deliberação, quanto à representação e ao “potencial transformador” dos

Conselhos e mesmo dos Movimentos Sociais e Organizações Não

Governamentais.

Se por um lado é importante democratizar o poder de decisão no âmbito

do Estado, por outro, é importante que as organizações da sociedade civil

delimitem suas formas de atuação, redesenhando estratégias e proposições

na busca de políticas públicas que expressem as reais necessidades da avaliação das ações de saúde nas micro-regiões.

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sociedade.

O Serviço Social, tanto quanto as outras profissões, também expressa

as contradições e possibilidades postas pela sociedade. Assim sendo,

espera-se que a clareza quanto a definição estratégico-política da profissão,

centrada numa direção crítico-analítica possa servir como referência para, não

só interpretar as novas demandas colocadas, mas sobretudo, antecipar-se à

elas e firmar-se enquanto uma profissão investigativa e propositiva.

BIBLIOGRAFIA BORDENAVE, Juan E. Dias. “La Transferencia de Tecnologia Apropriada

ao Pequeno Produtor”. In Revista Interamericana de Educação de Adultos. Vol. 3 nº 1-3 -PRDE - OEA, 1983.

BRAVO, Maria Inês Souza. Serviço Social e Reforma Sanitária: Lutas Sociais e Práticas Profissionais. Rio de Janeiro: Cortez/UFRJ, 1996. CARVALHO, Antônio Ivo de. Conselhos de Saúde no Brasil: participação cidadã e controle social. Rio de Janeiro: FASE/IBAM, 1995. CASTRO, Ieda Maria Nobre de. Conselhos de Gestão Pública: Saberes que

se confrontam na construção de uma esfera pública democrática. In. Caderno de Comunicações. IX Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais. Vol. I. Goiânia: Julho/98

CHIESA, A. M. e WESTPHAL, M. E. “A sistematização de oficinas educativas problematizadoras no contexto dos serviços públicos de saúde”. In: Revista Saúde em Debate nº 46, Paraná: CEBES, 1995. ESCOREL, Sarah. “Saúde: uma questão nacional”. In: Reforma Sanitária em busca de uma teoria. Teixeira, S. F. (Org.). São Paulo: Cortez/

Abrasco, 1989. FRIGOTTO, Gaudêncio. A Interdisciplinaridade como necessidade e como

problema nas Ciências Sociais”. In Interdisciplinaridade: o pensado e o

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vivido. Cuiabá: Ed UFMT,1992. IANNI, Otávio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira,1992. MATSUBARA, Marilda C. E. O Controle Social e os impactos da

globalização. Cuiabá: 1997. Mimeo MS (Ministério da Saúde), 1994. Guia de Referências para o Controle Social - Manual de Conselheiros. Brasília: Coordenação de Informação, Educação e Comunicação/Núcleo de Estudos em Saúde Pública. NETTO, José Paulo. “Transformações Societárias e o Serviço Social. Notas

para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. In: Revista Serviço Social e Sociedade n.º 50. São Paulo: Cortez, 1996

RAICHELLIS, Raquel. Assistência Social e Esfera Pública: Os Conselhos no

exercício do Controle Social. Cadernos ABONG, n.21. São Paulo: CFESS,ABONG,CNTS/CUT, Outubro/1997

TELLES, Vera da Silva. Sociedade Civil e construção de espaços públicos. In.

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UGA, Maria Alícia de. “Descentralização e democracia: O outro lado da

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