sobre a natureza e os sábios hindus: uma leitura de a vida ......romana, e, desde então, a Índia...
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NATHALIA THOMAZELLA
Sobre a natureza e os saacutebios hindus uma leitura de a Vida de
Apolocircnio de Tiana de Filoacutestrato
BELO HORIZONTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE LETRAS
2018
NATHALIA THOMAZELLA
Sobre a natureza e os saacutebios hindus uma leitura de a Vida de
Apolocircnio de Tiana de Filoacutestrato
Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos Literaacuterios da Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais
como parte dos requisitos para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
Mestre em Letras na aacuterea de Literaturas Claacutessicas e
Medievais
Linha de Pesquisa Literatura Histoacuteria e Memoacuteria
Cultural
Orientador Prof Dr Jacyntho Joseacute Lins Brandatildeo
BELO HORIZONTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE LETRAS
2018
Ficha catalograacutefica elaborada pelos Bibliotecaacuterios da Biblioteca FALEUFMG
Thomazella Nathalia F488vYt-s Sobre a natureza e os saacutebios hindus [manuscrito] uma
leitura de a Vida de Apolocircnio de Tiana de Filoacutestrato Nathalia Thomazella ndash 2018
82 f enc il (pampb)
Orientador Jacyntho Lins Brandatildeo
Aacuterea de concentraccedilatildeo Literaturas Claacutessicas e Medievais
Linha de pesquisa Literatura Histoacuteria e Memoacuteria Cultural
Dissertaccedilatildeo (mestrado) ndash Universidade Federal de Minas
Gerais Faculdade de Letras
Bibliografia f 78-82
1 Filostrato Flaacutevio ca170-ca249 ndash Vida de Apolocircnio de Tiana ndash Criacutetica e interpretaccedilatildeo ndash Teses 2 Apolocircnio de Tiana ndash Teses 3 Filoacutesofos ndash Greacutecia ndash Biografia ndash Obras anteriores a 1800 ndash Teses 4 Sofistas (Filosofia grega) ndash Biografia ndash Teses 5 Iacutendia na literatura ndash Teses 6 O maravilhoso na literatura ndash Teses I Brandatildeo Jacyntho Lins II Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras III Tiacutetulo
CDD 8889
Agradecimentos
Ao professor Jacyntho pela orientaccedilatildeo paciente pelos conselhos e pelas correccedilotildees
Ao professor Teodoro por ter me ajudado a direcionar este trabalho pelos apontamentos
feitos e por ter lido meu Projeto de Dissertaccedilatildeo com tanto cuidado e atenccedilatildeo
Ao professor Antonio Orlando sempre soliacutecito pelo material de apoio e pelas conversas
enriquecedoras
Ao Dudu pela amizade
Ao Marcelo Brugger por termos passado pela experiecircncia do mestrado juntos
Aos meus pais Marcos e Rosana agradeccedilo com amor pelo exemplo e pelo acolhimento
Agrave Nayara por trazer leveza e alegria ao meu dia a dia
Ao Felipe pelo amparo pelo companheirismo pela paciecircncia e pelo carinho senza fine
Agrave Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio
financeiro
RESUMO
Este trabalho propotildee uma leitura e anaacutelise dos livros II e III da obra Vida de Apolocircnio
de Tiana de Filoacutestrato os quais se dedicam a descrever a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Nos
concentramos mais especificamente no que diz respeito agrave natureza exoacutetica e aos homens
saacutebios com os quais o personagem teve contato nesse paiacutes Nos capiacutetulos apresentamos e
discutimos algumas polecircmicas que circundam natildeo apenas a obra em si mas tambeacutem o proacuteprio
protagonista desse livro O corpus selecionado destaca trechos que valorizam os toacutepicos
estudados nessa pesquisa os quais possibilitam uma releitura natildeo apenas do personagem
como tambeacutem da forma com que a Iacutendia era retratada pelos gregos antigos
Palavras-chave Filoacutestrato Vida de Apolocircnio de Tiana maravilhoso saacutebios hindus
ABSTRACT
This study purposes a reading and an analysis of the books II and III of Philostratusrsquo
Life of Apollonius of Tyana which describe the Apollonius travel to India Mainly we focus
on this exotic nature and on the sages which the character had contact in that land In the
chapters we present and discuss some controversies that surround the work itself but also its
protagonist The selected corpus highlights sections that value the studied topics in this
research which enables a rereading not only of its character but also the way that India was
postrayed by the ancient Greeks
Key- words Philostratus Life of Apollonius of Tyana wonder hindu sages
5
SUMAacuteRIO
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS 6
INTRODUCcedilAtildeO 7
CAPIacuteTULO I 9
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA 9
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana 10
12 Quem era Apolocircnio de Tiana 12
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo 14
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano 19
14 Por que a Iacutendia 23
CAPIacuteTULO II 27
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA 27
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia 27
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites 29
23 O maravilhoso em VA 31
231 As maravilhas da Iacutendia 33
CAPIacuteTULO III 65
OS SAacuteBIOS HINDUS 65
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus 65
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia 67
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria 70
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes 72
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 74
REFEREcircNCIAS 78
6
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS
Ct = Cteacutesias de Cnido
Ind Indikaacute (Ἰνδικά)
Fil = Filoacutestrato
VS Vida dos Sofistas (Βίοι Σοφιστῶν)
VA Vida de Apolocircnio de Tiana (Τὰ ἐς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον1)
Hdt = Heroacutedoto
Hist Histoacuterias (Ἰστορἴαι)
Hes = Hesiacuteodo
Teog Teogonia (Θεογονία)
Hom = Homero
Il Iliacuteada (Ἰλιάς)
Od Odisseia (Οδύσσεια)
1 O tiacutetulo da obra eacute debatido entre os estudiosos De acordo com Swain (2013 p 81) o tiacutetulo da obra seria Τὰ ἐς
τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον o qual eacute usado pelos tradutores desde a ediccedilatildeo de 1844 de Kayser Poreacutem Boter (2015)
argumenta que o tiacutetulo mais genuiacuteno da obra seria Εἰς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον sendo o significado do tiacutetulo
intencionalmente ambiacuteguo pois poderia ser traduzido como Sobre Apolocircnio de Tiana ou Em honra a Apolocircnio
de Tiana
7
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo eacute continuaccedilatildeo da nossa pesquisa iniciada na Graduaccedilatildeo onde fizemos
um estudo e traduccedilatildeo da obra Indikaacute de Cteacutesias de Cnido Os fragmentos de Cteacutesias nos
apresentam a Iacutendia como uma terra selvagem habitada por seres hiacutebridos e por monstros com
medidas e riquezas exuberantes como sendo o limite do mundo Algumas das coisas
retratadas por Cteacutesias tiveram antecedente nas Histoacuterias de Heroacutedoto e a partir de entatildeo a
Iacutendia tornou-se um toacutepos do maravilhoso na literatura grega antiga Depois do Romance de
Alexandre os bracircmanes se tornaram uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana e desde entatildeo a Iacutendia eacute tida como maravilhosa natildeo apenas por suas caracteriacutesticas
fiacutesicas mas tambeacutem por sua sabedoria elevada (PARKER 2008 p 143 e 251)
Ao lermos a Vida de Apolocircnio de Tiana (VA) de Filoacutestrato percebemos que esta obra
dialoga com estas duas vertentes a respeito da Iacutendia Publicado em 217 (FRANCIS 1998 p
420) este livro narra a vida de Apolocircnio um filoacutesofo pitaacutegorico da cidade de Tiana situada
na regiatildeo da Capadoacutecia que teria vivido durante o reinado de Domiciano (81-96) Desde os
dezesseis anos Apolocircnio seguiu os preceitos pitagoacutericos e em busca de uma sabedoria
suprema teve como objetivo viajar ateacute os bracircmanes Consequentemente a Iacutendia ocupa um
lugar essencial na narrativa e dos oito livros que compotildeem a obra dois deles se dedicam a
descrever a experiecircncia de Apolocircnio junto aos hindus
Por esses motivos nos dedicamos a estudar os livros II e III da VA Dentro dessa
seleccedilatildeo selecionamos destacamos e traduzimos trechos que ressaltam o caraacuteter maravilhoso
da obra tanto os que dizem respeito agrave sua descriccedilatildeo geograacutefica e etnograacutefica quanto os que
retratam a sabedoria bracircmane Nos momentos em que encontramos alusotildees aos escritores
Heroacutedoto e Cteacutesias comparamos e contrastamos as fontes com a finalidade de perceber de
que modo a tradiccedilatildeo acerca da Iacutendia inciada por estes dois autores tem continuidade em
Filoacutestrato
Para isso dividimos o trabalho em trecircs capiacutetulos No primeiro capiacutetulo fizemos um
estudo sobre o autor Flaacutevio Filoacutestrato sua obra Vida de Apolocircnio de Tiana e a figura de
Apolocircnio de Tiana Discutimos sobre as polecircmicas e divergentes concepccedilotildees sobre o autor e a
personagem para entendermos melhor o contexto em que a obra foi escrita
No segundo capiacutetulo discorremos a respeito do caraacuteter maravilhoso da VA e
selecionamos trechos que descrevem a natureza hindu Dividimos em seccedilotildees que retratam a
descriccedilatildeo da geografia da hidrografia do clima da Iacutendia dos animais e dos seres exoacuteticos
8
narrados por Filoacutestrato Ao arrolar estas passagens cotejamos com trechos das Histoacuterias e dos
Indikaacute No terceiro capiacutetulo ao estudar sobre o contato que Apolocircnio teve com os bracircmanes
seus ritos e suas discussotildees percebemos como essa obra contribuiu para a formaccedilatildeo de um
modelo idealizado de uma cultura grega claacutessica unificada
Dessa forma sob a oacutetica de um escritor tardio que escreveu quase seiscentos anos
depois de Heroacutedoto e de Cteacutesias ainda lemos a Iacutendia ainda como uma terra maravilhosa
9
CAPIacuteTULO I
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA
De acordo com o Suda (leacutexico medieval bizantino que cataloga escritores e obras da
Antiguidade) existem trecircs escritores catalogados com o nome de Filoacutestrato no final do seacuteculo
II e iniacutecio do seacuteculo III (SILVA 2014a p 31) Destes trataremos de Flaacutevio Filoacutestrato
chamado de ldquoo Segundordquo filho de Filoacutestrato Vero Sabe-se que sua famiacutelia habitava a ilha de
Lemnos territoacuterio ateniense e que ele nasceu por volta de 170 (BOWIE 2009 p19)
Filho de uma famiacutelia abastada pertencente agrave ordem senatorial Filoacutestrato teve uma
educaccedilatildeo voltada aos interesses dessa camada social Foi um destacado sofista tanto em
Atenas quanto em Roma e viveu no Impeacuterio Romano durante o governo da dinastia dos
Severos (193 ndash 225) com a qual teve boas relaccedilotildees e a qual acompanhou em viagens (SILVA
2013a p 2) Ele tambeacutem teria sido membro do ciacuterculo social de Juacutelia Domna esposa do
imperador Septiacutemio Severo como nos informa o proacuteprio autor em um trecho de sua obra Vida
de Apolocircnio de Tiana
μετέχοντι δέ μοι τοῦ περὶ αὐτὴν κύκλου mdash καὶ γὰρ τοὺς ῥητορικοὺς πάντας λόγους
ἐπῄνει καὶ ἠσπάζετο mdash μεταγράψαι τε προσέταξε τὰς διατριβὰς ταύτας καὶ τῆς
ἀπαγγελίας αὐτῶν ἐπιμεληθῆναι τῷ γὰρ Νινίῳ σαφῶς μέν οὐ μὴν δεξιῶς γε
ἀπηγγέλλετο (VA I 3)
Quanto a mim que fazia parte do seu ciacuterculo (jaacute que ela elogiava e apreciava todos
os discursos retoacutericos) me incubiu ela de redigir estes ensaios e me ocupar da sua
publicaccedilatildeo pois [Dacircmis] o de Nino fez sua narrativa de forma clara mas natildeo
praacutetica2
Natildeo se sabe ao certo o que seria esse ciacuterculo social (κύκλου) nem se ele realmente
existiu Cogita-se a hipoacutetese de ter sido um grupo literaacuterio composto por alguns artistas e
escritores para discutir questotildees literaacuterias e filosoacuteficas ou um grupo seleto de intelectuais
2 A traduccedilatildeo para o portuguecircs desta passagem assim como a de outras que apareceratildeo ao longo deste trabalho eacute
de nossa autoria
10
formado por meacutedicos poetas escritores filoacutesofos juristas historiadores e membros do
ciacuterculo imperial (SILVA 2014a p 49) 3
Aleacutem desse contato com a imperatriz Filoacutestrato tambeacutem exerceu cargos poliacuteticos De
acordo com indicaccedilotildees epigraacuteficas o autor foi general hoplita4 em Atenas provavelmente nos
anos 200 e 210 e representante do governo de sua cidade (BOWIE 2009 p19-20) Ademais
acredita-se que a estaacutetua que haacute em Oliacutempia eacute dedicada a Flaacutevio Filoacutestrato na qual lecirc-se a
seguinte inscriccedilatildeo ldquoAgrave Boa Fortuna segundo a decisatildeo do Conselho Oliacutempico o sofista
Flaacutevio Filoacutestrato de Atenas sofista a mais ilustre paacutetria elevou a estaacutetuardquo (SILVA 2014a p
33) Segundo Martiacutenez (2006 p 456 apud Silva 2014a p33) os sofistas eram usualmente
homenageados com estaacutetuas nas cidades gregas pois essa era uma forma de reconhecer seus
encargos puacuteblicos e poliacuteticos
Filoacutestrato escreveu algumas obras e atualmente satildeo reconhecidas como sendo de sua
autoria Vida de Apolocircnio de Tiana (a maior fonte de informaccedilotildees que temos sobre Apolocircnio)
Vida dos Sofistas Heroicos Imagens Cartas Ginaacutestico Nero e um discurso retoacuterico
conhecido como Diaacutelexis 2 (ELSNER 2009 p 4) Apesar de natildeo haver consenso entre os
pesquisadores sobre a autoria de todas essas obras considera-se que Vida de Apolocircnio de
Tiana (VA) e Vida dos Sofistas (VS) tenham sido escritas por Flaacutevio Filoacutestrato haja vista que
VA eacute citada em sua obra posterior VS (SILVA 2014 p 59) Estas satildeo as duas obras mais
conhecidas de Filoacutestrato sendo que VS eacute uma seacuterie de sessenta biografias de sofistas ceacutelebres
do Impeacuterio Romano dividida em dois livros e a VA eacute uma biografia sobre o saacutebio Apolocircnio
de Tiana composta por dois volumes tendo cada um deles oito livros
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana
Feita sob encomenda da imperatriz Juacutelia Domna Filoacutestrato escreveu as memoacuterias de
Apolocircnio um saacutebio da cidade de Tiana pertencente agrave regiatildeo da Capadoacutecia (VA I 3) que
teria vivido cerca de um seacuteculo antes durante o reinado de Domiciano (81 ndash 96) Foi
publicada provavelmente depois da morte da imperatriz em 217 (FRANCIS 1998 p 420)
A obra descreve o nascimento de Apolocircnio e sua juventude devotada agrave aprendizagem
dos princiacutepios pitagoacutericos e do autoconhecimento Posteriormente ele empreende uma seacuterie
de viagens passando por vaacuterias regiotildees com o objetivo principal de chegar agrave Iacutendia e de se
3 Para uma discussatildeo detalhada sobre esse assunto cf Silva 2014a p 49 - 52
4 Nesse periacuteodo essa magistratura se encarregava especialmente de assegurar o abastecimento alimentiacutecio da
cidade
11
encontrar com os bracircmanes hindus em busca do conhecimento filosoacutefico (VA I 18 32 II
11 III 16 29 IV 47) Durante o percurso satildeo narradas as impressotildees reflexotildees o diaacutelogo
de Apolocircnio com cidadatildeos e reis suas intervenccedilotildees poliacuteticas as curas e os milagres feitos por
ele Francis (1998 p 420) sintetiza a obra afirmando que Apolocircnio ldquoviaja pelo mundo
mediterracircneo discursando sobre a verdadeira filosofia e religiatildeo pregando ideais culturais
gregos profetizando e realizando milagresrdquo e ldquoquando retorna da Iacutendia Apolocircnio eacute
aclamado pelo mundo cultural grego e se envolve ativamente nos negoacutecios das cidades da
Aacutesia Menor e da Greacutecia (IV 2-33)rdquo
Nesse sentido a VA eacute uma biografia embora seja considerada demasiadamente longa
sendo uma das biografias mais extensas que sobreviveram da Antiguidade com conteuacutedos
demasiadamente variados (KEMEZIS 2014 p 62) O proacuteprio autor usa a palavra βίος em VA
(V 39) 5 talvez para caracterizar sua obra talvez com a intenccedilatildeo de transformar Apolocircnio em
um modelo de homem a ser seguido por seu valor moral ou ainda para dar credibilidade agrave
obra (SILVA 2014a p 86) Com base na historiografia do periacuteodo claacutessico e desenvolvido
no periacuteodo heleniacutestico esse gecircnero literaacuterio teve como uma de suas caracteriacutesticas principais
biografar pessoas que serviriam de exemplo para a comunidade (SILVA 2012 p 2)
Martiacutenez e Dosse tambeacutem discutem essa relaccedilatildeo entre biografia e vidas exemplares na
Antiguidade O primeiro afirma que a biografia serve para veicular as ideias sobre o
comportamento moral individual tornando-se com isso um instrumento de ideologia poliacutetica
(MARTIacuteNEZ 2004 p 48) O segundo enuncia que nessa eacutepoca o discurso das virtudes foi
incorporado agrave biografia e consequentemente estabeleceram-se modelos moralizantes (2009
p 123 apud Carvalho 2011 p 131) Esses modelos entatildeo formaram uma tradiccedilatildeo na
Antiguidade a tradiccedilatildeo dos valores heroicos e apoacutes a cristianizaccedilatildeo a dos valores religiosos
sendo ambos embasados em vidas exemplares (CARVALHO 2011 p 131)
Contudo o gecircnero literaacuterio da VA ainda eacute bastante debatido De uma forma geral os
comentadores classificam a obra em um determinado gecircnero literaacuterio mas afirmam que o
texto tem caracteriacutesticas muito evidentes de outros gecircneros Os estudiosos que consideram
esse texto como biografia satildeo Zeitlin (2001) Abraham (2009) Elsner (2009) e Silva (2014)
Bowie (2009) por outro lado o tem como romance Jaacute Pajares em sua introduccedilatildeo da traduccedilatildeo
da VA para a Editorial Gredos (1992) afirma que esse texto tem predominantemente
caracteriacutesticas biograacuteficas mas com influecircncia da paradoxografia (obras dedicadas agrave
5 ldquoQuanto a mim vou afastar desse homem jaacute que natildeo foi minha intenccedilatildeo difamaacute-lo mas possibilitar o relato da
vida de Apolocircnio a quem ainda natildeo a conhecerdquo (VA V 39) Texto grego ἐμοὶ δὲ ἀφεκτέα τοῦ ἀνδρός οὐ γὰρ
ἐκεῖνον διαβαλεῖν προὐθέμην ἀλλὰ παραδοῦναι τὸν Ἀπολλωνίου βίον τοῖς μήπω εἰδόσι
12
exploraccedilatildeo de maravilhas ou coleccedilotildees de mirabilia)6 do romance e da aretologia Para
Uytfanghe (2009) a VA eacute uma hagiografia (relatos ou biografias de homens santos) enquanto
que para Cornelli (2001) trata-se de uma aretologia Por fim Holzberg (1996) e Flinterman
(2009) a classificam como biografia ficcional ao passo que Francis (1998) a considera um
gecircnero formado com todas essas caracteriacutesticas
Para compor a VA Filoacutestrato afirma ter usado como fontes i) informaccedilotildees coletadas
em cidades nas quais Apolocircnio era adorado e em templos restaurados por ele ii) cartas
escritas pelo proacuteprio Apolocircnio nas quais discorria a respeitos dos deuses dos costumes dos
princiacutepios morais das leis aleacutem de comentar sobre as falhas humanas (VA I 2) iii) relatos
deixados por pessoas com quem ele teve contato como reis sofistas filoacutesofos e homens
gregos indianos e egiacutepcios iv) um livro de memoacuterias de Dacircmis disciacutepulo de Apolocircnio v) e
um livro de Maacuteximo de Egas no qual o autor registra a passagem de Apolocircnio por essa
cidade Aleacutem destas fontes Filoacutestrato diz ainda ter consultado um livro escrito por
Moeragenes Contudo Filoacutestrato afirma ter rejeitado essa fonte pelo fato de o autor ser
ignorante de vaacuterios aspectos da vida de Apolocircnio (VA I 3)
12 Quem era Apolocircnio de Tiana
Apolocircnio de Tiana nasceu na Capadoacutecia em meados de 40 iniacutecio da era cristatilde Teria
sido um saacutebio itinerante e filoacutesofo neopitagoacuterico Enquanto esteve vivo natildeo se tornou muito
famoso salvo no norte da Siacuteria e na Aacutesia Menor onde era conhecido como um mago
beneficente e um curador Na biografia feita por Filoacutestrato Apolocircnio eacute universalmente
aclamado influente e ateacute mesmo um homem semidivino que teria feito muitos milagres
profecias e exorcizado democircnios Quando morreu seu corpo e sua alma teriam ascendido ao
ceacuteu (YSSELT 1994 p 351)
De acordo com Flinterman (2009 p 157 ndash 158) Apolocircnio teria direcionado sua vida
segundo os preceitos definidos por Pitaacutegoras Esses preceitos eram basicamente a renuacutencia
ao uso de produtos de origem animal da vestimenta agrave alimentaccedilatildeo e a rejeiccedilatildeo dos sacrifiacutecios
de animais Fazia parte tambeacutem desse estilo de vida asceacutetico a praacutetica do silecircncio entre seus
seguidores
6 De acordo com Nichols (2011 p 30) a partir do seacutec III aC no periacuteodo heleniacutestico a paradoxografia jaacute
aparece como um gecircnero literaacuterio bem desenvolvido
13
Seguindo os passos de Pitaacutegoras aos dezesseis anos Apolocircnio decide aderir a esse
estilo de vida (VA I 7) Desse modo primeiramente Apolocircnio renunciou ao consumo de
carne com o argumento de que esta era impura e deixava a mente impolida passando a seguir
uma dieta agrave base de frutas secas e vegetais Abdicou tambeacutem da ingestatildeo do vinho pois
apesar de ser uma bebida pura desequilibrava a mente (VA I 8)7 Depois de desintoxicar seu
corpo Apolocircnio parou de usar qualquer produto de origem animal como sapatos e soacute usava
vestes de linho (VA I 8)8 Aleacutem disso deixou crescer seu cabelo (VA I 8) e sua barba Sobre
isso Flinterman (2009 p 159) destaca que no iniacutecio do periacuteodo imperial o cabelo comprido
era considerado uma caracteriacutestica distintiva dos filoacutesofos pitagoacutericos Todavia Apolocircnio
privou-se tambeacutem da vida conjugal e do sexo mantendo o celibato Nesse caso contudo o
celibato foi uma medida tomada aleacutem dos preceitos do pitagorismo pois Filoacutestrato menciona
que Pitaacutegoras era renomado por defender a monogamia (VA I 13)
9 Ademais ele natildeo
participava e era contra sacrifiacutecios de sangue tanto em ritos religiosos quanto em espetaacuteculos
de gladiadores (VA I 10 31 IV 22 V 25) Por fim fez voto de silecircncio durante cinco anos
(VA I 14 - 15)
Assim segundo Filoacutestrato o modo de vida de Apolocircnio propiciaria um conhecimento
privilegiado do mundo e uma comunicaccedilatildeo com a esfera divina Nesse sentido o diaacutelogo com
o rei parto Vardanes eacute ilustrativo Nele Apolocircnio diz que Pitaacutegoras o ensinou a venerar os
deuses e a estar atento a eles independentemente se eles eram visiacuteveis ou natildeo e a estar
frequentemente em diaacutelogo com eles bem como se vestir com o linho produto natildeo de origem
animal mas da terra e da aacutegua Tambeacutem faziam parte desse aprendizado manter o cabelo
longo como disciplina se manter puro ao natildeo consumir carne e natildeo acompanhar algueacutem no
consumo de bebidas alcooacutelicas assim como natildeo viver uma vida ociosa ou luxuosa mas
auxiliar as pessoas que tecircm problemas de conduta (VA I 32)
7 Como descrito na proacutepria obra para Apolocircnio o vinho ldquoera uma bebida pura por vir aos homens de uma planta
tatildeo bem cultivada mas era contraacuterio agrave formaccedilatildeo da mente por escurecer o eacuteter que havia na almardquo (VA I 8)
Texto grego καὶ τὸν οἶνον καθαρὸν μὲν ἔφασκεν εἶναι πῶμα ἐκ φυτοῦ οὕτως ἡμέρου τοῖς ἀνθρώποις ἥκοντα
ἐναντιοῦσθαι δὲ τῇ τοῦ νοῦ συστάσει διαθολοῦντα τὸν ἐν τῇ ψυχῇ αἰθέρα 8 Essa caracteriacutestica eacute bem marcada no momento em que o rei indiano Fraotes lhe daacute vaacuterios presentes e Apolocircnio
aceita apenas as vestes de linho como consta no trecho que segue ldquoO hindu lhe deu ouro pedras preciosas
vestidos de linho e milhares de coisas Apolocircnio disse que tinha ouro o suficiente pois Vardanes tinha dado a
ele escondido dele ao guia mas que aceitaria os vestidos de linho porque se assemelhavam ao manto filosoacutefico
dos antigos e eram mesmo aacuteticosrdquo (VA II 40) Texto grego καὶ χρυσίον δὲ ἐδίδου ὁ Ἰνδὸς καὶ ψήφους καὶ
ὀθόνας καὶ μυρία τοιαῦτα ὁ δὲ Ἀπολλώνιος lsquoχρυσίον μὲνrsquo ἔφη lsquoἱκανὸν ἑαυτῷ εἶναι δόντος γε Οὐαρδάνου τῷ
ἡγεμόνι ἀφανῶς αὐτό τὰς δὲ ὀθόνας λαμβάνειν ἐπειδὴ ἐοίκασι τρίβωνι τῶν ἀρχαίων τε καὶ πάνυ Ἀττικῶν 9 Sobre esse assunto cf tambeacutem Flinterman 2009 p 161
14
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo
Em VA Apolocircnio eacute afamado por seu estilo de vida asceacutetico bem como por fazer
milagres Dadas essas caracteriacutesticas em alguns momentos da narrativa Apolocircnio eacute chamado
de θεῖος ἀνήρ (homem divino) Justi (2012 p 15) nos informa que o principal elemento
associado ao termo eacute que o homem divino possui caracteriacutesticas excepcionais expressas por
meio do poder miraculoso e da sabedoria extraordinaacuteria Um homem assim identificado era
geralmente itinerante e tido por seus seguidores como um salvador divino graccedilas aos seus
poderes prodigiosos
Alguns dos milagres realizados por Apolocircnio foram i) salvar a cidade de Eacutefeso de
uma praga (IV 10) ii) exorcizar democircnios (IV 20) iii) curar um jovem rapaz em Tarso que
fora mordido por um catildeo raivoso (VI 43) iv) prever a morte do imperador Domiciano (VIII
26)
FIGURA 1 - Apolocircnio curando um jovem ateniense possuiacutedo (VA IV 20) (imagem superior) Apolocircnio
ressuscita uma garota morta em Roma (VA IV 45) (imagem inferior) Desenho de Johannes Stradanus (Bruges
I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings vol 32
n 04 1994 p 353
15
Ademais ele eacute reconhecido como divino em diversas passagens do texto10
Em uma
delas o rei indiano Fraotes escreve uma carta ao bracircmane Iarcas o saacutebio hindu mais antigo
aconselhando-o a dar igualdade de tratamento a Apolocircnio
ἐπιστελῶ δὲ καὶ Ἰάρχᾳ τῷ πρεσβυτάτῳ τῶν σοφῶν ἵν᾽ Ἀπολλώνιον μὲν ὡς μηδὲν
κακίω ἑαυτοῦ δέξηται ὑμᾶς δὲ ὡς φιλοσόφους τε καὶ ὀπαδοὺς ἀνδρὸς θείουrsquo (VA
II 40)
[Fala de Fraotes] ldquoe escreverei tambeacutem a Iarca o mais velho dos saacutebios para que
receba Apolocircnio em nada pior do que eu proacuteprio e a noacutes como filoacutesofos e
seguidores um homem divinordquo
Ainda conforme Justi (2012 p 15) um nascimento maravilhoso uma carreira
marcada pelo dom da linguagem persuasiva e dominadora a capacidade de fazer milagres
(incluindo curas e adivinhaccedilotildees) e uma morte de alguma maneira extraordinaacuteria caracterizam
o termo θεῖος ἀνήρ11
Com exceccedilatildeo da morte natildeo descrita na VA todos os atributos acima
condizem com a vida de Apolocircnio Filoacutestrato no primeiro livro narra o nascimento de
Apolocircnio como um momento envolto em pressaacutegios (VA I 5) Haacute por exemplo a menccedilatildeo de
que ele seria a encarnaccedilatildeo do deus Proteu uma vez que esse deus teria aparecido agrave sua matildee
enquanto estava graacutevida predizendo o acontecimento o que confirmaria a sabedoria divina de
Apolocircnio (VA I 4) Aleacutem disso a apariccedilatildeo de um bando de cisnes momentos antes do seu
nascimento e a queda de um raio no instante do parto estariam associadas ao seu
favorecimento divino12
A imagem de Stradanus traduz bem essa cena
10
Como por exemploVA I 2 21 II 17 40 III 28 VII 38 VIII 13 23 11
Alguns autores vide Horsley (2013) Kemezis (2014) e Koskenniemi (2016) se opotildeem a essa concepccedilatildeo 12
O estudo de Miles (2016) trata sobre a relaccedilatildeo que haacute entre o aparecimento dos cisnes e os pressaacutegios ligados a
eles no momento do nascimento de Apolocircnio
16
FIGURA 2 - O nascimento de Apolocircnio de Tiana na Capadoacutecia (VA I 4-5) (imagem superior) e Apolocircnio de
Tiana admirando os relevos do templo em Taxila na Iacutendia (VA II 20) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Poreacutem foram os milagres que elevaram a fama de Apolocircnio Em virtude disso
Domiciano tentou descaracterizar o aspecto divino desses feitos Para tal o imperador o
processou afirmando que Apolocircnio conspirara contra ele (VA VII 20) No julgamento
Apolocircnio foi chamado de γόης que neste contexto tinha uma denominaccedilatildeo pejorativa13
pois
13
No entando γόης nem sempre teve uma denotaccedilatildeo pejorativa De acordo com Lloyd (1979 p 10 - 15) o
primeiro registro que temos de uma obra que aplicou o termo γόης de forma depreciativa eacute datada entre o final
do seacuteculo V e iniacutecio do seacuteculo IV aC Natildeo apenas esse termo mas qualquer pretensatildeo de poder manipular
forccedilosamente o divino ou o sobrenaturalparece ter entrado em conflito com uma visatildeo mais racionalista da
religiatildeo Segundo o autor eacute ainda nos meados do seacuteculo V aC que temos evidecircncias de relatos racionalistas da
origem da religiatildeo e temos informaccedilotildees que relatam a rejeiccedilatildeo e a refutaccedilatildeo de algumas noccedilotildees maacutegicas como
no tratado hipocraacutetico Sobre a Doenccedila Sagrada (Περὶ ἱερῆς νοuacuteσου)
17
significava ser feiticeiro mago charlatatildeo impostor 14
Na sequecircncia ele foi processado por
i) ter sido adorado por algumas pessoas ii) ter predito a fome em Eacutefeso iii) ter proferido
algumas palavras em detrimento de Domiciano iv) ter visitado o entatildeo senador Nerva e ter
feito o sacrifiacutecio de um menino aacutercade em benefiacutecio deste v) e pelo modo de viver e de
vestir-se (VA VII 20) De todas a penuacuteltima acusaccedilatildeo era a mais grave (VII 20) Apoacutes o
testemunho de duas pessoas a favor de Apolocircnio ele proacuteprio se defendeu da seguinte forma
παρ᾽ ὅσον μὲν τοίνυν τῆς ἀληθείας ἡ γραφὴ ξυνετέθη δηλοῖ σαφῶς ἡ μαρτυρία τῶν
ἀνδρῶν οὐ γὰρ ἐν προαστείοις ἀλλ᾽ ἐν ἄστει οὐκ ἔξω τείχους ἀλλ᾽ ἐπ᾽ οἰκίας
οὐδὲ παρὰ Νερούᾳ παρὰ Φιλίσκῳ δέ οὐδὲ ἀποσφάττων ἀλλ᾽ ὑπὲρ ψυχῆς
εὐχόμενος οὐδ᾽ ὑπὲρ βασιλείας ἀλλ᾽ ὑπὲρ φιλοσοφίας οὐδ᾽ ἀντὶ σοῦ χειροτονῶν
νεώτερον ἀλλ᾽ ἄνδρα σώζων ἐμαυτῷ ὅμοιον (VA VIII 7)
Ateacute que ponto satildeo verdadeiras estas acusaccedilotildees mostra com clareza o testemunho
destes senhores pois eu natildeo estava na periferia mas na cidade natildeo estava fora das
muralhas mas em uma casa natildeo estava na casa de Nerva mas na de Filisco natildeo
estava decapitando mas clamando por uma vida natildeo em prol do reino mas da
filosofia natildeo votando contra ti e a favor de um mais jovem mas para salvar um
homem semelhante a mim
Diante desse contexto Silva (2016a p 126) acredita que o motivo da acusaccedilatildeo
tenha sido poliacutetico jaacute que o imperador possivelmente temia a influecircncia de Apolocircnio junto ao
povo Poreacutem ponderamos que o imperador temia o contato e a influecircncia de Apolocircnio junto agrave
corte ou aos ciacuterculos de poder
Por outro lado existe tambeacutem a possibilidade de que tanto a acusaccedilatildeo quanto a
defesa de Apolocircnio tenham sido inventadas por Filoacutestrato com o intuito de reverter a imagem
de Apolocircnio de γόης para θεῖος ἀνήρ (SILVA 2014 p 129) Dessa forma as praacuteticas com
natureza maacutegico-religiosa denunciadas por Domiciano seriam parte da sabedoria divina de
Apolocircnio (VA VIII 2 7) Isso faria dele um teurgo e segundo Silva (2013b p 3) a teurgia
era uma fusatildeo de rituais religiosos e especulaccedilotildees filosoacuteficas com uma base maacutegica De
acordo com Brandatildeo (1991 p 113)
a magia ligada agrave filosofia por um lado era considerada um conhecimento miacutestico
por outro lado era uma espeacutecie de conhecimento cientiacutefico o que fazia com que
fosse aceita por largas faixas das camadas mais eruditas do Impeacuterio Romano
14
Bailly 2000 p 443
18
Teriacuteamos assim a partir da VA o modelo de um homem saacutebio filoacutesofo e com
uma moral exemplar uma figura alvo de admiraccedilatildeo Aleacutem disso Apolocircnio carregaria consigo
os valores gregos para onde quer que fosse como veremos mais agrave frente
Por outro lado no contexto cristatildeo Apolocircnio de Tiana eacute uma figura muito
debatida Dentre as polecircmicas que o envolvem estaacute a comparaccedilatildeo dele com Jesus Cristo No
seacuteculo III Sosiano Hieacuterocles escreveu um tratado polecircmico contra Jesus no qual tentou usar a
imagem de θεῖος ἀνήρ representada por Apolocircnio como uma ferramenta contra o
cristianismo de seu tempo Embora esse tratado natildeo tenha sobrevivido eacute citado por Euseacutebio
de Cesareia que tentou veementemente proteger Jesus contra o ataque de Hieacuterocles em um
tratato intitulado Contra Hieacuterocles (SCHIRREN 2009 p 161- 162) De acordo com
Schirren (2009 p 162) o contraste que haacute entre essas duas figuras sob o ponto de vista
criacutetico-literaacuterio eacute que a vida de Jesus como narrada no Novo Testamento conta a histoacuteria do
filho de Deus sujeitando-se ao mal do mundo e superando o sofrimento humano sem
pronunciar uma palavra contra Pocircncio Pilatos que o condenou agrave morte Com isso Cristo se
torna o salvador do mundo Em contraste na VA Apolocircnio ergue-se contra os governantes
impiedosos do impeacuterio romano e mesmo depois de ter sido condenado agrave morte por sua
conduta ultrajante ainda tenta educar os tiranos para finalmente desaparecer quando lhe
parece apropriado15
Com isso a imagem de Apolocircnio de Tiana como descrita por Filoacutestrato teve
grande repercussatildeo nos primeiros seacuteculos do cristianismo E seacuteculos depois ainda
repercutia uma vez que inspirou o artista flamengo Johannes Stradanus (Bruges I523 -
Florenccedila 1605) a pintar uma seacuterie de pequenos quadros todos feitos agrave pena e tinta e
enumerados de um a dez De acordo com as legendas escritas na caligrafia do proacuteprio artista
os desenhos representam cenas da vida de Apolocircnio de Tiana e atualmente se encontram no
museu Cooper-Hewitt de Nova York (YSSELT 1994 p 351)
15
Outros autores que discutem esse tema satildeo Elsner (1997) Girard (1999) Koskenniemi (1998) Stratton (2003)
Jones (2006) e Silva (2014 segundo capiacutetulo)
19
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano16
Eacute muito difiacutecil definir ou atribuir uma identidade grega ou romana em meio a um
impeacuterio vasto e multicultural No seacuteculo V aC Heroacutedoto (Hist VIII 144) registra uma
oposiccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo (gregos) e os ldquooutrosrdquo (baacuterbaros) Isso natildeo deixa de ser um conceito ou
um criteacuterio de identificaccedilatildeo do que eacute ser grego (hellenikoacuten) ter o ldquomesmo sangue mesma
liacutengua santuaacuterios e sacrifiacutecios comuns haacutebitos e costumes semelhantesrdquo
Mas o tempo e o contexto de Filoacutestrato (seacuteculos II ndash III) jaacute natildeo eram mais iguais aos
do seacuteculo de Heroacutedoto Grego originaacuterio de Lemnos Filoacutestrato viveu durante o Impeacuterio
Romano em meio agrave heterogeneidade e agrave diversidade cultural Nessa eacutepoca a questatildeo da
identidade romana (ou identidades) incluiacutea o processo de romanizaccedilatildeo (da Itaacutelia e em seguida
do Impeacuterio) de um lado e a questatildeo da resistecircncia cultural a ela de outro De acordo com
Mendes (2004 p 258)
O conceito de Romanizaccedilatildeo em aplicaccedilatildeo pressupotildee um processo de mudanccedila
socioeconocircmica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos
implicando em diferentes formas de interaccedilatildeo cultural Nesta perspectiva fica
impliacutecito o reconhecimento de um contiacutenuo desenvolvimento da cultura material
nativa aberta a processos interativos diferentes em eacutepocas distintas e em resposta agraves
escolhas e demandas locais Por outro lado a Romanizaccedilatildeo tambeacutem eacute entendida
como um processo dialeacutetico na medida em que veicula os elementos culturais
fundamentais da identidade cultural romana e seu ajustamento com alteridades
culturais dos povos dominados
A assimilaccedilatildeo cultural das populaccedilotildees que foram integradas a Roma durante a
expansatildeo da Repuacuteblica e do Impeacuterio foi ldquoum processo de mudanccedila relacionado com as ideias
de controle social e identidaderdquo (MENDES 1999 p 307)
A proacutepria Roma por outro lado passou por um processo de helenizaccedilatildeo seacuteculos
antes Historiadores consideram que houve uma primeira helenizaccedilatildeo com a captura de
Tarento por Faacutebio Maacuteximo em 272 aC Posteriormente teria havido uma segunda
16
A palavra latina identitas eacute uma criaccedilatildeo tardia do seacuteculo IV usada especialmente por teoacutelogos cristatildeos para
definir a Trindade De fato no mundo romano eacute preciso primeiro ser capaz de identificar um indiviacuteduo atraveacutes
da atribuiccedilatildeo de um nome e de um status ligado ao grupo jaacute o termo latino persona refere-se primeiro agrave maacutescara
usada pelos atores antes de designar a pessoa gramatical ou entidade Mas ao contraacuterio do que aconteceu no
Impeacuterio Romano a noccedilatildeo de identidade na Greacutecia Antiga natildeo se deu devido ao uso recorrente de palavras e ao
que se constata ateacute hoje tambeacutem natildeo haacute textos em que a noccedilatildeo proacutepria de identidade apareccedila nem um termo
especiacutefico que tenha essa designaccedilatildeo (BAROIN WORMS 2006 p 1-2)
20
helenizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos desse mesmo seacuteculo com a tomada de Siracusa por Marco
Claacuteudio Marcelo em 212 aC (BAROIN WORMS 2006 p 8)
Como resultado desse processo os romanos receberam influecircncias gregas na
religiatildeo nas artes e nas relaccedilotildees sociais A exemplo disso citemos as praacuteticas e locais de oacutecio
(otium) que eram essencialmente caracterizados como gregos e que foram totalmente
inseridos na cultura romana como o banquete a filosofia e o teatro Com isso entendemos a
questatildeo da identidade como sendo um movimento constante e plural e a fusatildeo de costumes e
de praacuteticas natildeo se constroacutei somente em oposiccedilatildeo ao outro mas tambeacutem com o outro
(BAROIN WORMS 2006 p 8 - 9)
Nesse contexto de fusatildeo e de difusatildeo de identidades Filoacutestrato resgata e valoriza a
cultura grega claacutessica por meio de suas principais obras VS e VA Na Vida dos Sofistas o
tema eacute desenvolvido dentro da perspectiva dos papeacuteis desempenhados pelos sofistas na
Segunda Sofiacutestica (Δευτέρα σοφιστική) De acordo com Whitmarsh (2001 p 272) a
Segunda Sofiacutestica foi um acontecimento em que vaacuterios sofistas e escritores helenizados que
viviam no Impeacuterio Romano afirmaram sua identidade grega em torno de sua proacutepria cultura
atraveacutes da literatura e da retoacuterica estabelecendo um novo posicionamento cultural17
De
acordo com Abraham (2014 p 478) atribui-se a autoria do termo Segunda Sofiacutestica a
Filoacutestrato pois ele teria aparecido pela primeira vez em VS de acordo com os documentos
mais antigos que chegaram ateacute a atualidade
Jaacute na Vida de Apolocircnio de Tiana Filoacutestrato se utiliza do personagem Apolocircnio
para destacar aspectos da cultura grega claacutessica Se para Heroacutedoto era considerado grego
quem era nascido em terras gregas falava grego e compartilhava de haacutebitos e costumes
similares na VA satildeo outros os aspectos enfatizados Aqui percebemos que possuir a cultura
grega do periacuteodo claacutessico atraveacutes do domiacutenio da liacutengua da literatura e da filosofia tem um
valor maior do que ter nascido na Greacutecia
Nesse sentido a palavra baacuterbaro cuja etimologia remete a ldquoestrangeiro que fala
de forma balbuciante e natildeo se entende o que dizrdquo adquire outra dimensatildeo No periacuteodo das
Guerras Meacutedicas (seacuteculo V aC) ldquobaacuterbarordquo tinha o sentido de ldquonatildeo gregordquo criando entatildeo a
oposiccedilatildeo entre ἕλλην e βάρβαρος18
Assim a liacutengua era a maior marca de distinccedilatildeo de quem
era grego ou natildeo Whitmarsh (2001 p 272) afirma que na Atenas dos seacuteculos V - IV aC o
17
Atualmente eacute comum a ideia de que os filoacutesofos e os sofistas desempenhavam os mesmos papeacuteis durante o
ldquorenascimento cultural gregordquo ocorrido nos trecircs primeiros seacuteculos aC advinda com a Segunda Sofiacutestica O
estudo de Sidebottom 2009 p 69 ndash 99 eacute indicado para tratar sobre esse assunto 18
Chantraine 1968 p 164 ndash 165
21
dialeto aacutetico era usado pela elite intelectual em oposiccedilatildeo ao demoacutetico falado pelo povo
sendo essa uma das maiores distinccedilotildees sociais Mesmo natildeo sendo ateniense Apolocircnio na VA
fala habilmente o aacutetico ldquoSua liacutengua era o aacutetico e isso natildeo mudava por causa do seu sotaque
dada a sua regiatildeo de origemrdquo (ᾗ γράμματα μνήμης τε ἰσχὺν ἐδήλου καὶ μελέτης κράτος καὶ ἡ
γλῶττα Ἀττικῶς εἶχεν οὐδ᾽ ἀπήχθη τὴν φωνὴν ὑπὸ τοῦ ἔθνους VA I 7)
Quando Apolocircnio conheceu seu companheiro de viagens e futuro disciacutepulo
Dacircmis este se dispocircs a guiaacute-lo e a ser seu tradutor Todavia como resposta Apolocircnio diz que
entendia todas as liacutenguas mesmo sem ter aprendido nenhuma pois entendia o silecircncio (VA I
19) A dispensa de um tradutor soacute se torna eficaz para Apolocircnio pelo fato de que em seus
encontros com outros povos algueacutem sempre falava grego (REGER 2007 p 262) Dada a
improbabilidade de esses fatos terem ocorrido dessas coincidecircncias interpretamos que o
monolinguismo dos encontros eacute uma das estrateacutegias que Filoacutestrato encontrou para valorizar a
liacutengua grega no contexto da Segunda Sofistica
Aleacutem disso outros aspectos da cultura grega claacutessica satildeo retomados quando Apolocircnio
demonstra ter domiacutenio da literatura da filosofia e da mitologia Satildeo citados os poemas
homeacutericos Iliacuteada e Odisseia (VA II 14 III 27 V 7 14 22 26 36 VIII 4 5 7 16 11 13)
Hesiacuteodo (VA V 21) Esopo (VA V 14) Arquiacuteloco (VA II 7) Eacutesquilo (VA VI 11) Soacutefocles
(VA IV 38 VI 4) Euriacutepides (VA II 14 32 IV 21 VII 5 14) Piacutendaro (VA VI 26)
Tuciacutedides (VA VII 25) Soacutecrates (VA VI 10 19 VIII 2) e Platatildeo (VA IV 36 VII 3)
Sendo integrante de uma elite cabia a Filoacutestrato resgatar sinais e traccedilos de uma
antiga identidade grega e tentar recompocirc-la e reativaacute-la construindo um modelo exemplar do
que eacute ser grego com a figura de Apolocircnio
As elites gregas podem ou melhor devem ir a fundo em sua cultura ndash eacute por ela
graccedilas a ela que podem reivindicar seu lugar e legitimar seu direito nesse impeacuterio
greco-romano cuja sorte foi decidida na Batalha de Aacutecio Tal eacute o sentido desse
movimento literaacuterio e poliacutetico dessa estrateacutegia cultural chamada Segunda Sofiacutestica
A Vida de Apolocircnio eacute parte do empreendimento de reconquista e de re-apropriaccedilatildeo
ativa do passado grego participando de sua recriaccedilatildeo ndash do processo em atividade
em toda sociedade viva de fabricaccedilatildeo ou de invenccedilatildeo da tradiccedilatildeordquo (HARTOG
2004 p 21 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Essa re-apropriaccedilatildeo e recriaccedilatildeo se torna muito mais aparente quando Filoacutestrato
descreve a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Laacute ele se comunica com os indianos em grego e se
admira com o conhecimento que eles tecircm dessa liacutengua (VA III 12) Na sua primeira estada
22
Apolocircnio eacute acolhido pelo rei Fraotes de Taxila Em um primeiro momento os dois se
comunicam com o intermeacutedio de um inteacuterprete ateacute o rei lhe confessar que tambeacutem falava
grego
lsquoἔδεισαrsquo ἔφη lsquoθρασὺς δόξαι μὴ γιγνώσκων ἐμαυτόν μηδ᾽ ὅτι βάρβαρον εἶναί με
δοκεῖ τῇ τύχῃ σοῦ δὲ ἡττηθείς ἐπειδὴ καὶ σὲ ὁρῶ ἐμοὶ χαίροντα οὐκ ἠδυνήθην
ἐμαυτὸν κρύπτειν ὡς δὲ μεστός εἰμι τῆς Ἑλλήνων φωνῆς ἐν πολλοῖς δηλώσωrsquo
(VA II 27)
Eu receava vocecirc achar que eu fosse arrogante quando ainda natildeo me conhecia a mim
mesmo e pensar que eu fosse um baacuterbaro natildeo por decisatildeo da sorte Mas apoacutes ter te
cativado porque vejo que me estimas natildeo posso me esconder assim te convencerei
de vaacuterias formas que sou bem profeciente na liacutengua grega
Ademais o rei hindu tambeacutem evidencia que a filosofia grega eacute altamente estimada em
seu paiacutes (VA II 30) e menciona ter lido uma peccedila denominada ldquoOs filhos de Heacuteraclesrdquo
passando a impressatildeo de que leituras desse gecircnero eram comuns para ele (VA II 32) Fraotes
tambeacutem interage com a cultura grega atraveacutes da praacutetica de esportes
τὰ δὲ ἐφ᾽ ἑκάτερα δρόμοι ἦσαν ἐν οἷς ἀκοντίῳ τε καὶ δίσκῳ τὸν Ἑλληνικὸν τρόπον
ἑαυτὸν ἐξήσκει καὶ γὰρ τὸ σῶμα ἔρρωτο ὑπό τε ἡλικίας mdash ἑπτὰ γὰρ καὶ εἴκοσιν ἔτη
γεγονὼς ἦν mdash ὑπό τε τοῦ ὧδε γυμνάζεσθαι ἐπεὶ δὲ ἱκανῶς ἔχοι ἐπήδα ἐς τὸ ὕδωρ
καὶ ἐγύμναζεν ἑαυτὸν τῷ νεῖν ὡς δὲ ἐλούσαντο ἐβάδιζον ἐς τὸ συσσίτιον
ἐστεφανωμένοι τουτὶ δὲ νενόμισται Ἰνδοῖς ἐπειδὰν ἐς τοῦ βασιλέως πίνωσιν (VA
II 27)
havia em ambos lados pistas de corrida nas quais agrave maneira grega se exercitava em
dardo de arremesso e disco pois tinha o corpo forte pela idade ndashele tinha vinte e sete
anos ndash e por praticar ginaacutestica assim Depois de se exercitar o suficiente ele saltava
na aacutegua e treina por conta proacutepria nataccedilatildeo
Ao final da estadia de Apolocircnio junto a Fraotes e antes de ele partir a caminho de
Paraca cidade dos bracircmanes o rei escreve uma carta de recomendaccedilatildeo em grego a Iarcas o
homem mais antigo e saacutebio entre os bracircmanes hindus Chegando laacute Apolocircnio se surpreende
ao ser recebido por um mensageiro que tambeacutem falava a liacutengua grega (VA III 12) Aleacutem
disso depois de ler a carta de Fraotes Iarcas faz uma breve correccedilatildeo demonstrando grande
domiacutenio da liacutengua grega
23
τὸν δὲ Ἀπολλώνιον ἰδὼν φωνῇ τε ἠσπάσατο Ἑλλάδι καὶ τὰ τοῦ Ἰνδοῦ γράμματα
ἀπῄτει θαυμάσαντος δὲ τοῦ Ἀπολλωνίου τὴν πρόγνωσιν καὶ γράμμα γε ἓν ἔφη
λείπειν τῇ ἐπιστολῇ δέλτα εἰπών παρῆλθε γὰρ αὐτὸν γράφοντα (VA III 16)
Ao vecirc-lo Apolocircnio o saudou em liacutengua grega e lhe pediu a carta do hindu Apolocircnio
se surpreendeu com sua clarividecircncia e Iarcas reparou que faltava uma letra na carta
um delta seguramente que a quem escreveu tinha passado desapercebido
Em outro episoacutedio Dacircmis companheiro de viagem de Apolocircnio tambeacutem se
admira com o conhecimento do bracircmane com relaccedilatildeo ao grego
ταῦτα τοῦ Ἰνδοῦ διελθόντος ἐκπεσεῖν ὁ Δάμις ἑαυτοῦ φησιν ὑπ᾽ ἐκπλήξεως καὶ
ἀναβοῆσαι μέγα μὴ γὰρ ἄν ποτε νομίσαι ἄνδρα Ἰνδὸν ἐς τοῦτο ἐλάσαι γλώττης
Ἑλλάδος μηδ᾽ ἄν εἴπερ τὴν γλῶτταν ἠπίστατο τοσῇδε εὐροίᾳ καὶ ὥρᾳ διελθεῖν
ταῦτα (VA III 36)
Enquanto o indiano discorria sobre estas coisas Damis afirma que ficou espantado e
que ele falou com fluecircncia Ele jamais havia pensado que um indiano poderia
dominar assim a liacutengua grega aliaacutes nem pensava que um indiano conhecesse a
liacutengua grega tamanha foi a fluecircncia e a conveniecircncia com que ele discorreu
Aleacutem do conhecimento linguiacutestico alguns dos costumes e dos rituais dos saacutebios
hindus tambeacutem estatildeo ligados agrave cultura grega i) o momento em que os saacutebios cantam uma
canccedilatildeo que se assemelha ao peatilde de Soacutefocles cantado em Atenas em honra a Ascleacutepio (VA III
17) ii) quando citam Homero (VA III 20 22 27) iii) discutem sobre justiccedila (VA III 24)
sobre a moral grega (VA III 25) sobre mitos gregos (VA III 25) filosofia (VA III 28) e
cosmogonia (VA III 34) Esses aspectos seratildeo analisados no terceiro capiacutetulo desse trabalho
14 Por que a Iacutendia
Geograficamente na Antiguidade Claacutessica reconhecia-se como Iacutendia a regiatildeo que se
estendia do rio Indo ateacute a costa ocidental da Peniacutensula Iacutendica Os principais acessos entre essa
regiatildeo e o Mediterracircneo eram feitas sobretudo atraveacutes do Mar Araacutebico do Golfo Peacutersico e
do Mar Vermelho ou ainda pelo planalto indiano Peacutersia e Mesopotacircmia Fora isso a
Bactriana e o Punjab (atuais Afeganistatildeo e Paquistatildeo) tambeacutem eram consideradas como de
domiacutenio hindu (RODRIGUES 2016 p 168)
24
Todo esse territoacuterio eacute um dos que mais se destaca na literatura grega antiga como um
produtor de maravilhas O verbete θαυμάσιος significa maravilhoso admiraacutevel e espantoso19
Haacute tambeacutem de mesma raiacutez o verbo θαυμάζω cujo sentido eacute o de surpreender-se ver com
espanto ou admiraccedilatildeo admirar venerar20
e o substantivo θαῦμα maravilha respectivamente
Esses termos satildeo comumente utilizados pelos escritores gregos para descrever a Iacutendia e seu
povo
Como exemplo mais antigo temos Ciacutelax de Carianda (seacutec VI aC) marinheiro e
explorador grego Participou entre 519 e 512 aC da expediccedilatildeo do rei persa Dario I para
explorar o curso do rio Indo Apoacutes ter alcanccedilado o mar ele natildeo apenas navegou pelo oceano
Iacutendico mas foi ateacute o mar Vermelho explorando algumas regiotildees da Araacutebia tendo concluiacutedo
essa viagem em trinta meses (HEROacuteDOTO Hist IV 44) Com isso Ciacutelax teria contribuiacutedo
para a Iacutendia ser vista como uma regiatildeo repleta de maravilhas e socialmente perfeita cuja
populaccedilatildeo detinha grande sabedoria (ESPELOSIacuteN LARGACHA GIRVEacuteS 1994 p 198)
Heroacutedoto tambeacutem descreveu sobre a Iacutendia e seu povo em suas Histoacuterias Nessa obra
tudo o que eacute relacionado aos hindus e ao seu paiacutes eacute tido como estranho e maravilhoso A
exemplo disso o autor nos informa que os indianos tecircm relaccedilotildees sexuais em puacuteblico como
animais (Hist III 101) e que alguns deles os padeus se alimentam de carne humana
matam os enfermos sacrificam e comem os idosos (Hist III 99) Outros natildeo tecircm casa e se
alimentam soacute de ervas (Hist III 100) Nesse sentido Morais (2004 p 54 e 76) comenta que
a descriccedilatildeo dos comportamentos hindus feita por Heroacutedoto se assemelha mais agrave dos
selvagens e que dessa forma eles natildeo transmitiriam sabedoria aos demais povos sendo seus
costumes estranhos e opostos aos da civilizaccedilatildeo mostrando uma visatildeo completamente
diferente da exposta por Cilax
Cteacutesias de Cnido (seacutec V-IV aC) tambeacutem escreveu sobre a Iacutendia e seu povo
Diferentemente dos outros autores Cteacutesias compocircs um livro dedicado inteiramente a esse
tema no qual descreve a geografia e a etnografia hindus os Ἰνδικά (Sobre a Iacutendia) A partir
dos fragmentos remanescentes descobrimos por um lado uma Iacutendia povoada apenas por
seres hiacutebridos e monstros selvagens como a μαρτιχόρα (manticora) (fr VII) e o paacutessaro
δίκαιρον (dikairon) (fr XVII) Por outro lado sua populaccedilatildeo se restringe a seres humanoides
com costumes distintos e estranhos como os κυνοκέφαλοι (cinoceacutefalos) (fr XX) e os
πυγμαῖοι (pigmeus) (fr XI)
19
Bailly 2000 p 918 20
Bailly 2000 p 918
25
Ateacute mesmo as dimensotildees e as quantidades tornam a natureza e a geografia
extraordinaacuterias o rio Indo mede 40 estaacutedios21
de largura e 200 de extensatildeo (fr I) existe uma
fonte na qual ao inveacutes de fluir aacutegua jorra ouro liacutequido (fr IV) Eacute diverso tambeacutem por suas
cores como as da ave βυττάκου (bittakos) cuja face eacute cor de puacuterpura a barba escura e a sua
nuca eacute escura tal qual cinaacutebrio (fr III) Romm (1989 p 121 - 135 apud SANO 2008 p 68)
considera que foi Cteacutesias o fundador de uma tradiccedilatildeo literaacuteria que descreve as ldquomaravilhas da
Iacutendiardquo e que alguns dos acontecimentos narrados por ele encontrariam antecedentes no
folclore indiano
Nesse periacuteodo houve tambeacutem um desenvolvimento da prosa escrita tanto do romance
quanto da historiografia Assim gecircneros literaacuterios como a paradoxografia a faacutebula e o
proacuteprio romance seguiram diferentes abordagens da realidade O caso da Iacutendia eacute indicativo de
novos desenvolvimentos suas caracteriacutesticas distintivas podem ser atribuiacutedas a um periacuteodo
anterior da cultura grega mas eacute no proacuteprio periacuteodo heleniacutestico que eles se juntam com uma
nova intensidade (PARKER 2008 p 47) Com isso maravilhas e monstros caracterizaram as
narrativas sobre esse paiacutes Aleacutem disso uma outra peculiaridade da Iacutendia era o fato dela ser
descrita como a fronteira do mundo A proacutepria obra de Cteacutesias informava que natildeo havia
populaccedilatildeo aleacutem do rio Indo22
Seguindo essa loacutegica Alexandre o Grande preparou uma expediccedilatildeo com o intuito de
conquistar as terras indianas acreditando ser a Iacutendia o limite do mundo Essa campanha teve
por outro lado um grande efeito no que diz respeito ao acesso de informaccedilotildees que os gregos
tinham ateacute entatildeo sobre a Iacutendia (PARKER 2008 p 59)
Seacuteculos mais tarde Luciano de Samoacutesata (125-180 dC) em suas Narrativas
Verdadeiras menciona Cteacutesias chamando-o de mentiroso23
por conta de suas obras Isso natildeo
soacute sintetizou a maacute reputaccedilatildeo de Cteacutesias como tambeacutem retomou o debate acerca de narrativas
sobre fatos verdadeiros e ficcionais (PARKER 2008 p 47) Assim a Iacutendia continuou a ser
um dos temas principais no contexto do discurso do maravilhoso
Outros escritores que escreveram sobre a Iacutendia foram Megaacutestenes (seacuteculo IV aC) em
sua obra Iacutendica Estrabatildeo (seacuteculo I aC) em Geografia Claacuteudio Eliano (seacuteculo I) em Sobre a
natureza dos animais Xenofonte de Eacutefeso (seacuteculo II ndash I) em Efesiacuteacas Arriano de
21
Medida de percurso equivalente a 17760 m 22
ldquoQue homens natildeo habitam aleacutem de laacuterdquo Texto grego Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους (Indikaacute
frag I) 23
ldquoCteacutesias de Cnido o filho de Ctesioco escreveu acerca do paiacutes dos indianos e do que existe laacute coisas que ele
proacuteprio natildeo viu nem ouviu de algueacutem que dizia a verdaderdquo Traduccedilatildeo de Sano 2008 p6 Texto
grego Κτησίας ὁ Κτησιόχου ὁ Κνίδιος ὃς συνέγραψεν περὶ τῆς Ἰνδῶν χώρας καὶτῶν παρ᾽ αὐτοῖς ἃ μήτε αὐτὸς ε
ἶδεν μήτε ἄλλου ἀληθεύοντος ἤκουσεν (Narrativas Verdadeiras I 3)
26
Nicomeacutedia (seacuteculo II) em sua Anaacutebase de Alexandre e Nono de Panoacutepolis (seacuteculo V) em
sua Dionisiacuteacas
Em siacutentese a Vida de Apolocircnio de Tiana se mostra inovadora ao abordar a temaacutetica do
maravilhoso juntamente com o resgate dos valores culturais claacutessicos Aleacutem de encontrarmos
vestiacutegios dessa tradiccedilatildeo repleta de maravilhas e caracteriacutesticas peculiares acompanhamos
Apolocircnio em uma jornada em busca da sabedoria
27
CAPIacuteTULO II
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA
A partir das fontes brevemente analisadas no primeiro capiacutetulo vimos que a Iacutendia eacute
um lugar de destaque nas narrativas gregas antigas devido ao seu exotismo e sua diversidade
natural Na VA curiosamente o caminho feito por Apolocircnio eacute marcado natildeo apenas por esse
exotismo mas principalmente pelos vestiacutegios encontrados de um passado grego Apolocircnio se
depara com rastros de Dioniso do macedocircnio Alexandre e faz alusotildees a escritores gregos
antigos como Heroacutedoto e Cteacutesias de Cnido Assim seraacute com base nessas referecircncias bem
como o mundo natural hindu narrado que mostraremos uma Iacutendia descrita sob a oacutetica de
Filoacutestrato
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia
Algumas das remissotildees que comentaacutevamos haacute pouco se datildeo na chegada de Apolocircnio e
de seus companheiros agrave Iacutendia Seguindo o relato de Filoacutestrato para adentrarem a regiatildeo rumo
agrave cidade dos bracircmanes Paraca os viajantes precisariam passar por uma montanha Nisa Ao
se aproximarem desta o guia de viagem os informou de que Dioniso ldquoagiardquo sobre ela e por
isso Apolocircnio supocircs que laacute aconteciam coisas maravilhosas (θαυμαστὰ) (VA II 7) Ao
subirem se depararam com um templo abandonado do deus
ἀνελθόντες οὖν ἱερῷ Διονύσου ἐντυχεῖν φασιν ὃ δὴ Διόνυσον ἑαυτῷ φυτεῦσαι
δάφναις περιεστηκυίαις κύκλῳ τοσοῦτον περιεχούσαις τῆς γῆς ὅσον ἀπόχρη νεῷ
ξυμμέτρῳ κιττόν τε περιβαλεῖν αὐτὸν καὶ ἀμπέλους ταῖς δάφναις ἄγαλμά τε ἑαυτοῦ
ἔνδον στήσασθαι γιγνώσκοντα ὡς ξυμφύσει τὰ δένδρα ὁ χρόνος καὶ δώσει τινὰ ἀπ᾽
αὐτῶν ὄροφον ὃς οὕτω ξυμβέβληται νῦν ὡς μήτε ὕεσθαι τὸ ἱερὸν μήτ᾽ ἀνέμῳ
ἐσπνεῖσθαι δρέπανα δὲ καὶ ἄρριχοι καὶ ληνοὶ καὶ τὰ ἀμφὶ ληνοὺς ἀνάκειται τῷ
Διονύσῳ χρυσᾶ καὶ ἀργυρᾶ καθάπερ τρυγῶντι τὸ δὲ ἄγαλμα εἴκασται μὲν ἐφήβῳ
Ἰνδῷ λίθου δὲ ἔξεσται λευκοῦ ὀργιάζοντος δὲ αὐτοῦ καὶ σείοντος τὴν Νῦσαν
ἀκούουσιν αἱ πόλεις αἱ ὑπὸ τῷ ὄρει καὶ ξυνεξαίρονται (VA II 8)
28
Tendo eles subido [a montanha] dizem que se depararam com um templo de
Dioniso o qual foi plantado pelo proacuteprio Dioniso que plantou loureiros rodeando
em ciacuterculo tatildeo grande que envolve a terra quanto bastava a um templo simeacutetrico E
ele tambeacutem colocou ao redor dos loureiros hera e videira ergueu uma estaacutetua para si
mesmo sabendo que no tempo em que as aacutervores crescessem juntas elas mesmas
umas sobre as outras dariam um teto com o qual assim se deparam agora entatildeo a
chuva natildeo o molha nem o vento sopra sobre o templo E havia foices cestas e vasos
e ao redor havia vasos consagrados a Dioniso como se fossem para um colhedor de
uvas dourados e prateados E a estaacutetua se assemelha a um jovem indiano e era de
pedra branca E ele celebrando e fazendo tremer o Nisa as cidades abaixo da
montanha ouvem e se afervoram
Logo em seguida o autor resume uma discussatildeo entre indianos e gregos a respeito de
Dioniso Por um lado os gregos diziam que Dioniso teria feito uma expediccedilatildeo agrave Iacutendia tanto
como soldado quanto como farrista Esses argumentos seriam embasados em uma oferenda
existente em Delfos onde dentre os tesouros preservados havia um disco de prata indiana
com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoDioniso o [filho] de Secircmele e de Zeus dos hindus a Apolo de
Delfosrdquo (ΔΙΟΝΥΣΟΣ Ο ΣΕΜΕΛΗΣ ΚΑΙ ΔΙΟΣ ΑΠΟ ΙΝΔΩΝ ΑΠΟΛΛΩΝΙ ΔΕΛΦΩΙ VA
II 9) Essa pode ser uma alusatildeo agrave Biblioteca Histoacuterica de Diodoro Siacuteculo (90 - 30 aC) na
qual o autor narra a expediccedilatildeo beacutelica e festejadora de Dioniso agrave Iacutendia e o apresenta como
divindade civilizadora que ao chegar a um povo nocircmade confere-lhes os atributos de sua
proacutepria cultura (PARKER 2008 p 47)24
Os indianos por outro lado apontavam duas diferentes origens para Dioniso Os que
habitavam a regiatildeo do Caacuteucaso e ao longo do rio Coacutefen afirmavam que Dioniso fora um
visitante assiacuterio conhecedor do deus tebano e de seus feitos Jaacute os que habitavam entre o rio
Indo Hidraotes e a regiatildeo continental ateacute o rio Ganges declaravam que o verdadeiro Dioniso
era filho do proacuteprio rio Indo Por sua vez o Dioniso de Tebas tornara-se seu disciacutepulo e
tomando o seu tirso passara a utilizaacute-lo em suas orgias Esse Dioniso de Tebas afirmava ser
filho de Zeus e ter sido criado na coxa de seu pai ateacute nascer Zeus entatildeo encontrou uma
montanha chamada Μηρόν (ldquocoxardquo) fronteira com o monte Nisa e nela plantou videiras em
homenagem a seu filho (VA II 9)
24
Em Biblioteca Histoacuterica Diodoro Siacuteculo apresenta tambeacutem Heacuteracles como divindade civilizadora na Iacutendia
poreacutem na VA Heraacutecles tem origem egiacutepcia e natildeo grega (VA II 3)
29
Segundo Grimal (2005 p 122) apoacutes ter nascido da coxa de Zeus e ser levado para
longe da Greacutecia para Nisa seu pai o transformou em cabrito para que Hera raivosa natildeo o
reconhecesse Quando se tornou adulto descobriu a videira e o seu uso Sofreu ainda alguns
impasses com Hera ateacute que em um dado momento Dioniso se dirigiu agrave Iacutendia regiatildeo que
conquistou numa expediccedilatildeo semiguerreira semidivina subjulgando seu povo pela forccedila das
armas pois ele levava consigo um exerciacutecito A partir de entatildeo originou-se o cortejo triunfal
de que se fazia acompanhar o carro puxado por panteras e ornamentado com parras os
Silenos as Bacantes os Saacutetiros e outras divindades menores
Assim como Dioniso eacute tido como uma divindade marginal e exilada nas histoacuterias
claacutessicas a Iacutendia por sua vez tambeacutem representava a margem do mundo uma terra
desconhecida e diversa Na VA a interaccedilatildeo dos hindus com essa divindade aparece de forma
tatildeo difundida que ele eacute chamado de Niacutesio (Νύσιος) pelos indianos e por todos os outros povos
aleacutem da Nisa (VA II 2)
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites
Como discutido anteriormente os gregos jaacute tinham algumas informaccedilotildees a respeito da
Iacutendia no seacuteculo IV aC Poreacutem esta visatildeo foi bastante ampliada e modificada apoacutes Alexandre
suceder seu pai Filipe II da Macedocircnia e realizar uma campanha de conquista da regiatildeo entre
327 e 325 aC Com isso ele expandiu os limites orientais do mundo grego avanccedilando para
aleacutem da fronteira da Iacutendia ateacute a bacia do rio Ganges (COURCELLES 2014 p 324)
Ao tentar reconstruir a expediccedilatildeo de Alexandre agrave Iacutendia o maior problema que os
historiadores tecircm enfrentado eacute o da escassez de fontes As dificuldades se datildeo pelo fato de que
os primeiros registros existentes que chegaram ateacute noacutes satildeo de cerca de trecircs seacuteculos depois de
sua ocorrecircncia provavelmente reflexos dos relatos perdidos de Caliacutestenes (360-328 aC)
Onesiacutecrito (360-290 aC) Aristoacutebulo (375-301 aC) e de Nearco Ainda assim existem
seacuterias duacutevidas sobre o caraacuteter dessas fontes e em que medida elas poderiam ser reconstruiacutedas
(PARKER 2008 p 34)
Natildeo obstante quatrocentos anos depois Apolocircnio ainda encontra vestiacutegios da
passagem de Alexandre pela Iacutendia Haacute resquiacutecios do contato que Alexandre teve com o rei
hindu Poro e do embate travado entre os dois conhecido como a Batalha de Hidaspes Na
30
regiatildeo de Taxila fortificada agrave maneira grega existia um templo de aproximadamente cem
peacutes de altura no qual estavam gravadas as faccedilanhas de ambos os reis (VA II 20) Segundo
Filoacutestrato essas gravuras registravam o momento em que Poro ferido era restabelecido como
saacutetrapa apoacutes a vitoacuteria de Alexandre Ainda segundo o autor Poro ao saber da morte do rei
macedocircnio havia lhe dedicado essas gravuras e passado a se portar de forma moderada
guiando suas accedilotildees pelo desejo de agradar a Alexandre (VA II 20)
Partindo de Taxila Apolocircnio se deparou com uma estaacutetua de Alexandre em uma biga
de quatro mastros representando ao que Filostrato sugere o momento em que ele confrontou
os saacutetrapas de Dario Um pouco mais adiante encontrou dois portotildees um deles com a estaacutetua
do rei Poro e o outro com uma estaacutetua de Alexandre reproduzindo o momento em que os
dois se saudaram apoacutes a batalha de Hidaspes (VA II 42)
Apoacutes atravessarem o rio Hidraotes e alcanccedilarem o Hifaacutesis Apolocircnio e seus
companheiros de viagem encontraram tambeacutem altares dedicados a Alexandre (VA II 43)
Neles havia uma coluna de metal na qual estava inscrito ldquoAlexandre avanccedilou ateacute aquirdquo
(ΑΛΕΞΑΝΔΡΟΣ ΕΝΤΑΥΘΑ ΕΣΤΗ) ldquopara honrar o limite do seu Impeacuteriordquo (τὸ τῆς ἑαυτοῦ
ἀρχῆς τέρμα τιμῶντος) Poreacutem adiante desse marco para aleacutem do Hifaacutesis Filoacutestrato afirma
que os hindus ergueram uma outra coluna esta para marcar o orgulho dos indianos por
Alexandre natildeo ter avanccedilado mais em seu territoacuterio (VA II 43) Do mesmo modo quando
Apolocircnio estava em contato com os bracircmanes hindus haacute a menccedilatildeo de que aquele local nunca
fora visitado por Alexandre (VA II 33)
A nosso ver neste ponto Filoacutestrato sobrepotildee Apolocircnio a Alexandre Se por um lado
Alexandre tinha sido o uacutenico ocidental a alcanccedilar aquelas fronteiras por outro Apolocircnio as
ultrapassa e adentra ainda mais nas terras hindus Assim na VA Alexandre eacute lembrado pela
sua grandeza e por seus feitos passados mas tambeacutem por suas limitaccedilotildees Nesse sentido
Abraham (2014 p 467) argumenta que Filoacutestrato sobrepotildee a campanha do conquistador agrave
jornada do filoacutesofo e ao fazer contiacutenuas menccedilotildees aos memoriais de Alexandre transforma a
expediccedilatildeo de Apolocircnio em uma reconstituiccedilatildeo da expediccedilatildeo de Alexandre
31
23 O maravilhoso em VA
O relato etnograacutefico do viajante que narra as maravilhas encontradas em suas
aventuras entre os confins do mundo e as fronteiras do conhecidodesconhecido eacute um
toacutepos do discurso geograacutefico Com raiacutezes em Homero esse tipo de narrativa foi se
consolidando cada vez mais e a partir da autoacutepsia de Heroacutedoto ou seja o processo de ver
com os proacuteprios olhos o viajante passou a discursar com mais autoridade pois fala de
algo que vira com os proacuteprios olhos e que supostamente nenhum outro grego tinha visto25
Nos poemas homeacutericos e hesioacutedicos o θαυμάσιος o maravilho eacute qualificado e
dimensionado com o uso de adjetivos
Para qualificar o thocircma26
Homero e Hesiacuteodo utilizam o adjetivo ldquogranderdquo (meacutegas)
mas essa grandeza de thocircma natildeo se mede associado a meacutegas encontramos com
efeito deinoacutes terriacutevel formidaacutevel O ldquomilagrerdquo eacute pois grande ou terriacutevel ndash e grande
porque terriacutevel (HARTOG 2014 p 265 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Exemplos do uso desses adjetivos empregados com essa denotaccedilatildeo estatildeo nos trechos
abaixo na Odisseia como atributo da voz de Zeus na Iliacuteada com relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da
peleja do combate e na Teogonia como caracteriacutestica de um monstro
Ἠὼς δ᾽ ἐκ λεχέων παρ᾽ ἀγαυοῦ Τιθωνοῖο
ὤρνυθ᾽ ἵν᾽ ἀθανάτοισι φόως φέροι ἠδὲ βροτοῖσιν
οἱ δὲ θεοὶ θῶκόνδε καθίζανον ἐν δ᾽ ἄρα τοῖσι
Ζεὺς ὑψιβρεμέτης οὗ τε κράτος ἐστὶ μέγιστον
Alccedila-se a Aurora do leito onde estava o preclaro Titono
para que a luz aos eternos levasse e aos mortais transitoacuterios
quando nos tronos os deuses se foram sentar tendo ao meio
Zeus cuja voz eacute atroante de forccedila e poder muito grandes
(Od V 1-4 traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes)
25
Morais (2008 p 17) examina a relaccedilatildeo entre ver e maravilhar-se em Heroacutedoto jaacute Parker (2008 p 119)
discorre sobre a autoacutepsia como ferramenta de autoridade em um discurso 26
A palavra θαῦμα aparece em Heroacutedoto como θῶμα (CHANTRAINE 1968 p 424)
32
lsquoαἰδὼς Ἀργεῖοι κοῦροι νέοι ὔμμιν ἔγωγε
μαρναμένοισι πέποιθα σαωσέμεναι νέας ἁμάς
εἰ δ᾽ ὑμεῖς πολέμοιο μεθήσετε λευγαλέοιο
νῦν δὴ εἴδεται ἦμαρ ὑπὸ Τρώεσσι δαμῆναι
ὢ πόποι ἦ μέγα θαῦμα τόδ᾽ ὀφθαλμοῖσιν ὁρῶμαι
δεινόν ὃ οὔ ποτ᾽ ἔγωγε τελευτήσεσθαι ἔφασκον
ldquoVergonha Argivos jovens mancebos Na vossa peleja
confiava eu para que se salvassem as nossas naus
Mas se voacutes desistis da guerra angustiosa agora
chega o dia de sermos subjugados pelos Troianos
Oacute amigos grande eacute a maravilha que meus olhos contemplam
coisa terriacutevel que nunca pensei poder vir a cumprir-serdquo
(Il XIII 95-100 traduccedilatildeo de Frederico Lourenccedilo)
ἣ δὲ Χίμαιραν ἔτικτε πνέουσαν ἀμαιμάκετον πῦρ
δεινήν τε μεγάλην τε ποδώκεά τε κρατερήν τε
τῆς δ᾽ ἦν τρεῖς κεφαλαί μία μὲν χαροποῖο λέοντος
ἣ δὲ χιμαίρης ἣ δ᾽ ὄφιος κρατεροῖο δράκοντος
πρόσθε λέων ὄπιθεν δὲ δράκων μέσση δὲ χίμαιρα
δεινὸν ἀποπνείουσα πυρὸς μένος αἰθομένοιο
Ela [a Viacutebora] pariu a Cabra que sopra irrepeliacutevel fogo
a terriacutevel e grande e de peacutes ligeiros e cruel
tinha trecircs cabeccedilas uma de leatildeo de olhos ruacutetilos
outra de cabra outra de viacutebora cruel serpente
Na frente leatildeo atraacutes serpente no meio cabra
expirando o terriacutevel furor do fogo aceso
(Teog 319-324 traduccedilatildeo de Jaa Torrano)
Posteriormente outros recursos passaram a ser incorporados a essa forma de narrativa
e operaccedilotildees como avaliar medir e contar se tornaram necessaacuterias para traduzir o
θαυμάσιος do mundo narrado Aleacutem disso a quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da
narrativa quanto mais θαυμάσιος houver maior seraacute o prolongamento da histoacuteria Com
isso o narrador eacute quem confere ao leitor as medidas do que se conta em um processo no
qual haacute um efeito de realidade causado pelo narrador em que o viajante ldquofaz crerrdquo no que
estaacute sendo contado sobre o outro Desse modo o θῶμα eacute um toacutepos do discurso etnograacutefico
(HARTOG 2014 p 261 ndash 263)
33
A VA tambeacutem nos eacute apresentada sob essa perspectiva uma narrativa repleta de
θαύματα de diversos tipos com uma grande variedade de animais exoacuteticos lugares de
geografia inusitada objetos e obras de arte magniacuteficas e povos com costumes e culturas
inimaginaacuteveis Aleacutem dessas caracteriacutesticas tanto as viagens quanto os milagres de
Apolocircnio tambeacutem satildeo exemplos de θαύματα (ELSNER 1997 p 25)
Como mencionado no primeiro capiacutetulo diversas caracteriacutesticas a respeito da Iacutendia jaacute
estavam presentes tanto em Heroacutedoto quanto em Cteacutesias A influecircncia desses dois autores
eacute bem evidente no terceiro livro da VA onde muitas dessas maravilhas satildeo desmitificadas
ou confirmadas por Apolocircnio que as potildee em xeque em um diaacutelogo com o saacutebio Iarcas
Aleacutem do que era exoacutetico e visualmente impactante seacuteculos mais tarde outro aspecto
do maravilhoso da Iacutendia se tornou um toacutepos literaacuterio a sabedoria dos bracircmanes e dos
gminosofistas27
das histoacuterias de Alexandre e da tradiccedilatildeo do Romance de Alexandre Se
por um lado os bracircmanes natildeo foram tratados nas narrativas de Cteacutesias e de Heroacutedoto a
partir desse momento eles se tornariam uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana (PARKER 2008 p 143 e 251) Na VA eles ocupam um papel central pois
chegar ateacute eles era o objetivo principal de Apolocircnio (VA I 18 32 II 11 III 16 29 IV
47) e esse contato com eles tambeacutem eacute parte do conteuacutedo maravilhoso da obra
231 As maravilhas da Iacutendia
Animais monstros seres hiacutebridos dimensotildees cores lugares construccedilotildees exuberantes
pedras e riquezas compotildeem a Iacutendia como um paiacutes exoacutetico diverso selvagem e
maravilhoso na indografia greco-romana Se Hartog (2014 p 261-263) afirma que a
quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da narrativa podemos afirmar que a Iacutendia
descrita por Filoacutestrato eacute extensa rica e profunda em suas peculiaridades Abaixo estatildeo
traduzidas passagens que remetem ao conteuacutedo maravilhoso dessa obra listadas e
divididas em grupos Os grupos arrolados satildeo i) lugares onde estatildeo descritas montanhas
planiacutecies e cidades ii) hidrografia com os nomes dimensotildees e particularidades dos rios
mencionados no texto iii) o clima da Iacutendia iv) animais onde satildeo detalhadas suas
27
Agraves vezes os dois termos satildeo usados de forma intercambiaacutevel agraves vezes eles se referem a diferentes grupos Em
alguns casos o termo eacute usado para se referir a sacerdotes egiacutepcios como em Filoacutestrato (PARKER 2008 p 255)
34
particularidades e as estoacuterias associadas a eles v) seres exoacuteticos compostos por
humanoides seres hiacutebridos e povos de cultura inusitada
Identificamos tambeacutem na VA uma forte influecircncia de Heroacutedoto e de Cteacutesias que
iniciaram essa tradiccedilatildeo a respeito da Iacutendia As descriccedilotildees que aludem a esses dois autores
estatildeo mencionadas ao longo do texto e os trechos referidos a eles estaratildeo expostos junto
com os da VA Quando houver uma referecircncia em comum entre os trecircs autores
respeitaremos a ordem cronoloacutegica entre eles
2311 Lugares
Durante a jornada de Apolocircnio satildeo descritos os lugares por onde ele passa e suas
impressotildees Em seu itineraacuterio pela Iacutendia Apolocircnio passa pela cordilheira do Caacuteucaso
registrando o aroma de canela e a aacutervore de pimenta existentes laacute passa por uma pedra
chamada ldquoSem paacutessarosrdquo pela planiacutecie irrigada do Ganges por Taxila pelo Templo do Sol
por Paraca pela torre dos saacutebios onde ele vecirc dois jarros um de chuva e o outro de vento
aleacutem de uma pedra magneacutetica pelas regiotildees de Balara de Selera de Pegadae e pela ilha
Biacuteblos
A cordilheira Caacuteucaso
Eacute narrado que ao se aproximarem da cordileira do Caacuteucaso Apolocircnio e seus
companheiros sentiram que a terra ficava mais perfumada (VA II 1) Sua extensatildeo eacute enorme
pois considera-se que o iniacutecio dessa montanha eacute no Touro e se estende atraveacutes da Armecircnia ateacute
Miacutecale e se estende ateacute a margem do mar onde vivem os carianos Ao contraacuterio do pico de
Miacutecale que natildeo eacute muito grande os do Caacuteucaso
καὶ αἱ ὑπερβολαὶ τοῦ Καυκάσου τοσοῦτον ἀνεστᾶσιν ὡς σχίζεσθαι περὶ αὐτὰς τὸν
ἥλιον περιβάλλει δὲ Ταύρῳ ἑτέρῳ καὶ τὴν ὅμορον τῇ Ἰνδικῇ Σκυθίαν πᾶσαν κατὰ
Μαιῶτίν τε καὶ ἀριστερὸν Πόντον σταδίων μάλιστα δισμυρίων μῆκος τοσοῦτον
γὰρ ἐπέχει μέτρον τῆς γῆς ὁ ἀγκὼν τοῦ Καυκάσου [] ὁ δὲ Καύκασος ὁρίζει μὲν
35
τὴν Ἰνδικήν τε καὶ Μηδικήν καθήκει δὲ ἐπὶ τὴν Ἐρυθρὰν θάλατταν ἑτέρῳ ἀγκῶνι
(VA II 2)
os picos do Caacuteucaso satildeo tatildeo elevados que o sol eacute cortado por eles Envolve com o
resto do Tauro toda a Ciacutetia que faz fronteira com a Iacutendia pelo Meoacutetis e a costa
esquerda do Ponto uma distacircncia quase de 20 mil estaacutedios pois nada menos que
isso eacute a extensatildeo de terra cercada pela depressatildeo do Caacuteucaso [] O Caacuteucaso limita
Iacutendia e Meacutedia e se estende por outra depressatildeo ateacute o Mar Vermelho
As montanhas do Caacuteucaso possuem ainda outras peculiaridades como por exemplo
os arbustos com cheiro de canela que aromatizam toda aquela regiatildeo e a aacutervore de pimenta
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho sentiram o aroma de
canela vinda dos arbustos por toda esse aacuterea
A canela do Caacuteucaso
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho e descrito
que esta faixa eacute densamente coberta por arbustos aromaacuteticos de canela
τοὺς μὲν δὴ πρῶνας τοῦ ὄρους τὸ κιννάμωμον φέρειν προσεοικέναι δὲ αὐτὸ νέοις
κλήμασι βάσανον δὲ τοῦ ἀρώματος τὴν αἶγα εἶναι κινναμώμου γὰρ εἴ τις αἰγὶ
ὀρέξειε κνυζήσεται πρὸς τὴν χεῖρα καθάπερ κύων ἀπιόντι τε ὁμαρτήσει τὴν ῥῖνα
ἐς αὐτὸ ἐρείσασα κἂν ὁ αἰπόλος ἀπάγῃ θρηνήσει καθάπερ λωτοῦ ἀποσπωμένη
(VA III 4)
Os contrafortes da montanha produzem canela que se assemelha a videiras novas
mas a cabra eacute a prova de que se trata daquele arbusto aromaacutetico pois se algueacutem
apresenta a canela a uma cabra ela gane na direccedilatildeo da matildeo igual a um cachorro e
ao sair ela o seguiraacute apoiando nela o focinho e se o pastor a afastar ela se
lamentaraacute como privada de loto
36
A aacutervore de pimenta
Nos montes dessa montanha crescem aacutervores aromaacuteticas muito altas e existem
diversas espeacutecies delas como eacute o caso das aacutervores de pimenta que satildeo cultivadas pelos
macacos (VA III 4)
τὸ δένδρον ἡ πεπερὶς εἴκασται μὲν τῷ παρ᾽ Ἕλλησιν ἄγνῳ τά τε ἄλλα καὶ τὸν
κόρυμβον τοῦ καρποῦ φύεται δὲ ἐν τοῖς ἀποτόμοις οὐκ ἐφικτὸς τοῖς ἀνθρώποις οὗ
λέγεται πιθήκων οἰκεῖν δῆμος ἐν μυχοῖς τοῦ ὄρους καὶ ὅ τι αὐτοῦ κοῖλον οὓς
πολλοῦ ἀξίους οἱ Ἰνδοὶ νομίζοντες ἐπειδὴ τὸ πέπερι ἀποτρυγῶσι τοὺς λέοντας ἀπ᾽
αὐτῶν ἐρύκουσι κυσί τε καὶ ὅπλοις (VA III 4)
A aacutervore de pimenta se parece com o salgueiro dos gregos em tudo incluindo os
ramos do fruto e cresce em ravinas que o homen natildeo alcanccedila e onde dizem habita
um povo de macacos em buracos na montanha e em qualquer concavidade dela os
quais satildeo tidos em alta estima pelos indianos porque eles colhem as pimentas eles
afastam deles os leotildees com catildees e armas
A pedra chamada ldquoSem paacutessarosrdquo
Haacute uma pedra perto do monte Nisa que se chamada ldquoSem Paacutessarosrdquo (Ἄορνον) Apesar
de natildeo terem ido ateacute ela os viajantes ouviram falar que Alexandre a capturou e a histoacuteria que
se conta sobre essa pedra estaacute assim descrita
Ἄορνος δὲ ὀνομάζοιτο οὐκ ἐπειδὴ στάδια πεντεκαίδεκα ἀνέστηκε πέτονται γὰρ καὶ
ὑπὲρ τοῦτο οἱ ἱεροὶ ὄρνιθες ἀλλ᾽ ἐν κορυφῇ τῆς πέτρας ῥῆγμα εἶναί φασι τοὺς
ὑπερπετομένους τῶν ὀρνίθων ἐπισπώμενον ὡς Ἀθήνησί τε ἰδεῖν ἐστιν ἐν προδόμῳ
τοῦ Παρθενῶνος καὶ πολλαχοῦ τῆς Φρυγῶν καὶ Λυδῶν γῆς ὑφ᾽ οὗ τὴν πέτραν
Ἄορνον κεκλῆσθαί τε καὶ εἶναι (VA II 10)
37
[a pedra] foi nomeada ldquoSem Paacutessarosrdquo natildeo porque alcanccedila quinze estaacutedios pois os
paacutessaros sagrados voam aleacutem dessa altura mas porque no pico da pedra haacute dizem
um abismo que puxa os paacutessaros como se vecirc que acontece tambeacutem em Atenas no
vestiacutebulo do Partenon e em muitos lugares da terra dos friacutegios e liacutedios Por esse
motivo a pedra eacute chamada e de fato eacute ldquoSem Paacutessarosrdquo
A planiacutecie irrigada do Ganges
Apoacutes atravessarem o Caacuteucaso eacute descrito que os viajantes viram uma planiacutecie lisa com
cortes e valas cheias de aacutegua algumas das quais transversais enquanto outras eram retas
Eram simples afluentes do rio Ganges dispostas como fronteiras e irrigavam tambeacutem a
planiacutecie quando a terra estava seca (VA III 5) Sobre esta terra
τὴν δὲ γῆν ταύτην ἀρίστην φασὶ τῆς Ἰνδικῆς εἶναι καὶ μεγίστην τῶν ἐκεῖ λήξεων
πεντεκαίδεκα ἡμερῶν ὁδοῦ μῆκος ἐπὶ τὸν Γάγγην ὀκτωκαίδεκα δὲ ἀπὸ θαλάσσης
ἐπὶ τὸ τῶν πιθήκων ὄρος ᾧ ξυμπαρατείνει πεδιὰς πᾶσα ἡ χώρα μέλαινά τε καὶ
πάντων εὔφορος ἰδεῖν μὲν γὰρ ἐν αὐτῇ στάχυας ἀνεστῶτας ὅσον οἱ δόνακες ἰδεῖν
δὲ κυάμους τριπλασίους τῶν Αἰγυπτίων τὸ μέγεθος σήσαμόν τε καὶ κέγχρον
ὑπερφυᾶ πάντα ἐνταῦθα καὶ τὰ κάρυα φύεσθαί φασιν ὧν πολλὰ πρὸς ἱεροῖς
ἀνακεῖσθαι τοῖς δεῦρο θαύματος ἕνεκα τὰς δὲ ἀμπέλους φύεσθαι μὲν μικράς
καθάπερ αἱ Λυδῶν τε καὶ Μαιόνων ποτίμους δὲ εἶναι καὶ ἀνθοσμίας ὁμοῦ τῷ
ἀποτρυγᾶν ἐνταῦθα καὶ δένδρῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι προσεοικότι τῇ δάφνῃ
φύεσθαι δὲ αὐτοῦ κάλυκα εἰκασμένην τῇ μεγίστῃ ῥόᾳ καὶ μῆλον ἐγκεῖσθαι τῇ
κάλυκι κυάνεον μέν ὥσπερ τῶν ὑακίνθων αἱ κάλυκες πάντων δὲ ἥδιστον ὁπόσα ἐξ
ὡρῶν ἥκει (VA III 5)
Eles dizem ser esta a melhor terra da Iacutendia e a maior das regiotildees sendo de quinze
dias a jornada ateacute o Ganges e de dezoito dias do mar ateacute a montanha dos macacos
por onde se estende Toda a regiatildeo eacute uma planiacutecie preta e feacutertil de tudo pois se pode
ver nela espigas crescendo como os juncos e se pode ver tambeacutem favas trecircs vezes
maiores que as do tipo egiacutepcio bem como seacutesamo e milho crescendo por todas as
partes E eles dizem que tambeacutem nascem nozes laacute das quais muitas satildeo ofertadas
nos templos daqui pelo que tecircm de admiraacutevel As videiras que crescem satildeo
pequenas como as dos liacutedios e meocircnios boas para beber e aromaacuteticas tatildeo logo se
arrancam Eles dizem que laacute se depararam tambeacutem com uma aacutervore que se
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assemelha ao loureiro sobre a qual cresce um caacutelice comparaacutevel a uma granada
grande e dentro do caacutelice estaacute embutido um fruto azulado como os caacutelices de
jacinto o mais agradaacutevel de todos que as estaccedilotildees trazem
A regiatildeo de Taxila
Taxila eacute uma cidade importante na VA Eacute nela que Apolocircnio encontra vestiacutegios de
Alexandre e da batalha travada entre o macedocircnio e o rei indiano Poro conhecida como a
Batalha de Hidaspes Aleacutem disso eacute em Taxila que Apolocircnio tem o primeiro contato com um
rei indiano Fraotes um dos personagens mais importantes da Iacutendia da VA devido agrave forma
como governa e a seu conhecimento da cultura grega
Taxila segunda a narrativa tem a dimensatildeo de Niacutenive e eacute fortificada da mesma forma
que as cidades gregas Aleacutem dessas caracteriacutesticas que remetem agrave Greacutecia eacute descrito um
templo com o qual se surpreenderam de tatildeo belo
νεὼν δὲ πρὸ τοῦ τείχους ἰδεῖν φασιν οὐ παρὰ πολὺ τῶν ἑκατομπόδων λίθου
κογχυλιάτου καὶ κατεσκευάσθαι τι ἱερὸν ἐν αὐτῷ ἧττον μὲν ἢ κατὰ τὸν νεὼν
τοσοῦτόν τε ὄντα καὶ περικίονα θαυμάσαι δὲ ἄξιον χαλκοῖ γὰρ πίνακες
ἐγκεκρότηνται τοίχῳ ἑκάστῳ γεγραμμένοι τὰ Πώρου τε καὶ Ἀλεξάνδρου ἔργα
γεγράφαται δὲ ὀρειχάλκῳ καὶ ἀργύρῳ καὶ χρυσῷ καὶ χαλκῷ μέλανι ἐλέφαντες ἵπποι
στρατιῶται κράνη ἀσπίδες λόγχαι δὲ καὶ βέλη καὶ ξίφη σιδήρου πάντα καὶ ὥσπερ
λόγος εὐδοκίμου γραφῆς οἷον εἰ Ζεύξιδος εἴη τι ἢ Πολυγνώτου τε καὶ Εὐφράνορος
οἳ τὸ εὔσκιον ἠσπάσαντο καὶ τὸ ἔμπνουν καὶ τὸ ἐσέχον τε καὶ ἐξέχον οὕτως φασί
κἀκεῖ διαφαίνεται καὶ ξυντετήκασιν αἱ ὕλαι καθάπερ χρώματα ἡδὺ δὲ καὶ αὐτὸ τὸ
ἦθος τῆς γραφῆς (VA II 20)
dizem que viram um templo em frente da muralha de natildeo muito mais que cem peacutes
de pedra de calcaacuterio e que foi construiacutedo dentro dele um santuaacuterio algo menor com
relaccedilatildeo agrave grandeza do templo sendo esse cercado por colunas e digno de
maravilhar-se Havia taacutebuas de bronze em cada parede do templo com os feitos de
Poro e Alexandre registrados Foram gravados com oricalco prata ouro e bronze
escuro elefantes cavalos soldados elmos e escudos mas lanccedilas flechas e espadas
eram todas de ferro e como o assunto de uma pintura famosa tal qual as de Zecircuxis
Polignoto ou Eufranor que gostavam do claro-escuro do animado da profundidade
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e do relevo assim dizem tambeacutem ali tudo se mostrava e os materiais estavam
dispostos como cores E o caraacuteter da pintura era apraziacutevel por si mesmo
O Templo do Sol
Esse templo tambeacutem eacute caracterizado por sua beleza e riqueza e pedras preciosas e
imagens marcando a passagem de Apolocircnio naquela regiatildeo
ἱερὸν δὲ ἰδεῖν Ἡλίου φασίν ᾧ ἀνεῖτο Αἴας ἐλέφας καὶ ἀγάλματα Ἀλεξάνδρου
χρυσᾶ καὶ Πώρου ἕτερα χαλκοῦ δ᾽ ἦν ταῦτα μέλανος οἱ δὲ τοῦ ἱεροῦ τοῖχοι
πυρσαῖς λίθοις ὑπαστράπτει χρυσὸς αὐγὴν ἐκδιδοὺς ἐοικυῖαν ἀκτῖνι τὸ δὲ ἕδος αὐτὸ
μαργαρίτιδος ξύγκειται ξυμβολικὸν τρόπον ᾧ βάρβαροι πάντες ἐς τὰ ἱερὰ χρῶνται
(VA II 24)
E eles dizem ter visto um Templo do Sol no qual circulava o elefante Aacutejax e
esculturas de ouro de Alexandre e outras de Poro e eram estas de bronze escuro E
das paredes do templo sob pedras vermelhas brilhava o ouro emitiam um claratildeo
semelhante a um raio de sol O proacuteprio assento estava cercado de peacuterolas do modo
simboacutelico que usam todos os baacuterbaros nos templos
A cidade de Paraca
A cidade de Paraca eacute maravilhosa por nela acontecer o treino de caccedila aos dragotildees e
por nela se armazenarem as cabeccedilas desse animal no centro da cidade Aleacutem disso os
habitantes dessa regiatildeo entendem a linguagem animal Eacute a partir dessa cidade que Apolocircnio
chega ateacute a torre dos bracircmanes
τὴν δὲ πόλιν τὴν ὑπὸ τῷ ὄρει μεγίστην οὖσαν φασὶ μὲν καλεῖσθαι Πάρακα
δρακόντων δὲ ἀνακεῖσθαι κεφαλὰς ἐν μέσῃ πλείστας γυμναζομένων τῶν ἐν ἐκείνῃ
Ἰνδῶν τὴν θήραν ταύτην ἐκ νέων λέγονται δὲ καὶ ζῴων ξυνιέναι φθεγγομένων τε
καὶ βουλευομένων σιτούμενοι δράκοντος οἱ μὲν καρδίαν οἱ δὲ ἧπαρ προϊόντες δὲ
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αὐλοῦ μὲν ἀκοῦσαι δόξαι νομέως δή τινος ἀγέλην τάττοντος ἐλάφους δὲ ἄρα
βουκολεῖσθαι λευκάς ἀμέλγουσι δὲ Ἰνδοὶ ταύτας εὐτραφὲς ἡγούμενοι τὸ ἀπ᾽ αὐτῶν
γάλα (VA III 9)
E eles dizem que a cidade abaixo da montanha eacute grande e chama-se Paraca que no
centro ficam guardadas a maioria das cabeccedilas de dragotildees para os indianos de laacute
serem treinados a essa caccedila desde a juventude Dizem tambeacutem que eles entendem os
sons e as deliberaccedilotildees dos animais alimentando-se ou do coraccedilatildeo ou do fiacutegado do
dragatildeo Avanccedilando eles imaginaram ter ouvido a flauta de algum pastor ordenando
um rebanho mas logo deliberaram que eram corsas brancas pois os indianos as
guiam para ordenhaacute-las por causa de seu leite nutritivo
A torre dos saacutebios
A torre dos bracircmanes eacute o cenaacuterio principal da viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Eacute nela que
Apolocircnio chega ao limite maacuteximo de sua sabedoria e realiza o objetivo principal de sua
viagem chegar ateacute os bracircmanes
A descriccedilatildeo dessa torre eacute peculiar em vista de suas referecircncias e comparaccedilotildees com a
Acroacutepole de Atenas o que faz com que o leitor projete mentalmente o mapa da Greacutecia A
torre fica no topo de uma montanha e suas caracteriacutesticas satildeo
ὕψος μὲν εἶναι κατὰ τὴν Ἀθηναίων φασὶν ἀκρόπολιν ἀνίστασθαι δὲ ἐκ πεδίου ἄνω
εὐφυᾶ δὲ ὁμοίως πέτραν ὀχυροῦν αὐτὸν κύκλῳ περιήκουσαν (VA III 13)
tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da planiacutecie e
sua posiccedilatildeo natural o protege de ataques pois eacute rodeado por rochas em todos os
lados
Aleacutem disso em muitas partes dessa pedra eles viram rastros de pegadas e contorno de
barba e de rostos e viram marcas que pareciam de costas deslizadas (ἧς πολλαχοῦ δίχηλα
ὁρᾶσθαι ἴχνη καὶ γενειάδων τύπους καὶ προσώπων καί που καὶ νῶτα ἰδεῖν ἀπωλισθηκόσιν
ὅμοια - VA III 13) Essas marcas segundo a narrativa satildeo de quando Dioniso e Heacuteracles
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tentaram atacar e capturar a torre mas foram afastados pelos raios e pedras enviados pelos
bracircmanes
Existia tambeacutem uma nuvem que pairava sobre a torre
περὶ δὲ τῷ ὄχθῳ νεφέλην ἰδεῖν φασιν ἐν ᾗ τοὺς Ἰνδοὺς οἰκεῖν φανερούς τε καὶ
ἀφανεῖς καὶ ὅ τι βούλονται πύλας δὲ εἰ μὲν καὶ ἄλλας εἶναι τῷ ὄχθῳ οὐκ εἰδέναι τὸ
γὰρ περὶ αὐτὸν νέφος οὔτε ἀκλείστῳ ξυγχωρεῖν οὔτ᾽ αὖ ξυγκεκλεισμένῳ φαίνεσθαι
(VA III 13)
eles dizem ter visto uma nuvem atraacutes da montanha da morada dos hindus a qual
ficava visiacutevel ou invisiacutevel quando eles desejam E se tinha outro portatildeo na montanha
eles natildeo sabiam pois com a nuvem ao redor natildeo conseguiram ver se havia uma
abertura na muralha ou se por outro lado era uma fortaleza fechada
Os jarros de chuva e de vento dos bracircmanes
Outro prodiacutegio se encontra quando os personagens tendo entrado na torre viram dois
jarros de pedra preta um de chuva e outro de vento (καὶ διττὼ ἑωρακέναι φασὶ πίθω λίθου
μέλανος ὄμβρων τε καὶ ἀνέμων ὄντε - VA III 14) O jarro de chuva eacute aberto quando a Iacutendia
estaacute sofrendo de seca e entatildeo satildeo enviadas nuvens carregadas para todo o paiacutes mas se a
chuva passa a ser excessiva eacute interrompida quando o jarro eacute fechado Jaacute o jarro de vento eacute
comparado agrave caixa de Eacuteolo28
pois liberta um dos ventos o qual proporciona uma brisa fresca
que refresca todo o paiacutes (VA III 14)
A pedra magneacutetica
Na torre dos bracircmanes Iarcas mostra a Apolocircnio uma pedra que tem caracteriacutesticas
magneacuteticas e se assemelha agrave pedra pantarba descrita por Cteacutesias nestes termos
28
Provaacutevel referecircncia a Eacuteolo guardiatildeo dos ventos na Odisseia (Od X 1-4 21-22)
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Περὶ παντάρβας τῆς σφραγῖδος καὶ ὡς υοζʹ σφραγῖδας ἀπορριφείσας καὶ τιμίους
λίθους εἰς τὸν ποταμόν ἅτινα ἦν τοῦ Βακτρίων καπήλου αὐτὴ ἀνείλκυσεν ἐχομένας
ἀλλήλων (Ind frag II)
Fala sobre a pantarba uma pedra preciosa e que quando ela eacute jogada no rio 477
sinetes e pedras preciosas que eram de um comerciante de Bactra ela puxa de volta
presas umas com as outras
Na VA Iarcas confirma a existecircncia desta pedra e garante que o que dizem a respeito
de suas caracteriacutesticas magneacuteticas eacute verdade Aleacutem disso ele tambeacutem a disponibiliza a
Apolocircnio para que este a veja e comprove por si mesmo suas propriedades Nenhum
detalhe poreacutem eacute narrado (VA III 46)
γίγνεται μὲν γὰρ ἡ μεγίστη κατὰ ὄνυχα δακτύλου τούτουrsquo δείξας τὸν ἑαυτοῦ
ἀντίχειρα lsquoκυίσκεται δὲ ἐν γῇ κοίλῃ βάθος ὀργυιαὶ τέτταρες τοσοῦτον δὲ αὐτῇ
περίεστι τοῦ πνεύματος ὡς ὑποιδεῖν τὴν γῆν καὶ κατὰ πολλὰ ῥήγνυσθαι
κυισκομένης ἐν αὐτῇ τῆς λίθου (VA III 46)
[Fala de Iarcas] De fato a maior delas eacute do tamanho desta unha ndash e ele mostrou seu
proacuteprio polegar ndash e eacute formada num buraco na terra com uma profundidade de quatro
braccedilas mas ela tem tanto espiacuterito que a terra se dilata e se rasga em muitos lugares
quando esta pedra eacute concebida
Contudo essa pedra natildeo eacute facilmente capturada pois se algueacutem tenta pegaacute-la ela
foge a menos que exista uma atraccedilatildeo entre a pedra e aquele que tenta apanhaacute-la Ainda a
pantarba (παντάρβην) assim chamada tambeacutem por Iarcas
νύκτωρ μὲν οὖν ἡμέραν ἀναφαίνει καθάπερ τὸ πῦρ ἔστι γὰρ πυρσὴ καὶ ἀκτινώδης
εἰ δὲ μεθ᾽ ἡμέραν ὁρῷτο βάλλει τοὺς ὀφθαλμοὺς μαρμαρυγαῖς μυρίαις τὸ δὲ ἐν
αὐτῇ φῶς πνεῦμά ἐστιν ἀρρήτου ἰσχύος πᾶν γὰρ τὸ ἐγγὺς ἐσποιεῖ αὑτῇ (VA III 46)
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de noite faz brilhar um dia como o fogo eacute vermelha e emite raios e se se olha para
ela de dia lanccedila aos seus olhos raios de luz incontaacuteveis A luz de dentro dela eacute um
espiacuterito com forccedila misteriosa pois atraiacute tudo para perto dela mesma
καὶ εἰπὼν ταῦτα ἔδειξε τὴν λίθου αὐτήν τε καὶ ὁπόσα ἐργάζεται (VA III 47)
E tendo ditto estas coisas ele mostrou a proacutepria pedra e tudo o que ela era capaz de
realizar
Balara e Selera
Balara eacute um lugar distinto por seus jardins jaacute Selera eacute uma ilha sagrada onde habita
uma nereida
προσπλεῦσαί φασι καὶ Βαλάροις ἐμπόριον δὲ εἶναι τὰ Βάλαρα μεστὸν μυρρινῶν τε
καὶ φοινίκων καὶ δάφνας ἐν αὐτῷ ἰδεῖν καὶ πηγαῖς διαρρεῖσθαι τὸ χωρίον κῆποι δὲ
ὁπόσοι τρωκτοὶ καὶ ὁπόσοι ἀνθέων κῆποι βρύειν αὐτὸ καὶ λιμένας μεστοὺς
γαλήνης ἐν αὐτῷ εἶναι προκεῖσθαι δὲ τοῦ χωρίου τούτου νῆσον ἱεράν ἣν καλεῖσθαι
Σέληρα καὶ στάδια μὲν ἑκατὸν εἶναι τῷ πορθμῷ νηρηίδα δὲ οἰκεῖν ἐν αὐτῇ δεινὴν
δαίμονα πολλοὺς γὰρ τῶν πλεόντων ἁρπάζειν καὶ μηδὲ ταῖς ναυσὶ ξυγχωρεῖν
πεῖσμα ἐκ τῆς νήσου βάλλεσθαι (VA III 56)
Eles contam que navegaram ateacute Balara que eacute um empoacuterio cheio de mirtos e de
palmeiras e que viram tambeacutem loureiros e fonte que ali fluem E tinha tanto jardins
de plantas comestiacuteveis como jardins de flores cheios de brotos e os portos ali
estavam calmos Defronte deste lugar existe uma ilha sagrada chamada Selera e a
passagem ateacute ela eacute de cem estaacutedios de distacircncia Nesta ilha habita uma nereida um
democircnio terriacutevel pois ela arrebata muitos marinheiros e natildeo deixa que os navios
arremessem um cabo agrave ilha
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Pegadas a terra de bronze
De acordo com a narrativa podemos imaginar esta regiatildeo como monocromaacutetica
tamanha eacute a predominacircncia do bronze que compotildee sua natureza
κατασχεῖν δέ φασι καὶ ἐς Πηγάδας τῆς τῶν Ὠρειτῶν χώρας οἱ δὲ Ὠρεῖται χαλκαῖ
μὲν αὐτοῖς αἱ πέτραι χαλκῆ δὲ ἡ ψάμμος χαλκοῦν δὲ ψῆγμα οἱ ποταμοὶ ἄγουσι
χρυσῖτιν δὲ ἡγοῦνται τὴν γῆν διὰ τὴν εὐγένειαν τοῦ χαλκοῦ (VA III 54)
Eles dizem que tambeacutem passaram por Peacutegada na terra dos oritas e que os oritas tecircm
pedras de bronze e tambeacutem areia de bronze e a poeira que o rio traz tambeacutem eacute de
bronze Mas eles consideram o bronze da sua terra ouro por causa da nobreza dele
A ilha Biblo e os moluscos gigantes
Esta ilha tem como maravilhoso seus frutos do mar que em tamanho satildeo muito
maiores que os gregos
μνημονεύουσι καὶ νήσου μικρᾶς ᾗ ὄνομα εἶναι Βίβλον ἐν ᾗ τὸ τοῦ κογχυλίου
μέγεθος καὶ οἱ μύες ὄστρεά τε καὶ τὰ τοιαῦτα δεκαπλάσια τῶν Ἑλληνικῶν τὸ
μέγεθος ταῖς πέτραις προσπέφυκεν ἁλίσκεται δὲ καὶ λίθος ἐκεῖ μαργαρὶς ἐν
ὀστράκῳ λευκῷ καρδίας τόπον ἔχουσα τῷ ὀστρέῳ (VA III 53)
Eles tambeacutem recordam uma pequena ilha a qual se chama Biblo onde haacute grandes
berbigotildees mexilhotildees e ostras os quais se prendem em pedras e satildeo dez vezes
maiores que os encontrados na Greacutecia Uma pedra tambeacutem eacute capturada ali a peacuterola
a qual ocupa em uma concha branca o lugar do coraccedilatildeo da ostra
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2312 Hidrografia
Filoacutestrato descreve os rios que Apolocircnio atravessou bem como suas extensotildees
navegaacuteveis suas dimensotildees e os animais que havia neles Os rios satildeo o Indo o Hiacutefasis e o
Acesines
O rio Indo
Esse rio eacute o mais importante para a indografia greco-romana por ter simbolizado ateacute a
campanha de Alexandre os confins do mundo Essa crenccedila se encontra presente nas
narrativas de Cteacutesias
Λέγει περὶ τοῦ Ἰνδοῦ ποταμοῦ τὸ μὲν στενὸν αὐτοῦ τὸ εὖρος μʹ σταδίων εἶναι τὸ δὲ
πλατύτατον καὶ διακοσίων Λέγει περὶ αὐτῶν τῶν Ἰνδῶν ὅτι πλείους σχεδὸν
συμπάντων ἀνθρώπων Περὶ τοῦ σκώληκος τοῦ ἐν τῷ ποταμῷ ὃ καὶ μόνον τῶν
ἄλλων θηρίων ἐν αὐτῷ γίνεται Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους Ὅτι
οὐχ ὕει ἀλλacute ὑπὸ τοῦ ποταμοῦ ποτίζεται ἡ Ἰνδική (Ind frag I)
Ele fala sobre o rio Indo que em sua passagem mais estreita tem quarenta estaacutedios29
de largura e na mais extensa duzentos Fala que a populaccedilatildeo de hindus eacute mais ou
menos maior que a de todos os homens juntos Fala a respeito de um verme do rio o
qual aliaacutes eacute o uacutenico animal que haacute nele Que homens natildeo habitam aleacutem de laacute Que
natildeo chove mas a terra da Iacutendia eacute irrigada pelo rio
Filoacutestrato tambeacutem fala sobre sua dimensatildeo bem como sobre sua nascente e os animais
que nele vivem
29
Medida de percurso equivalente a 17760 m
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τὸν μὲν δὴ Ἰνδὸν ὧδε ἐπεραιώθησαν σταδίους μάλιστα τεσσαράκοντα τὸ γὰρ
πλόιμον αὐτοῦ τοσοῦτον περὶ δὲ τοῦ ποταμοῦ τούτου τάδε γράφουσι τὸν Ἰνδὸν
ἄρχεσθαι μὲν ἐκ τοῦ Καυκάσου μείζω αὐτόθεν ἢ οἱ κατὰ τὴν Ἀσίαν ποταμοὶ πάντες
προχωρεῖν δὲ πολλοὺς τῶν ναυσιπόρων ἑαυτοῦ ποιούμενον ἀδελφὰ δὲ τῷ Νείλῳ
πράττοντα τῇ τε Ἰνδικῇ ἐπιχεῖσθαι γῆν τε ἐπάγειν τῇ γῇ καὶ παρέχειν Ἰνδοῖς τὸν
Αἰγυπτίων τρόπον σπείρειν (VA II 18)
E entatildeo eles atravessaram o Indo com mais de quarenta estaacutedios30
pois essa eacute sua
extensatildeo navegaacutevel A respeito do rio eles escrevem estas coisas que o Indo comeccedila
no Caacuteucaso e sua nascente eacute maior que todos os rios da Aacutesia e ao avanccedilar
incorpora muitos [rios] navegaacuteveis e de modo paralelo ao Nilo inunda a Iacutendia
sobrepotildee terra agrave terra e permite aos hindus semear do mesmo modo que os egiacutepcios
κομιζόμενοι δὲ διὰ τοῦ Ἰνδοῦ πολλοῖς μὲν ποταμίοις ἵπποις ἐντυχεῖν φασι πολλοῖς
δὲ κροκοδείλοις ὥσπερ οἱ τὸν Νεῖλον πλέοντες λέγουσι δὲ καὶ ἄνθη τῷ Ἰνδῷ εἶναι
οἷα τοῦ Νείλου ἀναφύεται (VA II 19)
E eles dizem que viajando em direccedilatildeo ao outro lado do Indo encontraram muitos
cavalos de rio e muitos crocodilos como os que nadam no Nilo e que a vegetaccedilatildeo
do Indo eacute como a que brota no Nilo
O rio Hiacutefasis e o oacuteleo nupcial
O rio Hiacutefasis (atual Beaacutes) eacute notaacutevel por sua extensatildeo De acordo com o texto ele nasce
na planiacutecie e perto de sua fonte os riachos satildeo navegaacuteveis mas agrave medida que avanccedilam logo
se tornam inacessiacuteveis para os barcos porque os montes de rocha se alternam Nas redondezas
dessas rochas o vento eacute forte ao ponto de tornar o rio natildeo navegaacutevel (VA III 1) Suas
caracteriacutesicas mais notaacuteveis satildeo
εὖρος δὲ αὐτῷ κατὰ τὸν Ἴστρον ποταμῶν δὲ οὗτος δοκεῖ μέγιστος ὁπόσοι δι᾽
Εὐρώπης ῥέουσι δένδρα δέ οἱ προσόμοια φύει παρὰ τὰς ὄχθας καί τι καὶ μύρον
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ἐκδίδοται τῶν δένδρων ὃ ποιοῦνται Ἰνδοὶ γαμικὸν χρίσμα καὶ εἰ μὴ τῷ μύρῳ τούτῳ
ῥάνωσι τοὺς νυμφίους οἱ ξυνιόντες ἐς τὸν γάμον ἀτελὴς δοκεῖ καὶ οὐκ ἐς χάριν τῇ
Ἀφροδίτῃ ξυναρμοσθείς (VA III 1)
Sua largura eacute equivalente ao do rio Ister este sendo considerado o mais de quantos
rios fluem na Europa Aacutervores semelhantes agraves daquele nascem agraves suas margens e um
baacutelsamo tambeacutem eacute extraiacutedo das aacutervores a partir do qual os hindus fazem um oacuteleo
nupcial e se os presentes ao casamento natildeo borrifam com esse oacuteleo os noivos
parece que a uniatildeo natildeo eacute concluiacuteda nem agraciada por Afrodite
Esse bosque agrave margem do rio eacute consagrado a Afrodite bem como os belos peixes que
existem laacute (VA III 1)
O rio Acesines
A descriccedilatildeo deste rio eacute breve e o conteuacutedo maravilhoso neste trecho se daacute pela
dimensatildeo informada e pelo comprimento das cobras que existem nele
περὶ τοῦ Ἀκεσίνου ποταμοῦ εἰρημένα ὡς ἐσβάλλει μὲν ἐς τὸν Ἰνδὸν οὗτος τρέφει
δὲ ὄφεις ἑβδομήκοντα πηχῶν μῆκος τοιαῦτα εἶναί φασιν (VA II 17)
Sobre o que disseram do rio Acesines que desaacutegua no rio Indo e produz cobras de
setenta cocircvados31
de comprimento ser assim eles dizem
A fonte de ouro
Aleacutem desses rios ao conversar com Iarcas Apolocircnio pergunta sobre a veracidade de
uma fonte de que jorra ouro (ἐρομένου δὲ αὐτοῦ καὶ περὶ τοῦ χρυσοῦ ὕδατος ὅ φασιν ἐκ
πηγῆς βλύζειν - VA III 45) Provavelmente essa fonte eacute uma alusatildeo agrave descrita por Cteacutesias
31
Medida de comprimento equivalente a 44 cm
48
Περὶ τῆς κρήνης πληρουμένης ἀνacute ἔτος ὑγροῦ χρυσίου ἐξ ἧς ἑκατὸν πρόχοι
ὀστράκινοι ἀνacute ἔτος ἀρύονται Ὀστρακίνους δὲ δεῖ εἶναι ἐπεὶ πήγνυται ὁ χρυσὸς
ἀπαρυόμενος καὶ ἀνάγκη τὸ ἀγγεῖον θλᾶν καὶ οὕτως ἐξαγαγεῖν αὐτόν Ἡ δὲ κρήνη
τετράγωνός ἐστιν ἑκκαίδεκα μὲν πηχῶν ἡ περίμετρος τὸ δὲ βάθος ὀργυϊά ἑκάστη
δὲ προχόη τάλαντον ἕλκει Καὶ περὶ τοῦ ἐν τῷ πυθμένι τῆς κρήνης σιδήρου ἐξ οὗ
καὶ δύο ξίφη Κτησίας φησὶν ἐσχηκέναι ἓν παρὰ βασιλέως καὶ τὸ ἄλλο παρὰ τῆς
τοῦ βασιλέως μητρὸς Παρυσάτιδος Φησὶ δὲ περὶ αὐτοῦ ὅτι πηγνύμενος ἐν τῇ γῇ
νέφους καὶ χαλάζης καὶ πρηστήρων ἐστὶν ἀποτρόπαιον καὶ ἰδεῖν αὑτὸν ταῦτά φησι
βασιλέως δὶς ποιήσαντος (Ind frag IV)
Fala sobre uma fonte cheia de liacutequido dourado durante o ano do qual se extraem
cem jarros de ceracircmica anualmente Os jarros precisam ser de ceracircmica jaacute que o
ouro que eacute retirado solidifica eacute necessaacuterio entatildeo quebrar o invoacutelucro e assim retiraacute-
lo A fonte eacute quadrangular com o periacutemetro de dezesseis cocircvados e a profundidade
de uma braccedila32
E cada vaso comporta um talento33
Fala sobre o ferro que haacute no
fundo da nascente a partir do qual Cteacutesias diz que duas espadas foram forjadas uma
por ordem do rei e a outra por ordem da matildee do rei Parisaacutetide Diz sobre ela que se
a espada for fincada na terra eacute capaz de afastar as nuvens granizos e tempestades E
diz ele proacuteprio ter visto isso quando o rei o fez duas vezes
2313 O clima da Iacutendia
Heroacutedoto e Cteacutesias comentaram a respeito do clima indiano
ἀποκλινομένης δὲ τῆς μεσαμβρίης γίνεταί σφι ὁ ἥλιος κατά περ τοῖσι ἄλλοισι ὁ
ἑωθινός καὶ τὸ ἀπὸ τούτου ἀπιὼν ἐπὶ μᾶλλον ψύχει ἐς ὃ ἐπὶ δυσμῇσι ἐὼν καὶ τὸ
κάρτα ψύχει (Hdt Hist III 104 traduccedilatildeo de J Brito Broca)
Nessa regiatildeo o sol eacute mais ardente pela manhatilde do que ao meio-dia ao contraacuterio do
que se verifica nas outras partes e os habitantes conservam a cabeccedila coberta ateacute a
hora em que termina entre noacutes o mercado Ao meio dia a temperatura ali pouco
32
Distacircncia de uma extremidade a outra de um braccedilo estendido horizontalmente medida fixa de quatro cocircvados
ou seis peacutes (aproximadamente 180 m) 33
Medida de peso e de soma de dinheiro equivalente a seis mil dracmas
49
difere da dos demais paiacuteses e daiacute em diante comeccedila a declinar sendo a tarde tatildeo
fresca quanto a manhatilde entre os outros povos Agrave hora de dormir jaacute se goza de um
agradaacutevel frescor
A descriccedilatildeo de Cteacutesias eacute breve
Ὅτι ἀλέα πολλὴ καὶ ὅτι ὁ ἥλιος δεκαπλασίων τὸ μέγεθος ἢ ἐν ταῖς ἄλλαις χώραις
αὐτὸς ἑαυτοῦ φαίνεται καὶ πολλοὶ ἐνταῦθα τῷ πνίγει φθείρονται (Ind frag V)
Que eacute muito o calor e que o sol parece ter dez vezes o tamanho que dos outros
lugares e que laacute muitas pessoas morrem sem ar
Filoacutestrato tambeacutem apresenta a Iacutendia como um lugar muito quente
αἳ περὶ τὴν Ἰνδικήν εἰσι χειμῶνος μὲν ἀλεεινὰς εἶναι θέρους δὲ πνιγηράς πρὸς δὲ
τοῦτο ἄριστα μεμηχανῆσθαι τῷ δαίμονι τὴν γὰρ χώραν αὐτοῖς θαμὰ ὕεσθαι (VA II
19)
Na regiatildeo da Iacutendia o inverno eacute com muito sol e o veratildeo eacute sufocante mas em
compensaccedilatildeo a divindade providenciou algo excelente pois frequentemente chove
no paiacutes deles
2314 Animais
Na VA satildeo descritos muitos animais Aleacutem do detalhamento de seus aspectos fiacutesicos
satildeo narradas as lendas e as estoacuterias que os envolvem Muitos desses animais o autor afirma
que Apolocircnio viu de outros apenas ouviu falar Os animais satildeo leopardos elefantes uma
minhoca flamejante unicoacuternio dragotildees manticora grifos e fecircnix
50
Leopardos
Sobre a conduta dos leopardos na VA eacute narrada a histoacuteria de que eles ficam na regiatildeo
da Panfiacutelia (regiatildeo atual da Turquia) e seu deslocamento de regiatildeo aconteceu da seguinte
forma
χαίρουσι γὰρ τοῖς ἀρώμασι κἀκ πολλοῦ τὰς ὀσμὰς ἕλκουσαι φοιτῶσιν ἐξ Ἀρμενίας
διὰ τῶν ὀρῶν πρὸς τὸ δάκρυον τοῦ στύρακος ἐπειδὰν οἵ τε ἄνεμοι ἀπ᾽ αὐτοῦ
πνεύσωσι καὶ τὰ δένδρα ὀπώδη γένηται (VA II 2)
Se deleitando com os aromas e atraiacutedos de longe pelos odores eles vem
periodicamente da Armeacutenia atraveacutes das montanhas em busca da gota de estoraque
quando os ventos de laacute sopram e as aacutervores se tornam resinosas
Eacute narrado ainda sobre um leopardo que fora apanhado em Panfiacutelia o qual usava uma
corrente de ouro em volto do seu pescoccedilo onde estava inscrito em letras armecircnias ldquoDo rei
Arsaces ao deus Niacutesiordquo (ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΑΡΣΑΚΗΣ ΘΕΩΙ ΝΥΣΙΩΙ - VA II 2) Apolocircnio
deduziu que Arsaces era o rei armecircnio e que ele deixara o animal livre em homenagem a
Dioniso por causa do seu tamanho
Elefantes
Na VA haacute uma descriccedilatildeo dos tipos de elefantes que existem na Iacutendia e de como eles
satildeo treinados e usados em guerras Neste trecho se descrevem trecircs tipos de elefantes os do
pacircntano os da mantanha e os capturados para serem usados na guerra Sobre os elefantes
Cteacutesias menciona apenas que satildeo destruidores de paredes
Περὶ τῶν τειχοκαταλύτων ἐλεφάντων (Ind frag III)
51
Fala sobre elefantes destruidores de paredes
Filoacutestrato por sua vez faz uma descriccedilatildeo muito mais detalhada sobre estes animais
ἐπὶ δὲ τὸν Ἰνδὸν ἐλθόντες ἀγέλην ἐλεφάντων ἰδεῖν φασι περαιουμένους τὸν ποταμὸν
καὶ τάδε ἀκοῦσαι περὶ τοῦ θηρίου ὡς οἱ μὲν αὐτῶν ἕλειοι οἱ δ᾽ αὖ ὄρειοι καὶ
τρίτον ἤδη γένος πεδινοί εἰσιν ἁλίσκονταί τε ἐς τὴν τῶν πολεμικῶν χρείαν
μάχονται γὰρ δὴ ἐπεσκευασμένοι πύργους οἵους κατὰ δέκα καὶ πεντεκαίδεκα ὁμοῦ
τῶν Ἰνδῶν δέξασθαι ἀφ᾽ ὧν τοξεύουσί τε καὶ ἀκοντίζουσιν οἱ Ἰνδοί καθάπερ ἐκ
πυλῶν βάλλοντες καὶ αὐτὸ δὲ τὸ θηρίον χεῖρα τὴν προνομαίαν ἡγεῖται καὶ χρῆται
αὐτῇ ἐς τὸ ἀκοντίζειν ὅσον δὲ ἵππου Νισαίου μείζων ὁ Λιβυκὸς ἐλέφας τοσοῦτον
τῶν ἐκ Λιβύης οἱ Ἰνδοὶ μείζους (VA II 12)
Tendo eles chegado ao Indo viram uma manada de elefantes atravessando o rio e
dizem terem ouvido isto a respeito dos animais como alguns deles satildeo do pacircntano
outros satildeo da montanha e haacute tambeacutem um terceiro tipo da planiacutecie os quais satildeo
capturados para serem usados na guerra Eles vatildeo para a batalha encilhados com
espeacutecies de torres com capacidade de levar de dez a quinze indianos em cada uma
das quais os indianos atiram com o arco e arremessam os dardos como se
estivessem atirando de portotildees O proacuteprio animal tem a tromba como matildeos e a usa
para arremessar dardos Os elefantes da Liacutebia satildeo tatildeo grandes quanto os cavalos de
Nisa assim tambeacutem satildeo os elefantes indianos com relaccedilatildeo aos da Liacutebia
εἰ δὲ καὶ ἤθη ἐλεφάντων χρὴ ἀναγράφειν τοὺς μὲν ἐκ τῶν ἑλῶν ἁλισκομένους
ἀνοήτους ἡγοῦνται καὶ κούφους Ἰνδοί τοὺς δὲ ἐκ τῶν ὀρῶν κακοήθεις τε καὶ
ἐπιβουλευτὰς καὶ ἢν μὴ δέωνταί τινος οὐ βεβαίους τοῖς ἀνθρώποις οἱ πεδινοὶ δὲ
χρηστοί τε εἶναι λέγονται καὶ εὐάγωγοι καὶ μιμήσεως ἐρασταί γράφουσι γοῦν καὶ
ὀρχοῦνται καὶ παρενσαλεύουσι πρὸς αὐλὸν καὶ πηδῶσιν ἀπὸ τῆς γῆς ἐκεῖνοι (VA
II 13)
Se eacute necessaacuterio descrever o caraacuteter dos elefantes os que satildeo capturados nos
pacircntanos os indianos os acham estuacutepidos e inconstantes os das montanhas
maliciosos e traiccediloeiros e caso natildeo precisem de nada natildeo satildeo confiaacuteveis aos
homens mas os elefantes da planiacutecie dizem que satildeo uacuteteis doacuteceis e que gostan de
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imitar Ao menos escrevem danccedilam balanccedilam ao som da flauta e datildeo saltos sore a
terra
O verme flamejante
Cteacutesias descreve um verme que existe no rio Indo que possui caracteriacutesticas
semelhantes agrave uma descrita na VA
Ὅτι ἐν τῷ ποταμῷ τῶν Ἰνδῶν σκώληξ γίνεται τὸ μὲν εἶδος οἷόν περ ἐν ταῖς συκαῖς
εἴωθε γίνεσθαι τὸ δὲ μῆκος πήχεις ζʹ καὶ μείζους δὲ καὶ ἐλάττους τὸ δὲ πάχος
δεκαετέα παῖδα μόλις φασὶ ταῖς χερσὶ περιλαβεῖν Ἔχουσι δὲ ὀδόντας δύο ἕνα ἄνω
καὶ ἕνα κάτω καὶ ὅ τι ἂν λάβωσι τοῖς ὀδοῦσι κατεσθίουσι Καὶ τὴν μὲν ἡμέραν ἐν
τῇ ἰλύϊ τοῦ ποταμοῦ διαιτῶνται τῇ δὲ νυκτὶ ἐξέρχονται καὶ ἐάν τινι ἐντύχῃ ἐν τῇ γῇ
βοῒ ἢ καμήλῳ καὶ δάκῃ συλλαβὼν ἕλκει εἰς τὸν ποταμὸν καὶ πάντα κατεσθίει πλὴν
τῆς κοιλίας Ἀγρεύεται δὲ ἀγκίστρῳ μεγάλῳ ἔριφον ἢ ἄρνα ἐνδησάντων καὶ
ἁλύσεσι σιδηραῖς ἐναρμοσάντων Ἀγρεύσαντες δὲ τριάκοντα ἡμέρας κρεμῶσιν
αὐτὸν καὶ ἀγγεῖα ὑποτιθέασι καὶ ῥεῖ ἐξ αὐτοῦ ὅσον δέκα κοτύλας ἀττικὰς τὸ
πλῆθος Ὅταν δὲ παρέλθωσιν αἱ τριάκοντα ἡμέραι ἀπορρίπτουσι τὸν σκώληκα καὶ
τὸ ἔλαιον ἀσφαλισάμενοι ἄγουσι τῷ βασιλεῖ μόνῳ τῶν Ἰνδῶν ἄλλῳ δὲ οὐκ ἔξεστιν
ἐξ αὐτοῦ ἔχειν Τοῦτο τὸ ἔλαιον ἐφacute ὃ ἂν ἐπιχυθῇ ἀνάπτει καὶ καταφλέγει ξύλα καὶ
ζῷα καὶ ἄλλως οὐ σβέννυται εἰ μὴ πηλῷ πολλῷ τε καὶ παχεῖ (Ind frag XXVII)
Que no rio do Indo nasce um verme com a aparecircncia tal qual a de um que nasce na
figueira seu comprimento sendo de sete cuacutebitos alguns maiores alguns menores
Quanto agrave largura uma crianccedila de dez anos com dificuldade o envolveria com os
braccedilos Tem dois dentes um em cima e o outro embaixo e o que pegam com os
dentes devoram De dia vivem na lama do rio mas de noite saem e se encontram
algum boi ou camelo na terra tambeacutem os abocanham arrastam consigo para o rio e
comem-no todo exceto o intestino Ele eacute capturado com um grande anzol que
cobrem com um cordeiro ou um carneiro e prendem com uma corrente de ferro
Tendo-o capturado penduram-no por trinta dias e colocam uma jarra embaixo dele
escorre o total de cerca de dez copos aacuteticos Quando se completam os trinta dias
jogam fora o verme e o oacuteleo recolhido levam somente para o rei dos indianos natildeo eacute
permitido que nenhuma outra pessoa o tenha Este oacuteleo sobre o que se derrama
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incendeia e queima trate-se de madeira ou animal e natildeo se apaga de outro modo
que com muita lama espessa
Na VA por sua vez eacute no rio Hiacutefasis onde existe uma minhoca semelhante agrave retratada
acima
ἔστι δέ τι θηρίον ἐν τῷ ποταμῷ τούτῳ σκώληκι εἰκασμένον λευκῷ τοῦτο οἱ
τήκοντες ἔλαιον ποιοῦνται πῦρ δὲ ἄρα τοῦ ἐλαίου τούτου ἐκδίδοται καὶ στέγει αὐτὸ
πλὴν ὑελοῦ οὐδέν ἁλίσκεται δὲ τῷ βασιλεῖ μόνῳ τὸ θηρίον τοῦτο πρὸς τειχῶν
ἅλωσιν ἐπειδὰν γὰρ θίγῃ τῶν ἐπάλξεων ἡ πιμελή πῦρ ἐκκαλεῖται κρεῖττον
σβεστηρίων ὁπόσα ἀνθρώποις πρὸς τὰ πυρφόρα εὕρηται (VA III 1)
Haacute tambeacutem uma fera nesse rio (Hifaacutesis) que se parece com um verme34
branco Ao
derretecirc-lo eles fazem um oacuteleo e deste oacuteleo parece produz- se uma chama que nada
aleacutem de vidro pode conter E esta criatura pode ser capturada soacute para o rei que o
utiliza para a captura das cidades Quando pois a gordura toca as ameias um fogo
acende-se e desafia todos os meios comuns que vierem a ser inventados pelos
homens contra combustiacuteveis
O unicoacuternio
Nos Indikaacute Cteacutesias retrata um animal com caracteriacutesticas comuns aos unicoacuternios da
VA como por exemplo o fato de os indianos fazerem do chifre do animal uma taccedila e ao
beber dela natildeo adoecerem
Ὅτι εἰσὶν ὄνοι ἄγριοι ἐν τοῖς Ἰνδοῖς ἴσοι ἵπποις καὶ μείζους λευκοὶ δέ εἰσι τὸ σῶμα
τὴν κεφαλὴν πορφυροῖ ὀφθαλμοὺς ἔχουσι κυανέους Κέρας δὲ ἔχει ἐν τῷ μετώπῳ
ἑνὸς πήχεος τὸ μέγεθος καὶ ἔστι τὸ μὲν κάτω τοῦ κέρατος ὅσον ἐπὶ δύο παλαιστὰς
34
Filoacutestrato utiliza a mesma palavra que Cteacutesias para se referir a essa criatura σκώληξ para qual mantivemos
tambeacutem a traduccedilatildeo por ldquovermerdquo nos dois textos
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πρὸς τὸ μέτωπον πάνυ λευκόν τὸ δὲ ἐπάνω ὀξύ ἐστι τοῦ κέρατος τοῦτο δὲ
φοινικοῦν ἐστιν ἐρυθρὸν πάνυ τὸ δὲ ἄλλο τὸ ἐν τῷ μέσῳ μέλαν Ἐκ τούτων οἱ
πιόντες (κατασκευάζουσι γὰρ ἐκπώματα) σπασμῷ φασίν οὐ λαμβάνονται οὔτε τῇ
ἱερᾷ νόσῳ ἀλλacute οὐδὲ φαρμάκοις ἁλίσκονται οὔτacute ἂν προπίωσιν οὔτacute ἂν τοῦ
φαρμάκου ἐπιπίωσιν ἢ οἶνον ἢ ὕδωρ ἢ ἄλλο τι ἐκ τῶν ἐκπωμάτων Οἱ μὲν οὖν
ἄλλοι ὄνοι καὶ ἥμεροι καὶ ἄγριοι καὶ τὰ ἄλλα μώνυχα θηρία πάντα ἀστραγάλους
οὐδὲ χολὴν ἐπὶ τοῦ ἥπατος ἔχουσιν Οὗτοι δὲ καὶ ἀστράγαλον ἔχουσι καὶ χολὴν ἐπὶ
τοῦ ἥπατος τὸν δὲ ἀστράγαλον κάλλιστον ὧν ἐγὼ ἑώρακα οἷόν περ βοὸς καὶ τὸ
εἶδος καὶ τὸ μέγεθος βαρὺς δacute ὡς μόλιβδος τὴν δὲ χρόαν ὥσπερ κιννάβαρι καὶ διὰ
βάθους Ταχύτατον δέ ἐστι τὸ ζῷον τοῦτο καὶ ἀλκιμώτατον οὐδὲν δὲ οὔτε ἵππος
οὔτε ἄλλο τι διωκόμενον καταλαμβάνει (Ind frag XXV)
Que na Iacutendia haacute asnos selvagens iguais a cavalos e maiores Eles tecircm o corpo
branco e a cabeccedila vermelha e tecircm os olhos escuros Tecircm um chifre na testa com o
comprimento de um cuacutebito A parte de baixo do chifre de mais ou menos dois
palmos ateacute a testa eacute completamente branca a parte superior do chifre eacute pontuguda e
inteiramente vermelha escura jaacute a outra parte a do meio eacute preta Os que bebem
nesse chifre (pois os fazem de canecas) dizem natildeo tinham convulsatildeo nem a doenccedila
sagrada nem sucumbem a venenos se bebem antes ou depois do veneno vinho
aacutegua ou qualquer outra bebida nessa caneca Os outros asnos tanto os doacuteceis quanto
os bravos e os outros animais selvagens de uma soacute pata todos natildeo tecircm o astraacutegalo35
nem biacutelis no fiacutegado Poreacutem estes tecircm astraacutegalos e biacutelis no fiacutegado O astraacutegalo eacute o
mais bonito que jaacute vi como o de um boi na forma e no tamanho pesado como
chumbo como que da cor do cinaacutebrio ateacute o fundo Esse animal eacute velociacutessimo e
fortiacutessimo e nenhum cavalo ou outro animal o alcanccedila na corrida
A descriccedilatildeo de Filoacutestrato eacute bem mais breve
καὶ τοὺς ὄνους δὲ τοὺς ἀγρίους ἐν τοῖς ἕλεσι τούτοις ἁλίσκεσθαί φασιν εἶναι δὲ τοῖς
θηρίοις τούτοις ἐπὶ μετώπου κέρας ᾧ ταυρηδόν τε καὶ οὐκ ἀγεννῶς μάχονται καὶ
ἀποφαίνειν τοὺς Ἰνδοὺς ἔκπωμα τὸ κέρας τοῦτο οὐ γὰρ οὔτε νοσῆσαι τὴν ἡμέραν
ἐκείνην ὁ ἀπ᾽ αὐτοῦ πιὼν οὔτε ἂν τρωθεὶς ἀλγῆσαι πυρός τε διεξελθεῖν ἂν καὶ μηδ᾽
ἂν φαρμάκοις ἁλῶναι ὁπόσα ἐπὶ κακῷ πίνεται βασιλέων δὲ τὸ ἔκπωμα εἶναι καὶ
βασιλεῖ μόνῳ ἀνεῖσθαι τὴν θήραν (VA III 2)
35
Nome do osso do tarso substituiacutedo por taacutelus
55
E eles dizem que asnos selvagens tambeacutem satildeo capturados nesses pacircntanos e que
essas criaturas tecircm um chifre na testa com o qual como um touro e natildeo sem
nobreza lutam e que os hindus fazem uma taccedila desse chifre pois algueacutem natildeo
adoeceria durante o dia em que dela bebesse nem tendo sido ferido sentiria dor
mas atravessaria o fogo e nem se bebesse poccedilotildees que fazem mal seria prejudicado
este caacutelice eacute reservado para reis e soacute o rei caccedila essa criatura
Dragotildees
Segundo a narraccedilatildeo da VA por toda a Iacutendia haacute dragotildees enormes tanto nos pacircntanos
quanto nas montanhas Existem diferentes tipos de dragotildees que circulam por esta terra e os
retratados satildeo os do pacircntano os que ficam no sopeacute das montanhas e os que ficam na parte
mais elevada das montanhas Suas principais caracteriacutesticas satildeo
Sobre os dragotildees do pacircntano
οἱ μὲν δὴ ἕλειοι νωθροί τέ εἰσι καὶ τριακοντάπηχυ μῆκος ἔχουσι καὶ κράνος αὐτοῖς
οὐκ ἀνέστηκεν ἀλλ᾽ εἰσὶ ταῖς δρακαίναις ὅμοιοι μέλανες δὲ ἱκανῶς τὸν νῶτον καὶ
ἧττον φολιδωτοὶ τῶν ἄλλων (VA III 6)
Os do pacircntano satildeo pesados e tecircm trinta cuacutebitos de comprimento e natildeo tecircm crista
acima [de suas cabeccedilas] mas satildeo semelhantes aos dragotildees fecircmeas Suas costas satildeo
bem pretas cobertos de menos escamas que as outras espeacutecies
Os dragotildees que sobrevoam o sopeacute e os picos das montanhas satildeo maiores que os
anteriores se movem muito velozmente e satildeo predadores dos dragotildees da planiacutecie Suas outras
caracteriacutesticas satildeo
τούτοις καὶ λοφιὰ φύεται νέοις μὲν ὑπανίσχουσα τὸ μέτριον τελειουμένοις δὲ
συναυξανομένη τε καὶ συνανιοῦσα ἐς πολύ ὅτε δὴ πυρσοί τε καὶ πριόνωτοι
γίγνονται οὗτοι καὶ γενειάσκουσι καὶ τὸν αὐχένα ὑψοῦ αἴρουσι καὶ τὴν φολίδα
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στίλβουσι δίκην ἀργύρου αἱ δὲ τῶν ὀφθαλμῶν κόραι λίθος ἐστὶ διάπυρος ἰσχὺν δ᾽
αὐτῶν ἀμήχανον εἶναί φασιν ἐς πολλὰ τῶν ἀποθέτων (VA III 7)
Estes tecircm crista de extensatildeo e altura moderada quando satildeo jovens mas quando
crescem sua crista aumenta muito e eles se tornam avermelhados e proeminentes
Eles tambeacutem adquirem barba e levantam o pescoccedilo para cima enquanto suas
escamas brilham como prata Seus olhos e suas pupilas satildeo uma pedra ardente e
dizem que guardam uma forccedila irresistiacutevel para muitas coisas escondidas
Sobre os dragotildees das montanhas
οἱ δὲ ὄρειοι δράκοντες τὴν μὲν φολίδα χρυσοῖ φαίνονται τὸ δὲ μῆκος ὑπὲρ τοὺς
πεδινούς γένεια δὲ αὐτοῖς βοστρυχώδη χρυσᾶ κἀκεῖνα καὶ κατωφρύωνται μᾶλλον
ἢ οἱ πεδινοὶ ὄμμα τε ὑποκάθηται τῇ ὀφρύι δεινὸν καὶ ἀνειδὲς δεδορκός ὑπόχαλκόν
τε ἠχὼ φέρουσιν ἐπειδὰν τῇ γῇ ὑποκυμαίνωσιν ἀπὸ δὲ τῶν λόφων πυρσῶν ὄντων
πῦρ αὐτοῖς ἄττει λαμπαδίου πλέον (VA III 8)
Os dragotildees das montanhas tecircm escamas que brilham como ouro e em comprimento
excedem aos da plaacutenicie tecircm barbas espessas tambeacutem dourada suas sobrancelhas
satildeo maiores que as dos da planiacutecie seus olhos se afundam debaixo das sobrancelhas
e emitem um olhar terriacutevel e implacaacutevel Eles produzem um som de bronze quando
se rastejam pela terra e das suas cristas que satildeo vermelhas brota um fogo mais
brilhante do que o de uma tocha
A manticora
A manticora eacute um animal bem descrito por Cteacutesias Na VA a referecircncia que temos
dela se encontra num diaacutelogo com Iarcas quando Apolocircnio lhe pergunta sobre a existecircncia de
tal animal recebendo como resposta do interlocutor nunca ter ouvido nada sobre isso (VA III
45) No entanto a descriccedilatildeo da manticora feita por Apolocircnio eacute semelhante agrave de Cteacutesias
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Καὶ περὶ τοῦ μαρτιχόρα τοῦ ἐν αὐτοῖς ὄντος θηρίου ὡς τὸ πρόσωπον ἐοικὼς
ἀνθρώπῳ μέγεθος μέν ἐστιν ὥσπερ λέων καὶ χροὰν ἐρυθρὸς ὡς κιννάβαρι
Τρίστιχοι δὲ ὀδόντες ὦτα δὲ ὥσπερ ἀνθρώπου καὶ ὀφθαλμοὺς γλαύκους ὁμοίους
ἀνθρώπῳ Τὴν δὲ κέρκον ἔχει οἵανπερ σκορπίος ὁ ἠπειρώτης ἐν ᾗ καὶ τὸ κέντρον
ἔχει μείζω ὑπάρχουσαν πήχεος Ἔχει δὲ καὶ ἐκ πλαγίου τῆς κέρκου ἔνθα καὶ ἔνθα
κέντρα ἔχει δὲ καὶ ἐπacute ἄκρῳ ὥσπερ σκορπίος κέντρον Καὶ τούτῳ μέν ἐὰν
προσέλθῃ τις κεντεῖ τῷ κέντρῳ καὶ πάντως ὁ κεντηθεὶς ἀποθνῄσκει Ἐὰν δέ τις
πόρρωθεν μάχηται πρὸς αὐτόν καὶ ἔμπροσθεν ἱστὰς τὴν οὐράν ὥσπερ ἀπὸ τόξου
βάλλει τοῖς κέντροις καὶ ὄπισθεν ἐπacute εὐθείας ἀποτείνων Βάλλει δὲ ὅσον πλέθρον
εἰς μῆκος καὶ πάντα οἷς ἂν βάλῃ πάντως ἀποκτείνει πλὴν ἐλέφαντος Τὰ δὲ κέντρα
αὐτοῦ ἐστι τὸ μὲν μῆκος ὅσον ποδιαῖα τὸ δὲ πλάτος ὅσον σχοῖνος λεπτότατος
Μαρτιχόρα δὲ ἑλληνιστὶ ἀνθρωποφάγον ὅτι πλεῖστα ἐσθίει ἀναιρῶν ἀνθρώπους
ἐσθίει δὲ καὶ τὰ ἄλλα ζῷα μάχεται δὲ καὶ τοῖς ὄνυξι καὶ τοῖς κέντροις Τὰ δὲ κέντρα
πάλιν φησίν ἐπειδὰν ἐκτοξευθῇ ἀναφύεσθαι Ἔστι δὲ πολλὰ ἐν τῇ Ἰνδικῇ
Ἀποκτείνουσι δὲ αὐτὰ τοῖς ἐλέφασιν ἐποχούμενοι ἄνθρωποι κἀκεῖθεν βάλλοντες
(Ind frag VII)
E sobre a manticora que eacute um animal selvagem e seu rosto parece-se com o
humano Tem o tamanho de um leatildeo e o corpo eacute vermelho assim como do cinaacutebrio
Tem trecircs fileiras de dentes orelhas como a do homem e olhos glaucos semelhantes
ao humano Ele tem a cauda como a do escorpiatildeo continental na qual haacute um ferratildeo
maior que um cocircvado Tambeacutem tem aqui e ali ferrotildees dos lados da cauda aleacutem de
ter tambeacutem um ferratildeo na ponta da cauda como escorpiatildeo Dele se algueacutem se
aproxima ele ferroa com o ferratildeo e todos os ferroados morrem Se algueacutem o
enfrenta de longe e de frente ele levanta a cauda e lanccedila os ferrotildees como de um
arco e se for atacado por traacutes ele o estira reto Ele lanccedila os ferrotildees tatildeo longe quanto
plethron36
e todos aqueles em que ele os lanccedila ele os mata exceto elefantes O
ferratildeo eacute do comprimento de um peacute e da largura de um junco esguio Em grego
manticora significa ldquoantropoacutefagordquo pelo fato de a maioria matar e comer homens
mas devora tambeacutem os outros animais E ela ataca tambeacutem com as garras e com os
ferrotildees e o ferratildeo traseiro diz [Cteacutesias] cada vez que eacute disparado nasce de novo
Haacute muitos deles na Iacutendia E matam-nos homens levados por elefantes e jogando
flechas do alto
lsquoλέγεταιrsquo εἶπε lsquoμεγάλα καὶ ἄπιστα τετράπουν μὲν γὰρ εἶναι αὐτό τὴν κεφαλὴν δὲ
ἀνθρώπῳ εἰκάσθαι λέοντι δὲ ὡμοιῶσθαι τὸ μέγεθος τὴν δὲ οὐρὰν τοῦ θηρίου
36
Medida de comprimento de cem peacutes gregos
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τούτου πηχυαίας ἐκφέρειν καὶ ἀκανθώδεις τὰς τρίχας ἃς βάλλειν ὥσπερ τοξεύματα
ἐς τοὺς θηρῶντας αὐτόrsquo (VA III 45)
Dizem disse [Apolocircnio] coisas grandes e incriacuteveis [sobre essa criatura] que ela tem
quatro patas que sua cabeccedila se assemelha agrave de um homem mas seu tamanho eacute
como o de um leatildeo e que a cauda dessa fera produz pelos de um cuacutebito de
comprimento iguais a um espinho os quais ela lanccedila como flecha naqueles que a
caccedilam
Os grifos
No relato de Cteacutesias os grifos satildeo guardiotildees de ouro
Ἔστι δὲ αὐτόθι ἄργυρος πολὺς καὶ ἀργύρεα μέταλλα οὐ βαθέα ἀλλὰ βαθύτερα
εἶναί φασι τὰ ἐν Βάκτροις Ἔστι δὲ καὶ χρυσὸς ἐν τῇ Ἰνδικῇ χώρᾳ οὐκ ἐν τοῖς
ποταμοῖς εὑρισκόμενος καὶ πλυνόμενος ὥσπερ ἐν τῷ Πακτωλῷ ποταμῷ ἀλλacute ὄρη
πολλὰ καὶ μεγάλα ἐν οἷς οἰκοῦσι γρῦπες ὄρνεα τετράποδα μέγεθος ὅσον λύκος
σκέλη καὶ ὄνυχες οἷά περ λέων τὰ ἐν τῷ ἄλλῳ σώματι πτερὰ μέλανα ἐρυθρὰ δὲ τὰ
ἐν τῷ στήθει Διacute αὐτοὺς δὲ ὁ ἐν τοῖς ὄρεσι χρυσὸς πολὺς ὢν γίνεται δυσπόριστος
(Ind frag XII)
Haacute laacute muita riqueza e minas de prata natildeo profundas mas dizem que as de Baacutectria
satildeo mais profundas Haacute tambeacutem ouro na regiatildeo da Iacutendia mas natildeo satildeo encontrados e
lavados nos rios como no rio Pactolo mas em muitas e grandes montanhas nas
quais vivem grifos aves quadruacutepedes do tamanho de um lobo as patas e garras tais
quais de um leatildeo No resto do corpo tem penas pretas mas no peito satildeo elas
vermelhas Por causa deles torna-se difiacutecil alcanccedilar o abundante ouro que haacute nas
montanhas
Na VA em resposta a Apolocircnio Iarcas confirma a existecircncia deles (VA III 48) Aqui
eacute acrescentada a informaccedilatildeo de que eles satildeo venerados por serem sagrados para o Sol
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μέγεθός τε καὶ ἀλκὴν εἰκάσθαι αὐτοὺς τοῖς λέουσιν ὑπὸ δὲ πλεονεξίας τῶν πτερῶν
αὐτοῖς τε ἐκείνοις ἐπιτίθεσθαι καὶ τῶν ἐλεφάντων δὲ καὶ δρακόντων ὑπερτέρους
εἶναι πέτονται δὲ οὔπω μέγα ἀλλ᾽ ὅσον οἱ βραχύποροι ὄρνιθες μὴ γὰρ ἐπτιλῶσθαι
σφᾶς ὡς ὄρνισι πάτριον ἀλλ᾽ ὑμέσι τοὺς ταρσοὺς ὑφάνθαι πυρσοῖς ὡς εἶναι
κυκλώσαντας πέτεσθαί τε καὶ ἐκ μετεώρου μάχεσθαι τὴν τίγριν δὲ αὐτοῖς ἀνάλωτον
εἶναι μόνην ἐπειδὴ τὸ τάχος αὐτὴν ἐσποιεῖ τοῖς ἀνέμοις (VA III 48)
Em tamanho e em forccedila eles se parecem com os leotildees mas pela vantagem das asas
sobrepotildeem-se agravequeles e satildeo tambeacutem mais poderosos que elefantes e dragotildees Natildeo
voam eles alto mas como as aves de voo curto pois eles natildeo tecircm penas como eacute
normal entre os paacutessaros mas as palmas de suas patas tecircm membranas vermelhas
de modo que girando-as podem voar e do alto lutarem O tigre eacute o uacutenico natildeo
capturado por eles uma vez sua rapidez o faz par dos ventos
A fecircnix
Segundo a narraccedilatildeo de Iarcas a fecircnix eacute uma ave que vai ateacute o Egito a cada quinhentos
anos e no resto do tempo sobrevoa a Iacutendia Sobre ela se diz
εἶναι δὲ ἕνα ἐκδιδόμενον τῶν ἀκτίνων καὶ χρυσῷ λάμποντα μέγεθος ἀετοῦ καὶ
εἶδος ἐς καλιάν τε ἱζάνειν τὴν ἐκ τοῦ ἀρώματος ποιουμένην αὐτῷ πρὸς ταῖς τοῦ
Νείλου πηγαῖς (VA III 49)
haver uma uacutenica produzida pelos raios solares e brilhante de ouro com o tamanho e
a aparecircncia da aacuteguia a qual pousa num ninho que eacute feito por ela mesma com ervas
aromaacuteticas junto das nascentes do Nilo
Os egiacutepcios afirmam que a ave vai ateacute o Egito e os indianos confirmam a informaccedilatildeo
acrescentando ainda que ela ao queimar-se em seu ninho canta hinos fuacutenebres para si mesma
(τῷ λόγῳ τὸ τὸν φοίνικα τὸν ἐν τῇ καλιᾷ τηκόμενον προπεμπτηρίους ὕμνους αὑτῷ ᾄδειν -VA
III 49)
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2315 Seres exoacuteticos
Neste subtoacutepico estatildeo arrolados seres que se diferem por seus haacutebitos como eacute o caso
dos hindus de Taxila e dos comedores de peixes aleacutem de outros seres que possuem
caracteriacutesticas fiacutesicas atiacutepicas como os anotildees a mulher malhada e os pigmeus
Os homens de quatro e cinco cocircvados
Apoacutes passarem do Caacuteucaso eacute narrado que Apolocircnio e seus companheiros
τετραπήχεις ἀνθρώπους ἰδεῖν φασιν οὓς ἤδη μελαίνεσθαι καὶ πενταπήχεις δὲ
ἑτέρους ὑπὲρ τὸν Ἰνδὸν ποταμὸν ἐλθόντες ἐν δὲ τῇ μέχρι τοῦ ποταμοῦ τούτου
ὁδοιπορίᾳ τάδε εὗρον ἀφηγήσεως ἄξια ἐπορεύοντο μὲν γὰρ ἐν σελήνῃ λαμπρᾷ
φάσμα δὲ αὐτοῖς ἐμπούσης ἐνέπεσε τὸ δεῖνα γινομένη καὶ τὸ δεῖνα αὖ καὶ οὐδὲν
εἶναι ὁ δὲ Ἀπολλώνιος ξυνῆκεν ὅ τι εἴη καὶ αὐτός τε ἐλοιδορεῖτο τῇ ἐμπούσῃ τοῖς
τε ἀμφ᾽ οὑτὸν προσέταξε ταὐτὸ πράττειν ταυτὶ γὰρ ἄκος εἶναι τῆς προσβολῆς
ταύτης καὶ τὸ φάσμα φυγῇ ᾤχετο τετριγός ὥσπερ τὰ εἴδωλα (VA II 4)
dizem ter visto homens de quatro cuacutebitos os quais jaacute eram negros e tendo passado
o rio Indo viram outros de cinco cuacutebitos de altura E ateacute alcanccedilar este rio
encontraram isto digno de ser narrado viajavam sob o brilho da lua quando
depararam com a apariccedilatildeo de uma empusa que se transformou de uma coisa em
outra ateacute finalmente se tornar nada Entatildeo Apolocircnio percebeu o que era e ele
mesmo insultou a empusa e mandou que os outros fizessem o mesmo uma vez que
esse era o remeacutedio para aquele ataque E o fantasma voou para longe berrando
como os fantasmas
A mulher malhada
Esta mulher se diz ser consagrada a Afrodite Ao contraacuterio da bela deusa grega esta
mulher multicolor se assemelha a um monstro
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ἐνταῦθα καὶ γυναίῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι τὰ μὲν ἐκ κεφαλῆς ἐς μαζοὺς μέλανι τὰ δὲ
ἐκ μαζῶν ἐς πόδας λευκῷ πάντα καὶ αὐτοὶ μὲν ὡς δεῖμα φυγεῖν τὸν δὲ Ἀπολλώνιον
ξυνάψαι τε τῷ γυναίῳ τὴν χεῖρα καὶ ξυνεῖναι ὅ τι εἴη ἱεροῦται δὲ ἄρα τῇ Ἀφροδίτῃ
Ἰνδὴ τοιαύτη καὶ τίκτεται τῇ θεῷ γυνὴ ποικίλη καθάπερ ὁ Ἆπις Αἰγυπτίοις (VA
III 3)
Neste lugar eles dizem que encontraram uma mulher que era negra da cabeccedila aos
seios mas completamente branca do seu peito ateacute os peacutes e fugiram dela como se
fosse um monstro mas Apolocircnio tomou a matildeo da mulher e entendeu o que ela era
de fato na Iacutendia consagra-se a Afrodite algueacutem assim e nasce em homenagem agrave
deusa uma mulher multicolor assim como Aacutepis entre os egiacutepcios
Sobre os hindus de Taxila
Aleacutem de conter templos magniacuteficos e ser a cidade do rei Fraotes a cidade de Taxila eacute
maravilhosa pelo fato de sua populaccedilatildeo se assemelhar a filoacutesofos
στολὴν δὲ εἶναι τοῖς μετὰ τὸν Ἰνδὸν λίνου φασὶν ἐγχωρίου καὶ ὑποδήματα βύβλου
καὶ κυνῆν ὅτε ὕοι καὶ βύσσῳ δὲ τοὺς φανερωτέρους αὐτῶν φασιν ἐστάλθαι τὴν δὲ
βύσσον φύεσθαι δένδρου φασὶν ὁμοίου μὲν τῇ λεύκῃ τὴν βάσιν παραπλησίου δὲ τῇ
ἰτέᾳ τὰ πέταλα καὶ ἡσθῆναι τῇ βύσσῳ φησὶν ὁ Ἀπολλώνιος ἐπειδὴ ἔοικε φαιῷ
τρίβωνι (VA II 20)
Dizem que a vestimenta dos que habitam do outro do outro lado do Indo eacute de linho
da regiatildeo calccedilados de casca de aacutervore e um chapeacuteu quando chove dizem que os
mais distintos deles se vestem com linho finiacutessimo e que o linho finiacutessimo nasce de
uma aacutervore semelhante ao aacutelamo branco e as folhas satildeo quase iguais agraves do
salgueiro E Apolocircnio diz que ficou encantado com o linho fino uma vez que
parecia com seu manto cinza de filoacutesofo
62
Os pigmeus
Comparado a Heroacutedoto e a Filoacutestrato Cteacutesias foi o que mais escreveu acerca dos
pigmeus Em sua obra ele descreve caracteriacutesticas fiacutesicas deles como pelos genitais e narizes
(Indikaacute frag XI) Heroacutedoto natildeo usa o termo pigmeu mas Nichols (2011 p 208) afirma que a
descriccedilatildeo em Histoacuterias (II 32) se refere a eles sendo esse termo usado para descrever pessoas
pequenas Na arte e na literatura greco-romana os pigmeus satildeo associados ao nanismo e a
uma desproporccedilatildeo fiacutesica (principalmente com relaccedilatildeo aos genitais) se tornando assim
emblemas de anormalidade Essa anormalidade humana somada agrave caracteriacutestica de eles serem
vinculados ao exotismo representativo dos espaccedilos aleacutem-fronteira reforccedila a imagem da Iacutendia
como uma regiatildeo afastada da Heacutelade ldquocivilizadardquo (RODRIGUES 2016 p 172)
O retrato de Cteacutesias dos pigmeus eacute bem detalhado
Ὅτι μέσῃ τῇ Ἰνδικῇ ἄνθρωποί εἰσι μέλανες (καλοῦνται Πυγμαῖοι) ὁμόγλωσσοι τοῖς
ἄλλοις Ἰνδοῖς Μικροὶ δέ εἰσι λίαν οἱ μακρότατοι αὐτῶν πηχέων δύο οἱ δὲ
πλεῖστοι ἑνὸς ἡμίσεος πήχεος Κόμην δὲ ἔχουσι μακροτάτην μέχρις ἐπὶ τὰ γόνατα
καὶ ἔτι κατώτερον καὶ πώγωνα μέγιστον πάντων ἀνθρώπων Ἐπειδὰν οὖν τὸν
πώγονα μέγα φύσωσιν οὐκέτι ἀμφιέννυνται οὐδὲν ἱμάτιον ἀλλὰ τὰς τρίχας τὰς μὲν
ἐκ τῆς κεφαλῆς ὄπισθεν καθίενται πολὺ κάτω τῶν γονάτων τὰς δὲ ἐκ τοῦ πώγωνος
ἔμπροσθεν μέχρι ποδῶν ἑλκομένας ἔπειτα περιπυκασάμενοι τὰς τρίχας περὶ ἅπαν
τὸ σῶμα ζώννυνται χρώμενοι αὐταῖς ἀντὶ ἱματίου Αἰδοῖον δὲ μέγα ἔχουσιν ὥστε
ψαύειν τῶν σφυρῶν αὐτῶν καὶ παχύ Αὐτοὶ δὲ σιμοί τε καὶ αἰσχροί Τὰ δὲ πρόβατα
αὐτῶν ὡς ἄρνες καὶ οἱ ὄνοι καὶ αἱ βόες σχεδὸν ὅσον κριοί Καὶ οἱ ἵπποι αὐτῶν καὶ
ἡμίονοι καὶ τὰ ἄλλα κτήνη πάντα οὐδὲν μείζω κριῶν Ἕπονται δὲ τῷ βασιλεῖ τῶν
Ἰνδῶν τούτων τῶν Πυγμαίων ἄνδρες τρισχίλιοι σφόδρα γάρ εἰσι τοξόται
Δικαιότατοι δέ εἰσι καὶ νόμοισι χρῶνται ὥσπερ καὶ οἱ Ἰνδοί Λαγοὺς δὲ καὶ
ἀλώπεκας θηρεύουσιν οὐ τοῖς κυσὶν ἀλλὰ κόραξι καὶ ἰκτίσι καὶ κορώναις καὶ ἀετοῖς
Ὅτι λίμνη ἐστὶν ἐν αὐτοῖς (σταδίων ὀκτακοσίων ἡ περίμετρος) ἐν ᾗ ἀνέμου μὴ
πνέοντος ἐπάνω τῆς λίμνης ἔλαιον ἐφίσταται καὶ πλοαρίοις πλέοντες διacute αὐτῆς ἐκ
μέσης αὐτῆς σκαφίοις τοῦ ἐλαίου ἀπαρύονται καὶ χρῶνται Χρῶνται δὲ καὶ
σησαμίνῳ Ἔχει δὲ ἡ λίμνη καὶ ἰχθύας Καὶ τῷ καρυΐνῳ δὲ χρῶνται κρεῖσσον δὲ τὸ
λιμναῖον (Ind frag XI)
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Que no meio da Iacutendia haacute homens negros (chamados pigmeus) que falam a mesma
liacutengua que os outros indianos E satildeo muito pequenos os maiores deles tecircm dois
cocircvados mas a maioria meio cocircvado E tecircm o cabelo comprido ateacute o joelho e ainda
mais abaixo e a barba maior que de todos os homens Uma vez pois que a barba
ficava grande natildeo mais vestiam nenhuma roupa mas dos peacutes uma parte deixam
cair da cabeccedila para traacutes ateacute os joelhos a outra parte puxam da barba para frente ateacute
os peacutes em seguida envolvem os pelos ao redor do corpo todo e cingem-se usando
os pelos em lugar de roupa E eles tecircm o genital grande ao ponto de tocar os joelhos
deles e grosso E eles satildeo de nariz achatado e feios E os carneiros deles satildeo como
os cordeiros e os asnos e bois mais ou menos do tamanho de carneiros E os cavalos
deles as mulas e todas as outras criaccedilotildees natildeo satildeo maiores que carneiros E escoltam
o rei da Iacutendia destes pigmeus trecircs mil homens pois satildeo arqueiros muito bons Satildeo
justos e utilizam de leis como tambeacutem os indianos Caccedilam lebres e raposas natildeo com
catildees mas com corvos fuinhas albatrozes e aacuteguias
Que haacute um lago onde moram (com o periacutemetro de 800 estaacutedios) no qual uma vez
que o vento natildeo sopra sobre o lago boia oacuteleo e em barquinhos navegam pelo lago e
do meio dele colhem o oacuteleo em vasilhas e o usam E tambeacutem abusam do gergelim
O lago tem peixe E usam noz A noz do lago eacute melhor
Na VA (VA III 47) o saacutebio Iarcas confirma a existecircncia dos pigmeus na Iacutendia e diz
ser verdade o que descrevem sobre esses homens poreacutem se refere a eles de forma breve
τοὺς δὲ πυγμαίους οἰκεῖν μὲν ὑπογείους κεῖσθαι δὲ ὑπὲρ τὸν Γάγγην ζῶντας
τρόπον ὃς πᾶσιν εἴρηται (VA III 47)
os pigmeus habitam no subsolo ficam do outro lado do Ganges e vivem da forma
como eacute relatada por todos
Os comedores de peixes e os carianos
Os comedores de peixes provecircm de uma cidade chamada Estobera (Στόβηρα) e satildeo
contrastados com uma outra raccedila de hindus os carianos
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διφθέρας δὲ τούτους ἐνῆφθαι μεγίστων ἰχθύων καὶ τὰ πρόβατα τὰ ἐκείνῃ ἰχθυώδη
εἶναι καὶ φαγεῖν ἄτοπα τοὺς γὰρ ποιμένας βόσκειν αὐτὰ τοῖς ἰχθύσιν ὥσπερ ἐν
Καρίᾳ τοῖς σύκοις (VA III 55)
Eles se vestem com a pele de grandes peixes as suas ovelhas tecircm cheiro de peixe e
comem coisas atiacutepicas pois os pastores as alimentam com peixes como na Caacuteria
satildeo alimentadas com figos
65
CAPIacuteTULO III
OS SAacuteBIOS HINDUS
Os saacutebios hindus satildeo personagens essenciais nesta obra Satildeo mencionados desde o
iniacutecio como o alvo principal da viagem de Apolocircnio e satildeo a referecircncia de sabedoria maacutexima
natildeo soacute para Apolocircnio mas tambeacutem para a populaccedilatildeo que os procura para serem curados e
aconselhados bem como para reis que os consultam para tomar decisotildees A essecircncia dessa
sabedoria superior adveacutem do contato deles com os deuses e de seu conhecimento da filosofia
grega Assim os bracircmanes satildeo influentes natildeo apenas filosoficamente mas tambeacutem
politicamente
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus
Como mencionado no primeiro capiacutetulo Apolocircnio se depara com muitas referecircncias agrave
cultura grega aacutetica em sua viagem agrave Iacutendia Nesse sentido o rei Fraotes de Taxila se torna um
siacutembolo uma conexatildeo dessa referecircncia claacutessica com a sabedoria hindu
De acordo com a narrativa Fraotes se assemelha a um filoacutesofo com caracteriacutesticas
pitagoacutericas pois natildeo consome vinho manteacutem uma dieta vegetariana (VA II 26) e se compraz
com a filosofia (VA II 30) Interage tambeacutem com a cultura por outro vieacutes visto que se
exercita agrave maneira grega e oferece um banquete a Apolocircnio (VA II 27) Aleacutem disso possui
habilidades linguiacutesticas notaacuteveis pois fala e tem domiacutenio da literatura e da liacutengua grega (VA
II 27-32) Em um diaacutelogo com Apolocircnio Fraotes narra sua histoacuteria e conta como aprendeu
grego com o seu proacuteprio pai Aos doze anos foi viver com os bracircmanes hindus dos quais
recebeu uma educaccedilatildeo helecircnica (VA II 31) Em virtude dessa educaccedilatildeo junto aos bracircmanes
Fraotes se tornou um soberano que age com moderaccedilatildeo e integridade (VA II 34) Silva
(2017 p 486) considera que por essas caracteriacutesticas Fraotes eacute tido como um modelo de rei
ideal e eacute elogiado por Apolocircnio em vaacuterios momentos
Ao ponderar sobre o contexto em que Filoacutestrato viveu isto eacute o de um grego
submetido a um governo romano e sua proposta de resgatar a cultura helecircnica mediante a
Segunda Sofiacutestica entendemos que o autor acreditava que para um rei agir de forma
moderada e iacutentegra deveria estar imbuiacutedo dos valores e da cultura grega Esse modelo
66
idealizado personificado na figura de Fraotes serviria de criacutetica contra os imperadores
romanos
A partir desse contato com o rei hindu Apolocircnio tem mais notiacutecias sobre os bracircmanes
Sem especificar o nome da cidade Fraotes lhe conta que os saacutebios vivem em um local entre o
rio Hiacutefasis e o Ganges em uma regiatildeo que nunca fora encontrada por Alexandre Mesmo que
Alexandre a tivesse encontrado explica o rei ele natildeo teria sido capaz de tomar posse daquele
local nem que estivesse acompanhado de ldquodez mil Aquiles e trinta mil Aacutejaxrdquo pois os
bracircmanes natildeo lutam contra aqueles que se aproximam de sua torre (τύρσις) mas os repelem
com prodiacutegios e com raios lanccedilados por eles mesmos uma vez que satildeo homens sagrados e
amados pelos deuses (VA II 33) Como exemplo Fraotes cita uma expediccedilatildeo beacutelica
empreendida por Heacuteracles do Egito e Dioniso Apoacutes terem invadido a Iacutendia tentaram tomar a
torre dos saacutebios com um ataque Os bracircmanes ao inveacutes de terem reagido de forma violenta se
mantiveram quietos e passivos Poreacutem quando todos os soldados estavam reunidos para o
ataque final os saacutebios do alto lanccedilaram miacutesseis de fogo e raios sobre eles derrotando os
invasores (VA II 34)
Em outro momento da narrativa Apolocircnio e Iarcas discutem tambeacutem a respeito desse
toacutepico Apolocircnio cita Aquiles como um modelo de heroacutei exemplar que foi celebrado por
Homero tanto por sua coragem quanto por sua beleza superando Aacutejax e Nireu Contudo
Iarcas critica esse modelo defendido por Apolocircnio e sugere uma ruptura desse paradigma de
heroiacutesmo (VA III 19) Assim associamos que a proacutepria histoacuteria dos bracircmanes eacute um exemplo
desse rompimento haja visto que eles foram capazes de repelir os ataques de Dioniso e
Heacuteracles de Alexandre e de todos os outros homens que tiveram intenccedilatildeo de conquistar
aquele local Valorizando a paz e ao mesmo tempo sendo capazes de manter sua
independecircncia os bracircmanes representam a estabilidade e preservam a integridade de seus
valores Ao redor deles impeacuterios nasceram e caiacuteram Poro um dos mais poderosos reis
indianos foi derrotado por Alexandre o qual por sua vez teve o seu proacuteprio impeacuterio
rapidamente desintegrado apoacutes sua morte O contraste entre os dois reis Fraotes e Poro bem
como a forma de seus governos eacute bem marcada quando Fraotes diz a Apolocircnio ldquoPoro amava
a guerra mas eu amo a pazrdquo (Πῶροςrsquo εἶπε lsquoπολέμου ἤρα ἐγὼ δὲ εἰρήνης VA II 26) De
acordo com Abraham (2014 p 478) a veneraccedilatildeo do militarismo e do imperialismo
encontrados em Homero eacute a fonte da decadecircncia da eacutetica grega e essa decadecircncia por sua
vez eacute expressa pela perda do autoconhecimento e em uacuteltima instacircncia da identidade grega
sob o impeacuterio romano
67
Dessa forma temos uma imagem da torre dos bracircmanes como uma fortaleza
impossiacutevel de ser invadida e corrompida Recaiacute sobre eles a proteccedilatildeo natural do local e o
favorecimento dos deuses Ao mesmo tempo o local se constituiria em um bastiatildeo de
sabedoria que preservaria os valores gregos idealizados por Filoacutestrato
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia
Apoacutes uma longa viagem Apolocircnio e seus companheiros finalmente chegam onde a
torre dos bracircmanes estava localizada (VA III 10) Ao se aproximarem curiosamente um
mensageiro hindu vem ateacute eles se comunicando em grego (VA III 12) Segundo a descriccedilatildeo
do texto a torre tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da
planiacutecie e sua posiccedilatildeo natural a protege de ataques pois eacute rodeada por rochas em todos os
lados (VA III 13) Com essa descriccedilatildeo Filoacutestrato compara explicitamente a topografia da
torre dos bracircmanes com a Acroacutepole de Atenas Desde a referecircncia linguiacutestica ateacute a
topograacutefica o autor permite que o leitor crie um mapa mental de Atenas
68
FIGURA 3 - Apolocircnio encontra o mensageiro dos bracircmanes (VA II 11-13) (imagem superior) Apolocircnio
discursa para a populaccedilatildeo de Eacutefeso sobre a praga (VA IV 10) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Na sequecircncia o autor narra que os viajantes precisam passar por um processo de
purificaccedilatildeo primeiro devem purgar os seus pecados mesmo os involuntaacuterios banhando-se
em um poccedilo para em seguida passarem pelo ldquofogo do perdatildeordquo (πῦρ ξυγγνώμης - VA III
14) Segundo Marciano (2014 p 137-139) manter-se puro tambeacutem eacute um preceito pitagoacuterico
A purificaccedilatildeo eacute nesse sentido uma necessidade para se manter limpo das impurezas
transmitidas pelo contato com as outras pessoas Mesmo fora da esfera estritamente cultual a
pureza individual eacute fundamental para evitar a absorccedilatildeo de energias negativas que manchem
natildeo apenas o plano divino mas tambeacutem o proacuteprio componente divino do homem Por isso
continua a autora a vida diaacuteria pitagoacuterica eacute ritualizada em todos os seus atos gestos e
69
palavras de forma a que o indiviacuteduo possa conscientemente preservar a sua pureza respeitar
a esfera divina e evitar que qualquer accedilatildeo sua possa prejudicar a si mesmo e aos outros
Logo apoacutes terem se purificado Apolocircnio e seus companheiros de viagem se foram
para um local onde se depararam com estaacutetuas de deuses indianos e egiacutepcios Poreacutem a
surpresa maior foi terem encontrado entre as demais estaacutetuas dos deuses gregos mais
antigos
θεῶν δὲ ἀγάλμασιν ἐντυχεῖν φασιν εἰ μὲν Ἰνδοῖς ἢ Αἰγυπτίοις θαῦμα οὐδέν τὰ δέ
γε ἀρχαιότατα τῶν παρrsquo Ἕλλησι τό τε τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Πολιάδος καὶ τὸ τοῦ
Ἀπόλλωνος τοῦ Δηλίου καὶ τὸ τοῦ Διονύσου τοῦ Λιμναίου καὶ τὸ τοῦ Ἀμυκλαίου
καὶ ὁπόσα ὧδε ἀρχαῖα ταῦτα ἱδρύεσθαί τε τοὺς Ἰνδοὺς τούτους καὶ νομίζειν
Ἑλληνικοῖς ἤθεσι φασὶ δ᾽ οἰκεῖν τὰ μέσα τῆς Ἰνδικῆς καὶ τὸν ὄχθον ὀμφαλὸν
ποιοῦνται τοῦ λόφου τούτου πῦρ τε ἐπ᾽ αὐτοῦ ὀργιάζουσιν ὅ φασιν ἐκ τῶν τοῦ
ἡλίου ἀκτίνων αὐτοὶ ἕλκειν τούτῳ καὶ τὸν ὕμνον ἡμέραν ἅπασαν ἐς μεσημβρίαν
ᾄδουσιν (VA III 14)
Eles dizem que se depararam com estaacutetuas de deuses e natildeo seria espantoso se
fossem soacute Indianos ou Egiacutepcios mas viram principalmente de Gregos Haviam
estaacutetuas de Atena Poliacuteade de Apolo de Delos e de Dioniacuteso de Limneu e de Amiclas
dentre outras tambeacutem antigas e os hindus estabeleceram praacuteticas gregas comuns
para cultuaacute-las E eles dizem que eles habitam nas partes centrais da Iacutendia e
consideram este pico como o umbigo desta colina onde os saacutebios cultuam o fogo o
qual dizem extrair dos raios solares e para o sol eles cantam um hino todos os dias
ao meio dia
Como descrito acima as estaacutetuas encontradas satildeo de Atena Poliacuteade de Apolo de
Delos e duas de Dioniacuteso uma do Limneu e a outra de Amiclas Abraham (2014 p 472)
observa que aleacutem dessas estaacutetuas pertencerem a cultos originaacuterios do periacuteodo arcaico estaacute
agregado a esse conjunto o culto das cidades de Atenas (Atena Poliacuteade) de Delos (Apolo) e
de Esparta (Dioniso de Limneu e de Amiclas) criando-se desse modo um mapa mental que
unifica as regiotildees da Aacutetica da Jocircnia e do Peloponeso em uma identidade singular Esse
agrupamento ainda segundo Abraham remete agrave tendecircncia da literatura da Segunda Sofiacutestica
de criar a representaccedilatildeo literaacuteria de um passado grego unificado se natildeo homogeneizado
ocultando as diferenccedilas existentes entre as antigas cidades-estado
Eacute interessante destacar que o estranhamento provocado pelas estaacutetuas dessa vez natildeo
se deve ao exotismo da cultura hindu mas agrave similaridade da proacutepria cultura de Apolocircnio em
um lugar tatildeo distante de sua paacutetria Aleacutem disso ao se referir a torre dos bracircmanes como o
70
coraccedilatildeo Iacutendia e ao mesmo tempo como o centro do mundo (ὀμφαλὸν) desloca-se todo o
referencial geopoliacutetico cultural A noccedilatildeo de periferia e centro eacute invertida a Iacutendia fronteira do
mundo ocupa agora a posiccedilatildeo central no lugar da Greacutecia e de Roma Uma das
consequecircncias disso aponta Abraham (2014 p 475) eacute a implicaccedilatildeo de que o centro do
mundo estaacute de fato em uma regiatildeo baacuterbara e natildeo civilizada Atenas e Roma entatildeo passam a
ser percebidas como regiotildees baacuterbaras e incivilizadas independente de sua localizaccedilatildeo
geograacutefica
Se compararmos as representaccedilotildees de Roma da Greacutecia e de Paraca na VA sugere
Abraham (2014 p 476) Esta uacuteltima corresponderia ao centro do mundo ou ao menos agrave sede
de um helenismo natildeo corrompido Roma agrave periferia corruptora e Greacutecia agrave zona
intermediaacuteria corrompida e baacuterbara pela influecircncia de Roma mas ainda possiacutevel de salvaccedilatildeo
Considerando todas essas caracteriacutesticas percebemos que Filoacutestrato nos indica de
forma metafoacuterica coordenadas que localizam a Greacutecia antiga idealizada pelo autor nas
regiotildees distantes da Iacutendia (ABRAHAM 2004 472 ndash 475) O confim da terra agora passa a ser
o ὀμφαλὸν Nele conseguem se comunicar em liacutengua grega os indianos possuem deuses
gregos em comum e compartilham da mesma educaccedilatildeo grega Estes aspectos servem de ponte
para unir dois lugares tatildeo distantes ou em uacuteltima instacircncia podem ser vistos como o
derradeiro elo entre eles
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria
Se por um lado a Iacutendia foi tida como a fronteira do mundo na literatura grega antiga
por outro lado a VA quebra esse paradigma e amplia os limites desse toacutepos literaacuterio
De acordo com Parker (2008 p 301) os gregos comeccedilaram a imaginar a Iacutendia como
lugar de sabedoria personificada na figura dos homens sagrados a partir de Alexandre
Assim os bracircmanes causaram grande impressatildeo nos gregos e nos romanos por representarem
a junccedilatildeo de duas vertentes a primeira agrave virtude de um povo distante desprovido de riquezas
e individualmente representada por Dandacircmis37
a segunda agrave sabedoria dos saacutebios
especialmente dos povos antigos orientais que reforccedila sua posiccedilatildeo marginal em relaccedilatildeo ao
mundo mediterracircneo Com isso ao caracterizar esses homens saacutebios continua o autor talvez
seja necessaacuterio contrastaacute-los com alguns de seus visitantes mais frequumlentes do oeste os
filoacutesofos Estes diferiam natildeo soacute pela sua identidade eacutetnica mas tambeacutem pela paideia Os
37
O saacutebio com quem Alexandre teve contato como consta no Romance de Alexadre
71
gimnosofistas e os bracircmanes possuiacuteam sabedoria sem terem sofrido o aacuterduo processo de
aprendizagem grego um processo que tambeacutem eacute importante para a formaccedilatildeo do saacutebio estoico
e do homem sagrado pagatildeo da Antiguidade Nesse sentido os gimnosofistas e os bracircmanes
oferecem um tipo alternativo de sabedoria
Desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra que Apolocircnio busca os conhecimentos
orientais como fonte de sabedoria Elsner (1997 p 29-30) mostra que o autor usa as viagens
como um reflexo do progresso espiritual de Apolocircnio Assim a grande variedade de tόpoi
etnograacutefico experimentada por Apolocircnio sugere a profundidade e universalidade da sabedoria
que ele dominou e com a qual estaacute equipado para ensinar Filoacutestrato representa seu saacutebio
visitando as fronteiras do mundo conhecido em todas as direccedilotildees norte no Caacuteucaso (VA II
2) leste no Oriente proacuteximo (VA I 21 II 1) e na Iacutendia (VA II 17 III 50) sul no Egito e
Etioacutepia (VA V43 VI 28) e oeste nas Colunas de Heacuteracles (VA IV 47 V 10)
Depois da Iacutendia Apolocircnio passa por Alexandria e segue viagem rumo agrave cidade dos
gimnosofistas localizada entre o Egito e a Etioacutepia (VA VI 5) Como observa Silva (2014 p
277) os gimnosofistas ora satildeo tratados como egiacutepcios (VA I 2 III 32 VI 10-11 VIII 74)
ora como etiacuteopes (VA VI 6 16 VIII 712) Sobre isso Robiano (1992 p 414-415)
menciona que existe uma proximidade entre gimnosofistas e bracircmanes na literatura grega
antiga A exemplo disso o autor cita uma passagem dos Fugitivos de Luciano de Samoacutesata
na qual a personagem Filosofia marca os estaacutegios de sua chegada aos humanos Em suma
depois dos bracircmanes fui diretamente para a Etioacutepia depois para o Egito (μετὰ δ᾽ οὖν τοὺς
Βραχμᾶνας εἰς Αἰθιοπίαν εὐθύς εἶτα εἰς Αἴγυπτον κατέβην Fugitivi VIII) Tambeacutem na VA
os gimnosofistas satildeo considerados inferiores em sabedoria aos bracircmanes (VA VI 6 11 16)
Como afirma Parker (2008 p 264) as viagens trazem sabedoria em particular
aquelas que rumam para uma antiga terra do leste Os bracircmanes por sua vez natildeo viajam mas
satildeo o motivo de viagem para alguns filoacutesofos como no caso de Apolocircnio Contudo Parker
alega (2008 p 254) que a VA foi a primeira obra a considerar a Iacutendia como referecircncia
maacutexima em sabedoria Ao dialogar com Iarcas Apolocircnio afirma considero que sua
sabedoria eacute mais profunda e muito mais divina do que a nossa e se eu natildeo acrescentar nada ao
meu estoque atual de conhecimento enquanto estou com vocecirc ao menos terei aprendido que
natildeo tenho nada mais para aprender (σοφώτερά τε ἡγοῦμαι τὰ ὑμέτερα καὶ πολλῷ θειότερα
εἰ δὲ μηδὲν πλέον ὧν οἶδα παρ᾽ ὑμῖν εὕροιμι μεμαθηκὼς ἂν εἴην καὶ τὸ μηκέτ᾽ ἔχειν ὅ τι
μάθοιμι VA III 16)
Temos assim segundo Elsner (1997 29-31) a construccedilatildeo da imagem dos bracircmanes
como a fonte maacutexima de sabedoria que Apolocircnio poderia alcanccedilar e o resultado dessa viagem
72
agrave Iacutendia eacute justamente o autoconhecimento e a plena maturidade filosoacutefica Essa viagem ao
leste entatildeo eacute apresentada como parte da trajetoacuteria que transformaraacute Apolocircnio em um θεῖος
ἀνήρ no Impeacuterio Romano Ao mesmo tempo essa viagem estabelece um paralelo entre
Apolocircnio Heacuteracles Dioniso e Alexandre nos quais o saacutebio finalmente supera o conquistador
ao adentrar no leste
Assim foi na Iacutendia a fronteira do mundo o lugar onde Apolocircnio atingiu o extremo da
sabedoria
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes
Como mencionado no primeiro capiacutetulo os milagres e as curas de Apolocircnio narrados
na VA satildeo ingredientes que formam a figura de um θεῖος ἀνήρ e compotildeem tambeacutem o
conteuacutedo maravilhoso da obra No terceiro livro enquanto Apolocircnio permanece na torre dos
bracircmanes ele e os saacutebios curam alguns enfermos que para laacute se dirigem
De acordo com Parker (2009 p 89) a literatura antiga valorizava de maneira especial
o conhecimento medicinal hindu Assim os meacutedicos indianos ao contraacuterio de seus
equivalentes gregos eram capazes de curar mordidas de cobras como narrado por Arriano de
Nicomeacutedia (VIII Ind 15 5-11) Segundo Arriano esses meacutedicos (ἰητροί) pertencem a um
subconjunto de filoacutesofos Estrabatildeo tambeacutem fala a respeito da medicina indiana citando Nearco
e Megaacutestenes como fonte (15 145 C706 e 15160 C713)
Na VA algumas das curas realizadas ora por Apolocircnio ora pelos bracircmanes satildeo i) o
exorcismo de um democircnio que possuiacutea um menino haacute dois anos (VA III 38) ii) a
recuperaccedilatildeo de um homem caccedilador de leotildees o qual havia deslocado o quadril por causa do
ataque de um leatildeo iii) o restabelecimento da visatildeo de um homem que teve os olhos
arrancados iv) a restauraccedilatildeo de um outro que tinha uma matildeo paralisada v) e o auxiacutelio ao
parto de uma mulher que jaacute havia sofrido aborto sete vezes (VA III 39)
Em dado momento Iarcas declara que de todos os dons que satildeo concedidos aos
homens o da cura eacute o mais importante (VA III 44) Ao mesmo tempo ele associa o dom da
cura com o da adivinhaccedilatildeo pois este uacuteltimo proporciona o descobrimento de novas curas
Pode-se por exemplo manipular o veneno de certos animais para o tratamento de doenccedilas
Para Iarcas sem uma sabedoria profeacutetica os homens natildeo se arriscariam a misturar venenos
criando medicamentos que salvam vidas Ainda segundo ele os filhos de Ascleacutepio jamais
teriam alcanccedilado esse ramo da ciecircncia se o proacuteprio Ascleacutepio natildeo fosse filho de Apolo Por
73
meio da consulta de oraacuteculos eles prepararam e adaptaram diferentes medicamentos para
diferentes doenccedilas Aleacutem disso teriam aprendido de Ascleacutepio quais ervas devem ser aplicadas
em hemorragias queimaduras e escoriaccedilotildees e quais liacutequidos devem ser administrados para
tratar os pacientes
Essa relaccedilatildeo entre a cura baseada nos ensinamentos de Ascleacutepio e no dom da
adivinhaccedilatildeo estaacute associada agrave sabedoria de Apolocircnio desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra
que Apolocircnio aos quatorze anos se mudou para Tarso a fim de ser educado por Eutidemo
que era um bom orador e originaacuterio da Feniacutecia Mais tarde se mudou para Egas onde existia
uma escola mais conceituada e um templo de Ascleacutepio no qual o deus aparecia para os
homens Foi tambeacutem nesta cidade que Apolocircnio aos dezesseis anos sentiu um impulso e
passou a se dedicar aos ensinamentos pitagoacutericos (VA I 7) A partir de entatildeo Apolocircnio
passou a seguir os preceitos de Pitaacutegoras e foi morar no templo de Ascleacutepio Com isso as
pessoas que moravam nas redondezas do templo passaram a admiraacute-lo e o proacuteprio deus
manifestou ao sacerdote do templo o seu contentamento por ter Apolocircnio como testemunha de
suas curas Consequentemente a reputaccedilatildeo de Apolocircnio aumentou ao ponto de os povos
vizinhos e ateacute mesmo os mais distantes irem ateacute laacute para vecirc-lo (VA I 8) e dele receber curas
(VA I 9-10)
74
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Podemos rastrear ao longo da VA vaacuterios indiacutecios que nos permitem ler a obra como
um instrumento sofisticado para defender os ideais da Segunda Sofiacutestica De acordo com a
leitura que fazemos do texto Filoacutestrato se apropria do personagem de tal forma que vemos
em Apolocircnio natildeo apenas um filoacutesofo pitagoacuterico um saacutebio um θεῖος ἀνήρ em busca da
sabedoria mas principalmente a figura de um difusor da cultura grega A impressatildeo que
temos eacute agrave grosso modo de que Apolocircnio seria a proacutepria Greacutecia personificada
Como menciona Swain (2009 p 34) Filoacutestrato estava ciente da mudanccedila de seu
mundo Uma de suas reaccedilotildees foi arquitetar um modelo idealizado da cultura helecircnica e
apresentaacute-lo como se esta cultura fosse a natural de seus companheiros de elite Sobre isso
Horster (2014 p 11) afirma que para muitas pessoas a educaccedilatildeo seria a maneira mais
importante de se chegar agrave essecircncia da cultura e da religiatildeo grega Nesse sentido somente a
elite intelectual poderia se envolver com ela Partindo desse ideal Filoacutestrato e outros
escritores da Segunda Sofiacutestica agiam no Impeacuterio Romano
Dentro desse contexto a liacutengua foi um veiacuteculo influente Abraham (2009 p 38)
reforccedila que esta eacute uma das caracteriacutesticas da Segunda Sofiacutestica pois autores e oradores
expressavam sua identidade grega simulando a dicccedilatildeo o estilo e o vocabulaacuterio do aacutetico do
seacuteculo V aC O aticismo prevaleceu de tal forma que lexicoacutegrafos comeccedilaram a catalogar o
grego ldquocorretordquo e o ldquoincorretordquo como fez Frinico Arabio que compocircs a Praeparatio
Sophistica um leacutexico no qual categorizava o uso ldquocorretordquo do aacutetico e menosprezava todos os
outros dialetos Em uacuteltima instacircncia o aticismo foi uma simulaccedilatildeo que permitia a algueacutem
reivindicar uma identidade grega Eacute significativo que Filoacutestrato para exaltar as qualificaccedilotildees
heleniacutesticas de Apolocircnio enfatiza que ele falava perfeitamente o aacutetico sem se deixar afetar
pelo sotaque da sua regiatildeo (VA I 7) Aleacutem da performance linguiacutestica exemplar de Apolocircnio
tambeacutem eacute digno de nota que as pessoas mais influentes da Iacutendia falavam habilmente o grego
como o rei Fraotes e os bracircmanes
Nesse sentido de retomada e afirmaccedilatildeo de uma identidade grega a noccedilatildeo de baacuterbaro
retorna agrave eacutepoca claacutessica A separaccedilatildeo entre a etnia e a cultura de fato teve iniacutecio no mundo
heleniacutestico e continuou em Roma A etnicidade permaneceu importante na imaginaccedilatildeo e teve
certamente consequecircncias poliacuteticas e sociais Dentro desse contexto eacute compreensiacutevel que os
autores da Segunda Sofiacutestica tenham tentado estabelecer um estereoacutetipo do ldquogrego purordquo
(SWAIN 2009 p 35)
75
Dadas essas circunstacircncias Abraham (2014 p 476) entende que a corrupccedilatildeo da
identidade grega apresentada por Filoacutestrato sugere uma criacutetica da cultura grega sob o Impeacuterio
Romano Nas palavras de Iarcas (VA III 19) os gregos deveriam se culpar pela degradaccedilatildeo
de sua identidade jaacute que usam o Aquiles homeacuterico (bem como outros heroacuteis similares) como
um modelo de masculinidade que os levou a venerar o imperialismo de uma forma geral
Swain (2009 p 36- 37) sugere que por meio da VA Filoacutestrato idealiza e propotildee um
modelo que intencionaria uma reforma religiosa e moral baseadas nos preceitos da cultura
grega ao enfatizar os feitos de um θεῖος ἀνήρ e de um filoacutesofo-pitagoacuterico exemplar A cultura
helecircnica eacute tida como superior por um lado sob a perspectiva da saacutebia filosofia helecircnica e por
outro decadente se tomarmos como exemplo outros gregos contemporacircneos de Apolocircnio
Swain ainda considera que as reformas propostas por Filoacutestrato na figura de Apolocircnio
dialogariam diretamente com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato e natildeo da de Apolocircnio
Por isso natildeo eacute de forma involuntaacuteria que
Se Apolocircnio compreende todas as liacutenguas sem as ter aprendido o grego eacute
entretanto a liacutengua que tem mais afinidades com a sabedoria Todos os
interlocutores de qualidade com quem Apolocircnio conversa falam grego comeccedilando
por Iarcas o mais saacutebio dos bracircmanes hindus acolhe-o em grego [] Trata-se de
uma forma de dizer que o grego eacute a liacutengua da filosofia (HARTOG 2004 p 227
228 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Com isso entendemos que na eacutepoca de Filoacutestrato mas principalmente segundo a
oacutetica do autor baacuterbaro jaacute natildeo eacute aquele de quem natildeo se entende a liacutengua tendo em vista a
multiplicidade de liacutenguas faladas no impeacuterio mas eacute baacuterbaro aquele que natildeo tenha
incorporadas em si a filosofia e a erudiccedilatildeo grega claacutessica Tanto eacute que o autor usa como palco
central a Iacutendia um lugar-comum da literatura grega como uma regiatildeo selvagem e incivilizada
Na VA a Iacutendia se torna o local onde a sabedoria a filosofia os conhecimentos de liacutengua e
literatura em suma os valores resgatados pela Segunda Sofiacutestica se conservam intactos e
incorrompidos A Iacutendia seria a projeccedilatildeo de uma Greacutecia unificada e idealizada onde Apolocircnio
alcanccedila o niacutevel maacuteximo de sabedoria junto aos bracircmanes Mas a sabedoria aprendida com os
saacutebios eacute a proacutepria sabedoria grega embasada nos preceitos pitagoacutericos Em uacuteltima instacircncia
Filoacutestrato apresenta a cultura grega como superior agrave cultura de outros povos
A Iacutendia natildeo conserva apenas esses valores mas simula a Greacutecia mais exatamente
Atenas devido agrave comparaccedilatildeo topograacutefica expliacutecita feita entre a torre dos bracircmanes e a
Acroacutepole (VA III 13) Aleacutem disso Filoacutestrato tambeacutem projeta na Iacutendia a figura de um
76
governante idealizado personificado em Fraotes Fraotes eacute um rei ideal porque teve junto aos
bracircmanes a formaccedilatildeo grega e portanto essa erudiccedilatildeo norteia suas accedilotildees A Iacutendia eacute entatildeo
como afirma Abraham (2009 p 11) o lugar onde a identidade grega existe em sua forma pura
e inalterada pela avidez imperialista
Parker (2008 p 259) reforccedila que a paideia como um ideal comum e conector das
elites locais foi divulgada mais intensamente por esses filoacutesofos no leste do Impeacuterio Romano
Pode-se dizer que promoveu a criaccedilatildeo de uma comunidade imaginada de homens eruditos
com base em uma visatildeo seletiva da histoacuteria Nesse mundo divergente os filoacutesofos gregos
tornaram-se siacutembolos de uma cultura comum entre os aristocratas em uma ampla aacuterea
geograacutefica Eacute nesse contexto que segundo o autor devemos ponderar com base na VA como
e por que os saacutebios indianos capturaram a imaginaccedilatildeo greco-romana
Em particular a figura dos bracircmanes oferece a oportunidade de construir um ideal ao
mesmo tempo improvaacutevel e desejaacutevel que era o da sabedoria sem a paideia (PARKER 2008
p 304-305) Poreacutem na VA Filoacutestrato se apropria e faz outro uso da figura dos bracircmanes eles
representam o apogeu o limite maacuteximo da sabedoria justamente porque sua sabedoria e seus
ritos dialogam com o modelo claacutessico ateniense
Abraham (2014 p 472-473) infere que Paraca eacute mais uma realizaccedilatildeo da frequente
citaccedilatildeo de Apolocircnio de que ldquopara o homem saacutebio a Greacutecia estaacute em todos os lugares e ele natildeo
considera nem acredita que algum lugar seja deserto ou baacuterbaro se ele estiver vivendo sob a
visatildeo da virtuderdquo (σοφῷ ἀνδρὶ Ἑλλὰς πάντα καὶ οὐδὲν ἔρημον ἢ βάρβαρον χωρίον οὔτε
ἡγήσεται ὁ σοφὸς οὔτε νομιεῖ ζῶν γε ὑπὸ τοῖς τῆς ἀρετῆς ὀφθαλμοῖς ndash VA I 34) Logo
independentemente de onde estiver o homem saacutebio eacute sempre um homem saacutebio na medida em
que ele a todo momento se comporta como um Essa consistecircncia de caraacuteter tem um efeito
transformador em sua localizaccedilatildeo permitindo que ele encontre a Greacutecia em todos os lugares
Em essecircncia estar na Greacutecia equivale a ter autoconhecimento e viver esse
autoconhecimento A realizaccedilatildeo da Greacutecia na Iacutendia assim explicada pela correlaccedilatildeo entre
autoconhecimento e helenismo Iarcas abrindo-se as indaganootildees de Apolocircnio afirma
ldquopergunte o que vocecirc quiser pois vocecirc se encontra entre um povo que sabe tudordquo (VA III
18) Apolocircnio entatildeo pergunta se os bracircmanes conhecem a si proacuteprios pois os gregos
consideram difiacutecil afirmar que se autoconhecem Iarcas curiosamente responde sabemos
todas as coisas uma vez que primeiro nos conhecemos (πάντα γιγνώσκομεν ἐπειδὴ πρώτους
ἑαυτοὺς γιγνώσκομεν - VA III 18) O autoconhecimento continua o autor considerado uma
coisa difiacutecil de se adquirir no pensamento grego se torna o ponto de partida da filosofia dos
bracircmanes
77
Finalmente natildeo podemos deixar de ter em mente que escrever eacute um ato poliacutetico Sem
desconsiderar o deleite que uma leitura pode proporcionar uma de nossas surpresas foi
perceber como a VA foi um instrumento poliacutetico Sob o domiacutenio imperial Romano o escritor
grego Flaacutevio Filoacutestrato viveu entre os seacuteculos II e III durante o governo da dinastia dos
Severos (193-225) De forma simplificada entendemos o Impeacuterio Romano como um difusor e
infusor de identidades e culturas e esse foi um periacuteodo de questionamentos para Filoacutestrato e
para os outros escritores da Segunda Sofiacutestica Pertencente agrave elite aleacutem de escritor Filoacutestrato
exerceu uma carreira poliacutetica na Greacutecia e manteve bom relacionamento com os Severos o que
lhe permitiu ter um contato mais proacuteximo com o cenaacuterio poliacutetico imperial em que viveu
Aleacutem de acompanhar o imperador Septiacutemio Severo em viagens Filoacutestrato tambeacutem
interagiu intelectualmente com a imperatriz Juacutelia Domna De acordo com Filoacutestrato foi a
pedido dela que ele escreveu a biografia de Apolocircnio Ao compor a VA o autor se apropriou
da figura de Apolocircnio e personificou nele o modelo idealizado de um homem saacutebio o qual
usou para criticar os governantes do Impeacuterio Romano Poreacutem suas criacuteticas dialogam natildeo
apenas com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato ou de Apolocircnio elas denotam
principalmente a aspiraccedilatildeo do autor de restaurar e afirmar a identidade e a cultura grega
claacutessica atribuindo-lhes o status de fonte da sabedoria e da cultura do ocidente
78
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NATHALIA THOMAZELLA
Sobre a natureza e os saacutebios hindus uma leitura de a Vida de
Apolocircnio de Tiana de Filoacutestrato
Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos Literaacuterios da Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais
como parte dos requisitos para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
Mestre em Letras na aacuterea de Literaturas Claacutessicas e
Medievais
Linha de Pesquisa Literatura Histoacuteria e Memoacuteria
Cultural
Orientador Prof Dr Jacyntho Joseacute Lins Brandatildeo
BELO HORIZONTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE LETRAS
2018
Ficha catalograacutefica elaborada pelos Bibliotecaacuterios da Biblioteca FALEUFMG
Thomazella Nathalia F488vYt-s Sobre a natureza e os saacutebios hindus [manuscrito] uma
leitura de a Vida de Apolocircnio de Tiana de Filoacutestrato Nathalia Thomazella ndash 2018
82 f enc il (pampb)
Orientador Jacyntho Lins Brandatildeo
Aacuterea de concentraccedilatildeo Literaturas Claacutessicas e Medievais
Linha de pesquisa Literatura Histoacuteria e Memoacuteria Cultural
Dissertaccedilatildeo (mestrado) ndash Universidade Federal de Minas
Gerais Faculdade de Letras
Bibliografia f 78-82
1 Filostrato Flaacutevio ca170-ca249 ndash Vida de Apolocircnio de Tiana ndash Criacutetica e interpretaccedilatildeo ndash Teses 2 Apolocircnio de Tiana ndash Teses 3 Filoacutesofos ndash Greacutecia ndash Biografia ndash Obras anteriores a 1800 ndash Teses 4 Sofistas (Filosofia grega) ndash Biografia ndash Teses 5 Iacutendia na literatura ndash Teses 6 O maravilhoso na literatura ndash Teses I Brandatildeo Jacyntho Lins II Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras III Tiacutetulo
CDD 8889
Agradecimentos
Ao professor Jacyntho pela orientaccedilatildeo paciente pelos conselhos e pelas correccedilotildees
Ao professor Teodoro por ter me ajudado a direcionar este trabalho pelos apontamentos
feitos e por ter lido meu Projeto de Dissertaccedilatildeo com tanto cuidado e atenccedilatildeo
Ao professor Antonio Orlando sempre soliacutecito pelo material de apoio e pelas conversas
enriquecedoras
Ao Dudu pela amizade
Ao Marcelo Brugger por termos passado pela experiecircncia do mestrado juntos
Aos meus pais Marcos e Rosana agradeccedilo com amor pelo exemplo e pelo acolhimento
Agrave Nayara por trazer leveza e alegria ao meu dia a dia
Ao Felipe pelo amparo pelo companheirismo pela paciecircncia e pelo carinho senza fine
Agrave Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio
financeiro
RESUMO
Este trabalho propotildee uma leitura e anaacutelise dos livros II e III da obra Vida de Apolocircnio
de Tiana de Filoacutestrato os quais se dedicam a descrever a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Nos
concentramos mais especificamente no que diz respeito agrave natureza exoacutetica e aos homens
saacutebios com os quais o personagem teve contato nesse paiacutes Nos capiacutetulos apresentamos e
discutimos algumas polecircmicas que circundam natildeo apenas a obra em si mas tambeacutem o proacuteprio
protagonista desse livro O corpus selecionado destaca trechos que valorizam os toacutepicos
estudados nessa pesquisa os quais possibilitam uma releitura natildeo apenas do personagem
como tambeacutem da forma com que a Iacutendia era retratada pelos gregos antigos
Palavras-chave Filoacutestrato Vida de Apolocircnio de Tiana maravilhoso saacutebios hindus
ABSTRACT
This study purposes a reading and an analysis of the books II and III of Philostratusrsquo
Life of Apollonius of Tyana which describe the Apollonius travel to India Mainly we focus
on this exotic nature and on the sages which the character had contact in that land In the
chapters we present and discuss some controversies that surround the work itself but also its
protagonist The selected corpus highlights sections that value the studied topics in this
research which enables a rereading not only of its character but also the way that India was
postrayed by the ancient Greeks
Key- words Philostratus Life of Apollonius of Tyana wonder hindu sages
5
SUMAacuteRIO
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS 6
INTRODUCcedilAtildeO 7
CAPIacuteTULO I 9
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA 9
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana 10
12 Quem era Apolocircnio de Tiana 12
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo 14
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano 19
14 Por que a Iacutendia 23
CAPIacuteTULO II 27
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA 27
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia 27
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites 29
23 O maravilhoso em VA 31
231 As maravilhas da Iacutendia 33
CAPIacuteTULO III 65
OS SAacuteBIOS HINDUS 65
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus 65
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia 67
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria 70
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes 72
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 74
REFEREcircNCIAS 78
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LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS
Ct = Cteacutesias de Cnido
Ind Indikaacute (Ἰνδικά)
Fil = Filoacutestrato
VS Vida dos Sofistas (Βίοι Σοφιστῶν)
VA Vida de Apolocircnio de Tiana (Τὰ ἐς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον1)
Hdt = Heroacutedoto
Hist Histoacuterias (Ἰστορἴαι)
Hes = Hesiacuteodo
Teog Teogonia (Θεογονία)
Hom = Homero
Il Iliacuteada (Ἰλιάς)
Od Odisseia (Οδύσσεια)
1 O tiacutetulo da obra eacute debatido entre os estudiosos De acordo com Swain (2013 p 81) o tiacutetulo da obra seria Τὰ ἐς
τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον o qual eacute usado pelos tradutores desde a ediccedilatildeo de 1844 de Kayser Poreacutem Boter (2015)
argumenta que o tiacutetulo mais genuiacuteno da obra seria Εἰς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον sendo o significado do tiacutetulo
intencionalmente ambiacuteguo pois poderia ser traduzido como Sobre Apolocircnio de Tiana ou Em honra a Apolocircnio
de Tiana
7
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo eacute continuaccedilatildeo da nossa pesquisa iniciada na Graduaccedilatildeo onde fizemos
um estudo e traduccedilatildeo da obra Indikaacute de Cteacutesias de Cnido Os fragmentos de Cteacutesias nos
apresentam a Iacutendia como uma terra selvagem habitada por seres hiacutebridos e por monstros com
medidas e riquezas exuberantes como sendo o limite do mundo Algumas das coisas
retratadas por Cteacutesias tiveram antecedente nas Histoacuterias de Heroacutedoto e a partir de entatildeo a
Iacutendia tornou-se um toacutepos do maravilhoso na literatura grega antiga Depois do Romance de
Alexandre os bracircmanes se tornaram uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana e desde entatildeo a Iacutendia eacute tida como maravilhosa natildeo apenas por suas caracteriacutesticas
fiacutesicas mas tambeacutem por sua sabedoria elevada (PARKER 2008 p 143 e 251)
Ao lermos a Vida de Apolocircnio de Tiana (VA) de Filoacutestrato percebemos que esta obra
dialoga com estas duas vertentes a respeito da Iacutendia Publicado em 217 (FRANCIS 1998 p
420) este livro narra a vida de Apolocircnio um filoacutesofo pitaacutegorico da cidade de Tiana situada
na regiatildeo da Capadoacutecia que teria vivido durante o reinado de Domiciano (81-96) Desde os
dezesseis anos Apolocircnio seguiu os preceitos pitagoacutericos e em busca de uma sabedoria
suprema teve como objetivo viajar ateacute os bracircmanes Consequentemente a Iacutendia ocupa um
lugar essencial na narrativa e dos oito livros que compotildeem a obra dois deles se dedicam a
descrever a experiecircncia de Apolocircnio junto aos hindus
Por esses motivos nos dedicamos a estudar os livros II e III da VA Dentro dessa
seleccedilatildeo selecionamos destacamos e traduzimos trechos que ressaltam o caraacuteter maravilhoso
da obra tanto os que dizem respeito agrave sua descriccedilatildeo geograacutefica e etnograacutefica quanto os que
retratam a sabedoria bracircmane Nos momentos em que encontramos alusotildees aos escritores
Heroacutedoto e Cteacutesias comparamos e contrastamos as fontes com a finalidade de perceber de
que modo a tradiccedilatildeo acerca da Iacutendia inciada por estes dois autores tem continuidade em
Filoacutestrato
Para isso dividimos o trabalho em trecircs capiacutetulos No primeiro capiacutetulo fizemos um
estudo sobre o autor Flaacutevio Filoacutestrato sua obra Vida de Apolocircnio de Tiana e a figura de
Apolocircnio de Tiana Discutimos sobre as polecircmicas e divergentes concepccedilotildees sobre o autor e a
personagem para entendermos melhor o contexto em que a obra foi escrita
No segundo capiacutetulo discorremos a respeito do caraacuteter maravilhoso da VA e
selecionamos trechos que descrevem a natureza hindu Dividimos em seccedilotildees que retratam a
descriccedilatildeo da geografia da hidrografia do clima da Iacutendia dos animais e dos seres exoacuteticos
8
narrados por Filoacutestrato Ao arrolar estas passagens cotejamos com trechos das Histoacuterias e dos
Indikaacute No terceiro capiacutetulo ao estudar sobre o contato que Apolocircnio teve com os bracircmanes
seus ritos e suas discussotildees percebemos como essa obra contribuiu para a formaccedilatildeo de um
modelo idealizado de uma cultura grega claacutessica unificada
Dessa forma sob a oacutetica de um escritor tardio que escreveu quase seiscentos anos
depois de Heroacutedoto e de Cteacutesias ainda lemos a Iacutendia ainda como uma terra maravilhosa
9
CAPIacuteTULO I
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA
De acordo com o Suda (leacutexico medieval bizantino que cataloga escritores e obras da
Antiguidade) existem trecircs escritores catalogados com o nome de Filoacutestrato no final do seacuteculo
II e iniacutecio do seacuteculo III (SILVA 2014a p 31) Destes trataremos de Flaacutevio Filoacutestrato
chamado de ldquoo Segundordquo filho de Filoacutestrato Vero Sabe-se que sua famiacutelia habitava a ilha de
Lemnos territoacuterio ateniense e que ele nasceu por volta de 170 (BOWIE 2009 p19)
Filho de uma famiacutelia abastada pertencente agrave ordem senatorial Filoacutestrato teve uma
educaccedilatildeo voltada aos interesses dessa camada social Foi um destacado sofista tanto em
Atenas quanto em Roma e viveu no Impeacuterio Romano durante o governo da dinastia dos
Severos (193 ndash 225) com a qual teve boas relaccedilotildees e a qual acompanhou em viagens (SILVA
2013a p 2) Ele tambeacutem teria sido membro do ciacuterculo social de Juacutelia Domna esposa do
imperador Septiacutemio Severo como nos informa o proacuteprio autor em um trecho de sua obra Vida
de Apolocircnio de Tiana
μετέχοντι δέ μοι τοῦ περὶ αὐτὴν κύκλου mdash καὶ γὰρ τοὺς ῥητορικοὺς πάντας λόγους
ἐπῄνει καὶ ἠσπάζετο mdash μεταγράψαι τε προσέταξε τὰς διατριβὰς ταύτας καὶ τῆς
ἀπαγγελίας αὐτῶν ἐπιμεληθῆναι τῷ γὰρ Νινίῳ σαφῶς μέν οὐ μὴν δεξιῶς γε
ἀπηγγέλλετο (VA I 3)
Quanto a mim que fazia parte do seu ciacuterculo (jaacute que ela elogiava e apreciava todos
os discursos retoacutericos) me incubiu ela de redigir estes ensaios e me ocupar da sua
publicaccedilatildeo pois [Dacircmis] o de Nino fez sua narrativa de forma clara mas natildeo
praacutetica2
Natildeo se sabe ao certo o que seria esse ciacuterculo social (κύκλου) nem se ele realmente
existiu Cogita-se a hipoacutetese de ter sido um grupo literaacuterio composto por alguns artistas e
escritores para discutir questotildees literaacuterias e filosoacuteficas ou um grupo seleto de intelectuais
2 A traduccedilatildeo para o portuguecircs desta passagem assim como a de outras que apareceratildeo ao longo deste trabalho eacute
de nossa autoria
10
formado por meacutedicos poetas escritores filoacutesofos juristas historiadores e membros do
ciacuterculo imperial (SILVA 2014a p 49) 3
Aleacutem desse contato com a imperatriz Filoacutestrato tambeacutem exerceu cargos poliacuteticos De
acordo com indicaccedilotildees epigraacuteficas o autor foi general hoplita4 em Atenas provavelmente nos
anos 200 e 210 e representante do governo de sua cidade (BOWIE 2009 p19-20) Ademais
acredita-se que a estaacutetua que haacute em Oliacutempia eacute dedicada a Flaacutevio Filoacutestrato na qual lecirc-se a
seguinte inscriccedilatildeo ldquoAgrave Boa Fortuna segundo a decisatildeo do Conselho Oliacutempico o sofista
Flaacutevio Filoacutestrato de Atenas sofista a mais ilustre paacutetria elevou a estaacutetuardquo (SILVA 2014a p
33) Segundo Martiacutenez (2006 p 456 apud Silva 2014a p33) os sofistas eram usualmente
homenageados com estaacutetuas nas cidades gregas pois essa era uma forma de reconhecer seus
encargos puacuteblicos e poliacuteticos
Filoacutestrato escreveu algumas obras e atualmente satildeo reconhecidas como sendo de sua
autoria Vida de Apolocircnio de Tiana (a maior fonte de informaccedilotildees que temos sobre Apolocircnio)
Vida dos Sofistas Heroicos Imagens Cartas Ginaacutestico Nero e um discurso retoacuterico
conhecido como Diaacutelexis 2 (ELSNER 2009 p 4) Apesar de natildeo haver consenso entre os
pesquisadores sobre a autoria de todas essas obras considera-se que Vida de Apolocircnio de
Tiana (VA) e Vida dos Sofistas (VS) tenham sido escritas por Flaacutevio Filoacutestrato haja vista que
VA eacute citada em sua obra posterior VS (SILVA 2014 p 59) Estas satildeo as duas obras mais
conhecidas de Filoacutestrato sendo que VS eacute uma seacuterie de sessenta biografias de sofistas ceacutelebres
do Impeacuterio Romano dividida em dois livros e a VA eacute uma biografia sobre o saacutebio Apolocircnio
de Tiana composta por dois volumes tendo cada um deles oito livros
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana
Feita sob encomenda da imperatriz Juacutelia Domna Filoacutestrato escreveu as memoacuterias de
Apolocircnio um saacutebio da cidade de Tiana pertencente agrave regiatildeo da Capadoacutecia (VA I 3) que
teria vivido cerca de um seacuteculo antes durante o reinado de Domiciano (81 ndash 96) Foi
publicada provavelmente depois da morte da imperatriz em 217 (FRANCIS 1998 p 420)
A obra descreve o nascimento de Apolocircnio e sua juventude devotada agrave aprendizagem
dos princiacutepios pitagoacutericos e do autoconhecimento Posteriormente ele empreende uma seacuterie
de viagens passando por vaacuterias regiotildees com o objetivo principal de chegar agrave Iacutendia e de se
3 Para uma discussatildeo detalhada sobre esse assunto cf Silva 2014a p 49 - 52
4 Nesse periacuteodo essa magistratura se encarregava especialmente de assegurar o abastecimento alimentiacutecio da
cidade
11
encontrar com os bracircmanes hindus em busca do conhecimento filosoacutefico (VA I 18 32 II
11 III 16 29 IV 47) Durante o percurso satildeo narradas as impressotildees reflexotildees o diaacutelogo
de Apolocircnio com cidadatildeos e reis suas intervenccedilotildees poliacuteticas as curas e os milagres feitos por
ele Francis (1998 p 420) sintetiza a obra afirmando que Apolocircnio ldquoviaja pelo mundo
mediterracircneo discursando sobre a verdadeira filosofia e religiatildeo pregando ideais culturais
gregos profetizando e realizando milagresrdquo e ldquoquando retorna da Iacutendia Apolocircnio eacute
aclamado pelo mundo cultural grego e se envolve ativamente nos negoacutecios das cidades da
Aacutesia Menor e da Greacutecia (IV 2-33)rdquo
Nesse sentido a VA eacute uma biografia embora seja considerada demasiadamente longa
sendo uma das biografias mais extensas que sobreviveram da Antiguidade com conteuacutedos
demasiadamente variados (KEMEZIS 2014 p 62) O proacuteprio autor usa a palavra βίος em VA
(V 39) 5 talvez para caracterizar sua obra talvez com a intenccedilatildeo de transformar Apolocircnio em
um modelo de homem a ser seguido por seu valor moral ou ainda para dar credibilidade agrave
obra (SILVA 2014a p 86) Com base na historiografia do periacuteodo claacutessico e desenvolvido
no periacuteodo heleniacutestico esse gecircnero literaacuterio teve como uma de suas caracteriacutesticas principais
biografar pessoas que serviriam de exemplo para a comunidade (SILVA 2012 p 2)
Martiacutenez e Dosse tambeacutem discutem essa relaccedilatildeo entre biografia e vidas exemplares na
Antiguidade O primeiro afirma que a biografia serve para veicular as ideias sobre o
comportamento moral individual tornando-se com isso um instrumento de ideologia poliacutetica
(MARTIacuteNEZ 2004 p 48) O segundo enuncia que nessa eacutepoca o discurso das virtudes foi
incorporado agrave biografia e consequentemente estabeleceram-se modelos moralizantes (2009
p 123 apud Carvalho 2011 p 131) Esses modelos entatildeo formaram uma tradiccedilatildeo na
Antiguidade a tradiccedilatildeo dos valores heroicos e apoacutes a cristianizaccedilatildeo a dos valores religiosos
sendo ambos embasados em vidas exemplares (CARVALHO 2011 p 131)
Contudo o gecircnero literaacuterio da VA ainda eacute bastante debatido De uma forma geral os
comentadores classificam a obra em um determinado gecircnero literaacuterio mas afirmam que o
texto tem caracteriacutesticas muito evidentes de outros gecircneros Os estudiosos que consideram
esse texto como biografia satildeo Zeitlin (2001) Abraham (2009) Elsner (2009) e Silva (2014)
Bowie (2009) por outro lado o tem como romance Jaacute Pajares em sua introduccedilatildeo da traduccedilatildeo
da VA para a Editorial Gredos (1992) afirma que esse texto tem predominantemente
caracteriacutesticas biograacuteficas mas com influecircncia da paradoxografia (obras dedicadas agrave
5 ldquoQuanto a mim vou afastar desse homem jaacute que natildeo foi minha intenccedilatildeo difamaacute-lo mas possibilitar o relato da
vida de Apolocircnio a quem ainda natildeo a conhecerdquo (VA V 39) Texto grego ἐμοὶ δὲ ἀφεκτέα τοῦ ἀνδρός οὐ γὰρ
ἐκεῖνον διαβαλεῖν προὐθέμην ἀλλὰ παραδοῦναι τὸν Ἀπολλωνίου βίον τοῖς μήπω εἰδόσι
12
exploraccedilatildeo de maravilhas ou coleccedilotildees de mirabilia)6 do romance e da aretologia Para
Uytfanghe (2009) a VA eacute uma hagiografia (relatos ou biografias de homens santos) enquanto
que para Cornelli (2001) trata-se de uma aretologia Por fim Holzberg (1996) e Flinterman
(2009) a classificam como biografia ficcional ao passo que Francis (1998) a considera um
gecircnero formado com todas essas caracteriacutesticas
Para compor a VA Filoacutestrato afirma ter usado como fontes i) informaccedilotildees coletadas
em cidades nas quais Apolocircnio era adorado e em templos restaurados por ele ii) cartas
escritas pelo proacuteprio Apolocircnio nas quais discorria a respeitos dos deuses dos costumes dos
princiacutepios morais das leis aleacutem de comentar sobre as falhas humanas (VA I 2) iii) relatos
deixados por pessoas com quem ele teve contato como reis sofistas filoacutesofos e homens
gregos indianos e egiacutepcios iv) um livro de memoacuterias de Dacircmis disciacutepulo de Apolocircnio v) e
um livro de Maacuteximo de Egas no qual o autor registra a passagem de Apolocircnio por essa
cidade Aleacutem destas fontes Filoacutestrato diz ainda ter consultado um livro escrito por
Moeragenes Contudo Filoacutestrato afirma ter rejeitado essa fonte pelo fato de o autor ser
ignorante de vaacuterios aspectos da vida de Apolocircnio (VA I 3)
12 Quem era Apolocircnio de Tiana
Apolocircnio de Tiana nasceu na Capadoacutecia em meados de 40 iniacutecio da era cristatilde Teria
sido um saacutebio itinerante e filoacutesofo neopitagoacuterico Enquanto esteve vivo natildeo se tornou muito
famoso salvo no norte da Siacuteria e na Aacutesia Menor onde era conhecido como um mago
beneficente e um curador Na biografia feita por Filoacutestrato Apolocircnio eacute universalmente
aclamado influente e ateacute mesmo um homem semidivino que teria feito muitos milagres
profecias e exorcizado democircnios Quando morreu seu corpo e sua alma teriam ascendido ao
ceacuteu (YSSELT 1994 p 351)
De acordo com Flinterman (2009 p 157 ndash 158) Apolocircnio teria direcionado sua vida
segundo os preceitos definidos por Pitaacutegoras Esses preceitos eram basicamente a renuacutencia
ao uso de produtos de origem animal da vestimenta agrave alimentaccedilatildeo e a rejeiccedilatildeo dos sacrifiacutecios
de animais Fazia parte tambeacutem desse estilo de vida asceacutetico a praacutetica do silecircncio entre seus
seguidores
6 De acordo com Nichols (2011 p 30) a partir do seacutec III aC no periacuteodo heleniacutestico a paradoxografia jaacute
aparece como um gecircnero literaacuterio bem desenvolvido
13
Seguindo os passos de Pitaacutegoras aos dezesseis anos Apolocircnio decide aderir a esse
estilo de vida (VA I 7) Desse modo primeiramente Apolocircnio renunciou ao consumo de
carne com o argumento de que esta era impura e deixava a mente impolida passando a seguir
uma dieta agrave base de frutas secas e vegetais Abdicou tambeacutem da ingestatildeo do vinho pois
apesar de ser uma bebida pura desequilibrava a mente (VA I 8)7 Depois de desintoxicar seu
corpo Apolocircnio parou de usar qualquer produto de origem animal como sapatos e soacute usava
vestes de linho (VA I 8)8 Aleacutem disso deixou crescer seu cabelo (VA I 8) e sua barba Sobre
isso Flinterman (2009 p 159) destaca que no iniacutecio do periacuteodo imperial o cabelo comprido
era considerado uma caracteriacutestica distintiva dos filoacutesofos pitagoacutericos Todavia Apolocircnio
privou-se tambeacutem da vida conjugal e do sexo mantendo o celibato Nesse caso contudo o
celibato foi uma medida tomada aleacutem dos preceitos do pitagorismo pois Filoacutestrato menciona
que Pitaacutegoras era renomado por defender a monogamia (VA I 13)
9 Ademais ele natildeo
participava e era contra sacrifiacutecios de sangue tanto em ritos religiosos quanto em espetaacuteculos
de gladiadores (VA I 10 31 IV 22 V 25) Por fim fez voto de silecircncio durante cinco anos
(VA I 14 - 15)
Assim segundo Filoacutestrato o modo de vida de Apolocircnio propiciaria um conhecimento
privilegiado do mundo e uma comunicaccedilatildeo com a esfera divina Nesse sentido o diaacutelogo com
o rei parto Vardanes eacute ilustrativo Nele Apolocircnio diz que Pitaacutegoras o ensinou a venerar os
deuses e a estar atento a eles independentemente se eles eram visiacuteveis ou natildeo e a estar
frequentemente em diaacutelogo com eles bem como se vestir com o linho produto natildeo de origem
animal mas da terra e da aacutegua Tambeacutem faziam parte desse aprendizado manter o cabelo
longo como disciplina se manter puro ao natildeo consumir carne e natildeo acompanhar algueacutem no
consumo de bebidas alcooacutelicas assim como natildeo viver uma vida ociosa ou luxuosa mas
auxiliar as pessoas que tecircm problemas de conduta (VA I 32)
7 Como descrito na proacutepria obra para Apolocircnio o vinho ldquoera uma bebida pura por vir aos homens de uma planta
tatildeo bem cultivada mas era contraacuterio agrave formaccedilatildeo da mente por escurecer o eacuteter que havia na almardquo (VA I 8)
Texto grego καὶ τὸν οἶνον καθαρὸν μὲν ἔφασκεν εἶναι πῶμα ἐκ φυτοῦ οὕτως ἡμέρου τοῖς ἀνθρώποις ἥκοντα
ἐναντιοῦσθαι δὲ τῇ τοῦ νοῦ συστάσει διαθολοῦντα τὸν ἐν τῇ ψυχῇ αἰθέρα 8 Essa caracteriacutestica eacute bem marcada no momento em que o rei indiano Fraotes lhe daacute vaacuterios presentes e Apolocircnio
aceita apenas as vestes de linho como consta no trecho que segue ldquoO hindu lhe deu ouro pedras preciosas
vestidos de linho e milhares de coisas Apolocircnio disse que tinha ouro o suficiente pois Vardanes tinha dado a
ele escondido dele ao guia mas que aceitaria os vestidos de linho porque se assemelhavam ao manto filosoacutefico
dos antigos e eram mesmo aacuteticosrdquo (VA II 40) Texto grego καὶ χρυσίον δὲ ἐδίδου ὁ Ἰνδὸς καὶ ψήφους καὶ
ὀθόνας καὶ μυρία τοιαῦτα ὁ δὲ Ἀπολλώνιος lsquoχρυσίον μὲνrsquo ἔφη lsquoἱκανὸν ἑαυτῷ εἶναι δόντος γε Οὐαρδάνου τῷ
ἡγεμόνι ἀφανῶς αὐτό τὰς δὲ ὀθόνας λαμβάνειν ἐπειδὴ ἐοίκασι τρίβωνι τῶν ἀρχαίων τε καὶ πάνυ Ἀττικῶν 9 Sobre esse assunto cf tambeacutem Flinterman 2009 p 161
14
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo
Em VA Apolocircnio eacute afamado por seu estilo de vida asceacutetico bem como por fazer
milagres Dadas essas caracteriacutesticas em alguns momentos da narrativa Apolocircnio eacute chamado
de θεῖος ἀνήρ (homem divino) Justi (2012 p 15) nos informa que o principal elemento
associado ao termo eacute que o homem divino possui caracteriacutesticas excepcionais expressas por
meio do poder miraculoso e da sabedoria extraordinaacuteria Um homem assim identificado era
geralmente itinerante e tido por seus seguidores como um salvador divino graccedilas aos seus
poderes prodigiosos
Alguns dos milagres realizados por Apolocircnio foram i) salvar a cidade de Eacutefeso de
uma praga (IV 10) ii) exorcizar democircnios (IV 20) iii) curar um jovem rapaz em Tarso que
fora mordido por um catildeo raivoso (VI 43) iv) prever a morte do imperador Domiciano (VIII
26)
FIGURA 1 - Apolocircnio curando um jovem ateniense possuiacutedo (VA IV 20) (imagem superior) Apolocircnio
ressuscita uma garota morta em Roma (VA IV 45) (imagem inferior) Desenho de Johannes Stradanus (Bruges
I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings vol 32
n 04 1994 p 353
15
Ademais ele eacute reconhecido como divino em diversas passagens do texto10
Em uma
delas o rei indiano Fraotes escreve uma carta ao bracircmane Iarcas o saacutebio hindu mais antigo
aconselhando-o a dar igualdade de tratamento a Apolocircnio
ἐπιστελῶ δὲ καὶ Ἰάρχᾳ τῷ πρεσβυτάτῳ τῶν σοφῶν ἵν᾽ Ἀπολλώνιον μὲν ὡς μηδὲν
κακίω ἑαυτοῦ δέξηται ὑμᾶς δὲ ὡς φιλοσόφους τε καὶ ὀπαδοὺς ἀνδρὸς θείουrsquo (VA
II 40)
[Fala de Fraotes] ldquoe escreverei tambeacutem a Iarca o mais velho dos saacutebios para que
receba Apolocircnio em nada pior do que eu proacuteprio e a noacutes como filoacutesofos e
seguidores um homem divinordquo
Ainda conforme Justi (2012 p 15) um nascimento maravilhoso uma carreira
marcada pelo dom da linguagem persuasiva e dominadora a capacidade de fazer milagres
(incluindo curas e adivinhaccedilotildees) e uma morte de alguma maneira extraordinaacuteria caracterizam
o termo θεῖος ἀνήρ11
Com exceccedilatildeo da morte natildeo descrita na VA todos os atributos acima
condizem com a vida de Apolocircnio Filoacutestrato no primeiro livro narra o nascimento de
Apolocircnio como um momento envolto em pressaacutegios (VA I 5) Haacute por exemplo a menccedilatildeo de
que ele seria a encarnaccedilatildeo do deus Proteu uma vez que esse deus teria aparecido agrave sua matildee
enquanto estava graacutevida predizendo o acontecimento o que confirmaria a sabedoria divina de
Apolocircnio (VA I 4) Aleacutem disso a apariccedilatildeo de um bando de cisnes momentos antes do seu
nascimento e a queda de um raio no instante do parto estariam associadas ao seu
favorecimento divino12
A imagem de Stradanus traduz bem essa cena
10
Como por exemploVA I 2 21 II 17 40 III 28 VII 38 VIII 13 23 11
Alguns autores vide Horsley (2013) Kemezis (2014) e Koskenniemi (2016) se opotildeem a essa concepccedilatildeo 12
O estudo de Miles (2016) trata sobre a relaccedilatildeo que haacute entre o aparecimento dos cisnes e os pressaacutegios ligados a
eles no momento do nascimento de Apolocircnio
16
FIGURA 2 - O nascimento de Apolocircnio de Tiana na Capadoacutecia (VA I 4-5) (imagem superior) e Apolocircnio de
Tiana admirando os relevos do templo em Taxila na Iacutendia (VA II 20) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Poreacutem foram os milagres que elevaram a fama de Apolocircnio Em virtude disso
Domiciano tentou descaracterizar o aspecto divino desses feitos Para tal o imperador o
processou afirmando que Apolocircnio conspirara contra ele (VA VII 20) No julgamento
Apolocircnio foi chamado de γόης que neste contexto tinha uma denominaccedilatildeo pejorativa13
pois
13
No entando γόης nem sempre teve uma denotaccedilatildeo pejorativa De acordo com Lloyd (1979 p 10 - 15) o
primeiro registro que temos de uma obra que aplicou o termo γόης de forma depreciativa eacute datada entre o final
do seacuteculo V e iniacutecio do seacuteculo IV aC Natildeo apenas esse termo mas qualquer pretensatildeo de poder manipular
forccedilosamente o divino ou o sobrenaturalparece ter entrado em conflito com uma visatildeo mais racionalista da
religiatildeo Segundo o autor eacute ainda nos meados do seacuteculo V aC que temos evidecircncias de relatos racionalistas da
origem da religiatildeo e temos informaccedilotildees que relatam a rejeiccedilatildeo e a refutaccedilatildeo de algumas noccedilotildees maacutegicas como
no tratado hipocraacutetico Sobre a Doenccedila Sagrada (Περὶ ἱερῆς νοuacuteσου)
17
significava ser feiticeiro mago charlatatildeo impostor 14
Na sequecircncia ele foi processado por
i) ter sido adorado por algumas pessoas ii) ter predito a fome em Eacutefeso iii) ter proferido
algumas palavras em detrimento de Domiciano iv) ter visitado o entatildeo senador Nerva e ter
feito o sacrifiacutecio de um menino aacutercade em benefiacutecio deste v) e pelo modo de viver e de
vestir-se (VA VII 20) De todas a penuacuteltima acusaccedilatildeo era a mais grave (VII 20) Apoacutes o
testemunho de duas pessoas a favor de Apolocircnio ele proacuteprio se defendeu da seguinte forma
παρ᾽ ὅσον μὲν τοίνυν τῆς ἀληθείας ἡ γραφὴ ξυνετέθη δηλοῖ σαφῶς ἡ μαρτυρία τῶν
ἀνδρῶν οὐ γὰρ ἐν προαστείοις ἀλλ᾽ ἐν ἄστει οὐκ ἔξω τείχους ἀλλ᾽ ἐπ᾽ οἰκίας
οὐδὲ παρὰ Νερούᾳ παρὰ Φιλίσκῳ δέ οὐδὲ ἀποσφάττων ἀλλ᾽ ὑπὲρ ψυχῆς
εὐχόμενος οὐδ᾽ ὑπὲρ βασιλείας ἀλλ᾽ ὑπὲρ φιλοσοφίας οὐδ᾽ ἀντὶ σοῦ χειροτονῶν
νεώτερον ἀλλ᾽ ἄνδρα σώζων ἐμαυτῷ ὅμοιον (VA VIII 7)
Ateacute que ponto satildeo verdadeiras estas acusaccedilotildees mostra com clareza o testemunho
destes senhores pois eu natildeo estava na periferia mas na cidade natildeo estava fora das
muralhas mas em uma casa natildeo estava na casa de Nerva mas na de Filisco natildeo
estava decapitando mas clamando por uma vida natildeo em prol do reino mas da
filosofia natildeo votando contra ti e a favor de um mais jovem mas para salvar um
homem semelhante a mim
Diante desse contexto Silva (2016a p 126) acredita que o motivo da acusaccedilatildeo
tenha sido poliacutetico jaacute que o imperador possivelmente temia a influecircncia de Apolocircnio junto ao
povo Poreacutem ponderamos que o imperador temia o contato e a influecircncia de Apolocircnio junto agrave
corte ou aos ciacuterculos de poder
Por outro lado existe tambeacutem a possibilidade de que tanto a acusaccedilatildeo quanto a
defesa de Apolocircnio tenham sido inventadas por Filoacutestrato com o intuito de reverter a imagem
de Apolocircnio de γόης para θεῖος ἀνήρ (SILVA 2014 p 129) Dessa forma as praacuteticas com
natureza maacutegico-religiosa denunciadas por Domiciano seriam parte da sabedoria divina de
Apolocircnio (VA VIII 2 7) Isso faria dele um teurgo e segundo Silva (2013b p 3) a teurgia
era uma fusatildeo de rituais religiosos e especulaccedilotildees filosoacuteficas com uma base maacutegica De
acordo com Brandatildeo (1991 p 113)
a magia ligada agrave filosofia por um lado era considerada um conhecimento miacutestico
por outro lado era uma espeacutecie de conhecimento cientiacutefico o que fazia com que
fosse aceita por largas faixas das camadas mais eruditas do Impeacuterio Romano
14
Bailly 2000 p 443
18
Teriacuteamos assim a partir da VA o modelo de um homem saacutebio filoacutesofo e com
uma moral exemplar uma figura alvo de admiraccedilatildeo Aleacutem disso Apolocircnio carregaria consigo
os valores gregos para onde quer que fosse como veremos mais agrave frente
Por outro lado no contexto cristatildeo Apolocircnio de Tiana eacute uma figura muito
debatida Dentre as polecircmicas que o envolvem estaacute a comparaccedilatildeo dele com Jesus Cristo No
seacuteculo III Sosiano Hieacuterocles escreveu um tratado polecircmico contra Jesus no qual tentou usar a
imagem de θεῖος ἀνήρ representada por Apolocircnio como uma ferramenta contra o
cristianismo de seu tempo Embora esse tratado natildeo tenha sobrevivido eacute citado por Euseacutebio
de Cesareia que tentou veementemente proteger Jesus contra o ataque de Hieacuterocles em um
tratato intitulado Contra Hieacuterocles (SCHIRREN 2009 p 161- 162) De acordo com
Schirren (2009 p 162) o contraste que haacute entre essas duas figuras sob o ponto de vista
criacutetico-literaacuterio eacute que a vida de Jesus como narrada no Novo Testamento conta a histoacuteria do
filho de Deus sujeitando-se ao mal do mundo e superando o sofrimento humano sem
pronunciar uma palavra contra Pocircncio Pilatos que o condenou agrave morte Com isso Cristo se
torna o salvador do mundo Em contraste na VA Apolocircnio ergue-se contra os governantes
impiedosos do impeacuterio romano e mesmo depois de ter sido condenado agrave morte por sua
conduta ultrajante ainda tenta educar os tiranos para finalmente desaparecer quando lhe
parece apropriado15
Com isso a imagem de Apolocircnio de Tiana como descrita por Filoacutestrato teve
grande repercussatildeo nos primeiros seacuteculos do cristianismo E seacuteculos depois ainda
repercutia uma vez que inspirou o artista flamengo Johannes Stradanus (Bruges I523 -
Florenccedila 1605) a pintar uma seacuterie de pequenos quadros todos feitos agrave pena e tinta e
enumerados de um a dez De acordo com as legendas escritas na caligrafia do proacuteprio artista
os desenhos representam cenas da vida de Apolocircnio de Tiana e atualmente se encontram no
museu Cooper-Hewitt de Nova York (YSSELT 1994 p 351)
15
Outros autores que discutem esse tema satildeo Elsner (1997) Girard (1999) Koskenniemi (1998) Stratton (2003)
Jones (2006) e Silva (2014 segundo capiacutetulo)
19
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano16
Eacute muito difiacutecil definir ou atribuir uma identidade grega ou romana em meio a um
impeacuterio vasto e multicultural No seacuteculo V aC Heroacutedoto (Hist VIII 144) registra uma
oposiccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo (gregos) e os ldquooutrosrdquo (baacuterbaros) Isso natildeo deixa de ser um conceito ou
um criteacuterio de identificaccedilatildeo do que eacute ser grego (hellenikoacuten) ter o ldquomesmo sangue mesma
liacutengua santuaacuterios e sacrifiacutecios comuns haacutebitos e costumes semelhantesrdquo
Mas o tempo e o contexto de Filoacutestrato (seacuteculos II ndash III) jaacute natildeo eram mais iguais aos
do seacuteculo de Heroacutedoto Grego originaacuterio de Lemnos Filoacutestrato viveu durante o Impeacuterio
Romano em meio agrave heterogeneidade e agrave diversidade cultural Nessa eacutepoca a questatildeo da
identidade romana (ou identidades) incluiacutea o processo de romanizaccedilatildeo (da Itaacutelia e em seguida
do Impeacuterio) de um lado e a questatildeo da resistecircncia cultural a ela de outro De acordo com
Mendes (2004 p 258)
O conceito de Romanizaccedilatildeo em aplicaccedilatildeo pressupotildee um processo de mudanccedila
socioeconocircmica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos
implicando em diferentes formas de interaccedilatildeo cultural Nesta perspectiva fica
impliacutecito o reconhecimento de um contiacutenuo desenvolvimento da cultura material
nativa aberta a processos interativos diferentes em eacutepocas distintas e em resposta agraves
escolhas e demandas locais Por outro lado a Romanizaccedilatildeo tambeacutem eacute entendida
como um processo dialeacutetico na medida em que veicula os elementos culturais
fundamentais da identidade cultural romana e seu ajustamento com alteridades
culturais dos povos dominados
A assimilaccedilatildeo cultural das populaccedilotildees que foram integradas a Roma durante a
expansatildeo da Repuacuteblica e do Impeacuterio foi ldquoum processo de mudanccedila relacionado com as ideias
de controle social e identidaderdquo (MENDES 1999 p 307)
A proacutepria Roma por outro lado passou por um processo de helenizaccedilatildeo seacuteculos
antes Historiadores consideram que houve uma primeira helenizaccedilatildeo com a captura de
Tarento por Faacutebio Maacuteximo em 272 aC Posteriormente teria havido uma segunda
16
A palavra latina identitas eacute uma criaccedilatildeo tardia do seacuteculo IV usada especialmente por teoacutelogos cristatildeos para
definir a Trindade De fato no mundo romano eacute preciso primeiro ser capaz de identificar um indiviacuteduo atraveacutes
da atribuiccedilatildeo de um nome e de um status ligado ao grupo jaacute o termo latino persona refere-se primeiro agrave maacutescara
usada pelos atores antes de designar a pessoa gramatical ou entidade Mas ao contraacuterio do que aconteceu no
Impeacuterio Romano a noccedilatildeo de identidade na Greacutecia Antiga natildeo se deu devido ao uso recorrente de palavras e ao
que se constata ateacute hoje tambeacutem natildeo haacute textos em que a noccedilatildeo proacutepria de identidade apareccedila nem um termo
especiacutefico que tenha essa designaccedilatildeo (BAROIN WORMS 2006 p 1-2)
20
helenizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos desse mesmo seacuteculo com a tomada de Siracusa por Marco
Claacuteudio Marcelo em 212 aC (BAROIN WORMS 2006 p 8)
Como resultado desse processo os romanos receberam influecircncias gregas na
religiatildeo nas artes e nas relaccedilotildees sociais A exemplo disso citemos as praacuteticas e locais de oacutecio
(otium) que eram essencialmente caracterizados como gregos e que foram totalmente
inseridos na cultura romana como o banquete a filosofia e o teatro Com isso entendemos a
questatildeo da identidade como sendo um movimento constante e plural e a fusatildeo de costumes e
de praacuteticas natildeo se constroacutei somente em oposiccedilatildeo ao outro mas tambeacutem com o outro
(BAROIN WORMS 2006 p 8 - 9)
Nesse contexto de fusatildeo e de difusatildeo de identidades Filoacutestrato resgata e valoriza a
cultura grega claacutessica por meio de suas principais obras VS e VA Na Vida dos Sofistas o
tema eacute desenvolvido dentro da perspectiva dos papeacuteis desempenhados pelos sofistas na
Segunda Sofiacutestica (Δευτέρα σοφιστική) De acordo com Whitmarsh (2001 p 272) a
Segunda Sofiacutestica foi um acontecimento em que vaacuterios sofistas e escritores helenizados que
viviam no Impeacuterio Romano afirmaram sua identidade grega em torno de sua proacutepria cultura
atraveacutes da literatura e da retoacuterica estabelecendo um novo posicionamento cultural17
De
acordo com Abraham (2014 p 478) atribui-se a autoria do termo Segunda Sofiacutestica a
Filoacutestrato pois ele teria aparecido pela primeira vez em VS de acordo com os documentos
mais antigos que chegaram ateacute a atualidade
Jaacute na Vida de Apolocircnio de Tiana Filoacutestrato se utiliza do personagem Apolocircnio
para destacar aspectos da cultura grega claacutessica Se para Heroacutedoto era considerado grego
quem era nascido em terras gregas falava grego e compartilhava de haacutebitos e costumes
similares na VA satildeo outros os aspectos enfatizados Aqui percebemos que possuir a cultura
grega do periacuteodo claacutessico atraveacutes do domiacutenio da liacutengua da literatura e da filosofia tem um
valor maior do que ter nascido na Greacutecia
Nesse sentido a palavra baacuterbaro cuja etimologia remete a ldquoestrangeiro que fala
de forma balbuciante e natildeo se entende o que dizrdquo adquire outra dimensatildeo No periacuteodo das
Guerras Meacutedicas (seacuteculo V aC) ldquobaacuterbarordquo tinha o sentido de ldquonatildeo gregordquo criando entatildeo a
oposiccedilatildeo entre ἕλλην e βάρβαρος18
Assim a liacutengua era a maior marca de distinccedilatildeo de quem
era grego ou natildeo Whitmarsh (2001 p 272) afirma que na Atenas dos seacuteculos V - IV aC o
17
Atualmente eacute comum a ideia de que os filoacutesofos e os sofistas desempenhavam os mesmos papeacuteis durante o
ldquorenascimento cultural gregordquo ocorrido nos trecircs primeiros seacuteculos aC advinda com a Segunda Sofiacutestica O
estudo de Sidebottom 2009 p 69 ndash 99 eacute indicado para tratar sobre esse assunto 18
Chantraine 1968 p 164 ndash 165
21
dialeto aacutetico era usado pela elite intelectual em oposiccedilatildeo ao demoacutetico falado pelo povo
sendo essa uma das maiores distinccedilotildees sociais Mesmo natildeo sendo ateniense Apolocircnio na VA
fala habilmente o aacutetico ldquoSua liacutengua era o aacutetico e isso natildeo mudava por causa do seu sotaque
dada a sua regiatildeo de origemrdquo (ᾗ γράμματα μνήμης τε ἰσχὺν ἐδήλου καὶ μελέτης κράτος καὶ ἡ
γλῶττα Ἀττικῶς εἶχεν οὐδ᾽ ἀπήχθη τὴν φωνὴν ὑπὸ τοῦ ἔθνους VA I 7)
Quando Apolocircnio conheceu seu companheiro de viagens e futuro disciacutepulo
Dacircmis este se dispocircs a guiaacute-lo e a ser seu tradutor Todavia como resposta Apolocircnio diz que
entendia todas as liacutenguas mesmo sem ter aprendido nenhuma pois entendia o silecircncio (VA I
19) A dispensa de um tradutor soacute se torna eficaz para Apolocircnio pelo fato de que em seus
encontros com outros povos algueacutem sempre falava grego (REGER 2007 p 262) Dada a
improbabilidade de esses fatos terem ocorrido dessas coincidecircncias interpretamos que o
monolinguismo dos encontros eacute uma das estrateacutegias que Filoacutestrato encontrou para valorizar a
liacutengua grega no contexto da Segunda Sofistica
Aleacutem disso outros aspectos da cultura grega claacutessica satildeo retomados quando Apolocircnio
demonstra ter domiacutenio da literatura da filosofia e da mitologia Satildeo citados os poemas
homeacutericos Iliacuteada e Odisseia (VA II 14 III 27 V 7 14 22 26 36 VIII 4 5 7 16 11 13)
Hesiacuteodo (VA V 21) Esopo (VA V 14) Arquiacuteloco (VA II 7) Eacutesquilo (VA VI 11) Soacutefocles
(VA IV 38 VI 4) Euriacutepides (VA II 14 32 IV 21 VII 5 14) Piacutendaro (VA VI 26)
Tuciacutedides (VA VII 25) Soacutecrates (VA VI 10 19 VIII 2) e Platatildeo (VA IV 36 VII 3)
Sendo integrante de uma elite cabia a Filoacutestrato resgatar sinais e traccedilos de uma
antiga identidade grega e tentar recompocirc-la e reativaacute-la construindo um modelo exemplar do
que eacute ser grego com a figura de Apolocircnio
As elites gregas podem ou melhor devem ir a fundo em sua cultura ndash eacute por ela
graccedilas a ela que podem reivindicar seu lugar e legitimar seu direito nesse impeacuterio
greco-romano cuja sorte foi decidida na Batalha de Aacutecio Tal eacute o sentido desse
movimento literaacuterio e poliacutetico dessa estrateacutegia cultural chamada Segunda Sofiacutestica
A Vida de Apolocircnio eacute parte do empreendimento de reconquista e de re-apropriaccedilatildeo
ativa do passado grego participando de sua recriaccedilatildeo ndash do processo em atividade
em toda sociedade viva de fabricaccedilatildeo ou de invenccedilatildeo da tradiccedilatildeordquo (HARTOG
2004 p 21 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Essa re-apropriaccedilatildeo e recriaccedilatildeo se torna muito mais aparente quando Filoacutestrato
descreve a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Laacute ele se comunica com os indianos em grego e se
admira com o conhecimento que eles tecircm dessa liacutengua (VA III 12) Na sua primeira estada
22
Apolocircnio eacute acolhido pelo rei Fraotes de Taxila Em um primeiro momento os dois se
comunicam com o intermeacutedio de um inteacuterprete ateacute o rei lhe confessar que tambeacutem falava
grego
lsquoἔδεισαrsquo ἔφη lsquoθρασὺς δόξαι μὴ γιγνώσκων ἐμαυτόν μηδ᾽ ὅτι βάρβαρον εἶναί με
δοκεῖ τῇ τύχῃ σοῦ δὲ ἡττηθείς ἐπειδὴ καὶ σὲ ὁρῶ ἐμοὶ χαίροντα οὐκ ἠδυνήθην
ἐμαυτὸν κρύπτειν ὡς δὲ μεστός εἰμι τῆς Ἑλλήνων φωνῆς ἐν πολλοῖς δηλώσωrsquo
(VA II 27)
Eu receava vocecirc achar que eu fosse arrogante quando ainda natildeo me conhecia a mim
mesmo e pensar que eu fosse um baacuterbaro natildeo por decisatildeo da sorte Mas apoacutes ter te
cativado porque vejo que me estimas natildeo posso me esconder assim te convencerei
de vaacuterias formas que sou bem profeciente na liacutengua grega
Ademais o rei hindu tambeacutem evidencia que a filosofia grega eacute altamente estimada em
seu paiacutes (VA II 30) e menciona ter lido uma peccedila denominada ldquoOs filhos de Heacuteraclesrdquo
passando a impressatildeo de que leituras desse gecircnero eram comuns para ele (VA II 32) Fraotes
tambeacutem interage com a cultura grega atraveacutes da praacutetica de esportes
τὰ δὲ ἐφ᾽ ἑκάτερα δρόμοι ἦσαν ἐν οἷς ἀκοντίῳ τε καὶ δίσκῳ τὸν Ἑλληνικὸν τρόπον
ἑαυτὸν ἐξήσκει καὶ γὰρ τὸ σῶμα ἔρρωτο ὑπό τε ἡλικίας mdash ἑπτὰ γὰρ καὶ εἴκοσιν ἔτη
γεγονὼς ἦν mdash ὑπό τε τοῦ ὧδε γυμνάζεσθαι ἐπεὶ δὲ ἱκανῶς ἔχοι ἐπήδα ἐς τὸ ὕδωρ
καὶ ἐγύμναζεν ἑαυτὸν τῷ νεῖν ὡς δὲ ἐλούσαντο ἐβάδιζον ἐς τὸ συσσίτιον
ἐστεφανωμένοι τουτὶ δὲ νενόμισται Ἰνδοῖς ἐπειδὰν ἐς τοῦ βασιλέως πίνωσιν (VA
II 27)
havia em ambos lados pistas de corrida nas quais agrave maneira grega se exercitava em
dardo de arremesso e disco pois tinha o corpo forte pela idade ndashele tinha vinte e sete
anos ndash e por praticar ginaacutestica assim Depois de se exercitar o suficiente ele saltava
na aacutegua e treina por conta proacutepria nataccedilatildeo
Ao final da estadia de Apolocircnio junto a Fraotes e antes de ele partir a caminho de
Paraca cidade dos bracircmanes o rei escreve uma carta de recomendaccedilatildeo em grego a Iarcas o
homem mais antigo e saacutebio entre os bracircmanes hindus Chegando laacute Apolocircnio se surpreende
ao ser recebido por um mensageiro que tambeacutem falava a liacutengua grega (VA III 12) Aleacutem
disso depois de ler a carta de Fraotes Iarcas faz uma breve correccedilatildeo demonstrando grande
domiacutenio da liacutengua grega
23
τὸν δὲ Ἀπολλώνιον ἰδὼν φωνῇ τε ἠσπάσατο Ἑλλάδι καὶ τὰ τοῦ Ἰνδοῦ γράμματα
ἀπῄτει θαυμάσαντος δὲ τοῦ Ἀπολλωνίου τὴν πρόγνωσιν καὶ γράμμα γε ἓν ἔφη
λείπειν τῇ ἐπιστολῇ δέλτα εἰπών παρῆλθε γὰρ αὐτὸν γράφοντα (VA III 16)
Ao vecirc-lo Apolocircnio o saudou em liacutengua grega e lhe pediu a carta do hindu Apolocircnio
se surpreendeu com sua clarividecircncia e Iarcas reparou que faltava uma letra na carta
um delta seguramente que a quem escreveu tinha passado desapercebido
Em outro episoacutedio Dacircmis companheiro de viagem de Apolocircnio tambeacutem se
admira com o conhecimento do bracircmane com relaccedilatildeo ao grego
ταῦτα τοῦ Ἰνδοῦ διελθόντος ἐκπεσεῖν ὁ Δάμις ἑαυτοῦ φησιν ὑπ᾽ ἐκπλήξεως καὶ
ἀναβοῆσαι μέγα μὴ γὰρ ἄν ποτε νομίσαι ἄνδρα Ἰνδὸν ἐς τοῦτο ἐλάσαι γλώττης
Ἑλλάδος μηδ᾽ ἄν εἴπερ τὴν γλῶτταν ἠπίστατο τοσῇδε εὐροίᾳ καὶ ὥρᾳ διελθεῖν
ταῦτα (VA III 36)
Enquanto o indiano discorria sobre estas coisas Damis afirma que ficou espantado e
que ele falou com fluecircncia Ele jamais havia pensado que um indiano poderia
dominar assim a liacutengua grega aliaacutes nem pensava que um indiano conhecesse a
liacutengua grega tamanha foi a fluecircncia e a conveniecircncia com que ele discorreu
Aleacutem do conhecimento linguiacutestico alguns dos costumes e dos rituais dos saacutebios
hindus tambeacutem estatildeo ligados agrave cultura grega i) o momento em que os saacutebios cantam uma
canccedilatildeo que se assemelha ao peatilde de Soacutefocles cantado em Atenas em honra a Ascleacutepio (VA III
17) ii) quando citam Homero (VA III 20 22 27) iii) discutem sobre justiccedila (VA III 24)
sobre a moral grega (VA III 25) sobre mitos gregos (VA III 25) filosofia (VA III 28) e
cosmogonia (VA III 34) Esses aspectos seratildeo analisados no terceiro capiacutetulo desse trabalho
14 Por que a Iacutendia
Geograficamente na Antiguidade Claacutessica reconhecia-se como Iacutendia a regiatildeo que se
estendia do rio Indo ateacute a costa ocidental da Peniacutensula Iacutendica Os principais acessos entre essa
regiatildeo e o Mediterracircneo eram feitas sobretudo atraveacutes do Mar Araacutebico do Golfo Peacutersico e
do Mar Vermelho ou ainda pelo planalto indiano Peacutersia e Mesopotacircmia Fora isso a
Bactriana e o Punjab (atuais Afeganistatildeo e Paquistatildeo) tambeacutem eram consideradas como de
domiacutenio hindu (RODRIGUES 2016 p 168)
24
Todo esse territoacuterio eacute um dos que mais se destaca na literatura grega antiga como um
produtor de maravilhas O verbete θαυμάσιος significa maravilhoso admiraacutevel e espantoso19
Haacute tambeacutem de mesma raiacutez o verbo θαυμάζω cujo sentido eacute o de surpreender-se ver com
espanto ou admiraccedilatildeo admirar venerar20
e o substantivo θαῦμα maravilha respectivamente
Esses termos satildeo comumente utilizados pelos escritores gregos para descrever a Iacutendia e seu
povo
Como exemplo mais antigo temos Ciacutelax de Carianda (seacutec VI aC) marinheiro e
explorador grego Participou entre 519 e 512 aC da expediccedilatildeo do rei persa Dario I para
explorar o curso do rio Indo Apoacutes ter alcanccedilado o mar ele natildeo apenas navegou pelo oceano
Iacutendico mas foi ateacute o mar Vermelho explorando algumas regiotildees da Araacutebia tendo concluiacutedo
essa viagem em trinta meses (HEROacuteDOTO Hist IV 44) Com isso Ciacutelax teria contribuiacutedo
para a Iacutendia ser vista como uma regiatildeo repleta de maravilhas e socialmente perfeita cuja
populaccedilatildeo detinha grande sabedoria (ESPELOSIacuteN LARGACHA GIRVEacuteS 1994 p 198)
Heroacutedoto tambeacutem descreveu sobre a Iacutendia e seu povo em suas Histoacuterias Nessa obra
tudo o que eacute relacionado aos hindus e ao seu paiacutes eacute tido como estranho e maravilhoso A
exemplo disso o autor nos informa que os indianos tecircm relaccedilotildees sexuais em puacuteblico como
animais (Hist III 101) e que alguns deles os padeus se alimentam de carne humana
matam os enfermos sacrificam e comem os idosos (Hist III 99) Outros natildeo tecircm casa e se
alimentam soacute de ervas (Hist III 100) Nesse sentido Morais (2004 p 54 e 76) comenta que
a descriccedilatildeo dos comportamentos hindus feita por Heroacutedoto se assemelha mais agrave dos
selvagens e que dessa forma eles natildeo transmitiriam sabedoria aos demais povos sendo seus
costumes estranhos e opostos aos da civilizaccedilatildeo mostrando uma visatildeo completamente
diferente da exposta por Cilax
Cteacutesias de Cnido (seacutec V-IV aC) tambeacutem escreveu sobre a Iacutendia e seu povo
Diferentemente dos outros autores Cteacutesias compocircs um livro dedicado inteiramente a esse
tema no qual descreve a geografia e a etnografia hindus os Ἰνδικά (Sobre a Iacutendia) A partir
dos fragmentos remanescentes descobrimos por um lado uma Iacutendia povoada apenas por
seres hiacutebridos e monstros selvagens como a μαρτιχόρα (manticora) (fr VII) e o paacutessaro
δίκαιρον (dikairon) (fr XVII) Por outro lado sua populaccedilatildeo se restringe a seres humanoides
com costumes distintos e estranhos como os κυνοκέφαλοι (cinoceacutefalos) (fr XX) e os
πυγμαῖοι (pigmeus) (fr XI)
19
Bailly 2000 p 918 20
Bailly 2000 p 918
25
Ateacute mesmo as dimensotildees e as quantidades tornam a natureza e a geografia
extraordinaacuterias o rio Indo mede 40 estaacutedios21
de largura e 200 de extensatildeo (fr I) existe uma
fonte na qual ao inveacutes de fluir aacutegua jorra ouro liacutequido (fr IV) Eacute diverso tambeacutem por suas
cores como as da ave βυττάκου (bittakos) cuja face eacute cor de puacuterpura a barba escura e a sua
nuca eacute escura tal qual cinaacutebrio (fr III) Romm (1989 p 121 - 135 apud SANO 2008 p 68)
considera que foi Cteacutesias o fundador de uma tradiccedilatildeo literaacuteria que descreve as ldquomaravilhas da
Iacutendiardquo e que alguns dos acontecimentos narrados por ele encontrariam antecedentes no
folclore indiano
Nesse periacuteodo houve tambeacutem um desenvolvimento da prosa escrita tanto do romance
quanto da historiografia Assim gecircneros literaacuterios como a paradoxografia a faacutebula e o
proacuteprio romance seguiram diferentes abordagens da realidade O caso da Iacutendia eacute indicativo de
novos desenvolvimentos suas caracteriacutesticas distintivas podem ser atribuiacutedas a um periacuteodo
anterior da cultura grega mas eacute no proacuteprio periacuteodo heleniacutestico que eles se juntam com uma
nova intensidade (PARKER 2008 p 47) Com isso maravilhas e monstros caracterizaram as
narrativas sobre esse paiacutes Aleacutem disso uma outra peculiaridade da Iacutendia era o fato dela ser
descrita como a fronteira do mundo A proacutepria obra de Cteacutesias informava que natildeo havia
populaccedilatildeo aleacutem do rio Indo22
Seguindo essa loacutegica Alexandre o Grande preparou uma expediccedilatildeo com o intuito de
conquistar as terras indianas acreditando ser a Iacutendia o limite do mundo Essa campanha teve
por outro lado um grande efeito no que diz respeito ao acesso de informaccedilotildees que os gregos
tinham ateacute entatildeo sobre a Iacutendia (PARKER 2008 p 59)
Seacuteculos mais tarde Luciano de Samoacutesata (125-180 dC) em suas Narrativas
Verdadeiras menciona Cteacutesias chamando-o de mentiroso23
por conta de suas obras Isso natildeo
soacute sintetizou a maacute reputaccedilatildeo de Cteacutesias como tambeacutem retomou o debate acerca de narrativas
sobre fatos verdadeiros e ficcionais (PARKER 2008 p 47) Assim a Iacutendia continuou a ser
um dos temas principais no contexto do discurso do maravilhoso
Outros escritores que escreveram sobre a Iacutendia foram Megaacutestenes (seacuteculo IV aC) em
sua obra Iacutendica Estrabatildeo (seacuteculo I aC) em Geografia Claacuteudio Eliano (seacuteculo I) em Sobre a
natureza dos animais Xenofonte de Eacutefeso (seacuteculo II ndash I) em Efesiacuteacas Arriano de
21
Medida de percurso equivalente a 17760 m 22
ldquoQue homens natildeo habitam aleacutem de laacuterdquo Texto grego Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους (Indikaacute
frag I) 23
ldquoCteacutesias de Cnido o filho de Ctesioco escreveu acerca do paiacutes dos indianos e do que existe laacute coisas que ele
proacuteprio natildeo viu nem ouviu de algueacutem que dizia a verdaderdquo Traduccedilatildeo de Sano 2008 p6 Texto
grego Κτησίας ὁ Κτησιόχου ὁ Κνίδιος ὃς συνέγραψεν περὶ τῆς Ἰνδῶν χώρας καὶτῶν παρ᾽ αὐτοῖς ἃ μήτε αὐτὸς ε
ἶδεν μήτε ἄλλου ἀληθεύοντος ἤκουσεν (Narrativas Verdadeiras I 3)
26
Nicomeacutedia (seacuteculo II) em sua Anaacutebase de Alexandre e Nono de Panoacutepolis (seacuteculo V) em
sua Dionisiacuteacas
Em siacutentese a Vida de Apolocircnio de Tiana se mostra inovadora ao abordar a temaacutetica do
maravilhoso juntamente com o resgate dos valores culturais claacutessicos Aleacutem de encontrarmos
vestiacutegios dessa tradiccedilatildeo repleta de maravilhas e caracteriacutesticas peculiares acompanhamos
Apolocircnio em uma jornada em busca da sabedoria
27
CAPIacuteTULO II
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA
A partir das fontes brevemente analisadas no primeiro capiacutetulo vimos que a Iacutendia eacute
um lugar de destaque nas narrativas gregas antigas devido ao seu exotismo e sua diversidade
natural Na VA curiosamente o caminho feito por Apolocircnio eacute marcado natildeo apenas por esse
exotismo mas principalmente pelos vestiacutegios encontrados de um passado grego Apolocircnio se
depara com rastros de Dioniso do macedocircnio Alexandre e faz alusotildees a escritores gregos
antigos como Heroacutedoto e Cteacutesias de Cnido Assim seraacute com base nessas referecircncias bem
como o mundo natural hindu narrado que mostraremos uma Iacutendia descrita sob a oacutetica de
Filoacutestrato
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia
Algumas das remissotildees que comentaacutevamos haacute pouco se datildeo na chegada de Apolocircnio e
de seus companheiros agrave Iacutendia Seguindo o relato de Filoacutestrato para adentrarem a regiatildeo rumo
agrave cidade dos bracircmanes Paraca os viajantes precisariam passar por uma montanha Nisa Ao
se aproximarem desta o guia de viagem os informou de que Dioniso ldquoagiardquo sobre ela e por
isso Apolocircnio supocircs que laacute aconteciam coisas maravilhosas (θαυμαστὰ) (VA II 7) Ao
subirem se depararam com um templo abandonado do deus
ἀνελθόντες οὖν ἱερῷ Διονύσου ἐντυχεῖν φασιν ὃ δὴ Διόνυσον ἑαυτῷ φυτεῦσαι
δάφναις περιεστηκυίαις κύκλῳ τοσοῦτον περιεχούσαις τῆς γῆς ὅσον ἀπόχρη νεῷ
ξυμμέτρῳ κιττόν τε περιβαλεῖν αὐτὸν καὶ ἀμπέλους ταῖς δάφναις ἄγαλμά τε ἑαυτοῦ
ἔνδον στήσασθαι γιγνώσκοντα ὡς ξυμφύσει τὰ δένδρα ὁ χρόνος καὶ δώσει τινὰ ἀπ᾽
αὐτῶν ὄροφον ὃς οὕτω ξυμβέβληται νῦν ὡς μήτε ὕεσθαι τὸ ἱερὸν μήτ᾽ ἀνέμῳ
ἐσπνεῖσθαι δρέπανα δὲ καὶ ἄρριχοι καὶ ληνοὶ καὶ τὰ ἀμφὶ ληνοὺς ἀνάκειται τῷ
Διονύσῳ χρυσᾶ καὶ ἀργυρᾶ καθάπερ τρυγῶντι τὸ δὲ ἄγαλμα εἴκασται μὲν ἐφήβῳ
Ἰνδῷ λίθου δὲ ἔξεσται λευκοῦ ὀργιάζοντος δὲ αὐτοῦ καὶ σείοντος τὴν Νῦσαν
ἀκούουσιν αἱ πόλεις αἱ ὑπὸ τῷ ὄρει καὶ ξυνεξαίρονται (VA II 8)
28
Tendo eles subido [a montanha] dizem que se depararam com um templo de
Dioniso o qual foi plantado pelo proacuteprio Dioniso que plantou loureiros rodeando
em ciacuterculo tatildeo grande que envolve a terra quanto bastava a um templo simeacutetrico E
ele tambeacutem colocou ao redor dos loureiros hera e videira ergueu uma estaacutetua para si
mesmo sabendo que no tempo em que as aacutervores crescessem juntas elas mesmas
umas sobre as outras dariam um teto com o qual assim se deparam agora entatildeo a
chuva natildeo o molha nem o vento sopra sobre o templo E havia foices cestas e vasos
e ao redor havia vasos consagrados a Dioniso como se fossem para um colhedor de
uvas dourados e prateados E a estaacutetua se assemelha a um jovem indiano e era de
pedra branca E ele celebrando e fazendo tremer o Nisa as cidades abaixo da
montanha ouvem e se afervoram
Logo em seguida o autor resume uma discussatildeo entre indianos e gregos a respeito de
Dioniso Por um lado os gregos diziam que Dioniso teria feito uma expediccedilatildeo agrave Iacutendia tanto
como soldado quanto como farrista Esses argumentos seriam embasados em uma oferenda
existente em Delfos onde dentre os tesouros preservados havia um disco de prata indiana
com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoDioniso o [filho] de Secircmele e de Zeus dos hindus a Apolo de
Delfosrdquo (ΔΙΟΝΥΣΟΣ Ο ΣΕΜΕΛΗΣ ΚΑΙ ΔΙΟΣ ΑΠΟ ΙΝΔΩΝ ΑΠΟΛΛΩΝΙ ΔΕΛΦΩΙ VA
II 9) Essa pode ser uma alusatildeo agrave Biblioteca Histoacuterica de Diodoro Siacuteculo (90 - 30 aC) na
qual o autor narra a expediccedilatildeo beacutelica e festejadora de Dioniso agrave Iacutendia e o apresenta como
divindade civilizadora que ao chegar a um povo nocircmade confere-lhes os atributos de sua
proacutepria cultura (PARKER 2008 p 47)24
Os indianos por outro lado apontavam duas diferentes origens para Dioniso Os que
habitavam a regiatildeo do Caacuteucaso e ao longo do rio Coacutefen afirmavam que Dioniso fora um
visitante assiacuterio conhecedor do deus tebano e de seus feitos Jaacute os que habitavam entre o rio
Indo Hidraotes e a regiatildeo continental ateacute o rio Ganges declaravam que o verdadeiro Dioniso
era filho do proacuteprio rio Indo Por sua vez o Dioniso de Tebas tornara-se seu disciacutepulo e
tomando o seu tirso passara a utilizaacute-lo em suas orgias Esse Dioniso de Tebas afirmava ser
filho de Zeus e ter sido criado na coxa de seu pai ateacute nascer Zeus entatildeo encontrou uma
montanha chamada Μηρόν (ldquocoxardquo) fronteira com o monte Nisa e nela plantou videiras em
homenagem a seu filho (VA II 9)
24
Em Biblioteca Histoacuterica Diodoro Siacuteculo apresenta tambeacutem Heacuteracles como divindade civilizadora na Iacutendia
poreacutem na VA Heraacutecles tem origem egiacutepcia e natildeo grega (VA II 3)
29
Segundo Grimal (2005 p 122) apoacutes ter nascido da coxa de Zeus e ser levado para
longe da Greacutecia para Nisa seu pai o transformou em cabrito para que Hera raivosa natildeo o
reconhecesse Quando se tornou adulto descobriu a videira e o seu uso Sofreu ainda alguns
impasses com Hera ateacute que em um dado momento Dioniso se dirigiu agrave Iacutendia regiatildeo que
conquistou numa expediccedilatildeo semiguerreira semidivina subjulgando seu povo pela forccedila das
armas pois ele levava consigo um exerciacutecito A partir de entatildeo originou-se o cortejo triunfal
de que se fazia acompanhar o carro puxado por panteras e ornamentado com parras os
Silenos as Bacantes os Saacutetiros e outras divindades menores
Assim como Dioniso eacute tido como uma divindade marginal e exilada nas histoacuterias
claacutessicas a Iacutendia por sua vez tambeacutem representava a margem do mundo uma terra
desconhecida e diversa Na VA a interaccedilatildeo dos hindus com essa divindade aparece de forma
tatildeo difundida que ele eacute chamado de Niacutesio (Νύσιος) pelos indianos e por todos os outros povos
aleacutem da Nisa (VA II 2)
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites
Como discutido anteriormente os gregos jaacute tinham algumas informaccedilotildees a respeito da
Iacutendia no seacuteculo IV aC Poreacutem esta visatildeo foi bastante ampliada e modificada apoacutes Alexandre
suceder seu pai Filipe II da Macedocircnia e realizar uma campanha de conquista da regiatildeo entre
327 e 325 aC Com isso ele expandiu os limites orientais do mundo grego avanccedilando para
aleacutem da fronteira da Iacutendia ateacute a bacia do rio Ganges (COURCELLES 2014 p 324)
Ao tentar reconstruir a expediccedilatildeo de Alexandre agrave Iacutendia o maior problema que os
historiadores tecircm enfrentado eacute o da escassez de fontes As dificuldades se datildeo pelo fato de que
os primeiros registros existentes que chegaram ateacute noacutes satildeo de cerca de trecircs seacuteculos depois de
sua ocorrecircncia provavelmente reflexos dos relatos perdidos de Caliacutestenes (360-328 aC)
Onesiacutecrito (360-290 aC) Aristoacutebulo (375-301 aC) e de Nearco Ainda assim existem
seacuterias duacutevidas sobre o caraacuteter dessas fontes e em que medida elas poderiam ser reconstruiacutedas
(PARKER 2008 p 34)
Natildeo obstante quatrocentos anos depois Apolocircnio ainda encontra vestiacutegios da
passagem de Alexandre pela Iacutendia Haacute resquiacutecios do contato que Alexandre teve com o rei
hindu Poro e do embate travado entre os dois conhecido como a Batalha de Hidaspes Na
30
regiatildeo de Taxila fortificada agrave maneira grega existia um templo de aproximadamente cem
peacutes de altura no qual estavam gravadas as faccedilanhas de ambos os reis (VA II 20) Segundo
Filoacutestrato essas gravuras registravam o momento em que Poro ferido era restabelecido como
saacutetrapa apoacutes a vitoacuteria de Alexandre Ainda segundo o autor Poro ao saber da morte do rei
macedocircnio havia lhe dedicado essas gravuras e passado a se portar de forma moderada
guiando suas accedilotildees pelo desejo de agradar a Alexandre (VA II 20)
Partindo de Taxila Apolocircnio se deparou com uma estaacutetua de Alexandre em uma biga
de quatro mastros representando ao que Filostrato sugere o momento em que ele confrontou
os saacutetrapas de Dario Um pouco mais adiante encontrou dois portotildees um deles com a estaacutetua
do rei Poro e o outro com uma estaacutetua de Alexandre reproduzindo o momento em que os
dois se saudaram apoacutes a batalha de Hidaspes (VA II 42)
Apoacutes atravessarem o rio Hidraotes e alcanccedilarem o Hifaacutesis Apolocircnio e seus
companheiros de viagem encontraram tambeacutem altares dedicados a Alexandre (VA II 43)
Neles havia uma coluna de metal na qual estava inscrito ldquoAlexandre avanccedilou ateacute aquirdquo
(ΑΛΕΞΑΝΔΡΟΣ ΕΝΤΑΥΘΑ ΕΣΤΗ) ldquopara honrar o limite do seu Impeacuteriordquo (τὸ τῆς ἑαυτοῦ
ἀρχῆς τέρμα τιμῶντος) Poreacutem adiante desse marco para aleacutem do Hifaacutesis Filoacutestrato afirma
que os hindus ergueram uma outra coluna esta para marcar o orgulho dos indianos por
Alexandre natildeo ter avanccedilado mais em seu territoacuterio (VA II 43) Do mesmo modo quando
Apolocircnio estava em contato com os bracircmanes hindus haacute a menccedilatildeo de que aquele local nunca
fora visitado por Alexandre (VA II 33)
A nosso ver neste ponto Filoacutestrato sobrepotildee Apolocircnio a Alexandre Se por um lado
Alexandre tinha sido o uacutenico ocidental a alcanccedilar aquelas fronteiras por outro Apolocircnio as
ultrapassa e adentra ainda mais nas terras hindus Assim na VA Alexandre eacute lembrado pela
sua grandeza e por seus feitos passados mas tambeacutem por suas limitaccedilotildees Nesse sentido
Abraham (2014 p 467) argumenta que Filoacutestrato sobrepotildee a campanha do conquistador agrave
jornada do filoacutesofo e ao fazer contiacutenuas menccedilotildees aos memoriais de Alexandre transforma a
expediccedilatildeo de Apolocircnio em uma reconstituiccedilatildeo da expediccedilatildeo de Alexandre
31
23 O maravilhoso em VA
O relato etnograacutefico do viajante que narra as maravilhas encontradas em suas
aventuras entre os confins do mundo e as fronteiras do conhecidodesconhecido eacute um
toacutepos do discurso geograacutefico Com raiacutezes em Homero esse tipo de narrativa foi se
consolidando cada vez mais e a partir da autoacutepsia de Heroacutedoto ou seja o processo de ver
com os proacuteprios olhos o viajante passou a discursar com mais autoridade pois fala de
algo que vira com os proacuteprios olhos e que supostamente nenhum outro grego tinha visto25
Nos poemas homeacutericos e hesioacutedicos o θαυμάσιος o maravilho eacute qualificado e
dimensionado com o uso de adjetivos
Para qualificar o thocircma26
Homero e Hesiacuteodo utilizam o adjetivo ldquogranderdquo (meacutegas)
mas essa grandeza de thocircma natildeo se mede associado a meacutegas encontramos com
efeito deinoacutes terriacutevel formidaacutevel O ldquomilagrerdquo eacute pois grande ou terriacutevel ndash e grande
porque terriacutevel (HARTOG 2014 p 265 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Exemplos do uso desses adjetivos empregados com essa denotaccedilatildeo estatildeo nos trechos
abaixo na Odisseia como atributo da voz de Zeus na Iliacuteada com relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da
peleja do combate e na Teogonia como caracteriacutestica de um monstro
Ἠὼς δ᾽ ἐκ λεχέων παρ᾽ ἀγαυοῦ Τιθωνοῖο
ὤρνυθ᾽ ἵν᾽ ἀθανάτοισι φόως φέροι ἠδὲ βροτοῖσιν
οἱ δὲ θεοὶ θῶκόνδε καθίζανον ἐν δ᾽ ἄρα τοῖσι
Ζεὺς ὑψιβρεμέτης οὗ τε κράτος ἐστὶ μέγιστον
Alccedila-se a Aurora do leito onde estava o preclaro Titono
para que a luz aos eternos levasse e aos mortais transitoacuterios
quando nos tronos os deuses se foram sentar tendo ao meio
Zeus cuja voz eacute atroante de forccedila e poder muito grandes
(Od V 1-4 traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes)
25
Morais (2008 p 17) examina a relaccedilatildeo entre ver e maravilhar-se em Heroacutedoto jaacute Parker (2008 p 119)
discorre sobre a autoacutepsia como ferramenta de autoridade em um discurso 26
A palavra θαῦμα aparece em Heroacutedoto como θῶμα (CHANTRAINE 1968 p 424)
32
lsquoαἰδὼς Ἀργεῖοι κοῦροι νέοι ὔμμιν ἔγωγε
μαρναμένοισι πέποιθα σαωσέμεναι νέας ἁμάς
εἰ δ᾽ ὑμεῖς πολέμοιο μεθήσετε λευγαλέοιο
νῦν δὴ εἴδεται ἦμαρ ὑπὸ Τρώεσσι δαμῆναι
ὢ πόποι ἦ μέγα θαῦμα τόδ᾽ ὀφθαλμοῖσιν ὁρῶμαι
δεινόν ὃ οὔ ποτ᾽ ἔγωγε τελευτήσεσθαι ἔφασκον
ldquoVergonha Argivos jovens mancebos Na vossa peleja
confiava eu para que se salvassem as nossas naus
Mas se voacutes desistis da guerra angustiosa agora
chega o dia de sermos subjugados pelos Troianos
Oacute amigos grande eacute a maravilha que meus olhos contemplam
coisa terriacutevel que nunca pensei poder vir a cumprir-serdquo
(Il XIII 95-100 traduccedilatildeo de Frederico Lourenccedilo)
ἣ δὲ Χίμαιραν ἔτικτε πνέουσαν ἀμαιμάκετον πῦρ
δεινήν τε μεγάλην τε ποδώκεά τε κρατερήν τε
τῆς δ᾽ ἦν τρεῖς κεφαλαί μία μὲν χαροποῖο λέοντος
ἣ δὲ χιμαίρης ἣ δ᾽ ὄφιος κρατεροῖο δράκοντος
πρόσθε λέων ὄπιθεν δὲ δράκων μέσση δὲ χίμαιρα
δεινὸν ἀποπνείουσα πυρὸς μένος αἰθομένοιο
Ela [a Viacutebora] pariu a Cabra que sopra irrepeliacutevel fogo
a terriacutevel e grande e de peacutes ligeiros e cruel
tinha trecircs cabeccedilas uma de leatildeo de olhos ruacutetilos
outra de cabra outra de viacutebora cruel serpente
Na frente leatildeo atraacutes serpente no meio cabra
expirando o terriacutevel furor do fogo aceso
(Teog 319-324 traduccedilatildeo de Jaa Torrano)
Posteriormente outros recursos passaram a ser incorporados a essa forma de narrativa
e operaccedilotildees como avaliar medir e contar se tornaram necessaacuterias para traduzir o
θαυμάσιος do mundo narrado Aleacutem disso a quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da
narrativa quanto mais θαυμάσιος houver maior seraacute o prolongamento da histoacuteria Com
isso o narrador eacute quem confere ao leitor as medidas do que se conta em um processo no
qual haacute um efeito de realidade causado pelo narrador em que o viajante ldquofaz crerrdquo no que
estaacute sendo contado sobre o outro Desse modo o θῶμα eacute um toacutepos do discurso etnograacutefico
(HARTOG 2014 p 261 ndash 263)
33
A VA tambeacutem nos eacute apresentada sob essa perspectiva uma narrativa repleta de
θαύματα de diversos tipos com uma grande variedade de animais exoacuteticos lugares de
geografia inusitada objetos e obras de arte magniacuteficas e povos com costumes e culturas
inimaginaacuteveis Aleacutem dessas caracteriacutesticas tanto as viagens quanto os milagres de
Apolocircnio tambeacutem satildeo exemplos de θαύματα (ELSNER 1997 p 25)
Como mencionado no primeiro capiacutetulo diversas caracteriacutesticas a respeito da Iacutendia jaacute
estavam presentes tanto em Heroacutedoto quanto em Cteacutesias A influecircncia desses dois autores
eacute bem evidente no terceiro livro da VA onde muitas dessas maravilhas satildeo desmitificadas
ou confirmadas por Apolocircnio que as potildee em xeque em um diaacutelogo com o saacutebio Iarcas
Aleacutem do que era exoacutetico e visualmente impactante seacuteculos mais tarde outro aspecto
do maravilhoso da Iacutendia se tornou um toacutepos literaacuterio a sabedoria dos bracircmanes e dos
gminosofistas27
das histoacuterias de Alexandre e da tradiccedilatildeo do Romance de Alexandre Se
por um lado os bracircmanes natildeo foram tratados nas narrativas de Cteacutesias e de Heroacutedoto a
partir desse momento eles se tornariam uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana (PARKER 2008 p 143 e 251) Na VA eles ocupam um papel central pois
chegar ateacute eles era o objetivo principal de Apolocircnio (VA I 18 32 II 11 III 16 29 IV
47) e esse contato com eles tambeacutem eacute parte do conteuacutedo maravilhoso da obra
231 As maravilhas da Iacutendia
Animais monstros seres hiacutebridos dimensotildees cores lugares construccedilotildees exuberantes
pedras e riquezas compotildeem a Iacutendia como um paiacutes exoacutetico diverso selvagem e
maravilhoso na indografia greco-romana Se Hartog (2014 p 261-263) afirma que a
quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da narrativa podemos afirmar que a Iacutendia
descrita por Filoacutestrato eacute extensa rica e profunda em suas peculiaridades Abaixo estatildeo
traduzidas passagens que remetem ao conteuacutedo maravilhoso dessa obra listadas e
divididas em grupos Os grupos arrolados satildeo i) lugares onde estatildeo descritas montanhas
planiacutecies e cidades ii) hidrografia com os nomes dimensotildees e particularidades dos rios
mencionados no texto iii) o clima da Iacutendia iv) animais onde satildeo detalhadas suas
27
Agraves vezes os dois termos satildeo usados de forma intercambiaacutevel agraves vezes eles se referem a diferentes grupos Em
alguns casos o termo eacute usado para se referir a sacerdotes egiacutepcios como em Filoacutestrato (PARKER 2008 p 255)
34
particularidades e as estoacuterias associadas a eles v) seres exoacuteticos compostos por
humanoides seres hiacutebridos e povos de cultura inusitada
Identificamos tambeacutem na VA uma forte influecircncia de Heroacutedoto e de Cteacutesias que
iniciaram essa tradiccedilatildeo a respeito da Iacutendia As descriccedilotildees que aludem a esses dois autores
estatildeo mencionadas ao longo do texto e os trechos referidos a eles estaratildeo expostos junto
com os da VA Quando houver uma referecircncia em comum entre os trecircs autores
respeitaremos a ordem cronoloacutegica entre eles
2311 Lugares
Durante a jornada de Apolocircnio satildeo descritos os lugares por onde ele passa e suas
impressotildees Em seu itineraacuterio pela Iacutendia Apolocircnio passa pela cordilheira do Caacuteucaso
registrando o aroma de canela e a aacutervore de pimenta existentes laacute passa por uma pedra
chamada ldquoSem paacutessarosrdquo pela planiacutecie irrigada do Ganges por Taxila pelo Templo do Sol
por Paraca pela torre dos saacutebios onde ele vecirc dois jarros um de chuva e o outro de vento
aleacutem de uma pedra magneacutetica pelas regiotildees de Balara de Selera de Pegadae e pela ilha
Biacuteblos
A cordilheira Caacuteucaso
Eacute narrado que ao se aproximarem da cordileira do Caacuteucaso Apolocircnio e seus
companheiros sentiram que a terra ficava mais perfumada (VA II 1) Sua extensatildeo eacute enorme
pois considera-se que o iniacutecio dessa montanha eacute no Touro e se estende atraveacutes da Armecircnia ateacute
Miacutecale e se estende ateacute a margem do mar onde vivem os carianos Ao contraacuterio do pico de
Miacutecale que natildeo eacute muito grande os do Caacuteucaso
καὶ αἱ ὑπερβολαὶ τοῦ Καυκάσου τοσοῦτον ἀνεστᾶσιν ὡς σχίζεσθαι περὶ αὐτὰς τὸν
ἥλιον περιβάλλει δὲ Ταύρῳ ἑτέρῳ καὶ τὴν ὅμορον τῇ Ἰνδικῇ Σκυθίαν πᾶσαν κατὰ
Μαιῶτίν τε καὶ ἀριστερὸν Πόντον σταδίων μάλιστα δισμυρίων μῆκος τοσοῦτον
γὰρ ἐπέχει μέτρον τῆς γῆς ὁ ἀγκὼν τοῦ Καυκάσου [] ὁ δὲ Καύκασος ὁρίζει μὲν
35
τὴν Ἰνδικήν τε καὶ Μηδικήν καθήκει δὲ ἐπὶ τὴν Ἐρυθρὰν θάλατταν ἑτέρῳ ἀγκῶνι
(VA II 2)
os picos do Caacuteucaso satildeo tatildeo elevados que o sol eacute cortado por eles Envolve com o
resto do Tauro toda a Ciacutetia que faz fronteira com a Iacutendia pelo Meoacutetis e a costa
esquerda do Ponto uma distacircncia quase de 20 mil estaacutedios pois nada menos que
isso eacute a extensatildeo de terra cercada pela depressatildeo do Caacuteucaso [] O Caacuteucaso limita
Iacutendia e Meacutedia e se estende por outra depressatildeo ateacute o Mar Vermelho
As montanhas do Caacuteucaso possuem ainda outras peculiaridades como por exemplo
os arbustos com cheiro de canela que aromatizam toda aquela regiatildeo e a aacutervore de pimenta
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho sentiram o aroma de
canela vinda dos arbustos por toda esse aacuterea
A canela do Caacuteucaso
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho e descrito
que esta faixa eacute densamente coberta por arbustos aromaacuteticos de canela
τοὺς μὲν δὴ πρῶνας τοῦ ὄρους τὸ κιννάμωμον φέρειν προσεοικέναι δὲ αὐτὸ νέοις
κλήμασι βάσανον δὲ τοῦ ἀρώματος τὴν αἶγα εἶναι κινναμώμου γὰρ εἴ τις αἰγὶ
ὀρέξειε κνυζήσεται πρὸς τὴν χεῖρα καθάπερ κύων ἀπιόντι τε ὁμαρτήσει τὴν ῥῖνα
ἐς αὐτὸ ἐρείσασα κἂν ὁ αἰπόλος ἀπάγῃ θρηνήσει καθάπερ λωτοῦ ἀποσπωμένη
(VA III 4)
Os contrafortes da montanha produzem canela que se assemelha a videiras novas
mas a cabra eacute a prova de que se trata daquele arbusto aromaacutetico pois se algueacutem
apresenta a canela a uma cabra ela gane na direccedilatildeo da matildeo igual a um cachorro e
ao sair ela o seguiraacute apoiando nela o focinho e se o pastor a afastar ela se
lamentaraacute como privada de loto
36
A aacutervore de pimenta
Nos montes dessa montanha crescem aacutervores aromaacuteticas muito altas e existem
diversas espeacutecies delas como eacute o caso das aacutervores de pimenta que satildeo cultivadas pelos
macacos (VA III 4)
τὸ δένδρον ἡ πεπερὶς εἴκασται μὲν τῷ παρ᾽ Ἕλλησιν ἄγνῳ τά τε ἄλλα καὶ τὸν
κόρυμβον τοῦ καρποῦ φύεται δὲ ἐν τοῖς ἀποτόμοις οὐκ ἐφικτὸς τοῖς ἀνθρώποις οὗ
λέγεται πιθήκων οἰκεῖν δῆμος ἐν μυχοῖς τοῦ ὄρους καὶ ὅ τι αὐτοῦ κοῖλον οὓς
πολλοῦ ἀξίους οἱ Ἰνδοὶ νομίζοντες ἐπειδὴ τὸ πέπερι ἀποτρυγῶσι τοὺς λέοντας ἀπ᾽
αὐτῶν ἐρύκουσι κυσί τε καὶ ὅπλοις (VA III 4)
A aacutervore de pimenta se parece com o salgueiro dos gregos em tudo incluindo os
ramos do fruto e cresce em ravinas que o homen natildeo alcanccedila e onde dizem habita
um povo de macacos em buracos na montanha e em qualquer concavidade dela os
quais satildeo tidos em alta estima pelos indianos porque eles colhem as pimentas eles
afastam deles os leotildees com catildees e armas
A pedra chamada ldquoSem paacutessarosrdquo
Haacute uma pedra perto do monte Nisa que se chamada ldquoSem Paacutessarosrdquo (Ἄορνον) Apesar
de natildeo terem ido ateacute ela os viajantes ouviram falar que Alexandre a capturou e a histoacuteria que
se conta sobre essa pedra estaacute assim descrita
Ἄορνος δὲ ὀνομάζοιτο οὐκ ἐπειδὴ στάδια πεντεκαίδεκα ἀνέστηκε πέτονται γὰρ καὶ
ὑπὲρ τοῦτο οἱ ἱεροὶ ὄρνιθες ἀλλ᾽ ἐν κορυφῇ τῆς πέτρας ῥῆγμα εἶναί φασι τοὺς
ὑπερπετομένους τῶν ὀρνίθων ἐπισπώμενον ὡς Ἀθήνησί τε ἰδεῖν ἐστιν ἐν προδόμῳ
τοῦ Παρθενῶνος καὶ πολλαχοῦ τῆς Φρυγῶν καὶ Λυδῶν γῆς ὑφ᾽ οὗ τὴν πέτραν
Ἄορνον κεκλῆσθαί τε καὶ εἶναι (VA II 10)
37
[a pedra] foi nomeada ldquoSem Paacutessarosrdquo natildeo porque alcanccedila quinze estaacutedios pois os
paacutessaros sagrados voam aleacutem dessa altura mas porque no pico da pedra haacute dizem
um abismo que puxa os paacutessaros como se vecirc que acontece tambeacutem em Atenas no
vestiacutebulo do Partenon e em muitos lugares da terra dos friacutegios e liacutedios Por esse
motivo a pedra eacute chamada e de fato eacute ldquoSem Paacutessarosrdquo
A planiacutecie irrigada do Ganges
Apoacutes atravessarem o Caacuteucaso eacute descrito que os viajantes viram uma planiacutecie lisa com
cortes e valas cheias de aacutegua algumas das quais transversais enquanto outras eram retas
Eram simples afluentes do rio Ganges dispostas como fronteiras e irrigavam tambeacutem a
planiacutecie quando a terra estava seca (VA III 5) Sobre esta terra
τὴν δὲ γῆν ταύτην ἀρίστην φασὶ τῆς Ἰνδικῆς εἶναι καὶ μεγίστην τῶν ἐκεῖ λήξεων
πεντεκαίδεκα ἡμερῶν ὁδοῦ μῆκος ἐπὶ τὸν Γάγγην ὀκτωκαίδεκα δὲ ἀπὸ θαλάσσης
ἐπὶ τὸ τῶν πιθήκων ὄρος ᾧ ξυμπαρατείνει πεδιὰς πᾶσα ἡ χώρα μέλαινά τε καὶ
πάντων εὔφορος ἰδεῖν μὲν γὰρ ἐν αὐτῇ στάχυας ἀνεστῶτας ὅσον οἱ δόνακες ἰδεῖν
δὲ κυάμους τριπλασίους τῶν Αἰγυπτίων τὸ μέγεθος σήσαμόν τε καὶ κέγχρον
ὑπερφυᾶ πάντα ἐνταῦθα καὶ τὰ κάρυα φύεσθαί φασιν ὧν πολλὰ πρὸς ἱεροῖς
ἀνακεῖσθαι τοῖς δεῦρο θαύματος ἕνεκα τὰς δὲ ἀμπέλους φύεσθαι μὲν μικράς
καθάπερ αἱ Λυδῶν τε καὶ Μαιόνων ποτίμους δὲ εἶναι καὶ ἀνθοσμίας ὁμοῦ τῷ
ἀποτρυγᾶν ἐνταῦθα καὶ δένδρῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι προσεοικότι τῇ δάφνῃ
φύεσθαι δὲ αὐτοῦ κάλυκα εἰκασμένην τῇ μεγίστῃ ῥόᾳ καὶ μῆλον ἐγκεῖσθαι τῇ
κάλυκι κυάνεον μέν ὥσπερ τῶν ὑακίνθων αἱ κάλυκες πάντων δὲ ἥδιστον ὁπόσα ἐξ
ὡρῶν ἥκει (VA III 5)
Eles dizem ser esta a melhor terra da Iacutendia e a maior das regiotildees sendo de quinze
dias a jornada ateacute o Ganges e de dezoito dias do mar ateacute a montanha dos macacos
por onde se estende Toda a regiatildeo eacute uma planiacutecie preta e feacutertil de tudo pois se pode
ver nela espigas crescendo como os juncos e se pode ver tambeacutem favas trecircs vezes
maiores que as do tipo egiacutepcio bem como seacutesamo e milho crescendo por todas as
partes E eles dizem que tambeacutem nascem nozes laacute das quais muitas satildeo ofertadas
nos templos daqui pelo que tecircm de admiraacutevel As videiras que crescem satildeo
pequenas como as dos liacutedios e meocircnios boas para beber e aromaacuteticas tatildeo logo se
arrancam Eles dizem que laacute se depararam tambeacutem com uma aacutervore que se
38
assemelha ao loureiro sobre a qual cresce um caacutelice comparaacutevel a uma granada
grande e dentro do caacutelice estaacute embutido um fruto azulado como os caacutelices de
jacinto o mais agradaacutevel de todos que as estaccedilotildees trazem
A regiatildeo de Taxila
Taxila eacute uma cidade importante na VA Eacute nela que Apolocircnio encontra vestiacutegios de
Alexandre e da batalha travada entre o macedocircnio e o rei indiano Poro conhecida como a
Batalha de Hidaspes Aleacutem disso eacute em Taxila que Apolocircnio tem o primeiro contato com um
rei indiano Fraotes um dos personagens mais importantes da Iacutendia da VA devido agrave forma
como governa e a seu conhecimento da cultura grega
Taxila segunda a narrativa tem a dimensatildeo de Niacutenive e eacute fortificada da mesma forma
que as cidades gregas Aleacutem dessas caracteriacutesticas que remetem agrave Greacutecia eacute descrito um
templo com o qual se surpreenderam de tatildeo belo
νεὼν δὲ πρὸ τοῦ τείχους ἰδεῖν φασιν οὐ παρὰ πολὺ τῶν ἑκατομπόδων λίθου
κογχυλιάτου καὶ κατεσκευάσθαι τι ἱερὸν ἐν αὐτῷ ἧττον μὲν ἢ κατὰ τὸν νεὼν
τοσοῦτόν τε ὄντα καὶ περικίονα θαυμάσαι δὲ ἄξιον χαλκοῖ γὰρ πίνακες
ἐγκεκρότηνται τοίχῳ ἑκάστῳ γεγραμμένοι τὰ Πώρου τε καὶ Ἀλεξάνδρου ἔργα
γεγράφαται δὲ ὀρειχάλκῳ καὶ ἀργύρῳ καὶ χρυσῷ καὶ χαλκῷ μέλανι ἐλέφαντες ἵπποι
στρατιῶται κράνη ἀσπίδες λόγχαι δὲ καὶ βέλη καὶ ξίφη σιδήρου πάντα καὶ ὥσπερ
λόγος εὐδοκίμου γραφῆς οἷον εἰ Ζεύξιδος εἴη τι ἢ Πολυγνώτου τε καὶ Εὐφράνορος
οἳ τὸ εὔσκιον ἠσπάσαντο καὶ τὸ ἔμπνουν καὶ τὸ ἐσέχον τε καὶ ἐξέχον οὕτως φασί
κἀκεῖ διαφαίνεται καὶ ξυντετήκασιν αἱ ὕλαι καθάπερ χρώματα ἡδὺ δὲ καὶ αὐτὸ τὸ
ἦθος τῆς γραφῆς (VA II 20)
dizem que viram um templo em frente da muralha de natildeo muito mais que cem peacutes
de pedra de calcaacuterio e que foi construiacutedo dentro dele um santuaacuterio algo menor com
relaccedilatildeo agrave grandeza do templo sendo esse cercado por colunas e digno de
maravilhar-se Havia taacutebuas de bronze em cada parede do templo com os feitos de
Poro e Alexandre registrados Foram gravados com oricalco prata ouro e bronze
escuro elefantes cavalos soldados elmos e escudos mas lanccedilas flechas e espadas
eram todas de ferro e como o assunto de uma pintura famosa tal qual as de Zecircuxis
Polignoto ou Eufranor que gostavam do claro-escuro do animado da profundidade
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e do relevo assim dizem tambeacutem ali tudo se mostrava e os materiais estavam
dispostos como cores E o caraacuteter da pintura era apraziacutevel por si mesmo
O Templo do Sol
Esse templo tambeacutem eacute caracterizado por sua beleza e riqueza e pedras preciosas e
imagens marcando a passagem de Apolocircnio naquela regiatildeo
ἱερὸν δὲ ἰδεῖν Ἡλίου φασίν ᾧ ἀνεῖτο Αἴας ἐλέφας καὶ ἀγάλματα Ἀλεξάνδρου
χρυσᾶ καὶ Πώρου ἕτερα χαλκοῦ δ᾽ ἦν ταῦτα μέλανος οἱ δὲ τοῦ ἱεροῦ τοῖχοι
πυρσαῖς λίθοις ὑπαστράπτει χρυσὸς αὐγὴν ἐκδιδοὺς ἐοικυῖαν ἀκτῖνι τὸ δὲ ἕδος αὐτὸ
μαργαρίτιδος ξύγκειται ξυμβολικὸν τρόπον ᾧ βάρβαροι πάντες ἐς τὰ ἱερὰ χρῶνται
(VA II 24)
E eles dizem ter visto um Templo do Sol no qual circulava o elefante Aacutejax e
esculturas de ouro de Alexandre e outras de Poro e eram estas de bronze escuro E
das paredes do templo sob pedras vermelhas brilhava o ouro emitiam um claratildeo
semelhante a um raio de sol O proacuteprio assento estava cercado de peacuterolas do modo
simboacutelico que usam todos os baacuterbaros nos templos
A cidade de Paraca
A cidade de Paraca eacute maravilhosa por nela acontecer o treino de caccedila aos dragotildees e
por nela se armazenarem as cabeccedilas desse animal no centro da cidade Aleacutem disso os
habitantes dessa regiatildeo entendem a linguagem animal Eacute a partir dessa cidade que Apolocircnio
chega ateacute a torre dos bracircmanes
τὴν δὲ πόλιν τὴν ὑπὸ τῷ ὄρει μεγίστην οὖσαν φασὶ μὲν καλεῖσθαι Πάρακα
δρακόντων δὲ ἀνακεῖσθαι κεφαλὰς ἐν μέσῃ πλείστας γυμναζομένων τῶν ἐν ἐκείνῃ
Ἰνδῶν τὴν θήραν ταύτην ἐκ νέων λέγονται δὲ καὶ ζῴων ξυνιέναι φθεγγομένων τε
καὶ βουλευομένων σιτούμενοι δράκοντος οἱ μὲν καρδίαν οἱ δὲ ἧπαρ προϊόντες δὲ
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αὐλοῦ μὲν ἀκοῦσαι δόξαι νομέως δή τινος ἀγέλην τάττοντος ἐλάφους δὲ ἄρα
βουκολεῖσθαι λευκάς ἀμέλγουσι δὲ Ἰνδοὶ ταύτας εὐτραφὲς ἡγούμενοι τὸ ἀπ᾽ αὐτῶν
γάλα (VA III 9)
E eles dizem que a cidade abaixo da montanha eacute grande e chama-se Paraca que no
centro ficam guardadas a maioria das cabeccedilas de dragotildees para os indianos de laacute
serem treinados a essa caccedila desde a juventude Dizem tambeacutem que eles entendem os
sons e as deliberaccedilotildees dos animais alimentando-se ou do coraccedilatildeo ou do fiacutegado do
dragatildeo Avanccedilando eles imaginaram ter ouvido a flauta de algum pastor ordenando
um rebanho mas logo deliberaram que eram corsas brancas pois os indianos as
guiam para ordenhaacute-las por causa de seu leite nutritivo
A torre dos saacutebios
A torre dos bracircmanes eacute o cenaacuterio principal da viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Eacute nela que
Apolocircnio chega ao limite maacuteximo de sua sabedoria e realiza o objetivo principal de sua
viagem chegar ateacute os bracircmanes
A descriccedilatildeo dessa torre eacute peculiar em vista de suas referecircncias e comparaccedilotildees com a
Acroacutepole de Atenas o que faz com que o leitor projete mentalmente o mapa da Greacutecia A
torre fica no topo de uma montanha e suas caracteriacutesticas satildeo
ὕψος μὲν εἶναι κατὰ τὴν Ἀθηναίων φασὶν ἀκρόπολιν ἀνίστασθαι δὲ ἐκ πεδίου ἄνω
εὐφυᾶ δὲ ὁμοίως πέτραν ὀχυροῦν αὐτὸν κύκλῳ περιήκουσαν (VA III 13)
tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da planiacutecie e
sua posiccedilatildeo natural o protege de ataques pois eacute rodeado por rochas em todos os
lados
Aleacutem disso em muitas partes dessa pedra eles viram rastros de pegadas e contorno de
barba e de rostos e viram marcas que pareciam de costas deslizadas (ἧς πολλαχοῦ δίχηλα
ὁρᾶσθαι ἴχνη καὶ γενειάδων τύπους καὶ προσώπων καί που καὶ νῶτα ἰδεῖν ἀπωλισθηκόσιν
ὅμοια - VA III 13) Essas marcas segundo a narrativa satildeo de quando Dioniso e Heacuteracles
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tentaram atacar e capturar a torre mas foram afastados pelos raios e pedras enviados pelos
bracircmanes
Existia tambeacutem uma nuvem que pairava sobre a torre
περὶ δὲ τῷ ὄχθῳ νεφέλην ἰδεῖν φασιν ἐν ᾗ τοὺς Ἰνδοὺς οἰκεῖν φανερούς τε καὶ
ἀφανεῖς καὶ ὅ τι βούλονται πύλας δὲ εἰ μὲν καὶ ἄλλας εἶναι τῷ ὄχθῳ οὐκ εἰδέναι τὸ
γὰρ περὶ αὐτὸν νέφος οὔτε ἀκλείστῳ ξυγχωρεῖν οὔτ᾽ αὖ ξυγκεκλεισμένῳ φαίνεσθαι
(VA III 13)
eles dizem ter visto uma nuvem atraacutes da montanha da morada dos hindus a qual
ficava visiacutevel ou invisiacutevel quando eles desejam E se tinha outro portatildeo na montanha
eles natildeo sabiam pois com a nuvem ao redor natildeo conseguiram ver se havia uma
abertura na muralha ou se por outro lado era uma fortaleza fechada
Os jarros de chuva e de vento dos bracircmanes
Outro prodiacutegio se encontra quando os personagens tendo entrado na torre viram dois
jarros de pedra preta um de chuva e outro de vento (καὶ διττὼ ἑωρακέναι φασὶ πίθω λίθου
μέλανος ὄμβρων τε καὶ ἀνέμων ὄντε - VA III 14) O jarro de chuva eacute aberto quando a Iacutendia
estaacute sofrendo de seca e entatildeo satildeo enviadas nuvens carregadas para todo o paiacutes mas se a
chuva passa a ser excessiva eacute interrompida quando o jarro eacute fechado Jaacute o jarro de vento eacute
comparado agrave caixa de Eacuteolo28
pois liberta um dos ventos o qual proporciona uma brisa fresca
que refresca todo o paiacutes (VA III 14)
A pedra magneacutetica
Na torre dos bracircmanes Iarcas mostra a Apolocircnio uma pedra que tem caracteriacutesticas
magneacuteticas e se assemelha agrave pedra pantarba descrita por Cteacutesias nestes termos
28
Provaacutevel referecircncia a Eacuteolo guardiatildeo dos ventos na Odisseia (Od X 1-4 21-22)
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Περὶ παντάρβας τῆς σφραγῖδος καὶ ὡς υοζʹ σφραγῖδας ἀπορριφείσας καὶ τιμίους
λίθους εἰς τὸν ποταμόν ἅτινα ἦν τοῦ Βακτρίων καπήλου αὐτὴ ἀνείλκυσεν ἐχομένας
ἀλλήλων (Ind frag II)
Fala sobre a pantarba uma pedra preciosa e que quando ela eacute jogada no rio 477
sinetes e pedras preciosas que eram de um comerciante de Bactra ela puxa de volta
presas umas com as outras
Na VA Iarcas confirma a existecircncia desta pedra e garante que o que dizem a respeito
de suas caracteriacutesticas magneacuteticas eacute verdade Aleacutem disso ele tambeacutem a disponibiliza a
Apolocircnio para que este a veja e comprove por si mesmo suas propriedades Nenhum
detalhe poreacutem eacute narrado (VA III 46)
γίγνεται μὲν γὰρ ἡ μεγίστη κατὰ ὄνυχα δακτύλου τούτουrsquo δείξας τὸν ἑαυτοῦ
ἀντίχειρα lsquoκυίσκεται δὲ ἐν γῇ κοίλῃ βάθος ὀργυιαὶ τέτταρες τοσοῦτον δὲ αὐτῇ
περίεστι τοῦ πνεύματος ὡς ὑποιδεῖν τὴν γῆν καὶ κατὰ πολλὰ ῥήγνυσθαι
κυισκομένης ἐν αὐτῇ τῆς λίθου (VA III 46)
[Fala de Iarcas] De fato a maior delas eacute do tamanho desta unha ndash e ele mostrou seu
proacuteprio polegar ndash e eacute formada num buraco na terra com uma profundidade de quatro
braccedilas mas ela tem tanto espiacuterito que a terra se dilata e se rasga em muitos lugares
quando esta pedra eacute concebida
Contudo essa pedra natildeo eacute facilmente capturada pois se algueacutem tenta pegaacute-la ela
foge a menos que exista uma atraccedilatildeo entre a pedra e aquele que tenta apanhaacute-la Ainda a
pantarba (παντάρβην) assim chamada tambeacutem por Iarcas
νύκτωρ μὲν οὖν ἡμέραν ἀναφαίνει καθάπερ τὸ πῦρ ἔστι γὰρ πυρσὴ καὶ ἀκτινώδης
εἰ δὲ μεθ᾽ ἡμέραν ὁρῷτο βάλλει τοὺς ὀφθαλμοὺς μαρμαρυγαῖς μυρίαις τὸ δὲ ἐν
αὐτῇ φῶς πνεῦμά ἐστιν ἀρρήτου ἰσχύος πᾶν γὰρ τὸ ἐγγὺς ἐσποιεῖ αὑτῇ (VA III 46)
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de noite faz brilhar um dia como o fogo eacute vermelha e emite raios e se se olha para
ela de dia lanccedila aos seus olhos raios de luz incontaacuteveis A luz de dentro dela eacute um
espiacuterito com forccedila misteriosa pois atraiacute tudo para perto dela mesma
καὶ εἰπὼν ταῦτα ἔδειξε τὴν λίθου αὐτήν τε καὶ ὁπόσα ἐργάζεται (VA III 47)
E tendo ditto estas coisas ele mostrou a proacutepria pedra e tudo o que ela era capaz de
realizar
Balara e Selera
Balara eacute um lugar distinto por seus jardins jaacute Selera eacute uma ilha sagrada onde habita
uma nereida
προσπλεῦσαί φασι καὶ Βαλάροις ἐμπόριον δὲ εἶναι τὰ Βάλαρα μεστὸν μυρρινῶν τε
καὶ φοινίκων καὶ δάφνας ἐν αὐτῷ ἰδεῖν καὶ πηγαῖς διαρρεῖσθαι τὸ χωρίον κῆποι δὲ
ὁπόσοι τρωκτοὶ καὶ ὁπόσοι ἀνθέων κῆποι βρύειν αὐτὸ καὶ λιμένας μεστοὺς
γαλήνης ἐν αὐτῷ εἶναι προκεῖσθαι δὲ τοῦ χωρίου τούτου νῆσον ἱεράν ἣν καλεῖσθαι
Σέληρα καὶ στάδια μὲν ἑκατὸν εἶναι τῷ πορθμῷ νηρηίδα δὲ οἰκεῖν ἐν αὐτῇ δεινὴν
δαίμονα πολλοὺς γὰρ τῶν πλεόντων ἁρπάζειν καὶ μηδὲ ταῖς ναυσὶ ξυγχωρεῖν
πεῖσμα ἐκ τῆς νήσου βάλλεσθαι (VA III 56)
Eles contam que navegaram ateacute Balara que eacute um empoacuterio cheio de mirtos e de
palmeiras e que viram tambeacutem loureiros e fonte que ali fluem E tinha tanto jardins
de plantas comestiacuteveis como jardins de flores cheios de brotos e os portos ali
estavam calmos Defronte deste lugar existe uma ilha sagrada chamada Selera e a
passagem ateacute ela eacute de cem estaacutedios de distacircncia Nesta ilha habita uma nereida um
democircnio terriacutevel pois ela arrebata muitos marinheiros e natildeo deixa que os navios
arremessem um cabo agrave ilha
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Pegadas a terra de bronze
De acordo com a narrativa podemos imaginar esta regiatildeo como monocromaacutetica
tamanha eacute a predominacircncia do bronze que compotildee sua natureza
κατασχεῖν δέ φασι καὶ ἐς Πηγάδας τῆς τῶν Ὠρειτῶν χώρας οἱ δὲ Ὠρεῖται χαλκαῖ
μὲν αὐτοῖς αἱ πέτραι χαλκῆ δὲ ἡ ψάμμος χαλκοῦν δὲ ψῆγμα οἱ ποταμοὶ ἄγουσι
χρυσῖτιν δὲ ἡγοῦνται τὴν γῆν διὰ τὴν εὐγένειαν τοῦ χαλκοῦ (VA III 54)
Eles dizem que tambeacutem passaram por Peacutegada na terra dos oritas e que os oritas tecircm
pedras de bronze e tambeacutem areia de bronze e a poeira que o rio traz tambeacutem eacute de
bronze Mas eles consideram o bronze da sua terra ouro por causa da nobreza dele
A ilha Biblo e os moluscos gigantes
Esta ilha tem como maravilhoso seus frutos do mar que em tamanho satildeo muito
maiores que os gregos
μνημονεύουσι καὶ νήσου μικρᾶς ᾗ ὄνομα εἶναι Βίβλον ἐν ᾗ τὸ τοῦ κογχυλίου
μέγεθος καὶ οἱ μύες ὄστρεά τε καὶ τὰ τοιαῦτα δεκαπλάσια τῶν Ἑλληνικῶν τὸ
μέγεθος ταῖς πέτραις προσπέφυκεν ἁλίσκεται δὲ καὶ λίθος ἐκεῖ μαργαρὶς ἐν
ὀστράκῳ λευκῷ καρδίας τόπον ἔχουσα τῷ ὀστρέῳ (VA III 53)
Eles tambeacutem recordam uma pequena ilha a qual se chama Biblo onde haacute grandes
berbigotildees mexilhotildees e ostras os quais se prendem em pedras e satildeo dez vezes
maiores que os encontrados na Greacutecia Uma pedra tambeacutem eacute capturada ali a peacuterola
a qual ocupa em uma concha branca o lugar do coraccedilatildeo da ostra
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2312 Hidrografia
Filoacutestrato descreve os rios que Apolocircnio atravessou bem como suas extensotildees
navegaacuteveis suas dimensotildees e os animais que havia neles Os rios satildeo o Indo o Hiacutefasis e o
Acesines
O rio Indo
Esse rio eacute o mais importante para a indografia greco-romana por ter simbolizado ateacute a
campanha de Alexandre os confins do mundo Essa crenccedila se encontra presente nas
narrativas de Cteacutesias
Λέγει περὶ τοῦ Ἰνδοῦ ποταμοῦ τὸ μὲν στενὸν αὐτοῦ τὸ εὖρος μʹ σταδίων εἶναι τὸ δὲ
πλατύτατον καὶ διακοσίων Λέγει περὶ αὐτῶν τῶν Ἰνδῶν ὅτι πλείους σχεδὸν
συμπάντων ἀνθρώπων Περὶ τοῦ σκώληκος τοῦ ἐν τῷ ποταμῷ ὃ καὶ μόνον τῶν
ἄλλων θηρίων ἐν αὐτῷ γίνεται Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους Ὅτι
οὐχ ὕει ἀλλacute ὑπὸ τοῦ ποταμοῦ ποτίζεται ἡ Ἰνδική (Ind frag I)
Ele fala sobre o rio Indo que em sua passagem mais estreita tem quarenta estaacutedios29
de largura e na mais extensa duzentos Fala que a populaccedilatildeo de hindus eacute mais ou
menos maior que a de todos os homens juntos Fala a respeito de um verme do rio o
qual aliaacutes eacute o uacutenico animal que haacute nele Que homens natildeo habitam aleacutem de laacute Que
natildeo chove mas a terra da Iacutendia eacute irrigada pelo rio
Filoacutestrato tambeacutem fala sobre sua dimensatildeo bem como sobre sua nascente e os animais
que nele vivem
29
Medida de percurso equivalente a 17760 m
46
τὸν μὲν δὴ Ἰνδὸν ὧδε ἐπεραιώθησαν σταδίους μάλιστα τεσσαράκοντα τὸ γὰρ
πλόιμον αὐτοῦ τοσοῦτον περὶ δὲ τοῦ ποταμοῦ τούτου τάδε γράφουσι τὸν Ἰνδὸν
ἄρχεσθαι μὲν ἐκ τοῦ Καυκάσου μείζω αὐτόθεν ἢ οἱ κατὰ τὴν Ἀσίαν ποταμοὶ πάντες
προχωρεῖν δὲ πολλοὺς τῶν ναυσιπόρων ἑαυτοῦ ποιούμενον ἀδελφὰ δὲ τῷ Νείλῳ
πράττοντα τῇ τε Ἰνδικῇ ἐπιχεῖσθαι γῆν τε ἐπάγειν τῇ γῇ καὶ παρέχειν Ἰνδοῖς τὸν
Αἰγυπτίων τρόπον σπείρειν (VA II 18)
E entatildeo eles atravessaram o Indo com mais de quarenta estaacutedios30
pois essa eacute sua
extensatildeo navegaacutevel A respeito do rio eles escrevem estas coisas que o Indo comeccedila
no Caacuteucaso e sua nascente eacute maior que todos os rios da Aacutesia e ao avanccedilar
incorpora muitos [rios] navegaacuteveis e de modo paralelo ao Nilo inunda a Iacutendia
sobrepotildee terra agrave terra e permite aos hindus semear do mesmo modo que os egiacutepcios
κομιζόμενοι δὲ διὰ τοῦ Ἰνδοῦ πολλοῖς μὲν ποταμίοις ἵπποις ἐντυχεῖν φασι πολλοῖς
δὲ κροκοδείλοις ὥσπερ οἱ τὸν Νεῖλον πλέοντες λέγουσι δὲ καὶ ἄνθη τῷ Ἰνδῷ εἶναι
οἷα τοῦ Νείλου ἀναφύεται (VA II 19)
E eles dizem que viajando em direccedilatildeo ao outro lado do Indo encontraram muitos
cavalos de rio e muitos crocodilos como os que nadam no Nilo e que a vegetaccedilatildeo
do Indo eacute como a que brota no Nilo
O rio Hiacutefasis e o oacuteleo nupcial
O rio Hiacutefasis (atual Beaacutes) eacute notaacutevel por sua extensatildeo De acordo com o texto ele nasce
na planiacutecie e perto de sua fonte os riachos satildeo navegaacuteveis mas agrave medida que avanccedilam logo
se tornam inacessiacuteveis para os barcos porque os montes de rocha se alternam Nas redondezas
dessas rochas o vento eacute forte ao ponto de tornar o rio natildeo navegaacutevel (VA III 1) Suas
caracteriacutesicas mais notaacuteveis satildeo
εὖρος δὲ αὐτῷ κατὰ τὸν Ἴστρον ποταμῶν δὲ οὗτος δοκεῖ μέγιστος ὁπόσοι δι᾽
Εὐρώπης ῥέουσι δένδρα δέ οἱ προσόμοια φύει παρὰ τὰς ὄχθας καί τι καὶ μύρον
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ἐκδίδοται τῶν δένδρων ὃ ποιοῦνται Ἰνδοὶ γαμικὸν χρίσμα καὶ εἰ μὴ τῷ μύρῳ τούτῳ
ῥάνωσι τοὺς νυμφίους οἱ ξυνιόντες ἐς τὸν γάμον ἀτελὴς δοκεῖ καὶ οὐκ ἐς χάριν τῇ
Ἀφροδίτῃ ξυναρμοσθείς (VA III 1)
Sua largura eacute equivalente ao do rio Ister este sendo considerado o mais de quantos
rios fluem na Europa Aacutervores semelhantes agraves daquele nascem agraves suas margens e um
baacutelsamo tambeacutem eacute extraiacutedo das aacutervores a partir do qual os hindus fazem um oacuteleo
nupcial e se os presentes ao casamento natildeo borrifam com esse oacuteleo os noivos
parece que a uniatildeo natildeo eacute concluiacuteda nem agraciada por Afrodite
Esse bosque agrave margem do rio eacute consagrado a Afrodite bem como os belos peixes que
existem laacute (VA III 1)
O rio Acesines
A descriccedilatildeo deste rio eacute breve e o conteuacutedo maravilhoso neste trecho se daacute pela
dimensatildeo informada e pelo comprimento das cobras que existem nele
περὶ τοῦ Ἀκεσίνου ποταμοῦ εἰρημένα ὡς ἐσβάλλει μὲν ἐς τὸν Ἰνδὸν οὗτος τρέφει
δὲ ὄφεις ἑβδομήκοντα πηχῶν μῆκος τοιαῦτα εἶναί φασιν (VA II 17)
Sobre o que disseram do rio Acesines que desaacutegua no rio Indo e produz cobras de
setenta cocircvados31
de comprimento ser assim eles dizem
A fonte de ouro
Aleacutem desses rios ao conversar com Iarcas Apolocircnio pergunta sobre a veracidade de
uma fonte de que jorra ouro (ἐρομένου δὲ αὐτοῦ καὶ περὶ τοῦ χρυσοῦ ὕδατος ὅ φασιν ἐκ
πηγῆς βλύζειν - VA III 45) Provavelmente essa fonte eacute uma alusatildeo agrave descrita por Cteacutesias
31
Medida de comprimento equivalente a 44 cm
48
Περὶ τῆς κρήνης πληρουμένης ἀνacute ἔτος ὑγροῦ χρυσίου ἐξ ἧς ἑκατὸν πρόχοι
ὀστράκινοι ἀνacute ἔτος ἀρύονται Ὀστρακίνους δὲ δεῖ εἶναι ἐπεὶ πήγνυται ὁ χρυσὸς
ἀπαρυόμενος καὶ ἀνάγκη τὸ ἀγγεῖον θλᾶν καὶ οὕτως ἐξαγαγεῖν αὐτόν Ἡ δὲ κρήνη
τετράγωνός ἐστιν ἑκκαίδεκα μὲν πηχῶν ἡ περίμετρος τὸ δὲ βάθος ὀργυϊά ἑκάστη
δὲ προχόη τάλαντον ἕλκει Καὶ περὶ τοῦ ἐν τῷ πυθμένι τῆς κρήνης σιδήρου ἐξ οὗ
καὶ δύο ξίφη Κτησίας φησὶν ἐσχηκέναι ἓν παρὰ βασιλέως καὶ τὸ ἄλλο παρὰ τῆς
τοῦ βασιλέως μητρὸς Παρυσάτιδος Φησὶ δὲ περὶ αὐτοῦ ὅτι πηγνύμενος ἐν τῇ γῇ
νέφους καὶ χαλάζης καὶ πρηστήρων ἐστὶν ἀποτρόπαιον καὶ ἰδεῖν αὑτὸν ταῦτά φησι
βασιλέως δὶς ποιήσαντος (Ind frag IV)
Fala sobre uma fonte cheia de liacutequido dourado durante o ano do qual se extraem
cem jarros de ceracircmica anualmente Os jarros precisam ser de ceracircmica jaacute que o
ouro que eacute retirado solidifica eacute necessaacuterio entatildeo quebrar o invoacutelucro e assim retiraacute-
lo A fonte eacute quadrangular com o periacutemetro de dezesseis cocircvados e a profundidade
de uma braccedila32
E cada vaso comporta um talento33
Fala sobre o ferro que haacute no
fundo da nascente a partir do qual Cteacutesias diz que duas espadas foram forjadas uma
por ordem do rei e a outra por ordem da matildee do rei Parisaacutetide Diz sobre ela que se
a espada for fincada na terra eacute capaz de afastar as nuvens granizos e tempestades E
diz ele proacuteprio ter visto isso quando o rei o fez duas vezes
2313 O clima da Iacutendia
Heroacutedoto e Cteacutesias comentaram a respeito do clima indiano
ἀποκλινομένης δὲ τῆς μεσαμβρίης γίνεταί σφι ὁ ἥλιος κατά περ τοῖσι ἄλλοισι ὁ
ἑωθινός καὶ τὸ ἀπὸ τούτου ἀπιὼν ἐπὶ μᾶλλον ψύχει ἐς ὃ ἐπὶ δυσμῇσι ἐὼν καὶ τὸ
κάρτα ψύχει (Hdt Hist III 104 traduccedilatildeo de J Brito Broca)
Nessa regiatildeo o sol eacute mais ardente pela manhatilde do que ao meio-dia ao contraacuterio do
que se verifica nas outras partes e os habitantes conservam a cabeccedila coberta ateacute a
hora em que termina entre noacutes o mercado Ao meio dia a temperatura ali pouco
32
Distacircncia de uma extremidade a outra de um braccedilo estendido horizontalmente medida fixa de quatro cocircvados
ou seis peacutes (aproximadamente 180 m) 33
Medida de peso e de soma de dinheiro equivalente a seis mil dracmas
49
difere da dos demais paiacuteses e daiacute em diante comeccedila a declinar sendo a tarde tatildeo
fresca quanto a manhatilde entre os outros povos Agrave hora de dormir jaacute se goza de um
agradaacutevel frescor
A descriccedilatildeo de Cteacutesias eacute breve
Ὅτι ἀλέα πολλὴ καὶ ὅτι ὁ ἥλιος δεκαπλασίων τὸ μέγεθος ἢ ἐν ταῖς ἄλλαις χώραις
αὐτὸς ἑαυτοῦ φαίνεται καὶ πολλοὶ ἐνταῦθα τῷ πνίγει φθείρονται (Ind frag V)
Que eacute muito o calor e que o sol parece ter dez vezes o tamanho que dos outros
lugares e que laacute muitas pessoas morrem sem ar
Filoacutestrato tambeacutem apresenta a Iacutendia como um lugar muito quente
αἳ περὶ τὴν Ἰνδικήν εἰσι χειμῶνος μὲν ἀλεεινὰς εἶναι θέρους δὲ πνιγηράς πρὸς δὲ
τοῦτο ἄριστα μεμηχανῆσθαι τῷ δαίμονι τὴν γὰρ χώραν αὐτοῖς θαμὰ ὕεσθαι (VA II
19)
Na regiatildeo da Iacutendia o inverno eacute com muito sol e o veratildeo eacute sufocante mas em
compensaccedilatildeo a divindade providenciou algo excelente pois frequentemente chove
no paiacutes deles
2314 Animais
Na VA satildeo descritos muitos animais Aleacutem do detalhamento de seus aspectos fiacutesicos
satildeo narradas as lendas e as estoacuterias que os envolvem Muitos desses animais o autor afirma
que Apolocircnio viu de outros apenas ouviu falar Os animais satildeo leopardos elefantes uma
minhoca flamejante unicoacuternio dragotildees manticora grifos e fecircnix
50
Leopardos
Sobre a conduta dos leopardos na VA eacute narrada a histoacuteria de que eles ficam na regiatildeo
da Panfiacutelia (regiatildeo atual da Turquia) e seu deslocamento de regiatildeo aconteceu da seguinte
forma
χαίρουσι γὰρ τοῖς ἀρώμασι κἀκ πολλοῦ τὰς ὀσμὰς ἕλκουσαι φοιτῶσιν ἐξ Ἀρμενίας
διὰ τῶν ὀρῶν πρὸς τὸ δάκρυον τοῦ στύρακος ἐπειδὰν οἵ τε ἄνεμοι ἀπ᾽ αὐτοῦ
πνεύσωσι καὶ τὰ δένδρα ὀπώδη γένηται (VA II 2)
Se deleitando com os aromas e atraiacutedos de longe pelos odores eles vem
periodicamente da Armeacutenia atraveacutes das montanhas em busca da gota de estoraque
quando os ventos de laacute sopram e as aacutervores se tornam resinosas
Eacute narrado ainda sobre um leopardo que fora apanhado em Panfiacutelia o qual usava uma
corrente de ouro em volto do seu pescoccedilo onde estava inscrito em letras armecircnias ldquoDo rei
Arsaces ao deus Niacutesiordquo (ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΑΡΣΑΚΗΣ ΘΕΩΙ ΝΥΣΙΩΙ - VA II 2) Apolocircnio
deduziu que Arsaces era o rei armecircnio e que ele deixara o animal livre em homenagem a
Dioniso por causa do seu tamanho
Elefantes
Na VA haacute uma descriccedilatildeo dos tipos de elefantes que existem na Iacutendia e de como eles
satildeo treinados e usados em guerras Neste trecho se descrevem trecircs tipos de elefantes os do
pacircntano os da mantanha e os capturados para serem usados na guerra Sobre os elefantes
Cteacutesias menciona apenas que satildeo destruidores de paredes
Περὶ τῶν τειχοκαταλύτων ἐλεφάντων (Ind frag III)
51
Fala sobre elefantes destruidores de paredes
Filoacutestrato por sua vez faz uma descriccedilatildeo muito mais detalhada sobre estes animais
ἐπὶ δὲ τὸν Ἰνδὸν ἐλθόντες ἀγέλην ἐλεφάντων ἰδεῖν φασι περαιουμένους τὸν ποταμὸν
καὶ τάδε ἀκοῦσαι περὶ τοῦ θηρίου ὡς οἱ μὲν αὐτῶν ἕλειοι οἱ δ᾽ αὖ ὄρειοι καὶ
τρίτον ἤδη γένος πεδινοί εἰσιν ἁλίσκονταί τε ἐς τὴν τῶν πολεμικῶν χρείαν
μάχονται γὰρ δὴ ἐπεσκευασμένοι πύργους οἵους κατὰ δέκα καὶ πεντεκαίδεκα ὁμοῦ
τῶν Ἰνδῶν δέξασθαι ἀφ᾽ ὧν τοξεύουσί τε καὶ ἀκοντίζουσιν οἱ Ἰνδοί καθάπερ ἐκ
πυλῶν βάλλοντες καὶ αὐτὸ δὲ τὸ θηρίον χεῖρα τὴν προνομαίαν ἡγεῖται καὶ χρῆται
αὐτῇ ἐς τὸ ἀκοντίζειν ὅσον δὲ ἵππου Νισαίου μείζων ὁ Λιβυκὸς ἐλέφας τοσοῦτον
τῶν ἐκ Λιβύης οἱ Ἰνδοὶ μείζους (VA II 12)
Tendo eles chegado ao Indo viram uma manada de elefantes atravessando o rio e
dizem terem ouvido isto a respeito dos animais como alguns deles satildeo do pacircntano
outros satildeo da montanha e haacute tambeacutem um terceiro tipo da planiacutecie os quais satildeo
capturados para serem usados na guerra Eles vatildeo para a batalha encilhados com
espeacutecies de torres com capacidade de levar de dez a quinze indianos em cada uma
das quais os indianos atiram com o arco e arremessam os dardos como se
estivessem atirando de portotildees O proacuteprio animal tem a tromba como matildeos e a usa
para arremessar dardos Os elefantes da Liacutebia satildeo tatildeo grandes quanto os cavalos de
Nisa assim tambeacutem satildeo os elefantes indianos com relaccedilatildeo aos da Liacutebia
εἰ δὲ καὶ ἤθη ἐλεφάντων χρὴ ἀναγράφειν τοὺς μὲν ἐκ τῶν ἑλῶν ἁλισκομένους
ἀνοήτους ἡγοῦνται καὶ κούφους Ἰνδοί τοὺς δὲ ἐκ τῶν ὀρῶν κακοήθεις τε καὶ
ἐπιβουλευτὰς καὶ ἢν μὴ δέωνταί τινος οὐ βεβαίους τοῖς ἀνθρώποις οἱ πεδινοὶ δὲ
χρηστοί τε εἶναι λέγονται καὶ εὐάγωγοι καὶ μιμήσεως ἐρασταί γράφουσι γοῦν καὶ
ὀρχοῦνται καὶ παρενσαλεύουσι πρὸς αὐλὸν καὶ πηδῶσιν ἀπὸ τῆς γῆς ἐκεῖνοι (VA
II 13)
Se eacute necessaacuterio descrever o caraacuteter dos elefantes os que satildeo capturados nos
pacircntanos os indianos os acham estuacutepidos e inconstantes os das montanhas
maliciosos e traiccediloeiros e caso natildeo precisem de nada natildeo satildeo confiaacuteveis aos
homens mas os elefantes da planiacutecie dizem que satildeo uacuteteis doacuteceis e que gostan de
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imitar Ao menos escrevem danccedilam balanccedilam ao som da flauta e datildeo saltos sore a
terra
O verme flamejante
Cteacutesias descreve um verme que existe no rio Indo que possui caracteriacutesticas
semelhantes agrave uma descrita na VA
Ὅτι ἐν τῷ ποταμῷ τῶν Ἰνδῶν σκώληξ γίνεται τὸ μὲν εἶδος οἷόν περ ἐν ταῖς συκαῖς
εἴωθε γίνεσθαι τὸ δὲ μῆκος πήχεις ζʹ καὶ μείζους δὲ καὶ ἐλάττους τὸ δὲ πάχος
δεκαετέα παῖδα μόλις φασὶ ταῖς χερσὶ περιλαβεῖν Ἔχουσι δὲ ὀδόντας δύο ἕνα ἄνω
καὶ ἕνα κάτω καὶ ὅ τι ἂν λάβωσι τοῖς ὀδοῦσι κατεσθίουσι Καὶ τὴν μὲν ἡμέραν ἐν
τῇ ἰλύϊ τοῦ ποταμοῦ διαιτῶνται τῇ δὲ νυκτὶ ἐξέρχονται καὶ ἐάν τινι ἐντύχῃ ἐν τῇ γῇ
βοῒ ἢ καμήλῳ καὶ δάκῃ συλλαβὼν ἕλκει εἰς τὸν ποταμὸν καὶ πάντα κατεσθίει πλὴν
τῆς κοιλίας Ἀγρεύεται δὲ ἀγκίστρῳ μεγάλῳ ἔριφον ἢ ἄρνα ἐνδησάντων καὶ
ἁλύσεσι σιδηραῖς ἐναρμοσάντων Ἀγρεύσαντες δὲ τριάκοντα ἡμέρας κρεμῶσιν
αὐτὸν καὶ ἀγγεῖα ὑποτιθέασι καὶ ῥεῖ ἐξ αὐτοῦ ὅσον δέκα κοτύλας ἀττικὰς τὸ
πλῆθος Ὅταν δὲ παρέλθωσιν αἱ τριάκοντα ἡμέραι ἀπορρίπτουσι τὸν σκώληκα καὶ
τὸ ἔλαιον ἀσφαλισάμενοι ἄγουσι τῷ βασιλεῖ μόνῳ τῶν Ἰνδῶν ἄλλῳ δὲ οὐκ ἔξεστιν
ἐξ αὐτοῦ ἔχειν Τοῦτο τὸ ἔλαιον ἐφacute ὃ ἂν ἐπιχυθῇ ἀνάπτει καὶ καταφλέγει ξύλα καὶ
ζῷα καὶ ἄλλως οὐ σβέννυται εἰ μὴ πηλῷ πολλῷ τε καὶ παχεῖ (Ind frag XXVII)
Que no rio do Indo nasce um verme com a aparecircncia tal qual a de um que nasce na
figueira seu comprimento sendo de sete cuacutebitos alguns maiores alguns menores
Quanto agrave largura uma crianccedila de dez anos com dificuldade o envolveria com os
braccedilos Tem dois dentes um em cima e o outro embaixo e o que pegam com os
dentes devoram De dia vivem na lama do rio mas de noite saem e se encontram
algum boi ou camelo na terra tambeacutem os abocanham arrastam consigo para o rio e
comem-no todo exceto o intestino Ele eacute capturado com um grande anzol que
cobrem com um cordeiro ou um carneiro e prendem com uma corrente de ferro
Tendo-o capturado penduram-no por trinta dias e colocam uma jarra embaixo dele
escorre o total de cerca de dez copos aacuteticos Quando se completam os trinta dias
jogam fora o verme e o oacuteleo recolhido levam somente para o rei dos indianos natildeo eacute
permitido que nenhuma outra pessoa o tenha Este oacuteleo sobre o que se derrama
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incendeia e queima trate-se de madeira ou animal e natildeo se apaga de outro modo
que com muita lama espessa
Na VA por sua vez eacute no rio Hiacutefasis onde existe uma minhoca semelhante agrave retratada
acima
ἔστι δέ τι θηρίον ἐν τῷ ποταμῷ τούτῳ σκώληκι εἰκασμένον λευκῷ τοῦτο οἱ
τήκοντες ἔλαιον ποιοῦνται πῦρ δὲ ἄρα τοῦ ἐλαίου τούτου ἐκδίδοται καὶ στέγει αὐτὸ
πλὴν ὑελοῦ οὐδέν ἁλίσκεται δὲ τῷ βασιλεῖ μόνῳ τὸ θηρίον τοῦτο πρὸς τειχῶν
ἅλωσιν ἐπειδὰν γὰρ θίγῃ τῶν ἐπάλξεων ἡ πιμελή πῦρ ἐκκαλεῖται κρεῖττον
σβεστηρίων ὁπόσα ἀνθρώποις πρὸς τὰ πυρφόρα εὕρηται (VA III 1)
Haacute tambeacutem uma fera nesse rio (Hifaacutesis) que se parece com um verme34
branco Ao
derretecirc-lo eles fazem um oacuteleo e deste oacuteleo parece produz- se uma chama que nada
aleacutem de vidro pode conter E esta criatura pode ser capturada soacute para o rei que o
utiliza para a captura das cidades Quando pois a gordura toca as ameias um fogo
acende-se e desafia todos os meios comuns que vierem a ser inventados pelos
homens contra combustiacuteveis
O unicoacuternio
Nos Indikaacute Cteacutesias retrata um animal com caracteriacutesticas comuns aos unicoacuternios da
VA como por exemplo o fato de os indianos fazerem do chifre do animal uma taccedila e ao
beber dela natildeo adoecerem
Ὅτι εἰσὶν ὄνοι ἄγριοι ἐν τοῖς Ἰνδοῖς ἴσοι ἵπποις καὶ μείζους λευκοὶ δέ εἰσι τὸ σῶμα
τὴν κεφαλὴν πορφυροῖ ὀφθαλμοὺς ἔχουσι κυανέους Κέρας δὲ ἔχει ἐν τῷ μετώπῳ
ἑνὸς πήχεος τὸ μέγεθος καὶ ἔστι τὸ μὲν κάτω τοῦ κέρατος ὅσον ἐπὶ δύο παλαιστὰς
34
Filoacutestrato utiliza a mesma palavra que Cteacutesias para se referir a essa criatura σκώληξ para qual mantivemos
tambeacutem a traduccedilatildeo por ldquovermerdquo nos dois textos
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πρὸς τὸ μέτωπον πάνυ λευκόν τὸ δὲ ἐπάνω ὀξύ ἐστι τοῦ κέρατος τοῦτο δὲ
φοινικοῦν ἐστιν ἐρυθρὸν πάνυ τὸ δὲ ἄλλο τὸ ἐν τῷ μέσῳ μέλαν Ἐκ τούτων οἱ
πιόντες (κατασκευάζουσι γὰρ ἐκπώματα) σπασμῷ φασίν οὐ λαμβάνονται οὔτε τῇ
ἱερᾷ νόσῳ ἀλλacute οὐδὲ φαρμάκοις ἁλίσκονται οὔτacute ἂν προπίωσιν οὔτacute ἂν τοῦ
φαρμάκου ἐπιπίωσιν ἢ οἶνον ἢ ὕδωρ ἢ ἄλλο τι ἐκ τῶν ἐκπωμάτων Οἱ μὲν οὖν
ἄλλοι ὄνοι καὶ ἥμεροι καὶ ἄγριοι καὶ τὰ ἄλλα μώνυχα θηρία πάντα ἀστραγάλους
οὐδὲ χολὴν ἐπὶ τοῦ ἥπατος ἔχουσιν Οὗτοι δὲ καὶ ἀστράγαλον ἔχουσι καὶ χολὴν ἐπὶ
τοῦ ἥπατος τὸν δὲ ἀστράγαλον κάλλιστον ὧν ἐγὼ ἑώρακα οἷόν περ βοὸς καὶ τὸ
εἶδος καὶ τὸ μέγεθος βαρὺς δacute ὡς μόλιβδος τὴν δὲ χρόαν ὥσπερ κιννάβαρι καὶ διὰ
βάθους Ταχύτατον δέ ἐστι τὸ ζῷον τοῦτο καὶ ἀλκιμώτατον οὐδὲν δὲ οὔτε ἵππος
οὔτε ἄλλο τι διωκόμενον καταλαμβάνει (Ind frag XXV)
Que na Iacutendia haacute asnos selvagens iguais a cavalos e maiores Eles tecircm o corpo
branco e a cabeccedila vermelha e tecircm os olhos escuros Tecircm um chifre na testa com o
comprimento de um cuacutebito A parte de baixo do chifre de mais ou menos dois
palmos ateacute a testa eacute completamente branca a parte superior do chifre eacute pontuguda e
inteiramente vermelha escura jaacute a outra parte a do meio eacute preta Os que bebem
nesse chifre (pois os fazem de canecas) dizem natildeo tinham convulsatildeo nem a doenccedila
sagrada nem sucumbem a venenos se bebem antes ou depois do veneno vinho
aacutegua ou qualquer outra bebida nessa caneca Os outros asnos tanto os doacuteceis quanto
os bravos e os outros animais selvagens de uma soacute pata todos natildeo tecircm o astraacutegalo35
nem biacutelis no fiacutegado Poreacutem estes tecircm astraacutegalos e biacutelis no fiacutegado O astraacutegalo eacute o
mais bonito que jaacute vi como o de um boi na forma e no tamanho pesado como
chumbo como que da cor do cinaacutebrio ateacute o fundo Esse animal eacute velociacutessimo e
fortiacutessimo e nenhum cavalo ou outro animal o alcanccedila na corrida
A descriccedilatildeo de Filoacutestrato eacute bem mais breve
καὶ τοὺς ὄνους δὲ τοὺς ἀγρίους ἐν τοῖς ἕλεσι τούτοις ἁλίσκεσθαί φασιν εἶναι δὲ τοῖς
θηρίοις τούτοις ἐπὶ μετώπου κέρας ᾧ ταυρηδόν τε καὶ οὐκ ἀγεννῶς μάχονται καὶ
ἀποφαίνειν τοὺς Ἰνδοὺς ἔκπωμα τὸ κέρας τοῦτο οὐ γὰρ οὔτε νοσῆσαι τὴν ἡμέραν
ἐκείνην ὁ ἀπ᾽ αὐτοῦ πιὼν οὔτε ἂν τρωθεὶς ἀλγῆσαι πυρός τε διεξελθεῖν ἂν καὶ μηδ᾽
ἂν φαρμάκοις ἁλῶναι ὁπόσα ἐπὶ κακῷ πίνεται βασιλέων δὲ τὸ ἔκπωμα εἶναι καὶ
βασιλεῖ μόνῳ ἀνεῖσθαι τὴν θήραν (VA III 2)
35
Nome do osso do tarso substituiacutedo por taacutelus
55
E eles dizem que asnos selvagens tambeacutem satildeo capturados nesses pacircntanos e que
essas criaturas tecircm um chifre na testa com o qual como um touro e natildeo sem
nobreza lutam e que os hindus fazem uma taccedila desse chifre pois algueacutem natildeo
adoeceria durante o dia em que dela bebesse nem tendo sido ferido sentiria dor
mas atravessaria o fogo e nem se bebesse poccedilotildees que fazem mal seria prejudicado
este caacutelice eacute reservado para reis e soacute o rei caccedila essa criatura
Dragotildees
Segundo a narraccedilatildeo da VA por toda a Iacutendia haacute dragotildees enormes tanto nos pacircntanos
quanto nas montanhas Existem diferentes tipos de dragotildees que circulam por esta terra e os
retratados satildeo os do pacircntano os que ficam no sopeacute das montanhas e os que ficam na parte
mais elevada das montanhas Suas principais caracteriacutesticas satildeo
Sobre os dragotildees do pacircntano
οἱ μὲν δὴ ἕλειοι νωθροί τέ εἰσι καὶ τριακοντάπηχυ μῆκος ἔχουσι καὶ κράνος αὐτοῖς
οὐκ ἀνέστηκεν ἀλλ᾽ εἰσὶ ταῖς δρακαίναις ὅμοιοι μέλανες δὲ ἱκανῶς τὸν νῶτον καὶ
ἧττον φολιδωτοὶ τῶν ἄλλων (VA III 6)
Os do pacircntano satildeo pesados e tecircm trinta cuacutebitos de comprimento e natildeo tecircm crista
acima [de suas cabeccedilas] mas satildeo semelhantes aos dragotildees fecircmeas Suas costas satildeo
bem pretas cobertos de menos escamas que as outras espeacutecies
Os dragotildees que sobrevoam o sopeacute e os picos das montanhas satildeo maiores que os
anteriores se movem muito velozmente e satildeo predadores dos dragotildees da planiacutecie Suas outras
caracteriacutesticas satildeo
τούτοις καὶ λοφιὰ φύεται νέοις μὲν ὑπανίσχουσα τὸ μέτριον τελειουμένοις δὲ
συναυξανομένη τε καὶ συνανιοῦσα ἐς πολύ ὅτε δὴ πυρσοί τε καὶ πριόνωτοι
γίγνονται οὗτοι καὶ γενειάσκουσι καὶ τὸν αὐχένα ὑψοῦ αἴρουσι καὶ τὴν φολίδα
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στίλβουσι δίκην ἀργύρου αἱ δὲ τῶν ὀφθαλμῶν κόραι λίθος ἐστὶ διάπυρος ἰσχὺν δ᾽
αὐτῶν ἀμήχανον εἶναί φασιν ἐς πολλὰ τῶν ἀποθέτων (VA III 7)
Estes tecircm crista de extensatildeo e altura moderada quando satildeo jovens mas quando
crescem sua crista aumenta muito e eles se tornam avermelhados e proeminentes
Eles tambeacutem adquirem barba e levantam o pescoccedilo para cima enquanto suas
escamas brilham como prata Seus olhos e suas pupilas satildeo uma pedra ardente e
dizem que guardam uma forccedila irresistiacutevel para muitas coisas escondidas
Sobre os dragotildees das montanhas
οἱ δὲ ὄρειοι δράκοντες τὴν μὲν φολίδα χρυσοῖ φαίνονται τὸ δὲ μῆκος ὑπὲρ τοὺς
πεδινούς γένεια δὲ αὐτοῖς βοστρυχώδη χρυσᾶ κἀκεῖνα καὶ κατωφρύωνται μᾶλλον
ἢ οἱ πεδινοὶ ὄμμα τε ὑποκάθηται τῇ ὀφρύι δεινὸν καὶ ἀνειδὲς δεδορκός ὑπόχαλκόν
τε ἠχὼ φέρουσιν ἐπειδὰν τῇ γῇ ὑποκυμαίνωσιν ἀπὸ δὲ τῶν λόφων πυρσῶν ὄντων
πῦρ αὐτοῖς ἄττει λαμπαδίου πλέον (VA III 8)
Os dragotildees das montanhas tecircm escamas que brilham como ouro e em comprimento
excedem aos da plaacutenicie tecircm barbas espessas tambeacutem dourada suas sobrancelhas
satildeo maiores que as dos da planiacutecie seus olhos se afundam debaixo das sobrancelhas
e emitem um olhar terriacutevel e implacaacutevel Eles produzem um som de bronze quando
se rastejam pela terra e das suas cristas que satildeo vermelhas brota um fogo mais
brilhante do que o de uma tocha
A manticora
A manticora eacute um animal bem descrito por Cteacutesias Na VA a referecircncia que temos
dela se encontra num diaacutelogo com Iarcas quando Apolocircnio lhe pergunta sobre a existecircncia de
tal animal recebendo como resposta do interlocutor nunca ter ouvido nada sobre isso (VA III
45) No entanto a descriccedilatildeo da manticora feita por Apolocircnio eacute semelhante agrave de Cteacutesias
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Καὶ περὶ τοῦ μαρτιχόρα τοῦ ἐν αὐτοῖς ὄντος θηρίου ὡς τὸ πρόσωπον ἐοικὼς
ἀνθρώπῳ μέγεθος μέν ἐστιν ὥσπερ λέων καὶ χροὰν ἐρυθρὸς ὡς κιννάβαρι
Τρίστιχοι δὲ ὀδόντες ὦτα δὲ ὥσπερ ἀνθρώπου καὶ ὀφθαλμοὺς γλαύκους ὁμοίους
ἀνθρώπῳ Τὴν δὲ κέρκον ἔχει οἵανπερ σκορπίος ὁ ἠπειρώτης ἐν ᾗ καὶ τὸ κέντρον
ἔχει μείζω ὑπάρχουσαν πήχεος Ἔχει δὲ καὶ ἐκ πλαγίου τῆς κέρκου ἔνθα καὶ ἔνθα
κέντρα ἔχει δὲ καὶ ἐπacute ἄκρῳ ὥσπερ σκορπίος κέντρον Καὶ τούτῳ μέν ἐὰν
προσέλθῃ τις κεντεῖ τῷ κέντρῳ καὶ πάντως ὁ κεντηθεὶς ἀποθνῄσκει Ἐὰν δέ τις
πόρρωθεν μάχηται πρὸς αὐτόν καὶ ἔμπροσθεν ἱστὰς τὴν οὐράν ὥσπερ ἀπὸ τόξου
βάλλει τοῖς κέντροις καὶ ὄπισθεν ἐπacute εὐθείας ἀποτείνων Βάλλει δὲ ὅσον πλέθρον
εἰς μῆκος καὶ πάντα οἷς ἂν βάλῃ πάντως ἀποκτείνει πλὴν ἐλέφαντος Τὰ δὲ κέντρα
αὐτοῦ ἐστι τὸ μὲν μῆκος ὅσον ποδιαῖα τὸ δὲ πλάτος ὅσον σχοῖνος λεπτότατος
Μαρτιχόρα δὲ ἑλληνιστὶ ἀνθρωποφάγον ὅτι πλεῖστα ἐσθίει ἀναιρῶν ἀνθρώπους
ἐσθίει δὲ καὶ τὰ ἄλλα ζῷα μάχεται δὲ καὶ τοῖς ὄνυξι καὶ τοῖς κέντροις Τὰ δὲ κέντρα
πάλιν φησίν ἐπειδὰν ἐκτοξευθῇ ἀναφύεσθαι Ἔστι δὲ πολλὰ ἐν τῇ Ἰνδικῇ
Ἀποκτείνουσι δὲ αὐτὰ τοῖς ἐλέφασιν ἐποχούμενοι ἄνθρωποι κἀκεῖθεν βάλλοντες
(Ind frag VII)
E sobre a manticora que eacute um animal selvagem e seu rosto parece-se com o
humano Tem o tamanho de um leatildeo e o corpo eacute vermelho assim como do cinaacutebrio
Tem trecircs fileiras de dentes orelhas como a do homem e olhos glaucos semelhantes
ao humano Ele tem a cauda como a do escorpiatildeo continental na qual haacute um ferratildeo
maior que um cocircvado Tambeacutem tem aqui e ali ferrotildees dos lados da cauda aleacutem de
ter tambeacutem um ferratildeo na ponta da cauda como escorpiatildeo Dele se algueacutem se
aproxima ele ferroa com o ferratildeo e todos os ferroados morrem Se algueacutem o
enfrenta de longe e de frente ele levanta a cauda e lanccedila os ferrotildees como de um
arco e se for atacado por traacutes ele o estira reto Ele lanccedila os ferrotildees tatildeo longe quanto
plethron36
e todos aqueles em que ele os lanccedila ele os mata exceto elefantes O
ferratildeo eacute do comprimento de um peacute e da largura de um junco esguio Em grego
manticora significa ldquoantropoacutefagordquo pelo fato de a maioria matar e comer homens
mas devora tambeacutem os outros animais E ela ataca tambeacutem com as garras e com os
ferrotildees e o ferratildeo traseiro diz [Cteacutesias] cada vez que eacute disparado nasce de novo
Haacute muitos deles na Iacutendia E matam-nos homens levados por elefantes e jogando
flechas do alto
lsquoλέγεταιrsquo εἶπε lsquoμεγάλα καὶ ἄπιστα τετράπουν μὲν γὰρ εἶναι αὐτό τὴν κεφαλὴν δὲ
ἀνθρώπῳ εἰκάσθαι λέοντι δὲ ὡμοιῶσθαι τὸ μέγεθος τὴν δὲ οὐρὰν τοῦ θηρίου
36
Medida de comprimento de cem peacutes gregos
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τούτου πηχυαίας ἐκφέρειν καὶ ἀκανθώδεις τὰς τρίχας ἃς βάλλειν ὥσπερ τοξεύματα
ἐς τοὺς θηρῶντας αὐτόrsquo (VA III 45)
Dizem disse [Apolocircnio] coisas grandes e incriacuteveis [sobre essa criatura] que ela tem
quatro patas que sua cabeccedila se assemelha agrave de um homem mas seu tamanho eacute
como o de um leatildeo e que a cauda dessa fera produz pelos de um cuacutebito de
comprimento iguais a um espinho os quais ela lanccedila como flecha naqueles que a
caccedilam
Os grifos
No relato de Cteacutesias os grifos satildeo guardiotildees de ouro
Ἔστι δὲ αὐτόθι ἄργυρος πολὺς καὶ ἀργύρεα μέταλλα οὐ βαθέα ἀλλὰ βαθύτερα
εἶναί φασι τὰ ἐν Βάκτροις Ἔστι δὲ καὶ χρυσὸς ἐν τῇ Ἰνδικῇ χώρᾳ οὐκ ἐν τοῖς
ποταμοῖς εὑρισκόμενος καὶ πλυνόμενος ὥσπερ ἐν τῷ Πακτωλῷ ποταμῷ ἀλλacute ὄρη
πολλὰ καὶ μεγάλα ἐν οἷς οἰκοῦσι γρῦπες ὄρνεα τετράποδα μέγεθος ὅσον λύκος
σκέλη καὶ ὄνυχες οἷά περ λέων τὰ ἐν τῷ ἄλλῳ σώματι πτερὰ μέλανα ἐρυθρὰ δὲ τὰ
ἐν τῷ στήθει Διacute αὐτοὺς δὲ ὁ ἐν τοῖς ὄρεσι χρυσὸς πολὺς ὢν γίνεται δυσπόριστος
(Ind frag XII)
Haacute laacute muita riqueza e minas de prata natildeo profundas mas dizem que as de Baacutectria
satildeo mais profundas Haacute tambeacutem ouro na regiatildeo da Iacutendia mas natildeo satildeo encontrados e
lavados nos rios como no rio Pactolo mas em muitas e grandes montanhas nas
quais vivem grifos aves quadruacutepedes do tamanho de um lobo as patas e garras tais
quais de um leatildeo No resto do corpo tem penas pretas mas no peito satildeo elas
vermelhas Por causa deles torna-se difiacutecil alcanccedilar o abundante ouro que haacute nas
montanhas
Na VA em resposta a Apolocircnio Iarcas confirma a existecircncia deles (VA III 48) Aqui
eacute acrescentada a informaccedilatildeo de que eles satildeo venerados por serem sagrados para o Sol
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μέγεθός τε καὶ ἀλκὴν εἰκάσθαι αὐτοὺς τοῖς λέουσιν ὑπὸ δὲ πλεονεξίας τῶν πτερῶν
αὐτοῖς τε ἐκείνοις ἐπιτίθεσθαι καὶ τῶν ἐλεφάντων δὲ καὶ δρακόντων ὑπερτέρους
εἶναι πέτονται δὲ οὔπω μέγα ἀλλ᾽ ὅσον οἱ βραχύποροι ὄρνιθες μὴ γὰρ ἐπτιλῶσθαι
σφᾶς ὡς ὄρνισι πάτριον ἀλλ᾽ ὑμέσι τοὺς ταρσοὺς ὑφάνθαι πυρσοῖς ὡς εἶναι
κυκλώσαντας πέτεσθαί τε καὶ ἐκ μετεώρου μάχεσθαι τὴν τίγριν δὲ αὐτοῖς ἀνάλωτον
εἶναι μόνην ἐπειδὴ τὸ τάχος αὐτὴν ἐσποιεῖ τοῖς ἀνέμοις (VA III 48)
Em tamanho e em forccedila eles se parecem com os leotildees mas pela vantagem das asas
sobrepotildeem-se agravequeles e satildeo tambeacutem mais poderosos que elefantes e dragotildees Natildeo
voam eles alto mas como as aves de voo curto pois eles natildeo tecircm penas como eacute
normal entre os paacutessaros mas as palmas de suas patas tecircm membranas vermelhas
de modo que girando-as podem voar e do alto lutarem O tigre eacute o uacutenico natildeo
capturado por eles uma vez sua rapidez o faz par dos ventos
A fecircnix
Segundo a narraccedilatildeo de Iarcas a fecircnix eacute uma ave que vai ateacute o Egito a cada quinhentos
anos e no resto do tempo sobrevoa a Iacutendia Sobre ela se diz
εἶναι δὲ ἕνα ἐκδιδόμενον τῶν ἀκτίνων καὶ χρυσῷ λάμποντα μέγεθος ἀετοῦ καὶ
εἶδος ἐς καλιάν τε ἱζάνειν τὴν ἐκ τοῦ ἀρώματος ποιουμένην αὐτῷ πρὸς ταῖς τοῦ
Νείλου πηγαῖς (VA III 49)
haver uma uacutenica produzida pelos raios solares e brilhante de ouro com o tamanho e
a aparecircncia da aacuteguia a qual pousa num ninho que eacute feito por ela mesma com ervas
aromaacuteticas junto das nascentes do Nilo
Os egiacutepcios afirmam que a ave vai ateacute o Egito e os indianos confirmam a informaccedilatildeo
acrescentando ainda que ela ao queimar-se em seu ninho canta hinos fuacutenebres para si mesma
(τῷ λόγῳ τὸ τὸν φοίνικα τὸν ἐν τῇ καλιᾷ τηκόμενον προπεμπτηρίους ὕμνους αὑτῷ ᾄδειν -VA
III 49)
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2315 Seres exoacuteticos
Neste subtoacutepico estatildeo arrolados seres que se diferem por seus haacutebitos como eacute o caso
dos hindus de Taxila e dos comedores de peixes aleacutem de outros seres que possuem
caracteriacutesticas fiacutesicas atiacutepicas como os anotildees a mulher malhada e os pigmeus
Os homens de quatro e cinco cocircvados
Apoacutes passarem do Caacuteucaso eacute narrado que Apolocircnio e seus companheiros
τετραπήχεις ἀνθρώπους ἰδεῖν φασιν οὓς ἤδη μελαίνεσθαι καὶ πενταπήχεις δὲ
ἑτέρους ὑπὲρ τὸν Ἰνδὸν ποταμὸν ἐλθόντες ἐν δὲ τῇ μέχρι τοῦ ποταμοῦ τούτου
ὁδοιπορίᾳ τάδε εὗρον ἀφηγήσεως ἄξια ἐπορεύοντο μὲν γὰρ ἐν σελήνῃ λαμπρᾷ
φάσμα δὲ αὐτοῖς ἐμπούσης ἐνέπεσε τὸ δεῖνα γινομένη καὶ τὸ δεῖνα αὖ καὶ οὐδὲν
εἶναι ὁ δὲ Ἀπολλώνιος ξυνῆκεν ὅ τι εἴη καὶ αὐτός τε ἐλοιδορεῖτο τῇ ἐμπούσῃ τοῖς
τε ἀμφ᾽ οὑτὸν προσέταξε ταὐτὸ πράττειν ταυτὶ γὰρ ἄκος εἶναι τῆς προσβολῆς
ταύτης καὶ τὸ φάσμα φυγῇ ᾤχετο τετριγός ὥσπερ τὰ εἴδωλα (VA II 4)
dizem ter visto homens de quatro cuacutebitos os quais jaacute eram negros e tendo passado
o rio Indo viram outros de cinco cuacutebitos de altura E ateacute alcanccedilar este rio
encontraram isto digno de ser narrado viajavam sob o brilho da lua quando
depararam com a apariccedilatildeo de uma empusa que se transformou de uma coisa em
outra ateacute finalmente se tornar nada Entatildeo Apolocircnio percebeu o que era e ele
mesmo insultou a empusa e mandou que os outros fizessem o mesmo uma vez que
esse era o remeacutedio para aquele ataque E o fantasma voou para longe berrando
como os fantasmas
A mulher malhada
Esta mulher se diz ser consagrada a Afrodite Ao contraacuterio da bela deusa grega esta
mulher multicolor se assemelha a um monstro
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ἐνταῦθα καὶ γυναίῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι τὰ μὲν ἐκ κεφαλῆς ἐς μαζοὺς μέλανι τὰ δὲ
ἐκ μαζῶν ἐς πόδας λευκῷ πάντα καὶ αὐτοὶ μὲν ὡς δεῖμα φυγεῖν τὸν δὲ Ἀπολλώνιον
ξυνάψαι τε τῷ γυναίῳ τὴν χεῖρα καὶ ξυνεῖναι ὅ τι εἴη ἱεροῦται δὲ ἄρα τῇ Ἀφροδίτῃ
Ἰνδὴ τοιαύτη καὶ τίκτεται τῇ θεῷ γυνὴ ποικίλη καθάπερ ὁ Ἆπις Αἰγυπτίοις (VA
III 3)
Neste lugar eles dizem que encontraram uma mulher que era negra da cabeccedila aos
seios mas completamente branca do seu peito ateacute os peacutes e fugiram dela como se
fosse um monstro mas Apolocircnio tomou a matildeo da mulher e entendeu o que ela era
de fato na Iacutendia consagra-se a Afrodite algueacutem assim e nasce em homenagem agrave
deusa uma mulher multicolor assim como Aacutepis entre os egiacutepcios
Sobre os hindus de Taxila
Aleacutem de conter templos magniacuteficos e ser a cidade do rei Fraotes a cidade de Taxila eacute
maravilhosa pelo fato de sua populaccedilatildeo se assemelhar a filoacutesofos
στολὴν δὲ εἶναι τοῖς μετὰ τὸν Ἰνδὸν λίνου φασὶν ἐγχωρίου καὶ ὑποδήματα βύβλου
καὶ κυνῆν ὅτε ὕοι καὶ βύσσῳ δὲ τοὺς φανερωτέρους αὐτῶν φασιν ἐστάλθαι τὴν δὲ
βύσσον φύεσθαι δένδρου φασὶν ὁμοίου μὲν τῇ λεύκῃ τὴν βάσιν παραπλησίου δὲ τῇ
ἰτέᾳ τὰ πέταλα καὶ ἡσθῆναι τῇ βύσσῳ φησὶν ὁ Ἀπολλώνιος ἐπειδὴ ἔοικε φαιῷ
τρίβωνι (VA II 20)
Dizem que a vestimenta dos que habitam do outro do outro lado do Indo eacute de linho
da regiatildeo calccedilados de casca de aacutervore e um chapeacuteu quando chove dizem que os
mais distintos deles se vestem com linho finiacutessimo e que o linho finiacutessimo nasce de
uma aacutervore semelhante ao aacutelamo branco e as folhas satildeo quase iguais agraves do
salgueiro E Apolocircnio diz que ficou encantado com o linho fino uma vez que
parecia com seu manto cinza de filoacutesofo
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Os pigmeus
Comparado a Heroacutedoto e a Filoacutestrato Cteacutesias foi o que mais escreveu acerca dos
pigmeus Em sua obra ele descreve caracteriacutesticas fiacutesicas deles como pelos genitais e narizes
(Indikaacute frag XI) Heroacutedoto natildeo usa o termo pigmeu mas Nichols (2011 p 208) afirma que a
descriccedilatildeo em Histoacuterias (II 32) se refere a eles sendo esse termo usado para descrever pessoas
pequenas Na arte e na literatura greco-romana os pigmeus satildeo associados ao nanismo e a
uma desproporccedilatildeo fiacutesica (principalmente com relaccedilatildeo aos genitais) se tornando assim
emblemas de anormalidade Essa anormalidade humana somada agrave caracteriacutestica de eles serem
vinculados ao exotismo representativo dos espaccedilos aleacutem-fronteira reforccedila a imagem da Iacutendia
como uma regiatildeo afastada da Heacutelade ldquocivilizadardquo (RODRIGUES 2016 p 172)
O retrato de Cteacutesias dos pigmeus eacute bem detalhado
Ὅτι μέσῃ τῇ Ἰνδικῇ ἄνθρωποί εἰσι μέλανες (καλοῦνται Πυγμαῖοι) ὁμόγλωσσοι τοῖς
ἄλλοις Ἰνδοῖς Μικροὶ δέ εἰσι λίαν οἱ μακρότατοι αὐτῶν πηχέων δύο οἱ δὲ
πλεῖστοι ἑνὸς ἡμίσεος πήχεος Κόμην δὲ ἔχουσι μακροτάτην μέχρις ἐπὶ τὰ γόνατα
καὶ ἔτι κατώτερον καὶ πώγωνα μέγιστον πάντων ἀνθρώπων Ἐπειδὰν οὖν τὸν
πώγονα μέγα φύσωσιν οὐκέτι ἀμφιέννυνται οὐδὲν ἱμάτιον ἀλλὰ τὰς τρίχας τὰς μὲν
ἐκ τῆς κεφαλῆς ὄπισθεν καθίενται πολὺ κάτω τῶν γονάτων τὰς δὲ ἐκ τοῦ πώγωνος
ἔμπροσθεν μέχρι ποδῶν ἑλκομένας ἔπειτα περιπυκασάμενοι τὰς τρίχας περὶ ἅπαν
τὸ σῶμα ζώννυνται χρώμενοι αὐταῖς ἀντὶ ἱματίου Αἰδοῖον δὲ μέγα ἔχουσιν ὥστε
ψαύειν τῶν σφυρῶν αὐτῶν καὶ παχύ Αὐτοὶ δὲ σιμοί τε καὶ αἰσχροί Τὰ δὲ πρόβατα
αὐτῶν ὡς ἄρνες καὶ οἱ ὄνοι καὶ αἱ βόες σχεδὸν ὅσον κριοί Καὶ οἱ ἵπποι αὐτῶν καὶ
ἡμίονοι καὶ τὰ ἄλλα κτήνη πάντα οὐδὲν μείζω κριῶν Ἕπονται δὲ τῷ βασιλεῖ τῶν
Ἰνδῶν τούτων τῶν Πυγμαίων ἄνδρες τρισχίλιοι σφόδρα γάρ εἰσι τοξόται
Δικαιότατοι δέ εἰσι καὶ νόμοισι χρῶνται ὥσπερ καὶ οἱ Ἰνδοί Λαγοὺς δὲ καὶ
ἀλώπεκας θηρεύουσιν οὐ τοῖς κυσὶν ἀλλὰ κόραξι καὶ ἰκτίσι καὶ κορώναις καὶ ἀετοῖς
Ὅτι λίμνη ἐστὶν ἐν αὐτοῖς (σταδίων ὀκτακοσίων ἡ περίμετρος) ἐν ᾗ ἀνέμου μὴ
πνέοντος ἐπάνω τῆς λίμνης ἔλαιον ἐφίσταται καὶ πλοαρίοις πλέοντες διacute αὐτῆς ἐκ
μέσης αὐτῆς σκαφίοις τοῦ ἐλαίου ἀπαρύονται καὶ χρῶνται Χρῶνται δὲ καὶ
σησαμίνῳ Ἔχει δὲ ἡ λίμνη καὶ ἰχθύας Καὶ τῷ καρυΐνῳ δὲ χρῶνται κρεῖσσον δὲ τὸ
λιμναῖον (Ind frag XI)
63
Que no meio da Iacutendia haacute homens negros (chamados pigmeus) que falam a mesma
liacutengua que os outros indianos E satildeo muito pequenos os maiores deles tecircm dois
cocircvados mas a maioria meio cocircvado E tecircm o cabelo comprido ateacute o joelho e ainda
mais abaixo e a barba maior que de todos os homens Uma vez pois que a barba
ficava grande natildeo mais vestiam nenhuma roupa mas dos peacutes uma parte deixam
cair da cabeccedila para traacutes ateacute os joelhos a outra parte puxam da barba para frente ateacute
os peacutes em seguida envolvem os pelos ao redor do corpo todo e cingem-se usando
os pelos em lugar de roupa E eles tecircm o genital grande ao ponto de tocar os joelhos
deles e grosso E eles satildeo de nariz achatado e feios E os carneiros deles satildeo como
os cordeiros e os asnos e bois mais ou menos do tamanho de carneiros E os cavalos
deles as mulas e todas as outras criaccedilotildees natildeo satildeo maiores que carneiros E escoltam
o rei da Iacutendia destes pigmeus trecircs mil homens pois satildeo arqueiros muito bons Satildeo
justos e utilizam de leis como tambeacutem os indianos Caccedilam lebres e raposas natildeo com
catildees mas com corvos fuinhas albatrozes e aacuteguias
Que haacute um lago onde moram (com o periacutemetro de 800 estaacutedios) no qual uma vez
que o vento natildeo sopra sobre o lago boia oacuteleo e em barquinhos navegam pelo lago e
do meio dele colhem o oacuteleo em vasilhas e o usam E tambeacutem abusam do gergelim
O lago tem peixe E usam noz A noz do lago eacute melhor
Na VA (VA III 47) o saacutebio Iarcas confirma a existecircncia dos pigmeus na Iacutendia e diz
ser verdade o que descrevem sobre esses homens poreacutem se refere a eles de forma breve
τοὺς δὲ πυγμαίους οἰκεῖν μὲν ὑπογείους κεῖσθαι δὲ ὑπὲρ τὸν Γάγγην ζῶντας
τρόπον ὃς πᾶσιν εἴρηται (VA III 47)
os pigmeus habitam no subsolo ficam do outro lado do Ganges e vivem da forma
como eacute relatada por todos
Os comedores de peixes e os carianos
Os comedores de peixes provecircm de uma cidade chamada Estobera (Στόβηρα) e satildeo
contrastados com uma outra raccedila de hindus os carianos
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διφθέρας δὲ τούτους ἐνῆφθαι μεγίστων ἰχθύων καὶ τὰ πρόβατα τὰ ἐκείνῃ ἰχθυώδη
εἶναι καὶ φαγεῖν ἄτοπα τοὺς γὰρ ποιμένας βόσκειν αὐτὰ τοῖς ἰχθύσιν ὥσπερ ἐν
Καρίᾳ τοῖς σύκοις (VA III 55)
Eles se vestem com a pele de grandes peixes as suas ovelhas tecircm cheiro de peixe e
comem coisas atiacutepicas pois os pastores as alimentam com peixes como na Caacuteria
satildeo alimentadas com figos
65
CAPIacuteTULO III
OS SAacuteBIOS HINDUS
Os saacutebios hindus satildeo personagens essenciais nesta obra Satildeo mencionados desde o
iniacutecio como o alvo principal da viagem de Apolocircnio e satildeo a referecircncia de sabedoria maacutexima
natildeo soacute para Apolocircnio mas tambeacutem para a populaccedilatildeo que os procura para serem curados e
aconselhados bem como para reis que os consultam para tomar decisotildees A essecircncia dessa
sabedoria superior adveacutem do contato deles com os deuses e de seu conhecimento da filosofia
grega Assim os bracircmanes satildeo influentes natildeo apenas filosoficamente mas tambeacutem
politicamente
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus
Como mencionado no primeiro capiacutetulo Apolocircnio se depara com muitas referecircncias agrave
cultura grega aacutetica em sua viagem agrave Iacutendia Nesse sentido o rei Fraotes de Taxila se torna um
siacutembolo uma conexatildeo dessa referecircncia claacutessica com a sabedoria hindu
De acordo com a narrativa Fraotes se assemelha a um filoacutesofo com caracteriacutesticas
pitagoacutericas pois natildeo consome vinho manteacutem uma dieta vegetariana (VA II 26) e se compraz
com a filosofia (VA II 30) Interage tambeacutem com a cultura por outro vieacutes visto que se
exercita agrave maneira grega e oferece um banquete a Apolocircnio (VA II 27) Aleacutem disso possui
habilidades linguiacutesticas notaacuteveis pois fala e tem domiacutenio da literatura e da liacutengua grega (VA
II 27-32) Em um diaacutelogo com Apolocircnio Fraotes narra sua histoacuteria e conta como aprendeu
grego com o seu proacuteprio pai Aos doze anos foi viver com os bracircmanes hindus dos quais
recebeu uma educaccedilatildeo helecircnica (VA II 31) Em virtude dessa educaccedilatildeo junto aos bracircmanes
Fraotes se tornou um soberano que age com moderaccedilatildeo e integridade (VA II 34) Silva
(2017 p 486) considera que por essas caracteriacutesticas Fraotes eacute tido como um modelo de rei
ideal e eacute elogiado por Apolocircnio em vaacuterios momentos
Ao ponderar sobre o contexto em que Filoacutestrato viveu isto eacute o de um grego
submetido a um governo romano e sua proposta de resgatar a cultura helecircnica mediante a
Segunda Sofiacutestica entendemos que o autor acreditava que para um rei agir de forma
moderada e iacutentegra deveria estar imbuiacutedo dos valores e da cultura grega Esse modelo
66
idealizado personificado na figura de Fraotes serviria de criacutetica contra os imperadores
romanos
A partir desse contato com o rei hindu Apolocircnio tem mais notiacutecias sobre os bracircmanes
Sem especificar o nome da cidade Fraotes lhe conta que os saacutebios vivem em um local entre o
rio Hiacutefasis e o Ganges em uma regiatildeo que nunca fora encontrada por Alexandre Mesmo que
Alexandre a tivesse encontrado explica o rei ele natildeo teria sido capaz de tomar posse daquele
local nem que estivesse acompanhado de ldquodez mil Aquiles e trinta mil Aacutejaxrdquo pois os
bracircmanes natildeo lutam contra aqueles que se aproximam de sua torre (τύρσις) mas os repelem
com prodiacutegios e com raios lanccedilados por eles mesmos uma vez que satildeo homens sagrados e
amados pelos deuses (VA II 33) Como exemplo Fraotes cita uma expediccedilatildeo beacutelica
empreendida por Heacuteracles do Egito e Dioniso Apoacutes terem invadido a Iacutendia tentaram tomar a
torre dos saacutebios com um ataque Os bracircmanes ao inveacutes de terem reagido de forma violenta se
mantiveram quietos e passivos Poreacutem quando todos os soldados estavam reunidos para o
ataque final os saacutebios do alto lanccedilaram miacutesseis de fogo e raios sobre eles derrotando os
invasores (VA II 34)
Em outro momento da narrativa Apolocircnio e Iarcas discutem tambeacutem a respeito desse
toacutepico Apolocircnio cita Aquiles como um modelo de heroacutei exemplar que foi celebrado por
Homero tanto por sua coragem quanto por sua beleza superando Aacutejax e Nireu Contudo
Iarcas critica esse modelo defendido por Apolocircnio e sugere uma ruptura desse paradigma de
heroiacutesmo (VA III 19) Assim associamos que a proacutepria histoacuteria dos bracircmanes eacute um exemplo
desse rompimento haja visto que eles foram capazes de repelir os ataques de Dioniso e
Heacuteracles de Alexandre e de todos os outros homens que tiveram intenccedilatildeo de conquistar
aquele local Valorizando a paz e ao mesmo tempo sendo capazes de manter sua
independecircncia os bracircmanes representam a estabilidade e preservam a integridade de seus
valores Ao redor deles impeacuterios nasceram e caiacuteram Poro um dos mais poderosos reis
indianos foi derrotado por Alexandre o qual por sua vez teve o seu proacuteprio impeacuterio
rapidamente desintegrado apoacutes sua morte O contraste entre os dois reis Fraotes e Poro bem
como a forma de seus governos eacute bem marcada quando Fraotes diz a Apolocircnio ldquoPoro amava
a guerra mas eu amo a pazrdquo (Πῶροςrsquo εἶπε lsquoπολέμου ἤρα ἐγὼ δὲ εἰρήνης VA II 26) De
acordo com Abraham (2014 p 478) a veneraccedilatildeo do militarismo e do imperialismo
encontrados em Homero eacute a fonte da decadecircncia da eacutetica grega e essa decadecircncia por sua
vez eacute expressa pela perda do autoconhecimento e em uacuteltima instacircncia da identidade grega
sob o impeacuterio romano
67
Dessa forma temos uma imagem da torre dos bracircmanes como uma fortaleza
impossiacutevel de ser invadida e corrompida Recaiacute sobre eles a proteccedilatildeo natural do local e o
favorecimento dos deuses Ao mesmo tempo o local se constituiria em um bastiatildeo de
sabedoria que preservaria os valores gregos idealizados por Filoacutestrato
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia
Apoacutes uma longa viagem Apolocircnio e seus companheiros finalmente chegam onde a
torre dos bracircmanes estava localizada (VA III 10) Ao se aproximarem curiosamente um
mensageiro hindu vem ateacute eles se comunicando em grego (VA III 12) Segundo a descriccedilatildeo
do texto a torre tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da
planiacutecie e sua posiccedilatildeo natural a protege de ataques pois eacute rodeada por rochas em todos os
lados (VA III 13) Com essa descriccedilatildeo Filoacutestrato compara explicitamente a topografia da
torre dos bracircmanes com a Acroacutepole de Atenas Desde a referecircncia linguiacutestica ateacute a
topograacutefica o autor permite que o leitor crie um mapa mental de Atenas
68
FIGURA 3 - Apolocircnio encontra o mensageiro dos bracircmanes (VA II 11-13) (imagem superior) Apolocircnio
discursa para a populaccedilatildeo de Eacutefeso sobre a praga (VA IV 10) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Na sequecircncia o autor narra que os viajantes precisam passar por um processo de
purificaccedilatildeo primeiro devem purgar os seus pecados mesmo os involuntaacuterios banhando-se
em um poccedilo para em seguida passarem pelo ldquofogo do perdatildeordquo (πῦρ ξυγγνώμης - VA III
14) Segundo Marciano (2014 p 137-139) manter-se puro tambeacutem eacute um preceito pitagoacuterico
A purificaccedilatildeo eacute nesse sentido uma necessidade para se manter limpo das impurezas
transmitidas pelo contato com as outras pessoas Mesmo fora da esfera estritamente cultual a
pureza individual eacute fundamental para evitar a absorccedilatildeo de energias negativas que manchem
natildeo apenas o plano divino mas tambeacutem o proacuteprio componente divino do homem Por isso
continua a autora a vida diaacuteria pitagoacuterica eacute ritualizada em todos os seus atos gestos e
69
palavras de forma a que o indiviacuteduo possa conscientemente preservar a sua pureza respeitar
a esfera divina e evitar que qualquer accedilatildeo sua possa prejudicar a si mesmo e aos outros
Logo apoacutes terem se purificado Apolocircnio e seus companheiros de viagem se foram
para um local onde se depararam com estaacutetuas de deuses indianos e egiacutepcios Poreacutem a
surpresa maior foi terem encontrado entre as demais estaacutetuas dos deuses gregos mais
antigos
θεῶν δὲ ἀγάλμασιν ἐντυχεῖν φασιν εἰ μὲν Ἰνδοῖς ἢ Αἰγυπτίοις θαῦμα οὐδέν τὰ δέ
γε ἀρχαιότατα τῶν παρrsquo Ἕλλησι τό τε τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Πολιάδος καὶ τὸ τοῦ
Ἀπόλλωνος τοῦ Δηλίου καὶ τὸ τοῦ Διονύσου τοῦ Λιμναίου καὶ τὸ τοῦ Ἀμυκλαίου
καὶ ὁπόσα ὧδε ἀρχαῖα ταῦτα ἱδρύεσθαί τε τοὺς Ἰνδοὺς τούτους καὶ νομίζειν
Ἑλληνικοῖς ἤθεσι φασὶ δ᾽ οἰκεῖν τὰ μέσα τῆς Ἰνδικῆς καὶ τὸν ὄχθον ὀμφαλὸν
ποιοῦνται τοῦ λόφου τούτου πῦρ τε ἐπ᾽ αὐτοῦ ὀργιάζουσιν ὅ φασιν ἐκ τῶν τοῦ
ἡλίου ἀκτίνων αὐτοὶ ἕλκειν τούτῳ καὶ τὸν ὕμνον ἡμέραν ἅπασαν ἐς μεσημβρίαν
ᾄδουσιν (VA III 14)
Eles dizem que se depararam com estaacutetuas de deuses e natildeo seria espantoso se
fossem soacute Indianos ou Egiacutepcios mas viram principalmente de Gregos Haviam
estaacutetuas de Atena Poliacuteade de Apolo de Delos e de Dioniacuteso de Limneu e de Amiclas
dentre outras tambeacutem antigas e os hindus estabeleceram praacuteticas gregas comuns
para cultuaacute-las E eles dizem que eles habitam nas partes centrais da Iacutendia e
consideram este pico como o umbigo desta colina onde os saacutebios cultuam o fogo o
qual dizem extrair dos raios solares e para o sol eles cantam um hino todos os dias
ao meio dia
Como descrito acima as estaacutetuas encontradas satildeo de Atena Poliacuteade de Apolo de
Delos e duas de Dioniacuteso uma do Limneu e a outra de Amiclas Abraham (2014 p 472)
observa que aleacutem dessas estaacutetuas pertencerem a cultos originaacuterios do periacuteodo arcaico estaacute
agregado a esse conjunto o culto das cidades de Atenas (Atena Poliacuteade) de Delos (Apolo) e
de Esparta (Dioniso de Limneu e de Amiclas) criando-se desse modo um mapa mental que
unifica as regiotildees da Aacutetica da Jocircnia e do Peloponeso em uma identidade singular Esse
agrupamento ainda segundo Abraham remete agrave tendecircncia da literatura da Segunda Sofiacutestica
de criar a representaccedilatildeo literaacuteria de um passado grego unificado se natildeo homogeneizado
ocultando as diferenccedilas existentes entre as antigas cidades-estado
Eacute interessante destacar que o estranhamento provocado pelas estaacutetuas dessa vez natildeo
se deve ao exotismo da cultura hindu mas agrave similaridade da proacutepria cultura de Apolocircnio em
um lugar tatildeo distante de sua paacutetria Aleacutem disso ao se referir a torre dos bracircmanes como o
70
coraccedilatildeo Iacutendia e ao mesmo tempo como o centro do mundo (ὀμφαλὸν) desloca-se todo o
referencial geopoliacutetico cultural A noccedilatildeo de periferia e centro eacute invertida a Iacutendia fronteira do
mundo ocupa agora a posiccedilatildeo central no lugar da Greacutecia e de Roma Uma das
consequecircncias disso aponta Abraham (2014 p 475) eacute a implicaccedilatildeo de que o centro do
mundo estaacute de fato em uma regiatildeo baacuterbara e natildeo civilizada Atenas e Roma entatildeo passam a
ser percebidas como regiotildees baacuterbaras e incivilizadas independente de sua localizaccedilatildeo
geograacutefica
Se compararmos as representaccedilotildees de Roma da Greacutecia e de Paraca na VA sugere
Abraham (2014 p 476) Esta uacuteltima corresponderia ao centro do mundo ou ao menos agrave sede
de um helenismo natildeo corrompido Roma agrave periferia corruptora e Greacutecia agrave zona
intermediaacuteria corrompida e baacuterbara pela influecircncia de Roma mas ainda possiacutevel de salvaccedilatildeo
Considerando todas essas caracteriacutesticas percebemos que Filoacutestrato nos indica de
forma metafoacuterica coordenadas que localizam a Greacutecia antiga idealizada pelo autor nas
regiotildees distantes da Iacutendia (ABRAHAM 2004 472 ndash 475) O confim da terra agora passa a ser
o ὀμφαλὸν Nele conseguem se comunicar em liacutengua grega os indianos possuem deuses
gregos em comum e compartilham da mesma educaccedilatildeo grega Estes aspectos servem de ponte
para unir dois lugares tatildeo distantes ou em uacuteltima instacircncia podem ser vistos como o
derradeiro elo entre eles
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria
Se por um lado a Iacutendia foi tida como a fronteira do mundo na literatura grega antiga
por outro lado a VA quebra esse paradigma e amplia os limites desse toacutepos literaacuterio
De acordo com Parker (2008 p 301) os gregos comeccedilaram a imaginar a Iacutendia como
lugar de sabedoria personificada na figura dos homens sagrados a partir de Alexandre
Assim os bracircmanes causaram grande impressatildeo nos gregos e nos romanos por representarem
a junccedilatildeo de duas vertentes a primeira agrave virtude de um povo distante desprovido de riquezas
e individualmente representada por Dandacircmis37
a segunda agrave sabedoria dos saacutebios
especialmente dos povos antigos orientais que reforccedila sua posiccedilatildeo marginal em relaccedilatildeo ao
mundo mediterracircneo Com isso ao caracterizar esses homens saacutebios continua o autor talvez
seja necessaacuterio contrastaacute-los com alguns de seus visitantes mais frequumlentes do oeste os
filoacutesofos Estes diferiam natildeo soacute pela sua identidade eacutetnica mas tambeacutem pela paideia Os
37
O saacutebio com quem Alexandre teve contato como consta no Romance de Alexadre
71
gimnosofistas e os bracircmanes possuiacuteam sabedoria sem terem sofrido o aacuterduo processo de
aprendizagem grego um processo que tambeacutem eacute importante para a formaccedilatildeo do saacutebio estoico
e do homem sagrado pagatildeo da Antiguidade Nesse sentido os gimnosofistas e os bracircmanes
oferecem um tipo alternativo de sabedoria
Desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra que Apolocircnio busca os conhecimentos
orientais como fonte de sabedoria Elsner (1997 p 29-30) mostra que o autor usa as viagens
como um reflexo do progresso espiritual de Apolocircnio Assim a grande variedade de tόpoi
etnograacutefico experimentada por Apolocircnio sugere a profundidade e universalidade da sabedoria
que ele dominou e com a qual estaacute equipado para ensinar Filoacutestrato representa seu saacutebio
visitando as fronteiras do mundo conhecido em todas as direccedilotildees norte no Caacuteucaso (VA II
2) leste no Oriente proacuteximo (VA I 21 II 1) e na Iacutendia (VA II 17 III 50) sul no Egito e
Etioacutepia (VA V43 VI 28) e oeste nas Colunas de Heacuteracles (VA IV 47 V 10)
Depois da Iacutendia Apolocircnio passa por Alexandria e segue viagem rumo agrave cidade dos
gimnosofistas localizada entre o Egito e a Etioacutepia (VA VI 5) Como observa Silva (2014 p
277) os gimnosofistas ora satildeo tratados como egiacutepcios (VA I 2 III 32 VI 10-11 VIII 74)
ora como etiacuteopes (VA VI 6 16 VIII 712) Sobre isso Robiano (1992 p 414-415)
menciona que existe uma proximidade entre gimnosofistas e bracircmanes na literatura grega
antiga A exemplo disso o autor cita uma passagem dos Fugitivos de Luciano de Samoacutesata
na qual a personagem Filosofia marca os estaacutegios de sua chegada aos humanos Em suma
depois dos bracircmanes fui diretamente para a Etioacutepia depois para o Egito (μετὰ δ᾽ οὖν τοὺς
Βραχμᾶνας εἰς Αἰθιοπίαν εὐθύς εἶτα εἰς Αἴγυπτον κατέβην Fugitivi VIII) Tambeacutem na VA
os gimnosofistas satildeo considerados inferiores em sabedoria aos bracircmanes (VA VI 6 11 16)
Como afirma Parker (2008 p 264) as viagens trazem sabedoria em particular
aquelas que rumam para uma antiga terra do leste Os bracircmanes por sua vez natildeo viajam mas
satildeo o motivo de viagem para alguns filoacutesofos como no caso de Apolocircnio Contudo Parker
alega (2008 p 254) que a VA foi a primeira obra a considerar a Iacutendia como referecircncia
maacutexima em sabedoria Ao dialogar com Iarcas Apolocircnio afirma considero que sua
sabedoria eacute mais profunda e muito mais divina do que a nossa e se eu natildeo acrescentar nada ao
meu estoque atual de conhecimento enquanto estou com vocecirc ao menos terei aprendido que
natildeo tenho nada mais para aprender (σοφώτερά τε ἡγοῦμαι τὰ ὑμέτερα καὶ πολλῷ θειότερα
εἰ δὲ μηδὲν πλέον ὧν οἶδα παρ᾽ ὑμῖν εὕροιμι μεμαθηκὼς ἂν εἴην καὶ τὸ μηκέτ᾽ ἔχειν ὅ τι
μάθοιμι VA III 16)
Temos assim segundo Elsner (1997 29-31) a construccedilatildeo da imagem dos bracircmanes
como a fonte maacutexima de sabedoria que Apolocircnio poderia alcanccedilar e o resultado dessa viagem
72
agrave Iacutendia eacute justamente o autoconhecimento e a plena maturidade filosoacutefica Essa viagem ao
leste entatildeo eacute apresentada como parte da trajetoacuteria que transformaraacute Apolocircnio em um θεῖος
ἀνήρ no Impeacuterio Romano Ao mesmo tempo essa viagem estabelece um paralelo entre
Apolocircnio Heacuteracles Dioniso e Alexandre nos quais o saacutebio finalmente supera o conquistador
ao adentrar no leste
Assim foi na Iacutendia a fronteira do mundo o lugar onde Apolocircnio atingiu o extremo da
sabedoria
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes
Como mencionado no primeiro capiacutetulo os milagres e as curas de Apolocircnio narrados
na VA satildeo ingredientes que formam a figura de um θεῖος ἀνήρ e compotildeem tambeacutem o
conteuacutedo maravilhoso da obra No terceiro livro enquanto Apolocircnio permanece na torre dos
bracircmanes ele e os saacutebios curam alguns enfermos que para laacute se dirigem
De acordo com Parker (2009 p 89) a literatura antiga valorizava de maneira especial
o conhecimento medicinal hindu Assim os meacutedicos indianos ao contraacuterio de seus
equivalentes gregos eram capazes de curar mordidas de cobras como narrado por Arriano de
Nicomeacutedia (VIII Ind 15 5-11) Segundo Arriano esses meacutedicos (ἰητροί) pertencem a um
subconjunto de filoacutesofos Estrabatildeo tambeacutem fala a respeito da medicina indiana citando Nearco
e Megaacutestenes como fonte (15 145 C706 e 15160 C713)
Na VA algumas das curas realizadas ora por Apolocircnio ora pelos bracircmanes satildeo i) o
exorcismo de um democircnio que possuiacutea um menino haacute dois anos (VA III 38) ii) a
recuperaccedilatildeo de um homem caccedilador de leotildees o qual havia deslocado o quadril por causa do
ataque de um leatildeo iii) o restabelecimento da visatildeo de um homem que teve os olhos
arrancados iv) a restauraccedilatildeo de um outro que tinha uma matildeo paralisada v) e o auxiacutelio ao
parto de uma mulher que jaacute havia sofrido aborto sete vezes (VA III 39)
Em dado momento Iarcas declara que de todos os dons que satildeo concedidos aos
homens o da cura eacute o mais importante (VA III 44) Ao mesmo tempo ele associa o dom da
cura com o da adivinhaccedilatildeo pois este uacuteltimo proporciona o descobrimento de novas curas
Pode-se por exemplo manipular o veneno de certos animais para o tratamento de doenccedilas
Para Iarcas sem uma sabedoria profeacutetica os homens natildeo se arriscariam a misturar venenos
criando medicamentos que salvam vidas Ainda segundo ele os filhos de Ascleacutepio jamais
teriam alcanccedilado esse ramo da ciecircncia se o proacuteprio Ascleacutepio natildeo fosse filho de Apolo Por
73
meio da consulta de oraacuteculos eles prepararam e adaptaram diferentes medicamentos para
diferentes doenccedilas Aleacutem disso teriam aprendido de Ascleacutepio quais ervas devem ser aplicadas
em hemorragias queimaduras e escoriaccedilotildees e quais liacutequidos devem ser administrados para
tratar os pacientes
Essa relaccedilatildeo entre a cura baseada nos ensinamentos de Ascleacutepio e no dom da
adivinhaccedilatildeo estaacute associada agrave sabedoria de Apolocircnio desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra
que Apolocircnio aos quatorze anos se mudou para Tarso a fim de ser educado por Eutidemo
que era um bom orador e originaacuterio da Feniacutecia Mais tarde se mudou para Egas onde existia
uma escola mais conceituada e um templo de Ascleacutepio no qual o deus aparecia para os
homens Foi tambeacutem nesta cidade que Apolocircnio aos dezesseis anos sentiu um impulso e
passou a se dedicar aos ensinamentos pitagoacutericos (VA I 7) A partir de entatildeo Apolocircnio
passou a seguir os preceitos de Pitaacutegoras e foi morar no templo de Ascleacutepio Com isso as
pessoas que moravam nas redondezas do templo passaram a admiraacute-lo e o proacuteprio deus
manifestou ao sacerdote do templo o seu contentamento por ter Apolocircnio como testemunha de
suas curas Consequentemente a reputaccedilatildeo de Apolocircnio aumentou ao ponto de os povos
vizinhos e ateacute mesmo os mais distantes irem ateacute laacute para vecirc-lo (VA I 8) e dele receber curas
(VA I 9-10)
74
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Podemos rastrear ao longo da VA vaacuterios indiacutecios que nos permitem ler a obra como
um instrumento sofisticado para defender os ideais da Segunda Sofiacutestica De acordo com a
leitura que fazemos do texto Filoacutestrato se apropria do personagem de tal forma que vemos
em Apolocircnio natildeo apenas um filoacutesofo pitagoacuterico um saacutebio um θεῖος ἀνήρ em busca da
sabedoria mas principalmente a figura de um difusor da cultura grega A impressatildeo que
temos eacute agrave grosso modo de que Apolocircnio seria a proacutepria Greacutecia personificada
Como menciona Swain (2009 p 34) Filoacutestrato estava ciente da mudanccedila de seu
mundo Uma de suas reaccedilotildees foi arquitetar um modelo idealizado da cultura helecircnica e
apresentaacute-lo como se esta cultura fosse a natural de seus companheiros de elite Sobre isso
Horster (2014 p 11) afirma que para muitas pessoas a educaccedilatildeo seria a maneira mais
importante de se chegar agrave essecircncia da cultura e da religiatildeo grega Nesse sentido somente a
elite intelectual poderia se envolver com ela Partindo desse ideal Filoacutestrato e outros
escritores da Segunda Sofiacutestica agiam no Impeacuterio Romano
Dentro desse contexto a liacutengua foi um veiacuteculo influente Abraham (2009 p 38)
reforccedila que esta eacute uma das caracteriacutesticas da Segunda Sofiacutestica pois autores e oradores
expressavam sua identidade grega simulando a dicccedilatildeo o estilo e o vocabulaacuterio do aacutetico do
seacuteculo V aC O aticismo prevaleceu de tal forma que lexicoacutegrafos comeccedilaram a catalogar o
grego ldquocorretordquo e o ldquoincorretordquo como fez Frinico Arabio que compocircs a Praeparatio
Sophistica um leacutexico no qual categorizava o uso ldquocorretordquo do aacutetico e menosprezava todos os
outros dialetos Em uacuteltima instacircncia o aticismo foi uma simulaccedilatildeo que permitia a algueacutem
reivindicar uma identidade grega Eacute significativo que Filoacutestrato para exaltar as qualificaccedilotildees
heleniacutesticas de Apolocircnio enfatiza que ele falava perfeitamente o aacutetico sem se deixar afetar
pelo sotaque da sua regiatildeo (VA I 7) Aleacutem da performance linguiacutestica exemplar de Apolocircnio
tambeacutem eacute digno de nota que as pessoas mais influentes da Iacutendia falavam habilmente o grego
como o rei Fraotes e os bracircmanes
Nesse sentido de retomada e afirmaccedilatildeo de uma identidade grega a noccedilatildeo de baacuterbaro
retorna agrave eacutepoca claacutessica A separaccedilatildeo entre a etnia e a cultura de fato teve iniacutecio no mundo
heleniacutestico e continuou em Roma A etnicidade permaneceu importante na imaginaccedilatildeo e teve
certamente consequecircncias poliacuteticas e sociais Dentro desse contexto eacute compreensiacutevel que os
autores da Segunda Sofiacutestica tenham tentado estabelecer um estereoacutetipo do ldquogrego purordquo
(SWAIN 2009 p 35)
75
Dadas essas circunstacircncias Abraham (2014 p 476) entende que a corrupccedilatildeo da
identidade grega apresentada por Filoacutestrato sugere uma criacutetica da cultura grega sob o Impeacuterio
Romano Nas palavras de Iarcas (VA III 19) os gregos deveriam se culpar pela degradaccedilatildeo
de sua identidade jaacute que usam o Aquiles homeacuterico (bem como outros heroacuteis similares) como
um modelo de masculinidade que os levou a venerar o imperialismo de uma forma geral
Swain (2009 p 36- 37) sugere que por meio da VA Filoacutestrato idealiza e propotildee um
modelo que intencionaria uma reforma religiosa e moral baseadas nos preceitos da cultura
grega ao enfatizar os feitos de um θεῖος ἀνήρ e de um filoacutesofo-pitagoacuterico exemplar A cultura
helecircnica eacute tida como superior por um lado sob a perspectiva da saacutebia filosofia helecircnica e por
outro decadente se tomarmos como exemplo outros gregos contemporacircneos de Apolocircnio
Swain ainda considera que as reformas propostas por Filoacutestrato na figura de Apolocircnio
dialogariam diretamente com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato e natildeo da de Apolocircnio
Por isso natildeo eacute de forma involuntaacuteria que
Se Apolocircnio compreende todas as liacutenguas sem as ter aprendido o grego eacute
entretanto a liacutengua que tem mais afinidades com a sabedoria Todos os
interlocutores de qualidade com quem Apolocircnio conversa falam grego comeccedilando
por Iarcas o mais saacutebio dos bracircmanes hindus acolhe-o em grego [] Trata-se de
uma forma de dizer que o grego eacute a liacutengua da filosofia (HARTOG 2004 p 227
228 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Com isso entendemos que na eacutepoca de Filoacutestrato mas principalmente segundo a
oacutetica do autor baacuterbaro jaacute natildeo eacute aquele de quem natildeo se entende a liacutengua tendo em vista a
multiplicidade de liacutenguas faladas no impeacuterio mas eacute baacuterbaro aquele que natildeo tenha
incorporadas em si a filosofia e a erudiccedilatildeo grega claacutessica Tanto eacute que o autor usa como palco
central a Iacutendia um lugar-comum da literatura grega como uma regiatildeo selvagem e incivilizada
Na VA a Iacutendia se torna o local onde a sabedoria a filosofia os conhecimentos de liacutengua e
literatura em suma os valores resgatados pela Segunda Sofiacutestica se conservam intactos e
incorrompidos A Iacutendia seria a projeccedilatildeo de uma Greacutecia unificada e idealizada onde Apolocircnio
alcanccedila o niacutevel maacuteximo de sabedoria junto aos bracircmanes Mas a sabedoria aprendida com os
saacutebios eacute a proacutepria sabedoria grega embasada nos preceitos pitagoacutericos Em uacuteltima instacircncia
Filoacutestrato apresenta a cultura grega como superior agrave cultura de outros povos
A Iacutendia natildeo conserva apenas esses valores mas simula a Greacutecia mais exatamente
Atenas devido agrave comparaccedilatildeo topograacutefica expliacutecita feita entre a torre dos bracircmanes e a
Acroacutepole (VA III 13) Aleacutem disso Filoacutestrato tambeacutem projeta na Iacutendia a figura de um
76
governante idealizado personificado em Fraotes Fraotes eacute um rei ideal porque teve junto aos
bracircmanes a formaccedilatildeo grega e portanto essa erudiccedilatildeo norteia suas accedilotildees A Iacutendia eacute entatildeo
como afirma Abraham (2009 p 11) o lugar onde a identidade grega existe em sua forma pura
e inalterada pela avidez imperialista
Parker (2008 p 259) reforccedila que a paideia como um ideal comum e conector das
elites locais foi divulgada mais intensamente por esses filoacutesofos no leste do Impeacuterio Romano
Pode-se dizer que promoveu a criaccedilatildeo de uma comunidade imaginada de homens eruditos
com base em uma visatildeo seletiva da histoacuteria Nesse mundo divergente os filoacutesofos gregos
tornaram-se siacutembolos de uma cultura comum entre os aristocratas em uma ampla aacuterea
geograacutefica Eacute nesse contexto que segundo o autor devemos ponderar com base na VA como
e por que os saacutebios indianos capturaram a imaginaccedilatildeo greco-romana
Em particular a figura dos bracircmanes oferece a oportunidade de construir um ideal ao
mesmo tempo improvaacutevel e desejaacutevel que era o da sabedoria sem a paideia (PARKER 2008
p 304-305) Poreacutem na VA Filoacutestrato se apropria e faz outro uso da figura dos bracircmanes eles
representam o apogeu o limite maacuteximo da sabedoria justamente porque sua sabedoria e seus
ritos dialogam com o modelo claacutessico ateniense
Abraham (2014 p 472-473) infere que Paraca eacute mais uma realizaccedilatildeo da frequente
citaccedilatildeo de Apolocircnio de que ldquopara o homem saacutebio a Greacutecia estaacute em todos os lugares e ele natildeo
considera nem acredita que algum lugar seja deserto ou baacuterbaro se ele estiver vivendo sob a
visatildeo da virtuderdquo (σοφῷ ἀνδρὶ Ἑλλὰς πάντα καὶ οὐδὲν ἔρημον ἢ βάρβαρον χωρίον οὔτε
ἡγήσεται ὁ σοφὸς οὔτε νομιεῖ ζῶν γε ὑπὸ τοῖς τῆς ἀρετῆς ὀφθαλμοῖς ndash VA I 34) Logo
independentemente de onde estiver o homem saacutebio eacute sempre um homem saacutebio na medida em
que ele a todo momento se comporta como um Essa consistecircncia de caraacuteter tem um efeito
transformador em sua localizaccedilatildeo permitindo que ele encontre a Greacutecia em todos os lugares
Em essecircncia estar na Greacutecia equivale a ter autoconhecimento e viver esse
autoconhecimento A realizaccedilatildeo da Greacutecia na Iacutendia assim explicada pela correlaccedilatildeo entre
autoconhecimento e helenismo Iarcas abrindo-se as indaganootildees de Apolocircnio afirma
ldquopergunte o que vocecirc quiser pois vocecirc se encontra entre um povo que sabe tudordquo (VA III
18) Apolocircnio entatildeo pergunta se os bracircmanes conhecem a si proacuteprios pois os gregos
consideram difiacutecil afirmar que se autoconhecem Iarcas curiosamente responde sabemos
todas as coisas uma vez que primeiro nos conhecemos (πάντα γιγνώσκομεν ἐπειδὴ πρώτους
ἑαυτοὺς γιγνώσκομεν - VA III 18) O autoconhecimento continua o autor considerado uma
coisa difiacutecil de se adquirir no pensamento grego se torna o ponto de partida da filosofia dos
bracircmanes
77
Finalmente natildeo podemos deixar de ter em mente que escrever eacute um ato poliacutetico Sem
desconsiderar o deleite que uma leitura pode proporcionar uma de nossas surpresas foi
perceber como a VA foi um instrumento poliacutetico Sob o domiacutenio imperial Romano o escritor
grego Flaacutevio Filoacutestrato viveu entre os seacuteculos II e III durante o governo da dinastia dos
Severos (193-225) De forma simplificada entendemos o Impeacuterio Romano como um difusor e
infusor de identidades e culturas e esse foi um periacuteodo de questionamentos para Filoacutestrato e
para os outros escritores da Segunda Sofiacutestica Pertencente agrave elite aleacutem de escritor Filoacutestrato
exerceu uma carreira poliacutetica na Greacutecia e manteve bom relacionamento com os Severos o que
lhe permitiu ter um contato mais proacuteximo com o cenaacuterio poliacutetico imperial em que viveu
Aleacutem de acompanhar o imperador Septiacutemio Severo em viagens Filoacutestrato tambeacutem
interagiu intelectualmente com a imperatriz Juacutelia Domna De acordo com Filoacutestrato foi a
pedido dela que ele escreveu a biografia de Apolocircnio Ao compor a VA o autor se apropriou
da figura de Apolocircnio e personificou nele o modelo idealizado de um homem saacutebio o qual
usou para criticar os governantes do Impeacuterio Romano Poreacutem suas criacuteticas dialogam natildeo
apenas com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato ou de Apolocircnio elas denotam
principalmente a aspiraccedilatildeo do autor de restaurar e afirmar a identidade e a cultura grega
claacutessica atribuindo-lhes o status de fonte da sabedoria e da cultura do ocidente
78
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leitura de a Vida de Apolocircnio de Tiana de Filoacutestrato Nathalia Thomazella ndash 2018
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Orientador Jacyntho Lins Brandatildeo
Aacuterea de concentraccedilatildeo Literaturas Claacutessicas e Medievais
Linha de pesquisa Literatura Histoacuteria e Memoacuteria Cultural
Dissertaccedilatildeo (mestrado) ndash Universidade Federal de Minas
Gerais Faculdade de Letras
Bibliografia f 78-82
1 Filostrato Flaacutevio ca170-ca249 ndash Vida de Apolocircnio de Tiana ndash Criacutetica e interpretaccedilatildeo ndash Teses 2 Apolocircnio de Tiana ndash Teses 3 Filoacutesofos ndash Greacutecia ndash Biografia ndash Obras anteriores a 1800 ndash Teses 4 Sofistas (Filosofia grega) ndash Biografia ndash Teses 5 Iacutendia na literatura ndash Teses 6 O maravilhoso na literatura ndash Teses I Brandatildeo Jacyntho Lins II Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras III Tiacutetulo
CDD 8889
Agradecimentos
Ao professor Jacyntho pela orientaccedilatildeo paciente pelos conselhos e pelas correccedilotildees
Ao professor Teodoro por ter me ajudado a direcionar este trabalho pelos apontamentos
feitos e por ter lido meu Projeto de Dissertaccedilatildeo com tanto cuidado e atenccedilatildeo
Ao professor Antonio Orlando sempre soliacutecito pelo material de apoio e pelas conversas
enriquecedoras
Ao Dudu pela amizade
Ao Marcelo Brugger por termos passado pela experiecircncia do mestrado juntos
Aos meus pais Marcos e Rosana agradeccedilo com amor pelo exemplo e pelo acolhimento
Agrave Nayara por trazer leveza e alegria ao meu dia a dia
Ao Felipe pelo amparo pelo companheirismo pela paciecircncia e pelo carinho senza fine
Agrave Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio
financeiro
RESUMO
Este trabalho propotildee uma leitura e anaacutelise dos livros II e III da obra Vida de Apolocircnio
de Tiana de Filoacutestrato os quais se dedicam a descrever a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Nos
concentramos mais especificamente no que diz respeito agrave natureza exoacutetica e aos homens
saacutebios com os quais o personagem teve contato nesse paiacutes Nos capiacutetulos apresentamos e
discutimos algumas polecircmicas que circundam natildeo apenas a obra em si mas tambeacutem o proacuteprio
protagonista desse livro O corpus selecionado destaca trechos que valorizam os toacutepicos
estudados nessa pesquisa os quais possibilitam uma releitura natildeo apenas do personagem
como tambeacutem da forma com que a Iacutendia era retratada pelos gregos antigos
Palavras-chave Filoacutestrato Vida de Apolocircnio de Tiana maravilhoso saacutebios hindus
ABSTRACT
This study purposes a reading and an analysis of the books II and III of Philostratusrsquo
Life of Apollonius of Tyana which describe the Apollonius travel to India Mainly we focus
on this exotic nature and on the sages which the character had contact in that land In the
chapters we present and discuss some controversies that surround the work itself but also its
protagonist The selected corpus highlights sections that value the studied topics in this
research which enables a rereading not only of its character but also the way that India was
postrayed by the ancient Greeks
Key- words Philostratus Life of Apollonius of Tyana wonder hindu sages
5
SUMAacuteRIO
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS 6
INTRODUCcedilAtildeO 7
CAPIacuteTULO I 9
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA 9
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana 10
12 Quem era Apolocircnio de Tiana 12
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo 14
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano 19
14 Por que a Iacutendia 23
CAPIacuteTULO II 27
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA 27
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia 27
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites 29
23 O maravilhoso em VA 31
231 As maravilhas da Iacutendia 33
CAPIacuteTULO III 65
OS SAacuteBIOS HINDUS 65
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus 65
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia 67
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria 70
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes 72
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 74
REFEREcircNCIAS 78
6
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS
Ct = Cteacutesias de Cnido
Ind Indikaacute (Ἰνδικά)
Fil = Filoacutestrato
VS Vida dos Sofistas (Βίοι Σοφιστῶν)
VA Vida de Apolocircnio de Tiana (Τὰ ἐς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον1)
Hdt = Heroacutedoto
Hist Histoacuterias (Ἰστορἴαι)
Hes = Hesiacuteodo
Teog Teogonia (Θεογονία)
Hom = Homero
Il Iliacuteada (Ἰλιάς)
Od Odisseia (Οδύσσεια)
1 O tiacutetulo da obra eacute debatido entre os estudiosos De acordo com Swain (2013 p 81) o tiacutetulo da obra seria Τὰ ἐς
τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον o qual eacute usado pelos tradutores desde a ediccedilatildeo de 1844 de Kayser Poreacutem Boter (2015)
argumenta que o tiacutetulo mais genuiacuteno da obra seria Εἰς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον sendo o significado do tiacutetulo
intencionalmente ambiacuteguo pois poderia ser traduzido como Sobre Apolocircnio de Tiana ou Em honra a Apolocircnio
de Tiana
7
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo eacute continuaccedilatildeo da nossa pesquisa iniciada na Graduaccedilatildeo onde fizemos
um estudo e traduccedilatildeo da obra Indikaacute de Cteacutesias de Cnido Os fragmentos de Cteacutesias nos
apresentam a Iacutendia como uma terra selvagem habitada por seres hiacutebridos e por monstros com
medidas e riquezas exuberantes como sendo o limite do mundo Algumas das coisas
retratadas por Cteacutesias tiveram antecedente nas Histoacuterias de Heroacutedoto e a partir de entatildeo a
Iacutendia tornou-se um toacutepos do maravilhoso na literatura grega antiga Depois do Romance de
Alexandre os bracircmanes se tornaram uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana e desde entatildeo a Iacutendia eacute tida como maravilhosa natildeo apenas por suas caracteriacutesticas
fiacutesicas mas tambeacutem por sua sabedoria elevada (PARKER 2008 p 143 e 251)
Ao lermos a Vida de Apolocircnio de Tiana (VA) de Filoacutestrato percebemos que esta obra
dialoga com estas duas vertentes a respeito da Iacutendia Publicado em 217 (FRANCIS 1998 p
420) este livro narra a vida de Apolocircnio um filoacutesofo pitaacutegorico da cidade de Tiana situada
na regiatildeo da Capadoacutecia que teria vivido durante o reinado de Domiciano (81-96) Desde os
dezesseis anos Apolocircnio seguiu os preceitos pitagoacutericos e em busca de uma sabedoria
suprema teve como objetivo viajar ateacute os bracircmanes Consequentemente a Iacutendia ocupa um
lugar essencial na narrativa e dos oito livros que compotildeem a obra dois deles se dedicam a
descrever a experiecircncia de Apolocircnio junto aos hindus
Por esses motivos nos dedicamos a estudar os livros II e III da VA Dentro dessa
seleccedilatildeo selecionamos destacamos e traduzimos trechos que ressaltam o caraacuteter maravilhoso
da obra tanto os que dizem respeito agrave sua descriccedilatildeo geograacutefica e etnograacutefica quanto os que
retratam a sabedoria bracircmane Nos momentos em que encontramos alusotildees aos escritores
Heroacutedoto e Cteacutesias comparamos e contrastamos as fontes com a finalidade de perceber de
que modo a tradiccedilatildeo acerca da Iacutendia inciada por estes dois autores tem continuidade em
Filoacutestrato
Para isso dividimos o trabalho em trecircs capiacutetulos No primeiro capiacutetulo fizemos um
estudo sobre o autor Flaacutevio Filoacutestrato sua obra Vida de Apolocircnio de Tiana e a figura de
Apolocircnio de Tiana Discutimos sobre as polecircmicas e divergentes concepccedilotildees sobre o autor e a
personagem para entendermos melhor o contexto em que a obra foi escrita
No segundo capiacutetulo discorremos a respeito do caraacuteter maravilhoso da VA e
selecionamos trechos que descrevem a natureza hindu Dividimos em seccedilotildees que retratam a
descriccedilatildeo da geografia da hidrografia do clima da Iacutendia dos animais e dos seres exoacuteticos
8
narrados por Filoacutestrato Ao arrolar estas passagens cotejamos com trechos das Histoacuterias e dos
Indikaacute No terceiro capiacutetulo ao estudar sobre o contato que Apolocircnio teve com os bracircmanes
seus ritos e suas discussotildees percebemos como essa obra contribuiu para a formaccedilatildeo de um
modelo idealizado de uma cultura grega claacutessica unificada
Dessa forma sob a oacutetica de um escritor tardio que escreveu quase seiscentos anos
depois de Heroacutedoto e de Cteacutesias ainda lemos a Iacutendia ainda como uma terra maravilhosa
9
CAPIacuteTULO I
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA
De acordo com o Suda (leacutexico medieval bizantino que cataloga escritores e obras da
Antiguidade) existem trecircs escritores catalogados com o nome de Filoacutestrato no final do seacuteculo
II e iniacutecio do seacuteculo III (SILVA 2014a p 31) Destes trataremos de Flaacutevio Filoacutestrato
chamado de ldquoo Segundordquo filho de Filoacutestrato Vero Sabe-se que sua famiacutelia habitava a ilha de
Lemnos territoacuterio ateniense e que ele nasceu por volta de 170 (BOWIE 2009 p19)
Filho de uma famiacutelia abastada pertencente agrave ordem senatorial Filoacutestrato teve uma
educaccedilatildeo voltada aos interesses dessa camada social Foi um destacado sofista tanto em
Atenas quanto em Roma e viveu no Impeacuterio Romano durante o governo da dinastia dos
Severos (193 ndash 225) com a qual teve boas relaccedilotildees e a qual acompanhou em viagens (SILVA
2013a p 2) Ele tambeacutem teria sido membro do ciacuterculo social de Juacutelia Domna esposa do
imperador Septiacutemio Severo como nos informa o proacuteprio autor em um trecho de sua obra Vida
de Apolocircnio de Tiana
μετέχοντι δέ μοι τοῦ περὶ αὐτὴν κύκλου mdash καὶ γὰρ τοὺς ῥητορικοὺς πάντας λόγους
ἐπῄνει καὶ ἠσπάζετο mdash μεταγράψαι τε προσέταξε τὰς διατριβὰς ταύτας καὶ τῆς
ἀπαγγελίας αὐτῶν ἐπιμεληθῆναι τῷ γὰρ Νινίῳ σαφῶς μέν οὐ μὴν δεξιῶς γε
ἀπηγγέλλετο (VA I 3)
Quanto a mim que fazia parte do seu ciacuterculo (jaacute que ela elogiava e apreciava todos
os discursos retoacutericos) me incubiu ela de redigir estes ensaios e me ocupar da sua
publicaccedilatildeo pois [Dacircmis] o de Nino fez sua narrativa de forma clara mas natildeo
praacutetica2
Natildeo se sabe ao certo o que seria esse ciacuterculo social (κύκλου) nem se ele realmente
existiu Cogita-se a hipoacutetese de ter sido um grupo literaacuterio composto por alguns artistas e
escritores para discutir questotildees literaacuterias e filosoacuteficas ou um grupo seleto de intelectuais
2 A traduccedilatildeo para o portuguecircs desta passagem assim como a de outras que apareceratildeo ao longo deste trabalho eacute
de nossa autoria
10
formado por meacutedicos poetas escritores filoacutesofos juristas historiadores e membros do
ciacuterculo imperial (SILVA 2014a p 49) 3
Aleacutem desse contato com a imperatriz Filoacutestrato tambeacutem exerceu cargos poliacuteticos De
acordo com indicaccedilotildees epigraacuteficas o autor foi general hoplita4 em Atenas provavelmente nos
anos 200 e 210 e representante do governo de sua cidade (BOWIE 2009 p19-20) Ademais
acredita-se que a estaacutetua que haacute em Oliacutempia eacute dedicada a Flaacutevio Filoacutestrato na qual lecirc-se a
seguinte inscriccedilatildeo ldquoAgrave Boa Fortuna segundo a decisatildeo do Conselho Oliacutempico o sofista
Flaacutevio Filoacutestrato de Atenas sofista a mais ilustre paacutetria elevou a estaacutetuardquo (SILVA 2014a p
33) Segundo Martiacutenez (2006 p 456 apud Silva 2014a p33) os sofistas eram usualmente
homenageados com estaacutetuas nas cidades gregas pois essa era uma forma de reconhecer seus
encargos puacuteblicos e poliacuteticos
Filoacutestrato escreveu algumas obras e atualmente satildeo reconhecidas como sendo de sua
autoria Vida de Apolocircnio de Tiana (a maior fonte de informaccedilotildees que temos sobre Apolocircnio)
Vida dos Sofistas Heroicos Imagens Cartas Ginaacutestico Nero e um discurso retoacuterico
conhecido como Diaacutelexis 2 (ELSNER 2009 p 4) Apesar de natildeo haver consenso entre os
pesquisadores sobre a autoria de todas essas obras considera-se que Vida de Apolocircnio de
Tiana (VA) e Vida dos Sofistas (VS) tenham sido escritas por Flaacutevio Filoacutestrato haja vista que
VA eacute citada em sua obra posterior VS (SILVA 2014 p 59) Estas satildeo as duas obras mais
conhecidas de Filoacutestrato sendo que VS eacute uma seacuterie de sessenta biografias de sofistas ceacutelebres
do Impeacuterio Romano dividida em dois livros e a VA eacute uma biografia sobre o saacutebio Apolocircnio
de Tiana composta por dois volumes tendo cada um deles oito livros
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana
Feita sob encomenda da imperatriz Juacutelia Domna Filoacutestrato escreveu as memoacuterias de
Apolocircnio um saacutebio da cidade de Tiana pertencente agrave regiatildeo da Capadoacutecia (VA I 3) que
teria vivido cerca de um seacuteculo antes durante o reinado de Domiciano (81 ndash 96) Foi
publicada provavelmente depois da morte da imperatriz em 217 (FRANCIS 1998 p 420)
A obra descreve o nascimento de Apolocircnio e sua juventude devotada agrave aprendizagem
dos princiacutepios pitagoacutericos e do autoconhecimento Posteriormente ele empreende uma seacuterie
de viagens passando por vaacuterias regiotildees com o objetivo principal de chegar agrave Iacutendia e de se
3 Para uma discussatildeo detalhada sobre esse assunto cf Silva 2014a p 49 - 52
4 Nesse periacuteodo essa magistratura se encarregava especialmente de assegurar o abastecimento alimentiacutecio da
cidade
11
encontrar com os bracircmanes hindus em busca do conhecimento filosoacutefico (VA I 18 32 II
11 III 16 29 IV 47) Durante o percurso satildeo narradas as impressotildees reflexotildees o diaacutelogo
de Apolocircnio com cidadatildeos e reis suas intervenccedilotildees poliacuteticas as curas e os milagres feitos por
ele Francis (1998 p 420) sintetiza a obra afirmando que Apolocircnio ldquoviaja pelo mundo
mediterracircneo discursando sobre a verdadeira filosofia e religiatildeo pregando ideais culturais
gregos profetizando e realizando milagresrdquo e ldquoquando retorna da Iacutendia Apolocircnio eacute
aclamado pelo mundo cultural grego e se envolve ativamente nos negoacutecios das cidades da
Aacutesia Menor e da Greacutecia (IV 2-33)rdquo
Nesse sentido a VA eacute uma biografia embora seja considerada demasiadamente longa
sendo uma das biografias mais extensas que sobreviveram da Antiguidade com conteuacutedos
demasiadamente variados (KEMEZIS 2014 p 62) O proacuteprio autor usa a palavra βίος em VA
(V 39) 5 talvez para caracterizar sua obra talvez com a intenccedilatildeo de transformar Apolocircnio em
um modelo de homem a ser seguido por seu valor moral ou ainda para dar credibilidade agrave
obra (SILVA 2014a p 86) Com base na historiografia do periacuteodo claacutessico e desenvolvido
no periacuteodo heleniacutestico esse gecircnero literaacuterio teve como uma de suas caracteriacutesticas principais
biografar pessoas que serviriam de exemplo para a comunidade (SILVA 2012 p 2)
Martiacutenez e Dosse tambeacutem discutem essa relaccedilatildeo entre biografia e vidas exemplares na
Antiguidade O primeiro afirma que a biografia serve para veicular as ideias sobre o
comportamento moral individual tornando-se com isso um instrumento de ideologia poliacutetica
(MARTIacuteNEZ 2004 p 48) O segundo enuncia que nessa eacutepoca o discurso das virtudes foi
incorporado agrave biografia e consequentemente estabeleceram-se modelos moralizantes (2009
p 123 apud Carvalho 2011 p 131) Esses modelos entatildeo formaram uma tradiccedilatildeo na
Antiguidade a tradiccedilatildeo dos valores heroicos e apoacutes a cristianizaccedilatildeo a dos valores religiosos
sendo ambos embasados em vidas exemplares (CARVALHO 2011 p 131)
Contudo o gecircnero literaacuterio da VA ainda eacute bastante debatido De uma forma geral os
comentadores classificam a obra em um determinado gecircnero literaacuterio mas afirmam que o
texto tem caracteriacutesticas muito evidentes de outros gecircneros Os estudiosos que consideram
esse texto como biografia satildeo Zeitlin (2001) Abraham (2009) Elsner (2009) e Silva (2014)
Bowie (2009) por outro lado o tem como romance Jaacute Pajares em sua introduccedilatildeo da traduccedilatildeo
da VA para a Editorial Gredos (1992) afirma que esse texto tem predominantemente
caracteriacutesticas biograacuteficas mas com influecircncia da paradoxografia (obras dedicadas agrave
5 ldquoQuanto a mim vou afastar desse homem jaacute que natildeo foi minha intenccedilatildeo difamaacute-lo mas possibilitar o relato da
vida de Apolocircnio a quem ainda natildeo a conhecerdquo (VA V 39) Texto grego ἐμοὶ δὲ ἀφεκτέα τοῦ ἀνδρός οὐ γὰρ
ἐκεῖνον διαβαλεῖν προὐθέμην ἀλλὰ παραδοῦναι τὸν Ἀπολλωνίου βίον τοῖς μήπω εἰδόσι
12
exploraccedilatildeo de maravilhas ou coleccedilotildees de mirabilia)6 do romance e da aretologia Para
Uytfanghe (2009) a VA eacute uma hagiografia (relatos ou biografias de homens santos) enquanto
que para Cornelli (2001) trata-se de uma aretologia Por fim Holzberg (1996) e Flinterman
(2009) a classificam como biografia ficcional ao passo que Francis (1998) a considera um
gecircnero formado com todas essas caracteriacutesticas
Para compor a VA Filoacutestrato afirma ter usado como fontes i) informaccedilotildees coletadas
em cidades nas quais Apolocircnio era adorado e em templos restaurados por ele ii) cartas
escritas pelo proacuteprio Apolocircnio nas quais discorria a respeitos dos deuses dos costumes dos
princiacutepios morais das leis aleacutem de comentar sobre as falhas humanas (VA I 2) iii) relatos
deixados por pessoas com quem ele teve contato como reis sofistas filoacutesofos e homens
gregos indianos e egiacutepcios iv) um livro de memoacuterias de Dacircmis disciacutepulo de Apolocircnio v) e
um livro de Maacuteximo de Egas no qual o autor registra a passagem de Apolocircnio por essa
cidade Aleacutem destas fontes Filoacutestrato diz ainda ter consultado um livro escrito por
Moeragenes Contudo Filoacutestrato afirma ter rejeitado essa fonte pelo fato de o autor ser
ignorante de vaacuterios aspectos da vida de Apolocircnio (VA I 3)
12 Quem era Apolocircnio de Tiana
Apolocircnio de Tiana nasceu na Capadoacutecia em meados de 40 iniacutecio da era cristatilde Teria
sido um saacutebio itinerante e filoacutesofo neopitagoacuterico Enquanto esteve vivo natildeo se tornou muito
famoso salvo no norte da Siacuteria e na Aacutesia Menor onde era conhecido como um mago
beneficente e um curador Na biografia feita por Filoacutestrato Apolocircnio eacute universalmente
aclamado influente e ateacute mesmo um homem semidivino que teria feito muitos milagres
profecias e exorcizado democircnios Quando morreu seu corpo e sua alma teriam ascendido ao
ceacuteu (YSSELT 1994 p 351)
De acordo com Flinterman (2009 p 157 ndash 158) Apolocircnio teria direcionado sua vida
segundo os preceitos definidos por Pitaacutegoras Esses preceitos eram basicamente a renuacutencia
ao uso de produtos de origem animal da vestimenta agrave alimentaccedilatildeo e a rejeiccedilatildeo dos sacrifiacutecios
de animais Fazia parte tambeacutem desse estilo de vida asceacutetico a praacutetica do silecircncio entre seus
seguidores
6 De acordo com Nichols (2011 p 30) a partir do seacutec III aC no periacuteodo heleniacutestico a paradoxografia jaacute
aparece como um gecircnero literaacuterio bem desenvolvido
13
Seguindo os passos de Pitaacutegoras aos dezesseis anos Apolocircnio decide aderir a esse
estilo de vida (VA I 7) Desse modo primeiramente Apolocircnio renunciou ao consumo de
carne com o argumento de que esta era impura e deixava a mente impolida passando a seguir
uma dieta agrave base de frutas secas e vegetais Abdicou tambeacutem da ingestatildeo do vinho pois
apesar de ser uma bebida pura desequilibrava a mente (VA I 8)7 Depois de desintoxicar seu
corpo Apolocircnio parou de usar qualquer produto de origem animal como sapatos e soacute usava
vestes de linho (VA I 8)8 Aleacutem disso deixou crescer seu cabelo (VA I 8) e sua barba Sobre
isso Flinterman (2009 p 159) destaca que no iniacutecio do periacuteodo imperial o cabelo comprido
era considerado uma caracteriacutestica distintiva dos filoacutesofos pitagoacutericos Todavia Apolocircnio
privou-se tambeacutem da vida conjugal e do sexo mantendo o celibato Nesse caso contudo o
celibato foi uma medida tomada aleacutem dos preceitos do pitagorismo pois Filoacutestrato menciona
que Pitaacutegoras era renomado por defender a monogamia (VA I 13)
9 Ademais ele natildeo
participava e era contra sacrifiacutecios de sangue tanto em ritos religiosos quanto em espetaacuteculos
de gladiadores (VA I 10 31 IV 22 V 25) Por fim fez voto de silecircncio durante cinco anos
(VA I 14 - 15)
Assim segundo Filoacutestrato o modo de vida de Apolocircnio propiciaria um conhecimento
privilegiado do mundo e uma comunicaccedilatildeo com a esfera divina Nesse sentido o diaacutelogo com
o rei parto Vardanes eacute ilustrativo Nele Apolocircnio diz que Pitaacutegoras o ensinou a venerar os
deuses e a estar atento a eles independentemente se eles eram visiacuteveis ou natildeo e a estar
frequentemente em diaacutelogo com eles bem como se vestir com o linho produto natildeo de origem
animal mas da terra e da aacutegua Tambeacutem faziam parte desse aprendizado manter o cabelo
longo como disciplina se manter puro ao natildeo consumir carne e natildeo acompanhar algueacutem no
consumo de bebidas alcooacutelicas assim como natildeo viver uma vida ociosa ou luxuosa mas
auxiliar as pessoas que tecircm problemas de conduta (VA I 32)
7 Como descrito na proacutepria obra para Apolocircnio o vinho ldquoera uma bebida pura por vir aos homens de uma planta
tatildeo bem cultivada mas era contraacuterio agrave formaccedilatildeo da mente por escurecer o eacuteter que havia na almardquo (VA I 8)
Texto grego καὶ τὸν οἶνον καθαρὸν μὲν ἔφασκεν εἶναι πῶμα ἐκ φυτοῦ οὕτως ἡμέρου τοῖς ἀνθρώποις ἥκοντα
ἐναντιοῦσθαι δὲ τῇ τοῦ νοῦ συστάσει διαθολοῦντα τὸν ἐν τῇ ψυχῇ αἰθέρα 8 Essa caracteriacutestica eacute bem marcada no momento em que o rei indiano Fraotes lhe daacute vaacuterios presentes e Apolocircnio
aceita apenas as vestes de linho como consta no trecho que segue ldquoO hindu lhe deu ouro pedras preciosas
vestidos de linho e milhares de coisas Apolocircnio disse que tinha ouro o suficiente pois Vardanes tinha dado a
ele escondido dele ao guia mas que aceitaria os vestidos de linho porque se assemelhavam ao manto filosoacutefico
dos antigos e eram mesmo aacuteticosrdquo (VA II 40) Texto grego καὶ χρυσίον δὲ ἐδίδου ὁ Ἰνδὸς καὶ ψήφους καὶ
ὀθόνας καὶ μυρία τοιαῦτα ὁ δὲ Ἀπολλώνιος lsquoχρυσίον μὲνrsquo ἔφη lsquoἱκανὸν ἑαυτῷ εἶναι δόντος γε Οὐαρδάνου τῷ
ἡγεμόνι ἀφανῶς αὐτό τὰς δὲ ὀθόνας λαμβάνειν ἐπειδὴ ἐοίκασι τρίβωνι τῶν ἀρχαίων τε καὶ πάνυ Ἀττικῶν 9 Sobre esse assunto cf tambeacutem Flinterman 2009 p 161
14
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo
Em VA Apolocircnio eacute afamado por seu estilo de vida asceacutetico bem como por fazer
milagres Dadas essas caracteriacutesticas em alguns momentos da narrativa Apolocircnio eacute chamado
de θεῖος ἀνήρ (homem divino) Justi (2012 p 15) nos informa que o principal elemento
associado ao termo eacute que o homem divino possui caracteriacutesticas excepcionais expressas por
meio do poder miraculoso e da sabedoria extraordinaacuteria Um homem assim identificado era
geralmente itinerante e tido por seus seguidores como um salvador divino graccedilas aos seus
poderes prodigiosos
Alguns dos milagres realizados por Apolocircnio foram i) salvar a cidade de Eacutefeso de
uma praga (IV 10) ii) exorcizar democircnios (IV 20) iii) curar um jovem rapaz em Tarso que
fora mordido por um catildeo raivoso (VI 43) iv) prever a morte do imperador Domiciano (VIII
26)
FIGURA 1 - Apolocircnio curando um jovem ateniense possuiacutedo (VA IV 20) (imagem superior) Apolocircnio
ressuscita uma garota morta em Roma (VA IV 45) (imagem inferior) Desenho de Johannes Stradanus (Bruges
I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings vol 32
n 04 1994 p 353
15
Ademais ele eacute reconhecido como divino em diversas passagens do texto10
Em uma
delas o rei indiano Fraotes escreve uma carta ao bracircmane Iarcas o saacutebio hindu mais antigo
aconselhando-o a dar igualdade de tratamento a Apolocircnio
ἐπιστελῶ δὲ καὶ Ἰάρχᾳ τῷ πρεσβυτάτῳ τῶν σοφῶν ἵν᾽ Ἀπολλώνιον μὲν ὡς μηδὲν
κακίω ἑαυτοῦ δέξηται ὑμᾶς δὲ ὡς φιλοσόφους τε καὶ ὀπαδοὺς ἀνδρὸς θείουrsquo (VA
II 40)
[Fala de Fraotes] ldquoe escreverei tambeacutem a Iarca o mais velho dos saacutebios para que
receba Apolocircnio em nada pior do que eu proacuteprio e a noacutes como filoacutesofos e
seguidores um homem divinordquo
Ainda conforme Justi (2012 p 15) um nascimento maravilhoso uma carreira
marcada pelo dom da linguagem persuasiva e dominadora a capacidade de fazer milagres
(incluindo curas e adivinhaccedilotildees) e uma morte de alguma maneira extraordinaacuteria caracterizam
o termo θεῖος ἀνήρ11
Com exceccedilatildeo da morte natildeo descrita na VA todos os atributos acima
condizem com a vida de Apolocircnio Filoacutestrato no primeiro livro narra o nascimento de
Apolocircnio como um momento envolto em pressaacutegios (VA I 5) Haacute por exemplo a menccedilatildeo de
que ele seria a encarnaccedilatildeo do deus Proteu uma vez que esse deus teria aparecido agrave sua matildee
enquanto estava graacutevida predizendo o acontecimento o que confirmaria a sabedoria divina de
Apolocircnio (VA I 4) Aleacutem disso a apariccedilatildeo de um bando de cisnes momentos antes do seu
nascimento e a queda de um raio no instante do parto estariam associadas ao seu
favorecimento divino12
A imagem de Stradanus traduz bem essa cena
10
Como por exemploVA I 2 21 II 17 40 III 28 VII 38 VIII 13 23 11
Alguns autores vide Horsley (2013) Kemezis (2014) e Koskenniemi (2016) se opotildeem a essa concepccedilatildeo 12
O estudo de Miles (2016) trata sobre a relaccedilatildeo que haacute entre o aparecimento dos cisnes e os pressaacutegios ligados a
eles no momento do nascimento de Apolocircnio
16
FIGURA 2 - O nascimento de Apolocircnio de Tiana na Capadoacutecia (VA I 4-5) (imagem superior) e Apolocircnio de
Tiana admirando os relevos do templo em Taxila na Iacutendia (VA II 20) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Poreacutem foram os milagres que elevaram a fama de Apolocircnio Em virtude disso
Domiciano tentou descaracterizar o aspecto divino desses feitos Para tal o imperador o
processou afirmando que Apolocircnio conspirara contra ele (VA VII 20) No julgamento
Apolocircnio foi chamado de γόης que neste contexto tinha uma denominaccedilatildeo pejorativa13
pois
13
No entando γόης nem sempre teve uma denotaccedilatildeo pejorativa De acordo com Lloyd (1979 p 10 - 15) o
primeiro registro que temos de uma obra que aplicou o termo γόης de forma depreciativa eacute datada entre o final
do seacuteculo V e iniacutecio do seacuteculo IV aC Natildeo apenas esse termo mas qualquer pretensatildeo de poder manipular
forccedilosamente o divino ou o sobrenaturalparece ter entrado em conflito com uma visatildeo mais racionalista da
religiatildeo Segundo o autor eacute ainda nos meados do seacuteculo V aC que temos evidecircncias de relatos racionalistas da
origem da religiatildeo e temos informaccedilotildees que relatam a rejeiccedilatildeo e a refutaccedilatildeo de algumas noccedilotildees maacutegicas como
no tratado hipocraacutetico Sobre a Doenccedila Sagrada (Περὶ ἱερῆς νοuacuteσου)
17
significava ser feiticeiro mago charlatatildeo impostor 14
Na sequecircncia ele foi processado por
i) ter sido adorado por algumas pessoas ii) ter predito a fome em Eacutefeso iii) ter proferido
algumas palavras em detrimento de Domiciano iv) ter visitado o entatildeo senador Nerva e ter
feito o sacrifiacutecio de um menino aacutercade em benefiacutecio deste v) e pelo modo de viver e de
vestir-se (VA VII 20) De todas a penuacuteltima acusaccedilatildeo era a mais grave (VII 20) Apoacutes o
testemunho de duas pessoas a favor de Apolocircnio ele proacuteprio se defendeu da seguinte forma
παρ᾽ ὅσον μὲν τοίνυν τῆς ἀληθείας ἡ γραφὴ ξυνετέθη δηλοῖ σαφῶς ἡ μαρτυρία τῶν
ἀνδρῶν οὐ γὰρ ἐν προαστείοις ἀλλ᾽ ἐν ἄστει οὐκ ἔξω τείχους ἀλλ᾽ ἐπ᾽ οἰκίας
οὐδὲ παρὰ Νερούᾳ παρὰ Φιλίσκῳ δέ οὐδὲ ἀποσφάττων ἀλλ᾽ ὑπὲρ ψυχῆς
εὐχόμενος οὐδ᾽ ὑπὲρ βασιλείας ἀλλ᾽ ὑπὲρ φιλοσοφίας οὐδ᾽ ἀντὶ σοῦ χειροτονῶν
νεώτερον ἀλλ᾽ ἄνδρα σώζων ἐμαυτῷ ὅμοιον (VA VIII 7)
Ateacute que ponto satildeo verdadeiras estas acusaccedilotildees mostra com clareza o testemunho
destes senhores pois eu natildeo estava na periferia mas na cidade natildeo estava fora das
muralhas mas em uma casa natildeo estava na casa de Nerva mas na de Filisco natildeo
estava decapitando mas clamando por uma vida natildeo em prol do reino mas da
filosofia natildeo votando contra ti e a favor de um mais jovem mas para salvar um
homem semelhante a mim
Diante desse contexto Silva (2016a p 126) acredita que o motivo da acusaccedilatildeo
tenha sido poliacutetico jaacute que o imperador possivelmente temia a influecircncia de Apolocircnio junto ao
povo Poreacutem ponderamos que o imperador temia o contato e a influecircncia de Apolocircnio junto agrave
corte ou aos ciacuterculos de poder
Por outro lado existe tambeacutem a possibilidade de que tanto a acusaccedilatildeo quanto a
defesa de Apolocircnio tenham sido inventadas por Filoacutestrato com o intuito de reverter a imagem
de Apolocircnio de γόης para θεῖος ἀνήρ (SILVA 2014 p 129) Dessa forma as praacuteticas com
natureza maacutegico-religiosa denunciadas por Domiciano seriam parte da sabedoria divina de
Apolocircnio (VA VIII 2 7) Isso faria dele um teurgo e segundo Silva (2013b p 3) a teurgia
era uma fusatildeo de rituais religiosos e especulaccedilotildees filosoacuteficas com uma base maacutegica De
acordo com Brandatildeo (1991 p 113)
a magia ligada agrave filosofia por um lado era considerada um conhecimento miacutestico
por outro lado era uma espeacutecie de conhecimento cientiacutefico o que fazia com que
fosse aceita por largas faixas das camadas mais eruditas do Impeacuterio Romano
14
Bailly 2000 p 443
18
Teriacuteamos assim a partir da VA o modelo de um homem saacutebio filoacutesofo e com
uma moral exemplar uma figura alvo de admiraccedilatildeo Aleacutem disso Apolocircnio carregaria consigo
os valores gregos para onde quer que fosse como veremos mais agrave frente
Por outro lado no contexto cristatildeo Apolocircnio de Tiana eacute uma figura muito
debatida Dentre as polecircmicas que o envolvem estaacute a comparaccedilatildeo dele com Jesus Cristo No
seacuteculo III Sosiano Hieacuterocles escreveu um tratado polecircmico contra Jesus no qual tentou usar a
imagem de θεῖος ἀνήρ representada por Apolocircnio como uma ferramenta contra o
cristianismo de seu tempo Embora esse tratado natildeo tenha sobrevivido eacute citado por Euseacutebio
de Cesareia que tentou veementemente proteger Jesus contra o ataque de Hieacuterocles em um
tratato intitulado Contra Hieacuterocles (SCHIRREN 2009 p 161- 162) De acordo com
Schirren (2009 p 162) o contraste que haacute entre essas duas figuras sob o ponto de vista
criacutetico-literaacuterio eacute que a vida de Jesus como narrada no Novo Testamento conta a histoacuteria do
filho de Deus sujeitando-se ao mal do mundo e superando o sofrimento humano sem
pronunciar uma palavra contra Pocircncio Pilatos que o condenou agrave morte Com isso Cristo se
torna o salvador do mundo Em contraste na VA Apolocircnio ergue-se contra os governantes
impiedosos do impeacuterio romano e mesmo depois de ter sido condenado agrave morte por sua
conduta ultrajante ainda tenta educar os tiranos para finalmente desaparecer quando lhe
parece apropriado15
Com isso a imagem de Apolocircnio de Tiana como descrita por Filoacutestrato teve
grande repercussatildeo nos primeiros seacuteculos do cristianismo E seacuteculos depois ainda
repercutia uma vez que inspirou o artista flamengo Johannes Stradanus (Bruges I523 -
Florenccedila 1605) a pintar uma seacuterie de pequenos quadros todos feitos agrave pena e tinta e
enumerados de um a dez De acordo com as legendas escritas na caligrafia do proacuteprio artista
os desenhos representam cenas da vida de Apolocircnio de Tiana e atualmente se encontram no
museu Cooper-Hewitt de Nova York (YSSELT 1994 p 351)
15
Outros autores que discutem esse tema satildeo Elsner (1997) Girard (1999) Koskenniemi (1998) Stratton (2003)
Jones (2006) e Silva (2014 segundo capiacutetulo)
19
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano16
Eacute muito difiacutecil definir ou atribuir uma identidade grega ou romana em meio a um
impeacuterio vasto e multicultural No seacuteculo V aC Heroacutedoto (Hist VIII 144) registra uma
oposiccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo (gregos) e os ldquooutrosrdquo (baacuterbaros) Isso natildeo deixa de ser um conceito ou
um criteacuterio de identificaccedilatildeo do que eacute ser grego (hellenikoacuten) ter o ldquomesmo sangue mesma
liacutengua santuaacuterios e sacrifiacutecios comuns haacutebitos e costumes semelhantesrdquo
Mas o tempo e o contexto de Filoacutestrato (seacuteculos II ndash III) jaacute natildeo eram mais iguais aos
do seacuteculo de Heroacutedoto Grego originaacuterio de Lemnos Filoacutestrato viveu durante o Impeacuterio
Romano em meio agrave heterogeneidade e agrave diversidade cultural Nessa eacutepoca a questatildeo da
identidade romana (ou identidades) incluiacutea o processo de romanizaccedilatildeo (da Itaacutelia e em seguida
do Impeacuterio) de um lado e a questatildeo da resistecircncia cultural a ela de outro De acordo com
Mendes (2004 p 258)
O conceito de Romanizaccedilatildeo em aplicaccedilatildeo pressupotildee um processo de mudanccedila
socioeconocircmica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos
implicando em diferentes formas de interaccedilatildeo cultural Nesta perspectiva fica
impliacutecito o reconhecimento de um contiacutenuo desenvolvimento da cultura material
nativa aberta a processos interativos diferentes em eacutepocas distintas e em resposta agraves
escolhas e demandas locais Por outro lado a Romanizaccedilatildeo tambeacutem eacute entendida
como um processo dialeacutetico na medida em que veicula os elementos culturais
fundamentais da identidade cultural romana e seu ajustamento com alteridades
culturais dos povos dominados
A assimilaccedilatildeo cultural das populaccedilotildees que foram integradas a Roma durante a
expansatildeo da Repuacuteblica e do Impeacuterio foi ldquoum processo de mudanccedila relacionado com as ideias
de controle social e identidaderdquo (MENDES 1999 p 307)
A proacutepria Roma por outro lado passou por um processo de helenizaccedilatildeo seacuteculos
antes Historiadores consideram que houve uma primeira helenizaccedilatildeo com a captura de
Tarento por Faacutebio Maacuteximo em 272 aC Posteriormente teria havido uma segunda
16
A palavra latina identitas eacute uma criaccedilatildeo tardia do seacuteculo IV usada especialmente por teoacutelogos cristatildeos para
definir a Trindade De fato no mundo romano eacute preciso primeiro ser capaz de identificar um indiviacuteduo atraveacutes
da atribuiccedilatildeo de um nome e de um status ligado ao grupo jaacute o termo latino persona refere-se primeiro agrave maacutescara
usada pelos atores antes de designar a pessoa gramatical ou entidade Mas ao contraacuterio do que aconteceu no
Impeacuterio Romano a noccedilatildeo de identidade na Greacutecia Antiga natildeo se deu devido ao uso recorrente de palavras e ao
que se constata ateacute hoje tambeacutem natildeo haacute textos em que a noccedilatildeo proacutepria de identidade apareccedila nem um termo
especiacutefico que tenha essa designaccedilatildeo (BAROIN WORMS 2006 p 1-2)
20
helenizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos desse mesmo seacuteculo com a tomada de Siracusa por Marco
Claacuteudio Marcelo em 212 aC (BAROIN WORMS 2006 p 8)
Como resultado desse processo os romanos receberam influecircncias gregas na
religiatildeo nas artes e nas relaccedilotildees sociais A exemplo disso citemos as praacuteticas e locais de oacutecio
(otium) que eram essencialmente caracterizados como gregos e que foram totalmente
inseridos na cultura romana como o banquete a filosofia e o teatro Com isso entendemos a
questatildeo da identidade como sendo um movimento constante e plural e a fusatildeo de costumes e
de praacuteticas natildeo se constroacutei somente em oposiccedilatildeo ao outro mas tambeacutem com o outro
(BAROIN WORMS 2006 p 8 - 9)
Nesse contexto de fusatildeo e de difusatildeo de identidades Filoacutestrato resgata e valoriza a
cultura grega claacutessica por meio de suas principais obras VS e VA Na Vida dos Sofistas o
tema eacute desenvolvido dentro da perspectiva dos papeacuteis desempenhados pelos sofistas na
Segunda Sofiacutestica (Δευτέρα σοφιστική) De acordo com Whitmarsh (2001 p 272) a
Segunda Sofiacutestica foi um acontecimento em que vaacuterios sofistas e escritores helenizados que
viviam no Impeacuterio Romano afirmaram sua identidade grega em torno de sua proacutepria cultura
atraveacutes da literatura e da retoacuterica estabelecendo um novo posicionamento cultural17
De
acordo com Abraham (2014 p 478) atribui-se a autoria do termo Segunda Sofiacutestica a
Filoacutestrato pois ele teria aparecido pela primeira vez em VS de acordo com os documentos
mais antigos que chegaram ateacute a atualidade
Jaacute na Vida de Apolocircnio de Tiana Filoacutestrato se utiliza do personagem Apolocircnio
para destacar aspectos da cultura grega claacutessica Se para Heroacutedoto era considerado grego
quem era nascido em terras gregas falava grego e compartilhava de haacutebitos e costumes
similares na VA satildeo outros os aspectos enfatizados Aqui percebemos que possuir a cultura
grega do periacuteodo claacutessico atraveacutes do domiacutenio da liacutengua da literatura e da filosofia tem um
valor maior do que ter nascido na Greacutecia
Nesse sentido a palavra baacuterbaro cuja etimologia remete a ldquoestrangeiro que fala
de forma balbuciante e natildeo se entende o que dizrdquo adquire outra dimensatildeo No periacuteodo das
Guerras Meacutedicas (seacuteculo V aC) ldquobaacuterbarordquo tinha o sentido de ldquonatildeo gregordquo criando entatildeo a
oposiccedilatildeo entre ἕλλην e βάρβαρος18
Assim a liacutengua era a maior marca de distinccedilatildeo de quem
era grego ou natildeo Whitmarsh (2001 p 272) afirma que na Atenas dos seacuteculos V - IV aC o
17
Atualmente eacute comum a ideia de que os filoacutesofos e os sofistas desempenhavam os mesmos papeacuteis durante o
ldquorenascimento cultural gregordquo ocorrido nos trecircs primeiros seacuteculos aC advinda com a Segunda Sofiacutestica O
estudo de Sidebottom 2009 p 69 ndash 99 eacute indicado para tratar sobre esse assunto 18
Chantraine 1968 p 164 ndash 165
21
dialeto aacutetico era usado pela elite intelectual em oposiccedilatildeo ao demoacutetico falado pelo povo
sendo essa uma das maiores distinccedilotildees sociais Mesmo natildeo sendo ateniense Apolocircnio na VA
fala habilmente o aacutetico ldquoSua liacutengua era o aacutetico e isso natildeo mudava por causa do seu sotaque
dada a sua regiatildeo de origemrdquo (ᾗ γράμματα μνήμης τε ἰσχὺν ἐδήλου καὶ μελέτης κράτος καὶ ἡ
γλῶττα Ἀττικῶς εἶχεν οὐδ᾽ ἀπήχθη τὴν φωνὴν ὑπὸ τοῦ ἔθνους VA I 7)
Quando Apolocircnio conheceu seu companheiro de viagens e futuro disciacutepulo
Dacircmis este se dispocircs a guiaacute-lo e a ser seu tradutor Todavia como resposta Apolocircnio diz que
entendia todas as liacutenguas mesmo sem ter aprendido nenhuma pois entendia o silecircncio (VA I
19) A dispensa de um tradutor soacute se torna eficaz para Apolocircnio pelo fato de que em seus
encontros com outros povos algueacutem sempre falava grego (REGER 2007 p 262) Dada a
improbabilidade de esses fatos terem ocorrido dessas coincidecircncias interpretamos que o
monolinguismo dos encontros eacute uma das estrateacutegias que Filoacutestrato encontrou para valorizar a
liacutengua grega no contexto da Segunda Sofistica
Aleacutem disso outros aspectos da cultura grega claacutessica satildeo retomados quando Apolocircnio
demonstra ter domiacutenio da literatura da filosofia e da mitologia Satildeo citados os poemas
homeacutericos Iliacuteada e Odisseia (VA II 14 III 27 V 7 14 22 26 36 VIII 4 5 7 16 11 13)
Hesiacuteodo (VA V 21) Esopo (VA V 14) Arquiacuteloco (VA II 7) Eacutesquilo (VA VI 11) Soacutefocles
(VA IV 38 VI 4) Euriacutepides (VA II 14 32 IV 21 VII 5 14) Piacutendaro (VA VI 26)
Tuciacutedides (VA VII 25) Soacutecrates (VA VI 10 19 VIII 2) e Platatildeo (VA IV 36 VII 3)
Sendo integrante de uma elite cabia a Filoacutestrato resgatar sinais e traccedilos de uma
antiga identidade grega e tentar recompocirc-la e reativaacute-la construindo um modelo exemplar do
que eacute ser grego com a figura de Apolocircnio
As elites gregas podem ou melhor devem ir a fundo em sua cultura ndash eacute por ela
graccedilas a ela que podem reivindicar seu lugar e legitimar seu direito nesse impeacuterio
greco-romano cuja sorte foi decidida na Batalha de Aacutecio Tal eacute o sentido desse
movimento literaacuterio e poliacutetico dessa estrateacutegia cultural chamada Segunda Sofiacutestica
A Vida de Apolocircnio eacute parte do empreendimento de reconquista e de re-apropriaccedilatildeo
ativa do passado grego participando de sua recriaccedilatildeo ndash do processo em atividade
em toda sociedade viva de fabricaccedilatildeo ou de invenccedilatildeo da tradiccedilatildeordquo (HARTOG
2004 p 21 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Essa re-apropriaccedilatildeo e recriaccedilatildeo se torna muito mais aparente quando Filoacutestrato
descreve a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Laacute ele se comunica com os indianos em grego e se
admira com o conhecimento que eles tecircm dessa liacutengua (VA III 12) Na sua primeira estada
22
Apolocircnio eacute acolhido pelo rei Fraotes de Taxila Em um primeiro momento os dois se
comunicam com o intermeacutedio de um inteacuterprete ateacute o rei lhe confessar que tambeacutem falava
grego
lsquoἔδεισαrsquo ἔφη lsquoθρασὺς δόξαι μὴ γιγνώσκων ἐμαυτόν μηδ᾽ ὅτι βάρβαρον εἶναί με
δοκεῖ τῇ τύχῃ σοῦ δὲ ἡττηθείς ἐπειδὴ καὶ σὲ ὁρῶ ἐμοὶ χαίροντα οὐκ ἠδυνήθην
ἐμαυτὸν κρύπτειν ὡς δὲ μεστός εἰμι τῆς Ἑλλήνων φωνῆς ἐν πολλοῖς δηλώσωrsquo
(VA II 27)
Eu receava vocecirc achar que eu fosse arrogante quando ainda natildeo me conhecia a mim
mesmo e pensar que eu fosse um baacuterbaro natildeo por decisatildeo da sorte Mas apoacutes ter te
cativado porque vejo que me estimas natildeo posso me esconder assim te convencerei
de vaacuterias formas que sou bem profeciente na liacutengua grega
Ademais o rei hindu tambeacutem evidencia que a filosofia grega eacute altamente estimada em
seu paiacutes (VA II 30) e menciona ter lido uma peccedila denominada ldquoOs filhos de Heacuteraclesrdquo
passando a impressatildeo de que leituras desse gecircnero eram comuns para ele (VA II 32) Fraotes
tambeacutem interage com a cultura grega atraveacutes da praacutetica de esportes
τὰ δὲ ἐφ᾽ ἑκάτερα δρόμοι ἦσαν ἐν οἷς ἀκοντίῳ τε καὶ δίσκῳ τὸν Ἑλληνικὸν τρόπον
ἑαυτὸν ἐξήσκει καὶ γὰρ τὸ σῶμα ἔρρωτο ὑπό τε ἡλικίας mdash ἑπτὰ γὰρ καὶ εἴκοσιν ἔτη
γεγονὼς ἦν mdash ὑπό τε τοῦ ὧδε γυμνάζεσθαι ἐπεὶ δὲ ἱκανῶς ἔχοι ἐπήδα ἐς τὸ ὕδωρ
καὶ ἐγύμναζεν ἑαυτὸν τῷ νεῖν ὡς δὲ ἐλούσαντο ἐβάδιζον ἐς τὸ συσσίτιον
ἐστεφανωμένοι τουτὶ δὲ νενόμισται Ἰνδοῖς ἐπειδὰν ἐς τοῦ βασιλέως πίνωσιν (VA
II 27)
havia em ambos lados pistas de corrida nas quais agrave maneira grega se exercitava em
dardo de arremesso e disco pois tinha o corpo forte pela idade ndashele tinha vinte e sete
anos ndash e por praticar ginaacutestica assim Depois de se exercitar o suficiente ele saltava
na aacutegua e treina por conta proacutepria nataccedilatildeo
Ao final da estadia de Apolocircnio junto a Fraotes e antes de ele partir a caminho de
Paraca cidade dos bracircmanes o rei escreve uma carta de recomendaccedilatildeo em grego a Iarcas o
homem mais antigo e saacutebio entre os bracircmanes hindus Chegando laacute Apolocircnio se surpreende
ao ser recebido por um mensageiro que tambeacutem falava a liacutengua grega (VA III 12) Aleacutem
disso depois de ler a carta de Fraotes Iarcas faz uma breve correccedilatildeo demonstrando grande
domiacutenio da liacutengua grega
23
τὸν δὲ Ἀπολλώνιον ἰδὼν φωνῇ τε ἠσπάσατο Ἑλλάδι καὶ τὰ τοῦ Ἰνδοῦ γράμματα
ἀπῄτει θαυμάσαντος δὲ τοῦ Ἀπολλωνίου τὴν πρόγνωσιν καὶ γράμμα γε ἓν ἔφη
λείπειν τῇ ἐπιστολῇ δέλτα εἰπών παρῆλθε γὰρ αὐτὸν γράφοντα (VA III 16)
Ao vecirc-lo Apolocircnio o saudou em liacutengua grega e lhe pediu a carta do hindu Apolocircnio
se surpreendeu com sua clarividecircncia e Iarcas reparou que faltava uma letra na carta
um delta seguramente que a quem escreveu tinha passado desapercebido
Em outro episoacutedio Dacircmis companheiro de viagem de Apolocircnio tambeacutem se
admira com o conhecimento do bracircmane com relaccedilatildeo ao grego
ταῦτα τοῦ Ἰνδοῦ διελθόντος ἐκπεσεῖν ὁ Δάμις ἑαυτοῦ φησιν ὑπ᾽ ἐκπλήξεως καὶ
ἀναβοῆσαι μέγα μὴ γὰρ ἄν ποτε νομίσαι ἄνδρα Ἰνδὸν ἐς τοῦτο ἐλάσαι γλώττης
Ἑλλάδος μηδ᾽ ἄν εἴπερ τὴν γλῶτταν ἠπίστατο τοσῇδε εὐροίᾳ καὶ ὥρᾳ διελθεῖν
ταῦτα (VA III 36)
Enquanto o indiano discorria sobre estas coisas Damis afirma que ficou espantado e
que ele falou com fluecircncia Ele jamais havia pensado que um indiano poderia
dominar assim a liacutengua grega aliaacutes nem pensava que um indiano conhecesse a
liacutengua grega tamanha foi a fluecircncia e a conveniecircncia com que ele discorreu
Aleacutem do conhecimento linguiacutestico alguns dos costumes e dos rituais dos saacutebios
hindus tambeacutem estatildeo ligados agrave cultura grega i) o momento em que os saacutebios cantam uma
canccedilatildeo que se assemelha ao peatilde de Soacutefocles cantado em Atenas em honra a Ascleacutepio (VA III
17) ii) quando citam Homero (VA III 20 22 27) iii) discutem sobre justiccedila (VA III 24)
sobre a moral grega (VA III 25) sobre mitos gregos (VA III 25) filosofia (VA III 28) e
cosmogonia (VA III 34) Esses aspectos seratildeo analisados no terceiro capiacutetulo desse trabalho
14 Por que a Iacutendia
Geograficamente na Antiguidade Claacutessica reconhecia-se como Iacutendia a regiatildeo que se
estendia do rio Indo ateacute a costa ocidental da Peniacutensula Iacutendica Os principais acessos entre essa
regiatildeo e o Mediterracircneo eram feitas sobretudo atraveacutes do Mar Araacutebico do Golfo Peacutersico e
do Mar Vermelho ou ainda pelo planalto indiano Peacutersia e Mesopotacircmia Fora isso a
Bactriana e o Punjab (atuais Afeganistatildeo e Paquistatildeo) tambeacutem eram consideradas como de
domiacutenio hindu (RODRIGUES 2016 p 168)
24
Todo esse territoacuterio eacute um dos que mais se destaca na literatura grega antiga como um
produtor de maravilhas O verbete θαυμάσιος significa maravilhoso admiraacutevel e espantoso19
Haacute tambeacutem de mesma raiacutez o verbo θαυμάζω cujo sentido eacute o de surpreender-se ver com
espanto ou admiraccedilatildeo admirar venerar20
e o substantivo θαῦμα maravilha respectivamente
Esses termos satildeo comumente utilizados pelos escritores gregos para descrever a Iacutendia e seu
povo
Como exemplo mais antigo temos Ciacutelax de Carianda (seacutec VI aC) marinheiro e
explorador grego Participou entre 519 e 512 aC da expediccedilatildeo do rei persa Dario I para
explorar o curso do rio Indo Apoacutes ter alcanccedilado o mar ele natildeo apenas navegou pelo oceano
Iacutendico mas foi ateacute o mar Vermelho explorando algumas regiotildees da Araacutebia tendo concluiacutedo
essa viagem em trinta meses (HEROacuteDOTO Hist IV 44) Com isso Ciacutelax teria contribuiacutedo
para a Iacutendia ser vista como uma regiatildeo repleta de maravilhas e socialmente perfeita cuja
populaccedilatildeo detinha grande sabedoria (ESPELOSIacuteN LARGACHA GIRVEacuteS 1994 p 198)
Heroacutedoto tambeacutem descreveu sobre a Iacutendia e seu povo em suas Histoacuterias Nessa obra
tudo o que eacute relacionado aos hindus e ao seu paiacutes eacute tido como estranho e maravilhoso A
exemplo disso o autor nos informa que os indianos tecircm relaccedilotildees sexuais em puacuteblico como
animais (Hist III 101) e que alguns deles os padeus se alimentam de carne humana
matam os enfermos sacrificam e comem os idosos (Hist III 99) Outros natildeo tecircm casa e se
alimentam soacute de ervas (Hist III 100) Nesse sentido Morais (2004 p 54 e 76) comenta que
a descriccedilatildeo dos comportamentos hindus feita por Heroacutedoto se assemelha mais agrave dos
selvagens e que dessa forma eles natildeo transmitiriam sabedoria aos demais povos sendo seus
costumes estranhos e opostos aos da civilizaccedilatildeo mostrando uma visatildeo completamente
diferente da exposta por Cilax
Cteacutesias de Cnido (seacutec V-IV aC) tambeacutem escreveu sobre a Iacutendia e seu povo
Diferentemente dos outros autores Cteacutesias compocircs um livro dedicado inteiramente a esse
tema no qual descreve a geografia e a etnografia hindus os Ἰνδικά (Sobre a Iacutendia) A partir
dos fragmentos remanescentes descobrimos por um lado uma Iacutendia povoada apenas por
seres hiacutebridos e monstros selvagens como a μαρτιχόρα (manticora) (fr VII) e o paacutessaro
δίκαιρον (dikairon) (fr XVII) Por outro lado sua populaccedilatildeo se restringe a seres humanoides
com costumes distintos e estranhos como os κυνοκέφαλοι (cinoceacutefalos) (fr XX) e os
πυγμαῖοι (pigmeus) (fr XI)
19
Bailly 2000 p 918 20
Bailly 2000 p 918
25
Ateacute mesmo as dimensotildees e as quantidades tornam a natureza e a geografia
extraordinaacuterias o rio Indo mede 40 estaacutedios21
de largura e 200 de extensatildeo (fr I) existe uma
fonte na qual ao inveacutes de fluir aacutegua jorra ouro liacutequido (fr IV) Eacute diverso tambeacutem por suas
cores como as da ave βυττάκου (bittakos) cuja face eacute cor de puacuterpura a barba escura e a sua
nuca eacute escura tal qual cinaacutebrio (fr III) Romm (1989 p 121 - 135 apud SANO 2008 p 68)
considera que foi Cteacutesias o fundador de uma tradiccedilatildeo literaacuteria que descreve as ldquomaravilhas da
Iacutendiardquo e que alguns dos acontecimentos narrados por ele encontrariam antecedentes no
folclore indiano
Nesse periacuteodo houve tambeacutem um desenvolvimento da prosa escrita tanto do romance
quanto da historiografia Assim gecircneros literaacuterios como a paradoxografia a faacutebula e o
proacuteprio romance seguiram diferentes abordagens da realidade O caso da Iacutendia eacute indicativo de
novos desenvolvimentos suas caracteriacutesticas distintivas podem ser atribuiacutedas a um periacuteodo
anterior da cultura grega mas eacute no proacuteprio periacuteodo heleniacutestico que eles se juntam com uma
nova intensidade (PARKER 2008 p 47) Com isso maravilhas e monstros caracterizaram as
narrativas sobre esse paiacutes Aleacutem disso uma outra peculiaridade da Iacutendia era o fato dela ser
descrita como a fronteira do mundo A proacutepria obra de Cteacutesias informava que natildeo havia
populaccedilatildeo aleacutem do rio Indo22
Seguindo essa loacutegica Alexandre o Grande preparou uma expediccedilatildeo com o intuito de
conquistar as terras indianas acreditando ser a Iacutendia o limite do mundo Essa campanha teve
por outro lado um grande efeito no que diz respeito ao acesso de informaccedilotildees que os gregos
tinham ateacute entatildeo sobre a Iacutendia (PARKER 2008 p 59)
Seacuteculos mais tarde Luciano de Samoacutesata (125-180 dC) em suas Narrativas
Verdadeiras menciona Cteacutesias chamando-o de mentiroso23
por conta de suas obras Isso natildeo
soacute sintetizou a maacute reputaccedilatildeo de Cteacutesias como tambeacutem retomou o debate acerca de narrativas
sobre fatos verdadeiros e ficcionais (PARKER 2008 p 47) Assim a Iacutendia continuou a ser
um dos temas principais no contexto do discurso do maravilhoso
Outros escritores que escreveram sobre a Iacutendia foram Megaacutestenes (seacuteculo IV aC) em
sua obra Iacutendica Estrabatildeo (seacuteculo I aC) em Geografia Claacuteudio Eliano (seacuteculo I) em Sobre a
natureza dos animais Xenofonte de Eacutefeso (seacuteculo II ndash I) em Efesiacuteacas Arriano de
21
Medida de percurso equivalente a 17760 m 22
ldquoQue homens natildeo habitam aleacutem de laacuterdquo Texto grego Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους (Indikaacute
frag I) 23
ldquoCteacutesias de Cnido o filho de Ctesioco escreveu acerca do paiacutes dos indianos e do que existe laacute coisas que ele
proacuteprio natildeo viu nem ouviu de algueacutem que dizia a verdaderdquo Traduccedilatildeo de Sano 2008 p6 Texto
grego Κτησίας ὁ Κτησιόχου ὁ Κνίδιος ὃς συνέγραψεν περὶ τῆς Ἰνδῶν χώρας καὶτῶν παρ᾽ αὐτοῖς ἃ μήτε αὐτὸς ε
ἶδεν μήτε ἄλλου ἀληθεύοντος ἤκουσεν (Narrativas Verdadeiras I 3)
26
Nicomeacutedia (seacuteculo II) em sua Anaacutebase de Alexandre e Nono de Panoacutepolis (seacuteculo V) em
sua Dionisiacuteacas
Em siacutentese a Vida de Apolocircnio de Tiana se mostra inovadora ao abordar a temaacutetica do
maravilhoso juntamente com o resgate dos valores culturais claacutessicos Aleacutem de encontrarmos
vestiacutegios dessa tradiccedilatildeo repleta de maravilhas e caracteriacutesticas peculiares acompanhamos
Apolocircnio em uma jornada em busca da sabedoria
27
CAPIacuteTULO II
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA
A partir das fontes brevemente analisadas no primeiro capiacutetulo vimos que a Iacutendia eacute
um lugar de destaque nas narrativas gregas antigas devido ao seu exotismo e sua diversidade
natural Na VA curiosamente o caminho feito por Apolocircnio eacute marcado natildeo apenas por esse
exotismo mas principalmente pelos vestiacutegios encontrados de um passado grego Apolocircnio se
depara com rastros de Dioniso do macedocircnio Alexandre e faz alusotildees a escritores gregos
antigos como Heroacutedoto e Cteacutesias de Cnido Assim seraacute com base nessas referecircncias bem
como o mundo natural hindu narrado que mostraremos uma Iacutendia descrita sob a oacutetica de
Filoacutestrato
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia
Algumas das remissotildees que comentaacutevamos haacute pouco se datildeo na chegada de Apolocircnio e
de seus companheiros agrave Iacutendia Seguindo o relato de Filoacutestrato para adentrarem a regiatildeo rumo
agrave cidade dos bracircmanes Paraca os viajantes precisariam passar por uma montanha Nisa Ao
se aproximarem desta o guia de viagem os informou de que Dioniso ldquoagiardquo sobre ela e por
isso Apolocircnio supocircs que laacute aconteciam coisas maravilhosas (θαυμαστὰ) (VA II 7) Ao
subirem se depararam com um templo abandonado do deus
ἀνελθόντες οὖν ἱερῷ Διονύσου ἐντυχεῖν φασιν ὃ δὴ Διόνυσον ἑαυτῷ φυτεῦσαι
δάφναις περιεστηκυίαις κύκλῳ τοσοῦτον περιεχούσαις τῆς γῆς ὅσον ἀπόχρη νεῷ
ξυμμέτρῳ κιττόν τε περιβαλεῖν αὐτὸν καὶ ἀμπέλους ταῖς δάφναις ἄγαλμά τε ἑαυτοῦ
ἔνδον στήσασθαι γιγνώσκοντα ὡς ξυμφύσει τὰ δένδρα ὁ χρόνος καὶ δώσει τινὰ ἀπ᾽
αὐτῶν ὄροφον ὃς οὕτω ξυμβέβληται νῦν ὡς μήτε ὕεσθαι τὸ ἱερὸν μήτ᾽ ἀνέμῳ
ἐσπνεῖσθαι δρέπανα δὲ καὶ ἄρριχοι καὶ ληνοὶ καὶ τὰ ἀμφὶ ληνοὺς ἀνάκειται τῷ
Διονύσῳ χρυσᾶ καὶ ἀργυρᾶ καθάπερ τρυγῶντι τὸ δὲ ἄγαλμα εἴκασται μὲν ἐφήβῳ
Ἰνδῷ λίθου δὲ ἔξεσται λευκοῦ ὀργιάζοντος δὲ αὐτοῦ καὶ σείοντος τὴν Νῦσαν
ἀκούουσιν αἱ πόλεις αἱ ὑπὸ τῷ ὄρει καὶ ξυνεξαίρονται (VA II 8)
28
Tendo eles subido [a montanha] dizem que se depararam com um templo de
Dioniso o qual foi plantado pelo proacuteprio Dioniso que plantou loureiros rodeando
em ciacuterculo tatildeo grande que envolve a terra quanto bastava a um templo simeacutetrico E
ele tambeacutem colocou ao redor dos loureiros hera e videira ergueu uma estaacutetua para si
mesmo sabendo que no tempo em que as aacutervores crescessem juntas elas mesmas
umas sobre as outras dariam um teto com o qual assim se deparam agora entatildeo a
chuva natildeo o molha nem o vento sopra sobre o templo E havia foices cestas e vasos
e ao redor havia vasos consagrados a Dioniso como se fossem para um colhedor de
uvas dourados e prateados E a estaacutetua se assemelha a um jovem indiano e era de
pedra branca E ele celebrando e fazendo tremer o Nisa as cidades abaixo da
montanha ouvem e se afervoram
Logo em seguida o autor resume uma discussatildeo entre indianos e gregos a respeito de
Dioniso Por um lado os gregos diziam que Dioniso teria feito uma expediccedilatildeo agrave Iacutendia tanto
como soldado quanto como farrista Esses argumentos seriam embasados em uma oferenda
existente em Delfos onde dentre os tesouros preservados havia um disco de prata indiana
com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoDioniso o [filho] de Secircmele e de Zeus dos hindus a Apolo de
Delfosrdquo (ΔΙΟΝΥΣΟΣ Ο ΣΕΜΕΛΗΣ ΚΑΙ ΔΙΟΣ ΑΠΟ ΙΝΔΩΝ ΑΠΟΛΛΩΝΙ ΔΕΛΦΩΙ VA
II 9) Essa pode ser uma alusatildeo agrave Biblioteca Histoacuterica de Diodoro Siacuteculo (90 - 30 aC) na
qual o autor narra a expediccedilatildeo beacutelica e festejadora de Dioniso agrave Iacutendia e o apresenta como
divindade civilizadora que ao chegar a um povo nocircmade confere-lhes os atributos de sua
proacutepria cultura (PARKER 2008 p 47)24
Os indianos por outro lado apontavam duas diferentes origens para Dioniso Os que
habitavam a regiatildeo do Caacuteucaso e ao longo do rio Coacutefen afirmavam que Dioniso fora um
visitante assiacuterio conhecedor do deus tebano e de seus feitos Jaacute os que habitavam entre o rio
Indo Hidraotes e a regiatildeo continental ateacute o rio Ganges declaravam que o verdadeiro Dioniso
era filho do proacuteprio rio Indo Por sua vez o Dioniso de Tebas tornara-se seu disciacutepulo e
tomando o seu tirso passara a utilizaacute-lo em suas orgias Esse Dioniso de Tebas afirmava ser
filho de Zeus e ter sido criado na coxa de seu pai ateacute nascer Zeus entatildeo encontrou uma
montanha chamada Μηρόν (ldquocoxardquo) fronteira com o monte Nisa e nela plantou videiras em
homenagem a seu filho (VA II 9)
24
Em Biblioteca Histoacuterica Diodoro Siacuteculo apresenta tambeacutem Heacuteracles como divindade civilizadora na Iacutendia
poreacutem na VA Heraacutecles tem origem egiacutepcia e natildeo grega (VA II 3)
29
Segundo Grimal (2005 p 122) apoacutes ter nascido da coxa de Zeus e ser levado para
longe da Greacutecia para Nisa seu pai o transformou em cabrito para que Hera raivosa natildeo o
reconhecesse Quando se tornou adulto descobriu a videira e o seu uso Sofreu ainda alguns
impasses com Hera ateacute que em um dado momento Dioniso se dirigiu agrave Iacutendia regiatildeo que
conquistou numa expediccedilatildeo semiguerreira semidivina subjulgando seu povo pela forccedila das
armas pois ele levava consigo um exerciacutecito A partir de entatildeo originou-se o cortejo triunfal
de que se fazia acompanhar o carro puxado por panteras e ornamentado com parras os
Silenos as Bacantes os Saacutetiros e outras divindades menores
Assim como Dioniso eacute tido como uma divindade marginal e exilada nas histoacuterias
claacutessicas a Iacutendia por sua vez tambeacutem representava a margem do mundo uma terra
desconhecida e diversa Na VA a interaccedilatildeo dos hindus com essa divindade aparece de forma
tatildeo difundida que ele eacute chamado de Niacutesio (Νύσιος) pelos indianos e por todos os outros povos
aleacutem da Nisa (VA II 2)
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites
Como discutido anteriormente os gregos jaacute tinham algumas informaccedilotildees a respeito da
Iacutendia no seacuteculo IV aC Poreacutem esta visatildeo foi bastante ampliada e modificada apoacutes Alexandre
suceder seu pai Filipe II da Macedocircnia e realizar uma campanha de conquista da regiatildeo entre
327 e 325 aC Com isso ele expandiu os limites orientais do mundo grego avanccedilando para
aleacutem da fronteira da Iacutendia ateacute a bacia do rio Ganges (COURCELLES 2014 p 324)
Ao tentar reconstruir a expediccedilatildeo de Alexandre agrave Iacutendia o maior problema que os
historiadores tecircm enfrentado eacute o da escassez de fontes As dificuldades se datildeo pelo fato de que
os primeiros registros existentes que chegaram ateacute noacutes satildeo de cerca de trecircs seacuteculos depois de
sua ocorrecircncia provavelmente reflexos dos relatos perdidos de Caliacutestenes (360-328 aC)
Onesiacutecrito (360-290 aC) Aristoacutebulo (375-301 aC) e de Nearco Ainda assim existem
seacuterias duacutevidas sobre o caraacuteter dessas fontes e em que medida elas poderiam ser reconstruiacutedas
(PARKER 2008 p 34)
Natildeo obstante quatrocentos anos depois Apolocircnio ainda encontra vestiacutegios da
passagem de Alexandre pela Iacutendia Haacute resquiacutecios do contato que Alexandre teve com o rei
hindu Poro e do embate travado entre os dois conhecido como a Batalha de Hidaspes Na
30
regiatildeo de Taxila fortificada agrave maneira grega existia um templo de aproximadamente cem
peacutes de altura no qual estavam gravadas as faccedilanhas de ambos os reis (VA II 20) Segundo
Filoacutestrato essas gravuras registravam o momento em que Poro ferido era restabelecido como
saacutetrapa apoacutes a vitoacuteria de Alexandre Ainda segundo o autor Poro ao saber da morte do rei
macedocircnio havia lhe dedicado essas gravuras e passado a se portar de forma moderada
guiando suas accedilotildees pelo desejo de agradar a Alexandre (VA II 20)
Partindo de Taxila Apolocircnio se deparou com uma estaacutetua de Alexandre em uma biga
de quatro mastros representando ao que Filostrato sugere o momento em que ele confrontou
os saacutetrapas de Dario Um pouco mais adiante encontrou dois portotildees um deles com a estaacutetua
do rei Poro e o outro com uma estaacutetua de Alexandre reproduzindo o momento em que os
dois se saudaram apoacutes a batalha de Hidaspes (VA II 42)
Apoacutes atravessarem o rio Hidraotes e alcanccedilarem o Hifaacutesis Apolocircnio e seus
companheiros de viagem encontraram tambeacutem altares dedicados a Alexandre (VA II 43)
Neles havia uma coluna de metal na qual estava inscrito ldquoAlexandre avanccedilou ateacute aquirdquo
(ΑΛΕΞΑΝΔΡΟΣ ΕΝΤΑΥΘΑ ΕΣΤΗ) ldquopara honrar o limite do seu Impeacuteriordquo (τὸ τῆς ἑαυτοῦ
ἀρχῆς τέρμα τιμῶντος) Poreacutem adiante desse marco para aleacutem do Hifaacutesis Filoacutestrato afirma
que os hindus ergueram uma outra coluna esta para marcar o orgulho dos indianos por
Alexandre natildeo ter avanccedilado mais em seu territoacuterio (VA II 43) Do mesmo modo quando
Apolocircnio estava em contato com os bracircmanes hindus haacute a menccedilatildeo de que aquele local nunca
fora visitado por Alexandre (VA II 33)
A nosso ver neste ponto Filoacutestrato sobrepotildee Apolocircnio a Alexandre Se por um lado
Alexandre tinha sido o uacutenico ocidental a alcanccedilar aquelas fronteiras por outro Apolocircnio as
ultrapassa e adentra ainda mais nas terras hindus Assim na VA Alexandre eacute lembrado pela
sua grandeza e por seus feitos passados mas tambeacutem por suas limitaccedilotildees Nesse sentido
Abraham (2014 p 467) argumenta que Filoacutestrato sobrepotildee a campanha do conquistador agrave
jornada do filoacutesofo e ao fazer contiacutenuas menccedilotildees aos memoriais de Alexandre transforma a
expediccedilatildeo de Apolocircnio em uma reconstituiccedilatildeo da expediccedilatildeo de Alexandre
31
23 O maravilhoso em VA
O relato etnograacutefico do viajante que narra as maravilhas encontradas em suas
aventuras entre os confins do mundo e as fronteiras do conhecidodesconhecido eacute um
toacutepos do discurso geograacutefico Com raiacutezes em Homero esse tipo de narrativa foi se
consolidando cada vez mais e a partir da autoacutepsia de Heroacutedoto ou seja o processo de ver
com os proacuteprios olhos o viajante passou a discursar com mais autoridade pois fala de
algo que vira com os proacuteprios olhos e que supostamente nenhum outro grego tinha visto25
Nos poemas homeacutericos e hesioacutedicos o θαυμάσιος o maravilho eacute qualificado e
dimensionado com o uso de adjetivos
Para qualificar o thocircma26
Homero e Hesiacuteodo utilizam o adjetivo ldquogranderdquo (meacutegas)
mas essa grandeza de thocircma natildeo se mede associado a meacutegas encontramos com
efeito deinoacutes terriacutevel formidaacutevel O ldquomilagrerdquo eacute pois grande ou terriacutevel ndash e grande
porque terriacutevel (HARTOG 2014 p 265 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Exemplos do uso desses adjetivos empregados com essa denotaccedilatildeo estatildeo nos trechos
abaixo na Odisseia como atributo da voz de Zeus na Iliacuteada com relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da
peleja do combate e na Teogonia como caracteriacutestica de um monstro
Ἠὼς δ᾽ ἐκ λεχέων παρ᾽ ἀγαυοῦ Τιθωνοῖο
ὤρνυθ᾽ ἵν᾽ ἀθανάτοισι φόως φέροι ἠδὲ βροτοῖσιν
οἱ δὲ θεοὶ θῶκόνδε καθίζανον ἐν δ᾽ ἄρα τοῖσι
Ζεὺς ὑψιβρεμέτης οὗ τε κράτος ἐστὶ μέγιστον
Alccedila-se a Aurora do leito onde estava o preclaro Titono
para que a luz aos eternos levasse e aos mortais transitoacuterios
quando nos tronos os deuses se foram sentar tendo ao meio
Zeus cuja voz eacute atroante de forccedila e poder muito grandes
(Od V 1-4 traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes)
25
Morais (2008 p 17) examina a relaccedilatildeo entre ver e maravilhar-se em Heroacutedoto jaacute Parker (2008 p 119)
discorre sobre a autoacutepsia como ferramenta de autoridade em um discurso 26
A palavra θαῦμα aparece em Heroacutedoto como θῶμα (CHANTRAINE 1968 p 424)
32
lsquoαἰδὼς Ἀργεῖοι κοῦροι νέοι ὔμμιν ἔγωγε
μαρναμένοισι πέποιθα σαωσέμεναι νέας ἁμάς
εἰ δ᾽ ὑμεῖς πολέμοιο μεθήσετε λευγαλέοιο
νῦν δὴ εἴδεται ἦμαρ ὑπὸ Τρώεσσι δαμῆναι
ὢ πόποι ἦ μέγα θαῦμα τόδ᾽ ὀφθαλμοῖσιν ὁρῶμαι
δεινόν ὃ οὔ ποτ᾽ ἔγωγε τελευτήσεσθαι ἔφασκον
ldquoVergonha Argivos jovens mancebos Na vossa peleja
confiava eu para que se salvassem as nossas naus
Mas se voacutes desistis da guerra angustiosa agora
chega o dia de sermos subjugados pelos Troianos
Oacute amigos grande eacute a maravilha que meus olhos contemplam
coisa terriacutevel que nunca pensei poder vir a cumprir-serdquo
(Il XIII 95-100 traduccedilatildeo de Frederico Lourenccedilo)
ἣ δὲ Χίμαιραν ἔτικτε πνέουσαν ἀμαιμάκετον πῦρ
δεινήν τε μεγάλην τε ποδώκεά τε κρατερήν τε
τῆς δ᾽ ἦν τρεῖς κεφαλαί μία μὲν χαροποῖο λέοντος
ἣ δὲ χιμαίρης ἣ δ᾽ ὄφιος κρατεροῖο δράκοντος
πρόσθε λέων ὄπιθεν δὲ δράκων μέσση δὲ χίμαιρα
δεινὸν ἀποπνείουσα πυρὸς μένος αἰθομένοιο
Ela [a Viacutebora] pariu a Cabra que sopra irrepeliacutevel fogo
a terriacutevel e grande e de peacutes ligeiros e cruel
tinha trecircs cabeccedilas uma de leatildeo de olhos ruacutetilos
outra de cabra outra de viacutebora cruel serpente
Na frente leatildeo atraacutes serpente no meio cabra
expirando o terriacutevel furor do fogo aceso
(Teog 319-324 traduccedilatildeo de Jaa Torrano)
Posteriormente outros recursos passaram a ser incorporados a essa forma de narrativa
e operaccedilotildees como avaliar medir e contar se tornaram necessaacuterias para traduzir o
θαυμάσιος do mundo narrado Aleacutem disso a quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da
narrativa quanto mais θαυμάσιος houver maior seraacute o prolongamento da histoacuteria Com
isso o narrador eacute quem confere ao leitor as medidas do que se conta em um processo no
qual haacute um efeito de realidade causado pelo narrador em que o viajante ldquofaz crerrdquo no que
estaacute sendo contado sobre o outro Desse modo o θῶμα eacute um toacutepos do discurso etnograacutefico
(HARTOG 2014 p 261 ndash 263)
33
A VA tambeacutem nos eacute apresentada sob essa perspectiva uma narrativa repleta de
θαύματα de diversos tipos com uma grande variedade de animais exoacuteticos lugares de
geografia inusitada objetos e obras de arte magniacuteficas e povos com costumes e culturas
inimaginaacuteveis Aleacutem dessas caracteriacutesticas tanto as viagens quanto os milagres de
Apolocircnio tambeacutem satildeo exemplos de θαύματα (ELSNER 1997 p 25)
Como mencionado no primeiro capiacutetulo diversas caracteriacutesticas a respeito da Iacutendia jaacute
estavam presentes tanto em Heroacutedoto quanto em Cteacutesias A influecircncia desses dois autores
eacute bem evidente no terceiro livro da VA onde muitas dessas maravilhas satildeo desmitificadas
ou confirmadas por Apolocircnio que as potildee em xeque em um diaacutelogo com o saacutebio Iarcas
Aleacutem do que era exoacutetico e visualmente impactante seacuteculos mais tarde outro aspecto
do maravilhoso da Iacutendia se tornou um toacutepos literaacuterio a sabedoria dos bracircmanes e dos
gminosofistas27
das histoacuterias de Alexandre e da tradiccedilatildeo do Romance de Alexandre Se
por um lado os bracircmanes natildeo foram tratados nas narrativas de Cteacutesias e de Heroacutedoto a
partir desse momento eles se tornariam uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana (PARKER 2008 p 143 e 251) Na VA eles ocupam um papel central pois
chegar ateacute eles era o objetivo principal de Apolocircnio (VA I 18 32 II 11 III 16 29 IV
47) e esse contato com eles tambeacutem eacute parte do conteuacutedo maravilhoso da obra
231 As maravilhas da Iacutendia
Animais monstros seres hiacutebridos dimensotildees cores lugares construccedilotildees exuberantes
pedras e riquezas compotildeem a Iacutendia como um paiacutes exoacutetico diverso selvagem e
maravilhoso na indografia greco-romana Se Hartog (2014 p 261-263) afirma que a
quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da narrativa podemos afirmar que a Iacutendia
descrita por Filoacutestrato eacute extensa rica e profunda em suas peculiaridades Abaixo estatildeo
traduzidas passagens que remetem ao conteuacutedo maravilhoso dessa obra listadas e
divididas em grupos Os grupos arrolados satildeo i) lugares onde estatildeo descritas montanhas
planiacutecies e cidades ii) hidrografia com os nomes dimensotildees e particularidades dos rios
mencionados no texto iii) o clima da Iacutendia iv) animais onde satildeo detalhadas suas
27
Agraves vezes os dois termos satildeo usados de forma intercambiaacutevel agraves vezes eles se referem a diferentes grupos Em
alguns casos o termo eacute usado para se referir a sacerdotes egiacutepcios como em Filoacutestrato (PARKER 2008 p 255)
34
particularidades e as estoacuterias associadas a eles v) seres exoacuteticos compostos por
humanoides seres hiacutebridos e povos de cultura inusitada
Identificamos tambeacutem na VA uma forte influecircncia de Heroacutedoto e de Cteacutesias que
iniciaram essa tradiccedilatildeo a respeito da Iacutendia As descriccedilotildees que aludem a esses dois autores
estatildeo mencionadas ao longo do texto e os trechos referidos a eles estaratildeo expostos junto
com os da VA Quando houver uma referecircncia em comum entre os trecircs autores
respeitaremos a ordem cronoloacutegica entre eles
2311 Lugares
Durante a jornada de Apolocircnio satildeo descritos os lugares por onde ele passa e suas
impressotildees Em seu itineraacuterio pela Iacutendia Apolocircnio passa pela cordilheira do Caacuteucaso
registrando o aroma de canela e a aacutervore de pimenta existentes laacute passa por uma pedra
chamada ldquoSem paacutessarosrdquo pela planiacutecie irrigada do Ganges por Taxila pelo Templo do Sol
por Paraca pela torre dos saacutebios onde ele vecirc dois jarros um de chuva e o outro de vento
aleacutem de uma pedra magneacutetica pelas regiotildees de Balara de Selera de Pegadae e pela ilha
Biacuteblos
A cordilheira Caacuteucaso
Eacute narrado que ao se aproximarem da cordileira do Caacuteucaso Apolocircnio e seus
companheiros sentiram que a terra ficava mais perfumada (VA II 1) Sua extensatildeo eacute enorme
pois considera-se que o iniacutecio dessa montanha eacute no Touro e se estende atraveacutes da Armecircnia ateacute
Miacutecale e se estende ateacute a margem do mar onde vivem os carianos Ao contraacuterio do pico de
Miacutecale que natildeo eacute muito grande os do Caacuteucaso
καὶ αἱ ὑπερβολαὶ τοῦ Καυκάσου τοσοῦτον ἀνεστᾶσιν ὡς σχίζεσθαι περὶ αὐτὰς τὸν
ἥλιον περιβάλλει δὲ Ταύρῳ ἑτέρῳ καὶ τὴν ὅμορον τῇ Ἰνδικῇ Σκυθίαν πᾶσαν κατὰ
Μαιῶτίν τε καὶ ἀριστερὸν Πόντον σταδίων μάλιστα δισμυρίων μῆκος τοσοῦτον
γὰρ ἐπέχει μέτρον τῆς γῆς ὁ ἀγκὼν τοῦ Καυκάσου [] ὁ δὲ Καύκασος ὁρίζει μὲν
35
τὴν Ἰνδικήν τε καὶ Μηδικήν καθήκει δὲ ἐπὶ τὴν Ἐρυθρὰν θάλατταν ἑτέρῳ ἀγκῶνι
(VA II 2)
os picos do Caacuteucaso satildeo tatildeo elevados que o sol eacute cortado por eles Envolve com o
resto do Tauro toda a Ciacutetia que faz fronteira com a Iacutendia pelo Meoacutetis e a costa
esquerda do Ponto uma distacircncia quase de 20 mil estaacutedios pois nada menos que
isso eacute a extensatildeo de terra cercada pela depressatildeo do Caacuteucaso [] O Caacuteucaso limita
Iacutendia e Meacutedia e se estende por outra depressatildeo ateacute o Mar Vermelho
As montanhas do Caacuteucaso possuem ainda outras peculiaridades como por exemplo
os arbustos com cheiro de canela que aromatizam toda aquela regiatildeo e a aacutervore de pimenta
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho sentiram o aroma de
canela vinda dos arbustos por toda esse aacuterea
A canela do Caacuteucaso
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho e descrito
que esta faixa eacute densamente coberta por arbustos aromaacuteticos de canela
τοὺς μὲν δὴ πρῶνας τοῦ ὄρους τὸ κιννάμωμον φέρειν προσεοικέναι δὲ αὐτὸ νέοις
κλήμασι βάσανον δὲ τοῦ ἀρώματος τὴν αἶγα εἶναι κινναμώμου γὰρ εἴ τις αἰγὶ
ὀρέξειε κνυζήσεται πρὸς τὴν χεῖρα καθάπερ κύων ἀπιόντι τε ὁμαρτήσει τὴν ῥῖνα
ἐς αὐτὸ ἐρείσασα κἂν ὁ αἰπόλος ἀπάγῃ θρηνήσει καθάπερ λωτοῦ ἀποσπωμένη
(VA III 4)
Os contrafortes da montanha produzem canela que se assemelha a videiras novas
mas a cabra eacute a prova de que se trata daquele arbusto aromaacutetico pois se algueacutem
apresenta a canela a uma cabra ela gane na direccedilatildeo da matildeo igual a um cachorro e
ao sair ela o seguiraacute apoiando nela o focinho e se o pastor a afastar ela se
lamentaraacute como privada de loto
36
A aacutervore de pimenta
Nos montes dessa montanha crescem aacutervores aromaacuteticas muito altas e existem
diversas espeacutecies delas como eacute o caso das aacutervores de pimenta que satildeo cultivadas pelos
macacos (VA III 4)
τὸ δένδρον ἡ πεπερὶς εἴκασται μὲν τῷ παρ᾽ Ἕλλησιν ἄγνῳ τά τε ἄλλα καὶ τὸν
κόρυμβον τοῦ καρποῦ φύεται δὲ ἐν τοῖς ἀποτόμοις οὐκ ἐφικτὸς τοῖς ἀνθρώποις οὗ
λέγεται πιθήκων οἰκεῖν δῆμος ἐν μυχοῖς τοῦ ὄρους καὶ ὅ τι αὐτοῦ κοῖλον οὓς
πολλοῦ ἀξίους οἱ Ἰνδοὶ νομίζοντες ἐπειδὴ τὸ πέπερι ἀποτρυγῶσι τοὺς λέοντας ἀπ᾽
αὐτῶν ἐρύκουσι κυσί τε καὶ ὅπλοις (VA III 4)
A aacutervore de pimenta se parece com o salgueiro dos gregos em tudo incluindo os
ramos do fruto e cresce em ravinas que o homen natildeo alcanccedila e onde dizem habita
um povo de macacos em buracos na montanha e em qualquer concavidade dela os
quais satildeo tidos em alta estima pelos indianos porque eles colhem as pimentas eles
afastam deles os leotildees com catildees e armas
A pedra chamada ldquoSem paacutessarosrdquo
Haacute uma pedra perto do monte Nisa que se chamada ldquoSem Paacutessarosrdquo (Ἄορνον) Apesar
de natildeo terem ido ateacute ela os viajantes ouviram falar que Alexandre a capturou e a histoacuteria que
se conta sobre essa pedra estaacute assim descrita
Ἄορνος δὲ ὀνομάζοιτο οὐκ ἐπειδὴ στάδια πεντεκαίδεκα ἀνέστηκε πέτονται γὰρ καὶ
ὑπὲρ τοῦτο οἱ ἱεροὶ ὄρνιθες ἀλλ᾽ ἐν κορυφῇ τῆς πέτρας ῥῆγμα εἶναί φασι τοὺς
ὑπερπετομένους τῶν ὀρνίθων ἐπισπώμενον ὡς Ἀθήνησί τε ἰδεῖν ἐστιν ἐν προδόμῳ
τοῦ Παρθενῶνος καὶ πολλαχοῦ τῆς Φρυγῶν καὶ Λυδῶν γῆς ὑφ᾽ οὗ τὴν πέτραν
Ἄορνον κεκλῆσθαί τε καὶ εἶναι (VA II 10)
37
[a pedra] foi nomeada ldquoSem Paacutessarosrdquo natildeo porque alcanccedila quinze estaacutedios pois os
paacutessaros sagrados voam aleacutem dessa altura mas porque no pico da pedra haacute dizem
um abismo que puxa os paacutessaros como se vecirc que acontece tambeacutem em Atenas no
vestiacutebulo do Partenon e em muitos lugares da terra dos friacutegios e liacutedios Por esse
motivo a pedra eacute chamada e de fato eacute ldquoSem Paacutessarosrdquo
A planiacutecie irrigada do Ganges
Apoacutes atravessarem o Caacuteucaso eacute descrito que os viajantes viram uma planiacutecie lisa com
cortes e valas cheias de aacutegua algumas das quais transversais enquanto outras eram retas
Eram simples afluentes do rio Ganges dispostas como fronteiras e irrigavam tambeacutem a
planiacutecie quando a terra estava seca (VA III 5) Sobre esta terra
τὴν δὲ γῆν ταύτην ἀρίστην φασὶ τῆς Ἰνδικῆς εἶναι καὶ μεγίστην τῶν ἐκεῖ λήξεων
πεντεκαίδεκα ἡμερῶν ὁδοῦ μῆκος ἐπὶ τὸν Γάγγην ὀκτωκαίδεκα δὲ ἀπὸ θαλάσσης
ἐπὶ τὸ τῶν πιθήκων ὄρος ᾧ ξυμπαρατείνει πεδιὰς πᾶσα ἡ χώρα μέλαινά τε καὶ
πάντων εὔφορος ἰδεῖν μὲν γὰρ ἐν αὐτῇ στάχυας ἀνεστῶτας ὅσον οἱ δόνακες ἰδεῖν
δὲ κυάμους τριπλασίους τῶν Αἰγυπτίων τὸ μέγεθος σήσαμόν τε καὶ κέγχρον
ὑπερφυᾶ πάντα ἐνταῦθα καὶ τὰ κάρυα φύεσθαί φασιν ὧν πολλὰ πρὸς ἱεροῖς
ἀνακεῖσθαι τοῖς δεῦρο θαύματος ἕνεκα τὰς δὲ ἀμπέλους φύεσθαι μὲν μικράς
καθάπερ αἱ Λυδῶν τε καὶ Μαιόνων ποτίμους δὲ εἶναι καὶ ἀνθοσμίας ὁμοῦ τῷ
ἀποτρυγᾶν ἐνταῦθα καὶ δένδρῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι προσεοικότι τῇ δάφνῃ
φύεσθαι δὲ αὐτοῦ κάλυκα εἰκασμένην τῇ μεγίστῃ ῥόᾳ καὶ μῆλον ἐγκεῖσθαι τῇ
κάλυκι κυάνεον μέν ὥσπερ τῶν ὑακίνθων αἱ κάλυκες πάντων δὲ ἥδιστον ὁπόσα ἐξ
ὡρῶν ἥκει (VA III 5)
Eles dizem ser esta a melhor terra da Iacutendia e a maior das regiotildees sendo de quinze
dias a jornada ateacute o Ganges e de dezoito dias do mar ateacute a montanha dos macacos
por onde se estende Toda a regiatildeo eacute uma planiacutecie preta e feacutertil de tudo pois se pode
ver nela espigas crescendo como os juncos e se pode ver tambeacutem favas trecircs vezes
maiores que as do tipo egiacutepcio bem como seacutesamo e milho crescendo por todas as
partes E eles dizem que tambeacutem nascem nozes laacute das quais muitas satildeo ofertadas
nos templos daqui pelo que tecircm de admiraacutevel As videiras que crescem satildeo
pequenas como as dos liacutedios e meocircnios boas para beber e aromaacuteticas tatildeo logo se
arrancam Eles dizem que laacute se depararam tambeacutem com uma aacutervore que se
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assemelha ao loureiro sobre a qual cresce um caacutelice comparaacutevel a uma granada
grande e dentro do caacutelice estaacute embutido um fruto azulado como os caacutelices de
jacinto o mais agradaacutevel de todos que as estaccedilotildees trazem
A regiatildeo de Taxila
Taxila eacute uma cidade importante na VA Eacute nela que Apolocircnio encontra vestiacutegios de
Alexandre e da batalha travada entre o macedocircnio e o rei indiano Poro conhecida como a
Batalha de Hidaspes Aleacutem disso eacute em Taxila que Apolocircnio tem o primeiro contato com um
rei indiano Fraotes um dos personagens mais importantes da Iacutendia da VA devido agrave forma
como governa e a seu conhecimento da cultura grega
Taxila segunda a narrativa tem a dimensatildeo de Niacutenive e eacute fortificada da mesma forma
que as cidades gregas Aleacutem dessas caracteriacutesticas que remetem agrave Greacutecia eacute descrito um
templo com o qual se surpreenderam de tatildeo belo
νεὼν δὲ πρὸ τοῦ τείχους ἰδεῖν φασιν οὐ παρὰ πολὺ τῶν ἑκατομπόδων λίθου
κογχυλιάτου καὶ κατεσκευάσθαι τι ἱερὸν ἐν αὐτῷ ἧττον μὲν ἢ κατὰ τὸν νεὼν
τοσοῦτόν τε ὄντα καὶ περικίονα θαυμάσαι δὲ ἄξιον χαλκοῖ γὰρ πίνακες
ἐγκεκρότηνται τοίχῳ ἑκάστῳ γεγραμμένοι τὰ Πώρου τε καὶ Ἀλεξάνδρου ἔργα
γεγράφαται δὲ ὀρειχάλκῳ καὶ ἀργύρῳ καὶ χρυσῷ καὶ χαλκῷ μέλανι ἐλέφαντες ἵπποι
στρατιῶται κράνη ἀσπίδες λόγχαι δὲ καὶ βέλη καὶ ξίφη σιδήρου πάντα καὶ ὥσπερ
λόγος εὐδοκίμου γραφῆς οἷον εἰ Ζεύξιδος εἴη τι ἢ Πολυγνώτου τε καὶ Εὐφράνορος
οἳ τὸ εὔσκιον ἠσπάσαντο καὶ τὸ ἔμπνουν καὶ τὸ ἐσέχον τε καὶ ἐξέχον οὕτως φασί
κἀκεῖ διαφαίνεται καὶ ξυντετήκασιν αἱ ὕλαι καθάπερ χρώματα ἡδὺ δὲ καὶ αὐτὸ τὸ
ἦθος τῆς γραφῆς (VA II 20)
dizem que viram um templo em frente da muralha de natildeo muito mais que cem peacutes
de pedra de calcaacuterio e que foi construiacutedo dentro dele um santuaacuterio algo menor com
relaccedilatildeo agrave grandeza do templo sendo esse cercado por colunas e digno de
maravilhar-se Havia taacutebuas de bronze em cada parede do templo com os feitos de
Poro e Alexandre registrados Foram gravados com oricalco prata ouro e bronze
escuro elefantes cavalos soldados elmos e escudos mas lanccedilas flechas e espadas
eram todas de ferro e como o assunto de uma pintura famosa tal qual as de Zecircuxis
Polignoto ou Eufranor que gostavam do claro-escuro do animado da profundidade
39
e do relevo assim dizem tambeacutem ali tudo se mostrava e os materiais estavam
dispostos como cores E o caraacuteter da pintura era apraziacutevel por si mesmo
O Templo do Sol
Esse templo tambeacutem eacute caracterizado por sua beleza e riqueza e pedras preciosas e
imagens marcando a passagem de Apolocircnio naquela regiatildeo
ἱερὸν δὲ ἰδεῖν Ἡλίου φασίν ᾧ ἀνεῖτο Αἴας ἐλέφας καὶ ἀγάλματα Ἀλεξάνδρου
χρυσᾶ καὶ Πώρου ἕτερα χαλκοῦ δ᾽ ἦν ταῦτα μέλανος οἱ δὲ τοῦ ἱεροῦ τοῖχοι
πυρσαῖς λίθοις ὑπαστράπτει χρυσὸς αὐγὴν ἐκδιδοὺς ἐοικυῖαν ἀκτῖνι τὸ δὲ ἕδος αὐτὸ
μαργαρίτιδος ξύγκειται ξυμβολικὸν τρόπον ᾧ βάρβαροι πάντες ἐς τὰ ἱερὰ χρῶνται
(VA II 24)
E eles dizem ter visto um Templo do Sol no qual circulava o elefante Aacutejax e
esculturas de ouro de Alexandre e outras de Poro e eram estas de bronze escuro E
das paredes do templo sob pedras vermelhas brilhava o ouro emitiam um claratildeo
semelhante a um raio de sol O proacuteprio assento estava cercado de peacuterolas do modo
simboacutelico que usam todos os baacuterbaros nos templos
A cidade de Paraca
A cidade de Paraca eacute maravilhosa por nela acontecer o treino de caccedila aos dragotildees e
por nela se armazenarem as cabeccedilas desse animal no centro da cidade Aleacutem disso os
habitantes dessa regiatildeo entendem a linguagem animal Eacute a partir dessa cidade que Apolocircnio
chega ateacute a torre dos bracircmanes
τὴν δὲ πόλιν τὴν ὑπὸ τῷ ὄρει μεγίστην οὖσαν φασὶ μὲν καλεῖσθαι Πάρακα
δρακόντων δὲ ἀνακεῖσθαι κεφαλὰς ἐν μέσῃ πλείστας γυμναζομένων τῶν ἐν ἐκείνῃ
Ἰνδῶν τὴν θήραν ταύτην ἐκ νέων λέγονται δὲ καὶ ζῴων ξυνιέναι φθεγγομένων τε
καὶ βουλευομένων σιτούμενοι δράκοντος οἱ μὲν καρδίαν οἱ δὲ ἧπαρ προϊόντες δὲ
40
αὐλοῦ μὲν ἀκοῦσαι δόξαι νομέως δή τινος ἀγέλην τάττοντος ἐλάφους δὲ ἄρα
βουκολεῖσθαι λευκάς ἀμέλγουσι δὲ Ἰνδοὶ ταύτας εὐτραφὲς ἡγούμενοι τὸ ἀπ᾽ αὐτῶν
γάλα (VA III 9)
E eles dizem que a cidade abaixo da montanha eacute grande e chama-se Paraca que no
centro ficam guardadas a maioria das cabeccedilas de dragotildees para os indianos de laacute
serem treinados a essa caccedila desde a juventude Dizem tambeacutem que eles entendem os
sons e as deliberaccedilotildees dos animais alimentando-se ou do coraccedilatildeo ou do fiacutegado do
dragatildeo Avanccedilando eles imaginaram ter ouvido a flauta de algum pastor ordenando
um rebanho mas logo deliberaram que eram corsas brancas pois os indianos as
guiam para ordenhaacute-las por causa de seu leite nutritivo
A torre dos saacutebios
A torre dos bracircmanes eacute o cenaacuterio principal da viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Eacute nela que
Apolocircnio chega ao limite maacuteximo de sua sabedoria e realiza o objetivo principal de sua
viagem chegar ateacute os bracircmanes
A descriccedilatildeo dessa torre eacute peculiar em vista de suas referecircncias e comparaccedilotildees com a
Acroacutepole de Atenas o que faz com que o leitor projete mentalmente o mapa da Greacutecia A
torre fica no topo de uma montanha e suas caracteriacutesticas satildeo
ὕψος μὲν εἶναι κατὰ τὴν Ἀθηναίων φασὶν ἀκρόπολιν ἀνίστασθαι δὲ ἐκ πεδίου ἄνω
εὐφυᾶ δὲ ὁμοίως πέτραν ὀχυροῦν αὐτὸν κύκλῳ περιήκουσαν (VA III 13)
tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da planiacutecie e
sua posiccedilatildeo natural o protege de ataques pois eacute rodeado por rochas em todos os
lados
Aleacutem disso em muitas partes dessa pedra eles viram rastros de pegadas e contorno de
barba e de rostos e viram marcas que pareciam de costas deslizadas (ἧς πολλαχοῦ δίχηλα
ὁρᾶσθαι ἴχνη καὶ γενειάδων τύπους καὶ προσώπων καί που καὶ νῶτα ἰδεῖν ἀπωλισθηκόσιν
ὅμοια - VA III 13) Essas marcas segundo a narrativa satildeo de quando Dioniso e Heacuteracles
41
tentaram atacar e capturar a torre mas foram afastados pelos raios e pedras enviados pelos
bracircmanes
Existia tambeacutem uma nuvem que pairava sobre a torre
περὶ δὲ τῷ ὄχθῳ νεφέλην ἰδεῖν φασιν ἐν ᾗ τοὺς Ἰνδοὺς οἰκεῖν φανερούς τε καὶ
ἀφανεῖς καὶ ὅ τι βούλονται πύλας δὲ εἰ μὲν καὶ ἄλλας εἶναι τῷ ὄχθῳ οὐκ εἰδέναι τὸ
γὰρ περὶ αὐτὸν νέφος οὔτε ἀκλείστῳ ξυγχωρεῖν οὔτ᾽ αὖ ξυγκεκλεισμένῳ φαίνεσθαι
(VA III 13)
eles dizem ter visto uma nuvem atraacutes da montanha da morada dos hindus a qual
ficava visiacutevel ou invisiacutevel quando eles desejam E se tinha outro portatildeo na montanha
eles natildeo sabiam pois com a nuvem ao redor natildeo conseguiram ver se havia uma
abertura na muralha ou se por outro lado era uma fortaleza fechada
Os jarros de chuva e de vento dos bracircmanes
Outro prodiacutegio se encontra quando os personagens tendo entrado na torre viram dois
jarros de pedra preta um de chuva e outro de vento (καὶ διττὼ ἑωρακέναι φασὶ πίθω λίθου
μέλανος ὄμβρων τε καὶ ἀνέμων ὄντε - VA III 14) O jarro de chuva eacute aberto quando a Iacutendia
estaacute sofrendo de seca e entatildeo satildeo enviadas nuvens carregadas para todo o paiacutes mas se a
chuva passa a ser excessiva eacute interrompida quando o jarro eacute fechado Jaacute o jarro de vento eacute
comparado agrave caixa de Eacuteolo28
pois liberta um dos ventos o qual proporciona uma brisa fresca
que refresca todo o paiacutes (VA III 14)
A pedra magneacutetica
Na torre dos bracircmanes Iarcas mostra a Apolocircnio uma pedra que tem caracteriacutesticas
magneacuteticas e se assemelha agrave pedra pantarba descrita por Cteacutesias nestes termos
28
Provaacutevel referecircncia a Eacuteolo guardiatildeo dos ventos na Odisseia (Od X 1-4 21-22)
42
Περὶ παντάρβας τῆς σφραγῖδος καὶ ὡς υοζʹ σφραγῖδας ἀπορριφείσας καὶ τιμίους
λίθους εἰς τὸν ποταμόν ἅτινα ἦν τοῦ Βακτρίων καπήλου αὐτὴ ἀνείλκυσεν ἐχομένας
ἀλλήλων (Ind frag II)
Fala sobre a pantarba uma pedra preciosa e que quando ela eacute jogada no rio 477
sinetes e pedras preciosas que eram de um comerciante de Bactra ela puxa de volta
presas umas com as outras
Na VA Iarcas confirma a existecircncia desta pedra e garante que o que dizem a respeito
de suas caracteriacutesticas magneacuteticas eacute verdade Aleacutem disso ele tambeacutem a disponibiliza a
Apolocircnio para que este a veja e comprove por si mesmo suas propriedades Nenhum
detalhe poreacutem eacute narrado (VA III 46)
γίγνεται μὲν γὰρ ἡ μεγίστη κατὰ ὄνυχα δακτύλου τούτουrsquo δείξας τὸν ἑαυτοῦ
ἀντίχειρα lsquoκυίσκεται δὲ ἐν γῇ κοίλῃ βάθος ὀργυιαὶ τέτταρες τοσοῦτον δὲ αὐτῇ
περίεστι τοῦ πνεύματος ὡς ὑποιδεῖν τὴν γῆν καὶ κατὰ πολλὰ ῥήγνυσθαι
κυισκομένης ἐν αὐτῇ τῆς λίθου (VA III 46)
[Fala de Iarcas] De fato a maior delas eacute do tamanho desta unha ndash e ele mostrou seu
proacuteprio polegar ndash e eacute formada num buraco na terra com uma profundidade de quatro
braccedilas mas ela tem tanto espiacuterito que a terra se dilata e se rasga em muitos lugares
quando esta pedra eacute concebida
Contudo essa pedra natildeo eacute facilmente capturada pois se algueacutem tenta pegaacute-la ela
foge a menos que exista uma atraccedilatildeo entre a pedra e aquele que tenta apanhaacute-la Ainda a
pantarba (παντάρβην) assim chamada tambeacutem por Iarcas
νύκτωρ μὲν οὖν ἡμέραν ἀναφαίνει καθάπερ τὸ πῦρ ἔστι γὰρ πυρσὴ καὶ ἀκτινώδης
εἰ δὲ μεθ᾽ ἡμέραν ὁρῷτο βάλλει τοὺς ὀφθαλμοὺς μαρμαρυγαῖς μυρίαις τὸ δὲ ἐν
αὐτῇ φῶς πνεῦμά ἐστιν ἀρρήτου ἰσχύος πᾶν γὰρ τὸ ἐγγὺς ἐσποιεῖ αὑτῇ (VA III 46)
43
de noite faz brilhar um dia como o fogo eacute vermelha e emite raios e se se olha para
ela de dia lanccedila aos seus olhos raios de luz incontaacuteveis A luz de dentro dela eacute um
espiacuterito com forccedila misteriosa pois atraiacute tudo para perto dela mesma
καὶ εἰπὼν ταῦτα ἔδειξε τὴν λίθου αὐτήν τε καὶ ὁπόσα ἐργάζεται (VA III 47)
E tendo ditto estas coisas ele mostrou a proacutepria pedra e tudo o que ela era capaz de
realizar
Balara e Selera
Balara eacute um lugar distinto por seus jardins jaacute Selera eacute uma ilha sagrada onde habita
uma nereida
προσπλεῦσαί φασι καὶ Βαλάροις ἐμπόριον δὲ εἶναι τὰ Βάλαρα μεστὸν μυρρινῶν τε
καὶ φοινίκων καὶ δάφνας ἐν αὐτῷ ἰδεῖν καὶ πηγαῖς διαρρεῖσθαι τὸ χωρίον κῆποι δὲ
ὁπόσοι τρωκτοὶ καὶ ὁπόσοι ἀνθέων κῆποι βρύειν αὐτὸ καὶ λιμένας μεστοὺς
γαλήνης ἐν αὐτῷ εἶναι προκεῖσθαι δὲ τοῦ χωρίου τούτου νῆσον ἱεράν ἣν καλεῖσθαι
Σέληρα καὶ στάδια μὲν ἑκατὸν εἶναι τῷ πορθμῷ νηρηίδα δὲ οἰκεῖν ἐν αὐτῇ δεινὴν
δαίμονα πολλοὺς γὰρ τῶν πλεόντων ἁρπάζειν καὶ μηδὲ ταῖς ναυσὶ ξυγχωρεῖν
πεῖσμα ἐκ τῆς νήσου βάλλεσθαι (VA III 56)
Eles contam que navegaram ateacute Balara que eacute um empoacuterio cheio de mirtos e de
palmeiras e que viram tambeacutem loureiros e fonte que ali fluem E tinha tanto jardins
de plantas comestiacuteveis como jardins de flores cheios de brotos e os portos ali
estavam calmos Defronte deste lugar existe uma ilha sagrada chamada Selera e a
passagem ateacute ela eacute de cem estaacutedios de distacircncia Nesta ilha habita uma nereida um
democircnio terriacutevel pois ela arrebata muitos marinheiros e natildeo deixa que os navios
arremessem um cabo agrave ilha
44
Pegadas a terra de bronze
De acordo com a narrativa podemos imaginar esta regiatildeo como monocromaacutetica
tamanha eacute a predominacircncia do bronze que compotildee sua natureza
κατασχεῖν δέ φασι καὶ ἐς Πηγάδας τῆς τῶν Ὠρειτῶν χώρας οἱ δὲ Ὠρεῖται χαλκαῖ
μὲν αὐτοῖς αἱ πέτραι χαλκῆ δὲ ἡ ψάμμος χαλκοῦν δὲ ψῆγμα οἱ ποταμοὶ ἄγουσι
χρυσῖτιν δὲ ἡγοῦνται τὴν γῆν διὰ τὴν εὐγένειαν τοῦ χαλκοῦ (VA III 54)
Eles dizem que tambeacutem passaram por Peacutegada na terra dos oritas e que os oritas tecircm
pedras de bronze e tambeacutem areia de bronze e a poeira que o rio traz tambeacutem eacute de
bronze Mas eles consideram o bronze da sua terra ouro por causa da nobreza dele
A ilha Biblo e os moluscos gigantes
Esta ilha tem como maravilhoso seus frutos do mar que em tamanho satildeo muito
maiores que os gregos
μνημονεύουσι καὶ νήσου μικρᾶς ᾗ ὄνομα εἶναι Βίβλον ἐν ᾗ τὸ τοῦ κογχυλίου
μέγεθος καὶ οἱ μύες ὄστρεά τε καὶ τὰ τοιαῦτα δεκαπλάσια τῶν Ἑλληνικῶν τὸ
μέγεθος ταῖς πέτραις προσπέφυκεν ἁλίσκεται δὲ καὶ λίθος ἐκεῖ μαργαρὶς ἐν
ὀστράκῳ λευκῷ καρδίας τόπον ἔχουσα τῷ ὀστρέῳ (VA III 53)
Eles tambeacutem recordam uma pequena ilha a qual se chama Biblo onde haacute grandes
berbigotildees mexilhotildees e ostras os quais se prendem em pedras e satildeo dez vezes
maiores que os encontrados na Greacutecia Uma pedra tambeacutem eacute capturada ali a peacuterola
a qual ocupa em uma concha branca o lugar do coraccedilatildeo da ostra
45
2312 Hidrografia
Filoacutestrato descreve os rios que Apolocircnio atravessou bem como suas extensotildees
navegaacuteveis suas dimensotildees e os animais que havia neles Os rios satildeo o Indo o Hiacutefasis e o
Acesines
O rio Indo
Esse rio eacute o mais importante para a indografia greco-romana por ter simbolizado ateacute a
campanha de Alexandre os confins do mundo Essa crenccedila se encontra presente nas
narrativas de Cteacutesias
Λέγει περὶ τοῦ Ἰνδοῦ ποταμοῦ τὸ μὲν στενὸν αὐτοῦ τὸ εὖρος μʹ σταδίων εἶναι τὸ δὲ
πλατύτατον καὶ διακοσίων Λέγει περὶ αὐτῶν τῶν Ἰνδῶν ὅτι πλείους σχεδὸν
συμπάντων ἀνθρώπων Περὶ τοῦ σκώληκος τοῦ ἐν τῷ ποταμῷ ὃ καὶ μόνον τῶν
ἄλλων θηρίων ἐν αὐτῷ γίνεται Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους Ὅτι
οὐχ ὕει ἀλλacute ὑπὸ τοῦ ποταμοῦ ποτίζεται ἡ Ἰνδική (Ind frag I)
Ele fala sobre o rio Indo que em sua passagem mais estreita tem quarenta estaacutedios29
de largura e na mais extensa duzentos Fala que a populaccedilatildeo de hindus eacute mais ou
menos maior que a de todos os homens juntos Fala a respeito de um verme do rio o
qual aliaacutes eacute o uacutenico animal que haacute nele Que homens natildeo habitam aleacutem de laacute Que
natildeo chove mas a terra da Iacutendia eacute irrigada pelo rio
Filoacutestrato tambeacutem fala sobre sua dimensatildeo bem como sobre sua nascente e os animais
que nele vivem
29
Medida de percurso equivalente a 17760 m
46
τὸν μὲν δὴ Ἰνδὸν ὧδε ἐπεραιώθησαν σταδίους μάλιστα τεσσαράκοντα τὸ γὰρ
πλόιμον αὐτοῦ τοσοῦτον περὶ δὲ τοῦ ποταμοῦ τούτου τάδε γράφουσι τὸν Ἰνδὸν
ἄρχεσθαι μὲν ἐκ τοῦ Καυκάσου μείζω αὐτόθεν ἢ οἱ κατὰ τὴν Ἀσίαν ποταμοὶ πάντες
προχωρεῖν δὲ πολλοὺς τῶν ναυσιπόρων ἑαυτοῦ ποιούμενον ἀδελφὰ δὲ τῷ Νείλῳ
πράττοντα τῇ τε Ἰνδικῇ ἐπιχεῖσθαι γῆν τε ἐπάγειν τῇ γῇ καὶ παρέχειν Ἰνδοῖς τὸν
Αἰγυπτίων τρόπον σπείρειν (VA II 18)
E entatildeo eles atravessaram o Indo com mais de quarenta estaacutedios30
pois essa eacute sua
extensatildeo navegaacutevel A respeito do rio eles escrevem estas coisas que o Indo comeccedila
no Caacuteucaso e sua nascente eacute maior que todos os rios da Aacutesia e ao avanccedilar
incorpora muitos [rios] navegaacuteveis e de modo paralelo ao Nilo inunda a Iacutendia
sobrepotildee terra agrave terra e permite aos hindus semear do mesmo modo que os egiacutepcios
κομιζόμενοι δὲ διὰ τοῦ Ἰνδοῦ πολλοῖς μὲν ποταμίοις ἵπποις ἐντυχεῖν φασι πολλοῖς
δὲ κροκοδείλοις ὥσπερ οἱ τὸν Νεῖλον πλέοντες λέγουσι δὲ καὶ ἄνθη τῷ Ἰνδῷ εἶναι
οἷα τοῦ Νείλου ἀναφύεται (VA II 19)
E eles dizem que viajando em direccedilatildeo ao outro lado do Indo encontraram muitos
cavalos de rio e muitos crocodilos como os que nadam no Nilo e que a vegetaccedilatildeo
do Indo eacute como a que brota no Nilo
O rio Hiacutefasis e o oacuteleo nupcial
O rio Hiacutefasis (atual Beaacutes) eacute notaacutevel por sua extensatildeo De acordo com o texto ele nasce
na planiacutecie e perto de sua fonte os riachos satildeo navegaacuteveis mas agrave medida que avanccedilam logo
se tornam inacessiacuteveis para os barcos porque os montes de rocha se alternam Nas redondezas
dessas rochas o vento eacute forte ao ponto de tornar o rio natildeo navegaacutevel (VA III 1) Suas
caracteriacutesicas mais notaacuteveis satildeo
εὖρος δὲ αὐτῷ κατὰ τὸν Ἴστρον ποταμῶν δὲ οὗτος δοκεῖ μέγιστος ὁπόσοι δι᾽
Εὐρώπης ῥέουσι δένδρα δέ οἱ προσόμοια φύει παρὰ τὰς ὄχθας καί τι καὶ μύρον
47
ἐκδίδοται τῶν δένδρων ὃ ποιοῦνται Ἰνδοὶ γαμικὸν χρίσμα καὶ εἰ μὴ τῷ μύρῳ τούτῳ
ῥάνωσι τοὺς νυμφίους οἱ ξυνιόντες ἐς τὸν γάμον ἀτελὴς δοκεῖ καὶ οὐκ ἐς χάριν τῇ
Ἀφροδίτῃ ξυναρμοσθείς (VA III 1)
Sua largura eacute equivalente ao do rio Ister este sendo considerado o mais de quantos
rios fluem na Europa Aacutervores semelhantes agraves daquele nascem agraves suas margens e um
baacutelsamo tambeacutem eacute extraiacutedo das aacutervores a partir do qual os hindus fazem um oacuteleo
nupcial e se os presentes ao casamento natildeo borrifam com esse oacuteleo os noivos
parece que a uniatildeo natildeo eacute concluiacuteda nem agraciada por Afrodite
Esse bosque agrave margem do rio eacute consagrado a Afrodite bem como os belos peixes que
existem laacute (VA III 1)
O rio Acesines
A descriccedilatildeo deste rio eacute breve e o conteuacutedo maravilhoso neste trecho se daacute pela
dimensatildeo informada e pelo comprimento das cobras que existem nele
περὶ τοῦ Ἀκεσίνου ποταμοῦ εἰρημένα ὡς ἐσβάλλει μὲν ἐς τὸν Ἰνδὸν οὗτος τρέφει
δὲ ὄφεις ἑβδομήκοντα πηχῶν μῆκος τοιαῦτα εἶναί φασιν (VA II 17)
Sobre o que disseram do rio Acesines que desaacutegua no rio Indo e produz cobras de
setenta cocircvados31
de comprimento ser assim eles dizem
A fonte de ouro
Aleacutem desses rios ao conversar com Iarcas Apolocircnio pergunta sobre a veracidade de
uma fonte de que jorra ouro (ἐρομένου δὲ αὐτοῦ καὶ περὶ τοῦ χρυσοῦ ὕδατος ὅ φασιν ἐκ
πηγῆς βλύζειν - VA III 45) Provavelmente essa fonte eacute uma alusatildeo agrave descrita por Cteacutesias
31
Medida de comprimento equivalente a 44 cm
48
Περὶ τῆς κρήνης πληρουμένης ἀνacute ἔτος ὑγροῦ χρυσίου ἐξ ἧς ἑκατὸν πρόχοι
ὀστράκινοι ἀνacute ἔτος ἀρύονται Ὀστρακίνους δὲ δεῖ εἶναι ἐπεὶ πήγνυται ὁ χρυσὸς
ἀπαρυόμενος καὶ ἀνάγκη τὸ ἀγγεῖον θλᾶν καὶ οὕτως ἐξαγαγεῖν αὐτόν Ἡ δὲ κρήνη
τετράγωνός ἐστιν ἑκκαίδεκα μὲν πηχῶν ἡ περίμετρος τὸ δὲ βάθος ὀργυϊά ἑκάστη
δὲ προχόη τάλαντον ἕλκει Καὶ περὶ τοῦ ἐν τῷ πυθμένι τῆς κρήνης σιδήρου ἐξ οὗ
καὶ δύο ξίφη Κτησίας φησὶν ἐσχηκέναι ἓν παρὰ βασιλέως καὶ τὸ ἄλλο παρὰ τῆς
τοῦ βασιλέως μητρὸς Παρυσάτιδος Φησὶ δὲ περὶ αὐτοῦ ὅτι πηγνύμενος ἐν τῇ γῇ
νέφους καὶ χαλάζης καὶ πρηστήρων ἐστὶν ἀποτρόπαιον καὶ ἰδεῖν αὑτὸν ταῦτά φησι
βασιλέως δὶς ποιήσαντος (Ind frag IV)
Fala sobre uma fonte cheia de liacutequido dourado durante o ano do qual se extraem
cem jarros de ceracircmica anualmente Os jarros precisam ser de ceracircmica jaacute que o
ouro que eacute retirado solidifica eacute necessaacuterio entatildeo quebrar o invoacutelucro e assim retiraacute-
lo A fonte eacute quadrangular com o periacutemetro de dezesseis cocircvados e a profundidade
de uma braccedila32
E cada vaso comporta um talento33
Fala sobre o ferro que haacute no
fundo da nascente a partir do qual Cteacutesias diz que duas espadas foram forjadas uma
por ordem do rei e a outra por ordem da matildee do rei Parisaacutetide Diz sobre ela que se
a espada for fincada na terra eacute capaz de afastar as nuvens granizos e tempestades E
diz ele proacuteprio ter visto isso quando o rei o fez duas vezes
2313 O clima da Iacutendia
Heroacutedoto e Cteacutesias comentaram a respeito do clima indiano
ἀποκλινομένης δὲ τῆς μεσαμβρίης γίνεταί σφι ὁ ἥλιος κατά περ τοῖσι ἄλλοισι ὁ
ἑωθινός καὶ τὸ ἀπὸ τούτου ἀπιὼν ἐπὶ μᾶλλον ψύχει ἐς ὃ ἐπὶ δυσμῇσι ἐὼν καὶ τὸ
κάρτα ψύχει (Hdt Hist III 104 traduccedilatildeo de J Brito Broca)
Nessa regiatildeo o sol eacute mais ardente pela manhatilde do que ao meio-dia ao contraacuterio do
que se verifica nas outras partes e os habitantes conservam a cabeccedila coberta ateacute a
hora em que termina entre noacutes o mercado Ao meio dia a temperatura ali pouco
32
Distacircncia de uma extremidade a outra de um braccedilo estendido horizontalmente medida fixa de quatro cocircvados
ou seis peacutes (aproximadamente 180 m) 33
Medida de peso e de soma de dinheiro equivalente a seis mil dracmas
49
difere da dos demais paiacuteses e daiacute em diante comeccedila a declinar sendo a tarde tatildeo
fresca quanto a manhatilde entre os outros povos Agrave hora de dormir jaacute se goza de um
agradaacutevel frescor
A descriccedilatildeo de Cteacutesias eacute breve
Ὅτι ἀλέα πολλὴ καὶ ὅτι ὁ ἥλιος δεκαπλασίων τὸ μέγεθος ἢ ἐν ταῖς ἄλλαις χώραις
αὐτὸς ἑαυτοῦ φαίνεται καὶ πολλοὶ ἐνταῦθα τῷ πνίγει φθείρονται (Ind frag V)
Que eacute muito o calor e que o sol parece ter dez vezes o tamanho que dos outros
lugares e que laacute muitas pessoas morrem sem ar
Filoacutestrato tambeacutem apresenta a Iacutendia como um lugar muito quente
αἳ περὶ τὴν Ἰνδικήν εἰσι χειμῶνος μὲν ἀλεεινὰς εἶναι θέρους δὲ πνιγηράς πρὸς δὲ
τοῦτο ἄριστα μεμηχανῆσθαι τῷ δαίμονι τὴν γὰρ χώραν αὐτοῖς θαμὰ ὕεσθαι (VA II
19)
Na regiatildeo da Iacutendia o inverno eacute com muito sol e o veratildeo eacute sufocante mas em
compensaccedilatildeo a divindade providenciou algo excelente pois frequentemente chove
no paiacutes deles
2314 Animais
Na VA satildeo descritos muitos animais Aleacutem do detalhamento de seus aspectos fiacutesicos
satildeo narradas as lendas e as estoacuterias que os envolvem Muitos desses animais o autor afirma
que Apolocircnio viu de outros apenas ouviu falar Os animais satildeo leopardos elefantes uma
minhoca flamejante unicoacuternio dragotildees manticora grifos e fecircnix
50
Leopardos
Sobre a conduta dos leopardos na VA eacute narrada a histoacuteria de que eles ficam na regiatildeo
da Panfiacutelia (regiatildeo atual da Turquia) e seu deslocamento de regiatildeo aconteceu da seguinte
forma
χαίρουσι γὰρ τοῖς ἀρώμασι κἀκ πολλοῦ τὰς ὀσμὰς ἕλκουσαι φοιτῶσιν ἐξ Ἀρμενίας
διὰ τῶν ὀρῶν πρὸς τὸ δάκρυον τοῦ στύρακος ἐπειδὰν οἵ τε ἄνεμοι ἀπ᾽ αὐτοῦ
πνεύσωσι καὶ τὰ δένδρα ὀπώδη γένηται (VA II 2)
Se deleitando com os aromas e atraiacutedos de longe pelos odores eles vem
periodicamente da Armeacutenia atraveacutes das montanhas em busca da gota de estoraque
quando os ventos de laacute sopram e as aacutervores se tornam resinosas
Eacute narrado ainda sobre um leopardo que fora apanhado em Panfiacutelia o qual usava uma
corrente de ouro em volto do seu pescoccedilo onde estava inscrito em letras armecircnias ldquoDo rei
Arsaces ao deus Niacutesiordquo (ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΑΡΣΑΚΗΣ ΘΕΩΙ ΝΥΣΙΩΙ - VA II 2) Apolocircnio
deduziu que Arsaces era o rei armecircnio e que ele deixara o animal livre em homenagem a
Dioniso por causa do seu tamanho
Elefantes
Na VA haacute uma descriccedilatildeo dos tipos de elefantes que existem na Iacutendia e de como eles
satildeo treinados e usados em guerras Neste trecho se descrevem trecircs tipos de elefantes os do
pacircntano os da mantanha e os capturados para serem usados na guerra Sobre os elefantes
Cteacutesias menciona apenas que satildeo destruidores de paredes
Περὶ τῶν τειχοκαταλύτων ἐλεφάντων (Ind frag III)
51
Fala sobre elefantes destruidores de paredes
Filoacutestrato por sua vez faz uma descriccedilatildeo muito mais detalhada sobre estes animais
ἐπὶ δὲ τὸν Ἰνδὸν ἐλθόντες ἀγέλην ἐλεφάντων ἰδεῖν φασι περαιουμένους τὸν ποταμὸν
καὶ τάδε ἀκοῦσαι περὶ τοῦ θηρίου ὡς οἱ μὲν αὐτῶν ἕλειοι οἱ δ᾽ αὖ ὄρειοι καὶ
τρίτον ἤδη γένος πεδινοί εἰσιν ἁλίσκονταί τε ἐς τὴν τῶν πολεμικῶν χρείαν
μάχονται γὰρ δὴ ἐπεσκευασμένοι πύργους οἵους κατὰ δέκα καὶ πεντεκαίδεκα ὁμοῦ
τῶν Ἰνδῶν δέξασθαι ἀφ᾽ ὧν τοξεύουσί τε καὶ ἀκοντίζουσιν οἱ Ἰνδοί καθάπερ ἐκ
πυλῶν βάλλοντες καὶ αὐτὸ δὲ τὸ θηρίον χεῖρα τὴν προνομαίαν ἡγεῖται καὶ χρῆται
αὐτῇ ἐς τὸ ἀκοντίζειν ὅσον δὲ ἵππου Νισαίου μείζων ὁ Λιβυκὸς ἐλέφας τοσοῦτον
τῶν ἐκ Λιβύης οἱ Ἰνδοὶ μείζους (VA II 12)
Tendo eles chegado ao Indo viram uma manada de elefantes atravessando o rio e
dizem terem ouvido isto a respeito dos animais como alguns deles satildeo do pacircntano
outros satildeo da montanha e haacute tambeacutem um terceiro tipo da planiacutecie os quais satildeo
capturados para serem usados na guerra Eles vatildeo para a batalha encilhados com
espeacutecies de torres com capacidade de levar de dez a quinze indianos em cada uma
das quais os indianos atiram com o arco e arremessam os dardos como se
estivessem atirando de portotildees O proacuteprio animal tem a tromba como matildeos e a usa
para arremessar dardos Os elefantes da Liacutebia satildeo tatildeo grandes quanto os cavalos de
Nisa assim tambeacutem satildeo os elefantes indianos com relaccedilatildeo aos da Liacutebia
εἰ δὲ καὶ ἤθη ἐλεφάντων χρὴ ἀναγράφειν τοὺς μὲν ἐκ τῶν ἑλῶν ἁλισκομένους
ἀνοήτους ἡγοῦνται καὶ κούφους Ἰνδοί τοὺς δὲ ἐκ τῶν ὀρῶν κακοήθεις τε καὶ
ἐπιβουλευτὰς καὶ ἢν μὴ δέωνταί τινος οὐ βεβαίους τοῖς ἀνθρώποις οἱ πεδινοὶ δὲ
χρηστοί τε εἶναι λέγονται καὶ εὐάγωγοι καὶ μιμήσεως ἐρασταί γράφουσι γοῦν καὶ
ὀρχοῦνται καὶ παρενσαλεύουσι πρὸς αὐλὸν καὶ πηδῶσιν ἀπὸ τῆς γῆς ἐκεῖνοι (VA
II 13)
Se eacute necessaacuterio descrever o caraacuteter dos elefantes os que satildeo capturados nos
pacircntanos os indianos os acham estuacutepidos e inconstantes os das montanhas
maliciosos e traiccediloeiros e caso natildeo precisem de nada natildeo satildeo confiaacuteveis aos
homens mas os elefantes da planiacutecie dizem que satildeo uacuteteis doacuteceis e que gostan de
52
imitar Ao menos escrevem danccedilam balanccedilam ao som da flauta e datildeo saltos sore a
terra
O verme flamejante
Cteacutesias descreve um verme que existe no rio Indo que possui caracteriacutesticas
semelhantes agrave uma descrita na VA
Ὅτι ἐν τῷ ποταμῷ τῶν Ἰνδῶν σκώληξ γίνεται τὸ μὲν εἶδος οἷόν περ ἐν ταῖς συκαῖς
εἴωθε γίνεσθαι τὸ δὲ μῆκος πήχεις ζʹ καὶ μείζους δὲ καὶ ἐλάττους τὸ δὲ πάχος
δεκαετέα παῖδα μόλις φασὶ ταῖς χερσὶ περιλαβεῖν Ἔχουσι δὲ ὀδόντας δύο ἕνα ἄνω
καὶ ἕνα κάτω καὶ ὅ τι ἂν λάβωσι τοῖς ὀδοῦσι κατεσθίουσι Καὶ τὴν μὲν ἡμέραν ἐν
τῇ ἰλύϊ τοῦ ποταμοῦ διαιτῶνται τῇ δὲ νυκτὶ ἐξέρχονται καὶ ἐάν τινι ἐντύχῃ ἐν τῇ γῇ
βοῒ ἢ καμήλῳ καὶ δάκῃ συλλαβὼν ἕλκει εἰς τὸν ποταμὸν καὶ πάντα κατεσθίει πλὴν
τῆς κοιλίας Ἀγρεύεται δὲ ἀγκίστρῳ μεγάλῳ ἔριφον ἢ ἄρνα ἐνδησάντων καὶ
ἁλύσεσι σιδηραῖς ἐναρμοσάντων Ἀγρεύσαντες δὲ τριάκοντα ἡμέρας κρεμῶσιν
αὐτὸν καὶ ἀγγεῖα ὑποτιθέασι καὶ ῥεῖ ἐξ αὐτοῦ ὅσον δέκα κοτύλας ἀττικὰς τὸ
πλῆθος Ὅταν δὲ παρέλθωσιν αἱ τριάκοντα ἡμέραι ἀπορρίπτουσι τὸν σκώληκα καὶ
τὸ ἔλαιον ἀσφαλισάμενοι ἄγουσι τῷ βασιλεῖ μόνῳ τῶν Ἰνδῶν ἄλλῳ δὲ οὐκ ἔξεστιν
ἐξ αὐτοῦ ἔχειν Τοῦτο τὸ ἔλαιον ἐφacute ὃ ἂν ἐπιχυθῇ ἀνάπτει καὶ καταφλέγει ξύλα καὶ
ζῷα καὶ ἄλλως οὐ σβέννυται εἰ μὴ πηλῷ πολλῷ τε καὶ παχεῖ (Ind frag XXVII)
Que no rio do Indo nasce um verme com a aparecircncia tal qual a de um que nasce na
figueira seu comprimento sendo de sete cuacutebitos alguns maiores alguns menores
Quanto agrave largura uma crianccedila de dez anos com dificuldade o envolveria com os
braccedilos Tem dois dentes um em cima e o outro embaixo e o que pegam com os
dentes devoram De dia vivem na lama do rio mas de noite saem e se encontram
algum boi ou camelo na terra tambeacutem os abocanham arrastam consigo para o rio e
comem-no todo exceto o intestino Ele eacute capturado com um grande anzol que
cobrem com um cordeiro ou um carneiro e prendem com uma corrente de ferro
Tendo-o capturado penduram-no por trinta dias e colocam uma jarra embaixo dele
escorre o total de cerca de dez copos aacuteticos Quando se completam os trinta dias
jogam fora o verme e o oacuteleo recolhido levam somente para o rei dos indianos natildeo eacute
permitido que nenhuma outra pessoa o tenha Este oacuteleo sobre o que se derrama
53
incendeia e queima trate-se de madeira ou animal e natildeo se apaga de outro modo
que com muita lama espessa
Na VA por sua vez eacute no rio Hiacutefasis onde existe uma minhoca semelhante agrave retratada
acima
ἔστι δέ τι θηρίον ἐν τῷ ποταμῷ τούτῳ σκώληκι εἰκασμένον λευκῷ τοῦτο οἱ
τήκοντες ἔλαιον ποιοῦνται πῦρ δὲ ἄρα τοῦ ἐλαίου τούτου ἐκδίδοται καὶ στέγει αὐτὸ
πλὴν ὑελοῦ οὐδέν ἁλίσκεται δὲ τῷ βασιλεῖ μόνῳ τὸ θηρίον τοῦτο πρὸς τειχῶν
ἅλωσιν ἐπειδὰν γὰρ θίγῃ τῶν ἐπάλξεων ἡ πιμελή πῦρ ἐκκαλεῖται κρεῖττον
σβεστηρίων ὁπόσα ἀνθρώποις πρὸς τὰ πυρφόρα εὕρηται (VA III 1)
Haacute tambeacutem uma fera nesse rio (Hifaacutesis) que se parece com um verme34
branco Ao
derretecirc-lo eles fazem um oacuteleo e deste oacuteleo parece produz- se uma chama que nada
aleacutem de vidro pode conter E esta criatura pode ser capturada soacute para o rei que o
utiliza para a captura das cidades Quando pois a gordura toca as ameias um fogo
acende-se e desafia todos os meios comuns que vierem a ser inventados pelos
homens contra combustiacuteveis
O unicoacuternio
Nos Indikaacute Cteacutesias retrata um animal com caracteriacutesticas comuns aos unicoacuternios da
VA como por exemplo o fato de os indianos fazerem do chifre do animal uma taccedila e ao
beber dela natildeo adoecerem
Ὅτι εἰσὶν ὄνοι ἄγριοι ἐν τοῖς Ἰνδοῖς ἴσοι ἵπποις καὶ μείζους λευκοὶ δέ εἰσι τὸ σῶμα
τὴν κεφαλὴν πορφυροῖ ὀφθαλμοὺς ἔχουσι κυανέους Κέρας δὲ ἔχει ἐν τῷ μετώπῳ
ἑνὸς πήχεος τὸ μέγεθος καὶ ἔστι τὸ μὲν κάτω τοῦ κέρατος ὅσον ἐπὶ δύο παλαιστὰς
34
Filoacutestrato utiliza a mesma palavra que Cteacutesias para se referir a essa criatura σκώληξ para qual mantivemos
tambeacutem a traduccedilatildeo por ldquovermerdquo nos dois textos
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πρὸς τὸ μέτωπον πάνυ λευκόν τὸ δὲ ἐπάνω ὀξύ ἐστι τοῦ κέρατος τοῦτο δὲ
φοινικοῦν ἐστιν ἐρυθρὸν πάνυ τὸ δὲ ἄλλο τὸ ἐν τῷ μέσῳ μέλαν Ἐκ τούτων οἱ
πιόντες (κατασκευάζουσι γὰρ ἐκπώματα) σπασμῷ φασίν οὐ λαμβάνονται οὔτε τῇ
ἱερᾷ νόσῳ ἀλλacute οὐδὲ φαρμάκοις ἁλίσκονται οὔτacute ἂν προπίωσιν οὔτacute ἂν τοῦ
φαρμάκου ἐπιπίωσιν ἢ οἶνον ἢ ὕδωρ ἢ ἄλλο τι ἐκ τῶν ἐκπωμάτων Οἱ μὲν οὖν
ἄλλοι ὄνοι καὶ ἥμεροι καὶ ἄγριοι καὶ τὰ ἄλλα μώνυχα θηρία πάντα ἀστραγάλους
οὐδὲ χολὴν ἐπὶ τοῦ ἥπατος ἔχουσιν Οὗτοι δὲ καὶ ἀστράγαλον ἔχουσι καὶ χολὴν ἐπὶ
τοῦ ἥπατος τὸν δὲ ἀστράγαλον κάλλιστον ὧν ἐγὼ ἑώρακα οἷόν περ βοὸς καὶ τὸ
εἶδος καὶ τὸ μέγεθος βαρὺς δacute ὡς μόλιβδος τὴν δὲ χρόαν ὥσπερ κιννάβαρι καὶ διὰ
βάθους Ταχύτατον δέ ἐστι τὸ ζῷον τοῦτο καὶ ἀλκιμώτατον οὐδὲν δὲ οὔτε ἵππος
οὔτε ἄλλο τι διωκόμενον καταλαμβάνει (Ind frag XXV)
Que na Iacutendia haacute asnos selvagens iguais a cavalos e maiores Eles tecircm o corpo
branco e a cabeccedila vermelha e tecircm os olhos escuros Tecircm um chifre na testa com o
comprimento de um cuacutebito A parte de baixo do chifre de mais ou menos dois
palmos ateacute a testa eacute completamente branca a parte superior do chifre eacute pontuguda e
inteiramente vermelha escura jaacute a outra parte a do meio eacute preta Os que bebem
nesse chifre (pois os fazem de canecas) dizem natildeo tinham convulsatildeo nem a doenccedila
sagrada nem sucumbem a venenos se bebem antes ou depois do veneno vinho
aacutegua ou qualquer outra bebida nessa caneca Os outros asnos tanto os doacuteceis quanto
os bravos e os outros animais selvagens de uma soacute pata todos natildeo tecircm o astraacutegalo35
nem biacutelis no fiacutegado Poreacutem estes tecircm astraacutegalos e biacutelis no fiacutegado O astraacutegalo eacute o
mais bonito que jaacute vi como o de um boi na forma e no tamanho pesado como
chumbo como que da cor do cinaacutebrio ateacute o fundo Esse animal eacute velociacutessimo e
fortiacutessimo e nenhum cavalo ou outro animal o alcanccedila na corrida
A descriccedilatildeo de Filoacutestrato eacute bem mais breve
καὶ τοὺς ὄνους δὲ τοὺς ἀγρίους ἐν τοῖς ἕλεσι τούτοις ἁλίσκεσθαί φασιν εἶναι δὲ τοῖς
θηρίοις τούτοις ἐπὶ μετώπου κέρας ᾧ ταυρηδόν τε καὶ οὐκ ἀγεννῶς μάχονται καὶ
ἀποφαίνειν τοὺς Ἰνδοὺς ἔκπωμα τὸ κέρας τοῦτο οὐ γὰρ οὔτε νοσῆσαι τὴν ἡμέραν
ἐκείνην ὁ ἀπ᾽ αὐτοῦ πιὼν οὔτε ἂν τρωθεὶς ἀλγῆσαι πυρός τε διεξελθεῖν ἂν καὶ μηδ᾽
ἂν φαρμάκοις ἁλῶναι ὁπόσα ἐπὶ κακῷ πίνεται βασιλέων δὲ τὸ ἔκπωμα εἶναι καὶ
βασιλεῖ μόνῳ ἀνεῖσθαι τὴν θήραν (VA III 2)
35
Nome do osso do tarso substituiacutedo por taacutelus
55
E eles dizem que asnos selvagens tambeacutem satildeo capturados nesses pacircntanos e que
essas criaturas tecircm um chifre na testa com o qual como um touro e natildeo sem
nobreza lutam e que os hindus fazem uma taccedila desse chifre pois algueacutem natildeo
adoeceria durante o dia em que dela bebesse nem tendo sido ferido sentiria dor
mas atravessaria o fogo e nem se bebesse poccedilotildees que fazem mal seria prejudicado
este caacutelice eacute reservado para reis e soacute o rei caccedila essa criatura
Dragotildees
Segundo a narraccedilatildeo da VA por toda a Iacutendia haacute dragotildees enormes tanto nos pacircntanos
quanto nas montanhas Existem diferentes tipos de dragotildees que circulam por esta terra e os
retratados satildeo os do pacircntano os que ficam no sopeacute das montanhas e os que ficam na parte
mais elevada das montanhas Suas principais caracteriacutesticas satildeo
Sobre os dragotildees do pacircntano
οἱ μὲν δὴ ἕλειοι νωθροί τέ εἰσι καὶ τριακοντάπηχυ μῆκος ἔχουσι καὶ κράνος αὐτοῖς
οὐκ ἀνέστηκεν ἀλλ᾽ εἰσὶ ταῖς δρακαίναις ὅμοιοι μέλανες δὲ ἱκανῶς τὸν νῶτον καὶ
ἧττον φολιδωτοὶ τῶν ἄλλων (VA III 6)
Os do pacircntano satildeo pesados e tecircm trinta cuacutebitos de comprimento e natildeo tecircm crista
acima [de suas cabeccedilas] mas satildeo semelhantes aos dragotildees fecircmeas Suas costas satildeo
bem pretas cobertos de menos escamas que as outras espeacutecies
Os dragotildees que sobrevoam o sopeacute e os picos das montanhas satildeo maiores que os
anteriores se movem muito velozmente e satildeo predadores dos dragotildees da planiacutecie Suas outras
caracteriacutesticas satildeo
τούτοις καὶ λοφιὰ φύεται νέοις μὲν ὑπανίσχουσα τὸ μέτριον τελειουμένοις δὲ
συναυξανομένη τε καὶ συνανιοῦσα ἐς πολύ ὅτε δὴ πυρσοί τε καὶ πριόνωτοι
γίγνονται οὗτοι καὶ γενειάσκουσι καὶ τὸν αὐχένα ὑψοῦ αἴρουσι καὶ τὴν φολίδα
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στίλβουσι δίκην ἀργύρου αἱ δὲ τῶν ὀφθαλμῶν κόραι λίθος ἐστὶ διάπυρος ἰσχὺν δ᾽
αὐτῶν ἀμήχανον εἶναί φασιν ἐς πολλὰ τῶν ἀποθέτων (VA III 7)
Estes tecircm crista de extensatildeo e altura moderada quando satildeo jovens mas quando
crescem sua crista aumenta muito e eles se tornam avermelhados e proeminentes
Eles tambeacutem adquirem barba e levantam o pescoccedilo para cima enquanto suas
escamas brilham como prata Seus olhos e suas pupilas satildeo uma pedra ardente e
dizem que guardam uma forccedila irresistiacutevel para muitas coisas escondidas
Sobre os dragotildees das montanhas
οἱ δὲ ὄρειοι δράκοντες τὴν μὲν φολίδα χρυσοῖ φαίνονται τὸ δὲ μῆκος ὑπὲρ τοὺς
πεδινούς γένεια δὲ αὐτοῖς βοστρυχώδη χρυσᾶ κἀκεῖνα καὶ κατωφρύωνται μᾶλλον
ἢ οἱ πεδινοὶ ὄμμα τε ὑποκάθηται τῇ ὀφρύι δεινὸν καὶ ἀνειδὲς δεδορκός ὑπόχαλκόν
τε ἠχὼ φέρουσιν ἐπειδὰν τῇ γῇ ὑποκυμαίνωσιν ἀπὸ δὲ τῶν λόφων πυρσῶν ὄντων
πῦρ αὐτοῖς ἄττει λαμπαδίου πλέον (VA III 8)
Os dragotildees das montanhas tecircm escamas que brilham como ouro e em comprimento
excedem aos da plaacutenicie tecircm barbas espessas tambeacutem dourada suas sobrancelhas
satildeo maiores que as dos da planiacutecie seus olhos se afundam debaixo das sobrancelhas
e emitem um olhar terriacutevel e implacaacutevel Eles produzem um som de bronze quando
se rastejam pela terra e das suas cristas que satildeo vermelhas brota um fogo mais
brilhante do que o de uma tocha
A manticora
A manticora eacute um animal bem descrito por Cteacutesias Na VA a referecircncia que temos
dela se encontra num diaacutelogo com Iarcas quando Apolocircnio lhe pergunta sobre a existecircncia de
tal animal recebendo como resposta do interlocutor nunca ter ouvido nada sobre isso (VA III
45) No entanto a descriccedilatildeo da manticora feita por Apolocircnio eacute semelhante agrave de Cteacutesias
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Καὶ περὶ τοῦ μαρτιχόρα τοῦ ἐν αὐτοῖς ὄντος θηρίου ὡς τὸ πρόσωπον ἐοικὼς
ἀνθρώπῳ μέγεθος μέν ἐστιν ὥσπερ λέων καὶ χροὰν ἐρυθρὸς ὡς κιννάβαρι
Τρίστιχοι δὲ ὀδόντες ὦτα δὲ ὥσπερ ἀνθρώπου καὶ ὀφθαλμοὺς γλαύκους ὁμοίους
ἀνθρώπῳ Τὴν δὲ κέρκον ἔχει οἵανπερ σκορπίος ὁ ἠπειρώτης ἐν ᾗ καὶ τὸ κέντρον
ἔχει μείζω ὑπάρχουσαν πήχεος Ἔχει δὲ καὶ ἐκ πλαγίου τῆς κέρκου ἔνθα καὶ ἔνθα
κέντρα ἔχει δὲ καὶ ἐπacute ἄκρῳ ὥσπερ σκορπίος κέντρον Καὶ τούτῳ μέν ἐὰν
προσέλθῃ τις κεντεῖ τῷ κέντρῳ καὶ πάντως ὁ κεντηθεὶς ἀποθνῄσκει Ἐὰν δέ τις
πόρρωθεν μάχηται πρὸς αὐτόν καὶ ἔμπροσθεν ἱστὰς τὴν οὐράν ὥσπερ ἀπὸ τόξου
βάλλει τοῖς κέντροις καὶ ὄπισθεν ἐπacute εὐθείας ἀποτείνων Βάλλει δὲ ὅσον πλέθρον
εἰς μῆκος καὶ πάντα οἷς ἂν βάλῃ πάντως ἀποκτείνει πλὴν ἐλέφαντος Τὰ δὲ κέντρα
αὐτοῦ ἐστι τὸ μὲν μῆκος ὅσον ποδιαῖα τὸ δὲ πλάτος ὅσον σχοῖνος λεπτότατος
Μαρτιχόρα δὲ ἑλληνιστὶ ἀνθρωποφάγον ὅτι πλεῖστα ἐσθίει ἀναιρῶν ἀνθρώπους
ἐσθίει δὲ καὶ τὰ ἄλλα ζῷα μάχεται δὲ καὶ τοῖς ὄνυξι καὶ τοῖς κέντροις Τὰ δὲ κέντρα
πάλιν φησίν ἐπειδὰν ἐκτοξευθῇ ἀναφύεσθαι Ἔστι δὲ πολλὰ ἐν τῇ Ἰνδικῇ
Ἀποκτείνουσι δὲ αὐτὰ τοῖς ἐλέφασιν ἐποχούμενοι ἄνθρωποι κἀκεῖθεν βάλλοντες
(Ind frag VII)
E sobre a manticora que eacute um animal selvagem e seu rosto parece-se com o
humano Tem o tamanho de um leatildeo e o corpo eacute vermelho assim como do cinaacutebrio
Tem trecircs fileiras de dentes orelhas como a do homem e olhos glaucos semelhantes
ao humano Ele tem a cauda como a do escorpiatildeo continental na qual haacute um ferratildeo
maior que um cocircvado Tambeacutem tem aqui e ali ferrotildees dos lados da cauda aleacutem de
ter tambeacutem um ferratildeo na ponta da cauda como escorpiatildeo Dele se algueacutem se
aproxima ele ferroa com o ferratildeo e todos os ferroados morrem Se algueacutem o
enfrenta de longe e de frente ele levanta a cauda e lanccedila os ferrotildees como de um
arco e se for atacado por traacutes ele o estira reto Ele lanccedila os ferrotildees tatildeo longe quanto
plethron36
e todos aqueles em que ele os lanccedila ele os mata exceto elefantes O
ferratildeo eacute do comprimento de um peacute e da largura de um junco esguio Em grego
manticora significa ldquoantropoacutefagordquo pelo fato de a maioria matar e comer homens
mas devora tambeacutem os outros animais E ela ataca tambeacutem com as garras e com os
ferrotildees e o ferratildeo traseiro diz [Cteacutesias] cada vez que eacute disparado nasce de novo
Haacute muitos deles na Iacutendia E matam-nos homens levados por elefantes e jogando
flechas do alto
lsquoλέγεταιrsquo εἶπε lsquoμεγάλα καὶ ἄπιστα τετράπουν μὲν γὰρ εἶναι αὐτό τὴν κεφαλὴν δὲ
ἀνθρώπῳ εἰκάσθαι λέοντι δὲ ὡμοιῶσθαι τὸ μέγεθος τὴν δὲ οὐρὰν τοῦ θηρίου
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Medida de comprimento de cem peacutes gregos
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τούτου πηχυαίας ἐκφέρειν καὶ ἀκανθώδεις τὰς τρίχας ἃς βάλλειν ὥσπερ τοξεύματα
ἐς τοὺς θηρῶντας αὐτόrsquo (VA III 45)
Dizem disse [Apolocircnio] coisas grandes e incriacuteveis [sobre essa criatura] que ela tem
quatro patas que sua cabeccedila se assemelha agrave de um homem mas seu tamanho eacute
como o de um leatildeo e que a cauda dessa fera produz pelos de um cuacutebito de
comprimento iguais a um espinho os quais ela lanccedila como flecha naqueles que a
caccedilam
Os grifos
No relato de Cteacutesias os grifos satildeo guardiotildees de ouro
Ἔστι δὲ αὐτόθι ἄργυρος πολὺς καὶ ἀργύρεα μέταλλα οὐ βαθέα ἀλλὰ βαθύτερα
εἶναί φασι τὰ ἐν Βάκτροις Ἔστι δὲ καὶ χρυσὸς ἐν τῇ Ἰνδικῇ χώρᾳ οὐκ ἐν τοῖς
ποταμοῖς εὑρισκόμενος καὶ πλυνόμενος ὥσπερ ἐν τῷ Πακτωλῷ ποταμῷ ἀλλacute ὄρη
πολλὰ καὶ μεγάλα ἐν οἷς οἰκοῦσι γρῦπες ὄρνεα τετράποδα μέγεθος ὅσον λύκος
σκέλη καὶ ὄνυχες οἷά περ λέων τὰ ἐν τῷ ἄλλῳ σώματι πτερὰ μέλανα ἐρυθρὰ δὲ τὰ
ἐν τῷ στήθει Διacute αὐτοὺς δὲ ὁ ἐν τοῖς ὄρεσι χρυσὸς πολὺς ὢν γίνεται δυσπόριστος
(Ind frag XII)
Haacute laacute muita riqueza e minas de prata natildeo profundas mas dizem que as de Baacutectria
satildeo mais profundas Haacute tambeacutem ouro na regiatildeo da Iacutendia mas natildeo satildeo encontrados e
lavados nos rios como no rio Pactolo mas em muitas e grandes montanhas nas
quais vivem grifos aves quadruacutepedes do tamanho de um lobo as patas e garras tais
quais de um leatildeo No resto do corpo tem penas pretas mas no peito satildeo elas
vermelhas Por causa deles torna-se difiacutecil alcanccedilar o abundante ouro que haacute nas
montanhas
Na VA em resposta a Apolocircnio Iarcas confirma a existecircncia deles (VA III 48) Aqui
eacute acrescentada a informaccedilatildeo de que eles satildeo venerados por serem sagrados para o Sol
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μέγεθός τε καὶ ἀλκὴν εἰκάσθαι αὐτοὺς τοῖς λέουσιν ὑπὸ δὲ πλεονεξίας τῶν πτερῶν
αὐτοῖς τε ἐκείνοις ἐπιτίθεσθαι καὶ τῶν ἐλεφάντων δὲ καὶ δρακόντων ὑπερτέρους
εἶναι πέτονται δὲ οὔπω μέγα ἀλλ᾽ ὅσον οἱ βραχύποροι ὄρνιθες μὴ γὰρ ἐπτιλῶσθαι
σφᾶς ὡς ὄρνισι πάτριον ἀλλ᾽ ὑμέσι τοὺς ταρσοὺς ὑφάνθαι πυρσοῖς ὡς εἶναι
κυκλώσαντας πέτεσθαί τε καὶ ἐκ μετεώρου μάχεσθαι τὴν τίγριν δὲ αὐτοῖς ἀνάλωτον
εἶναι μόνην ἐπειδὴ τὸ τάχος αὐτὴν ἐσποιεῖ τοῖς ἀνέμοις (VA III 48)
Em tamanho e em forccedila eles se parecem com os leotildees mas pela vantagem das asas
sobrepotildeem-se agravequeles e satildeo tambeacutem mais poderosos que elefantes e dragotildees Natildeo
voam eles alto mas como as aves de voo curto pois eles natildeo tecircm penas como eacute
normal entre os paacutessaros mas as palmas de suas patas tecircm membranas vermelhas
de modo que girando-as podem voar e do alto lutarem O tigre eacute o uacutenico natildeo
capturado por eles uma vez sua rapidez o faz par dos ventos
A fecircnix
Segundo a narraccedilatildeo de Iarcas a fecircnix eacute uma ave que vai ateacute o Egito a cada quinhentos
anos e no resto do tempo sobrevoa a Iacutendia Sobre ela se diz
εἶναι δὲ ἕνα ἐκδιδόμενον τῶν ἀκτίνων καὶ χρυσῷ λάμποντα μέγεθος ἀετοῦ καὶ
εἶδος ἐς καλιάν τε ἱζάνειν τὴν ἐκ τοῦ ἀρώματος ποιουμένην αὐτῷ πρὸς ταῖς τοῦ
Νείλου πηγαῖς (VA III 49)
haver uma uacutenica produzida pelos raios solares e brilhante de ouro com o tamanho e
a aparecircncia da aacuteguia a qual pousa num ninho que eacute feito por ela mesma com ervas
aromaacuteticas junto das nascentes do Nilo
Os egiacutepcios afirmam que a ave vai ateacute o Egito e os indianos confirmam a informaccedilatildeo
acrescentando ainda que ela ao queimar-se em seu ninho canta hinos fuacutenebres para si mesma
(τῷ λόγῳ τὸ τὸν φοίνικα τὸν ἐν τῇ καλιᾷ τηκόμενον προπεμπτηρίους ὕμνους αὑτῷ ᾄδειν -VA
III 49)
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2315 Seres exoacuteticos
Neste subtoacutepico estatildeo arrolados seres que se diferem por seus haacutebitos como eacute o caso
dos hindus de Taxila e dos comedores de peixes aleacutem de outros seres que possuem
caracteriacutesticas fiacutesicas atiacutepicas como os anotildees a mulher malhada e os pigmeus
Os homens de quatro e cinco cocircvados
Apoacutes passarem do Caacuteucaso eacute narrado que Apolocircnio e seus companheiros
τετραπήχεις ἀνθρώπους ἰδεῖν φασιν οὓς ἤδη μελαίνεσθαι καὶ πενταπήχεις δὲ
ἑτέρους ὑπὲρ τὸν Ἰνδὸν ποταμὸν ἐλθόντες ἐν δὲ τῇ μέχρι τοῦ ποταμοῦ τούτου
ὁδοιπορίᾳ τάδε εὗρον ἀφηγήσεως ἄξια ἐπορεύοντο μὲν γὰρ ἐν σελήνῃ λαμπρᾷ
φάσμα δὲ αὐτοῖς ἐμπούσης ἐνέπεσε τὸ δεῖνα γινομένη καὶ τὸ δεῖνα αὖ καὶ οὐδὲν
εἶναι ὁ δὲ Ἀπολλώνιος ξυνῆκεν ὅ τι εἴη καὶ αὐτός τε ἐλοιδορεῖτο τῇ ἐμπούσῃ τοῖς
τε ἀμφ᾽ οὑτὸν προσέταξε ταὐτὸ πράττειν ταυτὶ γὰρ ἄκος εἶναι τῆς προσβολῆς
ταύτης καὶ τὸ φάσμα φυγῇ ᾤχετο τετριγός ὥσπερ τὰ εἴδωλα (VA II 4)
dizem ter visto homens de quatro cuacutebitos os quais jaacute eram negros e tendo passado
o rio Indo viram outros de cinco cuacutebitos de altura E ateacute alcanccedilar este rio
encontraram isto digno de ser narrado viajavam sob o brilho da lua quando
depararam com a apariccedilatildeo de uma empusa que se transformou de uma coisa em
outra ateacute finalmente se tornar nada Entatildeo Apolocircnio percebeu o que era e ele
mesmo insultou a empusa e mandou que os outros fizessem o mesmo uma vez que
esse era o remeacutedio para aquele ataque E o fantasma voou para longe berrando
como os fantasmas
A mulher malhada
Esta mulher se diz ser consagrada a Afrodite Ao contraacuterio da bela deusa grega esta
mulher multicolor se assemelha a um monstro
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ἐνταῦθα καὶ γυναίῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι τὰ μὲν ἐκ κεφαλῆς ἐς μαζοὺς μέλανι τὰ δὲ
ἐκ μαζῶν ἐς πόδας λευκῷ πάντα καὶ αὐτοὶ μὲν ὡς δεῖμα φυγεῖν τὸν δὲ Ἀπολλώνιον
ξυνάψαι τε τῷ γυναίῳ τὴν χεῖρα καὶ ξυνεῖναι ὅ τι εἴη ἱεροῦται δὲ ἄρα τῇ Ἀφροδίτῃ
Ἰνδὴ τοιαύτη καὶ τίκτεται τῇ θεῷ γυνὴ ποικίλη καθάπερ ὁ Ἆπις Αἰγυπτίοις (VA
III 3)
Neste lugar eles dizem que encontraram uma mulher que era negra da cabeccedila aos
seios mas completamente branca do seu peito ateacute os peacutes e fugiram dela como se
fosse um monstro mas Apolocircnio tomou a matildeo da mulher e entendeu o que ela era
de fato na Iacutendia consagra-se a Afrodite algueacutem assim e nasce em homenagem agrave
deusa uma mulher multicolor assim como Aacutepis entre os egiacutepcios
Sobre os hindus de Taxila
Aleacutem de conter templos magniacuteficos e ser a cidade do rei Fraotes a cidade de Taxila eacute
maravilhosa pelo fato de sua populaccedilatildeo se assemelhar a filoacutesofos
στολὴν δὲ εἶναι τοῖς μετὰ τὸν Ἰνδὸν λίνου φασὶν ἐγχωρίου καὶ ὑποδήματα βύβλου
καὶ κυνῆν ὅτε ὕοι καὶ βύσσῳ δὲ τοὺς φανερωτέρους αὐτῶν φασιν ἐστάλθαι τὴν δὲ
βύσσον φύεσθαι δένδρου φασὶν ὁμοίου μὲν τῇ λεύκῃ τὴν βάσιν παραπλησίου δὲ τῇ
ἰτέᾳ τὰ πέταλα καὶ ἡσθῆναι τῇ βύσσῳ φησὶν ὁ Ἀπολλώνιος ἐπειδὴ ἔοικε φαιῷ
τρίβωνι (VA II 20)
Dizem que a vestimenta dos que habitam do outro do outro lado do Indo eacute de linho
da regiatildeo calccedilados de casca de aacutervore e um chapeacuteu quando chove dizem que os
mais distintos deles se vestem com linho finiacutessimo e que o linho finiacutessimo nasce de
uma aacutervore semelhante ao aacutelamo branco e as folhas satildeo quase iguais agraves do
salgueiro E Apolocircnio diz que ficou encantado com o linho fino uma vez que
parecia com seu manto cinza de filoacutesofo
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Os pigmeus
Comparado a Heroacutedoto e a Filoacutestrato Cteacutesias foi o que mais escreveu acerca dos
pigmeus Em sua obra ele descreve caracteriacutesticas fiacutesicas deles como pelos genitais e narizes
(Indikaacute frag XI) Heroacutedoto natildeo usa o termo pigmeu mas Nichols (2011 p 208) afirma que a
descriccedilatildeo em Histoacuterias (II 32) se refere a eles sendo esse termo usado para descrever pessoas
pequenas Na arte e na literatura greco-romana os pigmeus satildeo associados ao nanismo e a
uma desproporccedilatildeo fiacutesica (principalmente com relaccedilatildeo aos genitais) se tornando assim
emblemas de anormalidade Essa anormalidade humana somada agrave caracteriacutestica de eles serem
vinculados ao exotismo representativo dos espaccedilos aleacutem-fronteira reforccedila a imagem da Iacutendia
como uma regiatildeo afastada da Heacutelade ldquocivilizadardquo (RODRIGUES 2016 p 172)
O retrato de Cteacutesias dos pigmeus eacute bem detalhado
Ὅτι μέσῃ τῇ Ἰνδικῇ ἄνθρωποί εἰσι μέλανες (καλοῦνται Πυγμαῖοι) ὁμόγλωσσοι τοῖς
ἄλλοις Ἰνδοῖς Μικροὶ δέ εἰσι λίαν οἱ μακρότατοι αὐτῶν πηχέων δύο οἱ δὲ
πλεῖστοι ἑνὸς ἡμίσεος πήχεος Κόμην δὲ ἔχουσι μακροτάτην μέχρις ἐπὶ τὰ γόνατα
καὶ ἔτι κατώτερον καὶ πώγωνα μέγιστον πάντων ἀνθρώπων Ἐπειδὰν οὖν τὸν
πώγονα μέγα φύσωσιν οὐκέτι ἀμφιέννυνται οὐδὲν ἱμάτιον ἀλλὰ τὰς τρίχας τὰς μὲν
ἐκ τῆς κεφαλῆς ὄπισθεν καθίενται πολὺ κάτω τῶν γονάτων τὰς δὲ ἐκ τοῦ πώγωνος
ἔμπροσθεν μέχρι ποδῶν ἑλκομένας ἔπειτα περιπυκασάμενοι τὰς τρίχας περὶ ἅπαν
τὸ σῶμα ζώννυνται χρώμενοι αὐταῖς ἀντὶ ἱματίου Αἰδοῖον δὲ μέγα ἔχουσιν ὥστε
ψαύειν τῶν σφυρῶν αὐτῶν καὶ παχύ Αὐτοὶ δὲ σιμοί τε καὶ αἰσχροί Τὰ δὲ πρόβατα
αὐτῶν ὡς ἄρνες καὶ οἱ ὄνοι καὶ αἱ βόες σχεδὸν ὅσον κριοί Καὶ οἱ ἵπποι αὐτῶν καὶ
ἡμίονοι καὶ τὰ ἄλλα κτήνη πάντα οὐδὲν μείζω κριῶν Ἕπονται δὲ τῷ βασιλεῖ τῶν
Ἰνδῶν τούτων τῶν Πυγμαίων ἄνδρες τρισχίλιοι σφόδρα γάρ εἰσι τοξόται
Δικαιότατοι δέ εἰσι καὶ νόμοισι χρῶνται ὥσπερ καὶ οἱ Ἰνδοί Λαγοὺς δὲ καὶ
ἀλώπεκας θηρεύουσιν οὐ τοῖς κυσὶν ἀλλὰ κόραξι καὶ ἰκτίσι καὶ κορώναις καὶ ἀετοῖς
Ὅτι λίμνη ἐστὶν ἐν αὐτοῖς (σταδίων ὀκτακοσίων ἡ περίμετρος) ἐν ᾗ ἀνέμου μὴ
πνέοντος ἐπάνω τῆς λίμνης ἔλαιον ἐφίσταται καὶ πλοαρίοις πλέοντες διacute αὐτῆς ἐκ
μέσης αὐτῆς σκαφίοις τοῦ ἐλαίου ἀπαρύονται καὶ χρῶνται Χρῶνται δὲ καὶ
σησαμίνῳ Ἔχει δὲ ἡ λίμνη καὶ ἰχθύας Καὶ τῷ καρυΐνῳ δὲ χρῶνται κρεῖσσον δὲ τὸ
λιμναῖον (Ind frag XI)
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Que no meio da Iacutendia haacute homens negros (chamados pigmeus) que falam a mesma
liacutengua que os outros indianos E satildeo muito pequenos os maiores deles tecircm dois
cocircvados mas a maioria meio cocircvado E tecircm o cabelo comprido ateacute o joelho e ainda
mais abaixo e a barba maior que de todos os homens Uma vez pois que a barba
ficava grande natildeo mais vestiam nenhuma roupa mas dos peacutes uma parte deixam
cair da cabeccedila para traacutes ateacute os joelhos a outra parte puxam da barba para frente ateacute
os peacutes em seguida envolvem os pelos ao redor do corpo todo e cingem-se usando
os pelos em lugar de roupa E eles tecircm o genital grande ao ponto de tocar os joelhos
deles e grosso E eles satildeo de nariz achatado e feios E os carneiros deles satildeo como
os cordeiros e os asnos e bois mais ou menos do tamanho de carneiros E os cavalos
deles as mulas e todas as outras criaccedilotildees natildeo satildeo maiores que carneiros E escoltam
o rei da Iacutendia destes pigmeus trecircs mil homens pois satildeo arqueiros muito bons Satildeo
justos e utilizam de leis como tambeacutem os indianos Caccedilam lebres e raposas natildeo com
catildees mas com corvos fuinhas albatrozes e aacuteguias
Que haacute um lago onde moram (com o periacutemetro de 800 estaacutedios) no qual uma vez
que o vento natildeo sopra sobre o lago boia oacuteleo e em barquinhos navegam pelo lago e
do meio dele colhem o oacuteleo em vasilhas e o usam E tambeacutem abusam do gergelim
O lago tem peixe E usam noz A noz do lago eacute melhor
Na VA (VA III 47) o saacutebio Iarcas confirma a existecircncia dos pigmeus na Iacutendia e diz
ser verdade o que descrevem sobre esses homens poreacutem se refere a eles de forma breve
τοὺς δὲ πυγμαίους οἰκεῖν μὲν ὑπογείους κεῖσθαι δὲ ὑπὲρ τὸν Γάγγην ζῶντας
τρόπον ὃς πᾶσιν εἴρηται (VA III 47)
os pigmeus habitam no subsolo ficam do outro lado do Ganges e vivem da forma
como eacute relatada por todos
Os comedores de peixes e os carianos
Os comedores de peixes provecircm de uma cidade chamada Estobera (Στόβηρα) e satildeo
contrastados com uma outra raccedila de hindus os carianos
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διφθέρας δὲ τούτους ἐνῆφθαι μεγίστων ἰχθύων καὶ τὰ πρόβατα τὰ ἐκείνῃ ἰχθυώδη
εἶναι καὶ φαγεῖν ἄτοπα τοὺς γὰρ ποιμένας βόσκειν αὐτὰ τοῖς ἰχθύσιν ὥσπερ ἐν
Καρίᾳ τοῖς σύκοις (VA III 55)
Eles se vestem com a pele de grandes peixes as suas ovelhas tecircm cheiro de peixe e
comem coisas atiacutepicas pois os pastores as alimentam com peixes como na Caacuteria
satildeo alimentadas com figos
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CAPIacuteTULO III
OS SAacuteBIOS HINDUS
Os saacutebios hindus satildeo personagens essenciais nesta obra Satildeo mencionados desde o
iniacutecio como o alvo principal da viagem de Apolocircnio e satildeo a referecircncia de sabedoria maacutexima
natildeo soacute para Apolocircnio mas tambeacutem para a populaccedilatildeo que os procura para serem curados e
aconselhados bem como para reis que os consultam para tomar decisotildees A essecircncia dessa
sabedoria superior adveacutem do contato deles com os deuses e de seu conhecimento da filosofia
grega Assim os bracircmanes satildeo influentes natildeo apenas filosoficamente mas tambeacutem
politicamente
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus
Como mencionado no primeiro capiacutetulo Apolocircnio se depara com muitas referecircncias agrave
cultura grega aacutetica em sua viagem agrave Iacutendia Nesse sentido o rei Fraotes de Taxila se torna um
siacutembolo uma conexatildeo dessa referecircncia claacutessica com a sabedoria hindu
De acordo com a narrativa Fraotes se assemelha a um filoacutesofo com caracteriacutesticas
pitagoacutericas pois natildeo consome vinho manteacutem uma dieta vegetariana (VA II 26) e se compraz
com a filosofia (VA II 30) Interage tambeacutem com a cultura por outro vieacutes visto que se
exercita agrave maneira grega e oferece um banquete a Apolocircnio (VA II 27) Aleacutem disso possui
habilidades linguiacutesticas notaacuteveis pois fala e tem domiacutenio da literatura e da liacutengua grega (VA
II 27-32) Em um diaacutelogo com Apolocircnio Fraotes narra sua histoacuteria e conta como aprendeu
grego com o seu proacuteprio pai Aos doze anos foi viver com os bracircmanes hindus dos quais
recebeu uma educaccedilatildeo helecircnica (VA II 31) Em virtude dessa educaccedilatildeo junto aos bracircmanes
Fraotes se tornou um soberano que age com moderaccedilatildeo e integridade (VA II 34) Silva
(2017 p 486) considera que por essas caracteriacutesticas Fraotes eacute tido como um modelo de rei
ideal e eacute elogiado por Apolocircnio em vaacuterios momentos
Ao ponderar sobre o contexto em que Filoacutestrato viveu isto eacute o de um grego
submetido a um governo romano e sua proposta de resgatar a cultura helecircnica mediante a
Segunda Sofiacutestica entendemos que o autor acreditava que para um rei agir de forma
moderada e iacutentegra deveria estar imbuiacutedo dos valores e da cultura grega Esse modelo
66
idealizado personificado na figura de Fraotes serviria de criacutetica contra os imperadores
romanos
A partir desse contato com o rei hindu Apolocircnio tem mais notiacutecias sobre os bracircmanes
Sem especificar o nome da cidade Fraotes lhe conta que os saacutebios vivem em um local entre o
rio Hiacutefasis e o Ganges em uma regiatildeo que nunca fora encontrada por Alexandre Mesmo que
Alexandre a tivesse encontrado explica o rei ele natildeo teria sido capaz de tomar posse daquele
local nem que estivesse acompanhado de ldquodez mil Aquiles e trinta mil Aacutejaxrdquo pois os
bracircmanes natildeo lutam contra aqueles que se aproximam de sua torre (τύρσις) mas os repelem
com prodiacutegios e com raios lanccedilados por eles mesmos uma vez que satildeo homens sagrados e
amados pelos deuses (VA II 33) Como exemplo Fraotes cita uma expediccedilatildeo beacutelica
empreendida por Heacuteracles do Egito e Dioniso Apoacutes terem invadido a Iacutendia tentaram tomar a
torre dos saacutebios com um ataque Os bracircmanes ao inveacutes de terem reagido de forma violenta se
mantiveram quietos e passivos Poreacutem quando todos os soldados estavam reunidos para o
ataque final os saacutebios do alto lanccedilaram miacutesseis de fogo e raios sobre eles derrotando os
invasores (VA II 34)
Em outro momento da narrativa Apolocircnio e Iarcas discutem tambeacutem a respeito desse
toacutepico Apolocircnio cita Aquiles como um modelo de heroacutei exemplar que foi celebrado por
Homero tanto por sua coragem quanto por sua beleza superando Aacutejax e Nireu Contudo
Iarcas critica esse modelo defendido por Apolocircnio e sugere uma ruptura desse paradigma de
heroiacutesmo (VA III 19) Assim associamos que a proacutepria histoacuteria dos bracircmanes eacute um exemplo
desse rompimento haja visto que eles foram capazes de repelir os ataques de Dioniso e
Heacuteracles de Alexandre e de todos os outros homens que tiveram intenccedilatildeo de conquistar
aquele local Valorizando a paz e ao mesmo tempo sendo capazes de manter sua
independecircncia os bracircmanes representam a estabilidade e preservam a integridade de seus
valores Ao redor deles impeacuterios nasceram e caiacuteram Poro um dos mais poderosos reis
indianos foi derrotado por Alexandre o qual por sua vez teve o seu proacuteprio impeacuterio
rapidamente desintegrado apoacutes sua morte O contraste entre os dois reis Fraotes e Poro bem
como a forma de seus governos eacute bem marcada quando Fraotes diz a Apolocircnio ldquoPoro amava
a guerra mas eu amo a pazrdquo (Πῶροςrsquo εἶπε lsquoπολέμου ἤρα ἐγὼ δὲ εἰρήνης VA II 26) De
acordo com Abraham (2014 p 478) a veneraccedilatildeo do militarismo e do imperialismo
encontrados em Homero eacute a fonte da decadecircncia da eacutetica grega e essa decadecircncia por sua
vez eacute expressa pela perda do autoconhecimento e em uacuteltima instacircncia da identidade grega
sob o impeacuterio romano
67
Dessa forma temos uma imagem da torre dos bracircmanes como uma fortaleza
impossiacutevel de ser invadida e corrompida Recaiacute sobre eles a proteccedilatildeo natural do local e o
favorecimento dos deuses Ao mesmo tempo o local se constituiria em um bastiatildeo de
sabedoria que preservaria os valores gregos idealizados por Filoacutestrato
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia
Apoacutes uma longa viagem Apolocircnio e seus companheiros finalmente chegam onde a
torre dos bracircmanes estava localizada (VA III 10) Ao se aproximarem curiosamente um
mensageiro hindu vem ateacute eles se comunicando em grego (VA III 12) Segundo a descriccedilatildeo
do texto a torre tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da
planiacutecie e sua posiccedilatildeo natural a protege de ataques pois eacute rodeada por rochas em todos os
lados (VA III 13) Com essa descriccedilatildeo Filoacutestrato compara explicitamente a topografia da
torre dos bracircmanes com a Acroacutepole de Atenas Desde a referecircncia linguiacutestica ateacute a
topograacutefica o autor permite que o leitor crie um mapa mental de Atenas
68
FIGURA 3 - Apolocircnio encontra o mensageiro dos bracircmanes (VA II 11-13) (imagem superior) Apolocircnio
discursa para a populaccedilatildeo de Eacutefeso sobre a praga (VA IV 10) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Na sequecircncia o autor narra que os viajantes precisam passar por um processo de
purificaccedilatildeo primeiro devem purgar os seus pecados mesmo os involuntaacuterios banhando-se
em um poccedilo para em seguida passarem pelo ldquofogo do perdatildeordquo (πῦρ ξυγγνώμης - VA III
14) Segundo Marciano (2014 p 137-139) manter-se puro tambeacutem eacute um preceito pitagoacuterico
A purificaccedilatildeo eacute nesse sentido uma necessidade para se manter limpo das impurezas
transmitidas pelo contato com as outras pessoas Mesmo fora da esfera estritamente cultual a
pureza individual eacute fundamental para evitar a absorccedilatildeo de energias negativas que manchem
natildeo apenas o plano divino mas tambeacutem o proacuteprio componente divino do homem Por isso
continua a autora a vida diaacuteria pitagoacuterica eacute ritualizada em todos os seus atos gestos e
69
palavras de forma a que o indiviacuteduo possa conscientemente preservar a sua pureza respeitar
a esfera divina e evitar que qualquer accedilatildeo sua possa prejudicar a si mesmo e aos outros
Logo apoacutes terem se purificado Apolocircnio e seus companheiros de viagem se foram
para um local onde se depararam com estaacutetuas de deuses indianos e egiacutepcios Poreacutem a
surpresa maior foi terem encontrado entre as demais estaacutetuas dos deuses gregos mais
antigos
θεῶν δὲ ἀγάλμασιν ἐντυχεῖν φασιν εἰ μὲν Ἰνδοῖς ἢ Αἰγυπτίοις θαῦμα οὐδέν τὰ δέ
γε ἀρχαιότατα τῶν παρrsquo Ἕλλησι τό τε τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Πολιάδος καὶ τὸ τοῦ
Ἀπόλλωνος τοῦ Δηλίου καὶ τὸ τοῦ Διονύσου τοῦ Λιμναίου καὶ τὸ τοῦ Ἀμυκλαίου
καὶ ὁπόσα ὧδε ἀρχαῖα ταῦτα ἱδρύεσθαί τε τοὺς Ἰνδοὺς τούτους καὶ νομίζειν
Ἑλληνικοῖς ἤθεσι φασὶ δ᾽ οἰκεῖν τὰ μέσα τῆς Ἰνδικῆς καὶ τὸν ὄχθον ὀμφαλὸν
ποιοῦνται τοῦ λόφου τούτου πῦρ τε ἐπ᾽ αὐτοῦ ὀργιάζουσιν ὅ φασιν ἐκ τῶν τοῦ
ἡλίου ἀκτίνων αὐτοὶ ἕλκειν τούτῳ καὶ τὸν ὕμνον ἡμέραν ἅπασαν ἐς μεσημβρίαν
ᾄδουσιν (VA III 14)
Eles dizem que se depararam com estaacutetuas de deuses e natildeo seria espantoso se
fossem soacute Indianos ou Egiacutepcios mas viram principalmente de Gregos Haviam
estaacutetuas de Atena Poliacuteade de Apolo de Delos e de Dioniacuteso de Limneu e de Amiclas
dentre outras tambeacutem antigas e os hindus estabeleceram praacuteticas gregas comuns
para cultuaacute-las E eles dizem que eles habitam nas partes centrais da Iacutendia e
consideram este pico como o umbigo desta colina onde os saacutebios cultuam o fogo o
qual dizem extrair dos raios solares e para o sol eles cantam um hino todos os dias
ao meio dia
Como descrito acima as estaacutetuas encontradas satildeo de Atena Poliacuteade de Apolo de
Delos e duas de Dioniacuteso uma do Limneu e a outra de Amiclas Abraham (2014 p 472)
observa que aleacutem dessas estaacutetuas pertencerem a cultos originaacuterios do periacuteodo arcaico estaacute
agregado a esse conjunto o culto das cidades de Atenas (Atena Poliacuteade) de Delos (Apolo) e
de Esparta (Dioniso de Limneu e de Amiclas) criando-se desse modo um mapa mental que
unifica as regiotildees da Aacutetica da Jocircnia e do Peloponeso em uma identidade singular Esse
agrupamento ainda segundo Abraham remete agrave tendecircncia da literatura da Segunda Sofiacutestica
de criar a representaccedilatildeo literaacuteria de um passado grego unificado se natildeo homogeneizado
ocultando as diferenccedilas existentes entre as antigas cidades-estado
Eacute interessante destacar que o estranhamento provocado pelas estaacutetuas dessa vez natildeo
se deve ao exotismo da cultura hindu mas agrave similaridade da proacutepria cultura de Apolocircnio em
um lugar tatildeo distante de sua paacutetria Aleacutem disso ao se referir a torre dos bracircmanes como o
70
coraccedilatildeo Iacutendia e ao mesmo tempo como o centro do mundo (ὀμφαλὸν) desloca-se todo o
referencial geopoliacutetico cultural A noccedilatildeo de periferia e centro eacute invertida a Iacutendia fronteira do
mundo ocupa agora a posiccedilatildeo central no lugar da Greacutecia e de Roma Uma das
consequecircncias disso aponta Abraham (2014 p 475) eacute a implicaccedilatildeo de que o centro do
mundo estaacute de fato em uma regiatildeo baacuterbara e natildeo civilizada Atenas e Roma entatildeo passam a
ser percebidas como regiotildees baacuterbaras e incivilizadas independente de sua localizaccedilatildeo
geograacutefica
Se compararmos as representaccedilotildees de Roma da Greacutecia e de Paraca na VA sugere
Abraham (2014 p 476) Esta uacuteltima corresponderia ao centro do mundo ou ao menos agrave sede
de um helenismo natildeo corrompido Roma agrave periferia corruptora e Greacutecia agrave zona
intermediaacuteria corrompida e baacuterbara pela influecircncia de Roma mas ainda possiacutevel de salvaccedilatildeo
Considerando todas essas caracteriacutesticas percebemos que Filoacutestrato nos indica de
forma metafoacuterica coordenadas que localizam a Greacutecia antiga idealizada pelo autor nas
regiotildees distantes da Iacutendia (ABRAHAM 2004 472 ndash 475) O confim da terra agora passa a ser
o ὀμφαλὸν Nele conseguem se comunicar em liacutengua grega os indianos possuem deuses
gregos em comum e compartilham da mesma educaccedilatildeo grega Estes aspectos servem de ponte
para unir dois lugares tatildeo distantes ou em uacuteltima instacircncia podem ser vistos como o
derradeiro elo entre eles
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria
Se por um lado a Iacutendia foi tida como a fronteira do mundo na literatura grega antiga
por outro lado a VA quebra esse paradigma e amplia os limites desse toacutepos literaacuterio
De acordo com Parker (2008 p 301) os gregos comeccedilaram a imaginar a Iacutendia como
lugar de sabedoria personificada na figura dos homens sagrados a partir de Alexandre
Assim os bracircmanes causaram grande impressatildeo nos gregos e nos romanos por representarem
a junccedilatildeo de duas vertentes a primeira agrave virtude de um povo distante desprovido de riquezas
e individualmente representada por Dandacircmis37
a segunda agrave sabedoria dos saacutebios
especialmente dos povos antigos orientais que reforccedila sua posiccedilatildeo marginal em relaccedilatildeo ao
mundo mediterracircneo Com isso ao caracterizar esses homens saacutebios continua o autor talvez
seja necessaacuterio contrastaacute-los com alguns de seus visitantes mais frequumlentes do oeste os
filoacutesofos Estes diferiam natildeo soacute pela sua identidade eacutetnica mas tambeacutem pela paideia Os
37
O saacutebio com quem Alexandre teve contato como consta no Romance de Alexadre
71
gimnosofistas e os bracircmanes possuiacuteam sabedoria sem terem sofrido o aacuterduo processo de
aprendizagem grego um processo que tambeacutem eacute importante para a formaccedilatildeo do saacutebio estoico
e do homem sagrado pagatildeo da Antiguidade Nesse sentido os gimnosofistas e os bracircmanes
oferecem um tipo alternativo de sabedoria
Desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra que Apolocircnio busca os conhecimentos
orientais como fonte de sabedoria Elsner (1997 p 29-30) mostra que o autor usa as viagens
como um reflexo do progresso espiritual de Apolocircnio Assim a grande variedade de tόpoi
etnograacutefico experimentada por Apolocircnio sugere a profundidade e universalidade da sabedoria
que ele dominou e com a qual estaacute equipado para ensinar Filoacutestrato representa seu saacutebio
visitando as fronteiras do mundo conhecido em todas as direccedilotildees norte no Caacuteucaso (VA II
2) leste no Oriente proacuteximo (VA I 21 II 1) e na Iacutendia (VA II 17 III 50) sul no Egito e
Etioacutepia (VA V43 VI 28) e oeste nas Colunas de Heacuteracles (VA IV 47 V 10)
Depois da Iacutendia Apolocircnio passa por Alexandria e segue viagem rumo agrave cidade dos
gimnosofistas localizada entre o Egito e a Etioacutepia (VA VI 5) Como observa Silva (2014 p
277) os gimnosofistas ora satildeo tratados como egiacutepcios (VA I 2 III 32 VI 10-11 VIII 74)
ora como etiacuteopes (VA VI 6 16 VIII 712) Sobre isso Robiano (1992 p 414-415)
menciona que existe uma proximidade entre gimnosofistas e bracircmanes na literatura grega
antiga A exemplo disso o autor cita uma passagem dos Fugitivos de Luciano de Samoacutesata
na qual a personagem Filosofia marca os estaacutegios de sua chegada aos humanos Em suma
depois dos bracircmanes fui diretamente para a Etioacutepia depois para o Egito (μετὰ δ᾽ οὖν τοὺς
Βραχμᾶνας εἰς Αἰθιοπίαν εὐθύς εἶτα εἰς Αἴγυπτον κατέβην Fugitivi VIII) Tambeacutem na VA
os gimnosofistas satildeo considerados inferiores em sabedoria aos bracircmanes (VA VI 6 11 16)
Como afirma Parker (2008 p 264) as viagens trazem sabedoria em particular
aquelas que rumam para uma antiga terra do leste Os bracircmanes por sua vez natildeo viajam mas
satildeo o motivo de viagem para alguns filoacutesofos como no caso de Apolocircnio Contudo Parker
alega (2008 p 254) que a VA foi a primeira obra a considerar a Iacutendia como referecircncia
maacutexima em sabedoria Ao dialogar com Iarcas Apolocircnio afirma considero que sua
sabedoria eacute mais profunda e muito mais divina do que a nossa e se eu natildeo acrescentar nada ao
meu estoque atual de conhecimento enquanto estou com vocecirc ao menos terei aprendido que
natildeo tenho nada mais para aprender (σοφώτερά τε ἡγοῦμαι τὰ ὑμέτερα καὶ πολλῷ θειότερα
εἰ δὲ μηδὲν πλέον ὧν οἶδα παρ᾽ ὑμῖν εὕροιμι μεμαθηκὼς ἂν εἴην καὶ τὸ μηκέτ᾽ ἔχειν ὅ τι
μάθοιμι VA III 16)
Temos assim segundo Elsner (1997 29-31) a construccedilatildeo da imagem dos bracircmanes
como a fonte maacutexima de sabedoria que Apolocircnio poderia alcanccedilar e o resultado dessa viagem
72
agrave Iacutendia eacute justamente o autoconhecimento e a plena maturidade filosoacutefica Essa viagem ao
leste entatildeo eacute apresentada como parte da trajetoacuteria que transformaraacute Apolocircnio em um θεῖος
ἀνήρ no Impeacuterio Romano Ao mesmo tempo essa viagem estabelece um paralelo entre
Apolocircnio Heacuteracles Dioniso e Alexandre nos quais o saacutebio finalmente supera o conquistador
ao adentrar no leste
Assim foi na Iacutendia a fronteira do mundo o lugar onde Apolocircnio atingiu o extremo da
sabedoria
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes
Como mencionado no primeiro capiacutetulo os milagres e as curas de Apolocircnio narrados
na VA satildeo ingredientes que formam a figura de um θεῖος ἀνήρ e compotildeem tambeacutem o
conteuacutedo maravilhoso da obra No terceiro livro enquanto Apolocircnio permanece na torre dos
bracircmanes ele e os saacutebios curam alguns enfermos que para laacute se dirigem
De acordo com Parker (2009 p 89) a literatura antiga valorizava de maneira especial
o conhecimento medicinal hindu Assim os meacutedicos indianos ao contraacuterio de seus
equivalentes gregos eram capazes de curar mordidas de cobras como narrado por Arriano de
Nicomeacutedia (VIII Ind 15 5-11) Segundo Arriano esses meacutedicos (ἰητροί) pertencem a um
subconjunto de filoacutesofos Estrabatildeo tambeacutem fala a respeito da medicina indiana citando Nearco
e Megaacutestenes como fonte (15 145 C706 e 15160 C713)
Na VA algumas das curas realizadas ora por Apolocircnio ora pelos bracircmanes satildeo i) o
exorcismo de um democircnio que possuiacutea um menino haacute dois anos (VA III 38) ii) a
recuperaccedilatildeo de um homem caccedilador de leotildees o qual havia deslocado o quadril por causa do
ataque de um leatildeo iii) o restabelecimento da visatildeo de um homem que teve os olhos
arrancados iv) a restauraccedilatildeo de um outro que tinha uma matildeo paralisada v) e o auxiacutelio ao
parto de uma mulher que jaacute havia sofrido aborto sete vezes (VA III 39)
Em dado momento Iarcas declara que de todos os dons que satildeo concedidos aos
homens o da cura eacute o mais importante (VA III 44) Ao mesmo tempo ele associa o dom da
cura com o da adivinhaccedilatildeo pois este uacuteltimo proporciona o descobrimento de novas curas
Pode-se por exemplo manipular o veneno de certos animais para o tratamento de doenccedilas
Para Iarcas sem uma sabedoria profeacutetica os homens natildeo se arriscariam a misturar venenos
criando medicamentos que salvam vidas Ainda segundo ele os filhos de Ascleacutepio jamais
teriam alcanccedilado esse ramo da ciecircncia se o proacuteprio Ascleacutepio natildeo fosse filho de Apolo Por
73
meio da consulta de oraacuteculos eles prepararam e adaptaram diferentes medicamentos para
diferentes doenccedilas Aleacutem disso teriam aprendido de Ascleacutepio quais ervas devem ser aplicadas
em hemorragias queimaduras e escoriaccedilotildees e quais liacutequidos devem ser administrados para
tratar os pacientes
Essa relaccedilatildeo entre a cura baseada nos ensinamentos de Ascleacutepio e no dom da
adivinhaccedilatildeo estaacute associada agrave sabedoria de Apolocircnio desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra
que Apolocircnio aos quatorze anos se mudou para Tarso a fim de ser educado por Eutidemo
que era um bom orador e originaacuterio da Feniacutecia Mais tarde se mudou para Egas onde existia
uma escola mais conceituada e um templo de Ascleacutepio no qual o deus aparecia para os
homens Foi tambeacutem nesta cidade que Apolocircnio aos dezesseis anos sentiu um impulso e
passou a se dedicar aos ensinamentos pitagoacutericos (VA I 7) A partir de entatildeo Apolocircnio
passou a seguir os preceitos de Pitaacutegoras e foi morar no templo de Ascleacutepio Com isso as
pessoas que moravam nas redondezas do templo passaram a admiraacute-lo e o proacuteprio deus
manifestou ao sacerdote do templo o seu contentamento por ter Apolocircnio como testemunha de
suas curas Consequentemente a reputaccedilatildeo de Apolocircnio aumentou ao ponto de os povos
vizinhos e ateacute mesmo os mais distantes irem ateacute laacute para vecirc-lo (VA I 8) e dele receber curas
(VA I 9-10)
74
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Podemos rastrear ao longo da VA vaacuterios indiacutecios que nos permitem ler a obra como
um instrumento sofisticado para defender os ideais da Segunda Sofiacutestica De acordo com a
leitura que fazemos do texto Filoacutestrato se apropria do personagem de tal forma que vemos
em Apolocircnio natildeo apenas um filoacutesofo pitagoacuterico um saacutebio um θεῖος ἀνήρ em busca da
sabedoria mas principalmente a figura de um difusor da cultura grega A impressatildeo que
temos eacute agrave grosso modo de que Apolocircnio seria a proacutepria Greacutecia personificada
Como menciona Swain (2009 p 34) Filoacutestrato estava ciente da mudanccedila de seu
mundo Uma de suas reaccedilotildees foi arquitetar um modelo idealizado da cultura helecircnica e
apresentaacute-lo como se esta cultura fosse a natural de seus companheiros de elite Sobre isso
Horster (2014 p 11) afirma que para muitas pessoas a educaccedilatildeo seria a maneira mais
importante de se chegar agrave essecircncia da cultura e da religiatildeo grega Nesse sentido somente a
elite intelectual poderia se envolver com ela Partindo desse ideal Filoacutestrato e outros
escritores da Segunda Sofiacutestica agiam no Impeacuterio Romano
Dentro desse contexto a liacutengua foi um veiacuteculo influente Abraham (2009 p 38)
reforccedila que esta eacute uma das caracteriacutesticas da Segunda Sofiacutestica pois autores e oradores
expressavam sua identidade grega simulando a dicccedilatildeo o estilo e o vocabulaacuterio do aacutetico do
seacuteculo V aC O aticismo prevaleceu de tal forma que lexicoacutegrafos comeccedilaram a catalogar o
grego ldquocorretordquo e o ldquoincorretordquo como fez Frinico Arabio que compocircs a Praeparatio
Sophistica um leacutexico no qual categorizava o uso ldquocorretordquo do aacutetico e menosprezava todos os
outros dialetos Em uacuteltima instacircncia o aticismo foi uma simulaccedilatildeo que permitia a algueacutem
reivindicar uma identidade grega Eacute significativo que Filoacutestrato para exaltar as qualificaccedilotildees
heleniacutesticas de Apolocircnio enfatiza que ele falava perfeitamente o aacutetico sem se deixar afetar
pelo sotaque da sua regiatildeo (VA I 7) Aleacutem da performance linguiacutestica exemplar de Apolocircnio
tambeacutem eacute digno de nota que as pessoas mais influentes da Iacutendia falavam habilmente o grego
como o rei Fraotes e os bracircmanes
Nesse sentido de retomada e afirmaccedilatildeo de uma identidade grega a noccedilatildeo de baacuterbaro
retorna agrave eacutepoca claacutessica A separaccedilatildeo entre a etnia e a cultura de fato teve iniacutecio no mundo
heleniacutestico e continuou em Roma A etnicidade permaneceu importante na imaginaccedilatildeo e teve
certamente consequecircncias poliacuteticas e sociais Dentro desse contexto eacute compreensiacutevel que os
autores da Segunda Sofiacutestica tenham tentado estabelecer um estereoacutetipo do ldquogrego purordquo
(SWAIN 2009 p 35)
75
Dadas essas circunstacircncias Abraham (2014 p 476) entende que a corrupccedilatildeo da
identidade grega apresentada por Filoacutestrato sugere uma criacutetica da cultura grega sob o Impeacuterio
Romano Nas palavras de Iarcas (VA III 19) os gregos deveriam se culpar pela degradaccedilatildeo
de sua identidade jaacute que usam o Aquiles homeacuterico (bem como outros heroacuteis similares) como
um modelo de masculinidade que os levou a venerar o imperialismo de uma forma geral
Swain (2009 p 36- 37) sugere que por meio da VA Filoacutestrato idealiza e propotildee um
modelo que intencionaria uma reforma religiosa e moral baseadas nos preceitos da cultura
grega ao enfatizar os feitos de um θεῖος ἀνήρ e de um filoacutesofo-pitagoacuterico exemplar A cultura
helecircnica eacute tida como superior por um lado sob a perspectiva da saacutebia filosofia helecircnica e por
outro decadente se tomarmos como exemplo outros gregos contemporacircneos de Apolocircnio
Swain ainda considera que as reformas propostas por Filoacutestrato na figura de Apolocircnio
dialogariam diretamente com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato e natildeo da de Apolocircnio
Por isso natildeo eacute de forma involuntaacuteria que
Se Apolocircnio compreende todas as liacutenguas sem as ter aprendido o grego eacute
entretanto a liacutengua que tem mais afinidades com a sabedoria Todos os
interlocutores de qualidade com quem Apolocircnio conversa falam grego comeccedilando
por Iarcas o mais saacutebio dos bracircmanes hindus acolhe-o em grego [] Trata-se de
uma forma de dizer que o grego eacute a liacutengua da filosofia (HARTOG 2004 p 227
228 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Com isso entendemos que na eacutepoca de Filoacutestrato mas principalmente segundo a
oacutetica do autor baacuterbaro jaacute natildeo eacute aquele de quem natildeo se entende a liacutengua tendo em vista a
multiplicidade de liacutenguas faladas no impeacuterio mas eacute baacuterbaro aquele que natildeo tenha
incorporadas em si a filosofia e a erudiccedilatildeo grega claacutessica Tanto eacute que o autor usa como palco
central a Iacutendia um lugar-comum da literatura grega como uma regiatildeo selvagem e incivilizada
Na VA a Iacutendia se torna o local onde a sabedoria a filosofia os conhecimentos de liacutengua e
literatura em suma os valores resgatados pela Segunda Sofiacutestica se conservam intactos e
incorrompidos A Iacutendia seria a projeccedilatildeo de uma Greacutecia unificada e idealizada onde Apolocircnio
alcanccedila o niacutevel maacuteximo de sabedoria junto aos bracircmanes Mas a sabedoria aprendida com os
saacutebios eacute a proacutepria sabedoria grega embasada nos preceitos pitagoacutericos Em uacuteltima instacircncia
Filoacutestrato apresenta a cultura grega como superior agrave cultura de outros povos
A Iacutendia natildeo conserva apenas esses valores mas simula a Greacutecia mais exatamente
Atenas devido agrave comparaccedilatildeo topograacutefica expliacutecita feita entre a torre dos bracircmanes e a
Acroacutepole (VA III 13) Aleacutem disso Filoacutestrato tambeacutem projeta na Iacutendia a figura de um
76
governante idealizado personificado em Fraotes Fraotes eacute um rei ideal porque teve junto aos
bracircmanes a formaccedilatildeo grega e portanto essa erudiccedilatildeo norteia suas accedilotildees A Iacutendia eacute entatildeo
como afirma Abraham (2009 p 11) o lugar onde a identidade grega existe em sua forma pura
e inalterada pela avidez imperialista
Parker (2008 p 259) reforccedila que a paideia como um ideal comum e conector das
elites locais foi divulgada mais intensamente por esses filoacutesofos no leste do Impeacuterio Romano
Pode-se dizer que promoveu a criaccedilatildeo de uma comunidade imaginada de homens eruditos
com base em uma visatildeo seletiva da histoacuteria Nesse mundo divergente os filoacutesofos gregos
tornaram-se siacutembolos de uma cultura comum entre os aristocratas em uma ampla aacuterea
geograacutefica Eacute nesse contexto que segundo o autor devemos ponderar com base na VA como
e por que os saacutebios indianos capturaram a imaginaccedilatildeo greco-romana
Em particular a figura dos bracircmanes oferece a oportunidade de construir um ideal ao
mesmo tempo improvaacutevel e desejaacutevel que era o da sabedoria sem a paideia (PARKER 2008
p 304-305) Poreacutem na VA Filoacutestrato se apropria e faz outro uso da figura dos bracircmanes eles
representam o apogeu o limite maacuteximo da sabedoria justamente porque sua sabedoria e seus
ritos dialogam com o modelo claacutessico ateniense
Abraham (2014 p 472-473) infere que Paraca eacute mais uma realizaccedilatildeo da frequente
citaccedilatildeo de Apolocircnio de que ldquopara o homem saacutebio a Greacutecia estaacute em todos os lugares e ele natildeo
considera nem acredita que algum lugar seja deserto ou baacuterbaro se ele estiver vivendo sob a
visatildeo da virtuderdquo (σοφῷ ἀνδρὶ Ἑλλὰς πάντα καὶ οὐδὲν ἔρημον ἢ βάρβαρον χωρίον οὔτε
ἡγήσεται ὁ σοφὸς οὔτε νομιεῖ ζῶν γε ὑπὸ τοῖς τῆς ἀρετῆς ὀφθαλμοῖς ndash VA I 34) Logo
independentemente de onde estiver o homem saacutebio eacute sempre um homem saacutebio na medida em
que ele a todo momento se comporta como um Essa consistecircncia de caraacuteter tem um efeito
transformador em sua localizaccedilatildeo permitindo que ele encontre a Greacutecia em todos os lugares
Em essecircncia estar na Greacutecia equivale a ter autoconhecimento e viver esse
autoconhecimento A realizaccedilatildeo da Greacutecia na Iacutendia assim explicada pela correlaccedilatildeo entre
autoconhecimento e helenismo Iarcas abrindo-se as indaganootildees de Apolocircnio afirma
ldquopergunte o que vocecirc quiser pois vocecirc se encontra entre um povo que sabe tudordquo (VA III
18) Apolocircnio entatildeo pergunta se os bracircmanes conhecem a si proacuteprios pois os gregos
consideram difiacutecil afirmar que se autoconhecem Iarcas curiosamente responde sabemos
todas as coisas uma vez que primeiro nos conhecemos (πάντα γιγνώσκομεν ἐπειδὴ πρώτους
ἑαυτοὺς γιγνώσκομεν - VA III 18) O autoconhecimento continua o autor considerado uma
coisa difiacutecil de se adquirir no pensamento grego se torna o ponto de partida da filosofia dos
bracircmanes
77
Finalmente natildeo podemos deixar de ter em mente que escrever eacute um ato poliacutetico Sem
desconsiderar o deleite que uma leitura pode proporcionar uma de nossas surpresas foi
perceber como a VA foi um instrumento poliacutetico Sob o domiacutenio imperial Romano o escritor
grego Flaacutevio Filoacutestrato viveu entre os seacuteculos II e III durante o governo da dinastia dos
Severos (193-225) De forma simplificada entendemos o Impeacuterio Romano como um difusor e
infusor de identidades e culturas e esse foi um periacuteodo de questionamentos para Filoacutestrato e
para os outros escritores da Segunda Sofiacutestica Pertencente agrave elite aleacutem de escritor Filoacutestrato
exerceu uma carreira poliacutetica na Greacutecia e manteve bom relacionamento com os Severos o que
lhe permitiu ter um contato mais proacuteximo com o cenaacuterio poliacutetico imperial em que viveu
Aleacutem de acompanhar o imperador Septiacutemio Severo em viagens Filoacutestrato tambeacutem
interagiu intelectualmente com a imperatriz Juacutelia Domna De acordo com Filoacutestrato foi a
pedido dela que ele escreveu a biografia de Apolocircnio Ao compor a VA o autor se apropriou
da figura de Apolocircnio e personificou nele o modelo idealizado de um homem saacutebio o qual
usou para criticar os governantes do Impeacuterio Romano Poreacutem suas criacuteticas dialogam natildeo
apenas com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato ou de Apolocircnio elas denotam
principalmente a aspiraccedilatildeo do autor de restaurar e afirmar a identidade e a cultura grega
claacutessica atribuindo-lhes o status de fonte da sabedoria e da cultura do ocidente
78
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Agradecimentos
Ao professor Jacyntho pela orientaccedilatildeo paciente pelos conselhos e pelas correccedilotildees
Ao professor Teodoro por ter me ajudado a direcionar este trabalho pelos apontamentos
feitos e por ter lido meu Projeto de Dissertaccedilatildeo com tanto cuidado e atenccedilatildeo
Ao professor Antonio Orlando sempre soliacutecito pelo material de apoio e pelas conversas
enriquecedoras
Ao Dudu pela amizade
Ao Marcelo Brugger por termos passado pela experiecircncia do mestrado juntos
Aos meus pais Marcos e Rosana agradeccedilo com amor pelo exemplo e pelo acolhimento
Agrave Nayara por trazer leveza e alegria ao meu dia a dia
Ao Felipe pelo amparo pelo companheirismo pela paciecircncia e pelo carinho senza fine
Agrave Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio
financeiro
RESUMO
Este trabalho propotildee uma leitura e anaacutelise dos livros II e III da obra Vida de Apolocircnio
de Tiana de Filoacutestrato os quais se dedicam a descrever a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Nos
concentramos mais especificamente no que diz respeito agrave natureza exoacutetica e aos homens
saacutebios com os quais o personagem teve contato nesse paiacutes Nos capiacutetulos apresentamos e
discutimos algumas polecircmicas que circundam natildeo apenas a obra em si mas tambeacutem o proacuteprio
protagonista desse livro O corpus selecionado destaca trechos que valorizam os toacutepicos
estudados nessa pesquisa os quais possibilitam uma releitura natildeo apenas do personagem
como tambeacutem da forma com que a Iacutendia era retratada pelos gregos antigos
Palavras-chave Filoacutestrato Vida de Apolocircnio de Tiana maravilhoso saacutebios hindus
ABSTRACT
This study purposes a reading and an analysis of the books II and III of Philostratusrsquo
Life of Apollonius of Tyana which describe the Apollonius travel to India Mainly we focus
on this exotic nature and on the sages which the character had contact in that land In the
chapters we present and discuss some controversies that surround the work itself but also its
protagonist The selected corpus highlights sections that value the studied topics in this
research which enables a rereading not only of its character but also the way that India was
postrayed by the ancient Greeks
Key- words Philostratus Life of Apollonius of Tyana wonder hindu sages
5
SUMAacuteRIO
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS 6
INTRODUCcedilAtildeO 7
CAPIacuteTULO I 9
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA 9
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana 10
12 Quem era Apolocircnio de Tiana 12
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo 14
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano 19
14 Por que a Iacutendia 23
CAPIacuteTULO II 27
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA 27
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia 27
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites 29
23 O maravilhoso em VA 31
231 As maravilhas da Iacutendia 33
CAPIacuteTULO III 65
OS SAacuteBIOS HINDUS 65
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus 65
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia 67
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria 70
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes 72
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 74
REFEREcircNCIAS 78
6
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS
Ct = Cteacutesias de Cnido
Ind Indikaacute (Ἰνδικά)
Fil = Filoacutestrato
VS Vida dos Sofistas (Βίοι Σοφιστῶν)
VA Vida de Apolocircnio de Tiana (Τὰ ἐς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον1)
Hdt = Heroacutedoto
Hist Histoacuterias (Ἰστορἴαι)
Hes = Hesiacuteodo
Teog Teogonia (Θεογονία)
Hom = Homero
Il Iliacuteada (Ἰλιάς)
Od Odisseia (Οδύσσεια)
1 O tiacutetulo da obra eacute debatido entre os estudiosos De acordo com Swain (2013 p 81) o tiacutetulo da obra seria Τὰ ἐς
τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον o qual eacute usado pelos tradutores desde a ediccedilatildeo de 1844 de Kayser Poreacutem Boter (2015)
argumenta que o tiacutetulo mais genuiacuteno da obra seria Εἰς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον sendo o significado do tiacutetulo
intencionalmente ambiacuteguo pois poderia ser traduzido como Sobre Apolocircnio de Tiana ou Em honra a Apolocircnio
de Tiana
7
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo eacute continuaccedilatildeo da nossa pesquisa iniciada na Graduaccedilatildeo onde fizemos
um estudo e traduccedilatildeo da obra Indikaacute de Cteacutesias de Cnido Os fragmentos de Cteacutesias nos
apresentam a Iacutendia como uma terra selvagem habitada por seres hiacutebridos e por monstros com
medidas e riquezas exuberantes como sendo o limite do mundo Algumas das coisas
retratadas por Cteacutesias tiveram antecedente nas Histoacuterias de Heroacutedoto e a partir de entatildeo a
Iacutendia tornou-se um toacutepos do maravilhoso na literatura grega antiga Depois do Romance de
Alexandre os bracircmanes se tornaram uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana e desde entatildeo a Iacutendia eacute tida como maravilhosa natildeo apenas por suas caracteriacutesticas
fiacutesicas mas tambeacutem por sua sabedoria elevada (PARKER 2008 p 143 e 251)
Ao lermos a Vida de Apolocircnio de Tiana (VA) de Filoacutestrato percebemos que esta obra
dialoga com estas duas vertentes a respeito da Iacutendia Publicado em 217 (FRANCIS 1998 p
420) este livro narra a vida de Apolocircnio um filoacutesofo pitaacutegorico da cidade de Tiana situada
na regiatildeo da Capadoacutecia que teria vivido durante o reinado de Domiciano (81-96) Desde os
dezesseis anos Apolocircnio seguiu os preceitos pitagoacutericos e em busca de uma sabedoria
suprema teve como objetivo viajar ateacute os bracircmanes Consequentemente a Iacutendia ocupa um
lugar essencial na narrativa e dos oito livros que compotildeem a obra dois deles se dedicam a
descrever a experiecircncia de Apolocircnio junto aos hindus
Por esses motivos nos dedicamos a estudar os livros II e III da VA Dentro dessa
seleccedilatildeo selecionamos destacamos e traduzimos trechos que ressaltam o caraacuteter maravilhoso
da obra tanto os que dizem respeito agrave sua descriccedilatildeo geograacutefica e etnograacutefica quanto os que
retratam a sabedoria bracircmane Nos momentos em que encontramos alusotildees aos escritores
Heroacutedoto e Cteacutesias comparamos e contrastamos as fontes com a finalidade de perceber de
que modo a tradiccedilatildeo acerca da Iacutendia inciada por estes dois autores tem continuidade em
Filoacutestrato
Para isso dividimos o trabalho em trecircs capiacutetulos No primeiro capiacutetulo fizemos um
estudo sobre o autor Flaacutevio Filoacutestrato sua obra Vida de Apolocircnio de Tiana e a figura de
Apolocircnio de Tiana Discutimos sobre as polecircmicas e divergentes concepccedilotildees sobre o autor e a
personagem para entendermos melhor o contexto em que a obra foi escrita
No segundo capiacutetulo discorremos a respeito do caraacuteter maravilhoso da VA e
selecionamos trechos que descrevem a natureza hindu Dividimos em seccedilotildees que retratam a
descriccedilatildeo da geografia da hidrografia do clima da Iacutendia dos animais e dos seres exoacuteticos
8
narrados por Filoacutestrato Ao arrolar estas passagens cotejamos com trechos das Histoacuterias e dos
Indikaacute No terceiro capiacutetulo ao estudar sobre o contato que Apolocircnio teve com os bracircmanes
seus ritos e suas discussotildees percebemos como essa obra contribuiu para a formaccedilatildeo de um
modelo idealizado de uma cultura grega claacutessica unificada
Dessa forma sob a oacutetica de um escritor tardio que escreveu quase seiscentos anos
depois de Heroacutedoto e de Cteacutesias ainda lemos a Iacutendia ainda como uma terra maravilhosa
9
CAPIacuteTULO I
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA
De acordo com o Suda (leacutexico medieval bizantino que cataloga escritores e obras da
Antiguidade) existem trecircs escritores catalogados com o nome de Filoacutestrato no final do seacuteculo
II e iniacutecio do seacuteculo III (SILVA 2014a p 31) Destes trataremos de Flaacutevio Filoacutestrato
chamado de ldquoo Segundordquo filho de Filoacutestrato Vero Sabe-se que sua famiacutelia habitava a ilha de
Lemnos territoacuterio ateniense e que ele nasceu por volta de 170 (BOWIE 2009 p19)
Filho de uma famiacutelia abastada pertencente agrave ordem senatorial Filoacutestrato teve uma
educaccedilatildeo voltada aos interesses dessa camada social Foi um destacado sofista tanto em
Atenas quanto em Roma e viveu no Impeacuterio Romano durante o governo da dinastia dos
Severos (193 ndash 225) com a qual teve boas relaccedilotildees e a qual acompanhou em viagens (SILVA
2013a p 2) Ele tambeacutem teria sido membro do ciacuterculo social de Juacutelia Domna esposa do
imperador Septiacutemio Severo como nos informa o proacuteprio autor em um trecho de sua obra Vida
de Apolocircnio de Tiana
μετέχοντι δέ μοι τοῦ περὶ αὐτὴν κύκλου mdash καὶ γὰρ τοὺς ῥητορικοὺς πάντας λόγους
ἐπῄνει καὶ ἠσπάζετο mdash μεταγράψαι τε προσέταξε τὰς διατριβὰς ταύτας καὶ τῆς
ἀπαγγελίας αὐτῶν ἐπιμεληθῆναι τῷ γὰρ Νινίῳ σαφῶς μέν οὐ μὴν δεξιῶς γε
ἀπηγγέλλετο (VA I 3)
Quanto a mim que fazia parte do seu ciacuterculo (jaacute que ela elogiava e apreciava todos
os discursos retoacutericos) me incubiu ela de redigir estes ensaios e me ocupar da sua
publicaccedilatildeo pois [Dacircmis] o de Nino fez sua narrativa de forma clara mas natildeo
praacutetica2
Natildeo se sabe ao certo o que seria esse ciacuterculo social (κύκλου) nem se ele realmente
existiu Cogita-se a hipoacutetese de ter sido um grupo literaacuterio composto por alguns artistas e
escritores para discutir questotildees literaacuterias e filosoacuteficas ou um grupo seleto de intelectuais
2 A traduccedilatildeo para o portuguecircs desta passagem assim como a de outras que apareceratildeo ao longo deste trabalho eacute
de nossa autoria
10
formado por meacutedicos poetas escritores filoacutesofos juristas historiadores e membros do
ciacuterculo imperial (SILVA 2014a p 49) 3
Aleacutem desse contato com a imperatriz Filoacutestrato tambeacutem exerceu cargos poliacuteticos De
acordo com indicaccedilotildees epigraacuteficas o autor foi general hoplita4 em Atenas provavelmente nos
anos 200 e 210 e representante do governo de sua cidade (BOWIE 2009 p19-20) Ademais
acredita-se que a estaacutetua que haacute em Oliacutempia eacute dedicada a Flaacutevio Filoacutestrato na qual lecirc-se a
seguinte inscriccedilatildeo ldquoAgrave Boa Fortuna segundo a decisatildeo do Conselho Oliacutempico o sofista
Flaacutevio Filoacutestrato de Atenas sofista a mais ilustre paacutetria elevou a estaacutetuardquo (SILVA 2014a p
33) Segundo Martiacutenez (2006 p 456 apud Silva 2014a p33) os sofistas eram usualmente
homenageados com estaacutetuas nas cidades gregas pois essa era uma forma de reconhecer seus
encargos puacuteblicos e poliacuteticos
Filoacutestrato escreveu algumas obras e atualmente satildeo reconhecidas como sendo de sua
autoria Vida de Apolocircnio de Tiana (a maior fonte de informaccedilotildees que temos sobre Apolocircnio)
Vida dos Sofistas Heroicos Imagens Cartas Ginaacutestico Nero e um discurso retoacuterico
conhecido como Diaacutelexis 2 (ELSNER 2009 p 4) Apesar de natildeo haver consenso entre os
pesquisadores sobre a autoria de todas essas obras considera-se que Vida de Apolocircnio de
Tiana (VA) e Vida dos Sofistas (VS) tenham sido escritas por Flaacutevio Filoacutestrato haja vista que
VA eacute citada em sua obra posterior VS (SILVA 2014 p 59) Estas satildeo as duas obras mais
conhecidas de Filoacutestrato sendo que VS eacute uma seacuterie de sessenta biografias de sofistas ceacutelebres
do Impeacuterio Romano dividida em dois livros e a VA eacute uma biografia sobre o saacutebio Apolocircnio
de Tiana composta por dois volumes tendo cada um deles oito livros
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana
Feita sob encomenda da imperatriz Juacutelia Domna Filoacutestrato escreveu as memoacuterias de
Apolocircnio um saacutebio da cidade de Tiana pertencente agrave regiatildeo da Capadoacutecia (VA I 3) que
teria vivido cerca de um seacuteculo antes durante o reinado de Domiciano (81 ndash 96) Foi
publicada provavelmente depois da morte da imperatriz em 217 (FRANCIS 1998 p 420)
A obra descreve o nascimento de Apolocircnio e sua juventude devotada agrave aprendizagem
dos princiacutepios pitagoacutericos e do autoconhecimento Posteriormente ele empreende uma seacuterie
de viagens passando por vaacuterias regiotildees com o objetivo principal de chegar agrave Iacutendia e de se
3 Para uma discussatildeo detalhada sobre esse assunto cf Silva 2014a p 49 - 52
4 Nesse periacuteodo essa magistratura se encarregava especialmente de assegurar o abastecimento alimentiacutecio da
cidade
11
encontrar com os bracircmanes hindus em busca do conhecimento filosoacutefico (VA I 18 32 II
11 III 16 29 IV 47) Durante o percurso satildeo narradas as impressotildees reflexotildees o diaacutelogo
de Apolocircnio com cidadatildeos e reis suas intervenccedilotildees poliacuteticas as curas e os milagres feitos por
ele Francis (1998 p 420) sintetiza a obra afirmando que Apolocircnio ldquoviaja pelo mundo
mediterracircneo discursando sobre a verdadeira filosofia e religiatildeo pregando ideais culturais
gregos profetizando e realizando milagresrdquo e ldquoquando retorna da Iacutendia Apolocircnio eacute
aclamado pelo mundo cultural grego e se envolve ativamente nos negoacutecios das cidades da
Aacutesia Menor e da Greacutecia (IV 2-33)rdquo
Nesse sentido a VA eacute uma biografia embora seja considerada demasiadamente longa
sendo uma das biografias mais extensas que sobreviveram da Antiguidade com conteuacutedos
demasiadamente variados (KEMEZIS 2014 p 62) O proacuteprio autor usa a palavra βίος em VA
(V 39) 5 talvez para caracterizar sua obra talvez com a intenccedilatildeo de transformar Apolocircnio em
um modelo de homem a ser seguido por seu valor moral ou ainda para dar credibilidade agrave
obra (SILVA 2014a p 86) Com base na historiografia do periacuteodo claacutessico e desenvolvido
no periacuteodo heleniacutestico esse gecircnero literaacuterio teve como uma de suas caracteriacutesticas principais
biografar pessoas que serviriam de exemplo para a comunidade (SILVA 2012 p 2)
Martiacutenez e Dosse tambeacutem discutem essa relaccedilatildeo entre biografia e vidas exemplares na
Antiguidade O primeiro afirma que a biografia serve para veicular as ideias sobre o
comportamento moral individual tornando-se com isso um instrumento de ideologia poliacutetica
(MARTIacuteNEZ 2004 p 48) O segundo enuncia que nessa eacutepoca o discurso das virtudes foi
incorporado agrave biografia e consequentemente estabeleceram-se modelos moralizantes (2009
p 123 apud Carvalho 2011 p 131) Esses modelos entatildeo formaram uma tradiccedilatildeo na
Antiguidade a tradiccedilatildeo dos valores heroicos e apoacutes a cristianizaccedilatildeo a dos valores religiosos
sendo ambos embasados em vidas exemplares (CARVALHO 2011 p 131)
Contudo o gecircnero literaacuterio da VA ainda eacute bastante debatido De uma forma geral os
comentadores classificam a obra em um determinado gecircnero literaacuterio mas afirmam que o
texto tem caracteriacutesticas muito evidentes de outros gecircneros Os estudiosos que consideram
esse texto como biografia satildeo Zeitlin (2001) Abraham (2009) Elsner (2009) e Silva (2014)
Bowie (2009) por outro lado o tem como romance Jaacute Pajares em sua introduccedilatildeo da traduccedilatildeo
da VA para a Editorial Gredos (1992) afirma que esse texto tem predominantemente
caracteriacutesticas biograacuteficas mas com influecircncia da paradoxografia (obras dedicadas agrave
5 ldquoQuanto a mim vou afastar desse homem jaacute que natildeo foi minha intenccedilatildeo difamaacute-lo mas possibilitar o relato da
vida de Apolocircnio a quem ainda natildeo a conhecerdquo (VA V 39) Texto grego ἐμοὶ δὲ ἀφεκτέα τοῦ ἀνδρός οὐ γὰρ
ἐκεῖνον διαβαλεῖν προὐθέμην ἀλλὰ παραδοῦναι τὸν Ἀπολλωνίου βίον τοῖς μήπω εἰδόσι
12
exploraccedilatildeo de maravilhas ou coleccedilotildees de mirabilia)6 do romance e da aretologia Para
Uytfanghe (2009) a VA eacute uma hagiografia (relatos ou biografias de homens santos) enquanto
que para Cornelli (2001) trata-se de uma aretologia Por fim Holzberg (1996) e Flinterman
(2009) a classificam como biografia ficcional ao passo que Francis (1998) a considera um
gecircnero formado com todas essas caracteriacutesticas
Para compor a VA Filoacutestrato afirma ter usado como fontes i) informaccedilotildees coletadas
em cidades nas quais Apolocircnio era adorado e em templos restaurados por ele ii) cartas
escritas pelo proacuteprio Apolocircnio nas quais discorria a respeitos dos deuses dos costumes dos
princiacutepios morais das leis aleacutem de comentar sobre as falhas humanas (VA I 2) iii) relatos
deixados por pessoas com quem ele teve contato como reis sofistas filoacutesofos e homens
gregos indianos e egiacutepcios iv) um livro de memoacuterias de Dacircmis disciacutepulo de Apolocircnio v) e
um livro de Maacuteximo de Egas no qual o autor registra a passagem de Apolocircnio por essa
cidade Aleacutem destas fontes Filoacutestrato diz ainda ter consultado um livro escrito por
Moeragenes Contudo Filoacutestrato afirma ter rejeitado essa fonte pelo fato de o autor ser
ignorante de vaacuterios aspectos da vida de Apolocircnio (VA I 3)
12 Quem era Apolocircnio de Tiana
Apolocircnio de Tiana nasceu na Capadoacutecia em meados de 40 iniacutecio da era cristatilde Teria
sido um saacutebio itinerante e filoacutesofo neopitagoacuterico Enquanto esteve vivo natildeo se tornou muito
famoso salvo no norte da Siacuteria e na Aacutesia Menor onde era conhecido como um mago
beneficente e um curador Na biografia feita por Filoacutestrato Apolocircnio eacute universalmente
aclamado influente e ateacute mesmo um homem semidivino que teria feito muitos milagres
profecias e exorcizado democircnios Quando morreu seu corpo e sua alma teriam ascendido ao
ceacuteu (YSSELT 1994 p 351)
De acordo com Flinterman (2009 p 157 ndash 158) Apolocircnio teria direcionado sua vida
segundo os preceitos definidos por Pitaacutegoras Esses preceitos eram basicamente a renuacutencia
ao uso de produtos de origem animal da vestimenta agrave alimentaccedilatildeo e a rejeiccedilatildeo dos sacrifiacutecios
de animais Fazia parte tambeacutem desse estilo de vida asceacutetico a praacutetica do silecircncio entre seus
seguidores
6 De acordo com Nichols (2011 p 30) a partir do seacutec III aC no periacuteodo heleniacutestico a paradoxografia jaacute
aparece como um gecircnero literaacuterio bem desenvolvido
13
Seguindo os passos de Pitaacutegoras aos dezesseis anos Apolocircnio decide aderir a esse
estilo de vida (VA I 7) Desse modo primeiramente Apolocircnio renunciou ao consumo de
carne com o argumento de que esta era impura e deixava a mente impolida passando a seguir
uma dieta agrave base de frutas secas e vegetais Abdicou tambeacutem da ingestatildeo do vinho pois
apesar de ser uma bebida pura desequilibrava a mente (VA I 8)7 Depois de desintoxicar seu
corpo Apolocircnio parou de usar qualquer produto de origem animal como sapatos e soacute usava
vestes de linho (VA I 8)8 Aleacutem disso deixou crescer seu cabelo (VA I 8) e sua barba Sobre
isso Flinterman (2009 p 159) destaca que no iniacutecio do periacuteodo imperial o cabelo comprido
era considerado uma caracteriacutestica distintiva dos filoacutesofos pitagoacutericos Todavia Apolocircnio
privou-se tambeacutem da vida conjugal e do sexo mantendo o celibato Nesse caso contudo o
celibato foi uma medida tomada aleacutem dos preceitos do pitagorismo pois Filoacutestrato menciona
que Pitaacutegoras era renomado por defender a monogamia (VA I 13)
9 Ademais ele natildeo
participava e era contra sacrifiacutecios de sangue tanto em ritos religiosos quanto em espetaacuteculos
de gladiadores (VA I 10 31 IV 22 V 25) Por fim fez voto de silecircncio durante cinco anos
(VA I 14 - 15)
Assim segundo Filoacutestrato o modo de vida de Apolocircnio propiciaria um conhecimento
privilegiado do mundo e uma comunicaccedilatildeo com a esfera divina Nesse sentido o diaacutelogo com
o rei parto Vardanes eacute ilustrativo Nele Apolocircnio diz que Pitaacutegoras o ensinou a venerar os
deuses e a estar atento a eles independentemente se eles eram visiacuteveis ou natildeo e a estar
frequentemente em diaacutelogo com eles bem como se vestir com o linho produto natildeo de origem
animal mas da terra e da aacutegua Tambeacutem faziam parte desse aprendizado manter o cabelo
longo como disciplina se manter puro ao natildeo consumir carne e natildeo acompanhar algueacutem no
consumo de bebidas alcooacutelicas assim como natildeo viver uma vida ociosa ou luxuosa mas
auxiliar as pessoas que tecircm problemas de conduta (VA I 32)
7 Como descrito na proacutepria obra para Apolocircnio o vinho ldquoera uma bebida pura por vir aos homens de uma planta
tatildeo bem cultivada mas era contraacuterio agrave formaccedilatildeo da mente por escurecer o eacuteter que havia na almardquo (VA I 8)
Texto grego καὶ τὸν οἶνον καθαρὸν μὲν ἔφασκεν εἶναι πῶμα ἐκ φυτοῦ οὕτως ἡμέρου τοῖς ἀνθρώποις ἥκοντα
ἐναντιοῦσθαι δὲ τῇ τοῦ νοῦ συστάσει διαθολοῦντα τὸν ἐν τῇ ψυχῇ αἰθέρα 8 Essa caracteriacutestica eacute bem marcada no momento em que o rei indiano Fraotes lhe daacute vaacuterios presentes e Apolocircnio
aceita apenas as vestes de linho como consta no trecho que segue ldquoO hindu lhe deu ouro pedras preciosas
vestidos de linho e milhares de coisas Apolocircnio disse que tinha ouro o suficiente pois Vardanes tinha dado a
ele escondido dele ao guia mas que aceitaria os vestidos de linho porque se assemelhavam ao manto filosoacutefico
dos antigos e eram mesmo aacuteticosrdquo (VA II 40) Texto grego καὶ χρυσίον δὲ ἐδίδου ὁ Ἰνδὸς καὶ ψήφους καὶ
ὀθόνας καὶ μυρία τοιαῦτα ὁ δὲ Ἀπολλώνιος lsquoχρυσίον μὲνrsquo ἔφη lsquoἱκανὸν ἑαυτῷ εἶναι δόντος γε Οὐαρδάνου τῷ
ἡγεμόνι ἀφανῶς αὐτό τὰς δὲ ὀθόνας λαμβάνειν ἐπειδὴ ἐοίκασι τρίβωνι τῶν ἀρχαίων τε καὶ πάνυ Ἀττικῶν 9 Sobre esse assunto cf tambeacutem Flinterman 2009 p 161
14
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo
Em VA Apolocircnio eacute afamado por seu estilo de vida asceacutetico bem como por fazer
milagres Dadas essas caracteriacutesticas em alguns momentos da narrativa Apolocircnio eacute chamado
de θεῖος ἀνήρ (homem divino) Justi (2012 p 15) nos informa que o principal elemento
associado ao termo eacute que o homem divino possui caracteriacutesticas excepcionais expressas por
meio do poder miraculoso e da sabedoria extraordinaacuteria Um homem assim identificado era
geralmente itinerante e tido por seus seguidores como um salvador divino graccedilas aos seus
poderes prodigiosos
Alguns dos milagres realizados por Apolocircnio foram i) salvar a cidade de Eacutefeso de
uma praga (IV 10) ii) exorcizar democircnios (IV 20) iii) curar um jovem rapaz em Tarso que
fora mordido por um catildeo raivoso (VI 43) iv) prever a morte do imperador Domiciano (VIII
26)
FIGURA 1 - Apolocircnio curando um jovem ateniense possuiacutedo (VA IV 20) (imagem superior) Apolocircnio
ressuscita uma garota morta em Roma (VA IV 45) (imagem inferior) Desenho de Johannes Stradanus (Bruges
I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings vol 32
n 04 1994 p 353
15
Ademais ele eacute reconhecido como divino em diversas passagens do texto10
Em uma
delas o rei indiano Fraotes escreve uma carta ao bracircmane Iarcas o saacutebio hindu mais antigo
aconselhando-o a dar igualdade de tratamento a Apolocircnio
ἐπιστελῶ δὲ καὶ Ἰάρχᾳ τῷ πρεσβυτάτῳ τῶν σοφῶν ἵν᾽ Ἀπολλώνιον μὲν ὡς μηδὲν
κακίω ἑαυτοῦ δέξηται ὑμᾶς δὲ ὡς φιλοσόφους τε καὶ ὀπαδοὺς ἀνδρὸς θείουrsquo (VA
II 40)
[Fala de Fraotes] ldquoe escreverei tambeacutem a Iarca o mais velho dos saacutebios para que
receba Apolocircnio em nada pior do que eu proacuteprio e a noacutes como filoacutesofos e
seguidores um homem divinordquo
Ainda conforme Justi (2012 p 15) um nascimento maravilhoso uma carreira
marcada pelo dom da linguagem persuasiva e dominadora a capacidade de fazer milagres
(incluindo curas e adivinhaccedilotildees) e uma morte de alguma maneira extraordinaacuteria caracterizam
o termo θεῖος ἀνήρ11
Com exceccedilatildeo da morte natildeo descrita na VA todos os atributos acima
condizem com a vida de Apolocircnio Filoacutestrato no primeiro livro narra o nascimento de
Apolocircnio como um momento envolto em pressaacutegios (VA I 5) Haacute por exemplo a menccedilatildeo de
que ele seria a encarnaccedilatildeo do deus Proteu uma vez que esse deus teria aparecido agrave sua matildee
enquanto estava graacutevida predizendo o acontecimento o que confirmaria a sabedoria divina de
Apolocircnio (VA I 4) Aleacutem disso a apariccedilatildeo de um bando de cisnes momentos antes do seu
nascimento e a queda de um raio no instante do parto estariam associadas ao seu
favorecimento divino12
A imagem de Stradanus traduz bem essa cena
10
Como por exemploVA I 2 21 II 17 40 III 28 VII 38 VIII 13 23 11
Alguns autores vide Horsley (2013) Kemezis (2014) e Koskenniemi (2016) se opotildeem a essa concepccedilatildeo 12
O estudo de Miles (2016) trata sobre a relaccedilatildeo que haacute entre o aparecimento dos cisnes e os pressaacutegios ligados a
eles no momento do nascimento de Apolocircnio
16
FIGURA 2 - O nascimento de Apolocircnio de Tiana na Capadoacutecia (VA I 4-5) (imagem superior) e Apolocircnio de
Tiana admirando os relevos do templo em Taxila na Iacutendia (VA II 20) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Poreacutem foram os milagres que elevaram a fama de Apolocircnio Em virtude disso
Domiciano tentou descaracterizar o aspecto divino desses feitos Para tal o imperador o
processou afirmando que Apolocircnio conspirara contra ele (VA VII 20) No julgamento
Apolocircnio foi chamado de γόης que neste contexto tinha uma denominaccedilatildeo pejorativa13
pois
13
No entando γόης nem sempre teve uma denotaccedilatildeo pejorativa De acordo com Lloyd (1979 p 10 - 15) o
primeiro registro que temos de uma obra que aplicou o termo γόης de forma depreciativa eacute datada entre o final
do seacuteculo V e iniacutecio do seacuteculo IV aC Natildeo apenas esse termo mas qualquer pretensatildeo de poder manipular
forccedilosamente o divino ou o sobrenaturalparece ter entrado em conflito com uma visatildeo mais racionalista da
religiatildeo Segundo o autor eacute ainda nos meados do seacuteculo V aC que temos evidecircncias de relatos racionalistas da
origem da religiatildeo e temos informaccedilotildees que relatam a rejeiccedilatildeo e a refutaccedilatildeo de algumas noccedilotildees maacutegicas como
no tratado hipocraacutetico Sobre a Doenccedila Sagrada (Περὶ ἱερῆς νοuacuteσου)
17
significava ser feiticeiro mago charlatatildeo impostor 14
Na sequecircncia ele foi processado por
i) ter sido adorado por algumas pessoas ii) ter predito a fome em Eacutefeso iii) ter proferido
algumas palavras em detrimento de Domiciano iv) ter visitado o entatildeo senador Nerva e ter
feito o sacrifiacutecio de um menino aacutercade em benefiacutecio deste v) e pelo modo de viver e de
vestir-se (VA VII 20) De todas a penuacuteltima acusaccedilatildeo era a mais grave (VII 20) Apoacutes o
testemunho de duas pessoas a favor de Apolocircnio ele proacuteprio se defendeu da seguinte forma
παρ᾽ ὅσον μὲν τοίνυν τῆς ἀληθείας ἡ γραφὴ ξυνετέθη δηλοῖ σαφῶς ἡ μαρτυρία τῶν
ἀνδρῶν οὐ γὰρ ἐν προαστείοις ἀλλ᾽ ἐν ἄστει οὐκ ἔξω τείχους ἀλλ᾽ ἐπ᾽ οἰκίας
οὐδὲ παρὰ Νερούᾳ παρὰ Φιλίσκῳ δέ οὐδὲ ἀποσφάττων ἀλλ᾽ ὑπὲρ ψυχῆς
εὐχόμενος οὐδ᾽ ὑπὲρ βασιλείας ἀλλ᾽ ὑπὲρ φιλοσοφίας οὐδ᾽ ἀντὶ σοῦ χειροτονῶν
νεώτερον ἀλλ᾽ ἄνδρα σώζων ἐμαυτῷ ὅμοιον (VA VIII 7)
Ateacute que ponto satildeo verdadeiras estas acusaccedilotildees mostra com clareza o testemunho
destes senhores pois eu natildeo estava na periferia mas na cidade natildeo estava fora das
muralhas mas em uma casa natildeo estava na casa de Nerva mas na de Filisco natildeo
estava decapitando mas clamando por uma vida natildeo em prol do reino mas da
filosofia natildeo votando contra ti e a favor de um mais jovem mas para salvar um
homem semelhante a mim
Diante desse contexto Silva (2016a p 126) acredita que o motivo da acusaccedilatildeo
tenha sido poliacutetico jaacute que o imperador possivelmente temia a influecircncia de Apolocircnio junto ao
povo Poreacutem ponderamos que o imperador temia o contato e a influecircncia de Apolocircnio junto agrave
corte ou aos ciacuterculos de poder
Por outro lado existe tambeacutem a possibilidade de que tanto a acusaccedilatildeo quanto a
defesa de Apolocircnio tenham sido inventadas por Filoacutestrato com o intuito de reverter a imagem
de Apolocircnio de γόης para θεῖος ἀνήρ (SILVA 2014 p 129) Dessa forma as praacuteticas com
natureza maacutegico-religiosa denunciadas por Domiciano seriam parte da sabedoria divina de
Apolocircnio (VA VIII 2 7) Isso faria dele um teurgo e segundo Silva (2013b p 3) a teurgia
era uma fusatildeo de rituais religiosos e especulaccedilotildees filosoacuteficas com uma base maacutegica De
acordo com Brandatildeo (1991 p 113)
a magia ligada agrave filosofia por um lado era considerada um conhecimento miacutestico
por outro lado era uma espeacutecie de conhecimento cientiacutefico o que fazia com que
fosse aceita por largas faixas das camadas mais eruditas do Impeacuterio Romano
14
Bailly 2000 p 443
18
Teriacuteamos assim a partir da VA o modelo de um homem saacutebio filoacutesofo e com
uma moral exemplar uma figura alvo de admiraccedilatildeo Aleacutem disso Apolocircnio carregaria consigo
os valores gregos para onde quer que fosse como veremos mais agrave frente
Por outro lado no contexto cristatildeo Apolocircnio de Tiana eacute uma figura muito
debatida Dentre as polecircmicas que o envolvem estaacute a comparaccedilatildeo dele com Jesus Cristo No
seacuteculo III Sosiano Hieacuterocles escreveu um tratado polecircmico contra Jesus no qual tentou usar a
imagem de θεῖος ἀνήρ representada por Apolocircnio como uma ferramenta contra o
cristianismo de seu tempo Embora esse tratado natildeo tenha sobrevivido eacute citado por Euseacutebio
de Cesareia que tentou veementemente proteger Jesus contra o ataque de Hieacuterocles em um
tratato intitulado Contra Hieacuterocles (SCHIRREN 2009 p 161- 162) De acordo com
Schirren (2009 p 162) o contraste que haacute entre essas duas figuras sob o ponto de vista
criacutetico-literaacuterio eacute que a vida de Jesus como narrada no Novo Testamento conta a histoacuteria do
filho de Deus sujeitando-se ao mal do mundo e superando o sofrimento humano sem
pronunciar uma palavra contra Pocircncio Pilatos que o condenou agrave morte Com isso Cristo se
torna o salvador do mundo Em contraste na VA Apolocircnio ergue-se contra os governantes
impiedosos do impeacuterio romano e mesmo depois de ter sido condenado agrave morte por sua
conduta ultrajante ainda tenta educar os tiranos para finalmente desaparecer quando lhe
parece apropriado15
Com isso a imagem de Apolocircnio de Tiana como descrita por Filoacutestrato teve
grande repercussatildeo nos primeiros seacuteculos do cristianismo E seacuteculos depois ainda
repercutia uma vez que inspirou o artista flamengo Johannes Stradanus (Bruges I523 -
Florenccedila 1605) a pintar uma seacuterie de pequenos quadros todos feitos agrave pena e tinta e
enumerados de um a dez De acordo com as legendas escritas na caligrafia do proacuteprio artista
os desenhos representam cenas da vida de Apolocircnio de Tiana e atualmente se encontram no
museu Cooper-Hewitt de Nova York (YSSELT 1994 p 351)
15
Outros autores que discutem esse tema satildeo Elsner (1997) Girard (1999) Koskenniemi (1998) Stratton (2003)
Jones (2006) e Silva (2014 segundo capiacutetulo)
19
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano16
Eacute muito difiacutecil definir ou atribuir uma identidade grega ou romana em meio a um
impeacuterio vasto e multicultural No seacuteculo V aC Heroacutedoto (Hist VIII 144) registra uma
oposiccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo (gregos) e os ldquooutrosrdquo (baacuterbaros) Isso natildeo deixa de ser um conceito ou
um criteacuterio de identificaccedilatildeo do que eacute ser grego (hellenikoacuten) ter o ldquomesmo sangue mesma
liacutengua santuaacuterios e sacrifiacutecios comuns haacutebitos e costumes semelhantesrdquo
Mas o tempo e o contexto de Filoacutestrato (seacuteculos II ndash III) jaacute natildeo eram mais iguais aos
do seacuteculo de Heroacutedoto Grego originaacuterio de Lemnos Filoacutestrato viveu durante o Impeacuterio
Romano em meio agrave heterogeneidade e agrave diversidade cultural Nessa eacutepoca a questatildeo da
identidade romana (ou identidades) incluiacutea o processo de romanizaccedilatildeo (da Itaacutelia e em seguida
do Impeacuterio) de um lado e a questatildeo da resistecircncia cultural a ela de outro De acordo com
Mendes (2004 p 258)
O conceito de Romanizaccedilatildeo em aplicaccedilatildeo pressupotildee um processo de mudanccedila
socioeconocircmica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos
implicando em diferentes formas de interaccedilatildeo cultural Nesta perspectiva fica
impliacutecito o reconhecimento de um contiacutenuo desenvolvimento da cultura material
nativa aberta a processos interativos diferentes em eacutepocas distintas e em resposta agraves
escolhas e demandas locais Por outro lado a Romanizaccedilatildeo tambeacutem eacute entendida
como um processo dialeacutetico na medida em que veicula os elementos culturais
fundamentais da identidade cultural romana e seu ajustamento com alteridades
culturais dos povos dominados
A assimilaccedilatildeo cultural das populaccedilotildees que foram integradas a Roma durante a
expansatildeo da Repuacuteblica e do Impeacuterio foi ldquoum processo de mudanccedila relacionado com as ideias
de controle social e identidaderdquo (MENDES 1999 p 307)
A proacutepria Roma por outro lado passou por um processo de helenizaccedilatildeo seacuteculos
antes Historiadores consideram que houve uma primeira helenizaccedilatildeo com a captura de
Tarento por Faacutebio Maacuteximo em 272 aC Posteriormente teria havido uma segunda
16
A palavra latina identitas eacute uma criaccedilatildeo tardia do seacuteculo IV usada especialmente por teoacutelogos cristatildeos para
definir a Trindade De fato no mundo romano eacute preciso primeiro ser capaz de identificar um indiviacuteduo atraveacutes
da atribuiccedilatildeo de um nome e de um status ligado ao grupo jaacute o termo latino persona refere-se primeiro agrave maacutescara
usada pelos atores antes de designar a pessoa gramatical ou entidade Mas ao contraacuterio do que aconteceu no
Impeacuterio Romano a noccedilatildeo de identidade na Greacutecia Antiga natildeo se deu devido ao uso recorrente de palavras e ao
que se constata ateacute hoje tambeacutem natildeo haacute textos em que a noccedilatildeo proacutepria de identidade apareccedila nem um termo
especiacutefico que tenha essa designaccedilatildeo (BAROIN WORMS 2006 p 1-2)
20
helenizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos desse mesmo seacuteculo com a tomada de Siracusa por Marco
Claacuteudio Marcelo em 212 aC (BAROIN WORMS 2006 p 8)
Como resultado desse processo os romanos receberam influecircncias gregas na
religiatildeo nas artes e nas relaccedilotildees sociais A exemplo disso citemos as praacuteticas e locais de oacutecio
(otium) que eram essencialmente caracterizados como gregos e que foram totalmente
inseridos na cultura romana como o banquete a filosofia e o teatro Com isso entendemos a
questatildeo da identidade como sendo um movimento constante e plural e a fusatildeo de costumes e
de praacuteticas natildeo se constroacutei somente em oposiccedilatildeo ao outro mas tambeacutem com o outro
(BAROIN WORMS 2006 p 8 - 9)
Nesse contexto de fusatildeo e de difusatildeo de identidades Filoacutestrato resgata e valoriza a
cultura grega claacutessica por meio de suas principais obras VS e VA Na Vida dos Sofistas o
tema eacute desenvolvido dentro da perspectiva dos papeacuteis desempenhados pelos sofistas na
Segunda Sofiacutestica (Δευτέρα σοφιστική) De acordo com Whitmarsh (2001 p 272) a
Segunda Sofiacutestica foi um acontecimento em que vaacuterios sofistas e escritores helenizados que
viviam no Impeacuterio Romano afirmaram sua identidade grega em torno de sua proacutepria cultura
atraveacutes da literatura e da retoacuterica estabelecendo um novo posicionamento cultural17
De
acordo com Abraham (2014 p 478) atribui-se a autoria do termo Segunda Sofiacutestica a
Filoacutestrato pois ele teria aparecido pela primeira vez em VS de acordo com os documentos
mais antigos que chegaram ateacute a atualidade
Jaacute na Vida de Apolocircnio de Tiana Filoacutestrato se utiliza do personagem Apolocircnio
para destacar aspectos da cultura grega claacutessica Se para Heroacutedoto era considerado grego
quem era nascido em terras gregas falava grego e compartilhava de haacutebitos e costumes
similares na VA satildeo outros os aspectos enfatizados Aqui percebemos que possuir a cultura
grega do periacuteodo claacutessico atraveacutes do domiacutenio da liacutengua da literatura e da filosofia tem um
valor maior do que ter nascido na Greacutecia
Nesse sentido a palavra baacuterbaro cuja etimologia remete a ldquoestrangeiro que fala
de forma balbuciante e natildeo se entende o que dizrdquo adquire outra dimensatildeo No periacuteodo das
Guerras Meacutedicas (seacuteculo V aC) ldquobaacuterbarordquo tinha o sentido de ldquonatildeo gregordquo criando entatildeo a
oposiccedilatildeo entre ἕλλην e βάρβαρος18
Assim a liacutengua era a maior marca de distinccedilatildeo de quem
era grego ou natildeo Whitmarsh (2001 p 272) afirma que na Atenas dos seacuteculos V - IV aC o
17
Atualmente eacute comum a ideia de que os filoacutesofos e os sofistas desempenhavam os mesmos papeacuteis durante o
ldquorenascimento cultural gregordquo ocorrido nos trecircs primeiros seacuteculos aC advinda com a Segunda Sofiacutestica O
estudo de Sidebottom 2009 p 69 ndash 99 eacute indicado para tratar sobre esse assunto 18
Chantraine 1968 p 164 ndash 165
21
dialeto aacutetico era usado pela elite intelectual em oposiccedilatildeo ao demoacutetico falado pelo povo
sendo essa uma das maiores distinccedilotildees sociais Mesmo natildeo sendo ateniense Apolocircnio na VA
fala habilmente o aacutetico ldquoSua liacutengua era o aacutetico e isso natildeo mudava por causa do seu sotaque
dada a sua regiatildeo de origemrdquo (ᾗ γράμματα μνήμης τε ἰσχὺν ἐδήλου καὶ μελέτης κράτος καὶ ἡ
γλῶττα Ἀττικῶς εἶχεν οὐδ᾽ ἀπήχθη τὴν φωνὴν ὑπὸ τοῦ ἔθνους VA I 7)
Quando Apolocircnio conheceu seu companheiro de viagens e futuro disciacutepulo
Dacircmis este se dispocircs a guiaacute-lo e a ser seu tradutor Todavia como resposta Apolocircnio diz que
entendia todas as liacutenguas mesmo sem ter aprendido nenhuma pois entendia o silecircncio (VA I
19) A dispensa de um tradutor soacute se torna eficaz para Apolocircnio pelo fato de que em seus
encontros com outros povos algueacutem sempre falava grego (REGER 2007 p 262) Dada a
improbabilidade de esses fatos terem ocorrido dessas coincidecircncias interpretamos que o
monolinguismo dos encontros eacute uma das estrateacutegias que Filoacutestrato encontrou para valorizar a
liacutengua grega no contexto da Segunda Sofistica
Aleacutem disso outros aspectos da cultura grega claacutessica satildeo retomados quando Apolocircnio
demonstra ter domiacutenio da literatura da filosofia e da mitologia Satildeo citados os poemas
homeacutericos Iliacuteada e Odisseia (VA II 14 III 27 V 7 14 22 26 36 VIII 4 5 7 16 11 13)
Hesiacuteodo (VA V 21) Esopo (VA V 14) Arquiacuteloco (VA II 7) Eacutesquilo (VA VI 11) Soacutefocles
(VA IV 38 VI 4) Euriacutepides (VA II 14 32 IV 21 VII 5 14) Piacutendaro (VA VI 26)
Tuciacutedides (VA VII 25) Soacutecrates (VA VI 10 19 VIII 2) e Platatildeo (VA IV 36 VII 3)
Sendo integrante de uma elite cabia a Filoacutestrato resgatar sinais e traccedilos de uma
antiga identidade grega e tentar recompocirc-la e reativaacute-la construindo um modelo exemplar do
que eacute ser grego com a figura de Apolocircnio
As elites gregas podem ou melhor devem ir a fundo em sua cultura ndash eacute por ela
graccedilas a ela que podem reivindicar seu lugar e legitimar seu direito nesse impeacuterio
greco-romano cuja sorte foi decidida na Batalha de Aacutecio Tal eacute o sentido desse
movimento literaacuterio e poliacutetico dessa estrateacutegia cultural chamada Segunda Sofiacutestica
A Vida de Apolocircnio eacute parte do empreendimento de reconquista e de re-apropriaccedilatildeo
ativa do passado grego participando de sua recriaccedilatildeo ndash do processo em atividade
em toda sociedade viva de fabricaccedilatildeo ou de invenccedilatildeo da tradiccedilatildeordquo (HARTOG
2004 p 21 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Essa re-apropriaccedilatildeo e recriaccedilatildeo se torna muito mais aparente quando Filoacutestrato
descreve a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Laacute ele se comunica com os indianos em grego e se
admira com o conhecimento que eles tecircm dessa liacutengua (VA III 12) Na sua primeira estada
22
Apolocircnio eacute acolhido pelo rei Fraotes de Taxila Em um primeiro momento os dois se
comunicam com o intermeacutedio de um inteacuterprete ateacute o rei lhe confessar que tambeacutem falava
grego
lsquoἔδεισαrsquo ἔφη lsquoθρασὺς δόξαι μὴ γιγνώσκων ἐμαυτόν μηδ᾽ ὅτι βάρβαρον εἶναί με
δοκεῖ τῇ τύχῃ σοῦ δὲ ἡττηθείς ἐπειδὴ καὶ σὲ ὁρῶ ἐμοὶ χαίροντα οὐκ ἠδυνήθην
ἐμαυτὸν κρύπτειν ὡς δὲ μεστός εἰμι τῆς Ἑλλήνων φωνῆς ἐν πολλοῖς δηλώσωrsquo
(VA II 27)
Eu receava vocecirc achar que eu fosse arrogante quando ainda natildeo me conhecia a mim
mesmo e pensar que eu fosse um baacuterbaro natildeo por decisatildeo da sorte Mas apoacutes ter te
cativado porque vejo que me estimas natildeo posso me esconder assim te convencerei
de vaacuterias formas que sou bem profeciente na liacutengua grega
Ademais o rei hindu tambeacutem evidencia que a filosofia grega eacute altamente estimada em
seu paiacutes (VA II 30) e menciona ter lido uma peccedila denominada ldquoOs filhos de Heacuteraclesrdquo
passando a impressatildeo de que leituras desse gecircnero eram comuns para ele (VA II 32) Fraotes
tambeacutem interage com a cultura grega atraveacutes da praacutetica de esportes
τὰ δὲ ἐφ᾽ ἑκάτερα δρόμοι ἦσαν ἐν οἷς ἀκοντίῳ τε καὶ δίσκῳ τὸν Ἑλληνικὸν τρόπον
ἑαυτὸν ἐξήσκει καὶ γὰρ τὸ σῶμα ἔρρωτο ὑπό τε ἡλικίας mdash ἑπτὰ γὰρ καὶ εἴκοσιν ἔτη
γεγονὼς ἦν mdash ὑπό τε τοῦ ὧδε γυμνάζεσθαι ἐπεὶ δὲ ἱκανῶς ἔχοι ἐπήδα ἐς τὸ ὕδωρ
καὶ ἐγύμναζεν ἑαυτὸν τῷ νεῖν ὡς δὲ ἐλούσαντο ἐβάδιζον ἐς τὸ συσσίτιον
ἐστεφανωμένοι τουτὶ δὲ νενόμισται Ἰνδοῖς ἐπειδὰν ἐς τοῦ βασιλέως πίνωσιν (VA
II 27)
havia em ambos lados pistas de corrida nas quais agrave maneira grega se exercitava em
dardo de arremesso e disco pois tinha o corpo forte pela idade ndashele tinha vinte e sete
anos ndash e por praticar ginaacutestica assim Depois de se exercitar o suficiente ele saltava
na aacutegua e treina por conta proacutepria nataccedilatildeo
Ao final da estadia de Apolocircnio junto a Fraotes e antes de ele partir a caminho de
Paraca cidade dos bracircmanes o rei escreve uma carta de recomendaccedilatildeo em grego a Iarcas o
homem mais antigo e saacutebio entre os bracircmanes hindus Chegando laacute Apolocircnio se surpreende
ao ser recebido por um mensageiro que tambeacutem falava a liacutengua grega (VA III 12) Aleacutem
disso depois de ler a carta de Fraotes Iarcas faz uma breve correccedilatildeo demonstrando grande
domiacutenio da liacutengua grega
23
τὸν δὲ Ἀπολλώνιον ἰδὼν φωνῇ τε ἠσπάσατο Ἑλλάδι καὶ τὰ τοῦ Ἰνδοῦ γράμματα
ἀπῄτει θαυμάσαντος δὲ τοῦ Ἀπολλωνίου τὴν πρόγνωσιν καὶ γράμμα γε ἓν ἔφη
λείπειν τῇ ἐπιστολῇ δέλτα εἰπών παρῆλθε γὰρ αὐτὸν γράφοντα (VA III 16)
Ao vecirc-lo Apolocircnio o saudou em liacutengua grega e lhe pediu a carta do hindu Apolocircnio
se surpreendeu com sua clarividecircncia e Iarcas reparou que faltava uma letra na carta
um delta seguramente que a quem escreveu tinha passado desapercebido
Em outro episoacutedio Dacircmis companheiro de viagem de Apolocircnio tambeacutem se
admira com o conhecimento do bracircmane com relaccedilatildeo ao grego
ταῦτα τοῦ Ἰνδοῦ διελθόντος ἐκπεσεῖν ὁ Δάμις ἑαυτοῦ φησιν ὑπ᾽ ἐκπλήξεως καὶ
ἀναβοῆσαι μέγα μὴ γὰρ ἄν ποτε νομίσαι ἄνδρα Ἰνδὸν ἐς τοῦτο ἐλάσαι γλώττης
Ἑλλάδος μηδ᾽ ἄν εἴπερ τὴν γλῶτταν ἠπίστατο τοσῇδε εὐροίᾳ καὶ ὥρᾳ διελθεῖν
ταῦτα (VA III 36)
Enquanto o indiano discorria sobre estas coisas Damis afirma que ficou espantado e
que ele falou com fluecircncia Ele jamais havia pensado que um indiano poderia
dominar assim a liacutengua grega aliaacutes nem pensava que um indiano conhecesse a
liacutengua grega tamanha foi a fluecircncia e a conveniecircncia com que ele discorreu
Aleacutem do conhecimento linguiacutestico alguns dos costumes e dos rituais dos saacutebios
hindus tambeacutem estatildeo ligados agrave cultura grega i) o momento em que os saacutebios cantam uma
canccedilatildeo que se assemelha ao peatilde de Soacutefocles cantado em Atenas em honra a Ascleacutepio (VA III
17) ii) quando citam Homero (VA III 20 22 27) iii) discutem sobre justiccedila (VA III 24)
sobre a moral grega (VA III 25) sobre mitos gregos (VA III 25) filosofia (VA III 28) e
cosmogonia (VA III 34) Esses aspectos seratildeo analisados no terceiro capiacutetulo desse trabalho
14 Por que a Iacutendia
Geograficamente na Antiguidade Claacutessica reconhecia-se como Iacutendia a regiatildeo que se
estendia do rio Indo ateacute a costa ocidental da Peniacutensula Iacutendica Os principais acessos entre essa
regiatildeo e o Mediterracircneo eram feitas sobretudo atraveacutes do Mar Araacutebico do Golfo Peacutersico e
do Mar Vermelho ou ainda pelo planalto indiano Peacutersia e Mesopotacircmia Fora isso a
Bactriana e o Punjab (atuais Afeganistatildeo e Paquistatildeo) tambeacutem eram consideradas como de
domiacutenio hindu (RODRIGUES 2016 p 168)
24
Todo esse territoacuterio eacute um dos que mais se destaca na literatura grega antiga como um
produtor de maravilhas O verbete θαυμάσιος significa maravilhoso admiraacutevel e espantoso19
Haacute tambeacutem de mesma raiacutez o verbo θαυμάζω cujo sentido eacute o de surpreender-se ver com
espanto ou admiraccedilatildeo admirar venerar20
e o substantivo θαῦμα maravilha respectivamente
Esses termos satildeo comumente utilizados pelos escritores gregos para descrever a Iacutendia e seu
povo
Como exemplo mais antigo temos Ciacutelax de Carianda (seacutec VI aC) marinheiro e
explorador grego Participou entre 519 e 512 aC da expediccedilatildeo do rei persa Dario I para
explorar o curso do rio Indo Apoacutes ter alcanccedilado o mar ele natildeo apenas navegou pelo oceano
Iacutendico mas foi ateacute o mar Vermelho explorando algumas regiotildees da Araacutebia tendo concluiacutedo
essa viagem em trinta meses (HEROacuteDOTO Hist IV 44) Com isso Ciacutelax teria contribuiacutedo
para a Iacutendia ser vista como uma regiatildeo repleta de maravilhas e socialmente perfeita cuja
populaccedilatildeo detinha grande sabedoria (ESPELOSIacuteN LARGACHA GIRVEacuteS 1994 p 198)
Heroacutedoto tambeacutem descreveu sobre a Iacutendia e seu povo em suas Histoacuterias Nessa obra
tudo o que eacute relacionado aos hindus e ao seu paiacutes eacute tido como estranho e maravilhoso A
exemplo disso o autor nos informa que os indianos tecircm relaccedilotildees sexuais em puacuteblico como
animais (Hist III 101) e que alguns deles os padeus se alimentam de carne humana
matam os enfermos sacrificam e comem os idosos (Hist III 99) Outros natildeo tecircm casa e se
alimentam soacute de ervas (Hist III 100) Nesse sentido Morais (2004 p 54 e 76) comenta que
a descriccedilatildeo dos comportamentos hindus feita por Heroacutedoto se assemelha mais agrave dos
selvagens e que dessa forma eles natildeo transmitiriam sabedoria aos demais povos sendo seus
costumes estranhos e opostos aos da civilizaccedilatildeo mostrando uma visatildeo completamente
diferente da exposta por Cilax
Cteacutesias de Cnido (seacutec V-IV aC) tambeacutem escreveu sobre a Iacutendia e seu povo
Diferentemente dos outros autores Cteacutesias compocircs um livro dedicado inteiramente a esse
tema no qual descreve a geografia e a etnografia hindus os Ἰνδικά (Sobre a Iacutendia) A partir
dos fragmentos remanescentes descobrimos por um lado uma Iacutendia povoada apenas por
seres hiacutebridos e monstros selvagens como a μαρτιχόρα (manticora) (fr VII) e o paacutessaro
δίκαιρον (dikairon) (fr XVII) Por outro lado sua populaccedilatildeo se restringe a seres humanoides
com costumes distintos e estranhos como os κυνοκέφαλοι (cinoceacutefalos) (fr XX) e os
πυγμαῖοι (pigmeus) (fr XI)
19
Bailly 2000 p 918 20
Bailly 2000 p 918
25
Ateacute mesmo as dimensotildees e as quantidades tornam a natureza e a geografia
extraordinaacuterias o rio Indo mede 40 estaacutedios21
de largura e 200 de extensatildeo (fr I) existe uma
fonte na qual ao inveacutes de fluir aacutegua jorra ouro liacutequido (fr IV) Eacute diverso tambeacutem por suas
cores como as da ave βυττάκου (bittakos) cuja face eacute cor de puacuterpura a barba escura e a sua
nuca eacute escura tal qual cinaacutebrio (fr III) Romm (1989 p 121 - 135 apud SANO 2008 p 68)
considera que foi Cteacutesias o fundador de uma tradiccedilatildeo literaacuteria que descreve as ldquomaravilhas da
Iacutendiardquo e que alguns dos acontecimentos narrados por ele encontrariam antecedentes no
folclore indiano
Nesse periacuteodo houve tambeacutem um desenvolvimento da prosa escrita tanto do romance
quanto da historiografia Assim gecircneros literaacuterios como a paradoxografia a faacutebula e o
proacuteprio romance seguiram diferentes abordagens da realidade O caso da Iacutendia eacute indicativo de
novos desenvolvimentos suas caracteriacutesticas distintivas podem ser atribuiacutedas a um periacuteodo
anterior da cultura grega mas eacute no proacuteprio periacuteodo heleniacutestico que eles se juntam com uma
nova intensidade (PARKER 2008 p 47) Com isso maravilhas e monstros caracterizaram as
narrativas sobre esse paiacutes Aleacutem disso uma outra peculiaridade da Iacutendia era o fato dela ser
descrita como a fronteira do mundo A proacutepria obra de Cteacutesias informava que natildeo havia
populaccedilatildeo aleacutem do rio Indo22
Seguindo essa loacutegica Alexandre o Grande preparou uma expediccedilatildeo com o intuito de
conquistar as terras indianas acreditando ser a Iacutendia o limite do mundo Essa campanha teve
por outro lado um grande efeito no que diz respeito ao acesso de informaccedilotildees que os gregos
tinham ateacute entatildeo sobre a Iacutendia (PARKER 2008 p 59)
Seacuteculos mais tarde Luciano de Samoacutesata (125-180 dC) em suas Narrativas
Verdadeiras menciona Cteacutesias chamando-o de mentiroso23
por conta de suas obras Isso natildeo
soacute sintetizou a maacute reputaccedilatildeo de Cteacutesias como tambeacutem retomou o debate acerca de narrativas
sobre fatos verdadeiros e ficcionais (PARKER 2008 p 47) Assim a Iacutendia continuou a ser
um dos temas principais no contexto do discurso do maravilhoso
Outros escritores que escreveram sobre a Iacutendia foram Megaacutestenes (seacuteculo IV aC) em
sua obra Iacutendica Estrabatildeo (seacuteculo I aC) em Geografia Claacuteudio Eliano (seacuteculo I) em Sobre a
natureza dos animais Xenofonte de Eacutefeso (seacuteculo II ndash I) em Efesiacuteacas Arriano de
21
Medida de percurso equivalente a 17760 m 22
ldquoQue homens natildeo habitam aleacutem de laacuterdquo Texto grego Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους (Indikaacute
frag I) 23
ldquoCteacutesias de Cnido o filho de Ctesioco escreveu acerca do paiacutes dos indianos e do que existe laacute coisas que ele
proacuteprio natildeo viu nem ouviu de algueacutem que dizia a verdaderdquo Traduccedilatildeo de Sano 2008 p6 Texto
grego Κτησίας ὁ Κτησιόχου ὁ Κνίδιος ὃς συνέγραψεν περὶ τῆς Ἰνδῶν χώρας καὶτῶν παρ᾽ αὐτοῖς ἃ μήτε αὐτὸς ε
ἶδεν μήτε ἄλλου ἀληθεύοντος ἤκουσεν (Narrativas Verdadeiras I 3)
26
Nicomeacutedia (seacuteculo II) em sua Anaacutebase de Alexandre e Nono de Panoacutepolis (seacuteculo V) em
sua Dionisiacuteacas
Em siacutentese a Vida de Apolocircnio de Tiana se mostra inovadora ao abordar a temaacutetica do
maravilhoso juntamente com o resgate dos valores culturais claacutessicos Aleacutem de encontrarmos
vestiacutegios dessa tradiccedilatildeo repleta de maravilhas e caracteriacutesticas peculiares acompanhamos
Apolocircnio em uma jornada em busca da sabedoria
27
CAPIacuteTULO II
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA
A partir das fontes brevemente analisadas no primeiro capiacutetulo vimos que a Iacutendia eacute
um lugar de destaque nas narrativas gregas antigas devido ao seu exotismo e sua diversidade
natural Na VA curiosamente o caminho feito por Apolocircnio eacute marcado natildeo apenas por esse
exotismo mas principalmente pelos vestiacutegios encontrados de um passado grego Apolocircnio se
depara com rastros de Dioniso do macedocircnio Alexandre e faz alusotildees a escritores gregos
antigos como Heroacutedoto e Cteacutesias de Cnido Assim seraacute com base nessas referecircncias bem
como o mundo natural hindu narrado que mostraremos uma Iacutendia descrita sob a oacutetica de
Filoacutestrato
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia
Algumas das remissotildees que comentaacutevamos haacute pouco se datildeo na chegada de Apolocircnio e
de seus companheiros agrave Iacutendia Seguindo o relato de Filoacutestrato para adentrarem a regiatildeo rumo
agrave cidade dos bracircmanes Paraca os viajantes precisariam passar por uma montanha Nisa Ao
se aproximarem desta o guia de viagem os informou de que Dioniso ldquoagiardquo sobre ela e por
isso Apolocircnio supocircs que laacute aconteciam coisas maravilhosas (θαυμαστὰ) (VA II 7) Ao
subirem se depararam com um templo abandonado do deus
ἀνελθόντες οὖν ἱερῷ Διονύσου ἐντυχεῖν φασιν ὃ δὴ Διόνυσον ἑαυτῷ φυτεῦσαι
δάφναις περιεστηκυίαις κύκλῳ τοσοῦτον περιεχούσαις τῆς γῆς ὅσον ἀπόχρη νεῷ
ξυμμέτρῳ κιττόν τε περιβαλεῖν αὐτὸν καὶ ἀμπέλους ταῖς δάφναις ἄγαλμά τε ἑαυτοῦ
ἔνδον στήσασθαι γιγνώσκοντα ὡς ξυμφύσει τὰ δένδρα ὁ χρόνος καὶ δώσει τινὰ ἀπ᾽
αὐτῶν ὄροφον ὃς οὕτω ξυμβέβληται νῦν ὡς μήτε ὕεσθαι τὸ ἱερὸν μήτ᾽ ἀνέμῳ
ἐσπνεῖσθαι δρέπανα δὲ καὶ ἄρριχοι καὶ ληνοὶ καὶ τὰ ἀμφὶ ληνοὺς ἀνάκειται τῷ
Διονύσῳ χρυσᾶ καὶ ἀργυρᾶ καθάπερ τρυγῶντι τὸ δὲ ἄγαλμα εἴκασται μὲν ἐφήβῳ
Ἰνδῷ λίθου δὲ ἔξεσται λευκοῦ ὀργιάζοντος δὲ αὐτοῦ καὶ σείοντος τὴν Νῦσαν
ἀκούουσιν αἱ πόλεις αἱ ὑπὸ τῷ ὄρει καὶ ξυνεξαίρονται (VA II 8)
28
Tendo eles subido [a montanha] dizem que se depararam com um templo de
Dioniso o qual foi plantado pelo proacuteprio Dioniso que plantou loureiros rodeando
em ciacuterculo tatildeo grande que envolve a terra quanto bastava a um templo simeacutetrico E
ele tambeacutem colocou ao redor dos loureiros hera e videira ergueu uma estaacutetua para si
mesmo sabendo que no tempo em que as aacutervores crescessem juntas elas mesmas
umas sobre as outras dariam um teto com o qual assim se deparam agora entatildeo a
chuva natildeo o molha nem o vento sopra sobre o templo E havia foices cestas e vasos
e ao redor havia vasos consagrados a Dioniso como se fossem para um colhedor de
uvas dourados e prateados E a estaacutetua se assemelha a um jovem indiano e era de
pedra branca E ele celebrando e fazendo tremer o Nisa as cidades abaixo da
montanha ouvem e se afervoram
Logo em seguida o autor resume uma discussatildeo entre indianos e gregos a respeito de
Dioniso Por um lado os gregos diziam que Dioniso teria feito uma expediccedilatildeo agrave Iacutendia tanto
como soldado quanto como farrista Esses argumentos seriam embasados em uma oferenda
existente em Delfos onde dentre os tesouros preservados havia um disco de prata indiana
com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoDioniso o [filho] de Secircmele e de Zeus dos hindus a Apolo de
Delfosrdquo (ΔΙΟΝΥΣΟΣ Ο ΣΕΜΕΛΗΣ ΚΑΙ ΔΙΟΣ ΑΠΟ ΙΝΔΩΝ ΑΠΟΛΛΩΝΙ ΔΕΛΦΩΙ VA
II 9) Essa pode ser uma alusatildeo agrave Biblioteca Histoacuterica de Diodoro Siacuteculo (90 - 30 aC) na
qual o autor narra a expediccedilatildeo beacutelica e festejadora de Dioniso agrave Iacutendia e o apresenta como
divindade civilizadora que ao chegar a um povo nocircmade confere-lhes os atributos de sua
proacutepria cultura (PARKER 2008 p 47)24
Os indianos por outro lado apontavam duas diferentes origens para Dioniso Os que
habitavam a regiatildeo do Caacuteucaso e ao longo do rio Coacutefen afirmavam que Dioniso fora um
visitante assiacuterio conhecedor do deus tebano e de seus feitos Jaacute os que habitavam entre o rio
Indo Hidraotes e a regiatildeo continental ateacute o rio Ganges declaravam que o verdadeiro Dioniso
era filho do proacuteprio rio Indo Por sua vez o Dioniso de Tebas tornara-se seu disciacutepulo e
tomando o seu tirso passara a utilizaacute-lo em suas orgias Esse Dioniso de Tebas afirmava ser
filho de Zeus e ter sido criado na coxa de seu pai ateacute nascer Zeus entatildeo encontrou uma
montanha chamada Μηρόν (ldquocoxardquo) fronteira com o monte Nisa e nela plantou videiras em
homenagem a seu filho (VA II 9)
24
Em Biblioteca Histoacuterica Diodoro Siacuteculo apresenta tambeacutem Heacuteracles como divindade civilizadora na Iacutendia
poreacutem na VA Heraacutecles tem origem egiacutepcia e natildeo grega (VA II 3)
29
Segundo Grimal (2005 p 122) apoacutes ter nascido da coxa de Zeus e ser levado para
longe da Greacutecia para Nisa seu pai o transformou em cabrito para que Hera raivosa natildeo o
reconhecesse Quando se tornou adulto descobriu a videira e o seu uso Sofreu ainda alguns
impasses com Hera ateacute que em um dado momento Dioniso se dirigiu agrave Iacutendia regiatildeo que
conquistou numa expediccedilatildeo semiguerreira semidivina subjulgando seu povo pela forccedila das
armas pois ele levava consigo um exerciacutecito A partir de entatildeo originou-se o cortejo triunfal
de que se fazia acompanhar o carro puxado por panteras e ornamentado com parras os
Silenos as Bacantes os Saacutetiros e outras divindades menores
Assim como Dioniso eacute tido como uma divindade marginal e exilada nas histoacuterias
claacutessicas a Iacutendia por sua vez tambeacutem representava a margem do mundo uma terra
desconhecida e diversa Na VA a interaccedilatildeo dos hindus com essa divindade aparece de forma
tatildeo difundida que ele eacute chamado de Niacutesio (Νύσιος) pelos indianos e por todos os outros povos
aleacutem da Nisa (VA II 2)
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites
Como discutido anteriormente os gregos jaacute tinham algumas informaccedilotildees a respeito da
Iacutendia no seacuteculo IV aC Poreacutem esta visatildeo foi bastante ampliada e modificada apoacutes Alexandre
suceder seu pai Filipe II da Macedocircnia e realizar uma campanha de conquista da regiatildeo entre
327 e 325 aC Com isso ele expandiu os limites orientais do mundo grego avanccedilando para
aleacutem da fronteira da Iacutendia ateacute a bacia do rio Ganges (COURCELLES 2014 p 324)
Ao tentar reconstruir a expediccedilatildeo de Alexandre agrave Iacutendia o maior problema que os
historiadores tecircm enfrentado eacute o da escassez de fontes As dificuldades se datildeo pelo fato de que
os primeiros registros existentes que chegaram ateacute noacutes satildeo de cerca de trecircs seacuteculos depois de
sua ocorrecircncia provavelmente reflexos dos relatos perdidos de Caliacutestenes (360-328 aC)
Onesiacutecrito (360-290 aC) Aristoacutebulo (375-301 aC) e de Nearco Ainda assim existem
seacuterias duacutevidas sobre o caraacuteter dessas fontes e em que medida elas poderiam ser reconstruiacutedas
(PARKER 2008 p 34)
Natildeo obstante quatrocentos anos depois Apolocircnio ainda encontra vestiacutegios da
passagem de Alexandre pela Iacutendia Haacute resquiacutecios do contato que Alexandre teve com o rei
hindu Poro e do embate travado entre os dois conhecido como a Batalha de Hidaspes Na
30
regiatildeo de Taxila fortificada agrave maneira grega existia um templo de aproximadamente cem
peacutes de altura no qual estavam gravadas as faccedilanhas de ambos os reis (VA II 20) Segundo
Filoacutestrato essas gravuras registravam o momento em que Poro ferido era restabelecido como
saacutetrapa apoacutes a vitoacuteria de Alexandre Ainda segundo o autor Poro ao saber da morte do rei
macedocircnio havia lhe dedicado essas gravuras e passado a se portar de forma moderada
guiando suas accedilotildees pelo desejo de agradar a Alexandre (VA II 20)
Partindo de Taxila Apolocircnio se deparou com uma estaacutetua de Alexandre em uma biga
de quatro mastros representando ao que Filostrato sugere o momento em que ele confrontou
os saacutetrapas de Dario Um pouco mais adiante encontrou dois portotildees um deles com a estaacutetua
do rei Poro e o outro com uma estaacutetua de Alexandre reproduzindo o momento em que os
dois se saudaram apoacutes a batalha de Hidaspes (VA II 42)
Apoacutes atravessarem o rio Hidraotes e alcanccedilarem o Hifaacutesis Apolocircnio e seus
companheiros de viagem encontraram tambeacutem altares dedicados a Alexandre (VA II 43)
Neles havia uma coluna de metal na qual estava inscrito ldquoAlexandre avanccedilou ateacute aquirdquo
(ΑΛΕΞΑΝΔΡΟΣ ΕΝΤΑΥΘΑ ΕΣΤΗ) ldquopara honrar o limite do seu Impeacuteriordquo (τὸ τῆς ἑαυτοῦ
ἀρχῆς τέρμα τιμῶντος) Poreacutem adiante desse marco para aleacutem do Hifaacutesis Filoacutestrato afirma
que os hindus ergueram uma outra coluna esta para marcar o orgulho dos indianos por
Alexandre natildeo ter avanccedilado mais em seu territoacuterio (VA II 43) Do mesmo modo quando
Apolocircnio estava em contato com os bracircmanes hindus haacute a menccedilatildeo de que aquele local nunca
fora visitado por Alexandre (VA II 33)
A nosso ver neste ponto Filoacutestrato sobrepotildee Apolocircnio a Alexandre Se por um lado
Alexandre tinha sido o uacutenico ocidental a alcanccedilar aquelas fronteiras por outro Apolocircnio as
ultrapassa e adentra ainda mais nas terras hindus Assim na VA Alexandre eacute lembrado pela
sua grandeza e por seus feitos passados mas tambeacutem por suas limitaccedilotildees Nesse sentido
Abraham (2014 p 467) argumenta que Filoacutestrato sobrepotildee a campanha do conquistador agrave
jornada do filoacutesofo e ao fazer contiacutenuas menccedilotildees aos memoriais de Alexandre transforma a
expediccedilatildeo de Apolocircnio em uma reconstituiccedilatildeo da expediccedilatildeo de Alexandre
31
23 O maravilhoso em VA
O relato etnograacutefico do viajante que narra as maravilhas encontradas em suas
aventuras entre os confins do mundo e as fronteiras do conhecidodesconhecido eacute um
toacutepos do discurso geograacutefico Com raiacutezes em Homero esse tipo de narrativa foi se
consolidando cada vez mais e a partir da autoacutepsia de Heroacutedoto ou seja o processo de ver
com os proacuteprios olhos o viajante passou a discursar com mais autoridade pois fala de
algo que vira com os proacuteprios olhos e que supostamente nenhum outro grego tinha visto25
Nos poemas homeacutericos e hesioacutedicos o θαυμάσιος o maravilho eacute qualificado e
dimensionado com o uso de adjetivos
Para qualificar o thocircma26
Homero e Hesiacuteodo utilizam o adjetivo ldquogranderdquo (meacutegas)
mas essa grandeza de thocircma natildeo se mede associado a meacutegas encontramos com
efeito deinoacutes terriacutevel formidaacutevel O ldquomilagrerdquo eacute pois grande ou terriacutevel ndash e grande
porque terriacutevel (HARTOG 2014 p 265 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Exemplos do uso desses adjetivos empregados com essa denotaccedilatildeo estatildeo nos trechos
abaixo na Odisseia como atributo da voz de Zeus na Iliacuteada com relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da
peleja do combate e na Teogonia como caracteriacutestica de um monstro
Ἠὼς δ᾽ ἐκ λεχέων παρ᾽ ἀγαυοῦ Τιθωνοῖο
ὤρνυθ᾽ ἵν᾽ ἀθανάτοισι φόως φέροι ἠδὲ βροτοῖσιν
οἱ δὲ θεοὶ θῶκόνδε καθίζανον ἐν δ᾽ ἄρα τοῖσι
Ζεὺς ὑψιβρεμέτης οὗ τε κράτος ἐστὶ μέγιστον
Alccedila-se a Aurora do leito onde estava o preclaro Titono
para que a luz aos eternos levasse e aos mortais transitoacuterios
quando nos tronos os deuses se foram sentar tendo ao meio
Zeus cuja voz eacute atroante de forccedila e poder muito grandes
(Od V 1-4 traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes)
25
Morais (2008 p 17) examina a relaccedilatildeo entre ver e maravilhar-se em Heroacutedoto jaacute Parker (2008 p 119)
discorre sobre a autoacutepsia como ferramenta de autoridade em um discurso 26
A palavra θαῦμα aparece em Heroacutedoto como θῶμα (CHANTRAINE 1968 p 424)
32
lsquoαἰδὼς Ἀργεῖοι κοῦροι νέοι ὔμμιν ἔγωγε
μαρναμένοισι πέποιθα σαωσέμεναι νέας ἁμάς
εἰ δ᾽ ὑμεῖς πολέμοιο μεθήσετε λευγαλέοιο
νῦν δὴ εἴδεται ἦμαρ ὑπὸ Τρώεσσι δαμῆναι
ὢ πόποι ἦ μέγα θαῦμα τόδ᾽ ὀφθαλμοῖσιν ὁρῶμαι
δεινόν ὃ οὔ ποτ᾽ ἔγωγε τελευτήσεσθαι ἔφασκον
ldquoVergonha Argivos jovens mancebos Na vossa peleja
confiava eu para que se salvassem as nossas naus
Mas se voacutes desistis da guerra angustiosa agora
chega o dia de sermos subjugados pelos Troianos
Oacute amigos grande eacute a maravilha que meus olhos contemplam
coisa terriacutevel que nunca pensei poder vir a cumprir-serdquo
(Il XIII 95-100 traduccedilatildeo de Frederico Lourenccedilo)
ἣ δὲ Χίμαιραν ἔτικτε πνέουσαν ἀμαιμάκετον πῦρ
δεινήν τε μεγάλην τε ποδώκεά τε κρατερήν τε
τῆς δ᾽ ἦν τρεῖς κεφαλαί μία μὲν χαροποῖο λέοντος
ἣ δὲ χιμαίρης ἣ δ᾽ ὄφιος κρατεροῖο δράκοντος
πρόσθε λέων ὄπιθεν δὲ δράκων μέσση δὲ χίμαιρα
δεινὸν ἀποπνείουσα πυρὸς μένος αἰθομένοιο
Ela [a Viacutebora] pariu a Cabra que sopra irrepeliacutevel fogo
a terriacutevel e grande e de peacutes ligeiros e cruel
tinha trecircs cabeccedilas uma de leatildeo de olhos ruacutetilos
outra de cabra outra de viacutebora cruel serpente
Na frente leatildeo atraacutes serpente no meio cabra
expirando o terriacutevel furor do fogo aceso
(Teog 319-324 traduccedilatildeo de Jaa Torrano)
Posteriormente outros recursos passaram a ser incorporados a essa forma de narrativa
e operaccedilotildees como avaliar medir e contar se tornaram necessaacuterias para traduzir o
θαυμάσιος do mundo narrado Aleacutem disso a quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da
narrativa quanto mais θαυμάσιος houver maior seraacute o prolongamento da histoacuteria Com
isso o narrador eacute quem confere ao leitor as medidas do que se conta em um processo no
qual haacute um efeito de realidade causado pelo narrador em que o viajante ldquofaz crerrdquo no que
estaacute sendo contado sobre o outro Desse modo o θῶμα eacute um toacutepos do discurso etnograacutefico
(HARTOG 2014 p 261 ndash 263)
33
A VA tambeacutem nos eacute apresentada sob essa perspectiva uma narrativa repleta de
θαύματα de diversos tipos com uma grande variedade de animais exoacuteticos lugares de
geografia inusitada objetos e obras de arte magniacuteficas e povos com costumes e culturas
inimaginaacuteveis Aleacutem dessas caracteriacutesticas tanto as viagens quanto os milagres de
Apolocircnio tambeacutem satildeo exemplos de θαύματα (ELSNER 1997 p 25)
Como mencionado no primeiro capiacutetulo diversas caracteriacutesticas a respeito da Iacutendia jaacute
estavam presentes tanto em Heroacutedoto quanto em Cteacutesias A influecircncia desses dois autores
eacute bem evidente no terceiro livro da VA onde muitas dessas maravilhas satildeo desmitificadas
ou confirmadas por Apolocircnio que as potildee em xeque em um diaacutelogo com o saacutebio Iarcas
Aleacutem do que era exoacutetico e visualmente impactante seacuteculos mais tarde outro aspecto
do maravilhoso da Iacutendia se tornou um toacutepos literaacuterio a sabedoria dos bracircmanes e dos
gminosofistas27
das histoacuterias de Alexandre e da tradiccedilatildeo do Romance de Alexandre Se
por um lado os bracircmanes natildeo foram tratados nas narrativas de Cteacutesias e de Heroacutedoto a
partir desse momento eles se tornariam uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana (PARKER 2008 p 143 e 251) Na VA eles ocupam um papel central pois
chegar ateacute eles era o objetivo principal de Apolocircnio (VA I 18 32 II 11 III 16 29 IV
47) e esse contato com eles tambeacutem eacute parte do conteuacutedo maravilhoso da obra
231 As maravilhas da Iacutendia
Animais monstros seres hiacutebridos dimensotildees cores lugares construccedilotildees exuberantes
pedras e riquezas compotildeem a Iacutendia como um paiacutes exoacutetico diverso selvagem e
maravilhoso na indografia greco-romana Se Hartog (2014 p 261-263) afirma que a
quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da narrativa podemos afirmar que a Iacutendia
descrita por Filoacutestrato eacute extensa rica e profunda em suas peculiaridades Abaixo estatildeo
traduzidas passagens que remetem ao conteuacutedo maravilhoso dessa obra listadas e
divididas em grupos Os grupos arrolados satildeo i) lugares onde estatildeo descritas montanhas
planiacutecies e cidades ii) hidrografia com os nomes dimensotildees e particularidades dos rios
mencionados no texto iii) o clima da Iacutendia iv) animais onde satildeo detalhadas suas
27
Agraves vezes os dois termos satildeo usados de forma intercambiaacutevel agraves vezes eles se referem a diferentes grupos Em
alguns casos o termo eacute usado para se referir a sacerdotes egiacutepcios como em Filoacutestrato (PARKER 2008 p 255)
34
particularidades e as estoacuterias associadas a eles v) seres exoacuteticos compostos por
humanoides seres hiacutebridos e povos de cultura inusitada
Identificamos tambeacutem na VA uma forte influecircncia de Heroacutedoto e de Cteacutesias que
iniciaram essa tradiccedilatildeo a respeito da Iacutendia As descriccedilotildees que aludem a esses dois autores
estatildeo mencionadas ao longo do texto e os trechos referidos a eles estaratildeo expostos junto
com os da VA Quando houver uma referecircncia em comum entre os trecircs autores
respeitaremos a ordem cronoloacutegica entre eles
2311 Lugares
Durante a jornada de Apolocircnio satildeo descritos os lugares por onde ele passa e suas
impressotildees Em seu itineraacuterio pela Iacutendia Apolocircnio passa pela cordilheira do Caacuteucaso
registrando o aroma de canela e a aacutervore de pimenta existentes laacute passa por uma pedra
chamada ldquoSem paacutessarosrdquo pela planiacutecie irrigada do Ganges por Taxila pelo Templo do Sol
por Paraca pela torre dos saacutebios onde ele vecirc dois jarros um de chuva e o outro de vento
aleacutem de uma pedra magneacutetica pelas regiotildees de Balara de Selera de Pegadae e pela ilha
Biacuteblos
A cordilheira Caacuteucaso
Eacute narrado que ao se aproximarem da cordileira do Caacuteucaso Apolocircnio e seus
companheiros sentiram que a terra ficava mais perfumada (VA II 1) Sua extensatildeo eacute enorme
pois considera-se que o iniacutecio dessa montanha eacute no Touro e se estende atraveacutes da Armecircnia ateacute
Miacutecale e se estende ateacute a margem do mar onde vivem os carianos Ao contraacuterio do pico de
Miacutecale que natildeo eacute muito grande os do Caacuteucaso
καὶ αἱ ὑπερβολαὶ τοῦ Καυκάσου τοσοῦτον ἀνεστᾶσιν ὡς σχίζεσθαι περὶ αὐτὰς τὸν
ἥλιον περιβάλλει δὲ Ταύρῳ ἑτέρῳ καὶ τὴν ὅμορον τῇ Ἰνδικῇ Σκυθίαν πᾶσαν κατὰ
Μαιῶτίν τε καὶ ἀριστερὸν Πόντον σταδίων μάλιστα δισμυρίων μῆκος τοσοῦτον
γὰρ ἐπέχει μέτρον τῆς γῆς ὁ ἀγκὼν τοῦ Καυκάσου [] ὁ δὲ Καύκασος ὁρίζει μὲν
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τὴν Ἰνδικήν τε καὶ Μηδικήν καθήκει δὲ ἐπὶ τὴν Ἐρυθρὰν θάλατταν ἑτέρῳ ἀγκῶνι
(VA II 2)
os picos do Caacuteucaso satildeo tatildeo elevados que o sol eacute cortado por eles Envolve com o
resto do Tauro toda a Ciacutetia que faz fronteira com a Iacutendia pelo Meoacutetis e a costa
esquerda do Ponto uma distacircncia quase de 20 mil estaacutedios pois nada menos que
isso eacute a extensatildeo de terra cercada pela depressatildeo do Caacuteucaso [] O Caacuteucaso limita
Iacutendia e Meacutedia e se estende por outra depressatildeo ateacute o Mar Vermelho
As montanhas do Caacuteucaso possuem ainda outras peculiaridades como por exemplo
os arbustos com cheiro de canela que aromatizam toda aquela regiatildeo e a aacutervore de pimenta
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho sentiram o aroma de
canela vinda dos arbustos por toda esse aacuterea
A canela do Caacuteucaso
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho e descrito
que esta faixa eacute densamente coberta por arbustos aromaacuteticos de canela
τοὺς μὲν δὴ πρῶνας τοῦ ὄρους τὸ κιννάμωμον φέρειν προσεοικέναι δὲ αὐτὸ νέοις
κλήμασι βάσανον δὲ τοῦ ἀρώματος τὴν αἶγα εἶναι κινναμώμου γὰρ εἴ τις αἰγὶ
ὀρέξειε κνυζήσεται πρὸς τὴν χεῖρα καθάπερ κύων ἀπιόντι τε ὁμαρτήσει τὴν ῥῖνα
ἐς αὐτὸ ἐρείσασα κἂν ὁ αἰπόλος ἀπάγῃ θρηνήσει καθάπερ λωτοῦ ἀποσπωμένη
(VA III 4)
Os contrafortes da montanha produzem canela que se assemelha a videiras novas
mas a cabra eacute a prova de que se trata daquele arbusto aromaacutetico pois se algueacutem
apresenta a canela a uma cabra ela gane na direccedilatildeo da matildeo igual a um cachorro e
ao sair ela o seguiraacute apoiando nela o focinho e se o pastor a afastar ela se
lamentaraacute como privada de loto
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A aacutervore de pimenta
Nos montes dessa montanha crescem aacutervores aromaacuteticas muito altas e existem
diversas espeacutecies delas como eacute o caso das aacutervores de pimenta que satildeo cultivadas pelos
macacos (VA III 4)
τὸ δένδρον ἡ πεπερὶς εἴκασται μὲν τῷ παρ᾽ Ἕλλησιν ἄγνῳ τά τε ἄλλα καὶ τὸν
κόρυμβον τοῦ καρποῦ φύεται δὲ ἐν τοῖς ἀποτόμοις οὐκ ἐφικτὸς τοῖς ἀνθρώποις οὗ
λέγεται πιθήκων οἰκεῖν δῆμος ἐν μυχοῖς τοῦ ὄρους καὶ ὅ τι αὐτοῦ κοῖλον οὓς
πολλοῦ ἀξίους οἱ Ἰνδοὶ νομίζοντες ἐπειδὴ τὸ πέπερι ἀποτρυγῶσι τοὺς λέοντας ἀπ᾽
αὐτῶν ἐρύκουσι κυσί τε καὶ ὅπλοις (VA III 4)
A aacutervore de pimenta se parece com o salgueiro dos gregos em tudo incluindo os
ramos do fruto e cresce em ravinas que o homen natildeo alcanccedila e onde dizem habita
um povo de macacos em buracos na montanha e em qualquer concavidade dela os
quais satildeo tidos em alta estima pelos indianos porque eles colhem as pimentas eles
afastam deles os leotildees com catildees e armas
A pedra chamada ldquoSem paacutessarosrdquo
Haacute uma pedra perto do monte Nisa que se chamada ldquoSem Paacutessarosrdquo (Ἄορνον) Apesar
de natildeo terem ido ateacute ela os viajantes ouviram falar que Alexandre a capturou e a histoacuteria que
se conta sobre essa pedra estaacute assim descrita
Ἄορνος δὲ ὀνομάζοιτο οὐκ ἐπειδὴ στάδια πεντεκαίδεκα ἀνέστηκε πέτονται γὰρ καὶ
ὑπὲρ τοῦτο οἱ ἱεροὶ ὄρνιθες ἀλλ᾽ ἐν κορυφῇ τῆς πέτρας ῥῆγμα εἶναί φασι τοὺς
ὑπερπετομένους τῶν ὀρνίθων ἐπισπώμενον ὡς Ἀθήνησί τε ἰδεῖν ἐστιν ἐν προδόμῳ
τοῦ Παρθενῶνος καὶ πολλαχοῦ τῆς Φρυγῶν καὶ Λυδῶν γῆς ὑφ᾽ οὗ τὴν πέτραν
Ἄορνον κεκλῆσθαί τε καὶ εἶναι (VA II 10)
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[a pedra] foi nomeada ldquoSem Paacutessarosrdquo natildeo porque alcanccedila quinze estaacutedios pois os
paacutessaros sagrados voam aleacutem dessa altura mas porque no pico da pedra haacute dizem
um abismo que puxa os paacutessaros como se vecirc que acontece tambeacutem em Atenas no
vestiacutebulo do Partenon e em muitos lugares da terra dos friacutegios e liacutedios Por esse
motivo a pedra eacute chamada e de fato eacute ldquoSem Paacutessarosrdquo
A planiacutecie irrigada do Ganges
Apoacutes atravessarem o Caacuteucaso eacute descrito que os viajantes viram uma planiacutecie lisa com
cortes e valas cheias de aacutegua algumas das quais transversais enquanto outras eram retas
Eram simples afluentes do rio Ganges dispostas como fronteiras e irrigavam tambeacutem a
planiacutecie quando a terra estava seca (VA III 5) Sobre esta terra
τὴν δὲ γῆν ταύτην ἀρίστην φασὶ τῆς Ἰνδικῆς εἶναι καὶ μεγίστην τῶν ἐκεῖ λήξεων
πεντεκαίδεκα ἡμερῶν ὁδοῦ μῆκος ἐπὶ τὸν Γάγγην ὀκτωκαίδεκα δὲ ἀπὸ θαλάσσης
ἐπὶ τὸ τῶν πιθήκων ὄρος ᾧ ξυμπαρατείνει πεδιὰς πᾶσα ἡ χώρα μέλαινά τε καὶ
πάντων εὔφορος ἰδεῖν μὲν γὰρ ἐν αὐτῇ στάχυας ἀνεστῶτας ὅσον οἱ δόνακες ἰδεῖν
δὲ κυάμους τριπλασίους τῶν Αἰγυπτίων τὸ μέγεθος σήσαμόν τε καὶ κέγχρον
ὑπερφυᾶ πάντα ἐνταῦθα καὶ τὰ κάρυα φύεσθαί φασιν ὧν πολλὰ πρὸς ἱεροῖς
ἀνακεῖσθαι τοῖς δεῦρο θαύματος ἕνεκα τὰς δὲ ἀμπέλους φύεσθαι μὲν μικράς
καθάπερ αἱ Λυδῶν τε καὶ Μαιόνων ποτίμους δὲ εἶναι καὶ ἀνθοσμίας ὁμοῦ τῷ
ἀποτρυγᾶν ἐνταῦθα καὶ δένδρῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι προσεοικότι τῇ δάφνῃ
φύεσθαι δὲ αὐτοῦ κάλυκα εἰκασμένην τῇ μεγίστῃ ῥόᾳ καὶ μῆλον ἐγκεῖσθαι τῇ
κάλυκι κυάνεον μέν ὥσπερ τῶν ὑακίνθων αἱ κάλυκες πάντων δὲ ἥδιστον ὁπόσα ἐξ
ὡρῶν ἥκει (VA III 5)
Eles dizem ser esta a melhor terra da Iacutendia e a maior das regiotildees sendo de quinze
dias a jornada ateacute o Ganges e de dezoito dias do mar ateacute a montanha dos macacos
por onde se estende Toda a regiatildeo eacute uma planiacutecie preta e feacutertil de tudo pois se pode
ver nela espigas crescendo como os juncos e se pode ver tambeacutem favas trecircs vezes
maiores que as do tipo egiacutepcio bem como seacutesamo e milho crescendo por todas as
partes E eles dizem que tambeacutem nascem nozes laacute das quais muitas satildeo ofertadas
nos templos daqui pelo que tecircm de admiraacutevel As videiras que crescem satildeo
pequenas como as dos liacutedios e meocircnios boas para beber e aromaacuteticas tatildeo logo se
arrancam Eles dizem que laacute se depararam tambeacutem com uma aacutervore que se
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assemelha ao loureiro sobre a qual cresce um caacutelice comparaacutevel a uma granada
grande e dentro do caacutelice estaacute embutido um fruto azulado como os caacutelices de
jacinto o mais agradaacutevel de todos que as estaccedilotildees trazem
A regiatildeo de Taxila
Taxila eacute uma cidade importante na VA Eacute nela que Apolocircnio encontra vestiacutegios de
Alexandre e da batalha travada entre o macedocircnio e o rei indiano Poro conhecida como a
Batalha de Hidaspes Aleacutem disso eacute em Taxila que Apolocircnio tem o primeiro contato com um
rei indiano Fraotes um dos personagens mais importantes da Iacutendia da VA devido agrave forma
como governa e a seu conhecimento da cultura grega
Taxila segunda a narrativa tem a dimensatildeo de Niacutenive e eacute fortificada da mesma forma
que as cidades gregas Aleacutem dessas caracteriacutesticas que remetem agrave Greacutecia eacute descrito um
templo com o qual se surpreenderam de tatildeo belo
νεὼν δὲ πρὸ τοῦ τείχους ἰδεῖν φασιν οὐ παρὰ πολὺ τῶν ἑκατομπόδων λίθου
κογχυλιάτου καὶ κατεσκευάσθαι τι ἱερὸν ἐν αὐτῷ ἧττον μὲν ἢ κατὰ τὸν νεὼν
τοσοῦτόν τε ὄντα καὶ περικίονα θαυμάσαι δὲ ἄξιον χαλκοῖ γὰρ πίνακες
ἐγκεκρότηνται τοίχῳ ἑκάστῳ γεγραμμένοι τὰ Πώρου τε καὶ Ἀλεξάνδρου ἔργα
γεγράφαται δὲ ὀρειχάλκῳ καὶ ἀργύρῳ καὶ χρυσῷ καὶ χαλκῷ μέλανι ἐλέφαντες ἵπποι
στρατιῶται κράνη ἀσπίδες λόγχαι δὲ καὶ βέλη καὶ ξίφη σιδήρου πάντα καὶ ὥσπερ
λόγος εὐδοκίμου γραφῆς οἷον εἰ Ζεύξιδος εἴη τι ἢ Πολυγνώτου τε καὶ Εὐφράνορος
οἳ τὸ εὔσκιον ἠσπάσαντο καὶ τὸ ἔμπνουν καὶ τὸ ἐσέχον τε καὶ ἐξέχον οὕτως φασί
κἀκεῖ διαφαίνεται καὶ ξυντετήκασιν αἱ ὕλαι καθάπερ χρώματα ἡδὺ δὲ καὶ αὐτὸ τὸ
ἦθος τῆς γραφῆς (VA II 20)
dizem que viram um templo em frente da muralha de natildeo muito mais que cem peacutes
de pedra de calcaacuterio e que foi construiacutedo dentro dele um santuaacuterio algo menor com
relaccedilatildeo agrave grandeza do templo sendo esse cercado por colunas e digno de
maravilhar-se Havia taacutebuas de bronze em cada parede do templo com os feitos de
Poro e Alexandre registrados Foram gravados com oricalco prata ouro e bronze
escuro elefantes cavalos soldados elmos e escudos mas lanccedilas flechas e espadas
eram todas de ferro e como o assunto de uma pintura famosa tal qual as de Zecircuxis
Polignoto ou Eufranor que gostavam do claro-escuro do animado da profundidade
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e do relevo assim dizem tambeacutem ali tudo se mostrava e os materiais estavam
dispostos como cores E o caraacuteter da pintura era apraziacutevel por si mesmo
O Templo do Sol
Esse templo tambeacutem eacute caracterizado por sua beleza e riqueza e pedras preciosas e
imagens marcando a passagem de Apolocircnio naquela regiatildeo
ἱερὸν δὲ ἰδεῖν Ἡλίου φασίν ᾧ ἀνεῖτο Αἴας ἐλέφας καὶ ἀγάλματα Ἀλεξάνδρου
χρυσᾶ καὶ Πώρου ἕτερα χαλκοῦ δ᾽ ἦν ταῦτα μέλανος οἱ δὲ τοῦ ἱεροῦ τοῖχοι
πυρσαῖς λίθοις ὑπαστράπτει χρυσὸς αὐγὴν ἐκδιδοὺς ἐοικυῖαν ἀκτῖνι τὸ δὲ ἕδος αὐτὸ
μαργαρίτιδος ξύγκειται ξυμβολικὸν τρόπον ᾧ βάρβαροι πάντες ἐς τὰ ἱερὰ χρῶνται
(VA II 24)
E eles dizem ter visto um Templo do Sol no qual circulava o elefante Aacutejax e
esculturas de ouro de Alexandre e outras de Poro e eram estas de bronze escuro E
das paredes do templo sob pedras vermelhas brilhava o ouro emitiam um claratildeo
semelhante a um raio de sol O proacuteprio assento estava cercado de peacuterolas do modo
simboacutelico que usam todos os baacuterbaros nos templos
A cidade de Paraca
A cidade de Paraca eacute maravilhosa por nela acontecer o treino de caccedila aos dragotildees e
por nela se armazenarem as cabeccedilas desse animal no centro da cidade Aleacutem disso os
habitantes dessa regiatildeo entendem a linguagem animal Eacute a partir dessa cidade que Apolocircnio
chega ateacute a torre dos bracircmanes
τὴν δὲ πόλιν τὴν ὑπὸ τῷ ὄρει μεγίστην οὖσαν φασὶ μὲν καλεῖσθαι Πάρακα
δρακόντων δὲ ἀνακεῖσθαι κεφαλὰς ἐν μέσῃ πλείστας γυμναζομένων τῶν ἐν ἐκείνῃ
Ἰνδῶν τὴν θήραν ταύτην ἐκ νέων λέγονται δὲ καὶ ζῴων ξυνιέναι φθεγγομένων τε
καὶ βουλευομένων σιτούμενοι δράκοντος οἱ μὲν καρδίαν οἱ δὲ ἧπαρ προϊόντες δὲ
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αὐλοῦ μὲν ἀκοῦσαι δόξαι νομέως δή τινος ἀγέλην τάττοντος ἐλάφους δὲ ἄρα
βουκολεῖσθαι λευκάς ἀμέλγουσι δὲ Ἰνδοὶ ταύτας εὐτραφὲς ἡγούμενοι τὸ ἀπ᾽ αὐτῶν
γάλα (VA III 9)
E eles dizem que a cidade abaixo da montanha eacute grande e chama-se Paraca que no
centro ficam guardadas a maioria das cabeccedilas de dragotildees para os indianos de laacute
serem treinados a essa caccedila desde a juventude Dizem tambeacutem que eles entendem os
sons e as deliberaccedilotildees dos animais alimentando-se ou do coraccedilatildeo ou do fiacutegado do
dragatildeo Avanccedilando eles imaginaram ter ouvido a flauta de algum pastor ordenando
um rebanho mas logo deliberaram que eram corsas brancas pois os indianos as
guiam para ordenhaacute-las por causa de seu leite nutritivo
A torre dos saacutebios
A torre dos bracircmanes eacute o cenaacuterio principal da viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Eacute nela que
Apolocircnio chega ao limite maacuteximo de sua sabedoria e realiza o objetivo principal de sua
viagem chegar ateacute os bracircmanes
A descriccedilatildeo dessa torre eacute peculiar em vista de suas referecircncias e comparaccedilotildees com a
Acroacutepole de Atenas o que faz com que o leitor projete mentalmente o mapa da Greacutecia A
torre fica no topo de uma montanha e suas caracteriacutesticas satildeo
ὕψος μὲν εἶναι κατὰ τὴν Ἀθηναίων φασὶν ἀκρόπολιν ἀνίστασθαι δὲ ἐκ πεδίου ἄνω
εὐφυᾶ δὲ ὁμοίως πέτραν ὀχυροῦν αὐτὸν κύκλῳ περιήκουσαν (VA III 13)
tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da planiacutecie e
sua posiccedilatildeo natural o protege de ataques pois eacute rodeado por rochas em todos os
lados
Aleacutem disso em muitas partes dessa pedra eles viram rastros de pegadas e contorno de
barba e de rostos e viram marcas que pareciam de costas deslizadas (ἧς πολλαχοῦ δίχηλα
ὁρᾶσθαι ἴχνη καὶ γενειάδων τύπους καὶ προσώπων καί που καὶ νῶτα ἰδεῖν ἀπωλισθηκόσιν
ὅμοια - VA III 13) Essas marcas segundo a narrativa satildeo de quando Dioniso e Heacuteracles
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tentaram atacar e capturar a torre mas foram afastados pelos raios e pedras enviados pelos
bracircmanes
Existia tambeacutem uma nuvem que pairava sobre a torre
περὶ δὲ τῷ ὄχθῳ νεφέλην ἰδεῖν φασιν ἐν ᾗ τοὺς Ἰνδοὺς οἰκεῖν φανερούς τε καὶ
ἀφανεῖς καὶ ὅ τι βούλονται πύλας δὲ εἰ μὲν καὶ ἄλλας εἶναι τῷ ὄχθῳ οὐκ εἰδέναι τὸ
γὰρ περὶ αὐτὸν νέφος οὔτε ἀκλείστῳ ξυγχωρεῖν οὔτ᾽ αὖ ξυγκεκλεισμένῳ φαίνεσθαι
(VA III 13)
eles dizem ter visto uma nuvem atraacutes da montanha da morada dos hindus a qual
ficava visiacutevel ou invisiacutevel quando eles desejam E se tinha outro portatildeo na montanha
eles natildeo sabiam pois com a nuvem ao redor natildeo conseguiram ver se havia uma
abertura na muralha ou se por outro lado era uma fortaleza fechada
Os jarros de chuva e de vento dos bracircmanes
Outro prodiacutegio se encontra quando os personagens tendo entrado na torre viram dois
jarros de pedra preta um de chuva e outro de vento (καὶ διττὼ ἑωρακέναι φασὶ πίθω λίθου
μέλανος ὄμβρων τε καὶ ἀνέμων ὄντε - VA III 14) O jarro de chuva eacute aberto quando a Iacutendia
estaacute sofrendo de seca e entatildeo satildeo enviadas nuvens carregadas para todo o paiacutes mas se a
chuva passa a ser excessiva eacute interrompida quando o jarro eacute fechado Jaacute o jarro de vento eacute
comparado agrave caixa de Eacuteolo28
pois liberta um dos ventos o qual proporciona uma brisa fresca
que refresca todo o paiacutes (VA III 14)
A pedra magneacutetica
Na torre dos bracircmanes Iarcas mostra a Apolocircnio uma pedra que tem caracteriacutesticas
magneacuteticas e se assemelha agrave pedra pantarba descrita por Cteacutesias nestes termos
28
Provaacutevel referecircncia a Eacuteolo guardiatildeo dos ventos na Odisseia (Od X 1-4 21-22)
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Περὶ παντάρβας τῆς σφραγῖδος καὶ ὡς υοζʹ σφραγῖδας ἀπορριφείσας καὶ τιμίους
λίθους εἰς τὸν ποταμόν ἅτινα ἦν τοῦ Βακτρίων καπήλου αὐτὴ ἀνείλκυσεν ἐχομένας
ἀλλήλων (Ind frag II)
Fala sobre a pantarba uma pedra preciosa e que quando ela eacute jogada no rio 477
sinetes e pedras preciosas que eram de um comerciante de Bactra ela puxa de volta
presas umas com as outras
Na VA Iarcas confirma a existecircncia desta pedra e garante que o que dizem a respeito
de suas caracteriacutesticas magneacuteticas eacute verdade Aleacutem disso ele tambeacutem a disponibiliza a
Apolocircnio para que este a veja e comprove por si mesmo suas propriedades Nenhum
detalhe poreacutem eacute narrado (VA III 46)
γίγνεται μὲν γὰρ ἡ μεγίστη κατὰ ὄνυχα δακτύλου τούτουrsquo δείξας τὸν ἑαυτοῦ
ἀντίχειρα lsquoκυίσκεται δὲ ἐν γῇ κοίλῃ βάθος ὀργυιαὶ τέτταρες τοσοῦτον δὲ αὐτῇ
περίεστι τοῦ πνεύματος ὡς ὑποιδεῖν τὴν γῆν καὶ κατὰ πολλὰ ῥήγνυσθαι
κυισκομένης ἐν αὐτῇ τῆς λίθου (VA III 46)
[Fala de Iarcas] De fato a maior delas eacute do tamanho desta unha ndash e ele mostrou seu
proacuteprio polegar ndash e eacute formada num buraco na terra com uma profundidade de quatro
braccedilas mas ela tem tanto espiacuterito que a terra se dilata e se rasga em muitos lugares
quando esta pedra eacute concebida
Contudo essa pedra natildeo eacute facilmente capturada pois se algueacutem tenta pegaacute-la ela
foge a menos que exista uma atraccedilatildeo entre a pedra e aquele que tenta apanhaacute-la Ainda a
pantarba (παντάρβην) assim chamada tambeacutem por Iarcas
νύκτωρ μὲν οὖν ἡμέραν ἀναφαίνει καθάπερ τὸ πῦρ ἔστι γὰρ πυρσὴ καὶ ἀκτινώδης
εἰ δὲ μεθ᾽ ἡμέραν ὁρῷτο βάλλει τοὺς ὀφθαλμοὺς μαρμαρυγαῖς μυρίαις τὸ δὲ ἐν
αὐτῇ φῶς πνεῦμά ἐστιν ἀρρήτου ἰσχύος πᾶν γὰρ τὸ ἐγγὺς ἐσποιεῖ αὑτῇ (VA III 46)
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de noite faz brilhar um dia como o fogo eacute vermelha e emite raios e se se olha para
ela de dia lanccedila aos seus olhos raios de luz incontaacuteveis A luz de dentro dela eacute um
espiacuterito com forccedila misteriosa pois atraiacute tudo para perto dela mesma
καὶ εἰπὼν ταῦτα ἔδειξε τὴν λίθου αὐτήν τε καὶ ὁπόσα ἐργάζεται (VA III 47)
E tendo ditto estas coisas ele mostrou a proacutepria pedra e tudo o que ela era capaz de
realizar
Balara e Selera
Balara eacute um lugar distinto por seus jardins jaacute Selera eacute uma ilha sagrada onde habita
uma nereida
προσπλεῦσαί φασι καὶ Βαλάροις ἐμπόριον δὲ εἶναι τὰ Βάλαρα μεστὸν μυρρινῶν τε
καὶ φοινίκων καὶ δάφνας ἐν αὐτῷ ἰδεῖν καὶ πηγαῖς διαρρεῖσθαι τὸ χωρίον κῆποι δὲ
ὁπόσοι τρωκτοὶ καὶ ὁπόσοι ἀνθέων κῆποι βρύειν αὐτὸ καὶ λιμένας μεστοὺς
γαλήνης ἐν αὐτῷ εἶναι προκεῖσθαι δὲ τοῦ χωρίου τούτου νῆσον ἱεράν ἣν καλεῖσθαι
Σέληρα καὶ στάδια μὲν ἑκατὸν εἶναι τῷ πορθμῷ νηρηίδα δὲ οἰκεῖν ἐν αὐτῇ δεινὴν
δαίμονα πολλοὺς γὰρ τῶν πλεόντων ἁρπάζειν καὶ μηδὲ ταῖς ναυσὶ ξυγχωρεῖν
πεῖσμα ἐκ τῆς νήσου βάλλεσθαι (VA III 56)
Eles contam que navegaram ateacute Balara que eacute um empoacuterio cheio de mirtos e de
palmeiras e que viram tambeacutem loureiros e fonte que ali fluem E tinha tanto jardins
de plantas comestiacuteveis como jardins de flores cheios de brotos e os portos ali
estavam calmos Defronte deste lugar existe uma ilha sagrada chamada Selera e a
passagem ateacute ela eacute de cem estaacutedios de distacircncia Nesta ilha habita uma nereida um
democircnio terriacutevel pois ela arrebata muitos marinheiros e natildeo deixa que os navios
arremessem um cabo agrave ilha
44
Pegadas a terra de bronze
De acordo com a narrativa podemos imaginar esta regiatildeo como monocromaacutetica
tamanha eacute a predominacircncia do bronze que compotildee sua natureza
κατασχεῖν δέ φασι καὶ ἐς Πηγάδας τῆς τῶν Ὠρειτῶν χώρας οἱ δὲ Ὠρεῖται χαλκαῖ
μὲν αὐτοῖς αἱ πέτραι χαλκῆ δὲ ἡ ψάμμος χαλκοῦν δὲ ψῆγμα οἱ ποταμοὶ ἄγουσι
χρυσῖτιν δὲ ἡγοῦνται τὴν γῆν διὰ τὴν εὐγένειαν τοῦ χαλκοῦ (VA III 54)
Eles dizem que tambeacutem passaram por Peacutegada na terra dos oritas e que os oritas tecircm
pedras de bronze e tambeacutem areia de bronze e a poeira que o rio traz tambeacutem eacute de
bronze Mas eles consideram o bronze da sua terra ouro por causa da nobreza dele
A ilha Biblo e os moluscos gigantes
Esta ilha tem como maravilhoso seus frutos do mar que em tamanho satildeo muito
maiores que os gregos
μνημονεύουσι καὶ νήσου μικρᾶς ᾗ ὄνομα εἶναι Βίβλον ἐν ᾗ τὸ τοῦ κογχυλίου
μέγεθος καὶ οἱ μύες ὄστρεά τε καὶ τὰ τοιαῦτα δεκαπλάσια τῶν Ἑλληνικῶν τὸ
μέγεθος ταῖς πέτραις προσπέφυκεν ἁλίσκεται δὲ καὶ λίθος ἐκεῖ μαργαρὶς ἐν
ὀστράκῳ λευκῷ καρδίας τόπον ἔχουσα τῷ ὀστρέῳ (VA III 53)
Eles tambeacutem recordam uma pequena ilha a qual se chama Biblo onde haacute grandes
berbigotildees mexilhotildees e ostras os quais se prendem em pedras e satildeo dez vezes
maiores que os encontrados na Greacutecia Uma pedra tambeacutem eacute capturada ali a peacuterola
a qual ocupa em uma concha branca o lugar do coraccedilatildeo da ostra
45
2312 Hidrografia
Filoacutestrato descreve os rios que Apolocircnio atravessou bem como suas extensotildees
navegaacuteveis suas dimensotildees e os animais que havia neles Os rios satildeo o Indo o Hiacutefasis e o
Acesines
O rio Indo
Esse rio eacute o mais importante para a indografia greco-romana por ter simbolizado ateacute a
campanha de Alexandre os confins do mundo Essa crenccedila se encontra presente nas
narrativas de Cteacutesias
Λέγει περὶ τοῦ Ἰνδοῦ ποταμοῦ τὸ μὲν στενὸν αὐτοῦ τὸ εὖρος μʹ σταδίων εἶναι τὸ δὲ
πλατύτατον καὶ διακοσίων Λέγει περὶ αὐτῶν τῶν Ἰνδῶν ὅτι πλείους σχεδὸν
συμπάντων ἀνθρώπων Περὶ τοῦ σκώληκος τοῦ ἐν τῷ ποταμῷ ὃ καὶ μόνον τῶν
ἄλλων θηρίων ἐν αὐτῷ γίνεται Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους Ὅτι
οὐχ ὕει ἀλλacute ὑπὸ τοῦ ποταμοῦ ποτίζεται ἡ Ἰνδική (Ind frag I)
Ele fala sobre o rio Indo que em sua passagem mais estreita tem quarenta estaacutedios29
de largura e na mais extensa duzentos Fala que a populaccedilatildeo de hindus eacute mais ou
menos maior que a de todos os homens juntos Fala a respeito de um verme do rio o
qual aliaacutes eacute o uacutenico animal que haacute nele Que homens natildeo habitam aleacutem de laacute Que
natildeo chove mas a terra da Iacutendia eacute irrigada pelo rio
Filoacutestrato tambeacutem fala sobre sua dimensatildeo bem como sobre sua nascente e os animais
que nele vivem
29
Medida de percurso equivalente a 17760 m
46
τὸν μὲν δὴ Ἰνδὸν ὧδε ἐπεραιώθησαν σταδίους μάλιστα τεσσαράκοντα τὸ γὰρ
πλόιμον αὐτοῦ τοσοῦτον περὶ δὲ τοῦ ποταμοῦ τούτου τάδε γράφουσι τὸν Ἰνδὸν
ἄρχεσθαι μὲν ἐκ τοῦ Καυκάσου μείζω αὐτόθεν ἢ οἱ κατὰ τὴν Ἀσίαν ποταμοὶ πάντες
προχωρεῖν δὲ πολλοὺς τῶν ναυσιπόρων ἑαυτοῦ ποιούμενον ἀδελφὰ δὲ τῷ Νείλῳ
πράττοντα τῇ τε Ἰνδικῇ ἐπιχεῖσθαι γῆν τε ἐπάγειν τῇ γῇ καὶ παρέχειν Ἰνδοῖς τὸν
Αἰγυπτίων τρόπον σπείρειν (VA II 18)
E entatildeo eles atravessaram o Indo com mais de quarenta estaacutedios30
pois essa eacute sua
extensatildeo navegaacutevel A respeito do rio eles escrevem estas coisas que o Indo comeccedila
no Caacuteucaso e sua nascente eacute maior que todos os rios da Aacutesia e ao avanccedilar
incorpora muitos [rios] navegaacuteveis e de modo paralelo ao Nilo inunda a Iacutendia
sobrepotildee terra agrave terra e permite aos hindus semear do mesmo modo que os egiacutepcios
κομιζόμενοι δὲ διὰ τοῦ Ἰνδοῦ πολλοῖς μὲν ποταμίοις ἵπποις ἐντυχεῖν φασι πολλοῖς
δὲ κροκοδείλοις ὥσπερ οἱ τὸν Νεῖλον πλέοντες λέγουσι δὲ καὶ ἄνθη τῷ Ἰνδῷ εἶναι
οἷα τοῦ Νείλου ἀναφύεται (VA II 19)
E eles dizem que viajando em direccedilatildeo ao outro lado do Indo encontraram muitos
cavalos de rio e muitos crocodilos como os que nadam no Nilo e que a vegetaccedilatildeo
do Indo eacute como a que brota no Nilo
O rio Hiacutefasis e o oacuteleo nupcial
O rio Hiacutefasis (atual Beaacutes) eacute notaacutevel por sua extensatildeo De acordo com o texto ele nasce
na planiacutecie e perto de sua fonte os riachos satildeo navegaacuteveis mas agrave medida que avanccedilam logo
se tornam inacessiacuteveis para os barcos porque os montes de rocha se alternam Nas redondezas
dessas rochas o vento eacute forte ao ponto de tornar o rio natildeo navegaacutevel (VA III 1) Suas
caracteriacutesicas mais notaacuteveis satildeo
εὖρος δὲ αὐτῷ κατὰ τὸν Ἴστρον ποταμῶν δὲ οὗτος δοκεῖ μέγιστος ὁπόσοι δι᾽
Εὐρώπης ῥέουσι δένδρα δέ οἱ προσόμοια φύει παρὰ τὰς ὄχθας καί τι καὶ μύρον
47
ἐκδίδοται τῶν δένδρων ὃ ποιοῦνται Ἰνδοὶ γαμικὸν χρίσμα καὶ εἰ μὴ τῷ μύρῳ τούτῳ
ῥάνωσι τοὺς νυμφίους οἱ ξυνιόντες ἐς τὸν γάμον ἀτελὴς δοκεῖ καὶ οὐκ ἐς χάριν τῇ
Ἀφροδίτῃ ξυναρμοσθείς (VA III 1)
Sua largura eacute equivalente ao do rio Ister este sendo considerado o mais de quantos
rios fluem na Europa Aacutervores semelhantes agraves daquele nascem agraves suas margens e um
baacutelsamo tambeacutem eacute extraiacutedo das aacutervores a partir do qual os hindus fazem um oacuteleo
nupcial e se os presentes ao casamento natildeo borrifam com esse oacuteleo os noivos
parece que a uniatildeo natildeo eacute concluiacuteda nem agraciada por Afrodite
Esse bosque agrave margem do rio eacute consagrado a Afrodite bem como os belos peixes que
existem laacute (VA III 1)
O rio Acesines
A descriccedilatildeo deste rio eacute breve e o conteuacutedo maravilhoso neste trecho se daacute pela
dimensatildeo informada e pelo comprimento das cobras que existem nele
περὶ τοῦ Ἀκεσίνου ποταμοῦ εἰρημένα ὡς ἐσβάλλει μὲν ἐς τὸν Ἰνδὸν οὗτος τρέφει
δὲ ὄφεις ἑβδομήκοντα πηχῶν μῆκος τοιαῦτα εἶναί φασιν (VA II 17)
Sobre o que disseram do rio Acesines que desaacutegua no rio Indo e produz cobras de
setenta cocircvados31
de comprimento ser assim eles dizem
A fonte de ouro
Aleacutem desses rios ao conversar com Iarcas Apolocircnio pergunta sobre a veracidade de
uma fonte de que jorra ouro (ἐρομένου δὲ αὐτοῦ καὶ περὶ τοῦ χρυσοῦ ὕδατος ὅ φασιν ἐκ
πηγῆς βλύζειν - VA III 45) Provavelmente essa fonte eacute uma alusatildeo agrave descrita por Cteacutesias
31
Medida de comprimento equivalente a 44 cm
48
Περὶ τῆς κρήνης πληρουμένης ἀνacute ἔτος ὑγροῦ χρυσίου ἐξ ἧς ἑκατὸν πρόχοι
ὀστράκινοι ἀνacute ἔτος ἀρύονται Ὀστρακίνους δὲ δεῖ εἶναι ἐπεὶ πήγνυται ὁ χρυσὸς
ἀπαρυόμενος καὶ ἀνάγκη τὸ ἀγγεῖον θλᾶν καὶ οὕτως ἐξαγαγεῖν αὐτόν Ἡ δὲ κρήνη
τετράγωνός ἐστιν ἑκκαίδεκα μὲν πηχῶν ἡ περίμετρος τὸ δὲ βάθος ὀργυϊά ἑκάστη
δὲ προχόη τάλαντον ἕλκει Καὶ περὶ τοῦ ἐν τῷ πυθμένι τῆς κρήνης σιδήρου ἐξ οὗ
καὶ δύο ξίφη Κτησίας φησὶν ἐσχηκέναι ἓν παρὰ βασιλέως καὶ τὸ ἄλλο παρὰ τῆς
τοῦ βασιλέως μητρὸς Παρυσάτιδος Φησὶ δὲ περὶ αὐτοῦ ὅτι πηγνύμενος ἐν τῇ γῇ
νέφους καὶ χαλάζης καὶ πρηστήρων ἐστὶν ἀποτρόπαιον καὶ ἰδεῖν αὑτὸν ταῦτά φησι
βασιλέως δὶς ποιήσαντος (Ind frag IV)
Fala sobre uma fonte cheia de liacutequido dourado durante o ano do qual se extraem
cem jarros de ceracircmica anualmente Os jarros precisam ser de ceracircmica jaacute que o
ouro que eacute retirado solidifica eacute necessaacuterio entatildeo quebrar o invoacutelucro e assim retiraacute-
lo A fonte eacute quadrangular com o periacutemetro de dezesseis cocircvados e a profundidade
de uma braccedila32
E cada vaso comporta um talento33
Fala sobre o ferro que haacute no
fundo da nascente a partir do qual Cteacutesias diz que duas espadas foram forjadas uma
por ordem do rei e a outra por ordem da matildee do rei Parisaacutetide Diz sobre ela que se
a espada for fincada na terra eacute capaz de afastar as nuvens granizos e tempestades E
diz ele proacuteprio ter visto isso quando o rei o fez duas vezes
2313 O clima da Iacutendia
Heroacutedoto e Cteacutesias comentaram a respeito do clima indiano
ἀποκλινομένης δὲ τῆς μεσαμβρίης γίνεταί σφι ὁ ἥλιος κατά περ τοῖσι ἄλλοισι ὁ
ἑωθινός καὶ τὸ ἀπὸ τούτου ἀπιὼν ἐπὶ μᾶλλον ψύχει ἐς ὃ ἐπὶ δυσμῇσι ἐὼν καὶ τὸ
κάρτα ψύχει (Hdt Hist III 104 traduccedilatildeo de J Brito Broca)
Nessa regiatildeo o sol eacute mais ardente pela manhatilde do que ao meio-dia ao contraacuterio do
que se verifica nas outras partes e os habitantes conservam a cabeccedila coberta ateacute a
hora em que termina entre noacutes o mercado Ao meio dia a temperatura ali pouco
32
Distacircncia de uma extremidade a outra de um braccedilo estendido horizontalmente medida fixa de quatro cocircvados
ou seis peacutes (aproximadamente 180 m) 33
Medida de peso e de soma de dinheiro equivalente a seis mil dracmas
49
difere da dos demais paiacuteses e daiacute em diante comeccedila a declinar sendo a tarde tatildeo
fresca quanto a manhatilde entre os outros povos Agrave hora de dormir jaacute se goza de um
agradaacutevel frescor
A descriccedilatildeo de Cteacutesias eacute breve
Ὅτι ἀλέα πολλὴ καὶ ὅτι ὁ ἥλιος δεκαπλασίων τὸ μέγεθος ἢ ἐν ταῖς ἄλλαις χώραις
αὐτὸς ἑαυτοῦ φαίνεται καὶ πολλοὶ ἐνταῦθα τῷ πνίγει φθείρονται (Ind frag V)
Que eacute muito o calor e que o sol parece ter dez vezes o tamanho que dos outros
lugares e que laacute muitas pessoas morrem sem ar
Filoacutestrato tambeacutem apresenta a Iacutendia como um lugar muito quente
αἳ περὶ τὴν Ἰνδικήν εἰσι χειμῶνος μὲν ἀλεεινὰς εἶναι θέρους δὲ πνιγηράς πρὸς δὲ
τοῦτο ἄριστα μεμηχανῆσθαι τῷ δαίμονι τὴν γὰρ χώραν αὐτοῖς θαμὰ ὕεσθαι (VA II
19)
Na regiatildeo da Iacutendia o inverno eacute com muito sol e o veratildeo eacute sufocante mas em
compensaccedilatildeo a divindade providenciou algo excelente pois frequentemente chove
no paiacutes deles
2314 Animais
Na VA satildeo descritos muitos animais Aleacutem do detalhamento de seus aspectos fiacutesicos
satildeo narradas as lendas e as estoacuterias que os envolvem Muitos desses animais o autor afirma
que Apolocircnio viu de outros apenas ouviu falar Os animais satildeo leopardos elefantes uma
minhoca flamejante unicoacuternio dragotildees manticora grifos e fecircnix
50
Leopardos
Sobre a conduta dos leopardos na VA eacute narrada a histoacuteria de que eles ficam na regiatildeo
da Panfiacutelia (regiatildeo atual da Turquia) e seu deslocamento de regiatildeo aconteceu da seguinte
forma
χαίρουσι γὰρ τοῖς ἀρώμασι κἀκ πολλοῦ τὰς ὀσμὰς ἕλκουσαι φοιτῶσιν ἐξ Ἀρμενίας
διὰ τῶν ὀρῶν πρὸς τὸ δάκρυον τοῦ στύρακος ἐπειδὰν οἵ τε ἄνεμοι ἀπ᾽ αὐτοῦ
πνεύσωσι καὶ τὰ δένδρα ὀπώδη γένηται (VA II 2)
Se deleitando com os aromas e atraiacutedos de longe pelos odores eles vem
periodicamente da Armeacutenia atraveacutes das montanhas em busca da gota de estoraque
quando os ventos de laacute sopram e as aacutervores se tornam resinosas
Eacute narrado ainda sobre um leopardo que fora apanhado em Panfiacutelia o qual usava uma
corrente de ouro em volto do seu pescoccedilo onde estava inscrito em letras armecircnias ldquoDo rei
Arsaces ao deus Niacutesiordquo (ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΑΡΣΑΚΗΣ ΘΕΩΙ ΝΥΣΙΩΙ - VA II 2) Apolocircnio
deduziu que Arsaces era o rei armecircnio e que ele deixara o animal livre em homenagem a
Dioniso por causa do seu tamanho
Elefantes
Na VA haacute uma descriccedilatildeo dos tipos de elefantes que existem na Iacutendia e de como eles
satildeo treinados e usados em guerras Neste trecho se descrevem trecircs tipos de elefantes os do
pacircntano os da mantanha e os capturados para serem usados na guerra Sobre os elefantes
Cteacutesias menciona apenas que satildeo destruidores de paredes
Περὶ τῶν τειχοκαταλύτων ἐλεφάντων (Ind frag III)
51
Fala sobre elefantes destruidores de paredes
Filoacutestrato por sua vez faz uma descriccedilatildeo muito mais detalhada sobre estes animais
ἐπὶ δὲ τὸν Ἰνδὸν ἐλθόντες ἀγέλην ἐλεφάντων ἰδεῖν φασι περαιουμένους τὸν ποταμὸν
καὶ τάδε ἀκοῦσαι περὶ τοῦ θηρίου ὡς οἱ μὲν αὐτῶν ἕλειοι οἱ δ᾽ αὖ ὄρειοι καὶ
τρίτον ἤδη γένος πεδινοί εἰσιν ἁλίσκονταί τε ἐς τὴν τῶν πολεμικῶν χρείαν
μάχονται γὰρ δὴ ἐπεσκευασμένοι πύργους οἵους κατὰ δέκα καὶ πεντεκαίδεκα ὁμοῦ
τῶν Ἰνδῶν δέξασθαι ἀφ᾽ ὧν τοξεύουσί τε καὶ ἀκοντίζουσιν οἱ Ἰνδοί καθάπερ ἐκ
πυλῶν βάλλοντες καὶ αὐτὸ δὲ τὸ θηρίον χεῖρα τὴν προνομαίαν ἡγεῖται καὶ χρῆται
αὐτῇ ἐς τὸ ἀκοντίζειν ὅσον δὲ ἵππου Νισαίου μείζων ὁ Λιβυκὸς ἐλέφας τοσοῦτον
τῶν ἐκ Λιβύης οἱ Ἰνδοὶ μείζους (VA II 12)
Tendo eles chegado ao Indo viram uma manada de elefantes atravessando o rio e
dizem terem ouvido isto a respeito dos animais como alguns deles satildeo do pacircntano
outros satildeo da montanha e haacute tambeacutem um terceiro tipo da planiacutecie os quais satildeo
capturados para serem usados na guerra Eles vatildeo para a batalha encilhados com
espeacutecies de torres com capacidade de levar de dez a quinze indianos em cada uma
das quais os indianos atiram com o arco e arremessam os dardos como se
estivessem atirando de portotildees O proacuteprio animal tem a tromba como matildeos e a usa
para arremessar dardos Os elefantes da Liacutebia satildeo tatildeo grandes quanto os cavalos de
Nisa assim tambeacutem satildeo os elefantes indianos com relaccedilatildeo aos da Liacutebia
εἰ δὲ καὶ ἤθη ἐλεφάντων χρὴ ἀναγράφειν τοὺς μὲν ἐκ τῶν ἑλῶν ἁλισκομένους
ἀνοήτους ἡγοῦνται καὶ κούφους Ἰνδοί τοὺς δὲ ἐκ τῶν ὀρῶν κακοήθεις τε καὶ
ἐπιβουλευτὰς καὶ ἢν μὴ δέωνταί τινος οὐ βεβαίους τοῖς ἀνθρώποις οἱ πεδινοὶ δὲ
χρηστοί τε εἶναι λέγονται καὶ εὐάγωγοι καὶ μιμήσεως ἐρασταί γράφουσι γοῦν καὶ
ὀρχοῦνται καὶ παρενσαλεύουσι πρὸς αὐλὸν καὶ πηδῶσιν ἀπὸ τῆς γῆς ἐκεῖνοι (VA
II 13)
Se eacute necessaacuterio descrever o caraacuteter dos elefantes os que satildeo capturados nos
pacircntanos os indianos os acham estuacutepidos e inconstantes os das montanhas
maliciosos e traiccediloeiros e caso natildeo precisem de nada natildeo satildeo confiaacuteveis aos
homens mas os elefantes da planiacutecie dizem que satildeo uacuteteis doacuteceis e que gostan de
52
imitar Ao menos escrevem danccedilam balanccedilam ao som da flauta e datildeo saltos sore a
terra
O verme flamejante
Cteacutesias descreve um verme que existe no rio Indo que possui caracteriacutesticas
semelhantes agrave uma descrita na VA
Ὅτι ἐν τῷ ποταμῷ τῶν Ἰνδῶν σκώληξ γίνεται τὸ μὲν εἶδος οἷόν περ ἐν ταῖς συκαῖς
εἴωθε γίνεσθαι τὸ δὲ μῆκος πήχεις ζʹ καὶ μείζους δὲ καὶ ἐλάττους τὸ δὲ πάχος
δεκαετέα παῖδα μόλις φασὶ ταῖς χερσὶ περιλαβεῖν Ἔχουσι δὲ ὀδόντας δύο ἕνα ἄνω
καὶ ἕνα κάτω καὶ ὅ τι ἂν λάβωσι τοῖς ὀδοῦσι κατεσθίουσι Καὶ τὴν μὲν ἡμέραν ἐν
τῇ ἰλύϊ τοῦ ποταμοῦ διαιτῶνται τῇ δὲ νυκτὶ ἐξέρχονται καὶ ἐάν τινι ἐντύχῃ ἐν τῇ γῇ
βοῒ ἢ καμήλῳ καὶ δάκῃ συλλαβὼν ἕλκει εἰς τὸν ποταμὸν καὶ πάντα κατεσθίει πλὴν
τῆς κοιλίας Ἀγρεύεται δὲ ἀγκίστρῳ μεγάλῳ ἔριφον ἢ ἄρνα ἐνδησάντων καὶ
ἁλύσεσι σιδηραῖς ἐναρμοσάντων Ἀγρεύσαντες δὲ τριάκοντα ἡμέρας κρεμῶσιν
αὐτὸν καὶ ἀγγεῖα ὑποτιθέασι καὶ ῥεῖ ἐξ αὐτοῦ ὅσον δέκα κοτύλας ἀττικὰς τὸ
πλῆθος Ὅταν δὲ παρέλθωσιν αἱ τριάκοντα ἡμέραι ἀπορρίπτουσι τὸν σκώληκα καὶ
τὸ ἔλαιον ἀσφαλισάμενοι ἄγουσι τῷ βασιλεῖ μόνῳ τῶν Ἰνδῶν ἄλλῳ δὲ οὐκ ἔξεστιν
ἐξ αὐτοῦ ἔχειν Τοῦτο τὸ ἔλαιον ἐφacute ὃ ἂν ἐπιχυθῇ ἀνάπτει καὶ καταφλέγει ξύλα καὶ
ζῷα καὶ ἄλλως οὐ σβέννυται εἰ μὴ πηλῷ πολλῷ τε καὶ παχεῖ (Ind frag XXVII)
Que no rio do Indo nasce um verme com a aparecircncia tal qual a de um que nasce na
figueira seu comprimento sendo de sete cuacutebitos alguns maiores alguns menores
Quanto agrave largura uma crianccedila de dez anos com dificuldade o envolveria com os
braccedilos Tem dois dentes um em cima e o outro embaixo e o que pegam com os
dentes devoram De dia vivem na lama do rio mas de noite saem e se encontram
algum boi ou camelo na terra tambeacutem os abocanham arrastam consigo para o rio e
comem-no todo exceto o intestino Ele eacute capturado com um grande anzol que
cobrem com um cordeiro ou um carneiro e prendem com uma corrente de ferro
Tendo-o capturado penduram-no por trinta dias e colocam uma jarra embaixo dele
escorre o total de cerca de dez copos aacuteticos Quando se completam os trinta dias
jogam fora o verme e o oacuteleo recolhido levam somente para o rei dos indianos natildeo eacute
permitido que nenhuma outra pessoa o tenha Este oacuteleo sobre o que se derrama
53
incendeia e queima trate-se de madeira ou animal e natildeo se apaga de outro modo
que com muita lama espessa
Na VA por sua vez eacute no rio Hiacutefasis onde existe uma minhoca semelhante agrave retratada
acima
ἔστι δέ τι θηρίον ἐν τῷ ποταμῷ τούτῳ σκώληκι εἰκασμένον λευκῷ τοῦτο οἱ
τήκοντες ἔλαιον ποιοῦνται πῦρ δὲ ἄρα τοῦ ἐλαίου τούτου ἐκδίδοται καὶ στέγει αὐτὸ
πλὴν ὑελοῦ οὐδέν ἁλίσκεται δὲ τῷ βασιλεῖ μόνῳ τὸ θηρίον τοῦτο πρὸς τειχῶν
ἅλωσιν ἐπειδὰν γὰρ θίγῃ τῶν ἐπάλξεων ἡ πιμελή πῦρ ἐκκαλεῖται κρεῖττον
σβεστηρίων ὁπόσα ἀνθρώποις πρὸς τὰ πυρφόρα εὕρηται (VA III 1)
Haacute tambeacutem uma fera nesse rio (Hifaacutesis) que se parece com um verme34
branco Ao
derretecirc-lo eles fazem um oacuteleo e deste oacuteleo parece produz- se uma chama que nada
aleacutem de vidro pode conter E esta criatura pode ser capturada soacute para o rei que o
utiliza para a captura das cidades Quando pois a gordura toca as ameias um fogo
acende-se e desafia todos os meios comuns que vierem a ser inventados pelos
homens contra combustiacuteveis
O unicoacuternio
Nos Indikaacute Cteacutesias retrata um animal com caracteriacutesticas comuns aos unicoacuternios da
VA como por exemplo o fato de os indianos fazerem do chifre do animal uma taccedila e ao
beber dela natildeo adoecerem
Ὅτι εἰσὶν ὄνοι ἄγριοι ἐν τοῖς Ἰνδοῖς ἴσοι ἵπποις καὶ μείζους λευκοὶ δέ εἰσι τὸ σῶμα
τὴν κεφαλὴν πορφυροῖ ὀφθαλμοὺς ἔχουσι κυανέους Κέρας δὲ ἔχει ἐν τῷ μετώπῳ
ἑνὸς πήχεος τὸ μέγεθος καὶ ἔστι τὸ μὲν κάτω τοῦ κέρατος ὅσον ἐπὶ δύο παλαιστὰς
34
Filoacutestrato utiliza a mesma palavra que Cteacutesias para se referir a essa criatura σκώληξ para qual mantivemos
tambeacutem a traduccedilatildeo por ldquovermerdquo nos dois textos
54
πρὸς τὸ μέτωπον πάνυ λευκόν τὸ δὲ ἐπάνω ὀξύ ἐστι τοῦ κέρατος τοῦτο δὲ
φοινικοῦν ἐστιν ἐρυθρὸν πάνυ τὸ δὲ ἄλλο τὸ ἐν τῷ μέσῳ μέλαν Ἐκ τούτων οἱ
πιόντες (κατασκευάζουσι γὰρ ἐκπώματα) σπασμῷ φασίν οὐ λαμβάνονται οὔτε τῇ
ἱερᾷ νόσῳ ἀλλacute οὐδὲ φαρμάκοις ἁλίσκονται οὔτacute ἂν προπίωσιν οὔτacute ἂν τοῦ
φαρμάκου ἐπιπίωσιν ἢ οἶνον ἢ ὕδωρ ἢ ἄλλο τι ἐκ τῶν ἐκπωμάτων Οἱ μὲν οὖν
ἄλλοι ὄνοι καὶ ἥμεροι καὶ ἄγριοι καὶ τὰ ἄλλα μώνυχα θηρία πάντα ἀστραγάλους
οὐδὲ χολὴν ἐπὶ τοῦ ἥπατος ἔχουσιν Οὗτοι δὲ καὶ ἀστράγαλον ἔχουσι καὶ χολὴν ἐπὶ
τοῦ ἥπατος τὸν δὲ ἀστράγαλον κάλλιστον ὧν ἐγὼ ἑώρακα οἷόν περ βοὸς καὶ τὸ
εἶδος καὶ τὸ μέγεθος βαρὺς δacute ὡς μόλιβδος τὴν δὲ χρόαν ὥσπερ κιννάβαρι καὶ διὰ
βάθους Ταχύτατον δέ ἐστι τὸ ζῷον τοῦτο καὶ ἀλκιμώτατον οὐδὲν δὲ οὔτε ἵππος
οὔτε ἄλλο τι διωκόμενον καταλαμβάνει (Ind frag XXV)
Que na Iacutendia haacute asnos selvagens iguais a cavalos e maiores Eles tecircm o corpo
branco e a cabeccedila vermelha e tecircm os olhos escuros Tecircm um chifre na testa com o
comprimento de um cuacutebito A parte de baixo do chifre de mais ou menos dois
palmos ateacute a testa eacute completamente branca a parte superior do chifre eacute pontuguda e
inteiramente vermelha escura jaacute a outra parte a do meio eacute preta Os que bebem
nesse chifre (pois os fazem de canecas) dizem natildeo tinham convulsatildeo nem a doenccedila
sagrada nem sucumbem a venenos se bebem antes ou depois do veneno vinho
aacutegua ou qualquer outra bebida nessa caneca Os outros asnos tanto os doacuteceis quanto
os bravos e os outros animais selvagens de uma soacute pata todos natildeo tecircm o astraacutegalo35
nem biacutelis no fiacutegado Poreacutem estes tecircm astraacutegalos e biacutelis no fiacutegado O astraacutegalo eacute o
mais bonito que jaacute vi como o de um boi na forma e no tamanho pesado como
chumbo como que da cor do cinaacutebrio ateacute o fundo Esse animal eacute velociacutessimo e
fortiacutessimo e nenhum cavalo ou outro animal o alcanccedila na corrida
A descriccedilatildeo de Filoacutestrato eacute bem mais breve
καὶ τοὺς ὄνους δὲ τοὺς ἀγρίους ἐν τοῖς ἕλεσι τούτοις ἁλίσκεσθαί φασιν εἶναι δὲ τοῖς
θηρίοις τούτοις ἐπὶ μετώπου κέρας ᾧ ταυρηδόν τε καὶ οὐκ ἀγεννῶς μάχονται καὶ
ἀποφαίνειν τοὺς Ἰνδοὺς ἔκπωμα τὸ κέρας τοῦτο οὐ γὰρ οὔτε νοσῆσαι τὴν ἡμέραν
ἐκείνην ὁ ἀπ᾽ αὐτοῦ πιὼν οὔτε ἂν τρωθεὶς ἀλγῆσαι πυρός τε διεξελθεῖν ἂν καὶ μηδ᾽
ἂν φαρμάκοις ἁλῶναι ὁπόσα ἐπὶ κακῷ πίνεται βασιλέων δὲ τὸ ἔκπωμα εἶναι καὶ
βασιλεῖ μόνῳ ἀνεῖσθαι τὴν θήραν (VA III 2)
35
Nome do osso do tarso substituiacutedo por taacutelus
55
E eles dizem que asnos selvagens tambeacutem satildeo capturados nesses pacircntanos e que
essas criaturas tecircm um chifre na testa com o qual como um touro e natildeo sem
nobreza lutam e que os hindus fazem uma taccedila desse chifre pois algueacutem natildeo
adoeceria durante o dia em que dela bebesse nem tendo sido ferido sentiria dor
mas atravessaria o fogo e nem se bebesse poccedilotildees que fazem mal seria prejudicado
este caacutelice eacute reservado para reis e soacute o rei caccedila essa criatura
Dragotildees
Segundo a narraccedilatildeo da VA por toda a Iacutendia haacute dragotildees enormes tanto nos pacircntanos
quanto nas montanhas Existem diferentes tipos de dragotildees que circulam por esta terra e os
retratados satildeo os do pacircntano os que ficam no sopeacute das montanhas e os que ficam na parte
mais elevada das montanhas Suas principais caracteriacutesticas satildeo
Sobre os dragotildees do pacircntano
οἱ μὲν δὴ ἕλειοι νωθροί τέ εἰσι καὶ τριακοντάπηχυ μῆκος ἔχουσι καὶ κράνος αὐτοῖς
οὐκ ἀνέστηκεν ἀλλ᾽ εἰσὶ ταῖς δρακαίναις ὅμοιοι μέλανες δὲ ἱκανῶς τὸν νῶτον καὶ
ἧττον φολιδωτοὶ τῶν ἄλλων (VA III 6)
Os do pacircntano satildeo pesados e tecircm trinta cuacutebitos de comprimento e natildeo tecircm crista
acima [de suas cabeccedilas] mas satildeo semelhantes aos dragotildees fecircmeas Suas costas satildeo
bem pretas cobertos de menos escamas que as outras espeacutecies
Os dragotildees que sobrevoam o sopeacute e os picos das montanhas satildeo maiores que os
anteriores se movem muito velozmente e satildeo predadores dos dragotildees da planiacutecie Suas outras
caracteriacutesticas satildeo
τούτοις καὶ λοφιὰ φύεται νέοις μὲν ὑπανίσχουσα τὸ μέτριον τελειουμένοις δὲ
συναυξανομένη τε καὶ συνανιοῦσα ἐς πολύ ὅτε δὴ πυρσοί τε καὶ πριόνωτοι
γίγνονται οὗτοι καὶ γενειάσκουσι καὶ τὸν αὐχένα ὑψοῦ αἴρουσι καὶ τὴν φολίδα
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στίλβουσι δίκην ἀργύρου αἱ δὲ τῶν ὀφθαλμῶν κόραι λίθος ἐστὶ διάπυρος ἰσχὺν δ᾽
αὐτῶν ἀμήχανον εἶναί φασιν ἐς πολλὰ τῶν ἀποθέτων (VA III 7)
Estes tecircm crista de extensatildeo e altura moderada quando satildeo jovens mas quando
crescem sua crista aumenta muito e eles se tornam avermelhados e proeminentes
Eles tambeacutem adquirem barba e levantam o pescoccedilo para cima enquanto suas
escamas brilham como prata Seus olhos e suas pupilas satildeo uma pedra ardente e
dizem que guardam uma forccedila irresistiacutevel para muitas coisas escondidas
Sobre os dragotildees das montanhas
οἱ δὲ ὄρειοι δράκοντες τὴν μὲν φολίδα χρυσοῖ φαίνονται τὸ δὲ μῆκος ὑπὲρ τοὺς
πεδινούς γένεια δὲ αὐτοῖς βοστρυχώδη χρυσᾶ κἀκεῖνα καὶ κατωφρύωνται μᾶλλον
ἢ οἱ πεδινοὶ ὄμμα τε ὑποκάθηται τῇ ὀφρύι δεινὸν καὶ ἀνειδὲς δεδορκός ὑπόχαλκόν
τε ἠχὼ φέρουσιν ἐπειδὰν τῇ γῇ ὑποκυμαίνωσιν ἀπὸ δὲ τῶν λόφων πυρσῶν ὄντων
πῦρ αὐτοῖς ἄττει λαμπαδίου πλέον (VA III 8)
Os dragotildees das montanhas tecircm escamas que brilham como ouro e em comprimento
excedem aos da plaacutenicie tecircm barbas espessas tambeacutem dourada suas sobrancelhas
satildeo maiores que as dos da planiacutecie seus olhos se afundam debaixo das sobrancelhas
e emitem um olhar terriacutevel e implacaacutevel Eles produzem um som de bronze quando
se rastejam pela terra e das suas cristas que satildeo vermelhas brota um fogo mais
brilhante do que o de uma tocha
A manticora
A manticora eacute um animal bem descrito por Cteacutesias Na VA a referecircncia que temos
dela se encontra num diaacutelogo com Iarcas quando Apolocircnio lhe pergunta sobre a existecircncia de
tal animal recebendo como resposta do interlocutor nunca ter ouvido nada sobre isso (VA III
45) No entanto a descriccedilatildeo da manticora feita por Apolocircnio eacute semelhante agrave de Cteacutesias
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Καὶ περὶ τοῦ μαρτιχόρα τοῦ ἐν αὐτοῖς ὄντος θηρίου ὡς τὸ πρόσωπον ἐοικὼς
ἀνθρώπῳ μέγεθος μέν ἐστιν ὥσπερ λέων καὶ χροὰν ἐρυθρὸς ὡς κιννάβαρι
Τρίστιχοι δὲ ὀδόντες ὦτα δὲ ὥσπερ ἀνθρώπου καὶ ὀφθαλμοὺς γλαύκους ὁμοίους
ἀνθρώπῳ Τὴν δὲ κέρκον ἔχει οἵανπερ σκορπίος ὁ ἠπειρώτης ἐν ᾗ καὶ τὸ κέντρον
ἔχει μείζω ὑπάρχουσαν πήχεος Ἔχει δὲ καὶ ἐκ πλαγίου τῆς κέρκου ἔνθα καὶ ἔνθα
κέντρα ἔχει δὲ καὶ ἐπacute ἄκρῳ ὥσπερ σκορπίος κέντρον Καὶ τούτῳ μέν ἐὰν
προσέλθῃ τις κεντεῖ τῷ κέντρῳ καὶ πάντως ὁ κεντηθεὶς ἀποθνῄσκει Ἐὰν δέ τις
πόρρωθεν μάχηται πρὸς αὐτόν καὶ ἔμπροσθεν ἱστὰς τὴν οὐράν ὥσπερ ἀπὸ τόξου
βάλλει τοῖς κέντροις καὶ ὄπισθεν ἐπacute εὐθείας ἀποτείνων Βάλλει δὲ ὅσον πλέθρον
εἰς μῆκος καὶ πάντα οἷς ἂν βάλῃ πάντως ἀποκτείνει πλὴν ἐλέφαντος Τὰ δὲ κέντρα
αὐτοῦ ἐστι τὸ μὲν μῆκος ὅσον ποδιαῖα τὸ δὲ πλάτος ὅσον σχοῖνος λεπτότατος
Μαρτιχόρα δὲ ἑλληνιστὶ ἀνθρωποφάγον ὅτι πλεῖστα ἐσθίει ἀναιρῶν ἀνθρώπους
ἐσθίει δὲ καὶ τὰ ἄλλα ζῷα μάχεται δὲ καὶ τοῖς ὄνυξι καὶ τοῖς κέντροις Τὰ δὲ κέντρα
πάλιν φησίν ἐπειδὰν ἐκτοξευθῇ ἀναφύεσθαι Ἔστι δὲ πολλὰ ἐν τῇ Ἰνδικῇ
Ἀποκτείνουσι δὲ αὐτὰ τοῖς ἐλέφασιν ἐποχούμενοι ἄνθρωποι κἀκεῖθεν βάλλοντες
(Ind frag VII)
E sobre a manticora que eacute um animal selvagem e seu rosto parece-se com o
humano Tem o tamanho de um leatildeo e o corpo eacute vermelho assim como do cinaacutebrio
Tem trecircs fileiras de dentes orelhas como a do homem e olhos glaucos semelhantes
ao humano Ele tem a cauda como a do escorpiatildeo continental na qual haacute um ferratildeo
maior que um cocircvado Tambeacutem tem aqui e ali ferrotildees dos lados da cauda aleacutem de
ter tambeacutem um ferratildeo na ponta da cauda como escorpiatildeo Dele se algueacutem se
aproxima ele ferroa com o ferratildeo e todos os ferroados morrem Se algueacutem o
enfrenta de longe e de frente ele levanta a cauda e lanccedila os ferrotildees como de um
arco e se for atacado por traacutes ele o estira reto Ele lanccedila os ferrotildees tatildeo longe quanto
plethron36
e todos aqueles em que ele os lanccedila ele os mata exceto elefantes O
ferratildeo eacute do comprimento de um peacute e da largura de um junco esguio Em grego
manticora significa ldquoantropoacutefagordquo pelo fato de a maioria matar e comer homens
mas devora tambeacutem os outros animais E ela ataca tambeacutem com as garras e com os
ferrotildees e o ferratildeo traseiro diz [Cteacutesias] cada vez que eacute disparado nasce de novo
Haacute muitos deles na Iacutendia E matam-nos homens levados por elefantes e jogando
flechas do alto
lsquoλέγεταιrsquo εἶπε lsquoμεγάλα καὶ ἄπιστα τετράπουν μὲν γὰρ εἶναι αὐτό τὴν κεφαλὴν δὲ
ἀνθρώπῳ εἰκάσθαι λέοντι δὲ ὡμοιῶσθαι τὸ μέγεθος τὴν δὲ οὐρὰν τοῦ θηρίου
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Medida de comprimento de cem peacutes gregos
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τούτου πηχυαίας ἐκφέρειν καὶ ἀκανθώδεις τὰς τρίχας ἃς βάλλειν ὥσπερ τοξεύματα
ἐς τοὺς θηρῶντας αὐτόrsquo (VA III 45)
Dizem disse [Apolocircnio] coisas grandes e incriacuteveis [sobre essa criatura] que ela tem
quatro patas que sua cabeccedila se assemelha agrave de um homem mas seu tamanho eacute
como o de um leatildeo e que a cauda dessa fera produz pelos de um cuacutebito de
comprimento iguais a um espinho os quais ela lanccedila como flecha naqueles que a
caccedilam
Os grifos
No relato de Cteacutesias os grifos satildeo guardiotildees de ouro
Ἔστι δὲ αὐτόθι ἄργυρος πολὺς καὶ ἀργύρεα μέταλλα οὐ βαθέα ἀλλὰ βαθύτερα
εἶναί φασι τὰ ἐν Βάκτροις Ἔστι δὲ καὶ χρυσὸς ἐν τῇ Ἰνδικῇ χώρᾳ οὐκ ἐν τοῖς
ποταμοῖς εὑρισκόμενος καὶ πλυνόμενος ὥσπερ ἐν τῷ Πακτωλῷ ποταμῷ ἀλλacute ὄρη
πολλὰ καὶ μεγάλα ἐν οἷς οἰκοῦσι γρῦπες ὄρνεα τετράποδα μέγεθος ὅσον λύκος
σκέλη καὶ ὄνυχες οἷά περ λέων τὰ ἐν τῷ ἄλλῳ σώματι πτερὰ μέλανα ἐρυθρὰ δὲ τὰ
ἐν τῷ στήθει Διacute αὐτοὺς δὲ ὁ ἐν τοῖς ὄρεσι χρυσὸς πολὺς ὢν γίνεται δυσπόριστος
(Ind frag XII)
Haacute laacute muita riqueza e minas de prata natildeo profundas mas dizem que as de Baacutectria
satildeo mais profundas Haacute tambeacutem ouro na regiatildeo da Iacutendia mas natildeo satildeo encontrados e
lavados nos rios como no rio Pactolo mas em muitas e grandes montanhas nas
quais vivem grifos aves quadruacutepedes do tamanho de um lobo as patas e garras tais
quais de um leatildeo No resto do corpo tem penas pretas mas no peito satildeo elas
vermelhas Por causa deles torna-se difiacutecil alcanccedilar o abundante ouro que haacute nas
montanhas
Na VA em resposta a Apolocircnio Iarcas confirma a existecircncia deles (VA III 48) Aqui
eacute acrescentada a informaccedilatildeo de que eles satildeo venerados por serem sagrados para o Sol
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μέγεθός τε καὶ ἀλκὴν εἰκάσθαι αὐτοὺς τοῖς λέουσιν ὑπὸ δὲ πλεονεξίας τῶν πτερῶν
αὐτοῖς τε ἐκείνοις ἐπιτίθεσθαι καὶ τῶν ἐλεφάντων δὲ καὶ δρακόντων ὑπερτέρους
εἶναι πέτονται δὲ οὔπω μέγα ἀλλ᾽ ὅσον οἱ βραχύποροι ὄρνιθες μὴ γὰρ ἐπτιλῶσθαι
σφᾶς ὡς ὄρνισι πάτριον ἀλλ᾽ ὑμέσι τοὺς ταρσοὺς ὑφάνθαι πυρσοῖς ὡς εἶναι
κυκλώσαντας πέτεσθαί τε καὶ ἐκ μετεώρου μάχεσθαι τὴν τίγριν δὲ αὐτοῖς ἀνάλωτον
εἶναι μόνην ἐπειδὴ τὸ τάχος αὐτὴν ἐσποιεῖ τοῖς ἀνέμοις (VA III 48)
Em tamanho e em forccedila eles se parecem com os leotildees mas pela vantagem das asas
sobrepotildeem-se agravequeles e satildeo tambeacutem mais poderosos que elefantes e dragotildees Natildeo
voam eles alto mas como as aves de voo curto pois eles natildeo tecircm penas como eacute
normal entre os paacutessaros mas as palmas de suas patas tecircm membranas vermelhas
de modo que girando-as podem voar e do alto lutarem O tigre eacute o uacutenico natildeo
capturado por eles uma vez sua rapidez o faz par dos ventos
A fecircnix
Segundo a narraccedilatildeo de Iarcas a fecircnix eacute uma ave que vai ateacute o Egito a cada quinhentos
anos e no resto do tempo sobrevoa a Iacutendia Sobre ela se diz
εἶναι δὲ ἕνα ἐκδιδόμενον τῶν ἀκτίνων καὶ χρυσῷ λάμποντα μέγεθος ἀετοῦ καὶ
εἶδος ἐς καλιάν τε ἱζάνειν τὴν ἐκ τοῦ ἀρώματος ποιουμένην αὐτῷ πρὸς ταῖς τοῦ
Νείλου πηγαῖς (VA III 49)
haver uma uacutenica produzida pelos raios solares e brilhante de ouro com o tamanho e
a aparecircncia da aacuteguia a qual pousa num ninho que eacute feito por ela mesma com ervas
aromaacuteticas junto das nascentes do Nilo
Os egiacutepcios afirmam que a ave vai ateacute o Egito e os indianos confirmam a informaccedilatildeo
acrescentando ainda que ela ao queimar-se em seu ninho canta hinos fuacutenebres para si mesma
(τῷ λόγῳ τὸ τὸν φοίνικα τὸν ἐν τῇ καλιᾷ τηκόμενον προπεμπτηρίους ὕμνους αὑτῷ ᾄδειν -VA
III 49)
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2315 Seres exoacuteticos
Neste subtoacutepico estatildeo arrolados seres que se diferem por seus haacutebitos como eacute o caso
dos hindus de Taxila e dos comedores de peixes aleacutem de outros seres que possuem
caracteriacutesticas fiacutesicas atiacutepicas como os anotildees a mulher malhada e os pigmeus
Os homens de quatro e cinco cocircvados
Apoacutes passarem do Caacuteucaso eacute narrado que Apolocircnio e seus companheiros
τετραπήχεις ἀνθρώπους ἰδεῖν φασιν οὓς ἤδη μελαίνεσθαι καὶ πενταπήχεις δὲ
ἑτέρους ὑπὲρ τὸν Ἰνδὸν ποταμὸν ἐλθόντες ἐν δὲ τῇ μέχρι τοῦ ποταμοῦ τούτου
ὁδοιπορίᾳ τάδε εὗρον ἀφηγήσεως ἄξια ἐπορεύοντο μὲν γὰρ ἐν σελήνῃ λαμπρᾷ
φάσμα δὲ αὐτοῖς ἐμπούσης ἐνέπεσε τὸ δεῖνα γινομένη καὶ τὸ δεῖνα αὖ καὶ οὐδὲν
εἶναι ὁ δὲ Ἀπολλώνιος ξυνῆκεν ὅ τι εἴη καὶ αὐτός τε ἐλοιδορεῖτο τῇ ἐμπούσῃ τοῖς
τε ἀμφ᾽ οὑτὸν προσέταξε ταὐτὸ πράττειν ταυτὶ γὰρ ἄκος εἶναι τῆς προσβολῆς
ταύτης καὶ τὸ φάσμα φυγῇ ᾤχετο τετριγός ὥσπερ τὰ εἴδωλα (VA II 4)
dizem ter visto homens de quatro cuacutebitos os quais jaacute eram negros e tendo passado
o rio Indo viram outros de cinco cuacutebitos de altura E ateacute alcanccedilar este rio
encontraram isto digno de ser narrado viajavam sob o brilho da lua quando
depararam com a apariccedilatildeo de uma empusa que se transformou de uma coisa em
outra ateacute finalmente se tornar nada Entatildeo Apolocircnio percebeu o que era e ele
mesmo insultou a empusa e mandou que os outros fizessem o mesmo uma vez que
esse era o remeacutedio para aquele ataque E o fantasma voou para longe berrando
como os fantasmas
A mulher malhada
Esta mulher se diz ser consagrada a Afrodite Ao contraacuterio da bela deusa grega esta
mulher multicolor se assemelha a um monstro
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ἐνταῦθα καὶ γυναίῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι τὰ μὲν ἐκ κεφαλῆς ἐς μαζοὺς μέλανι τὰ δὲ
ἐκ μαζῶν ἐς πόδας λευκῷ πάντα καὶ αὐτοὶ μὲν ὡς δεῖμα φυγεῖν τὸν δὲ Ἀπολλώνιον
ξυνάψαι τε τῷ γυναίῳ τὴν χεῖρα καὶ ξυνεῖναι ὅ τι εἴη ἱεροῦται δὲ ἄρα τῇ Ἀφροδίτῃ
Ἰνδὴ τοιαύτη καὶ τίκτεται τῇ θεῷ γυνὴ ποικίλη καθάπερ ὁ Ἆπις Αἰγυπτίοις (VA
III 3)
Neste lugar eles dizem que encontraram uma mulher que era negra da cabeccedila aos
seios mas completamente branca do seu peito ateacute os peacutes e fugiram dela como se
fosse um monstro mas Apolocircnio tomou a matildeo da mulher e entendeu o que ela era
de fato na Iacutendia consagra-se a Afrodite algueacutem assim e nasce em homenagem agrave
deusa uma mulher multicolor assim como Aacutepis entre os egiacutepcios
Sobre os hindus de Taxila
Aleacutem de conter templos magniacuteficos e ser a cidade do rei Fraotes a cidade de Taxila eacute
maravilhosa pelo fato de sua populaccedilatildeo se assemelhar a filoacutesofos
στολὴν δὲ εἶναι τοῖς μετὰ τὸν Ἰνδὸν λίνου φασὶν ἐγχωρίου καὶ ὑποδήματα βύβλου
καὶ κυνῆν ὅτε ὕοι καὶ βύσσῳ δὲ τοὺς φανερωτέρους αὐτῶν φασιν ἐστάλθαι τὴν δὲ
βύσσον φύεσθαι δένδρου φασὶν ὁμοίου μὲν τῇ λεύκῃ τὴν βάσιν παραπλησίου δὲ τῇ
ἰτέᾳ τὰ πέταλα καὶ ἡσθῆναι τῇ βύσσῳ φησὶν ὁ Ἀπολλώνιος ἐπειδὴ ἔοικε φαιῷ
τρίβωνι (VA II 20)
Dizem que a vestimenta dos que habitam do outro do outro lado do Indo eacute de linho
da regiatildeo calccedilados de casca de aacutervore e um chapeacuteu quando chove dizem que os
mais distintos deles se vestem com linho finiacutessimo e que o linho finiacutessimo nasce de
uma aacutervore semelhante ao aacutelamo branco e as folhas satildeo quase iguais agraves do
salgueiro E Apolocircnio diz que ficou encantado com o linho fino uma vez que
parecia com seu manto cinza de filoacutesofo
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Os pigmeus
Comparado a Heroacutedoto e a Filoacutestrato Cteacutesias foi o que mais escreveu acerca dos
pigmeus Em sua obra ele descreve caracteriacutesticas fiacutesicas deles como pelos genitais e narizes
(Indikaacute frag XI) Heroacutedoto natildeo usa o termo pigmeu mas Nichols (2011 p 208) afirma que a
descriccedilatildeo em Histoacuterias (II 32) se refere a eles sendo esse termo usado para descrever pessoas
pequenas Na arte e na literatura greco-romana os pigmeus satildeo associados ao nanismo e a
uma desproporccedilatildeo fiacutesica (principalmente com relaccedilatildeo aos genitais) se tornando assim
emblemas de anormalidade Essa anormalidade humana somada agrave caracteriacutestica de eles serem
vinculados ao exotismo representativo dos espaccedilos aleacutem-fronteira reforccedila a imagem da Iacutendia
como uma regiatildeo afastada da Heacutelade ldquocivilizadardquo (RODRIGUES 2016 p 172)
O retrato de Cteacutesias dos pigmeus eacute bem detalhado
Ὅτι μέσῃ τῇ Ἰνδικῇ ἄνθρωποί εἰσι μέλανες (καλοῦνται Πυγμαῖοι) ὁμόγλωσσοι τοῖς
ἄλλοις Ἰνδοῖς Μικροὶ δέ εἰσι λίαν οἱ μακρότατοι αὐτῶν πηχέων δύο οἱ δὲ
πλεῖστοι ἑνὸς ἡμίσεος πήχεος Κόμην δὲ ἔχουσι μακροτάτην μέχρις ἐπὶ τὰ γόνατα
καὶ ἔτι κατώτερον καὶ πώγωνα μέγιστον πάντων ἀνθρώπων Ἐπειδὰν οὖν τὸν
πώγονα μέγα φύσωσιν οὐκέτι ἀμφιέννυνται οὐδὲν ἱμάτιον ἀλλὰ τὰς τρίχας τὰς μὲν
ἐκ τῆς κεφαλῆς ὄπισθεν καθίενται πολὺ κάτω τῶν γονάτων τὰς δὲ ἐκ τοῦ πώγωνος
ἔμπροσθεν μέχρι ποδῶν ἑλκομένας ἔπειτα περιπυκασάμενοι τὰς τρίχας περὶ ἅπαν
τὸ σῶμα ζώννυνται χρώμενοι αὐταῖς ἀντὶ ἱματίου Αἰδοῖον δὲ μέγα ἔχουσιν ὥστε
ψαύειν τῶν σφυρῶν αὐτῶν καὶ παχύ Αὐτοὶ δὲ σιμοί τε καὶ αἰσχροί Τὰ δὲ πρόβατα
αὐτῶν ὡς ἄρνες καὶ οἱ ὄνοι καὶ αἱ βόες σχεδὸν ὅσον κριοί Καὶ οἱ ἵπποι αὐτῶν καὶ
ἡμίονοι καὶ τὰ ἄλλα κτήνη πάντα οὐδὲν μείζω κριῶν Ἕπονται δὲ τῷ βασιλεῖ τῶν
Ἰνδῶν τούτων τῶν Πυγμαίων ἄνδρες τρισχίλιοι σφόδρα γάρ εἰσι τοξόται
Δικαιότατοι δέ εἰσι καὶ νόμοισι χρῶνται ὥσπερ καὶ οἱ Ἰνδοί Λαγοὺς δὲ καὶ
ἀλώπεκας θηρεύουσιν οὐ τοῖς κυσὶν ἀλλὰ κόραξι καὶ ἰκτίσι καὶ κορώναις καὶ ἀετοῖς
Ὅτι λίμνη ἐστὶν ἐν αὐτοῖς (σταδίων ὀκτακοσίων ἡ περίμετρος) ἐν ᾗ ἀνέμου μὴ
πνέοντος ἐπάνω τῆς λίμνης ἔλαιον ἐφίσταται καὶ πλοαρίοις πλέοντες διacute αὐτῆς ἐκ
μέσης αὐτῆς σκαφίοις τοῦ ἐλαίου ἀπαρύονται καὶ χρῶνται Χρῶνται δὲ καὶ
σησαμίνῳ Ἔχει δὲ ἡ λίμνη καὶ ἰχθύας Καὶ τῷ καρυΐνῳ δὲ χρῶνται κρεῖσσον δὲ τὸ
λιμναῖον (Ind frag XI)
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Que no meio da Iacutendia haacute homens negros (chamados pigmeus) que falam a mesma
liacutengua que os outros indianos E satildeo muito pequenos os maiores deles tecircm dois
cocircvados mas a maioria meio cocircvado E tecircm o cabelo comprido ateacute o joelho e ainda
mais abaixo e a barba maior que de todos os homens Uma vez pois que a barba
ficava grande natildeo mais vestiam nenhuma roupa mas dos peacutes uma parte deixam
cair da cabeccedila para traacutes ateacute os joelhos a outra parte puxam da barba para frente ateacute
os peacutes em seguida envolvem os pelos ao redor do corpo todo e cingem-se usando
os pelos em lugar de roupa E eles tecircm o genital grande ao ponto de tocar os joelhos
deles e grosso E eles satildeo de nariz achatado e feios E os carneiros deles satildeo como
os cordeiros e os asnos e bois mais ou menos do tamanho de carneiros E os cavalos
deles as mulas e todas as outras criaccedilotildees natildeo satildeo maiores que carneiros E escoltam
o rei da Iacutendia destes pigmeus trecircs mil homens pois satildeo arqueiros muito bons Satildeo
justos e utilizam de leis como tambeacutem os indianos Caccedilam lebres e raposas natildeo com
catildees mas com corvos fuinhas albatrozes e aacuteguias
Que haacute um lago onde moram (com o periacutemetro de 800 estaacutedios) no qual uma vez
que o vento natildeo sopra sobre o lago boia oacuteleo e em barquinhos navegam pelo lago e
do meio dele colhem o oacuteleo em vasilhas e o usam E tambeacutem abusam do gergelim
O lago tem peixe E usam noz A noz do lago eacute melhor
Na VA (VA III 47) o saacutebio Iarcas confirma a existecircncia dos pigmeus na Iacutendia e diz
ser verdade o que descrevem sobre esses homens poreacutem se refere a eles de forma breve
τοὺς δὲ πυγμαίους οἰκεῖν μὲν ὑπογείους κεῖσθαι δὲ ὑπὲρ τὸν Γάγγην ζῶντας
τρόπον ὃς πᾶσιν εἴρηται (VA III 47)
os pigmeus habitam no subsolo ficam do outro lado do Ganges e vivem da forma
como eacute relatada por todos
Os comedores de peixes e os carianos
Os comedores de peixes provecircm de uma cidade chamada Estobera (Στόβηρα) e satildeo
contrastados com uma outra raccedila de hindus os carianos
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διφθέρας δὲ τούτους ἐνῆφθαι μεγίστων ἰχθύων καὶ τὰ πρόβατα τὰ ἐκείνῃ ἰχθυώδη
εἶναι καὶ φαγεῖν ἄτοπα τοὺς γὰρ ποιμένας βόσκειν αὐτὰ τοῖς ἰχθύσιν ὥσπερ ἐν
Καρίᾳ τοῖς σύκοις (VA III 55)
Eles se vestem com a pele de grandes peixes as suas ovelhas tecircm cheiro de peixe e
comem coisas atiacutepicas pois os pastores as alimentam com peixes como na Caacuteria
satildeo alimentadas com figos
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CAPIacuteTULO III
OS SAacuteBIOS HINDUS
Os saacutebios hindus satildeo personagens essenciais nesta obra Satildeo mencionados desde o
iniacutecio como o alvo principal da viagem de Apolocircnio e satildeo a referecircncia de sabedoria maacutexima
natildeo soacute para Apolocircnio mas tambeacutem para a populaccedilatildeo que os procura para serem curados e
aconselhados bem como para reis que os consultam para tomar decisotildees A essecircncia dessa
sabedoria superior adveacutem do contato deles com os deuses e de seu conhecimento da filosofia
grega Assim os bracircmanes satildeo influentes natildeo apenas filosoficamente mas tambeacutem
politicamente
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus
Como mencionado no primeiro capiacutetulo Apolocircnio se depara com muitas referecircncias agrave
cultura grega aacutetica em sua viagem agrave Iacutendia Nesse sentido o rei Fraotes de Taxila se torna um
siacutembolo uma conexatildeo dessa referecircncia claacutessica com a sabedoria hindu
De acordo com a narrativa Fraotes se assemelha a um filoacutesofo com caracteriacutesticas
pitagoacutericas pois natildeo consome vinho manteacutem uma dieta vegetariana (VA II 26) e se compraz
com a filosofia (VA II 30) Interage tambeacutem com a cultura por outro vieacutes visto que se
exercita agrave maneira grega e oferece um banquete a Apolocircnio (VA II 27) Aleacutem disso possui
habilidades linguiacutesticas notaacuteveis pois fala e tem domiacutenio da literatura e da liacutengua grega (VA
II 27-32) Em um diaacutelogo com Apolocircnio Fraotes narra sua histoacuteria e conta como aprendeu
grego com o seu proacuteprio pai Aos doze anos foi viver com os bracircmanes hindus dos quais
recebeu uma educaccedilatildeo helecircnica (VA II 31) Em virtude dessa educaccedilatildeo junto aos bracircmanes
Fraotes se tornou um soberano que age com moderaccedilatildeo e integridade (VA II 34) Silva
(2017 p 486) considera que por essas caracteriacutesticas Fraotes eacute tido como um modelo de rei
ideal e eacute elogiado por Apolocircnio em vaacuterios momentos
Ao ponderar sobre o contexto em que Filoacutestrato viveu isto eacute o de um grego
submetido a um governo romano e sua proposta de resgatar a cultura helecircnica mediante a
Segunda Sofiacutestica entendemos que o autor acreditava que para um rei agir de forma
moderada e iacutentegra deveria estar imbuiacutedo dos valores e da cultura grega Esse modelo
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idealizado personificado na figura de Fraotes serviria de criacutetica contra os imperadores
romanos
A partir desse contato com o rei hindu Apolocircnio tem mais notiacutecias sobre os bracircmanes
Sem especificar o nome da cidade Fraotes lhe conta que os saacutebios vivem em um local entre o
rio Hiacutefasis e o Ganges em uma regiatildeo que nunca fora encontrada por Alexandre Mesmo que
Alexandre a tivesse encontrado explica o rei ele natildeo teria sido capaz de tomar posse daquele
local nem que estivesse acompanhado de ldquodez mil Aquiles e trinta mil Aacutejaxrdquo pois os
bracircmanes natildeo lutam contra aqueles que se aproximam de sua torre (τύρσις) mas os repelem
com prodiacutegios e com raios lanccedilados por eles mesmos uma vez que satildeo homens sagrados e
amados pelos deuses (VA II 33) Como exemplo Fraotes cita uma expediccedilatildeo beacutelica
empreendida por Heacuteracles do Egito e Dioniso Apoacutes terem invadido a Iacutendia tentaram tomar a
torre dos saacutebios com um ataque Os bracircmanes ao inveacutes de terem reagido de forma violenta se
mantiveram quietos e passivos Poreacutem quando todos os soldados estavam reunidos para o
ataque final os saacutebios do alto lanccedilaram miacutesseis de fogo e raios sobre eles derrotando os
invasores (VA II 34)
Em outro momento da narrativa Apolocircnio e Iarcas discutem tambeacutem a respeito desse
toacutepico Apolocircnio cita Aquiles como um modelo de heroacutei exemplar que foi celebrado por
Homero tanto por sua coragem quanto por sua beleza superando Aacutejax e Nireu Contudo
Iarcas critica esse modelo defendido por Apolocircnio e sugere uma ruptura desse paradigma de
heroiacutesmo (VA III 19) Assim associamos que a proacutepria histoacuteria dos bracircmanes eacute um exemplo
desse rompimento haja visto que eles foram capazes de repelir os ataques de Dioniso e
Heacuteracles de Alexandre e de todos os outros homens que tiveram intenccedilatildeo de conquistar
aquele local Valorizando a paz e ao mesmo tempo sendo capazes de manter sua
independecircncia os bracircmanes representam a estabilidade e preservam a integridade de seus
valores Ao redor deles impeacuterios nasceram e caiacuteram Poro um dos mais poderosos reis
indianos foi derrotado por Alexandre o qual por sua vez teve o seu proacuteprio impeacuterio
rapidamente desintegrado apoacutes sua morte O contraste entre os dois reis Fraotes e Poro bem
como a forma de seus governos eacute bem marcada quando Fraotes diz a Apolocircnio ldquoPoro amava
a guerra mas eu amo a pazrdquo (Πῶροςrsquo εἶπε lsquoπολέμου ἤρα ἐγὼ δὲ εἰρήνης VA II 26) De
acordo com Abraham (2014 p 478) a veneraccedilatildeo do militarismo e do imperialismo
encontrados em Homero eacute a fonte da decadecircncia da eacutetica grega e essa decadecircncia por sua
vez eacute expressa pela perda do autoconhecimento e em uacuteltima instacircncia da identidade grega
sob o impeacuterio romano
67
Dessa forma temos uma imagem da torre dos bracircmanes como uma fortaleza
impossiacutevel de ser invadida e corrompida Recaiacute sobre eles a proteccedilatildeo natural do local e o
favorecimento dos deuses Ao mesmo tempo o local se constituiria em um bastiatildeo de
sabedoria que preservaria os valores gregos idealizados por Filoacutestrato
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia
Apoacutes uma longa viagem Apolocircnio e seus companheiros finalmente chegam onde a
torre dos bracircmanes estava localizada (VA III 10) Ao se aproximarem curiosamente um
mensageiro hindu vem ateacute eles se comunicando em grego (VA III 12) Segundo a descriccedilatildeo
do texto a torre tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da
planiacutecie e sua posiccedilatildeo natural a protege de ataques pois eacute rodeada por rochas em todos os
lados (VA III 13) Com essa descriccedilatildeo Filoacutestrato compara explicitamente a topografia da
torre dos bracircmanes com a Acroacutepole de Atenas Desde a referecircncia linguiacutestica ateacute a
topograacutefica o autor permite que o leitor crie um mapa mental de Atenas
68
FIGURA 3 - Apolocircnio encontra o mensageiro dos bracircmanes (VA II 11-13) (imagem superior) Apolocircnio
discursa para a populaccedilatildeo de Eacutefeso sobre a praga (VA IV 10) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Na sequecircncia o autor narra que os viajantes precisam passar por um processo de
purificaccedilatildeo primeiro devem purgar os seus pecados mesmo os involuntaacuterios banhando-se
em um poccedilo para em seguida passarem pelo ldquofogo do perdatildeordquo (πῦρ ξυγγνώμης - VA III
14) Segundo Marciano (2014 p 137-139) manter-se puro tambeacutem eacute um preceito pitagoacuterico
A purificaccedilatildeo eacute nesse sentido uma necessidade para se manter limpo das impurezas
transmitidas pelo contato com as outras pessoas Mesmo fora da esfera estritamente cultual a
pureza individual eacute fundamental para evitar a absorccedilatildeo de energias negativas que manchem
natildeo apenas o plano divino mas tambeacutem o proacuteprio componente divino do homem Por isso
continua a autora a vida diaacuteria pitagoacuterica eacute ritualizada em todos os seus atos gestos e
69
palavras de forma a que o indiviacuteduo possa conscientemente preservar a sua pureza respeitar
a esfera divina e evitar que qualquer accedilatildeo sua possa prejudicar a si mesmo e aos outros
Logo apoacutes terem se purificado Apolocircnio e seus companheiros de viagem se foram
para um local onde se depararam com estaacutetuas de deuses indianos e egiacutepcios Poreacutem a
surpresa maior foi terem encontrado entre as demais estaacutetuas dos deuses gregos mais
antigos
θεῶν δὲ ἀγάλμασιν ἐντυχεῖν φασιν εἰ μὲν Ἰνδοῖς ἢ Αἰγυπτίοις θαῦμα οὐδέν τὰ δέ
γε ἀρχαιότατα τῶν παρrsquo Ἕλλησι τό τε τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Πολιάδος καὶ τὸ τοῦ
Ἀπόλλωνος τοῦ Δηλίου καὶ τὸ τοῦ Διονύσου τοῦ Λιμναίου καὶ τὸ τοῦ Ἀμυκλαίου
καὶ ὁπόσα ὧδε ἀρχαῖα ταῦτα ἱδρύεσθαί τε τοὺς Ἰνδοὺς τούτους καὶ νομίζειν
Ἑλληνικοῖς ἤθεσι φασὶ δ᾽ οἰκεῖν τὰ μέσα τῆς Ἰνδικῆς καὶ τὸν ὄχθον ὀμφαλὸν
ποιοῦνται τοῦ λόφου τούτου πῦρ τε ἐπ᾽ αὐτοῦ ὀργιάζουσιν ὅ φασιν ἐκ τῶν τοῦ
ἡλίου ἀκτίνων αὐτοὶ ἕλκειν τούτῳ καὶ τὸν ὕμνον ἡμέραν ἅπασαν ἐς μεσημβρίαν
ᾄδουσιν (VA III 14)
Eles dizem que se depararam com estaacutetuas de deuses e natildeo seria espantoso se
fossem soacute Indianos ou Egiacutepcios mas viram principalmente de Gregos Haviam
estaacutetuas de Atena Poliacuteade de Apolo de Delos e de Dioniacuteso de Limneu e de Amiclas
dentre outras tambeacutem antigas e os hindus estabeleceram praacuteticas gregas comuns
para cultuaacute-las E eles dizem que eles habitam nas partes centrais da Iacutendia e
consideram este pico como o umbigo desta colina onde os saacutebios cultuam o fogo o
qual dizem extrair dos raios solares e para o sol eles cantam um hino todos os dias
ao meio dia
Como descrito acima as estaacutetuas encontradas satildeo de Atena Poliacuteade de Apolo de
Delos e duas de Dioniacuteso uma do Limneu e a outra de Amiclas Abraham (2014 p 472)
observa que aleacutem dessas estaacutetuas pertencerem a cultos originaacuterios do periacuteodo arcaico estaacute
agregado a esse conjunto o culto das cidades de Atenas (Atena Poliacuteade) de Delos (Apolo) e
de Esparta (Dioniso de Limneu e de Amiclas) criando-se desse modo um mapa mental que
unifica as regiotildees da Aacutetica da Jocircnia e do Peloponeso em uma identidade singular Esse
agrupamento ainda segundo Abraham remete agrave tendecircncia da literatura da Segunda Sofiacutestica
de criar a representaccedilatildeo literaacuteria de um passado grego unificado se natildeo homogeneizado
ocultando as diferenccedilas existentes entre as antigas cidades-estado
Eacute interessante destacar que o estranhamento provocado pelas estaacutetuas dessa vez natildeo
se deve ao exotismo da cultura hindu mas agrave similaridade da proacutepria cultura de Apolocircnio em
um lugar tatildeo distante de sua paacutetria Aleacutem disso ao se referir a torre dos bracircmanes como o
70
coraccedilatildeo Iacutendia e ao mesmo tempo como o centro do mundo (ὀμφαλὸν) desloca-se todo o
referencial geopoliacutetico cultural A noccedilatildeo de periferia e centro eacute invertida a Iacutendia fronteira do
mundo ocupa agora a posiccedilatildeo central no lugar da Greacutecia e de Roma Uma das
consequecircncias disso aponta Abraham (2014 p 475) eacute a implicaccedilatildeo de que o centro do
mundo estaacute de fato em uma regiatildeo baacuterbara e natildeo civilizada Atenas e Roma entatildeo passam a
ser percebidas como regiotildees baacuterbaras e incivilizadas independente de sua localizaccedilatildeo
geograacutefica
Se compararmos as representaccedilotildees de Roma da Greacutecia e de Paraca na VA sugere
Abraham (2014 p 476) Esta uacuteltima corresponderia ao centro do mundo ou ao menos agrave sede
de um helenismo natildeo corrompido Roma agrave periferia corruptora e Greacutecia agrave zona
intermediaacuteria corrompida e baacuterbara pela influecircncia de Roma mas ainda possiacutevel de salvaccedilatildeo
Considerando todas essas caracteriacutesticas percebemos que Filoacutestrato nos indica de
forma metafoacuterica coordenadas que localizam a Greacutecia antiga idealizada pelo autor nas
regiotildees distantes da Iacutendia (ABRAHAM 2004 472 ndash 475) O confim da terra agora passa a ser
o ὀμφαλὸν Nele conseguem se comunicar em liacutengua grega os indianos possuem deuses
gregos em comum e compartilham da mesma educaccedilatildeo grega Estes aspectos servem de ponte
para unir dois lugares tatildeo distantes ou em uacuteltima instacircncia podem ser vistos como o
derradeiro elo entre eles
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria
Se por um lado a Iacutendia foi tida como a fronteira do mundo na literatura grega antiga
por outro lado a VA quebra esse paradigma e amplia os limites desse toacutepos literaacuterio
De acordo com Parker (2008 p 301) os gregos comeccedilaram a imaginar a Iacutendia como
lugar de sabedoria personificada na figura dos homens sagrados a partir de Alexandre
Assim os bracircmanes causaram grande impressatildeo nos gregos e nos romanos por representarem
a junccedilatildeo de duas vertentes a primeira agrave virtude de um povo distante desprovido de riquezas
e individualmente representada por Dandacircmis37
a segunda agrave sabedoria dos saacutebios
especialmente dos povos antigos orientais que reforccedila sua posiccedilatildeo marginal em relaccedilatildeo ao
mundo mediterracircneo Com isso ao caracterizar esses homens saacutebios continua o autor talvez
seja necessaacuterio contrastaacute-los com alguns de seus visitantes mais frequumlentes do oeste os
filoacutesofos Estes diferiam natildeo soacute pela sua identidade eacutetnica mas tambeacutem pela paideia Os
37
O saacutebio com quem Alexandre teve contato como consta no Romance de Alexadre
71
gimnosofistas e os bracircmanes possuiacuteam sabedoria sem terem sofrido o aacuterduo processo de
aprendizagem grego um processo que tambeacutem eacute importante para a formaccedilatildeo do saacutebio estoico
e do homem sagrado pagatildeo da Antiguidade Nesse sentido os gimnosofistas e os bracircmanes
oferecem um tipo alternativo de sabedoria
Desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra que Apolocircnio busca os conhecimentos
orientais como fonte de sabedoria Elsner (1997 p 29-30) mostra que o autor usa as viagens
como um reflexo do progresso espiritual de Apolocircnio Assim a grande variedade de tόpoi
etnograacutefico experimentada por Apolocircnio sugere a profundidade e universalidade da sabedoria
que ele dominou e com a qual estaacute equipado para ensinar Filoacutestrato representa seu saacutebio
visitando as fronteiras do mundo conhecido em todas as direccedilotildees norte no Caacuteucaso (VA II
2) leste no Oriente proacuteximo (VA I 21 II 1) e na Iacutendia (VA II 17 III 50) sul no Egito e
Etioacutepia (VA V43 VI 28) e oeste nas Colunas de Heacuteracles (VA IV 47 V 10)
Depois da Iacutendia Apolocircnio passa por Alexandria e segue viagem rumo agrave cidade dos
gimnosofistas localizada entre o Egito e a Etioacutepia (VA VI 5) Como observa Silva (2014 p
277) os gimnosofistas ora satildeo tratados como egiacutepcios (VA I 2 III 32 VI 10-11 VIII 74)
ora como etiacuteopes (VA VI 6 16 VIII 712) Sobre isso Robiano (1992 p 414-415)
menciona que existe uma proximidade entre gimnosofistas e bracircmanes na literatura grega
antiga A exemplo disso o autor cita uma passagem dos Fugitivos de Luciano de Samoacutesata
na qual a personagem Filosofia marca os estaacutegios de sua chegada aos humanos Em suma
depois dos bracircmanes fui diretamente para a Etioacutepia depois para o Egito (μετὰ δ᾽ οὖν τοὺς
Βραχμᾶνας εἰς Αἰθιοπίαν εὐθύς εἶτα εἰς Αἴγυπτον κατέβην Fugitivi VIII) Tambeacutem na VA
os gimnosofistas satildeo considerados inferiores em sabedoria aos bracircmanes (VA VI 6 11 16)
Como afirma Parker (2008 p 264) as viagens trazem sabedoria em particular
aquelas que rumam para uma antiga terra do leste Os bracircmanes por sua vez natildeo viajam mas
satildeo o motivo de viagem para alguns filoacutesofos como no caso de Apolocircnio Contudo Parker
alega (2008 p 254) que a VA foi a primeira obra a considerar a Iacutendia como referecircncia
maacutexima em sabedoria Ao dialogar com Iarcas Apolocircnio afirma considero que sua
sabedoria eacute mais profunda e muito mais divina do que a nossa e se eu natildeo acrescentar nada ao
meu estoque atual de conhecimento enquanto estou com vocecirc ao menos terei aprendido que
natildeo tenho nada mais para aprender (σοφώτερά τε ἡγοῦμαι τὰ ὑμέτερα καὶ πολλῷ θειότερα
εἰ δὲ μηδὲν πλέον ὧν οἶδα παρ᾽ ὑμῖν εὕροιμι μεμαθηκὼς ἂν εἴην καὶ τὸ μηκέτ᾽ ἔχειν ὅ τι
μάθοιμι VA III 16)
Temos assim segundo Elsner (1997 29-31) a construccedilatildeo da imagem dos bracircmanes
como a fonte maacutexima de sabedoria que Apolocircnio poderia alcanccedilar e o resultado dessa viagem
72
agrave Iacutendia eacute justamente o autoconhecimento e a plena maturidade filosoacutefica Essa viagem ao
leste entatildeo eacute apresentada como parte da trajetoacuteria que transformaraacute Apolocircnio em um θεῖος
ἀνήρ no Impeacuterio Romano Ao mesmo tempo essa viagem estabelece um paralelo entre
Apolocircnio Heacuteracles Dioniso e Alexandre nos quais o saacutebio finalmente supera o conquistador
ao adentrar no leste
Assim foi na Iacutendia a fronteira do mundo o lugar onde Apolocircnio atingiu o extremo da
sabedoria
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes
Como mencionado no primeiro capiacutetulo os milagres e as curas de Apolocircnio narrados
na VA satildeo ingredientes que formam a figura de um θεῖος ἀνήρ e compotildeem tambeacutem o
conteuacutedo maravilhoso da obra No terceiro livro enquanto Apolocircnio permanece na torre dos
bracircmanes ele e os saacutebios curam alguns enfermos que para laacute se dirigem
De acordo com Parker (2009 p 89) a literatura antiga valorizava de maneira especial
o conhecimento medicinal hindu Assim os meacutedicos indianos ao contraacuterio de seus
equivalentes gregos eram capazes de curar mordidas de cobras como narrado por Arriano de
Nicomeacutedia (VIII Ind 15 5-11) Segundo Arriano esses meacutedicos (ἰητροί) pertencem a um
subconjunto de filoacutesofos Estrabatildeo tambeacutem fala a respeito da medicina indiana citando Nearco
e Megaacutestenes como fonte (15 145 C706 e 15160 C713)
Na VA algumas das curas realizadas ora por Apolocircnio ora pelos bracircmanes satildeo i) o
exorcismo de um democircnio que possuiacutea um menino haacute dois anos (VA III 38) ii) a
recuperaccedilatildeo de um homem caccedilador de leotildees o qual havia deslocado o quadril por causa do
ataque de um leatildeo iii) o restabelecimento da visatildeo de um homem que teve os olhos
arrancados iv) a restauraccedilatildeo de um outro que tinha uma matildeo paralisada v) e o auxiacutelio ao
parto de uma mulher que jaacute havia sofrido aborto sete vezes (VA III 39)
Em dado momento Iarcas declara que de todos os dons que satildeo concedidos aos
homens o da cura eacute o mais importante (VA III 44) Ao mesmo tempo ele associa o dom da
cura com o da adivinhaccedilatildeo pois este uacuteltimo proporciona o descobrimento de novas curas
Pode-se por exemplo manipular o veneno de certos animais para o tratamento de doenccedilas
Para Iarcas sem uma sabedoria profeacutetica os homens natildeo se arriscariam a misturar venenos
criando medicamentos que salvam vidas Ainda segundo ele os filhos de Ascleacutepio jamais
teriam alcanccedilado esse ramo da ciecircncia se o proacuteprio Ascleacutepio natildeo fosse filho de Apolo Por
73
meio da consulta de oraacuteculos eles prepararam e adaptaram diferentes medicamentos para
diferentes doenccedilas Aleacutem disso teriam aprendido de Ascleacutepio quais ervas devem ser aplicadas
em hemorragias queimaduras e escoriaccedilotildees e quais liacutequidos devem ser administrados para
tratar os pacientes
Essa relaccedilatildeo entre a cura baseada nos ensinamentos de Ascleacutepio e no dom da
adivinhaccedilatildeo estaacute associada agrave sabedoria de Apolocircnio desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra
que Apolocircnio aos quatorze anos se mudou para Tarso a fim de ser educado por Eutidemo
que era um bom orador e originaacuterio da Feniacutecia Mais tarde se mudou para Egas onde existia
uma escola mais conceituada e um templo de Ascleacutepio no qual o deus aparecia para os
homens Foi tambeacutem nesta cidade que Apolocircnio aos dezesseis anos sentiu um impulso e
passou a se dedicar aos ensinamentos pitagoacutericos (VA I 7) A partir de entatildeo Apolocircnio
passou a seguir os preceitos de Pitaacutegoras e foi morar no templo de Ascleacutepio Com isso as
pessoas que moravam nas redondezas do templo passaram a admiraacute-lo e o proacuteprio deus
manifestou ao sacerdote do templo o seu contentamento por ter Apolocircnio como testemunha de
suas curas Consequentemente a reputaccedilatildeo de Apolocircnio aumentou ao ponto de os povos
vizinhos e ateacute mesmo os mais distantes irem ateacute laacute para vecirc-lo (VA I 8) e dele receber curas
(VA I 9-10)
74
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Podemos rastrear ao longo da VA vaacuterios indiacutecios que nos permitem ler a obra como
um instrumento sofisticado para defender os ideais da Segunda Sofiacutestica De acordo com a
leitura que fazemos do texto Filoacutestrato se apropria do personagem de tal forma que vemos
em Apolocircnio natildeo apenas um filoacutesofo pitagoacuterico um saacutebio um θεῖος ἀνήρ em busca da
sabedoria mas principalmente a figura de um difusor da cultura grega A impressatildeo que
temos eacute agrave grosso modo de que Apolocircnio seria a proacutepria Greacutecia personificada
Como menciona Swain (2009 p 34) Filoacutestrato estava ciente da mudanccedila de seu
mundo Uma de suas reaccedilotildees foi arquitetar um modelo idealizado da cultura helecircnica e
apresentaacute-lo como se esta cultura fosse a natural de seus companheiros de elite Sobre isso
Horster (2014 p 11) afirma que para muitas pessoas a educaccedilatildeo seria a maneira mais
importante de se chegar agrave essecircncia da cultura e da religiatildeo grega Nesse sentido somente a
elite intelectual poderia se envolver com ela Partindo desse ideal Filoacutestrato e outros
escritores da Segunda Sofiacutestica agiam no Impeacuterio Romano
Dentro desse contexto a liacutengua foi um veiacuteculo influente Abraham (2009 p 38)
reforccedila que esta eacute uma das caracteriacutesticas da Segunda Sofiacutestica pois autores e oradores
expressavam sua identidade grega simulando a dicccedilatildeo o estilo e o vocabulaacuterio do aacutetico do
seacuteculo V aC O aticismo prevaleceu de tal forma que lexicoacutegrafos comeccedilaram a catalogar o
grego ldquocorretordquo e o ldquoincorretordquo como fez Frinico Arabio que compocircs a Praeparatio
Sophistica um leacutexico no qual categorizava o uso ldquocorretordquo do aacutetico e menosprezava todos os
outros dialetos Em uacuteltima instacircncia o aticismo foi uma simulaccedilatildeo que permitia a algueacutem
reivindicar uma identidade grega Eacute significativo que Filoacutestrato para exaltar as qualificaccedilotildees
heleniacutesticas de Apolocircnio enfatiza que ele falava perfeitamente o aacutetico sem se deixar afetar
pelo sotaque da sua regiatildeo (VA I 7) Aleacutem da performance linguiacutestica exemplar de Apolocircnio
tambeacutem eacute digno de nota que as pessoas mais influentes da Iacutendia falavam habilmente o grego
como o rei Fraotes e os bracircmanes
Nesse sentido de retomada e afirmaccedilatildeo de uma identidade grega a noccedilatildeo de baacuterbaro
retorna agrave eacutepoca claacutessica A separaccedilatildeo entre a etnia e a cultura de fato teve iniacutecio no mundo
heleniacutestico e continuou em Roma A etnicidade permaneceu importante na imaginaccedilatildeo e teve
certamente consequecircncias poliacuteticas e sociais Dentro desse contexto eacute compreensiacutevel que os
autores da Segunda Sofiacutestica tenham tentado estabelecer um estereoacutetipo do ldquogrego purordquo
(SWAIN 2009 p 35)
75
Dadas essas circunstacircncias Abraham (2014 p 476) entende que a corrupccedilatildeo da
identidade grega apresentada por Filoacutestrato sugere uma criacutetica da cultura grega sob o Impeacuterio
Romano Nas palavras de Iarcas (VA III 19) os gregos deveriam se culpar pela degradaccedilatildeo
de sua identidade jaacute que usam o Aquiles homeacuterico (bem como outros heroacuteis similares) como
um modelo de masculinidade que os levou a venerar o imperialismo de uma forma geral
Swain (2009 p 36- 37) sugere que por meio da VA Filoacutestrato idealiza e propotildee um
modelo que intencionaria uma reforma religiosa e moral baseadas nos preceitos da cultura
grega ao enfatizar os feitos de um θεῖος ἀνήρ e de um filoacutesofo-pitagoacuterico exemplar A cultura
helecircnica eacute tida como superior por um lado sob a perspectiva da saacutebia filosofia helecircnica e por
outro decadente se tomarmos como exemplo outros gregos contemporacircneos de Apolocircnio
Swain ainda considera que as reformas propostas por Filoacutestrato na figura de Apolocircnio
dialogariam diretamente com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato e natildeo da de Apolocircnio
Por isso natildeo eacute de forma involuntaacuteria que
Se Apolocircnio compreende todas as liacutenguas sem as ter aprendido o grego eacute
entretanto a liacutengua que tem mais afinidades com a sabedoria Todos os
interlocutores de qualidade com quem Apolocircnio conversa falam grego comeccedilando
por Iarcas o mais saacutebio dos bracircmanes hindus acolhe-o em grego [] Trata-se de
uma forma de dizer que o grego eacute a liacutengua da filosofia (HARTOG 2004 p 227
228 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Com isso entendemos que na eacutepoca de Filoacutestrato mas principalmente segundo a
oacutetica do autor baacuterbaro jaacute natildeo eacute aquele de quem natildeo se entende a liacutengua tendo em vista a
multiplicidade de liacutenguas faladas no impeacuterio mas eacute baacuterbaro aquele que natildeo tenha
incorporadas em si a filosofia e a erudiccedilatildeo grega claacutessica Tanto eacute que o autor usa como palco
central a Iacutendia um lugar-comum da literatura grega como uma regiatildeo selvagem e incivilizada
Na VA a Iacutendia se torna o local onde a sabedoria a filosofia os conhecimentos de liacutengua e
literatura em suma os valores resgatados pela Segunda Sofiacutestica se conservam intactos e
incorrompidos A Iacutendia seria a projeccedilatildeo de uma Greacutecia unificada e idealizada onde Apolocircnio
alcanccedila o niacutevel maacuteximo de sabedoria junto aos bracircmanes Mas a sabedoria aprendida com os
saacutebios eacute a proacutepria sabedoria grega embasada nos preceitos pitagoacutericos Em uacuteltima instacircncia
Filoacutestrato apresenta a cultura grega como superior agrave cultura de outros povos
A Iacutendia natildeo conserva apenas esses valores mas simula a Greacutecia mais exatamente
Atenas devido agrave comparaccedilatildeo topograacutefica expliacutecita feita entre a torre dos bracircmanes e a
Acroacutepole (VA III 13) Aleacutem disso Filoacutestrato tambeacutem projeta na Iacutendia a figura de um
76
governante idealizado personificado em Fraotes Fraotes eacute um rei ideal porque teve junto aos
bracircmanes a formaccedilatildeo grega e portanto essa erudiccedilatildeo norteia suas accedilotildees A Iacutendia eacute entatildeo
como afirma Abraham (2009 p 11) o lugar onde a identidade grega existe em sua forma pura
e inalterada pela avidez imperialista
Parker (2008 p 259) reforccedila que a paideia como um ideal comum e conector das
elites locais foi divulgada mais intensamente por esses filoacutesofos no leste do Impeacuterio Romano
Pode-se dizer que promoveu a criaccedilatildeo de uma comunidade imaginada de homens eruditos
com base em uma visatildeo seletiva da histoacuteria Nesse mundo divergente os filoacutesofos gregos
tornaram-se siacutembolos de uma cultura comum entre os aristocratas em uma ampla aacuterea
geograacutefica Eacute nesse contexto que segundo o autor devemos ponderar com base na VA como
e por que os saacutebios indianos capturaram a imaginaccedilatildeo greco-romana
Em particular a figura dos bracircmanes oferece a oportunidade de construir um ideal ao
mesmo tempo improvaacutevel e desejaacutevel que era o da sabedoria sem a paideia (PARKER 2008
p 304-305) Poreacutem na VA Filoacutestrato se apropria e faz outro uso da figura dos bracircmanes eles
representam o apogeu o limite maacuteximo da sabedoria justamente porque sua sabedoria e seus
ritos dialogam com o modelo claacutessico ateniense
Abraham (2014 p 472-473) infere que Paraca eacute mais uma realizaccedilatildeo da frequente
citaccedilatildeo de Apolocircnio de que ldquopara o homem saacutebio a Greacutecia estaacute em todos os lugares e ele natildeo
considera nem acredita que algum lugar seja deserto ou baacuterbaro se ele estiver vivendo sob a
visatildeo da virtuderdquo (σοφῷ ἀνδρὶ Ἑλλὰς πάντα καὶ οὐδὲν ἔρημον ἢ βάρβαρον χωρίον οὔτε
ἡγήσεται ὁ σοφὸς οὔτε νομιεῖ ζῶν γε ὑπὸ τοῖς τῆς ἀρετῆς ὀφθαλμοῖς ndash VA I 34) Logo
independentemente de onde estiver o homem saacutebio eacute sempre um homem saacutebio na medida em
que ele a todo momento se comporta como um Essa consistecircncia de caraacuteter tem um efeito
transformador em sua localizaccedilatildeo permitindo que ele encontre a Greacutecia em todos os lugares
Em essecircncia estar na Greacutecia equivale a ter autoconhecimento e viver esse
autoconhecimento A realizaccedilatildeo da Greacutecia na Iacutendia assim explicada pela correlaccedilatildeo entre
autoconhecimento e helenismo Iarcas abrindo-se as indaganootildees de Apolocircnio afirma
ldquopergunte o que vocecirc quiser pois vocecirc se encontra entre um povo que sabe tudordquo (VA III
18) Apolocircnio entatildeo pergunta se os bracircmanes conhecem a si proacuteprios pois os gregos
consideram difiacutecil afirmar que se autoconhecem Iarcas curiosamente responde sabemos
todas as coisas uma vez que primeiro nos conhecemos (πάντα γιγνώσκομεν ἐπειδὴ πρώτους
ἑαυτοὺς γιγνώσκομεν - VA III 18) O autoconhecimento continua o autor considerado uma
coisa difiacutecil de se adquirir no pensamento grego se torna o ponto de partida da filosofia dos
bracircmanes
77
Finalmente natildeo podemos deixar de ter em mente que escrever eacute um ato poliacutetico Sem
desconsiderar o deleite que uma leitura pode proporcionar uma de nossas surpresas foi
perceber como a VA foi um instrumento poliacutetico Sob o domiacutenio imperial Romano o escritor
grego Flaacutevio Filoacutestrato viveu entre os seacuteculos II e III durante o governo da dinastia dos
Severos (193-225) De forma simplificada entendemos o Impeacuterio Romano como um difusor e
infusor de identidades e culturas e esse foi um periacuteodo de questionamentos para Filoacutestrato e
para os outros escritores da Segunda Sofiacutestica Pertencente agrave elite aleacutem de escritor Filoacutestrato
exerceu uma carreira poliacutetica na Greacutecia e manteve bom relacionamento com os Severos o que
lhe permitiu ter um contato mais proacuteximo com o cenaacuterio poliacutetico imperial em que viveu
Aleacutem de acompanhar o imperador Septiacutemio Severo em viagens Filoacutestrato tambeacutem
interagiu intelectualmente com a imperatriz Juacutelia Domna De acordo com Filoacutestrato foi a
pedido dela que ele escreveu a biografia de Apolocircnio Ao compor a VA o autor se apropriou
da figura de Apolocircnio e personificou nele o modelo idealizado de um homem saacutebio o qual
usou para criticar os governantes do Impeacuterio Romano Poreacutem suas criacuteticas dialogam natildeo
apenas com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato ou de Apolocircnio elas denotam
principalmente a aspiraccedilatildeo do autor de restaurar e afirmar a identidade e a cultura grega
claacutessica atribuindo-lhes o status de fonte da sabedoria e da cultura do ocidente
78
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RESUMO
Este trabalho propotildee uma leitura e anaacutelise dos livros II e III da obra Vida de Apolocircnio
de Tiana de Filoacutestrato os quais se dedicam a descrever a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Nos
concentramos mais especificamente no que diz respeito agrave natureza exoacutetica e aos homens
saacutebios com os quais o personagem teve contato nesse paiacutes Nos capiacutetulos apresentamos e
discutimos algumas polecircmicas que circundam natildeo apenas a obra em si mas tambeacutem o proacuteprio
protagonista desse livro O corpus selecionado destaca trechos que valorizam os toacutepicos
estudados nessa pesquisa os quais possibilitam uma releitura natildeo apenas do personagem
como tambeacutem da forma com que a Iacutendia era retratada pelos gregos antigos
Palavras-chave Filoacutestrato Vida de Apolocircnio de Tiana maravilhoso saacutebios hindus
ABSTRACT
This study purposes a reading and an analysis of the books II and III of Philostratusrsquo
Life of Apollonius of Tyana which describe the Apollonius travel to India Mainly we focus
on this exotic nature and on the sages which the character had contact in that land In the
chapters we present and discuss some controversies that surround the work itself but also its
protagonist The selected corpus highlights sections that value the studied topics in this
research which enables a rereading not only of its character but also the way that India was
postrayed by the ancient Greeks
Key- words Philostratus Life of Apollonius of Tyana wonder hindu sages
5
SUMAacuteRIO
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS 6
INTRODUCcedilAtildeO 7
CAPIacuteTULO I 9
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA 9
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana 10
12 Quem era Apolocircnio de Tiana 12
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo 14
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano 19
14 Por que a Iacutendia 23
CAPIacuteTULO II 27
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA 27
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia 27
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites 29
23 O maravilhoso em VA 31
231 As maravilhas da Iacutendia 33
CAPIacuteTULO III 65
OS SAacuteBIOS HINDUS 65
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus 65
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia 67
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria 70
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes 72
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 74
REFEREcircNCIAS 78
6
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS
Ct = Cteacutesias de Cnido
Ind Indikaacute (Ἰνδικά)
Fil = Filoacutestrato
VS Vida dos Sofistas (Βίοι Σοφιστῶν)
VA Vida de Apolocircnio de Tiana (Τὰ ἐς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον1)
Hdt = Heroacutedoto
Hist Histoacuterias (Ἰστορἴαι)
Hes = Hesiacuteodo
Teog Teogonia (Θεογονία)
Hom = Homero
Il Iliacuteada (Ἰλιάς)
Od Odisseia (Οδύσσεια)
1 O tiacutetulo da obra eacute debatido entre os estudiosos De acordo com Swain (2013 p 81) o tiacutetulo da obra seria Τὰ ἐς
τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον o qual eacute usado pelos tradutores desde a ediccedilatildeo de 1844 de Kayser Poreacutem Boter (2015)
argumenta que o tiacutetulo mais genuiacuteno da obra seria Εἰς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον sendo o significado do tiacutetulo
intencionalmente ambiacuteguo pois poderia ser traduzido como Sobre Apolocircnio de Tiana ou Em honra a Apolocircnio
de Tiana
7
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo eacute continuaccedilatildeo da nossa pesquisa iniciada na Graduaccedilatildeo onde fizemos
um estudo e traduccedilatildeo da obra Indikaacute de Cteacutesias de Cnido Os fragmentos de Cteacutesias nos
apresentam a Iacutendia como uma terra selvagem habitada por seres hiacutebridos e por monstros com
medidas e riquezas exuberantes como sendo o limite do mundo Algumas das coisas
retratadas por Cteacutesias tiveram antecedente nas Histoacuterias de Heroacutedoto e a partir de entatildeo a
Iacutendia tornou-se um toacutepos do maravilhoso na literatura grega antiga Depois do Romance de
Alexandre os bracircmanes se tornaram uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana e desde entatildeo a Iacutendia eacute tida como maravilhosa natildeo apenas por suas caracteriacutesticas
fiacutesicas mas tambeacutem por sua sabedoria elevada (PARKER 2008 p 143 e 251)
Ao lermos a Vida de Apolocircnio de Tiana (VA) de Filoacutestrato percebemos que esta obra
dialoga com estas duas vertentes a respeito da Iacutendia Publicado em 217 (FRANCIS 1998 p
420) este livro narra a vida de Apolocircnio um filoacutesofo pitaacutegorico da cidade de Tiana situada
na regiatildeo da Capadoacutecia que teria vivido durante o reinado de Domiciano (81-96) Desde os
dezesseis anos Apolocircnio seguiu os preceitos pitagoacutericos e em busca de uma sabedoria
suprema teve como objetivo viajar ateacute os bracircmanes Consequentemente a Iacutendia ocupa um
lugar essencial na narrativa e dos oito livros que compotildeem a obra dois deles se dedicam a
descrever a experiecircncia de Apolocircnio junto aos hindus
Por esses motivos nos dedicamos a estudar os livros II e III da VA Dentro dessa
seleccedilatildeo selecionamos destacamos e traduzimos trechos que ressaltam o caraacuteter maravilhoso
da obra tanto os que dizem respeito agrave sua descriccedilatildeo geograacutefica e etnograacutefica quanto os que
retratam a sabedoria bracircmane Nos momentos em que encontramos alusotildees aos escritores
Heroacutedoto e Cteacutesias comparamos e contrastamos as fontes com a finalidade de perceber de
que modo a tradiccedilatildeo acerca da Iacutendia inciada por estes dois autores tem continuidade em
Filoacutestrato
Para isso dividimos o trabalho em trecircs capiacutetulos No primeiro capiacutetulo fizemos um
estudo sobre o autor Flaacutevio Filoacutestrato sua obra Vida de Apolocircnio de Tiana e a figura de
Apolocircnio de Tiana Discutimos sobre as polecircmicas e divergentes concepccedilotildees sobre o autor e a
personagem para entendermos melhor o contexto em que a obra foi escrita
No segundo capiacutetulo discorremos a respeito do caraacuteter maravilhoso da VA e
selecionamos trechos que descrevem a natureza hindu Dividimos em seccedilotildees que retratam a
descriccedilatildeo da geografia da hidrografia do clima da Iacutendia dos animais e dos seres exoacuteticos
8
narrados por Filoacutestrato Ao arrolar estas passagens cotejamos com trechos das Histoacuterias e dos
Indikaacute No terceiro capiacutetulo ao estudar sobre o contato que Apolocircnio teve com os bracircmanes
seus ritos e suas discussotildees percebemos como essa obra contribuiu para a formaccedilatildeo de um
modelo idealizado de uma cultura grega claacutessica unificada
Dessa forma sob a oacutetica de um escritor tardio que escreveu quase seiscentos anos
depois de Heroacutedoto e de Cteacutesias ainda lemos a Iacutendia ainda como uma terra maravilhosa
9
CAPIacuteTULO I
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA
De acordo com o Suda (leacutexico medieval bizantino que cataloga escritores e obras da
Antiguidade) existem trecircs escritores catalogados com o nome de Filoacutestrato no final do seacuteculo
II e iniacutecio do seacuteculo III (SILVA 2014a p 31) Destes trataremos de Flaacutevio Filoacutestrato
chamado de ldquoo Segundordquo filho de Filoacutestrato Vero Sabe-se que sua famiacutelia habitava a ilha de
Lemnos territoacuterio ateniense e que ele nasceu por volta de 170 (BOWIE 2009 p19)
Filho de uma famiacutelia abastada pertencente agrave ordem senatorial Filoacutestrato teve uma
educaccedilatildeo voltada aos interesses dessa camada social Foi um destacado sofista tanto em
Atenas quanto em Roma e viveu no Impeacuterio Romano durante o governo da dinastia dos
Severos (193 ndash 225) com a qual teve boas relaccedilotildees e a qual acompanhou em viagens (SILVA
2013a p 2) Ele tambeacutem teria sido membro do ciacuterculo social de Juacutelia Domna esposa do
imperador Septiacutemio Severo como nos informa o proacuteprio autor em um trecho de sua obra Vida
de Apolocircnio de Tiana
μετέχοντι δέ μοι τοῦ περὶ αὐτὴν κύκλου mdash καὶ γὰρ τοὺς ῥητορικοὺς πάντας λόγους
ἐπῄνει καὶ ἠσπάζετο mdash μεταγράψαι τε προσέταξε τὰς διατριβὰς ταύτας καὶ τῆς
ἀπαγγελίας αὐτῶν ἐπιμεληθῆναι τῷ γὰρ Νινίῳ σαφῶς μέν οὐ μὴν δεξιῶς γε
ἀπηγγέλλετο (VA I 3)
Quanto a mim que fazia parte do seu ciacuterculo (jaacute que ela elogiava e apreciava todos
os discursos retoacutericos) me incubiu ela de redigir estes ensaios e me ocupar da sua
publicaccedilatildeo pois [Dacircmis] o de Nino fez sua narrativa de forma clara mas natildeo
praacutetica2
Natildeo se sabe ao certo o que seria esse ciacuterculo social (κύκλου) nem se ele realmente
existiu Cogita-se a hipoacutetese de ter sido um grupo literaacuterio composto por alguns artistas e
escritores para discutir questotildees literaacuterias e filosoacuteficas ou um grupo seleto de intelectuais
2 A traduccedilatildeo para o portuguecircs desta passagem assim como a de outras que apareceratildeo ao longo deste trabalho eacute
de nossa autoria
10
formado por meacutedicos poetas escritores filoacutesofos juristas historiadores e membros do
ciacuterculo imperial (SILVA 2014a p 49) 3
Aleacutem desse contato com a imperatriz Filoacutestrato tambeacutem exerceu cargos poliacuteticos De
acordo com indicaccedilotildees epigraacuteficas o autor foi general hoplita4 em Atenas provavelmente nos
anos 200 e 210 e representante do governo de sua cidade (BOWIE 2009 p19-20) Ademais
acredita-se que a estaacutetua que haacute em Oliacutempia eacute dedicada a Flaacutevio Filoacutestrato na qual lecirc-se a
seguinte inscriccedilatildeo ldquoAgrave Boa Fortuna segundo a decisatildeo do Conselho Oliacutempico o sofista
Flaacutevio Filoacutestrato de Atenas sofista a mais ilustre paacutetria elevou a estaacutetuardquo (SILVA 2014a p
33) Segundo Martiacutenez (2006 p 456 apud Silva 2014a p33) os sofistas eram usualmente
homenageados com estaacutetuas nas cidades gregas pois essa era uma forma de reconhecer seus
encargos puacuteblicos e poliacuteticos
Filoacutestrato escreveu algumas obras e atualmente satildeo reconhecidas como sendo de sua
autoria Vida de Apolocircnio de Tiana (a maior fonte de informaccedilotildees que temos sobre Apolocircnio)
Vida dos Sofistas Heroicos Imagens Cartas Ginaacutestico Nero e um discurso retoacuterico
conhecido como Diaacutelexis 2 (ELSNER 2009 p 4) Apesar de natildeo haver consenso entre os
pesquisadores sobre a autoria de todas essas obras considera-se que Vida de Apolocircnio de
Tiana (VA) e Vida dos Sofistas (VS) tenham sido escritas por Flaacutevio Filoacutestrato haja vista que
VA eacute citada em sua obra posterior VS (SILVA 2014 p 59) Estas satildeo as duas obras mais
conhecidas de Filoacutestrato sendo que VS eacute uma seacuterie de sessenta biografias de sofistas ceacutelebres
do Impeacuterio Romano dividida em dois livros e a VA eacute uma biografia sobre o saacutebio Apolocircnio
de Tiana composta por dois volumes tendo cada um deles oito livros
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana
Feita sob encomenda da imperatriz Juacutelia Domna Filoacutestrato escreveu as memoacuterias de
Apolocircnio um saacutebio da cidade de Tiana pertencente agrave regiatildeo da Capadoacutecia (VA I 3) que
teria vivido cerca de um seacuteculo antes durante o reinado de Domiciano (81 ndash 96) Foi
publicada provavelmente depois da morte da imperatriz em 217 (FRANCIS 1998 p 420)
A obra descreve o nascimento de Apolocircnio e sua juventude devotada agrave aprendizagem
dos princiacutepios pitagoacutericos e do autoconhecimento Posteriormente ele empreende uma seacuterie
de viagens passando por vaacuterias regiotildees com o objetivo principal de chegar agrave Iacutendia e de se
3 Para uma discussatildeo detalhada sobre esse assunto cf Silva 2014a p 49 - 52
4 Nesse periacuteodo essa magistratura se encarregava especialmente de assegurar o abastecimento alimentiacutecio da
cidade
11
encontrar com os bracircmanes hindus em busca do conhecimento filosoacutefico (VA I 18 32 II
11 III 16 29 IV 47) Durante o percurso satildeo narradas as impressotildees reflexotildees o diaacutelogo
de Apolocircnio com cidadatildeos e reis suas intervenccedilotildees poliacuteticas as curas e os milagres feitos por
ele Francis (1998 p 420) sintetiza a obra afirmando que Apolocircnio ldquoviaja pelo mundo
mediterracircneo discursando sobre a verdadeira filosofia e religiatildeo pregando ideais culturais
gregos profetizando e realizando milagresrdquo e ldquoquando retorna da Iacutendia Apolocircnio eacute
aclamado pelo mundo cultural grego e se envolve ativamente nos negoacutecios das cidades da
Aacutesia Menor e da Greacutecia (IV 2-33)rdquo
Nesse sentido a VA eacute uma biografia embora seja considerada demasiadamente longa
sendo uma das biografias mais extensas que sobreviveram da Antiguidade com conteuacutedos
demasiadamente variados (KEMEZIS 2014 p 62) O proacuteprio autor usa a palavra βίος em VA
(V 39) 5 talvez para caracterizar sua obra talvez com a intenccedilatildeo de transformar Apolocircnio em
um modelo de homem a ser seguido por seu valor moral ou ainda para dar credibilidade agrave
obra (SILVA 2014a p 86) Com base na historiografia do periacuteodo claacutessico e desenvolvido
no periacuteodo heleniacutestico esse gecircnero literaacuterio teve como uma de suas caracteriacutesticas principais
biografar pessoas que serviriam de exemplo para a comunidade (SILVA 2012 p 2)
Martiacutenez e Dosse tambeacutem discutem essa relaccedilatildeo entre biografia e vidas exemplares na
Antiguidade O primeiro afirma que a biografia serve para veicular as ideias sobre o
comportamento moral individual tornando-se com isso um instrumento de ideologia poliacutetica
(MARTIacuteNEZ 2004 p 48) O segundo enuncia que nessa eacutepoca o discurso das virtudes foi
incorporado agrave biografia e consequentemente estabeleceram-se modelos moralizantes (2009
p 123 apud Carvalho 2011 p 131) Esses modelos entatildeo formaram uma tradiccedilatildeo na
Antiguidade a tradiccedilatildeo dos valores heroicos e apoacutes a cristianizaccedilatildeo a dos valores religiosos
sendo ambos embasados em vidas exemplares (CARVALHO 2011 p 131)
Contudo o gecircnero literaacuterio da VA ainda eacute bastante debatido De uma forma geral os
comentadores classificam a obra em um determinado gecircnero literaacuterio mas afirmam que o
texto tem caracteriacutesticas muito evidentes de outros gecircneros Os estudiosos que consideram
esse texto como biografia satildeo Zeitlin (2001) Abraham (2009) Elsner (2009) e Silva (2014)
Bowie (2009) por outro lado o tem como romance Jaacute Pajares em sua introduccedilatildeo da traduccedilatildeo
da VA para a Editorial Gredos (1992) afirma que esse texto tem predominantemente
caracteriacutesticas biograacuteficas mas com influecircncia da paradoxografia (obras dedicadas agrave
5 ldquoQuanto a mim vou afastar desse homem jaacute que natildeo foi minha intenccedilatildeo difamaacute-lo mas possibilitar o relato da
vida de Apolocircnio a quem ainda natildeo a conhecerdquo (VA V 39) Texto grego ἐμοὶ δὲ ἀφεκτέα τοῦ ἀνδρός οὐ γὰρ
ἐκεῖνον διαβαλεῖν προὐθέμην ἀλλὰ παραδοῦναι τὸν Ἀπολλωνίου βίον τοῖς μήπω εἰδόσι
12
exploraccedilatildeo de maravilhas ou coleccedilotildees de mirabilia)6 do romance e da aretologia Para
Uytfanghe (2009) a VA eacute uma hagiografia (relatos ou biografias de homens santos) enquanto
que para Cornelli (2001) trata-se de uma aretologia Por fim Holzberg (1996) e Flinterman
(2009) a classificam como biografia ficcional ao passo que Francis (1998) a considera um
gecircnero formado com todas essas caracteriacutesticas
Para compor a VA Filoacutestrato afirma ter usado como fontes i) informaccedilotildees coletadas
em cidades nas quais Apolocircnio era adorado e em templos restaurados por ele ii) cartas
escritas pelo proacuteprio Apolocircnio nas quais discorria a respeitos dos deuses dos costumes dos
princiacutepios morais das leis aleacutem de comentar sobre as falhas humanas (VA I 2) iii) relatos
deixados por pessoas com quem ele teve contato como reis sofistas filoacutesofos e homens
gregos indianos e egiacutepcios iv) um livro de memoacuterias de Dacircmis disciacutepulo de Apolocircnio v) e
um livro de Maacuteximo de Egas no qual o autor registra a passagem de Apolocircnio por essa
cidade Aleacutem destas fontes Filoacutestrato diz ainda ter consultado um livro escrito por
Moeragenes Contudo Filoacutestrato afirma ter rejeitado essa fonte pelo fato de o autor ser
ignorante de vaacuterios aspectos da vida de Apolocircnio (VA I 3)
12 Quem era Apolocircnio de Tiana
Apolocircnio de Tiana nasceu na Capadoacutecia em meados de 40 iniacutecio da era cristatilde Teria
sido um saacutebio itinerante e filoacutesofo neopitagoacuterico Enquanto esteve vivo natildeo se tornou muito
famoso salvo no norte da Siacuteria e na Aacutesia Menor onde era conhecido como um mago
beneficente e um curador Na biografia feita por Filoacutestrato Apolocircnio eacute universalmente
aclamado influente e ateacute mesmo um homem semidivino que teria feito muitos milagres
profecias e exorcizado democircnios Quando morreu seu corpo e sua alma teriam ascendido ao
ceacuteu (YSSELT 1994 p 351)
De acordo com Flinterman (2009 p 157 ndash 158) Apolocircnio teria direcionado sua vida
segundo os preceitos definidos por Pitaacutegoras Esses preceitos eram basicamente a renuacutencia
ao uso de produtos de origem animal da vestimenta agrave alimentaccedilatildeo e a rejeiccedilatildeo dos sacrifiacutecios
de animais Fazia parte tambeacutem desse estilo de vida asceacutetico a praacutetica do silecircncio entre seus
seguidores
6 De acordo com Nichols (2011 p 30) a partir do seacutec III aC no periacuteodo heleniacutestico a paradoxografia jaacute
aparece como um gecircnero literaacuterio bem desenvolvido
13
Seguindo os passos de Pitaacutegoras aos dezesseis anos Apolocircnio decide aderir a esse
estilo de vida (VA I 7) Desse modo primeiramente Apolocircnio renunciou ao consumo de
carne com o argumento de que esta era impura e deixava a mente impolida passando a seguir
uma dieta agrave base de frutas secas e vegetais Abdicou tambeacutem da ingestatildeo do vinho pois
apesar de ser uma bebida pura desequilibrava a mente (VA I 8)7 Depois de desintoxicar seu
corpo Apolocircnio parou de usar qualquer produto de origem animal como sapatos e soacute usava
vestes de linho (VA I 8)8 Aleacutem disso deixou crescer seu cabelo (VA I 8) e sua barba Sobre
isso Flinterman (2009 p 159) destaca que no iniacutecio do periacuteodo imperial o cabelo comprido
era considerado uma caracteriacutestica distintiva dos filoacutesofos pitagoacutericos Todavia Apolocircnio
privou-se tambeacutem da vida conjugal e do sexo mantendo o celibato Nesse caso contudo o
celibato foi uma medida tomada aleacutem dos preceitos do pitagorismo pois Filoacutestrato menciona
que Pitaacutegoras era renomado por defender a monogamia (VA I 13)
9 Ademais ele natildeo
participava e era contra sacrifiacutecios de sangue tanto em ritos religiosos quanto em espetaacuteculos
de gladiadores (VA I 10 31 IV 22 V 25) Por fim fez voto de silecircncio durante cinco anos
(VA I 14 - 15)
Assim segundo Filoacutestrato o modo de vida de Apolocircnio propiciaria um conhecimento
privilegiado do mundo e uma comunicaccedilatildeo com a esfera divina Nesse sentido o diaacutelogo com
o rei parto Vardanes eacute ilustrativo Nele Apolocircnio diz que Pitaacutegoras o ensinou a venerar os
deuses e a estar atento a eles independentemente se eles eram visiacuteveis ou natildeo e a estar
frequentemente em diaacutelogo com eles bem como se vestir com o linho produto natildeo de origem
animal mas da terra e da aacutegua Tambeacutem faziam parte desse aprendizado manter o cabelo
longo como disciplina se manter puro ao natildeo consumir carne e natildeo acompanhar algueacutem no
consumo de bebidas alcooacutelicas assim como natildeo viver uma vida ociosa ou luxuosa mas
auxiliar as pessoas que tecircm problemas de conduta (VA I 32)
7 Como descrito na proacutepria obra para Apolocircnio o vinho ldquoera uma bebida pura por vir aos homens de uma planta
tatildeo bem cultivada mas era contraacuterio agrave formaccedilatildeo da mente por escurecer o eacuteter que havia na almardquo (VA I 8)
Texto grego καὶ τὸν οἶνον καθαρὸν μὲν ἔφασκεν εἶναι πῶμα ἐκ φυτοῦ οὕτως ἡμέρου τοῖς ἀνθρώποις ἥκοντα
ἐναντιοῦσθαι δὲ τῇ τοῦ νοῦ συστάσει διαθολοῦντα τὸν ἐν τῇ ψυχῇ αἰθέρα 8 Essa caracteriacutestica eacute bem marcada no momento em que o rei indiano Fraotes lhe daacute vaacuterios presentes e Apolocircnio
aceita apenas as vestes de linho como consta no trecho que segue ldquoO hindu lhe deu ouro pedras preciosas
vestidos de linho e milhares de coisas Apolocircnio disse que tinha ouro o suficiente pois Vardanes tinha dado a
ele escondido dele ao guia mas que aceitaria os vestidos de linho porque se assemelhavam ao manto filosoacutefico
dos antigos e eram mesmo aacuteticosrdquo (VA II 40) Texto grego καὶ χρυσίον δὲ ἐδίδου ὁ Ἰνδὸς καὶ ψήφους καὶ
ὀθόνας καὶ μυρία τοιαῦτα ὁ δὲ Ἀπολλώνιος lsquoχρυσίον μὲνrsquo ἔφη lsquoἱκανὸν ἑαυτῷ εἶναι δόντος γε Οὐαρδάνου τῷ
ἡγεμόνι ἀφανῶς αὐτό τὰς δὲ ὀθόνας λαμβάνειν ἐπειδὴ ἐοίκασι τρίβωνι τῶν ἀρχαίων τε καὶ πάνυ Ἀττικῶν 9 Sobre esse assunto cf tambeacutem Flinterman 2009 p 161
14
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo
Em VA Apolocircnio eacute afamado por seu estilo de vida asceacutetico bem como por fazer
milagres Dadas essas caracteriacutesticas em alguns momentos da narrativa Apolocircnio eacute chamado
de θεῖος ἀνήρ (homem divino) Justi (2012 p 15) nos informa que o principal elemento
associado ao termo eacute que o homem divino possui caracteriacutesticas excepcionais expressas por
meio do poder miraculoso e da sabedoria extraordinaacuteria Um homem assim identificado era
geralmente itinerante e tido por seus seguidores como um salvador divino graccedilas aos seus
poderes prodigiosos
Alguns dos milagres realizados por Apolocircnio foram i) salvar a cidade de Eacutefeso de
uma praga (IV 10) ii) exorcizar democircnios (IV 20) iii) curar um jovem rapaz em Tarso que
fora mordido por um catildeo raivoso (VI 43) iv) prever a morte do imperador Domiciano (VIII
26)
FIGURA 1 - Apolocircnio curando um jovem ateniense possuiacutedo (VA IV 20) (imagem superior) Apolocircnio
ressuscita uma garota morta em Roma (VA IV 45) (imagem inferior) Desenho de Johannes Stradanus (Bruges
I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings vol 32
n 04 1994 p 353
15
Ademais ele eacute reconhecido como divino em diversas passagens do texto10
Em uma
delas o rei indiano Fraotes escreve uma carta ao bracircmane Iarcas o saacutebio hindu mais antigo
aconselhando-o a dar igualdade de tratamento a Apolocircnio
ἐπιστελῶ δὲ καὶ Ἰάρχᾳ τῷ πρεσβυτάτῳ τῶν σοφῶν ἵν᾽ Ἀπολλώνιον μὲν ὡς μηδὲν
κακίω ἑαυτοῦ δέξηται ὑμᾶς δὲ ὡς φιλοσόφους τε καὶ ὀπαδοὺς ἀνδρὸς θείουrsquo (VA
II 40)
[Fala de Fraotes] ldquoe escreverei tambeacutem a Iarca o mais velho dos saacutebios para que
receba Apolocircnio em nada pior do que eu proacuteprio e a noacutes como filoacutesofos e
seguidores um homem divinordquo
Ainda conforme Justi (2012 p 15) um nascimento maravilhoso uma carreira
marcada pelo dom da linguagem persuasiva e dominadora a capacidade de fazer milagres
(incluindo curas e adivinhaccedilotildees) e uma morte de alguma maneira extraordinaacuteria caracterizam
o termo θεῖος ἀνήρ11
Com exceccedilatildeo da morte natildeo descrita na VA todos os atributos acima
condizem com a vida de Apolocircnio Filoacutestrato no primeiro livro narra o nascimento de
Apolocircnio como um momento envolto em pressaacutegios (VA I 5) Haacute por exemplo a menccedilatildeo de
que ele seria a encarnaccedilatildeo do deus Proteu uma vez que esse deus teria aparecido agrave sua matildee
enquanto estava graacutevida predizendo o acontecimento o que confirmaria a sabedoria divina de
Apolocircnio (VA I 4) Aleacutem disso a apariccedilatildeo de um bando de cisnes momentos antes do seu
nascimento e a queda de um raio no instante do parto estariam associadas ao seu
favorecimento divino12
A imagem de Stradanus traduz bem essa cena
10
Como por exemploVA I 2 21 II 17 40 III 28 VII 38 VIII 13 23 11
Alguns autores vide Horsley (2013) Kemezis (2014) e Koskenniemi (2016) se opotildeem a essa concepccedilatildeo 12
O estudo de Miles (2016) trata sobre a relaccedilatildeo que haacute entre o aparecimento dos cisnes e os pressaacutegios ligados a
eles no momento do nascimento de Apolocircnio
16
FIGURA 2 - O nascimento de Apolocircnio de Tiana na Capadoacutecia (VA I 4-5) (imagem superior) e Apolocircnio de
Tiana admirando os relevos do templo em Taxila na Iacutendia (VA II 20) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Poreacutem foram os milagres que elevaram a fama de Apolocircnio Em virtude disso
Domiciano tentou descaracterizar o aspecto divino desses feitos Para tal o imperador o
processou afirmando que Apolocircnio conspirara contra ele (VA VII 20) No julgamento
Apolocircnio foi chamado de γόης que neste contexto tinha uma denominaccedilatildeo pejorativa13
pois
13
No entando γόης nem sempre teve uma denotaccedilatildeo pejorativa De acordo com Lloyd (1979 p 10 - 15) o
primeiro registro que temos de uma obra que aplicou o termo γόης de forma depreciativa eacute datada entre o final
do seacuteculo V e iniacutecio do seacuteculo IV aC Natildeo apenas esse termo mas qualquer pretensatildeo de poder manipular
forccedilosamente o divino ou o sobrenaturalparece ter entrado em conflito com uma visatildeo mais racionalista da
religiatildeo Segundo o autor eacute ainda nos meados do seacuteculo V aC que temos evidecircncias de relatos racionalistas da
origem da religiatildeo e temos informaccedilotildees que relatam a rejeiccedilatildeo e a refutaccedilatildeo de algumas noccedilotildees maacutegicas como
no tratado hipocraacutetico Sobre a Doenccedila Sagrada (Περὶ ἱερῆς νοuacuteσου)
17
significava ser feiticeiro mago charlatatildeo impostor 14
Na sequecircncia ele foi processado por
i) ter sido adorado por algumas pessoas ii) ter predito a fome em Eacutefeso iii) ter proferido
algumas palavras em detrimento de Domiciano iv) ter visitado o entatildeo senador Nerva e ter
feito o sacrifiacutecio de um menino aacutercade em benefiacutecio deste v) e pelo modo de viver e de
vestir-se (VA VII 20) De todas a penuacuteltima acusaccedilatildeo era a mais grave (VII 20) Apoacutes o
testemunho de duas pessoas a favor de Apolocircnio ele proacuteprio se defendeu da seguinte forma
παρ᾽ ὅσον μὲν τοίνυν τῆς ἀληθείας ἡ γραφὴ ξυνετέθη δηλοῖ σαφῶς ἡ μαρτυρία τῶν
ἀνδρῶν οὐ γὰρ ἐν προαστείοις ἀλλ᾽ ἐν ἄστει οὐκ ἔξω τείχους ἀλλ᾽ ἐπ᾽ οἰκίας
οὐδὲ παρὰ Νερούᾳ παρὰ Φιλίσκῳ δέ οὐδὲ ἀποσφάττων ἀλλ᾽ ὑπὲρ ψυχῆς
εὐχόμενος οὐδ᾽ ὑπὲρ βασιλείας ἀλλ᾽ ὑπὲρ φιλοσοφίας οὐδ᾽ ἀντὶ σοῦ χειροτονῶν
νεώτερον ἀλλ᾽ ἄνδρα σώζων ἐμαυτῷ ὅμοιον (VA VIII 7)
Ateacute que ponto satildeo verdadeiras estas acusaccedilotildees mostra com clareza o testemunho
destes senhores pois eu natildeo estava na periferia mas na cidade natildeo estava fora das
muralhas mas em uma casa natildeo estava na casa de Nerva mas na de Filisco natildeo
estava decapitando mas clamando por uma vida natildeo em prol do reino mas da
filosofia natildeo votando contra ti e a favor de um mais jovem mas para salvar um
homem semelhante a mim
Diante desse contexto Silva (2016a p 126) acredita que o motivo da acusaccedilatildeo
tenha sido poliacutetico jaacute que o imperador possivelmente temia a influecircncia de Apolocircnio junto ao
povo Poreacutem ponderamos que o imperador temia o contato e a influecircncia de Apolocircnio junto agrave
corte ou aos ciacuterculos de poder
Por outro lado existe tambeacutem a possibilidade de que tanto a acusaccedilatildeo quanto a
defesa de Apolocircnio tenham sido inventadas por Filoacutestrato com o intuito de reverter a imagem
de Apolocircnio de γόης para θεῖος ἀνήρ (SILVA 2014 p 129) Dessa forma as praacuteticas com
natureza maacutegico-religiosa denunciadas por Domiciano seriam parte da sabedoria divina de
Apolocircnio (VA VIII 2 7) Isso faria dele um teurgo e segundo Silva (2013b p 3) a teurgia
era uma fusatildeo de rituais religiosos e especulaccedilotildees filosoacuteficas com uma base maacutegica De
acordo com Brandatildeo (1991 p 113)
a magia ligada agrave filosofia por um lado era considerada um conhecimento miacutestico
por outro lado era uma espeacutecie de conhecimento cientiacutefico o que fazia com que
fosse aceita por largas faixas das camadas mais eruditas do Impeacuterio Romano
14
Bailly 2000 p 443
18
Teriacuteamos assim a partir da VA o modelo de um homem saacutebio filoacutesofo e com
uma moral exemplar uma figura alvo de admiraccedilatildeo Aleacutem disso Apolocircnio carregaria consigo
os valores gregos para onde quer que fosse como veremos mais agrave frente
Por outro lado no contexto cristatildeo Apolocircnio de Tiana eacute uma figura muito
debatida Dentre as polecircmicas que o envolvem estaacute a comparaccedilatildeo dele com Jesus Cristo No
seacuteculo III Sosiano Hieacuterocles escreveu um tratado polecircmico contra Jesus no qual tentou usar a
imagem de θεῖος ἀνήρ representada por Apolocircnio como uma ferramenta contra o
cristianismo de seu tempo Embora esse tratado natildeo tenha sobrevivido eacute citado por Euseacutebio
de Cesareia que tentou veementemente proteger Jesus contra o ataque de Hieacuterocles em um
tratato intitulado Contra Hieacuterocles (SCHIRREN 2009 p 161- 162) De acordo com
Schirren (2009 p 162) o contraste que haacute entre essas duas figuras sob o ponto de vista
criacutetico-literaacuterio eacute que a vida de Jesus como narrada no Novo Testamento conta a histoacuteria do
filho de Deus sujeitando-se ao mal do mundo e superando o sofrimento humano sem
pronunciar uma palavra contra Pocircncio Pilatos que o condenou agrave morte Com isso Cristo se
torna o salvador do mundo Em contraste na VA Apolocircnio ergue-se contra os governantes
impiedosos do impeacuterio romano e mesmo depois de ter sido condenado agrave morte por sua
conduta ultrajante ainda tenta educar os tiranos para finalmente desaparecer quando lhe
parece apropriado15
Com isso a imagem de Apolocircnio de Tiana como descrita por Filoacutestrato teve
grande repercussatildeo nos primeiros seacuteculos do cristianismo E seacuteculos depois ainda
repercutia uma vez que inspirou o artista flamengo Johannes Stradanus (Bruges I523 -
Florenccedila 1605) a pintar uma seacuterie de pequenos quadros todos feitos agrave pena e tinta e
enumerados de um a dez De acordo com as legendas escritas na caligrafia do proacuteprio artista
os desenhos representam cenas da vida de Apolocircnio de Tiana e atualmente se encontram no
museu Cooper-Hewitt de Nova York (YSSELT 1994 p 351)
15
Outros autores que discutem esse tema satildeo Elsner (1997) Girard (1999) Koskenniemi (1998) Stratton (2003)
Jones (2006) e Silva (2014 segundo capiacutetulo)
19
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano16
Eacute muito difiacutecil definir ou atribuir uma identidade grega ou romana em meio a um
impeacuterio vasto e multicultural No seacuteculo V aC Heroacutedoto (Hist VIII 144) registra uma
oposiccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo (gregos) e os ldquooutrosrdquo (baacuterbaros) Isso natildeo deixa de ser um conceito ou
um criteacuterio de identificaccedilatildeo do que eacute ser grego (hellenikoacuten) ter o ldquomesmo sangue mesma
liacutengua santuaacuterios e sacrifiacutecios comuns haacutebitos e costumes semelhantesrdquo
Mas o tempo e o contexto de Filoacutestrato (seacuteculos II ndash III) jaacute natildeo eram mais iguais aos
do seacuteculo de Heroacutedoto Grego originaacuterio de Lemnos Filoacutestrato viveu durante o Impeacuterio
Romano em meio agrave heterogeneidade e agrave diversidade cultural Nessa eacutepoca a questatildeo da
identidade romana (ou identidades) incluiacutea o processo de romanizaccedilatildeo (da Itaacutelia e em seguida
do Impeacuterio) de um lado e a questatildeo da resistecircncia cultural a ela de outro De acordo com
Mendes (2004 p 258)
O conceito de Romanizaccedilatildeo em aplicaccedilatildeo pressupotildee um processo de mudanccedila
socioeconocircmica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos
implicando em diferentes formas de interaccedilatildeo cultural Nesta perspectiva fica
impliacutecito o reconhecimento de um contiacutenuo desenvolvimento da cultura material
nativa aberta a processos interativos diferentes em eacutepocas distintas e em resposta agraves
escolhas e demandas locais Por outro lado a Romanizaccedilatildeo tambeacutem eacute entendida
como um processo dialeacutetico na medida em que veicula os elementos culturais
fundamentais da identidade cultural romana e seu ajustamento com alteridades
culturais dos povos dominados
A assimilaccedilatildeo cultural das populaccedilotildees que foram integradas a Roma durante a
expansatildeo da Repuacuteblica e do Impeacuterio foi ldquoum processo de mudanccedila relacionado com as ideias
de controle social e identidaderdquo (MENDES 1999 p 307)
A proacutepria Roma por outro lado passou por um processo de helenizaccedilatildeo seacuteculos
antes Historiadores consideram que houve uma primeira helenizaccedilatildeo com a captura de
Tarento por Faacutebio Maacuteximo em 272 aC Posteriormente teria havido uma segunda
16
A palavra latina identitas eacute uma criaccedilatildeo tardia do seacuteculo IV usada especialmente por teoacutelogos cristatildeos para
definir a Trindade De fato no mundo romano eacute preciso primeiro ser capaz de identificar um indiviacuteduo atraveacutes
da atribuiccedilatildeo de um nome e de um status ligado ao grupo jaacute o termo latino persona refere-se primeiro agrave maacutescara
usada pelos atores antes de designar a pessoa gramatical ou entidade Mas ao contraacuterio do que aconteceu no
Impeacuterio Romano a noccedilatildeo de identidade na Greacutecia Antiga natildeo se deu devido ao uso recorrente de palavras e ao
que se constata ateacute hoje tambeacutem natildeo haacute textos em que a noccedilatildeo proacutepria de identidade apareccedila nem um termo
especiacutefico que tenha essa designaccedilatildeo (BAROIN WORMS 2006 p 1-2)
20
helenizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos desse mesmo seacuteculo com a tomada de Siracusa por Marco
Claacuteudio Marcelo em 212 aC (BAROIN WORMS 2006 p 8)
Como resultado desse processo os romanos receberam influecircncias gregas na
religiatildeo nas artes e nas relaccedilotildees sociais A exemplo disso citemos as praacuteticas e locais de oacutecio
(otium) que eram essencialmente caracterizados como gregos e que foram totalmente
inseridos na cultura romana como o banquete a filosofia e o teatro Com isso entendemos a
questatildeo da identidade como sendo um movimento constante e plural e a fusatildeo de costumes e
de praacuteticas natildeo se constroacutei somente em oposiccedilatildeo ao outro mas tambeacutem com o outro
(BAROIN WORMS 2006 p 8 - 9)
Nesse contexto de fusatildeo e de difusatildeo de identidades Filoacutestrato resgata e valoriza a
cultura grega claacutessica por meio de suas principais obras VS e VA Na Vida dos Sofistas o
tema eacute desenvolvido dentro da perspectiva dos papeacuteis desempenhados pelos sofistas na
Segunda Sofiacutestica (Δευτέρα σοφιστική) De acordo com Whitmarsh (2001 p 272) a
Segunda Sofiacutestica foi um acontecimento em que vaacuterios sofistas e escritores helenizados que
viviam no Impeacuterio Romano afirmaram sua identidade grega em torno de sua proacutepria cultura
atraveacutes da literatura e da retoacuterica estabelecendo um novo posicionamento cultural17
De
acordo com Abraham (2014 p 478) atribui-se a autoria do termo Segunda Sofiacutestica a
Filoacutestrato pois ele teria aparecido pela primeira vez em VS de acordo com os documentos
mais antigos que chegaram ateacute a atualidade
Jaacute na Vida de Apolocircnio de Tiana Filoacutestrato se utiliza do personagem Apolocircnio
para destacar aspectos da cultura grega claacutessica Se para Heroacutedoto era considerado grego
quem era nascido em terras gregas falava grego e compartilhava de haacutebitos e costumes
similares na VA satildeo outros os aspectos enfatizados Aqui percebemos que possuir a cultura
grega do periacuteodo claacutessico atraveacutes do domiacutenio da liacutengua da literatura e da filosofia tem um
valor maior do que ter nascido na Greacutecia
Nesse sentido a palavra baacuterbaro cuja etimologia remete a ldquoestrangeiro que fala
de forma balbuciante e natildeo se entende o que dizrdquo adquire outra dimensatildeo No periacuteodo das
Guerras Meacutedicas (seacuteculo V aC) ldquobaacuterbarordquo tinha o sentido de ldquonatildeo gregordquo criando entatildeo a
oposiccedilatildeo entre ἕλλην e βάρβαρος18
Assim a liacutengua era a maior marca de distinccedilatildeo de quem
era grego ou natildeo Whitmarsh (2001 p 272) afirma que na Atenas dos seacuteculos V - IV aC o
17
Atualmente eacute comum a ideia de que os filoacutesofos e os sofistas desempenhavam os mesmos papeacuteis durante o
ldquorenascimento cultural gregordquo ocorrido nos trecircs primeiros seacuteculos aC advinda com a Segunda Sofiacutestica O
estudo de Sidebottom 2009 p 69 ndash 99 eacute indicado para tratar sobre esse assunto 18
Chantraine 1968 p 164 ndash 165
21
dialeto aacutetico era usado pela elite intelectual em oposiccedilatildeo ao demoacutetico falado pelo povo
sendo essa uma das maiores distinccedilotildees sociais Mesmo natildeo sendo ateniense Apolocircnio na VA
fala habilmente o aacutetico ldquoSua liacutengua era o aacutetico e isso natildeo mudava por causa do seu sotaque
dada a sua regiatildeo de origemrdquo (ᾗ γράμματα μνήμης τε ἰσχὺν ἐδήλου καὶ μελέτης κράτος καὶ ἡ
γλῶττα Ἀττικῶς εἶχεν οὐδ᾽ ἀπήχθη τὴν φωνὴν ὑπὸ τοῦ ἔθνους VA I 7)
Quando Apolocircnio conheceu seu companheiro de viagens e futuro disciacutepulo
Dacircmis este se dispocircs a guiaacute-lo e a ser seu tradutor Todavia como resposta Apolocircnio diz que
entendia todas as liacutenguas mesmo sem ter aprendido nenhuma pois entendia o silecircncio (VA I
19) A dispensa de um tradutor soacute se torna eficaz para Apolocircnio pelo fato de que em seus
encontros com outros povos algueacutem sempre falava grego (REGER 2007 p 262) Dada a
improbabilidade de esses fatos terem ocorrido dessas coincidecircncias interpretamos que o
monolinguismo dos encontros eacute uma das estrateacutegias que Filoacutestrato encontrou para valorizar a
liacutengua grega no contexto da Segunda Sofistica
Aleacutem disso outros aspectos da cultura grega claacutessica satildeo retomados quando Apolocircnio
demonstra ter domiacutenio da literatura da filosofia e da mitologia Satildeo citados os poemas
homeacutericos Iliacuteada e Odisseia (VA II 14 III 27 V 7 14 22 26 36 VIII 4 5 7 16 11 13)
Hesiacuteodo (VA V 21) Esopo (VA V 14) Arquiacuteloco (VA II 7) Eacutesquilo (VA VI 11) Soacutefocles
(VA IV 38 VI 4) Euriacutepides (VA II 14 32 IV 21 VII 5 14) Piacutendaro (VA VI 26)
Tuciacutedides (VA VII 25) Soacutecrates (VA VI 10 19 VIII 2) e Platatildeo (VA IV 36 VII 3)
Sendo integrante de uma elite cabia a Filoacutestrato resgatar sinais e traccedilos de uma
antiga identidade grega e tentar recompocirc-la e reativaacute-la construindo um modelo exemplar do
que eacute ser grego com a figura de Apolocircnio
As elites gregas podem ou melhor devem ir a fundo em sua cultura ndash eacute por ela
graccedilas a ela que podem reivindicar seu lugar e legitimar seu direito nesse impeacuterio
greco-romano cuja sorte foi decidida na Batalha de Aacutecio Tal eacute o sentido desse
movimento literaacuterio e poliacutetico dessa estrateacutegia cultural chamada Segunda Sofiacutestica
A Vida de Apolocircnio eacute parte do empreendimento de reconquista e de re-apropriaccedilatildeo
ativa do passado grego participando de sua recriaccedilatildeo ndash do processo em atividade
em toda sociedade viva de fabricaccedilatildeo ou de invenccedilatildeo da tradiccedilatildeordquo (HARTOG
2004 p 21 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Essa re-apropriaccedilatildeo e recriaccedilatildeo se torna muito mais aparente quando Filoacutestrato
descreve a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Laacute ele se comunica com os indianos em grego e se
admira com o conhecimento que eles tecircm dessa liacutengua (VA III 12) Na sua primeira estada
22
Apolocircnio eacute acolhido pelo rei Fraotes de Taxila Em um primeiro momento os dois se
comunicam com o intermeacutedio de um inteacuterprete ateacute o rei lhe confessar que tambeacutem falava
grego
lsquoἔδεισαrsquo ἔφη lsquoθρασὺς δόξαι μὴ γιγνώσκων ἐμαυτόν μηδ᾽ ὅτι βάρβαρον εἶναί με
δοκεῖ τῇ τύχῃ σοῦ δὲ ἡττηθείς ἐπειδὴ καὶ σὲ ὁρῶ ἐμοὶ χαίροντα οὐκ ἠδυνήθην
ἐμαυτὸν κρύπτειν ὡς δὲ μεστός εἰμι τῆς Ἑλλήνων φωνῆς ἐν πολλοῖς δηλώσωrsquo
(VA II 27)
Eu receava vocecirc achar que eu fosse arrogante quando ainda natildeo me conhecia a mim
mesmo e pensar que eu fosse um baacuterbaro natildeo por decisatildeo da sorte Mas apoacutes ter te
cativado porque vejo que me estimas natildeo posso me esconder assim te convencerei
de vaacuterias formas que sou bem profeciente na liacutengua grega
Ademais o rei hindu tambeacutem evidencia que a filosofia grega eacute altamente estimada em
seu paiacutes (VA II 30) e menciona ter lido uma peccedila denominada ldquoOs filhos de Heacuteraclesrdquo
passando a impressatildeo de que leituras desse gecircnero eram comuns para ele (VA II 32) Fraotes
tambeacutem interage com a cultura grega atraveacutes da praacutetica de esportes
τὰ δὲ ἐφ᾽ ἑκάτερα δρόμοι ἦσαν ἐν οἷς ἀκοντίῳ τε καὶ δίσκῳ τὸν Ἑλληνικὸν τρόπον
ἑαυτὸν ἐξήσκει καὶ γὰρ τὸ σῶμα ἔρρωτο ὑπό τε ἡλικίας mdash ἑπτὰ γὰρ καὶ εἴκοσιν ἔτη
γεγονὼς ἦν mdash ὑπό τε τοῦ ὧδε γυμνάζεσθαι ἐπεὶ δὲ ἱκανῶς ἔχοι ἐπήδα ἐς τὸ ὕδωρ
καὶ ἐγύμναζεν ἑαυτὸν τῷ νεῖν ὡς δὲ ἐλούσαντο ἐβάδιζον ἐς τὸ συσσίτιον
ἐστεφανωμένοι τουτὶ δὲ νενόμισται Ἰνδοῖς ἐπειδὰν ἐς τοῦ βασιλέως πίνωσιν (VA
II 27)
havia em ambos lados pistas de corrida nas quais agrave maneira grega se exercitava em
dardo de arremesso e disco pois tinha o corpo forte pela idade ndashele tinha vinte e sete
anos ndash e por praticar ginaacutestica assim Depois de se exercitar o suficiente ele saltava
na aacutegua e treina por conta proacutepria nataccedilatildeo
Ao final da estadia de Apolocircnio junto a Fraotes e antes de ele partir a caminho de
Paraca cidade dos bracircmanes o rei escreve uma carta de recomendaccedilatildeo em grego a Iarcas o
homem mais antigo e saacutebio entre os bracircmanes hindus Chegando laacute Apolocircnio se surpreende
ao ser recebido por um mensageiro que tambeacutem falava a liacutengua grega (VA III 12) Aleacutem
disso depois de ler a carta de Fraotes Iarcas faz uma breve correccedilatildeo demonstrando grande
domiacutenio da liacutengua grega
23
τὸν δὲ Ἀπολλώνιον ἰδὼν φωνῇ τε ἠσπάσατο Ἑλλάδι καὶ τὰ τοῦ Ἰνδοῦ γράμματα
ἀπῄτει θαυμάσαντος δὲ τοῦ Ἀπολλωνίου τὴν πρόγνωσιν καὶ γράμμα γε ἓν ἔφη
λείπειν τῇ ἐπιστολῇ δέλτα εἰπών παρῆλθε γὰρ αὐτὸν γράφοντα (VA III 16)
Ao vecirc-lo Apolocircnio o saudou em liacutengua grega e lhe pediu a carta do hindu Apolocircnio
se surpreendeu com sua clarividecircncia e Iarcas reparou que faltava uma letra na carta
um delta seguramente que a quem escreveu tinha passado desapercebido
Em outro episoacutedio Dacircmis companheiro de viagem de Apolocircnio tambeacutem se
admira com o conhecimento do bracircmane com relaccedilatildeo ao grego
ταῦτα τοῦ Ἰνδοῦ διελθόντος ἐκπεσεῖν ὁ Δάμις ἑαυτοῦ φησιν ὑπ᾽ ἐκπλήξεως καὶ
ἀναβοῆσαι μέγα μὴ γὰρ ἄν ποτε νομίσαι ἄνδρα Ἰνδὸν ἐς τοῦτο ἐλάσαι γλώττης
Ἑλλάδος μηδ᾽ ἄν εἴπερ τὴν γλῶτταν ἠπίστατο τοσῇδε εὐροίᾳ καὶ ὥρᾳ διελθεῖν
ταῦτα (VA III 36)
Enquanto o indiano discorria sobre estas coisas Damis afirma que ficou espantado e
que ele falou com fluecircncia Ele jamais havia pensado que um indiano poderia
dominar assim a liacutengua grega aliaacutes nem pensava que um indiano conhecesse a
liacutengua grega tamanha foi a fluecircncia e a conveniecircncia com que ele discorreu
Aleacutem do conhecimento linguiacutestico alguns dos costumes e dos rituais dos saacutebios
hindus tambeacutem estatildeo ligados agrave cultura grega i) o momento em que os saacutebios cantam uma
canccedilatildeo que se assemelha ao peatilde de Soacutefocles cantado em Atenas em honra a Ascleacutepio (VA III
17) ii) quando citam Homero (VA III 20 22 27) iii) discutem sobre justiccedila (VA III 24)
sobre a moral grega (VA III 25) sobre mitos gregos (VA III 25) filosofia (VA III 28) e
cosmogonia (VA III 34) Esses aspectos seratildeo analisados no terceiro capiacutetulo desse trabalho
14 Por que a Iacutendia
Geograficamente na Antiguidade Claacutessica reconhecia-se como Iacutendia a regiatildeo que se
estendia do rio Indo ateacute a costa ocidental da Peniacutensula Iacutendica Os principais acessos entre essa
regiatildeo e o Mediterracircneo eram feitas sobretudo atraveacutes do Mar Araacutebico do Golfo Peacutersico e
do Mar Vermelho ou ainda pelo planalto indiano Peacutersia e Mesopotacircmia Fora isso a
Bactriana e o Punjab (atuais Afeganistatildeo e Paquistatildeo) tambeacutem eram consideradas como de
domiacutenio hindu (RODRIGUES 2016 p 168)
24
Todo esse territoacuterio eacute um dos que mais se destaca na literatura grega antiga como um
produtor de maravilhas O verbete θαυμάσιος significa maravilhoso admiraacutevel e espantoso19
Haacute tambeacutem de mesma raiacutez o verbo θαυμάζω cujo sentido eacute o de surpreender-se ver com
espanto ou admiraccedilatildeo admirar venerar20
e o substantivo θαῦμα maravilha respectivamente
Esses termos satildeo comumente utilizados pelos escritores gregos para descrever a Iacutendia e seu
povo
Como exemplo mais antigo temos Ciacutelax de Carianda (seacutec VI aC) marinheiro e
explorador grego Participou entre 519 e 512 aC da expediccedilatildeo do rei persa Dario I para
explorar o curso do rio Indo Apoacutes ter alcanccedilado o mar ele natildeo apenas navegou pelo oceano
Iacutendico mas foi ateacute o mar Vermelho explorando algumas regiotildees da Araacutebia tendo concluiacutedo
essa viagem em trinta meses (HEROacuteDOTO Hist IV 44) Com isso Ciacutelax teria contribuiacutedo
para a Iacutendia ser vista como uma regiatildeo repleta de maravilhas e socialmente perfeita cuja
populaccedilatildeo detinha grande sabedoria (ESPELOSIacuteN LARGACHA GIRVEacuteS 1994 p 198)
Heroacutedoto tambeacutem descreveu sobre a Iacutendia e seu povo em suas Histoacuterias Nessa obra
tudo o que eacute relacionado aos hindus e ao seu paiacutes eacute tido como estranho e maravilhoso A
exemplo disso o autor nos informa que os indianos tecircm relaccedilotildees sexuais em puacuteblico como
animais (Hist III 101) e que alguns deles os padeus se alimentam de carne humana
matam os enfermos sacrificam e comem os idosos (Hist III 99) Outros natildeo tecircm casa e se
alimentam soacute de ervas (Hist III 100) Nesse sentido Morais (2004 p 54 e 76) comenta que
a descriccedilatildeo dos comportamentos hindus feita por Heroacutedoto se assemelha mais agrave dos
selvagens e que dessa forma eles natildeo transmitiriam sabedoria aos demais povos sendo seus
costumes estranhos e opostos aos da civilizaccedilatildeo mostrando uma visatildeo completamente
diferente da exposta por Cilax
Cteacutesias de Cnido (seacutec V-IV aC) tambeacutem escreveu sobre a Iacutendia e seu povo
Diferentemente dos outros autores Cteacutesias compocircs um livro dedicado inteiramente a esse
tema no qual descreve a geografia e a etnografia hindus os Ἰνδικά (Sobre a Iacutendia) A partir
dos fragmentos remanescentes descobrimos por um lado uma Iacutendia povoada apenas por
seres hiacutebridos e monstros selvagens como a μαρτιχόρα (manticora) (fr VII) e o paacutessaro
δίκαιρον (dikairon) (fr XVII) Por outro lado sua populaccedilatildeo se restringe a seres humanoides
com costumes distintos e estranhos como os κυνοκέφαλοι (cinoceacutefalos) (fr XX) e os
πυγμαῖοι (pigmeus) (fr XI)
19
Bailly 2000 p 918 20
Bailly 2000 p 918
25
Ateacute mesmo as dimensotildees e as quantidades tornam a natureza e a geografia
extraordinaacuterias o rio Indo mede 40 estaacutedios21
de largura e 200 de extensatildeo (fr I) existe uma
fonte na qual ao inveacutes de fluir aacutegua jorra ouro liacutequido (fr IV) Eacute diverso tambeacutem por suas
cores como as da ave βυττάκου (bittakos) cuja face eacute cor de puacuterpura a barba escura e a sua
nuca eacute escura tal qual cinaacutebrio (fr III) Romm (1989 p 121 - 135 apud SANO 2008 p 68)
considera que foi Cteacutesias o fundador de uma tradiccedilatildeo literaacuteria que descreve as ldquomaravilhas da
Iacutendiardquo e que alguns dos acontecimentos narrados por ele encontrariam antecedentes no
folclore indiano
Nesse periacuteodo houve tambeacutem um desenvolvimento da prosa escrita tanto do romance
quanto da historiografia Assim gecircneros literaacuterios como a paradoxografia a faacutebula e o
proacuteprio romance seguiram diferentes abordagens da realidade O caso da Iacutendia eacute indicativo de
novos desenvolvimentos suas caracteriacutesticas distintivas podem ser atribuiacutedas a um periacuteodo
anterior da cultura grega mas eacute no proacuteprio periacuteodo heleniacutestico que eles se juntam com uma
nova intensidade (PARKER 2008 p 47) Com isso maravilhas e monstros caracterizaram as
narrativas sobre esse paiacutes Aleacutem disso uma outra peculiaridade da Iacutendia era o fato dela ser
descrita como a fronteira do mundo A proacutepria obra de Cteacutesias informava que natildeo havia
populaccedilatildeo aleacutem do rio Indo22
Seguindo essa loacutegica Alexandre o Grande preparou uma expediccedilatildeo com o intuito de
conquistar as terras indianas acreditando ser a Iacutendia o limite do mundo Essa campanha teve
por outro lado um grande efeito no que diz respeito ao acesso de informaccedilotildees que os gregos
tinham ateacute entatildeo sobre a Iacutendia (PARKER 2008 p 59)
Seacuteculos mais tarde Luciano de Samoacutesata (125-180 dC) em suas Narrativas
Verdadeiras menciona Cteacutesias chamando-o de mentiroso23
por conta de suas obras Isso natildeo
soacute sintetizou a maacute reputaccedilatildeo de Cteacutesias como tambeacutem retomou o debate acerca de narrativas
sobre fatos verdadeiros e ficcionais (PARKER 2008 p 47) Assim a Iacutendia continuou a ser
um dos temas principais no contexto do discurso do maravilhoso
Outros escritores que escreveram sobre a Iacutendia foram Megaacutestenes (seacuteculo IV aC) em
sua obra Iacutendica Estrabatildeo (seacuteculo I aC) em Geografia Claacuteudio Eliano (seacuteculo I) em Sobre a
natureza dos animais Xenofonte de Eacutefeso (seacuteculo II ndash I) em Efesiacuteacas Arriano de
21
Medida de percurso equivalente a 17760 m 22
ldquoQue homens natildeo habitam aleacutem de laacuterdquo Texto grego Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους (Indikaacute
frag I) 23
ldquoCteacutesias de Cnido o filho de Ctesioco escreveu acerca do paiacutes dos indianos e do que existe laacute coisas que ele
proacuteprio natildeo viu nem ouviu de algueacutem que dizia a verdaderdquo Traduccedilatildeo de Sano 2008 p6 Texto
grego Κτησίας ὁ Κτησιόχου ὁ Κνίδιος ὃς συνέγραψεν περὶ τῆς Ἰνδῶν χώρας καὶτῶν παρ᾽ αὐτοῖς ἃ μήτε αὐτὸς ε
ἶδεν μήτε ἄλλου ἀληθεύοντος ἤκουσεν (Narrativas Verdadeiras I 3)
26
Nicomeacutedia (seacuteculo II) em sua Anaacutebase de Alexandre e Nono de Panoacutepolis (seacuteculo V) em
sua Dionisiacuteacas
Em siacutentese a Vida de Apolocircnio de Tiana se mostra inovadora ao abordar a temaacutetica do
maravilhoso juntamente com o resgate dos valores culturais claacutessicos Aleacutem de encontrarmos
vestiacutegios dessa tradiccedilatildeo repleta de maravilhas e caracteriacutesticas peculiares acompanhamos
Apolocircnio em uma jornada em busca da sabedoria
27
CAPIacuteTULO II
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA
A partir das fontes brevemente analisadas no primeiro capiacutetulo vimos que a Iacutendia eacute
um lugar de destaque nas narrativas gregas antigas devido ao seu exotismo e sua diversidade
natural Na VA curiosamente o caminho feito por Apolocircnio eacute marcado natildeo apenas por esse
exotismo mas principalmente pelos vestiacutegios encontrados de um passado grego Apolocircnio se
depara com rastros de Dioniso do macedocircnio Alexandre e faz alusotildees a escritores gregos
antigos como Heroacutedoto e Cteacutesias de Cnido Assim seraacute com base nessas referecircncias bem
como o mundo natural hindu narrado que mostraremos uma Iacutendia descrita sob a oacutetica de
Filoacutestrato
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia
Algumas das remissotildees que comentaacutevamos haacute pouco se datildeo na chegada de Apolocircnio e
de seus companheiros agrave Iacutendia Seguindo o relato de Filoacutestrato para adentrarem a regiatildeo rumo
agrave cidade dos bracircmanes Paraca os viajantes precisariam passar por uma montanha Nisa Ao
se aproximarem desta o guia de viagem os informou de que Dioniso ldquoagiardquo sobre ela e por
isso Apolocircnio supocircs que laacute aconteciam coisas maravilhosas (θαυμαστὰ) (VA II 7) Ao
subirem se depararam com um templo abandonado do deus
ἀνελθόντες οὖν ἱερῷ Διονύσου ἐντυχεῖν φασιν ὃ δὴ Διόνυσον ἑαυτῷ φυτεῦσαι
δάφναις περιεστηκυίαις κύκλῳ τοσοῦτον περιεχούσαις τῆς γῆς ὅσον ἀπόχρη νεῷ
ξυμμέτρῳ κιττόν τε περιβαλεῖν αὐτὸν καὶ ἀμπέλους ταῖς δάφναις ἄγαλμά τε ἑαυτοῦ
ἔνδον στήσασθαι γιγνώσκοντα ὡς ξυμφύσει τὰ δένδρα ὁ χρόνος καὶ δώσει τινὰ ἀπ᾽
αὐτῶν ὄροφον ὃς οὕτω ξυμβέβληται νῦν ὡς μήτε ὕεσθαι τὸ ἱερὸν μήτ᾽ ἀνέμῳ
ἐσπνεῖσθαι δρέπανα δὲ καὶ ἄρριχοι καὶ ληνοὶ καὶ τὰ ἀμφὶ ληνοὺς ἀνάκειται τῷ
Διονύσῳ χρυσᾶ καὶ ἀργυρᾶ καθάπερ τρυγῶντι τὸ δὲ ἄγαλμα εἴκασται μὲν ἐφήβῳ
Ἰνδῷ λίθου δὲ ἔξεσται λευκοῦ ὀργιάζοντος δὲ αὐτοῦ καὶ σείοντος τὴν Νῦσαν
ἀκούουσιν αἱ πόλεις αἱ ὑπὸ τῷ ὄρει καὶ ξυνεξαίρονται (VA II 8)
28
Tendo eles subido [a montanha] dizem que se depararam com um templo de
Dioniso o qual foi plantado pelo proacuteprio Dioniso que plantou loureiros rodeando
em ciacuterculo tatildeo grande que envolve a terra quanto bastava a um templo simeacutetrico E
ele tambeacutem colocou ao redor dos loureiros hera e videira ergueu uma estaacutetua para si
mesmo sabendo que no tempo em que as aacutervores crescessem juntas elas mesmas
umas sobre as outras dariam um teto com o qual assim se deparam agora entatildeo a
chuva natildeo o molha nem o vento sopra sobre o templo E havia foices cestas e vasos
e ao redor havia vasos consagrados a Dioniso como se fossem para um colhedor de
uvas dourados e prateados E a estaacutetua se assemelha a um jovem indiano e era de
pedra branca E ele celebrando e fazendo tremer o Nisa as cidades abaixo da
montanha ouvem e se afervoram
Logo em seguida o autor resume uma discussatildeo entre indianos e gregos a respeito de
Dioniso Por um lado os gregos diziam que Dioniso teria feito uma expediccedilatildeo agrave Iacutendia tanto
como soldado quanto como farrista Esses argumentos seriam embasados em uma oferenda
existente em Delfos onde dentre os tesouros preservados havia um disco de prata indiana
com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoDioniso o [filho] de Secircmele e de Zeus dos hindus a Apolo de
Delfosrdquo (ΔΙΟΝΥΣΟΣ Ο ΣΕΜΕΛΗΣ ΚΑΙ ΔΙΟΣ ΑΠΟ ΙΝΔΩΝ ΑΠΟΛΛΩΝΙ ΔΕΛΦΩΙ VA
II 9) Essa pode ser uma alusatildeo agrave Biblioteca Histoacuterica de Diodoro Siacuteculo (90 - 30 aC) na
qual o autor narra a expediccedilatildeo beacutelica e festejadora de Dioniso agrave Iacutendia e o apresenta como
divindade civilizadora que ao chegar a um povo nocircmade confere-lhes os atributos de sua
proacutepria cultura (PARKER 2008 p 47)24
Os indianos por outro lado apontavam duas diferentes origens para Dioniso Os que
habitavam a regiatildeo do Caacuteucaso e ao longo do rio Coacutefen afirmavam que Dioniso fora um
visitante assiacuterio conhecedor do deus tebano e de seus feitos Jaacute os que habitavam entre o rio
Indo Hidraotes e a regiatildeo continental ateacute o rio Ganges declaravam que o verdadeiro Dioniso
era filho do proacuteprio rio Indo Por sua vez o Dioniso de Tebas tornara-se seu disciacutepulo e
tomando o seu tirso passara a utilizaacute-lo em suas orgias Esse Dioniso de Tebas afirmava ser
filho de Zeus e ter sido criado na coxa de seu pai ateacute nascer Zeus entatildeo encontrou uma
montanha chamada Μηρόν (ldquocoxardquo) fronteira com o monte Nisa e nela plantou videiras em
homenagem a seu filho (VA II 9)
24
Em Biblioteca Histoacuterica Diodoro Siacuteculo apresenta tambeacutem Heacuteracles como divindade civilizadora na Iacutendia
poreacutem na VA Heraacutecles tem origem egiacutepcia e natildeo grega (VA II 3)
29
Segundo Grimal (2005 p 122) apoacutes ter nascido da coxa de Zeus e ser levado para
longe da Greacutecia para Nisa seu pai o transformou em cabrito para que Hera raivosa natildeo o
reconhecesse Quando se tornou adulto descobriu a videira e o seu uso Sofreu ainda alguns
impasses com Hera ateacute que em um dado momento Dioniso se dirigiu agrave Iacutendia regiatildeo que
conquistou numa expediccedilatildeo semiguerreira semidivina subjulgando seu povo pela forccedila das
armas pois ele levava consigo um exerciacutecito A partir de entatildeo originou-se o cortejo triunfal
de que se fazia acompanhar o carro puxado por panteras e ornamentado com parras os
Silenos as Bacantes os Saacutetiros e outras divindades menores
Assim como Dioniso eacute tido como uma divindade marginal e exilada nas histoacuterias
claacutessicas a Iacutendia por sua vez tambeacutem representava a margem do mundo uma terra
desconhecida e diversa Na VA a interaccedilatildeo dos hindus com essa divindade aparece de forma
tatildeo difundida que ele eacute chamado de Niacutesio (Νύσιος) pelos indianos e por todos os outros povos
aleacutem da Nisa (VA II 2)
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites
Como discutido anteriormente os gregos jaacute tinham algumas informaccedilotildees a respeito da
Iacutendia no seacuteculo IV aC Poreacutem esta visatildeo foi bastante ampliada e modificada apoacutes Alexandre
suceder seu pai Filipe II da Macedocircnia e realizar uma campanha de conquista da regiatildeo entre
327 e 325 aC Com isso ele expandiu os limites orientais do mundo grego avanccedilando para
aleacutem da fronteira da Iacutendia ateacute a bacia do rio Ganges (COURCELLES 2014 p 324)
Ao tentar reconstruir a expediccedilatildeo de Alexandre agrave Iacutendia o maior problema que os
historiadores tecircm enfrentado eacute o da escassez de fontes As dificuldades se datildeo pelo fato de que
os primeiros registros existentes que chegaram ateacute noacutes satildeo de cerca de trecircs seacuteculos depois de
sua ocorrecircncia provavelmente reflexos dos relatos perdidos de Caliacutestenes (360-328 aC)
Onesiacutecrito (360-290 aC) Aristoacutebulo (375-301 aC) e de Nearco Ainda assim existem
seacuterias duacutevidas sobre o caraacuteter dessas fontes e em que medida elas poderiam ser reconstruiacutedas
(PARKER 2008 p 34)
Natildeo obstante quatrocentos anos depois Apolocircnio ainda encontra vestiacutegios da
passagem de Alexandre pela Iacutendia Haacute resquiacutecios do contato que Alexandre teve com o rei
hindu Poro e do embate travado entre os dois conhecido como a Batalha de Hidaspes Na
30
regiatildeo de Taxila fortificada agrave maneira grega existia um templo de aproximadamente cem
peacutes de altura no qual estavam gravadas as faccedilanhas de ambos os reis (VA II 20) Segundo
Filoacutestrato essas gravuras registravam o momento em que Poro ferido era restabelecido como
saacutetrapa apoacutes a vitoacuteria de Alexandre Ainda segundo o autor Poro ao saber da morte do rei
macedocircnio havia lhe dedicado essas gravuras e passado a se portar de forma moderada
guiando suas accedilotildees pelo desejo de agradar a Alexandre (VA II 20)
Partindo de Taxila Apolocircnio se deparou com uma estaacutetua de Alexandre em uma biga
de quatro mastros representando ao que Filostrato sugere o momento em que ele confrontou
os saacutetrapas de Dario Um pouco mais adiante encontrou dois portotildees um deles com a estaacutetua
do rei Poro e o outro com uma estaacutetua de Alexandre reproduzindo o momento em que os
dois se saudaram apoacutes a batalha de Hidaspes (VA II 42)
Apoacutes atravessarem o rio Hidraotes e alcanccedilarem o Hifaacutesis Apolocircnio e seus
companheiros de viagem encontraram tambeacutem altares dedicados a Alexandre (VA II 43)
Neles havia uma coluna de metal na qual estava inscrito ldquoAlexandre avanccedilou ateacute aquirdquo
(ΑΛΕΞΑΝΔΡΟΣ ΕΝΤΑΥΘΑ ΕΣΤΗ) ldquopara honrar o limite do seu Impeacuteriordquo (τὸ τῆς ἑαυτοῦ
ἀρχῆς τέρμα τιμῶντος) Poreacutem adiante desse marco para aleacutem do Hifaacutesis Filoacutestrato afirma
que os hindus ergueram uma outra coluna esta para marcar o orgulho dos indianos por
Alexandre natildeo ter avanccedilado mais em seu territoacuterio (VA II 43) Do mesmo modo quando
Apolocircnio estava em contato com os bracircmanes hindus haacute a menccedilatildeo de que aquele local nunca
fora visitado por Alexandre (VA II 33)
A nosso ver neste ponto Filoacutestrato sobrepotildee Apolocircnio a Alexandre Se por um lado
Alexandre tinha sido o uacutenico ocidental a alcanccedilar aquelas fronteiras por outro Apolocircnio as
ultrapassa e adentra ainda mais nas terras hindus Assim na VA Alexandre eacute lembrado pela
sua grandeza e por seus feitos passados mas tambeacutem por suas limitaccedilotildees Nesse sentido
Abraham (2014 p 467) argumenta que Filoacutestrato sobrepotildee a campanha do conquistador agrave
jornada do filoacutesofo e ao fazer contiacutenuas menccedilotildees aos memoriais de Alexandre transforma a
expediccedilatildeo de Apolocircnio em uma reconstituiccedilatildeo da expediccedilatildeo de Alexandre
31
23 O maravilhoso em VA
O relato etnograacutefico do viajante que narra as maravilhas encontradas em suas
aventuras entre os confins do mundo e as fronteiras do conhecidodesconhecido eacute um
toacutepos do discurso geograacutefico Com raiacutezes em Homero esse tipo de narrativa foi se
consolidando cada vez mais e a partir da autoacutepsia de Heroacutedoto ou seja o processo de ver
com os proacuteprios olhos o viajante passou a discursar com mais autoridade pois fala de
algo que vira com os proacuteprios olhos e que supostamente nenhum outro grego tinha visto25
Nos poemas homeacutericos e hesioacutedicos o θαυμάσιος o maravilho eacute qualificado e
dimensionado com o uso de adjetivos
Para qualificar o thocircma26
Homero e Hesiacuteodo utilizam o adjetivo ldquogranderdquo (meacutegas)
mas essa grandeza de thocircma natildeo se mede associado a meacutegas encontramos com
efeito deinoacutes terriacutevel formidaacutevel O ldquomilagrerdquo eacute pois grande ou terriacutevel ndash e grande
porque terriacutevel (HARTOG 2014 p 265 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Exemplos do uso desses adjetivos empregados com essa denotaccedilatildeo estatildeo nos trechos
abaixo na Odisseia como atributo da voz de Zeus na Iliacuteada com relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da
peleja do combate e na Teogonia como caracteriacutestica de um monstro
Ἠὼς δ᾽ ἐκ λεχέων παρ᾽ ἀγαυοῦ Τιθωνοῖο
ὤρνυθ᾽ ἵν᾽ ἀθανάτοισι φόως φέροι ἠδὲ βροτοῖσιν
οἱ δὲ θεοὶ θῶκόνδε καθίζανον ἐν δ᾽ ἄρα τοῖσι
Ζεὺς ὑψιβρεμέτης οὗ τε κράτος ἐστὶ μέγιστον
Alccedila-se a Aurora do leito onde estava o preclaro Titono
para que a luz aos eternos levasse e aos mortais transitoacuterios
quando nos tronos os deuses se foram sentar tendo ao meio
Zeus cuja voz eacute atroante de forccedila e poder muito grandes
(Od V 1-4 traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes)
25
Morais (2008 p 17) examina a relaccedilatildeo entre ver e maravilhar-se em Heroacutedoto jaacute Parker (2008 p 119)
discorre sobre a autoacutepsia como ferramenta de autoridade em um discurso 26
A palavra θαῦμα aparece em Heroacutedoto como θῶμα (CHANTRAINE 1968 p 424)
32
lsquoαἰδὼς Ἀργεῖοι κοῦροι νέοι ὔμμιν ἔγωγε
μαρναμένοισι πέποιθα σαωσέμεναι νέας ἁμάς
εἰ δ᾽ ὑμεῖς πολέμοιο μεθήσετε λευγαλέοιο
νῦν δὴ εἴδεται ἦμαρ ὑπὸ Τρώεσσι δαμῆναι
ὢ πόποι ἦ μέγα θαῦμα τόδ᾽ ὀφθαλμοῖσιν ὁρῶμαι
δεινόν ὃ οὔ ποτ᾽ ἔγωγε τελευτήσεσθαι ἔφασκον
ldquoVergonha Argivos jovens mancebos Na vossa peleja
confiava eu para que se salvassem as nossas naus
Mas se voacutes desistis da guerra angustiosa agora
chega o dia de sermos subjugados pelos Troianos
Oacute amigos grande eacute a maravilha que meus olhos contemplam
coisa terriacutevel que nunca pensei poder vir a cumprir-serdquo
(Il XIII 95-100 traduccedilatildeo de Frederico Lourenccedilo)
ἣ δὲ Χίμαιραν ἔτικτε πνέουσαν ἀμαιμάκετον πῦρ
δεινήν τε μεγάλην τε ποδώκεά τε κρατερήν τε
τῆς δ᾽ ἦν τρεῖς κεφαλαί μία μὲν χαροποῖο λέοντος
ἣ δὲ χιμαίρης ἣ δ᾽ ὄφιος κρατεροῖο δράκοντος
πρόσθε λέων ὄπιθεν δὲ δράκων μέσση δὲ χίμαιρα
δεινὸν ἀποπνείουσα πυρὸς μένος αἰθομένοιο
Ela [a Viacutebora] pariu a Cabra que sopra irrepeliacutevel fogo
a terriacutevel e grande e de peacutes ligeiros e cruel
tinha trecircs cabeccedilas uma de leatildeo de olhos ruacutetilos
outra de cabra outra de viacutebora cruel serpente
Na frente leatildeo atraacutes serpente no meio cabra
expirando o terriacutevel furor do fogo aceso
(Teog 319-324 traduccedilatildeo de Jaa Torrano)
Posteriormente outros recursos passaram a ser incorporados a essa forma de narrativa
e operaccedilotildees como avaliar medir e contar se tornaram necessaacuterias para traduzir o
θαυμάσιος do mundo narrado Aleacutem disso a quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da
narrativa quanto mais θαυμάσιος houver maior seraacute o prolongamento da histoacuteria Com
isso o narrador eacute quem confere ao leitor as medidas do que se conta em um processo no
qual haacute um efeito de realidade causado pelo narrador em que o viajante ldquofaz crerrdquo no que
estaacute sendo contado sobre o outro Desse modo o θῶμα eacute um toacutepos do discurso etnograacutefico
(HARTOG 2014 p 261 ndash 263)
33
A VA tambeacutem nos eacute apresentada sob essa perspectiva uma narrativa repleta de
θαύματα de diversos tipos com uma grande variedade de animais exoacuteticos lugares de
geografia inusitada objetos e obras de arte magniacuteficas e povos com costumes e culturas
inimaginaacuteveis Aleacutem dessas caracteriacutesticas tanto as viagens quanto os milagres de
Apolocircnio tambeacutem satildeo exemplos de θαύματα (ELSNER 1997 p 25)
Como mencionado no primeiro capiacutetulo diversas caracteriacutesticas a respeito da Iacutendia jaacute
estavam presentes tanto em Heroacutedoto quanto em Cteacutesias A influecircncia desses dois autores
eacute bem evidente no terceiro livro da VA onde muitas dessas maravilhas satildeo desmitificadas
ou confirmadas por Apolocircnio que as potildee em xeque em um diaacutelogo com o saacutebio Iarcas
Aleacutem do que era exoacutetico e visualmente impactante seacuteculos mais tarde outro aspecto
do maravilhoso da Iacutendia se tornou um toacutepos literaacuterio a sabedoria dos bracircmanes e dos
gminosofistas27
das histoacuterias de Alexandre e da tradiccedilatildeo do Romance de Alexandre Se
por um lado os bracircmanes natildeo foram tratados nas narrativas de Cteacutesias e de Heroacutedoto a
partir desse momento eles se tornariam uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana (PARKER 2008 p 143 e 251) Na VA eles ocupam um papel central pois
chegar ateacute eles era o objetivo principal de Apolocircnio (VA I 18 32 II 11 III 16 29 IV
47) e esse contato com eles tambeacutem eacute parte do conteuacutedo maravilhoso da obra
231 As maravilhas da Iacutendia
Animais monstros seres hiacutebridos dimensotildees cores lugares construccedilotildees exuberantes
pedras e riquezas compotildeem a Iacutendia como um paiacutes exoacutetico diverso selvagem e
maravilhoso na indografia greco-romana Se Hartog (2014 p 261-263) afirma que a
quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da narrativa podemos afirmar que a Iacutendia
descrita por Filoacutestrato eacute extensa rica e profunda em suas peculiaridades Abaixo estatildeo
traduzidas passagens que remetem ao conteuacutedo maravilhoso dessa obra listadas e
divididas em grupos Os grupos arrolados satildeo i) lugares onde estatildeo descritas montanhas
planiacutecies e cidades ii) hidrografia com os nomes dimensotildees e particularidades dos rios
mencionados no texto iii) o clima da Iacutendia iv) animais onde satildeo detalhadas suas
27
Agraves vezes os dois termos satildeo usados de forma intercambiaacutevel agraves vezes eles se referem a diferentes grupos Em
alguns casos o termo eacute usado para se referir a sacerdotes egiacutepcios como em Filoacutestrato (PARKER 2008 p 255)
34
particularidades e as estoacuterias associadas a eles v) seres exoacuteticos compostos por
humanoides seres hiacutebridos e povos de cultura inusitada
Identificamos tambeacutem na VA uma forte influecircncia de Heroacutedoto e de Cteacutesias que
iniciaram essa tradiccedilatildeo a respeito da Iacutendia As descriccedilotildees que aludem a esses dois autores
estatildeo mencionadas ao longo do texto e os trechos referidos a eles estaratildeo expostos junto
com os da VA Quando houver uma referecircncia em comum entre os trecircs autores
respeitaremos a ordem cronoloacutegica entre eles
2311 Lugares
Durante a jornada de Apolocircnio satildeo descritos os lugares por onde ele passa e suas
impressotildees Em seu itineraacuterio pela Iacutendia Apolocircnio passa pela cordilheira do Caacuteucaso
registrando o aroma de canela e a aacutervore de pimenta existentes laacute passa por uma pedra
chamada ldquoSem paacutessarosrdquo pela planiacutecie irrigada do Ganges por Taxila pelo Templo do Sol
por Paraca pela torre dos saacutebios onde ele vecirc dois jarros um de chuva e o outro de vento
aleacutem de uma pedra magneacutetica pelas regiotildees de Balara de Selera de Pegadae e pela ilha
Biacuteblos
A cordilheira Caacuteucaso
Eacute narrado que ao se aproximarem da cordileira do Caacuteucaso Apolocircnio e seus
companheiros sentiram que a terra ficava mais perfumada (VA II 1) Sua extensatildeo eacute enorme
pois considera-se que o iniacutecio dessa montanha eacute no Touro e se estende atraveacutes da Armecircnia ateacute
Miacutecale e se estende ateacute a margem do mar onde vivem os carianos Ao contraacuterio do pico de
Miacutecale que natildeo eacute muito grande os do Caacuteucaso
καὶ αἱ ὑπερβολαὶ τοῦ Καυκάσου τοσοῦτον ἀνεστᾶσιν ὡς σχίζεσθαι περὶ αὐτὰς τὸν
ἥλιον περιβάλλει δὲ Ταύρῳ ἑτέρῳ καὶ τὴν ὅμορον τῇ Ἰνδικῇ Σκυθίαν πᾶσαν κατὰ
Μαιῶτίν τε καὶ ἀριστερὸν Πόντον σταδίων μάλιστα δισμυρίων μῆκος τοσοῦτον
γὰρ ἐπέχει μέτρον τῆς γῆς ὁ ἀγκὼν τοῦ Καυκάσου [] ὁ δὲ Καύκασος ὁρίζει μὲν
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τὴν Ἰνδικήν τε καὶ Μηδικήν καθήκει δὲ ἐπὶ τὴν Ἐρυθρὰν θάλατταν ἑτέρῳ ἀγκῶνι
(VA II 2)
os picos do Caacuteucaso satildeo tatildeo elevados que o sol eacute cortado por eles Envolve com o
resto do Tauro toda a Ciacutetia que faz fronteira com a Iacutendia pelo Meoacutetis e a costa
esquerda do Ponto uma distacircncia quase de 20 mil estaacutedios pois nada menos que
isso eacute a extensatildeo de terra cercada pela depressatildeo do Caacuteucaso [] O Caacuteucaso limita
Iacutendia e Meacutedia e se estende por outra depressatildeo ateacute o Mar Vermelho
As montanhas do Caacuteucaso possuem ainda outras peculiaridades como por exemplo
os arbustos com cheiro de canela que aromatizam toda aquela regiatildeo e a aacutervore de pimenta
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho sentiram o aroma de
canela vinda dos arbustos por toda esse aacuterea
A canela do Caacuteucaso
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho e descrito
que esta faixa eacute densamente coberta por arbustos aromaacuteticos de canela
τοὺς μὲν δὴ πρῶνας τοῦ ὄρους τὸ κιννάμωμον φέρειν προσεοικέναι δὲ αὐτὸ νέοις
κλήμασι βάσανον δὲ τοῦ ἀρώματος τὴν αἶγα εἶναι κινναμώμου γὰρ εἴ τις αἰγὶ
ὀρέξειε κνυζήσεται πρὸς τὴν χεῖρα καθάπερ κύων ἀπιόντι τε ὁμαρτήσει τὴν ῥῖνα
ἐς αὐτὸ ἐρείσασα κἂν ὁ αἰπόλος ἀπάγῃ θρηνήσει καθάπερ λωτοῦ ἀποσπωμένη
(VA III 4)
Os contrafortes da montanha produzem canela que se assemelha a videiras novas
mas a cabra eacute a prova de que se trata daquele arbusto aromaacutetico pois se algueacutem
apresenta a canela a uma cabra ela gane na direccedilatildeo da matildeo igual a um cachorro e
ao sair ela o seguiraacute apoiando nela o focinho e se o pastor a afastar ela se
lamentaraacute como privada de loto
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A aacutervore de pimenta
Nos montes dessa montanha crescem aacutervores aromaacuteticas muito altas e existem
diversas espeacutecies delas como eacute o caso das aacutervores de pimenta que satildeo cultivadas pelos
macacos (VA III 4)
τὸ δένδρον ἡ πεπερὶς εἴκασται μὲν τῷ παρ᾽ Ἕλλησιν ἄγνῳ τά τε ἄλλα καὶ τὸν
κόρυμβον τοῦ καρποῦ φύεται δὲ ἐν τοῖς ἀποτόμοις οὐκ ἐφικτὸς τοῖς ἀνθρώποις οὗ
λέγεται πιθήκων οἰκεῖν δῆμος ἐν μυχοῖς τοῦ ὄρους καὶ ὅ τι αὐτοῦ κοῖλον οὓς
πολλοῦ ἀξίους οἱ Ἰνδοὶ νομίζοντες ἐπειδὴ τὸ πέπερι ἀποτρυγῶσι τοὺς λέοντας ἀπ᾽
αὐτῶν ἐρύκουσι κυσί τε καὶ ὅπλοις (VA III 4)
A aacutervore de pimenta se parece com o salgueiro dos gregos em tudo incluindo os
ramos do fruto e cresce em ravinas que o homen natildeo alcanccedila e onde dizem habita
um povo de macacos em buracos na montanha e em qualquer concavidade dela os
quais satildeo tidos em alta estima pelos indianos porque eles colhem as pimentas eles
afastam deles os leotildees com catildees e armas
A pedra chamada ldquoSem paacutessarosrdquo
Haacute uma pedra perto do monte Nisa que se chamada ldquoSem Paacutessarosrdquo (Ἄορνον) Apesar
de natildeo terem ido ateacute ela os viajantes ouviram falar que Alexandre a capturou e a histoacuteria que
se conta sobre essa pedra estaacute assim descrita
Ἄορνος δὲ ὀνομάζοιτο οὐκ ἐπειδὴ στάδια πεντεκαίδεκα ἀνέστηκε πέτονται γὰρ καὶ
ὑπὲρ τοῦτο οἱ ἱεροὶ ὄρνιθες ἀλλ᾽ ἐν κορυφῇ τῆς πέτρας ῥῆγμα εἶναί φασι τοὺς
ὑπερπετομένους τῶν ὀρνίθων ἐπισπώμενον ὡς Ἀθήνησί τε ἰδεῖν ἐστιν ἐν προδόμῳ
τοῦ Παρθενῶνος καὶ πολλαχοῦ τῆς Φρυγῶν καὶ Λυδῶν γῆς ὑφ᾽ οὗ τὴν πέτραν
Ἄορνον κεκλῆσθαί τε καὶ εἶναι (VA II 10)
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[a pedra] foi nomeada ldquoSem Paacutessarosrdquo natildeo porque alcanccedila quinze estaacutedios pois os
paacutessaros sagrados voam aleacutem dessa altura mas porque no pico da pedra haacute dizem
um abismo que puxa os paacutessaros como se vecirc que acontece tambeacutem em Atenas no
vestiacutebulo do Partenon e em muitos lugares da terra dos friacutegios e liacutedios Por esse
motivo a pedra eacute chamada e de fato eacute ldquoSem Paacutessarosrdquo
A planiacutecie irrigada do Ganges
Apoacutes atravessarem o Caacuteucaso eacute descrito que os viajantes viram uma planiacutecie lisa com
cortes e valas cheias de aacutegua algumas das quais transversais enquanto outras eram retas
Eram simples afluentes do rio Ganges dispostas como fronteiras e irrigavam tambeacutem a
planiacutecie quando a terra estava seca (VA III 5) Sobre esta terra
τὴν δὲ γῆν ταύτην ἀρίστην φασὶ τῆς Ἰνδικῆς εἶναι καὶ μεγίστην τῶν ἐκεῖ λήξεων
πεντεκαίδεκα ἡμερῶν ὁδοῦ μῆκος ἐπὶ τὸν Γάγγην ὀκτωκαίδεκα δὲ ἀπὸ θαλάσσης
ἐπὶ τὸ τῶν πιθήκων ὄρος ᾧ ξυμπαρατείνει πεδιὰς πᾶσα ἡ χώρα μέλαινά τε καὶ
πάντων εὔφορος ἰδεῖν μὲν γὰρ ἐν αὐτῇ στάχυας ἀνεστῶτας ὅσον οἱ δόνακες ἰδεῖν
δὲ κυάμους τριπλασίους τῶν Αἰγυπτίων τὸ μέγεθος σήσαμόν τε καὶ κέγχρον
ὑπερφυᾶ πάντα ἐνταῦθα καὶ τὰ κάρυα φύεσθαί φασιν ὧν πολλὰ πρὸς ἱεροῖς
ἀνακεῖσθαι τοῖς δεῦρο θαύματος ἕνεκα τὰς δὲ ἀμπέλους φύεσθαι μὲν μικράς
καθάπερ αἱ Λυδῶν τε καὶ Μαιόνων ποτίμους δὲ εἶναι καὶ ἀνθοσμίας ὁμοῦ τῷ
ἀποτρυγᾶν ἐνταῦθα καὶ δένδρῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι προσεοικότι τῇ δάφνῃ
φύεσθαι δὲ αὐτοῦ κάλυκα εἰκασμένην τῇ μεγίστῃ ῥόᾳ καὶ μῆλον ἐγκεῖσθαι τῇ
κάλυκι κυάνεον μέν ὥσπερ τῶν ὑακίνθων αἱ κάλυκες πάντων δὲ ἥδιστον ὁπόσα ἐξ
ὡρῶν ἥκει (VA III 5)
Eles dizem ser esta a melhor terra da Iacutendia e a maior das regiotildees sendo de quinze
dias a jornada ateacute o Ganges e de dezoito dias do mar ateacute a montanha dos macacos
por onde se estende Toda a regiatildeo eacute uma planiacutecie preta e feacutertil de tudo pois se pode
ver nela espigas crescendo como os juncos e se pode ver tambeacutem favas trecircs vezes
maiores que as do tipo egiacutepcio bem como seacutesamo e milho crescendo por todas as
partes E eles dizem que tambeacutem nascem nozes laacute das quais muitas satildeo ofertadas
nos templos daqui pelo que tecircm de admiraacutevel As videiras que crescem satildeo
pequenas como as dos liacutedios e meocircnios boas para beber e aromaacuteticas tatildeo logo se
arrancam Eles dizem que laacute se depararam tambeacutem com uma aacutervore que se
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assemelha ao loureiro sobre a qual cresce um caacutelice comparaacutevel a uma granada
grande e dentro do caacutelice estaacute embutido um fruto azulado como os caacutelices de
jacinto o mais agradaacutevel de todos que as estaccedilotildees trazem
A regiatildeo de Taxila
Taxila eacute uma cidade importante na VA Eacute nela que Apolocircnio encontra vestiacutegios de
Alexandre e da batalha travada entre o macedocircnio e o rei indiano Poro conhecida como a
Batalha de Hidaspes Aleacutem disso eacute em Taxila que Apolocircnio tem o primeiro contato com um
rei indiano Fraotes um dos personagens mais importantes da Iacutendia da VA devido agrave forma
como governa e a seu conhecimento da cultura grega
Taxila segunda a narrativa tem a dimensatildeo de Niacutenive e eacute fortificada da mesma forma
que as cidades gregas Aleacutem dessas caracteriacutesticas que remetem agrave Greacutecia eacute descrito um
templo com o qual se surpreenderam de tatildeo belo
νεὼν δὲ πρὸ τοῦ τείχους ἰδεῖν φασιν οὐ παρὰ πολὺ τῶν ἑκατομπόδων λίθου
κογχυλιάτου καὶ κατεσκευάσθαι τι ἱερὸν ἐν αὐτῷ ἧττον μὲν ἢ κατὰ τὸν νεὼν
τοσοῦτόν τε ὄντα καὶ περικίονα θαυμάσαι δὲ ἄξιον χαλκοῖ γὰρ πίνακες
ἐγκεκρότηνται τοίχῳ ἑκάστῳ γεγραμμένοι τὰ Πώρου τε καὶ Ἀλεξάνδρου ἔργα
γεγράφαται δὲ ὀρειχάλκῳ καὶ ἀργύρῳ καὶ χρυσῷ καὶ χαλκῷ μέλανι ἐλέφαντες ἵπποι
στρατιῶται κράνη ἀσπίδες λόγχαι δὲ καὶ βέλη καὶ ξίφη σιδήρου πάντα καὶ ὥσπερ
λόγος εὐδοκίμου γραφῆς οἷον εἰ Ζεύξιδος εἴη τι ἢ Πολυγνώτου τε καὶ Εὐφράνορος
οἳ τὸ εὔσκιον ἠσπάσαντο καὶ τὸ ἔμπνουν καὶ τὸ ἐσέχον τε καὶ ἐξέχον οὕτως φασί
κἀκεῖ διαφαίνεται καὶ ξυντετήκασιν αἱ ὕλαι καθάπερ χρώματα ἡδὺ δὲ καὶ αὐτὸ τὸ
ἦθος τῆς γραφῆς (VA II 20)
dizem que viram um templo em frente da muralha de natildeo muito mais que cem peacutes
de pedra de calcaacuterio e que foi construiacutedo dentro dele um santuaacuterio algo menor com
relaccedilatildeo agrave grandeza do templo sendo esse cercado por colunas e digno de
maravilhar-se Havia taacutebuas de bronze em cada parede do templo com os feitos de
Poro e Alexandre registrados Foram gravados com oricalco prata ouro e bronze
escuro elefantes cavalos soldados elmos e escudos mas lanccedilas flechas e espadas
eram todas de ferro e como o assunto de uma pintura famosa tal qual as de Zecircuxis
Polignoto ou Eufranor que gostavam do claro-escuro do animado da profundidade
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e do relevo assim dizem tambeacutem ali tudo se mostrava e os materiais estavam
dispostos como cores E o caraacuteter da pintura era apraziacutevel por si mesmo
O Templo do Sol
Esse templo tambeacutem eacute caracterizado por sua beleza e riqueza e pedras preciosas e
imagens marcando a passagem de Apolocircnio naquela regiatildeo
ἱερὸν δὲ ἰδεῖν Ἡλίου φασίν ᾧ ἀνεῖτο Αἴας ἐλέφας καὶ ἀγάλματα Ἀλεξάνδρου
χρυσᾶ καὶ Πώρου ἕτερα χαλκοῦ δ᾽ ἦν ταῦτα μέλανος οἱ δὲ τοῦ ἱεροῦ τοῖχοι
πυρσαῖς λίθοις ὑπαστράπτει χρυσὸς αὐγὴν ἐκδιδοὺς ἐοικυῖαν ἀκτῖνι τὸ δὲ ἕδος αὐτὸ
μαργαρίτιδος ξύγκειται ξυμβολικὸν τρόπον ᾧ βάρβαροι πάντες ἐς τὰ ἱερὰ χρῶνται
(VA II 24)
E eles dizem ter visto um Templo do Sol no qual circulava o elefante Aacutejax e
esculturas de ouro de Alexandre e outras de Poro e eram estas de bronze escuro E
das paredes do templo sob pedras vermelhas brilhava o ouro emitiam um claratildeo
semelhante a um raio de sol O proacuteprio assento estava cercado de peacuterolas do modo
simboacutelico que usam todos os baacuterbaros nos templos
A cidade de Paraca
A cidade de Paraca eacute maravilhosa por nela acontecer o treino de caccedila aos dragotildees e
por nela se armazenarem as cabeccedilas desse animal no centro da cidade Aleacutem disso os
habitantes dessa regiatildeo entendem a linguagem animal Eacute a partir dessa cidade que Apolocircnio
chega ateacute a torre dos bracircmanes
τὴν δὲ πόλιν τὴν ὑπὸ τῷ ὄρει μεγίστην οὖσαν φασὶ μὲν καλεῖσθαι Πάρακα
δρακόντων δὲ ἀνακεῖσθαι κεφαλὰς ἐν μέσῃ πλείστας γυμναζομένων τῶν ἐν ἐκείνῃ
Ἰνδῶν τὴν θήραν ταύτην ἐκ νέων λέγονται δὲ καὶ ζῴων ξυνιέναι φθεγγομένων τε
καὶ βουλευομένων σιτούμενοι δράκοντος οἱ μὲν καρδίαν οἱ δὲ ἧπαρ προϊόντες δὲ
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αὐλοῦ μὲν ἀκοῦσαι δόξαι νομέως δή τινος ἀγέλην τάττοντος ἐλάφους δὲ ἄρα
βουκολεῖσθαι λευκάς ἀμέλγουσι δὲ Ἰνδοὶ ταύτας εὐτραφὲς ἡγούμενοι τὸ ἀπ᾽ αὐτῶν
γάλα (VA III 9)
E eles dizem que a cidade abaixo da montanha eacute grande e chama-se Paraca que no
centro ficam guardadas a maioria das cabeccedilas de dragotildees para os indianos de laacute
serem treinados a essa caccedila desde a juventude Dizem tambeacutem que eles entendem os
sons e as deliberaccedilotildees dos animais alimentando-se ou do coraccedilatildeo ou do fiacutegado do
dragatildeo Avanccedilando eles imaginaram ter ouvido a flauta de algum pastor ordenando
um rebanho mas logo deliberaram que eram corsas brancas pois os indianos as
guiam para ordenhaacute-las por causa de seu leite nutritivo
A torre dos saacutebios
A torre dos bracircmanes eacute o cenaacuterio principal da viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Eacute nela que
Apolocircnio chega ao limite maacuteximo de sua sabedoria e realiza o objetivo principal de sua
viagem chegar ateacute os bracircmanes
A descriccedilatildeo dessa torre eacute peculiar em vista de suas referecircncias e comparaccedilotildees com a
Acroacutepole de Atenas o que faz com que o leitor projete mentalmente o mapa da Greacutecia A
torre fica no topo de uma montanha e suas caracteriacutesticas satildeo
ὕψος μὲν εἶναι κατὰ τὴν Ἀθηναίων φασὶν ἀκρόπολιν ἀνίστασθαι δὲ ἐκ πεδίου ἄνω
εὐφυᾶ δὲ ὁμοίως πέτραν ὀχυροῦν αὐτὸν κύκλῳ περιήκουσαν (VA III 13)
tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da planiacutecie e
sua posiccedilatildeo natural o protege de ataques pois eacute rodeado por rochas em todos os
lados
Aleacutem disso em muitas partes dessa pedra eles viram rastros de pegadas e contorno de
barba e de rostos e viram marcas que pareciam de costas deslizadas (ἧς πολλαχοῦ δίχηλα
ὁρᾶσθαι ἴχνη καὶ γενειάδων τύπους καὶ προσώπων καί που καὶ νῶτα ἰδεῖν ἀπωλισθηκόσιν
ὅμοια - VA III 13) Essas marcas segundo a narrativa satildeo de quando Dioniso e Heacuteracles
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tentaram atacar e capturar a torre mas foram afastados pelos raios e pedras enviados pelos
bracircmanes
Existia tambeacutem uma nuvem que pairava sobre a torre
περὶ δὲ τῷ ὄχθῳ νεφέλην ἰδεῖν φασιν ἐν ᾗ τοὺς Ἰνδοὺς οἰκεῖν φανερούς τε καὶ
ἀφανεῖς καὶ ὅ τι βούλονται πύλας δὲ εἰ μὲν καὶ ἄλλας εἶναι τῷ ὄχθῳ οὐκ εἰδέναι τὸ
γὰρ περὶ αὐτὸν νέφος οὔτε ἀκλείστῳ ξυγχωρεῖν οὔτ᾽ αὖ ξυγκεκλεισμένῳ φαίνεσθαι
(VA III 13)
eles dizem ter visto uma nuvem atraacutes da montanha da morada dos hindus a qual
ficava visiacutevel ou invisiacutevel quando eles desejam E se tinha outro portatildeo na montanha
eles natildeo sabiam pois com a nuvem ao redor natildeo conseguiram ver se havia uma
abertura na muralha ou se por outro lado era uma fortaleza fechada
Os jarros de chuva e de vento dos bracircmanes
Outro prodiacutegio se encontra quando os personagens tendo entrado na torre viram dois
jarros de pedra preta um de chuva e outro de vento (καὶ διττὼ ἑωρακέναι φασὶ πίθω λίθου
μέλανος ὄμβρων τε καὶ ἀνέμων ὄντε - VA III 14) O jarro de chuva eacute aberto quando a Iacutendia
estaacute sofrendo de seca e entatildeo satildeo enviadas nuvens carregadas para todo o paiacutes mas se a
chuva passa a ser excessiva eacute interrompida quando o jarro eacute fechado Jaacute o jarro de vento eacute
comparado agrave caixa de Eacuteolo28
pois liberta um dos ventos o qual proporciona uma brisa fresca
que refresca todo o paiacutes (VA III 14)
A pedra magneacutetica
Na torre dos bracircmanes Iarcas mostra a Apolocircnio uma pedra que tem caracteriacutesticas
magneacuteticas e se assemelha agrave pedra pantarba descrita por Cteacutesias nestes termos
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Provaacutevel referecircncia a Eacuteolo guardiatildeo dos ventos na Odisseia (Od X 1-4 21-22)
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Περὶ παντάρβας τῆς σφραγῖδος καὶ ὡς υοζʹ σφραγῖδας ἀπορριφείσας καὶ τιμίους
λίθους εἰς τὸν ποταμόν ἅτινα ἦν τοῦ Βακτρίων καπήλου αὐτὴ ἀνείλκυσεν ἐχομένας
ἀλλήλων (Ind frag II)
Fala sobre a pantarba uma pedra preciosa e que quando ela eacute jogada no rio 477
sinetes e pedras preciosas que eram de um comerciante de Bactra ela puxa de volta
presas umas com as outras
Na VA Iarcas confirma a existecircncia desta pedra e garante que o que dizem a respeito
de suas caracteriacutesticas magneacuteticas eacute verdade Aleacutem disso ele tambeacutem a disponibiliza a
Apolocircnio para que este a veja e comprove por si mesmo suas propriedades Nenhum
detalhe poreacutem eacute narrado (VA III 46)
γίγνεται μὲν γὰρ ἡ μεγίστη κατὰ ὄνυχα δακτύλου τούτουrsquo δείξας τὸν ἑαυτοῦ
ἀντίχειρα lsquoκυίσκεται δὲ ἐν γῇ κοίλῃ βάθος ὀργυιαὶ τέτταρες τοσοῦτον δὲ αὐτῇ
περίεστι τοῦ πνεύματος ὡς ὑποιδεῖν τὴν γῆν καὶ κατὰ πολλὰ ῥήγνυσθαι
κυισκομένης ἐν αὐτῇ τῆς λίθου (VA III 46)
[Fala de Iarcas] De fato a maior delas eacute do tamanho desta unha ndash e ele mostrou seu
proacuteprio polegar ndash e eacute formada num buraco na terra com uma profundidade de quatro
braccedilas mas ela tem tanto espiacuterito que a terra se dilata e se rasga em muitos lugares
quando esta pedra eacute concebida
Contudo essa pedra natildeo eacute facilmente capturada pois se algueacutem tenta pegaacute-la ela
foge a menos que exista uma atraccedilatildeo entre a pedra e aquele que tenta apanhaacute-la Ainda a
pantarba (παντάρβην) assim chamada tambeacutem por Iarcas
νύκτωρ μὲν οὖν ἡμέραν ἀναφαίνει καθάπερ τὸ πῦρ ἔστι γὰρ πυρσὴ καὶ ἀκτινώδης
εἰ δὲ μεθ᾽ ἡμέραν ὁρῷτο βάλλει τοὺς ὀφθαλμοὺς μαρμαρυγαῖς μυρίαις τὸ δὲ ἐν
αὐτῇ φῶς πνεῦμά ἐστιν ἀρρήτου ἰσχύος πᾶν γὰρ τὸ ἐγγὺς ἐσποιεῖ αὑτῇ (VA III 46)
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de noite faz brilhar um dia como o fogo eacute vermelha e emite raios e se se olha para
ela de dia lanccedila aos seus olhos raios de luz incontaacuteveis A luz de dentro dela eacute um
espiacuterito com forccedila misteriosa pois atraiacute tudo para perto dela mesma
καὶ εἰπὼν ταῦτα ἔδειξε τὴν λίθου αὐτήν τε καὶ ὁπόσα ἐργάζεται (VA III 47)
E tendo ditto estas coisas ele mostrou a proacutepria pedra e tudo o que ela era capaz de
realizar
Balara e Selera
Balara eacute um lugar distinto por seus jardins jaacute Selera eacute uma ilha sagrada onde habita
uma nereida
προσπλεῦσαί φασι καὶ Βαλάροις ἐμπόριον δὲ εἶναι τὰ Βάλαρα μεστὸν μυρρινῶν τε
καὶ φοινίκων καὶ δάφνας ἐν αὐτῷ ἰδεῖν καὶ πηγαῖς διαρρεῖσθαι τὸ χωρίον κῆποι δὲ
ὁπόσοι τρωκτοὶ καὶ ὁπόσοι ἀνθέων κῆποι βρύειν αὐτὸ καὶ λιμένας μεστοὺς
γαλήνης ἐν αὐτῷ εἶναι προκεῖσθαι δὲ τοῦ χωρίου τούτου νῆσον ἱεράν ἣν καλεῖσθαι
Σέληρα καὶ στάδια μὲν ἑκατὸν εἶναι τῷ πορθμῷ νηρηίδα δὲ οἰκεῖν ἐν αὐτῇ δεινὴν
δαίμονα πολλοὺς γὰρ τῶν πλεόντων ἁρπάζειν καὶ μηδὲ ταῖς ναυσὶ ξυγχωρεῖν
πεῖσμα ἐκ τῆς νήσου βάλλεσθαι (VA III 56)
Eles contam que navegaram ateacute Balara que eacute um empoacuterio cheio de mirtos e de
palmeiras e que viram tambeacutem loureiros e fonte que ali fluem E tinha tanto jardins
de plantas comestiacuteveis como jardins de flores cheios de brotos e os portos ali
estavam calmos Defronte deste lugar existe uma ilha sagrada chamada Selera e a
passagem ateacute ela eacute de cem estaacutedios de distacircncia Nesta ilha habita uma nereida um
democircnio terriacutevel pois ela arrebata muitos marinheiros e natildeo deixa que os navios
arremessem um cabo agrave ilha
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Pegadas a terra de bronze
De acordo com a narrativa podemos imaginar esta regiatildeo como monocromaacutetica
tamanha eacute a predominacircncia do bronze que compotildee sua natureza
κατασχεῖν δέ φασι καὶ ἐς Πηγάδας τῆς τῶν Ὠρειτῶν χώρας οἱ δὲ Ὠρεῖται χαλκαῖ
μὲν αὐτοῖς αἱ πέτραι χαλκῆ δὲ ἡ ψάμμος χαλκοῦν δὲ ψῆγμα οἱ ποταμοὶ ἄγουσι
χρυσῖτιν δὲ ἡγοῦνται τὴν γῆν διὰ τὴν εὐγένειαν τοῦ χαλκοῦ (VA III 54)
Eles dizem que tambeacutem passaram por Peacutegada na terra dos oritas e que os oritas tecircm
pedras de bronze e tambeacutem areia de bronze e a poeira que o rio traz tambeacutem eacute de
bronze Mas eles consideram o bronze da sua terra ouro por causa da nobreza dele
A ilha Biblo e os moluscos gigantes
Esta ilha tem como maravilhoso seus frutos do mar que em tamanho satildeo muito
maiores que os gregos
μνημονεύουσι καὶ νήσου μικρᾶς ᾗ ὄνομα εἶναι Βίβλον ἐν ᾗ τὸ τοῦ κογχυλίου
μέγεθος καὶ οἱ μύες ὄστρεά τε καὶ τὰ τοιαῦτα δεκαπλάσια τῶν Ἑλληνικῶν τὸ
μέγεθος ταῖς πέτραις προσπέφυκεν ἁλίσκεται δὲ καὶ λίθος ἐκεῖ μαργαρὶς ἐν
ὀστράκῳ λευκῷ καρδίας τόπον ἔχουσα τῷ ὀστρέῳ (VA III 53)
Eles tambeacutem recordam uma pequena ilha a qual se chama Biblo onde haacute grandes
berbigotildees mexilhotildees e ostras os quais se prendem em pedras e satildeo dez vezes
maiores que os encontrados na Greacutecia Uma pedra tambeacutem eacute capturada ali a peacuterola
a qual ocupa em uma concha branca o lugar do coraccedilatildeo da ostra
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2312 Hidrografia
Filoacutestrato descreve os rios que Apolocircnio atravessou bem como suas extensotildees
navegaacuteveis suas dimensotildees e os animais que havia neles Os rios satildeo o Indo o Hiacutefasis e o
Acesines
O rio Indo
Esse rio eacute o mais importante para a indografia greco-romana por ter simbolizado ateacute a
campanha de Alexandre os confins do mundo Essa crenccedila se encontra presente nas
narrativas de Cteacutesias
Λέγει περὶ τοῦ Ἰνδοῦ ποταμοῦ τὸ μὲν στενὸν αὐτοῦ τὸ εὖρος μʹ σταδίων εἶναι τὸ δὲ
πλατύτατον καὶ διακοσίων Λέγει περὶ αὐτῶν τῶν Ἰνδῶν ὅτι πλείους σχεδὸν
συμπάντων ἀνθρώπων Περὶ τοῦ σκώληκος τοῦ ἐν τῷ ποταμῷ ὃ καὶ μόνον τῶν
ἄλλων θηρίων ἐν αὐτῷ γίνεται Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους Ὅτι
οὐχ ὕει ἀλλacute ὑπὸ τοῦ ποταμοῦ ποτίζεται ἡ Ἰνδική (Ind frag I)
Ele fala sobre o rio Indo que em sua passagem mais estreita tem quarenta estaacutedios29
de largura e na mais extensa duzentos Fala que a populaccedilatildeo de hindus eacute mais ou
menos maior que a de todos os homens juntos Fala a respeito de um verme do rio o
qual aliaacutes eacute o uacutenico animal que haacute nele Que homens natildeo habitam aleacutem de laacute Que
natildeo chove mas a terra da Iacutendia eacute irrigada pelo rio
Filoacutestrato tambeacutem fala sobre sua dimensatildeo bem como sobre sua nascente e os animais
que nele vivem
29
Medida de percurso equivalente a 17760 m
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τὸν μὲν δὴ Ἰνδὸν ὧδε ἐπεραιώθησαν σταδίους μάλιστα τεσσαράκοντα τὸ γὰρ
πλόιμον αὐτοῦ τοσοῦτον περὶ δὲ τοῦ ποταμοῦ τούτου τάδε γράφουσι τὸν Ἰνδὸν
ἄρχεσθαι μὲν ἐκ τοῦ Καυκάσου μείζω αὐτόθεν ἢ οἱ κατὰ τὴν Ἀσίαν ποταμοὶ πάντες
προχωρεῖν δὲ πολλοὺς τῶν ναυσιπόρων ἑαυτοῦ ποιούμενον ἀδελφὰ δὲ τῷ Νείλῳ
πράττοντα τῇ τε Ἰνδικῇ ἐπιχεῖσθαι γῆν τε ἐπάγειν τῇ γῇ καὶ παρέχειν Ἰνδοῖς τὸν
Αἰγυπτίων τρόπον σπείρειν (VA II 18)
E entatildeo eles atravessaram o Indo com mais de quarenta estaacutedios30
pois essa eacute sua
extensatildeo navegaacutevel A respeito do rio eles escrevem estas coisas que o Indo comeccedila
no Caacuteucaso e sua nascente eacute maior que todos os rios da Aacutesia e ao avanccedilar
incorpora muitos [rios] navegaacuteveis e de modo paralelo ao Nilo inunda a Iacutendia
sobrepotildee terra agrave terra e permite aos hindus semear do mesmo modo que os egiacutepcios
κομιζόμενοι δὲ διὰ τοῦ Ἰνδοῦ πολλοῖς μὲν ποταμίοις ἵπποις ἐντυχεῖν φασι πολλοῖς
δὲ κροκοδείλοις ὥσπερ οἱ τὸν Νεῖλον πλέοντες λέγουσι δὲ καὶ ἄνθη τῷ Ἰνδῷ εἶναι
οἷα τοῦ Νείλου ἀναφύεται (VA II 19)
E eles dizem que viajando em direccedilatildeo ao outro lado do Indo encontraram muitos
cavalos de rio e muitos crocodilos como os que nadam no Nilo e que a vegetaccedilatildeo
do Indo eacute como a que brota no Nilo
O rio Hiacutefasis e o oacuteleo nupcial
O rio Hiacutefasis (atual Beaacutes) eacute notaacutevel por sua extensatildeo De acordo com o texto ele nasce
na planiacutecie e perto de sua fonte os riachos satildeo navegaacuteveis mas agrave medida que avanccedilam logo
se tornam inacessiacuteveis para os barcos porque os montes de rocha se alternam Nas redondezas
dessas rochas o vento eacute forte ao ponto de tornar o rio natildeo navegaacutevel (VA III 1) Suas
caracteriacutesicas mais notaacuteveis satildeo
εὖρος δὲ αὐτῷ κατὰ τὸν Ἴστρον ποταμῶν δὲ οὗτος δοκεῖ μέγιστος ὁπόσοι δι᾽
Εὐρώπης ῥέουσι δένδρα δέ οἱ προσόμοια φύει παρὰ τὰς ὄχθας καί τι καὶ μύρον
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ἐκδίδοται τῶν δένδρων ὃ ποιοῦνται Ἰνδοὶ γαμικὸν χρίσμα καὶ εἰ μὴ τῷ μύρῳ τούτῳ
ῥάνωσι τοὺς νυμφίους οἱ ξυνιόντες ἐς τὸν γάμον ἀτελὴς δοκεῖ καὶ οὐκ ἐς χάριν τῇ
Ἀφροδίτῃ ξυναρμοσθείς (VA III 1)
Sua largura eacute equivalente ao do rio Ister este sendo considerado o mais de quantos
rios fluem na Europa Aacutervores semelhantes agraves daquele nascem agraves suas margens e um
baacutelsamo tambeacutem eacute extraiacutedo das aacutervores a partir do qual os hindus fazem um oacuteleo
nupcial e se os presentes ao casamento natildeo borrifam com esse oacuteleo os noivos
parece que a uniatildeo natildeo eacute concluiacuteda nem agraciada por Afrodite
Esse bosque agrave margem do rio eacute consagrado a Afrodite bem como os belos peixes que
existem laacute (VA III 1)
O rio Acesines
A descriccedilatildeo deste rio eacute breve e o conteuacutedo maravilhoso neste trecho se daacute pela
dimensatildeo informada e pelo comprimento das cobras que existem nele
περὶ τοῦ Ἀκεσίνου ποταμοῦ εἰρημένα ὡς ἐσβάλλει μὲν ἐς τὸν Ἰνδὸν οὗτος τρέφει
δὲ ὄφεις ἑβδομήκοντα πηχῶν μῆκος τοιαῦτα εἶναί φασιν (VA II 17)
Sobre o que disseram do rio Acesines que desaacutegua no rio Indo e produz cobras de
setenta cocircvados31
de comprimento ser assim eles dizem
A fonte de ouro
Aleacutem desses rios ao conversar com Iarcas Apolocircnio pergunta sobre a veracidade de
uma fonte de que jorra ouro (ἐρομένου δὲ αὐτοῦ καὶ περὶ τοῦ χρυσοῦ ὕδατος ὅ φασιν ἐκ
πηγῆς βλύζειν - VA III 45) Provavelmente essa fonte eacute uma alusatildeo agrave descrita por Cteacutesias
31
Medida de comprimento equivalente a 44 cm
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Περὶ τῆς κρήνης πληρουμένης ἀνacute ἔτος ὑγροῦ χρυσίου ἐξ ἧς ἑκατὸν πρόχοι
ὀστράκινοι ἀνacute ἔτος ἀρύονται Ὀστρακίνους δὲ δεῖ εἶναι ἐπεὶ πήγνυται ὁ χρυσὸς
ἀπαρυόμενος καὶ ἀνάγκη τὸ ἀγγεῖον θλᾶν καὶ οὕτως ἐξαγαγεῖν αὐτόν Ἡ δὲ κρήνη
τετράγωνός ἐστιν ἑκκαίδεκα μὲν πηχῶν ἡ περίμετρος τὸ δὲ βάθος ὀργυϊά ἑκάστη
δὲ προχόη τάλαντον ἕλκει Καὶ περὶ τοῦ ἐν τῷ πυθμένι τῆς κρήνης σιδήρου ἐξ οὗ
καὶ δύο ξίφη Κτησίας φησὶν ἐσχηκέναι ἓν παρὰ βασιλέως καὶ τὸ ἄλλο παρὰ τῆς
τοῦ βασιλέως μητρὸς Παρυσάτιδος Φησὶ δὲ περὶ αὐτοῦ ὅτι πηγνύμενος ἐν τῇ γῇ
νέφους καὶ χαλάζης καὶ πρηστήρων ἐστὶν ἀποτρόπαιον καὶ ἰδεῖν αὑτὸν ταῦτά φησι
βασιλέως δὶς ποιήσαντος (Ind frag IV)
Fala sobre uma fonte cheia de liacutequido dourado durante o ano do qual se extraem
cem jarros de ceracircmica anualmente Os jarros precisam ser de ceracircmica jaacute que o
ouro que eacute retirado solidifica eacute necessaacuterio entatildeo quebrar o invoacutelucro e assim retiraacute-
lo A fonte eacute quadrangular com o periacutemetro de dezesseis cocircvados e a profundidade
de uma braccedila32
E cada vaso comporta um talento33
Fala sobre o ferro que haacute no
fundo da nascente a partir do qual Cteacutesias diz que duas espadas foram forjadas uma
por ordem do rei e a outra por ordem da matildee do rei Parisaacutetide Diz sobre ela que se
a espada for fincada na terra eacute capaz de afastar as nuvens granizos e tempestades E
diz ele proacuteprio ter visto isso quando o rei o fez duas vezes
2313 O clima da Iacutendia
Heroacutedoto e Cteacutesias comentaram a respeito do clima indiano
ἀποκλινομένης δὲ τῆς μεσαμβρίης γίνεταί σφι ὁ ἥλιος κατά περ τοῖσι ἄλλοισι ὁ
ἑωθινός καὶ τὸ ἀπὸ τούτου ἀπιὼν ἐπὶ μᾶλλον ψύχει ἐς ὃ ἐπὶ δυσμῇσι ἐὼν καὶ τὸ
κάρτα ψύχει (Hdt Hist III 104 traduccedilatildeo de J Brito Broca)
Nessa regiatildeo o sol eacute mais ardente pela manhatilde do que ao meio-dia ao contraacuterio do
que se verifica nas outras partes e os habitantes conservam a cabeccedila coberta ateacute a
hora em que termina entre noacutes o mercado Ao meio dia a temperatura ali pouco
32
Distacircncia de uma extremidade a outra de um braccedilo estendido horizontalmente medida fixa de quatro cocircvados
ou seis peacutes (aproximadamente 180 m) 33
Medida de peso e de soma de dinheiro equivalente a seis mil dracmas
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difere da dos demais paiacuteses e daiacute em diante comeccedila a declinar sendo a tarde tatildeo
fresca quanto a manhatilde entre os outros povos Agrave hora de dormir jaacute se goza de um
agradaacutevel frescor
A descriccedilatildeo de Cteacutesias eacute breve
Ὅτι ἀλέα πολλὴ καὶ ὅτι ὁ ἥλιος δεκαπλασίων τὸ μέγεθος ἢ ἐν ταῖς ἄλλαις χώραις
αὐτὸς ἑαυτοῦ φαίνεται καὶ πολλοὶ ἐνταῦθα τῷ πνίγει φθείρονται (Ind frag V)
Que eacute muito o calor e que o sol parece ter dez vezes o tamanho que dos outros
lugares e que laacute muitas pessoas morrem sem ar
Filoacutestrato tambeacutem apresenta a Iacutendia como um lugar muito quente
αἳ περὶ τὴν Ἰνδικήν εἰσι χειμῶνος μὲν ἀλεεινὰς εἶναι θέρους δὲ πνιγηράς πρὸς δὲ
τοῦτο ἄριστα μεμηχανῆσθαι τῷ δαίμονι τὴν γὰρ χώραν αὐτοῖς θαμὰ ὕεσθαι (VA II
19)
Na regiatildeo da Iacutendia o inverno eacute com muito sol e o veratildeo eacute sufocante mas em
compensaccedilatildeo a divindade providenciou algo excelente pois frequentemente chove
no paiacutes deles
2314 Animais
Na VA satildeo descritos muitos animais Aleacutem do detalhamento de seus aspectos fiacutesicos
satildeo narradas as lendas e as estoacuterias que os envolvem Muitos desses animais o autor afirma
que Apolocircnio viu de outros apenas ouviu falar Os animais satildeo leopardos elefantes uma
minhoca flamejante unicoacuternio dragotildees manticora grifos e fecircnix
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Leopardos
Sobre a conduta dos leopardos na VA eacute narrada a histoacuteria de que eles ficam na regiatildeo
da Panfiacutelia (regiatildeo atual da Turquia) e seu deslocamento de regiatildeo aconteceu da seguinte
forma
χαίρουσι γὰρ τοῖς ἀρώμασι κἀκ πολλοῦ τὰς ὀσμὰς ἕλκουσαι φοιτῶσιν ἐξ Ἀρμενίας
διὰ τῶν ὀρῶν πρὸς τὸ δάκρυον τοῦ στύρακος ἐπειδὰν οἵ τε ἄνεμοι ἀπ᾽ αὐτοῦ
πνεύσωσι καὶ τὰ δένδρα ὀπώδη γένηται (VA II 2)
Se deleitando com os aromas e atraiacutedos de longe pelos odores eles vem
periodicamente da Armeacutenia atraveacutes das montanhas em busca da gota de estoraque
quando os ventos de laacute sopram e as aacutervores se tornam resinosas
Eacute narrado ainda sobre um leopardo que fora apanhado em Panfiacutelia o qual usava uma
corrente de ouro em volto do seu pescoccedilo onde estava inscrito em letras armecircnias ldquoDo rei
Arsaces ao deus Niacutesiordquo (ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΑΡΣΑΚΗΣ ΘΕΩΙ ΝΥΣΙΩΙ - VA II 2) Apolocircnio
deduziu que Arsaces era o rei armecircnio e que ele deixara o animal livre em homenagem a
Dioniso por causa do seu tamanho
Elefantes
Na VA haacute uma descriccedilatildeo dos tipos de elefantes que existem na Iacutendia e de como eles
satildeo treinados e usados em guerras Neste trecho se descrevem trecircs tipos de elefantes os do
pacircntano os da mantanha e os capturados para serem usados na guerra Sobre os elefantes
Cteacutesias menciona apenas que satildeo destruidores de paredes
Περὶ τῶν τειχοκαταλύτων ἐλεφάντων (Ind frag III)
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Fala sobre elefantes destruidores de paredes
Filoacutestrato por sua vez faz uma descriccedilatildeo muito mais detalhada sobre estes animais
ἐπὶ δὲ τὸν Ἰνδὸν ἐλθόντες ἀγέλην ἐλεφάντων ἰδεῖν φασι περαιουμένους τὸν ποταμὸν
καὶ τάδε ἀκοῦσαι περὶ τοῦ θηρίου ὡς οἱ μὲν αὐτῶν ἕλειοι οἱ δ᾽ αὖ ὄρειοι καὶ
τρίτον ἤδη γένος πεδινοί εἰσιν ἁλίσκονταί τε ἐς τὴν τῶν πολεμικῶν χρείαν
μάχονται γὰρ δὴ ἐπεσκευασμένοι πύργους οἵους κατὰ δέκα καὶ πεντεκαίδεκα ὁμοῦ
τῶν Ἰνδῶν δέξασθαι ἀφ᾽ ὧν τοξεύουσί τε καὶ ἀκοντίζουσιν οἱ Ἰνδοί καθάπερ ἐκ
πυλῶν βάλλοντες καὶ αὐτὸ δὲ τὸ θηρίον χεῖρα τὴν προνομαίαν ἡγεῖται καὶ χρῆται
αὐτῇ ἐς τὸ ἀκοντίζειν ὅσον δὲ ἵππου Νισαίου μείζων ὁ Λιβυκὸς ἐλέφας τοσοῦτον
τῶν ἐκ Λιβύης οἱ Ἰνδοὶ μείζους (VA II 12)
Tendo eles chegado ao Indo viram uma manada de elefantes atravessando o rio e
dizem terem ouvido isto a respeito dos animais como alguns deles satildeo do pacircntano
outros satildeo da montanha e haacute tambeacutem um terceiro tipo da planiacutecie os quais satildeo
capturados para serem usados na guerra Eles vatildeo para a batalha encilhados com
espeacutecies de torres com capacidade de levar de dez a quinze indianos em cada uma
das quais os indianos atiram com o arco e arremessam os dardos como se
estivessem atirando de portotildees O proacuteprio animal tem a tromba como matildeos e a usa
para arremessar dardos Os elefantes da Liacutebia satildeo tatildeo grandes quanto os cavalos de
Nisa assim tambeacutem satildeo os elefantes indianos com relaccedilatildeo aos da Liacutebia
εἰ δὲ καὶ ἤθη ἐλεφάντων χρὴ ἀναγράφειν τοὺς μὲν ἐκ τῶν ἑλῶν ἁλισκομένους
ἀνοήτους ἡγοῦνται καὶ κούφους Ἰνδοί τοὺς δὲ ἐκ τῶν ὀρῶν κακοήθεις τε καὶ
ἐπιβουλευτὰς καὶ ἢν μὴ δέωνταί τινος οὐ βεβαίους τοῖς ἀνθρώποις οἱ πεδινοὶ δὲ
χρηστοί τε εἶναι λέγονται καὶ εὐάγωγοι καὶ μιμήσεως ἐρασταί γράφουσι γοῦν καὶ
ὀρχοῦνται καὶ παρενσαλεύουσι πρὸς αὐλὸν καὶ πηδῶσιν ἀπὸ τῆς γῆς ἐκεῖνοι (VA
II 13)
Se eacute necessaacuterio descrever o caraacuteter dos elefantes os que satildeo capturados nos
pacircntanos os indianos os acham estuacutepidos e inconstantes os das montanhas
maliciosos e traiccediloeiros e caso natildeo precisem de nada natildeo satildeo confiaacuteveis aos
homens mas os elefantes da planiacutecie dizem que satildeo uacuteteis doacuteceis e que gostan de
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imitar Ao menos escrevem danccedilam balanccedilam ao som da flauta e datildeo saltos sore a
terra
O verme flamejante
Cteacutesias descreve um verme que existe no rio Indo que possui caracteriacutesticas
semelhantes agrave uma descrita na VA
Ὅτι ἐν τῷ ποταμῷ τῶν Ἰνδῶν σκώληξ γίνεται τὸ μὲν εἶδος οἷόν περ ἐν ταῖς συκαῖς
εἴωθε γίνεσθαι τὸ δὲ μῆκος πήχεις ζʹ καὶ μείζους δὲ καὶ ἐλάττους τὸ δὲ πάχος
δεκαετέα παῖδα μόλις φασὶ ταῖς χερσὶ περιλαβεῖν Ἔχουσι δὲ ὀδόντας δύο ἕνα ἄνω
καὶ ἕνα κάτω καὶ ὅ τι ἂν λάβωσι τοῖς ὀδοῦσι κατεσθίουσι Καὶ τὴν μὲν ἡμέραν ἐν
τῇ ἰλύϊ τοῦ ποταμοῦ διαιτῶνται τῇ δὲ νυκτὶ ἐξέρχονται καὶ ἐάν τινι ἐντύχῃ ἐν τῇ γῇ
βοῒ ἢ καμήλῳ καὶ δάκῃ συλλαβὼν ἕλκει εἰς τὸν ποταμὸν καὶ πάντα κατεσθίει πλὴν
τῆς κοιλίας Ἀγρεύεται δὲ ἀγκίστρῳ μεγάλῳ ἔριφον ἢ ἄρνα ἐνδησάντων καὶ
ἁλύσεσι σιδηραῖς ἐναρμοσάντων Ἀγρεύσαντες δὲ τριάκοντα ἡμέρας κρεμῶσιν
αὐτὸν καὶ ἀγγεῖα ὑποτιθέασι καὶ ῥεῖ ἐξ αὐτοῦ ὅσον δέκα κοτύλας ἀττικὰς τὸ
πλῆθος Ὅταν δὲ παρέλθωσιν αἱ τριάκοντα ἡμέραι ἀπορρίπτουσι τὸν σκώληκα καὶ
τὸ ἔλαιον ἀσφαλισάμενοι ἄγουσι τῷ βασιλεῖ μόνῳ τῶν Ἰνδῶν ἄλλῳ δὲ οὐκ ἔξεστιν
ἐξ αὐτοῦ ἔχειν Τοῦτο τὸ ἔλαιον ἐφacute ὃ ἂν ἐπιχυθῇ ἀνάπτει καὶ καταφλέγει ξύλα καὶ
ζῷα καὶ ἄλλως οὐ σβέννυται εἰ μὴ πηλῷ πολλῷ τε καὶ παχεῖ (Ind frag XXVII)
Que no rio do Indo nasce um verme com a aparecircncia tal qual a de um que nasce na
figueira seu comprimento sendo de sete cuacutebitos alguns maiores alguns menores
Quanto agrave largura uma crianccedila de dez anos com dificuldade o envolveria com os
braccedilos Tem dois dentes um em cima e o outro embaixo e o que pegam com os
dentes devoram De dia vivem na lama do rio mas de noite saem e se encontram
algum boi ou camelo na terra tambeacutem os abocanham arrastam consigo para o rio e
comem-no todo exceto o intestino Ele eacute capturado com um grande anzol que
cobrem com um cordeiro ou um carneiro e prendem com uma corrente de ferro
Tendo-o capturado penduram-no por trinta dias e colocam uma jarra embaixo dele
escorre o total de cerca de dez copos aacuteticos Quando se completam os trinta dias
jogam fora o verme e o oacuteleo recolhido levam somente para o rei dos indianos natildeo eacute
permitido que nenhuma outra pessoa o tenha Este oacuteleo sobre o que se derrama
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incendeia e queima trate-se de madeira ou animal e natildeo se apaga de outro modo
que com muita lama espessa
Na VA por sua vez eacute no rio Hiacutefasis onde existe uma minhoca semelhante agrave retratada
acima
ἔστι δέ τι θηρίον ἐν τῷ ποταμῷ τούτῳ σκώληκι εἰκασμένον λευκῷ τοῦτο οἱ
τήκοντες ἔλαιον ποιοῦνται πῦρ δὲ ἄρα τοῦ ἐλαίου τούτου ἐκδίδοται καὶ στέγει αὐτὸ
πλὴν ὑελοῦ οὐδέν ἁλίσκεται δὲ τῷ βασιλεῖ μόνῳ τὸ θηρίον τοῦτο πρὸς τειχῶν
ἅλωσιν ἐπειδὰν γὰρ θίγῃ τῶν ἐπάλξεων ἡ πιμελή πῦρ ἐκκαλεῖται κρεῖττον
σβεστηρίων ὁπόσα ἀνθρώποις πρὸς τὰ πυρφόρα εὕρηται (VA III 1)
Haacute tambeacutem uma fera nesse rio (Hifaacutesis) que se parece com um verme34
branco Ao
derretecirc-lo eles fazem um oacuteleo e deste oacuteleo parece produz- se uma chama que nada
aleacutem de vidro pode conter E esta criatura pode ser capturada soacute para o rei que o
utiliza para a captura das cidades Quando pois a gordura toca as ameias um fogo
acende-se e desafia todos os meios comuns que vierem a ser inventados pelos
homens contra combustiacuteveis
O unicoacuternio
Nos Indikaacute Cteacutesias retrata um animal com caracteriacutesticas comuns aos unicoacuternios da
VA como por exemplo o fato de os indianos fazerem do chifre do animal uma taccedila e ao
beber dela natildeo adoecerem
Ὅτι εἰσὶν ὄνοι ἄγριοι ἐν τοῖς Ἰνδοῖς ἴσοι ἵπποις καὶ μείζους λευκοὶ δέ εἰσι τὸ σῶμα
τὴν κεφαλὴν πορφυροῖ ὀφθαλμοὺς ἔχουσι κυανέους Κέρας δὲ ἔχει ἐν τῷ μετώπῳ
ἑνὸς πήχεος τὸ μέγεθος καὶ ἔστι τὸ μὲν κάτω τοῦ κέρατος ὅσον ἐπὶ δύο παλαιστὰς
34
Filoacutestrato utiliza a mesma palavra que Cteacutesias para se referir a essa criatura σκώληξ para qual mantivemos
tambeacutem a traduccedilatildeo por ldquovermerdquo nos dois textos
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πρὸς τὸ μέτωπον πάνυ λευκόν τὸ δὲ ἐπάνω ὀξύ ἐστι τοῦ κέρατος τοῦτο δὲ
φοινικοῦν ἐστιν ἐρυθρὸν πάνυ τὸ δὲ ἄλλο τὸ ἐν τῷ μέσῳ μέλαν Ἐκ τούτων οἱ
πιόντες (κατασκευάζουσι γὰρ ἐκπώματα) σπασμῷ φασίν οὐ λαμβάνονται οὔτε τῇ
ἱερᾷ νόσῳ ἀλλacute οὐδὲ φαρμάκοις ἁλίσκονται οὔτacute ἂν προπίωσιν οὔτacute ἂν τοῦ
φαρμάκου ἐπιπίωσιν ἢ οἶνον ἢ ὕδωρ ἢ ἄλλο τι ἐκ τῶν ἐκπωμάτων Οἱ μὲν οὖν
ἄλλοι ὄνοι καὶ ἥμεροι καὶ ἄγριοι καὶ τὰ ἄλλα μώνυχα θηρία πάντα ἀστραγάλους
οὐδὲ χολὴν ἐπὶ τοῦ ἥπατος ἔχουσιν Οὗτοι δὲ καὶ ἀστράγαλον ἔχουσι καὶ χολὴν ἐπὶ
τοῦ ἥπατος τὸν δὲ ἀστράγαλον κάλλιστον ὧν ἐγὼ ἑώρακα οἷόν περ βοὸς καὶ τὸ
εἶδος καὶ τὸ μέγεθος βαρὺς δacute ὡς μόλιβδος τὴν δὲ χρόαν ὥσπερ κιννάβαρι καὶ διὰ
βάθους Ταχύτατον δέ ἐστι τὸ ζῷον τοῦτο καὶ ἀλκιμώτατον οὐδὲν δὲ οὔτε ἵππος
οὔτε ἄλλο τι διωκόμενον καταλαμβάνει (Ind frag XXV)
Que na Iacutendia haacute asnos selvagens iguais a cavalos e maiores Eles tecircm o corpo
branco e a cabeccedila vermelha e tecircm os olhos escuros Tecircm um chifre na testa com o
comprimento de um cuacutebito A parte de baixo do chifre de mais ou menos dois
palmos ateacute a testa eacute completamente branca a parte superior do chifre eacute pontuguda e
inteiramente vermelha escura jaacute a outra parte a do meio eacute preta Os que bebem
nesse chifre (pois os fazem de canecas) dizem natildeo tinham convulsatildeo nem a doenccedila
sagrada nem sucumbem a venenos se bebem antes ou depois do veneno vinho
aacutegua ou qualquer outra bebida nessa caneca Os outros asnos tanto os doacuteceis quanto
os bravos e os outros animais selvagens de uma soacute pata todos natildeo tecircm o astraacutegalo35
nem biacutelis no fiacutegado Poreacutem estes tecircm astraacutegalos e biacutelis no fiacutegado O astraacutegalo eacute o
mais bonito que jaacute vi como o de um boi na forma e no tamanho pesado como
chumbo como que da cor do cinaacutebrio ateacute o fundo Esse animal eacute velociacutessimo e
fortiacutessimo e nenhum cavalo ou outro animal o alcanccedila na corrida
A descriccedilatildeo de Filoacutestrato eacute bem mais breve
καὶ τοὺς ὄνους δὲ τοὺς ἀγρίους ἐν τοῖς ἕλεσι τούτοις ἁλίσκεσθαί φασιν εἶναι δὲ τοῖς
θηρίοις τούτοις ἐπὶ μετώπου κέρας ᾧ ταυρηδόν τε καὶ οὐκ ἀγεννῶς μάχονται καὶ
ἀποφαίνειν τοὺς Ἰνδοὺς ἔκπωμα τὸ κέρας τοῦτο οὐ γὰρ οὔτε νοσῆσαι τὴν ἡμέραν
ἐκείνην ὁ ἀπ᾽ αὐτοῦ πιὼν οὔτε ἂν τρωθεὶς ἀλγῆσαι πυρός τε διεξελθεῖν ἂν καὶ μηδ᾽
ἂν φαρμάκοις ἁλῶναι ὁπόσα ἐπὶ κακῷ πίνεται βασιλέων δὲ τὸ ἔκπωμα εἶναι καὶ
βασιλεῖ μόνῳ ἀνεῖσθαι τὴν θήραν (VA III 2)
35
Nome do osso do tarso substituiacutedo por taacutelus
55
E eles dizem que asnos selvagens tambeacutem satildeo capturados nesses pacircntanos e que
essas criaturas tecircm um chifre na testa com o qual como um touro e natildeo sem
nobreza lutam e que os hindus fazem uma taccedila desse chifre pois algueacutem natildeo
adoeceria durante o dia em que dela bebesse nem tendo sido ferido sentiria dor
mas atravessaria o fogo e nem se bebesse poccedilotildees que fazem mal seria prejudicado
este caacutelice eacute reservado para reis e soacute o rei caccedila essa criatura
Dragotildees
Segundo a narraccedilatildeo da VA por toda a Iacutendia haacute dragotildees enormes tanto nos pacircntanos
quanto nas montanhas Existem diferentes tipos de dragotildees que circulam por esta terra e os
retratados satildeo os do pacircntano os que ficam no sopeacute das montanhas e os que ficam na parte
mais elevada das montanhas Suas principais caracteriacutesticas satildeo
Sobre os dragotildees do pacircntano
οἱ μὲν δὴ ἕλειοι νωθροί τέ εἰσι καὶ τριακοντάπηχυ μῆκος ἔχουσι καὶ κράνος αὐτοῖς
οὐκ ἀνέστηκεν ἀλλ᾽ εἰσὶ ταῖς δρακαίναις ὅμοιοι μέλανες δὲ ἱκανῶς τὸν νῶτον καὶ
ἧττον φολιδωτοὶ τῶν ἄλλων (VA III 6)
Os do pacircntano satildeo pesados e tecircm trinta cuacutebitos de comprimento e natildeo tecircm crista
acima [de suas cabeccedilas] mas satildeo semelhantes aos dragotildees fecircmeas Suas costas satildeo
bem pretas cobertos de menos escamas que as outras espeacutecies
Os dragotildees que sobrevoam o sopeacute e os picos das montanhas satildeo maiores que os
anteriores se movem muito velozmente e satildeo predadores dos dragotildees da planiacutecie Suas outras
caracteriacutesticas satildeo
τούτοις καὶ λοφιὰ φύεται νέοις μὲν ὑπανίσχουσα τὸ μέτριον τελειουμένοις δὲ
συναυξανομένη τε καὶ συνανιοῦσα ἐς πολύ ὅτε δὴ πυρσοί τε καὶ πριόνωτοι
γίγνονται οὗτοι καὶ γενειάσκουσι καὶ τὸν αὐχένα ὑψοῦ αἴρουσι καὶ τὴν φολίδα
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στίλβουσι δίκην ἀργύρου αἱ δὲ τῶν ὀφθαλμῶν κόραι λίθος ἐστὶ διάπυρος ἰσχὺν δ᾽
αὐτῶν ἀμήχανον εἶναί φασιν ἐς πολλὰ τῶν ἀποθέτων (VA III 7)
Estes tecircm crista de extensatildeo e altura moderada quando satildeo jovens mas quando
crescem sua crista aumenta muito e eles se tornam avermelhados e proeminentes
Eles tambeacutem adquirem barba e levantam o pescoccedilo para cima enquanto suas
escamas brilham como prata Seus olhos e suas pupilas satildeo uma pedra ardente e
dizem que guardam uma forccedila irresistiacutevel para muitas coisas escondidas
Sobre os dragotildees das montanhas
οἱ δὲ ὄρειοι δράκοντες τὴν μὲν φολίδα χρυσοῖ φαίνονται τὸ δὲ μῆκος ὑπὲρ τοὺς
πεδινούς γένεια δὲ αὐτοῖς βοστρυχώδη χρυσᾶ κἀκεῖνα καὶ κατωφρύωνται μᾶλλον
ἢ οἱ πεδινοὶ ὄμμα τε ὑποκάθηται τῇ ὀφρύι δεινὸν καὶ ἀνειδὲς δεδορκός ὑπόχαλκόν
τε ἠχὼ φέρουσιν ἐπειδὰν τῇ γῇ ὑποκυμαίνωσιν ἀπὸ δὲ τῶν λόφων πυρσῶν ὄντων
πῦρ αὐτοῖς ἄττει λαμπαδίου πλέον (VA III 8)
Os dragotildees das montanhas tecircm escamas que brilham como ouro e em comprimento
excedem aos da plaacutenicie tecircm barbas espessas tambeacutem dourada suas sobrancelhas
satildeo maiores que as dos da planiacutecie seus olhos se afundam debaixo das sobrancelhas
e emitem um olhar terriacutevel e implacaacutevel Eles produzem um som de bronze quando
se rastejam pela terra e das suas cristas que satildeo vermelhas brota um fogo mais
brilhante do que o de uma tocha
A manticora
A manticora eacute um animal bem descrito por Cteacutesias Na VA a referecircncia que temos
dela se encontra num diaacutelogo com Iarcas quando Apolocircnio lhe pergunta sobre a existecircncia de
tal animal recebendo como resposta do interlocutor nunca ter ouvido nada sobre isso (VA III
45) No entanto a descriccedilatildeo da manticora feita por Apolocircnio eacute semelhante agrave de Cteacutesias
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Καὶ περὶ τοῦ μαρτιχόρα τοῦ ἐν αὐτοῖς ὄντος θηρίου ὡς τὸ πρόσωπον ἐοικὼς
ἀνθρώπῳ μέγεθος μέν ἐστιν ὥσπερ λέων καὶ χροὰν ἐρυθρὸς ὡς κιννάβαρι
Τρίστιχοι δὲ ὀδόντες ὦτα δὲ ὥσπερ ἀνθρώπου καὶ ὀφθαλμοὺς γλαύκους ὁμοίους
ἀνθρώπῳ Τὴν δὲ κέρκον ἔχει οἵανπερ σκορπίος ὁ ἠπειρώτης ἐν ᾗ καὶ τὸ κέντρον
ἔχει μείζω ὑπάρχουσαν πήχεος Ἔχει δὲ καὶ ἐκ πλαγίου τῆς κέρκου ἔνθα καὶ ἔνθα
κέντρα ἔχει δὲ καὶ ἐπacute ἄκρῳ ὥσπερ σκορπίος κέντρον Καὶ τούτῳ μέν ἐὰν
προσέλθῃ τις κεντεῖ τῷ κέντρῳ καὶ πάντως ὁ κεντηθεὶς ἀποθνῄσκει Ἐὰν δέ τις
πόρρωθεν μάχηται πρὸς αὐτόν καὶ ἔμπροσθεν ἱστὰς τὴν οὐράν ὥσπερ ἀπὸ τόξου
βάλλει τοῖς κέντροις καὶ ὄπισθεν ἐπacute εὐθείας ἀποτείνων Βάλλει δὲ ὅσον πλέθρον
εἰς μῆκος καὶ πάντα οἷς ἂν βάλῃ πάντως ἀποκτείνει πλὴν ἐλέφαντος Τὰ δὲ κέντρα
αὐτοῦ ἐστι τὸ μὲν μῆκος ὅσον ποδιαῖα τὸ δὲ πλάτος ὅσον σχοῖνος λεπτότατος
Μαρτιχόρα δὲ ἑλληνιστὶ ἀνθρωποφάγον ὅτι πλεῖστα ἐσθίει ἀναιρῶν ἀνθρώπους
ἐσθίει δὲ καὶ τὰ ἄλλα ζῷα μάχεται δὲ καὶ τοῖς ὄνυξι καὶ τοῖς κέντροις Τὰ δὲ κέντρα
πάλιν φησίν ἐπειδὰν ἐκτοξευθῇ ἀναφύεσθαι Ἔστι δὲ πολλὰ ἐν τῇ Ἰνδικῇ
Ἀποκτείνουσι δὲ αὐτὰ τοῖς ἐλέφασιν ἐποχούμενοι ἄνθρωποι κἀκεῖθεν βάλλοντες
(Ind frag VII)
E sobre a manticora que eacute um animal selvagem e seu rosto parece-se com o
humano Tem o tamanho de um leatildeo e o corpo eacute vermelho assim como do cinaacutebrio
Tem trecircs fileiras de dentes orelhas como a do homem e olhos glaucos semelhantes
ao humano Ele tem a cauda como a do escorpiatildeo continental na qual haacute um ferratildeo
maior que um cocircvado Tambeacutem tem aqui e ali ferrotildees dos lados da cauda aleacutem de
ter tambeacutem um ferratildeo na ponta da cauda como escorpiatildeo Dele se algueacutem se
aproxima ele ferroa com o ferratildeo e todos os ferroados morrem Se algueacutem o
enfrenta de longe e de frente ele levanta a cauda e lanccedila os ferrotildees como de um
arco e se for atacado por traacutes ele o estira reto Ele lanccedila os ferrotildees tatildeo longe quanto
plethron36
e todos aqueles em que ele os lanccedila ele os mata exceto elefantes O
ferratildeo eacute do comprimento de um peacute e da largura de um junco esguio Em grego
manticora significa ldquoantropoacutefagordquo pelo fato de a maioria matar e comer homens
mas devora tambeacutem os outros animais E ela ataca tambeacutem com as garras e com os
ferrotildees e o ferratildeo traseiro diz [Cteacutesias] cada vez que eacute disparado nasce de novo
Haacute muitos deles na Iacutendia E matam-nos homens levados por elefantes e jogando
flechas do alto
lsquoλέγεταιrsquo εἶπε lsquoμεγάλα καὶ ἄπιστα τετράπουν μὲν γὰρ εἶναι αὐτό τὴν κεφαλὴν δὲ
ἀνθρώπῳ εἰκάσθαι λέοντι δὲ ὡμοιῶσθαι τὸ μέγεθος τὴν δὲ οὐρὰν τοῦ θηρίου
36
Medida de comprimento de cem peacutes gregos
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τούτου πηχυαίας ἐκφέρειν καὶ ἀκανθώδεις τὰς τρίχας ἃς βάλλειν ὥσπερ τοξεύματα
ἐς τοὺς θηρῶντας αὐτόrsquo (VA III 45)
Dizem disse [Apolocircnio] coisas grandes e incriacuteveis [sobre essa criatura] que ela tem
quatro patas que sua cabeccedila se assemelha agrave de um homem mas seu tamanho eacute
como o de um leatildeo e que a cauda dessa fera produz pelos de um cuacutebito de
comprimento iguais a um espinho os quais ela lanccedila como flecha naqueles que a
caccedilam
Os grifos
No relato de Cteacutesias os grifos satildeo guardiotildees de ouro
Ἔστι δὲ αὐτόθι ἄργυρος πολὺς καὶ ἀργύρεα μέταλλα οὐ βαθέα ἀλλὰ βαθύτερα
εἶναί φασι τὰ ἐν Βάκτροις Ἔστι δὲ καὶ χρυσὸς ἐν τῇ Ἰνδικῇ χώρᾳ οὐκ ἐν τοῖς
ποταμοῖς εὑρισκόμενος καὶ πλυνόμενος ὥσπερ ἐν τῷ Πακτωλῷ ποταμῷ ἀλλacute ὄρη
πολλὰ καὶ μεγάλα ἐν οἷς οἰκοῦσι γρῦπες ὄρνεα τετράποδα μέγεθος ὅσον λύκος
σκέλη καὶ ὄνυχες οἷά περ λέων τὰ ἐν τῷ ἄλλῳ σώματι πτερὰ μέλανα ἐρυθρὰ δὲ τὰ
ἐν τῷ στήθει Διacute αὐτοὺς δὲ ὁ ἐν τοῖς ὄρεσι χρυσὸς πολὺς ὢν γίνεται δυσπόριστος
(Ind frag XII)
Haacute laacute muita riqueza e minas de prata natildeo profundas mas dizem que as de Baacutectria
satildeo mais profundas Haacute tambeacutem ouro na regiatildeo da Iacutendia mas natildeo satildeo encontrados e
lavados nos rios como no rio Pactolo mas em muitas e grandes montanhas nas
quais vivem grifos aves quadruacutepedes do tamanho de um lobo as patas e garras tais
quais de um leatildeo No resto do corpo tem penas pretas mas no peito satildeo elas
vermelhas Por causa deles torna-se difiacutecil alcanccedilar o abundante ouro que haacute nas
montanhas
Na VA em resposta a Apolocircnio Iarcas confirma a existecircncia deles (VA III 48) Aqui
eacute acrescentada a informaccedilatildeo de que eles satildeo venerados por serem sagrados para o Sol
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μέγεθός τε καὶ ἀλκὴν εἰκάσθαι αὐτοὺς τοῖς λέουσιν ὑπὸ δὲ πλεονεξίας τῶν πτερῶν
αὐτοῖς τε ἐκείνοις ἐπιτίθεσθαι καὶ τῶν ἐλεφάντων δὲ καὶ δρακόντων ὑπερτέρους
εἶναι πέτονται δὲ οὔπω μέγα ἀλλ᾽ ὅσον οἱ βραχύποροι ὄρνιθες μὴ γὰρ ἐπτιλῶσθαι
σφᾶς ὡς ὄρνισι πάτριον ἀλλ᾽ ὑμέσι τοὺς ταρσοὺς ὑφάνθαι πυρσοῖς ὡς εἶναι
κυκλώσαντας πέτεσθαί τε καὶ ἐκ μετεώρου μάχεσθαι τὴν τίγριν δὲ αὐτοῖς ἀνάλωτον
εἶναι μόνην ἐπειδὴ τὸ τάχος αὐτὴν ἐσποιεῖ τοῖς ἀνέμοις (VA III 48)
Em tamanho e em forccedila eles se parecem com os leotildees mas pela vantagem das asas
sobrepotildeem-se agravequeles e satildeo tambeacutem mais poderosos que elefantes e dragotildees Natildeo
voam eles alto mas como as aves de voo curto pois eles natildeo tecircm penas como eacute
normal entre os paacutessaros mas as palmas de suas patas tecircm membranas vermelhas
de modo que girando-as podem voar e do alto lutarem O tigre eacute o uacutenico natildeo
capturado por eles uma vez sua rapidez o faz par dos ventos
A fecircnix
Segundo a narraccedilatildeo de Iarcas a fecircnix eacute uma ave que vai ateacute o Egito a cada quinhentos
anos e no resto do tempo sobrevoa a Iacutendia Sobre ela se diz
εἶναι δὲ ἕνα ἐκδιδόμενον τῶν ἀκτίνων καὶ χρυσῷ λάμποντα μέγεθος ἀετοῦ καὶ
εἶδος ἐς καλιάν τε ἱζάνειν τὴν ἐκ τοῦ ἀρώματος ποιουμένην αὐτῷ πρὸς ταῖς τοῦ
Νείλου πηγαῖς (VA III 49)
haver uma uacutenica produzida pelos raios solares e brilhante de ouro com o tamanho e
a aparecircncia da aacuteguia a qual pousa num ninho que eacute feito por ela mesma com ervas
aromaacuteticas junto das nascentes do Nilo
Os egiacutepcios afirmam que a ave vai ateacute o Egito e os indianos confirmam a informaccedilatildeo
acrescentando ainda que ela ao queimar-se em seu ninho canta hinos fuacutenebres para si mesma
(τῷ λόγῳ τὸ τὸν φοίνικα τὸν ἐν τῇ καλιᾷ τηκόμενον προπεμπτηρίους ὕμνους αὑτῷ ᾄδειν -VA
III 49)
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2315 Seres exoacuteticos
Neste subtoacutepico estatildeo arrolados seres que se diferem por seus haacutebitos como eacute o caso
dos hindus de Taxila e dos comedores de peixes aleacutem de outros seres que possuem
caracteriacutesticas fiacutesicas atiacutepicas como os anotildees a mulher malhada e os pigmeus
Os homens de quatro e cinco cocircvados
Apoacutes passarem do Caacuteucaso eacute narrado que Apolocircnio e seus companheiros
τετραπήχεις ἀνθρώπους ἰδεῖν φασιν οὓς ἤδη μελαίνεσθαι καὶ πενταπήχεις δὲ
ἑτέρους ὑπὲρ τὸν Ἰνδὸν ποταμὸν ἐλθόντες ἐν δὲ τῇ μέχρι τοῦ ποταμοῦ τούτου
ὁδοιπορίᾳ τάδε εὗρον ἀφηγήσεως ἄξια ἐπορεύοντο μὲν γὰρ ἐν σελήνῃ λαμπρᾷ
φάσμα δὲ αὐτοῖς ἐμπούσης ἐνέπεσε τὸ δεῖνα γινομένη καὶ τὸ δεῖνα αὖ καὶ οὐδὲν
εἶναι ὁ δὲ Ἀπολλώνιος ξυνῆκεν ὅ τι εἴη καὶ αὐτός τε ἐλοιδορεῖτο τῇ ἐμπούσῃ τοῖς
τε ἀμφ᾽ οὑτὸν προσέταξε ταὐτὸ πράττειν ταυτὶ γὰρ ἄκος εἶναι τῆς προσβολῆς
ταύτης καὶ τὸ φάσμα φυγῇ ᾤχετο τετριγός ὥσπερ τὰ εἴδωλα (VA II 4)
dizem ter visto homens de quatro cuacutebitos os quais jaacute eram negros e tendo passado
o rio Indo viram outros de cinco cuacutebitos de altura E ateacute alcanccedilar este rio
encontraram isto digno de ser narrado viajavam sob o brilho da lua quando
depararam com a apariccedilatildeo de uma empusa que se transformou de uma coisa em
outra ateacute finalmente se tornar nada Entatildeo Apolocircnio percebeu o que era e ele
mesmo insultou a empusa e mandou que os outros fizessem o mesmo uma vez que
esse era o remeacutedio para aquele ataque E o fantasma voou para longe berrando
como os fantasmas
A mulher malhada
Esta mulher se diz ser consagrada a Afrodite Ao contraacuterio da bela deusa grega esta
mulher multicolor se assemelha a um monstro
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ἐνταῦθα καὶ γυναίῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι τὰ μὲν ἐκ κεφαλῆς ἐς μαζοὺς μέλανι τὰ δὲ
ἐκ μαζῶν ἐς πόδας λευκῷ πάντα καὶ αὐτοὶ μὲν ὡς δεῖμα φυγεῖν τὸν δὲ Ἀπολλώνιον
ξυνάψαι τε τῷ γυναίῳ τὴν χεῖρα καὶ ξυνεῖναι ὅ τι εἴη ἱεροῦται δὲ ἄρα τῇ Ἀφροδίτῃ
Ἰνδὴ τοιαύτη καὶ τίκτεται τῇ θεῷ γυνὴ ποικίλη καθάπερ ὁ Ἆπις Αἰγυπτίοις (VA
III 3)
Neste lugar eles dizem que encontraram uma mulher que era negra da cabeccedila aos
seios mas completamente branca do seu peito ateacute os peacutes e fugiram dela como se
fosse um monstro mas Apolocircnio tomou a matildeo da mulher e entendeu o que ela era
de fato na Iacutendia consagra-se a Afrodite algueacutem assim e nasce em homenagem agrave
deusa uma mulher multicolor assim como Aacutepis entre os egiacutepcios
Sobre os hindus de Taxila
Aleacutem de conter templos magniacuteficos e ser a cidade do rei Fraotes a cidade de Taxila eacute
maravilhosa pelo fato de sua populaccedilatildeo se assemelhar a filoacutesofos
στολὴν δὲ εἶναι τοῖς μετὰ τὸν Ἰνδὸν λίνου φασὶν ἐγχωρίου καὶ ὑποδήματα βύβλου
καὶ κυνῆν ὅτε ὕοι καὶ βύσσῳ δὲ τοὺς φανερωτέρους αὐτῶν φασιν ἐστάλθαι τὴν δὲ
βύσσον φύεσθαι δένδρου φασὶν ὁμοίου μὲν τῇ λεύκῃ τὴν βάσιν παραπλησίου δὲ τῇ
ἰτέᾳ τὰ πέταλα καὶ ἡσθῆναι τῇ βύσσῳ φησὶν ὁ Ἀπολλώνιος ἐπειδὴ ἔοικε φαιῷ
τρίβωνι (VA II 20)
Dizem que a vestimenta dos que habitam do outro do outro lado do Indo eacute de linho
da regiatildeo calccedilados de casca de aacutervore e um chapeacuteu quando chove dizem que os
mais distintos deles se vestem com linho finiacutessimo e que o linho finiacutessimo nasce de
uma aacutervore semelhante ao aacutelamo branco e as folhas satildeo quase iguais agraves do
salgueiro E Apolocircnio diz que ficou encantado com o linho fino uma vez que
parecia com seu manto cinza de filoacutesofo
62
Os pigmeus
Comparado a Heroacutedoto e a Filoacutestrato Cteacutesias foi o que mais escreveu acerca dos
pigmeus Em sua obra ele descreve caracteriacutesticas fiacutesicas deles como pelos genitais e narizes
(Indikaacute frag XI) Heroacutedoto natildeo usa o termo pigmeu mas Nichols (2011 p 208) afirma que a
descriccedilatildeo em Histoacuterias (II 32) se refere a eles sendo esse termo usado para descrever pessoas
pequenas Na arte e na literatura greco-romana os pigmeus satildeo associados ao nanismo e a
uma desproporccedilatildeo fiacutesica (principalmente com relaccedilatildeo aos genitais) se tornando assim
emblemas de anormalidade Essa anormalidade humana somada agrave caracteriacutestica de eles serem
vinculados ao exotismo representativo dos espaccedilos aleacutem-fronteira reforccedila a imagem da Iacutendia
como uma regiatildeo afastada da Heacutelade ldquocivilizadardquo (RODRIGUES 2016 p 172)
O retrato de Cteacutesias dos pigmeus eacute bem detalhado
Ὅτι μέσῃ τῇ Ἰνδικῇ ἄνθρωποί εἰσι μέλανες (καλοῦνται Πυγμαῖοι) ὁμόγλωσσοι τοῖς
ἄλλοις Ἰνδοῖς Μικροὶ δέ εἰσι λίαν οἱ μακρότατοι αὐτῶν πηχέων δύο οἱ δὲ
πλεῖστοι ἑνὸς ἡμίσεος πήχεος Κόμην δὲ ἔχουσι μακροτάτην μέχρις ἐπὶ τὰ γόνατα
καὶ ἔτι κατώτερον καὶ πώγωνα μέγιστον πάντων ἀνθρώπων Ἐπειδὰν οὖν τὸν
πώγονα μέγα φύσωσιν οὐκέτι ἀμφιέννυνται οὐδὲν ἱμάτιον ἀλλὰ τὰς τρίχας τὰς μὲν
ἐκ τῆς κεφαλῆς ὄπισθεν καθίενται πολὺ κάτω τῶν γονάτων τὰς δὲ ἐκ τοῦ πώγωνος
ἔμπροσθεν μέχρι ποδῶν ἑλκομένας ἔπειτα περιπυκασάμενοι τὰς τρίχας περὶ ἅπαν
τὸ σῶμα ζώννυνται χρώμενοι αὐταῖς ἀντὶ ἱματίου Αἰδοῖον δὲ μέγα ἔχουσιν ὥστε
ψαύειν τῶν σφυρῶν αὐτῶν καὶ παχύ Αὐτοὶ δὲ σιμοί τε καὶ αἰσχροί Τὰ δὲ πρόβατα
αὐτῶν ὡς ἄρνες καὶ οἱ ὄνοι καὶ αἱ βόες σχεδὸν ὅσον κριοί Καὶ οἱ ἵπποι αὐτῶν καὶ
ἡμίονοι καὶ τὰ ἄλλα κτήνη πάντα οὐδὲν μείζω κριῶν Ἕπονται δὲ τῷ βασιλεῖ τῶν
Ἰνδῶν τούτων τῶν Πυγμαίων ἄνδρες τρισχίλιοι σφόδρα γάρ εἰσι τοξόται
Δικαιότατοι δέ εἰσι καὶ νόμοισι χρῶνται ὥσπερ καὶ οἱ Ἰνδοί Λαγοὺς δὲ καὶ
ἀλώπεκας θηρεύουσιν οὐ τοῖς κυσὶν ἀλλὰ κόραξι καὶ ἰκτίσι καὶ κορώναις καὶ ἀετοῖς
Ὅτι λίμνη ἐστὶν ἐν αὐτοῖς (σταδίων ὀκτακοσίων ἡ περίμετρος) ἐν ᾗ ἀνέμου μὴ
πνέοντος ἐπάνω τῆς λίμνης ἔλαιον ἐφίσταται καὶ πλοαρίοις πλέοντες διacute αὐτῆς ἐκ
μέσης αὐτῆς σκαφίοις τοῦ ἐλαίου ἀπαρύονται καὶ χρῶνται Χρῶνται δὲ καὶ
σησαμίνῳ Ἔχει δὲ ἡ λίμνη καὶ ἰχθύας Καὶ τῷ καρυΐνῳ δὲ χρῶνται κρεῖσσον δὲ τὸ
λιμναῖον (Ind frag XI)
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Que no meio da Iacutendia haacute homens negros (chamados pigmeus) que falam a mesma
liacutengua que os outros indianos E satildeo muito pequenos os maiores deles tecircm dois
cocircvados mas a maioria meio cocircvado E tecircm o cabelo comprido ateacute o joelho e ainda
mais abaixo e a barba maior que de todos os homens Uma vez pois que a barba
ficava grande natildeo mais vestiam nenhuma roupa mas dos peacutes uma parte deixam
cair da cabeccedila para traacutes ateacute os joelhos a outra parte puxam da barba para frente ateacute
os peacutes em seguida envolvem os pelos ao redor do corpo todo e cingem-se usando
os pelos em lugar de roupa E eles tecircm o genital grande ao ponto de tocar os joelhos
deles e grosso E eles satildeo de nariz achatado e feios E os carneiros deles satildeo como
os cordeiros e os asnos e bois mais ou menos do tamanho de carneiros E os cavalos
deles as mulas e todas as outras criaccedilotildees natildeo satildeo maiores que carneiros E escoltam
o rei da Iacutendia destes pigmeus trecircs mil homens pois satildeo arqueiros muito bons Satildeo
justos e utilizam de leis como tambeacutem os indianos Caccedilam lebres e raposas natildeo com
catildees mas com corvos fuinhas albatrozes e aacuteguias
Que haacute um lago onde moram (com o periacutemetro de 800 estaacutedios) no qual uma vez
que o vento natildeo sopra sobre o lago boia oacuteleo e em barquinhos navegam pelo lago e
do meio dele colhem o oacuteleo em vasilhas e o usam E tambeacutem abusam do gergelim
O lago tem peixe E usam noz A noz do lago eacute melhor
Na VA (VA III 47) o saacutebio Iarcas confirma a existecircncia dos pigmeus na Iacutendia e diz
ser verdade o que descrevem sobre esses homens poreacutem se refere a eles de forma breve
τοὺς δὲ πυγμαίους οἰκεῖν μὲν ὑπογείους κεῖσθαι δὲ ὑπὲρ τὸν Γάγγην ζῶντας
τρόπον ὃς πᾶσιν εἴρηται (VA III 47)
os pigmeus habitam no subsolo ficam do outro lado do Ganges e vivem da forma
como eacute relatada por todos
Os comedores de peixes e os carianos
Os comedores de peixes provecircm de uma cidade chamada Estobera (Στόβηρα) e satildeo
contrastados com uma outra raccedila de hindus os carianos
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διφθέρας δὲ τούτους ἐνῆφθαι μεγίστων ἰχθύων καὶ τὰ πρόβατα τὰ ἐκείνῃ ἰχθυώδη
εἶναι καὶ φαγεῖν ἄτοπα τοὺς γὰρ ποιμένας βόσκειν αὐτὰ τοῖς ἰχθύσιν ὥσπερ ἐν
Καρίᾳ τοῖς σύκοις (VA III 55)
Eles se vestem com a pele de grandes peixes as suas ovelhas tecircm cheiro de peixe e
comem coisas atiacutepicas pois os pastores as alimentam com peixes como na Caacuteria
satildeo alimentadas com figos
65
CAPIacuteTULO III
OS SAacuteBIOS HINDUS
Os saacutebios hindus satildeo personagens essenciais nesta obra Satildeo mencionados desde o
iniacutecio como o alvo principal da viagem de Apolocircnio e satildeo a referecircncia de sabedoria maacutexima
natildeo soacute para Apolocircnio mas tambeacutem para a populaccedilatildeo que os procura para serem curados e
aconselhados bem como para reis que os consultam para tomar decisotildees A essecircncia dessa
sabedoria superior adveacutem do contato deles com os deuses e de seu conhecimento da filosofia
grega Assim os bracircmanes satildeo influentes natildeo apenas filosoficamente mas tambeacutem
politicamente
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus
Como mencionado no primeiro capiacutetulo Apolocircnio se depara com muitas referecircncias agrave
cultura grega aacutetica em sua viagem agrave Iacutendia Nesse sentido o rei Fraotes de Taxila se torna um
siacutembolo uma conexatildeo dessa referecircncia claacutessica com a sabedoria hindu
De acordo com a narrativa Fraotes se assemelha a um filoacutesofo com caracteriacutesticas
pitagoacutericas pois natildeo consome vinho manteacutem uma dieta vegetariana (VA II 26) e se compraz
com a filosofia (VA II 30) Interage tambeacutem com a cultura por outro vieacutes visto que se
exercita agrave maneira grega e oferece um banquete a Apolocircnio (VA II 27) Aleacutem disso possui
habilidades linguiacutesticas notaacuteveis pois fala e tem domiacutenio da literatura e da liacutengua grega (VA
II 27-32) Em um diaacutelogo com Apolocircnio Fraotes narra sua histoacuteria e conta como aprendeu
grego com o seu proacuteprio pai Aos doze anos foi viver com os bracircmanes hindus dos quais
recebeu uma educaccedilatildeo helecircnica (VA II 31) Em virtude dessa educaccedilatildeo junto aos bracircmanes
Fraotes se tornou um soberano que age com moderaccedilatildeo e integridade (VA II 34) Silva
(2017 p 486) considera que por essas caracteriacutesticas Fraotes eacute tido como um modelo de rei
ideal e eacute elogiado por Apolocircnio em vaacuterios momentos
Ao ponderar sobre o contexto em que Filoacutestrato viveu isto eacute o de um grego
submetido a um governo romano e sua proposta de resgatar a cultura helecircnica mediante a
Segunda Sofiacutestica entendemos que o autor acreditava que para um rei agir de forma
moderada e iacutentegra deveria estar imbuiacutedo dos valores e da cultura grega Esse modelo
66
idealizado personificado na figura de Fraotes serviria de criacutetica contra os imperadores
romanos
A partir desse contato com o rei hindu Apolocircnio tem mais notiacutecias sobre os bracircmanes
Sem especificar o nome da cidade Fraotes lhe conta que os saacutebios vivem em um local entre o
rio Hiacutefasis e o Ganges em uma regiatildeo que nunca fora encontrada por Alexandre Mesmo que
Alexandre a tivesse encontrado explica o rei ele natildeo teria sido capaz de tomar posse daquele
local nem que estivesse acompanhado de ldquodez mil Aquiles e trinta mil Aacutejaxrdquo pois os
bracircmanes natildeo lutam contra aqueles que se aproximam de sua torre (τύρσις) mas os repelem
com prodiacutegios e com raios lanccedilados por eles mesmos uma vez que satildeo homens sagrados e
amados pelos deuses (VA II 33) Como exemplo Fraotes cita uma expediccedilatildeo beacutelica
empreendida por Heacuteracles do Egito e Dioniso Apoacutes terem invadido a Iacutendia tentaram tomar a
torre dos saacutebios com um ataque Os bracircmanes ao inveacutes de terem reagido de forma violenta se
mantiveram quietos e passivos Poreacutem quando todos os soldados estavam reunidos para o
ataque final os saacutebios do alto lanccedilaram miacutesseis de fogo e raios sobre eles derrotando os
invasores (VA II 34)
Em outro momento da narrativa Apolocircnio e Iarcas discutem tambeacutem a respeito desse
toacutepico Apolocircnio cita Aquiles como um modelo de heroacutei exemplar que foi celebrado por
Homero tanto por sua coragem quanto por sua beleza superando Aacutejax e Nireu Contudo
Iarcas critica esse modelo defendido por Apolocircnio e sugere uma ruptura desse paradigma de
heroiacutesmo (VA III 19) Assim associamos que a proacutepria histoacuteria dos bracircmanes eacute um exemplo
desse rompimento haja visto que eles foram capazes de repelir os ataques de Dioniso e
Heacuteracles de Alexandre e de todos os outros homens que tiveram intenccedilatildeo de conquistar
aquele local Valorizando a paz e ao mesmo tempo sendo capazes de manter sua
independecircncia os bracircmanes representam a estabilidade e preservam a integridade de seus
valores Ao redor deles impeacuterios nasceram e caiacuteram Poro um dos mais poderosos reis
indianos foi derrotado por Alexandre o qual por sua vez teve o seu proacuteprio impeacuterio
rapidamente desintegrado apoacutes sua morte O contraste entre os dois reis Fraotes e Poro bem
como a forma de seus governos eacute bem marcada quando Fraotes diz a Apolocircnio ldquoPoro amava
a guerra mas eu amo a pazrdquo (Πῶροςrsquo εἶπε lsquoπολέμου ἤρα ἐγὼ δὲ εἰρήνης VA II 26) De
acordo com Abraham (2014 p 478) a veneraccedilatildeo do militarismo e do imperialismo
encontrados em Homero eacute a fonte da decadecircncia da eacutetica grega e essa decadecircncia por sua
vez eacute expressa pela perda do autoconhecimento e em uacuteltima instacircncia da identidade grega
sob o impeacuterio romano
67
Dessa forma temos uma imagem da torre dos bracircmanes como uma fortaleza
impossiacutevel de ser invadida e corrompida Recaiacute sobre eles a proteccedilatildeo natural do local e o
favorecimento dos deuses Ao mesmo tempo o local se constituiria em um bastiatildeo de
sabedoria que preservaria os valores gregos idealizados por Filoacutestrato
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia
Apoacutes uma longa viagem Apolocircnio e seus companheiros finalmente chegam onde a
torre dos bracircmanes estava localizada (VA III 10) Ao se aproximarem curiosamente um
mensageiro hindu vem ateacute eles se comunicando em grego (VA III 12) Segundo a descriccedilatildeo
do texto a torre tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da
planiacutecie e sua posiccedilatildeo natural a protege de ataques pois eacute rodeada por rochas em todos os
lados (VA III 13) Com essa descriccedilatildeo Filoacutestrato compara explicitamente a topografia da
torre dos bracircmanes com a Acroacutepole de Atenas Desde a referecircncia linguiacutestica ateacute a
topograacutefica o autor permite que o leitor crie um mapa mental de Atenas
68
FIGURA 3 - Apolocircnio encontra o mensageiro dos bracircmanes (VA II 11-13) (imagem superior) Apolocircnio
discursa para a populaccedilatildeo de Eacutefeso sobre a praga (VA IV 10) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Na sequecircncia o autor narra que os viajantes precisam passar por um processo de
purificaccedilatildeo primeiro devem purgar os seus pecados mesmo os involuntaacuterios banhando-se
em um poccedilo para em seguida passarem pelo ldquofogo do perdatildeordquo (πῦρ ξυγγνώμης - VA III
14) Segundo Marciano (2014 p 137-139) manter-se puro tambeacutem eacute um preceito pitagoacuterico
A purificaccedilatildeo eacute nesse sentido uma necessidade para se manter limpo das impurezas
transmitidas pelo contato com as outras pessoas Mesmo fora da esfera estritamente cultual a
pureza individual eacute fundamental para evitar a absorccedilatildeo de energias negativas que manchem
natildeo apenas o plano divino mas tambeacutem o proacuteprio componente divino do homem Por isso
continua a autora a vida diaacuteria pitagoacuterica eacute ritualizada em todos os seus atos gestos e
69
palavras de forma a que o indiviacuteduo possa conscientemente preservar a sua pureza respeitar
a esfera divina e evitar que qualquer accedilatildeo sua possa prejudicar a si mesmo e aos outros
Logo apoacutes terem se purificado Apolocircnio e seus companheiros de viagem se foram
para um local onde se depararam com estaacutetuas de deuses indianos e egiacutepcios Poreacutem a
surpresa maior foi terem encontrado entre as demais estaacutetuas dos deuses gregos mais
antigos
θεῶν δὲ ἀγάλμασιν ἐντυχεῖν φασιν εἰ μὲν Ἰνδοῖς ἢ Αἰγυπτίοις θαῦμα οὐδέν τὰ δέ
γε ἀρχαιότατα τῶν παρrsquo Ἕλλησι τό τε τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Πολιάδος καὶ τὸ τοῦ
Ἀπόλλωνος τοῦ Δηλίου καὶ τὸ τοῦ Διονύσου τοῦ Λιμναίου καὶ τὸ τοῦ Ἀμυκλαίου
καὶ ὁπόσα ὧδε ἀρχαῖα ταῦτα ἱδρύεσθαί τε τοὺς Ἰνδοὺς τούτους καὶ νομίζειν
Ἑλληνικοῖς ἤθεσι φασὶ δ᾽ οἰκεῖν τὰ μέσα τῆς Ἰνδικῆς καὶ τὸν ὄχθον ὀμφαλὸν
ποιοῦνται τοῦ λόφου τούτου πῦρ τε ἐπ᾽ αὐτοῦ ὀργιάζουσιν ὅ φασιν ἐκ τῶν τοῦ
ἡλίου ἀκτίνων αὐτοὶ ἕλκειν τούτῳ καὶ τὸν ὕμνον ἡμέραν ἅπασαν ἐς μεσημβρίαν
ᾄδουσιν (VA III 14)
Eles dizem que se depararam com estaacutetuas de deuses e natildeo seria espantoso se
fossem soacute Indianos ou Egiacutepcios mas viram principalmente de Gregos Haviam
estaacutetuas de Atena Poliacuteade de Apolo de Delos e de Dioniacuteso de Limneu e de Amiclas
dentre outras tambeacutem antigas e os hindus estabeleceram praacuteticas gregas comuns
para cultuaacute-las E eles dizem que eles habitam nas partes centrais da Iacutendia e
consideram este pico como o umbigo desta colina onde os saacutebios cultuam o fogo o
qual dizem extrair dos raios solares e para o sol eles cantam um hino todos os dias
ao meio dia
Como descrito acima as estaacutetuas encontradas satildeo de Atena Poliacuteade de Apolo de
Delos e duas de Dioniacuteso uma do Limneu e a outra de Amiclas Abraham (2014 p 472)
observa que aleacutem dessas estaacutetuas pertencerem a cultos originaacuterios do periacuteodo arcaico estaacute
agregado a esse conjunto o culto das cidades de Atenas (Atena Poliacuteade) de Delos (Apolo) e
de Esparta (Dioniso de Limneu e de Amiclas) criando-se desse modo um mapa mental que
unifica as regiotildees da Aacutetica da Jocircnia e do Peloponeso em uma identidade singular Esse
agrupamento ainda segundo Abraham remete agrave tendecircncia da literatura da Segunda Sofiacutestica
de criar a representaccedilatildeo literaacuteria de um passado grego unificado se natildeo homogeneizado
ocultando as diferenccedilas existentes entre as antigas cidades-estado
Eacute interessante destacar que o estranhamento provocado pelas estaacutetuas dessa vez natildeo
se deve ao exotismo da cultura hindu mas agrave similaridade da proacutepria cultura de Apolocircnio em
um lugar tatildeo distante de sua paacutetria Aleacutem disso ao se referir a torre dos bracircmanes como o
70
coraccedilatildeo Iacutendia e ao mesmo tempo como o centro do mundo (ὀμφαλὸν) desloca-se todo o
referencial geopoliacutetico cultural A noccedilatildeo de periferia e centro eacute invertida a Iacutendia fronteira do
mundo ocupa agora a posiccedilatildeo central no lugar da Greacutecia e de Roma Uma das
consequecircncias disso aponta Abraham (2014 p 475) eacute a implicaccedilatildeo de que o centro do
mundo estaacute de fato em uma regiatildeo baacuterbara e natildeo civilizada Atenas e Roma entatildeo passam a
ser percebidas como regiotildees baacuterbaras e incivilizadas independente de sua localizaccedilatildeo
geograacutefica
Se compararmos as representaccedilotildees de Roma da Greacutecia e de Paraca na VA sugere
Abraham (2014 p 476) Esta uacuteltima corresponderia ao centro do mundo ou ao menos agrave sede
de um helenismo natildeo corrompido Roma agrave periferia corruptora e Greacutecia agrave zona
intermediaacuteria corrompida e baacuterbara pela influecircncia de Roma mas ainda possiacutevel de salvaccedilatildeo
Considerando todas essas caracteriacutesticas percebemos que Filoacutestrato nos indica de
forma metafoacuterica coordenadas que localizam a Greacutecia antiga idealizada pelo autor nas
regiotildees distantes da Iacutendia (ABRAHAM 2004 472 ndash 475) O confim da terra agora passa a ser
o ὀμφαλὸν Nele conseguem se comunicar em liacutengua grega os indianos possuem deuses
gregos em comum e compartilham da mesma educaccedilatildeo grega Estes aspectos servem de ponte
para unir dois lugares tatildeo distantes ou em uacuteltima instacircncia podem ser vistos como o
derradeiro elo entre eles
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria
Se por um lado a Iacutendia foi tida como a fronteira do mundo na literatura grega antiga
por outro lado a VA quebra esse paradigma e amplia os limites desse toacutepos literaacuterio
De acordo com Parker (2008 p 301) os gregos comeccedilaram a imaginar a Iacutendia como
lugar de sabedoria personificada na figura dos homens sagrados a partir de Alexandre
Assim os bracircmanes causaram grande impressatildeo nos gregos e nos romanos por representarem
a junccedilatildeo de duas vertentes a primeira agrave virtude de um povo distante desprovido de riquezas
e individualmente representada por Dandacircmis37
a segunda agrave sabedoria dos saacutebios
especialmente dos povos antigos orientais que reforccedila sua posiccedilatildeo marginal em relaccedilatildeo ao
mundo mediterracircneo Com isso ao caracterizar esses homens saacutebios continua o autor talvez
seja necessaacuterio contrastaacute-los com alguns de seus visitantes mais frequumlentes do oeste os
filoacutesofos Estes diferiam natildeo soacute pela sua identidade eacutetnica mas tambeacutem pela paideia Os
37
O saacutebio com quem Alexandre teve contato como consta no Romance de Alexadre
71
gimnosofistas e os bracircmanes possuiacuteam sabedoria sem terem sofrido o aacuterduo processo de
aprendizagem grego um processo que tambeacutem eacute importante para a formaccedilatildeo do saacutebio estoico
e do homem sagrado pagatildeo da Antiguidade Nesse sentido os gimnosofistas e os bracircmanes
oferecem um tipo alternativo de sabedoria
Desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra que Apolocircnio busca os conhecimentos
orientais como fonte de sabedoria Elsner (1997 p 29-30) mostra que o autor usa as viagens
como um reflexo do progresso espiritual de Apolocircnio Assim a grande variedade de tόpoi
etnograacutefico experimentada por Apolocircnio sugere a profundidade e universalidade da sabedoria
que ele dominou e com a qual estaacute equipado para ensinar Filoacutestrato representa seu saacutebio
visitando as fronteiras do mundo conhecido em todas as direccedilotildees norte no Caacuteucaso (VA II
2) leste no Oriente proacuteximo (VA I 21 II 1) e na Iacutendia (VA II 17 III 50) sul no Egito e
Etioacutepia (VA V43 VI 28) e oeste nas Colunas de Heacuteracles (VA IV 47 V 10)
Depois da Iacutendia Apolocircnio passa por Alexandria e segue viagem rumo agrave cidade dos
gimnosofistas localizada entre o Egito e a Etioacutepia (VA VI 5) Como observa Silva (2014 p
277) os gimnosofistas ora satildeo tratados como egiacutepcios (VA I 2 III 32 VI 10-11 VIII 74)
ora como etiacuteopes (VA VI 6 16 VIII 712) Sobre isso Robiano (1992 p 414-415)
menciona que existe uma proximidade entre gimnosofistas e bracircmanes na literatura grega
antiga A exemplo disso o autor cita uma passagem dos Fugitivos de Luciano de Samoacutesata
na qual a personagem Filosofia marca os estaacutegios de sua chegada aos humanos Em suma
depois dos bracircmanes fui diretamente para a Etioacutepia depois para o Egito (μετὰ δ᾽ οὖν τοὺς
Βραχμᾶνας εἰς Αἰθιοπίαν εὐθύς εἶτα εἰς Αἴγυπτον κατέβην Fugitivi VIII) Tambeacutem na VA
os gimnosofistas satildeo considerados inferiores em sabedoria aos bracircmanes (VA VI 6 11 16)
Como afirma Parker (2008 p 264) as viagens trazem sabedoria em particular
aquelas que rumam para uma antiga terra do leste Os bracircmanes por sua vez natildeo viajam mas
satildeo o motivo de viagem para alguns filoacutesofos como no caso de Apolocircnio Contudo Parker
alega (2008 p 254) que a VA foi a primeira obra a considerar a Iacutendia como referecircncia
maacutexima em sabedoria Ao dialogar com Iarcas Apolocircnio afirma considero que sua
sabedoria eacute mais profunda e muito mais divina do que a nossa e se eu natildeo acrescentar nada ao
meu estoque atual de conhecimento enquanto estou com vocecirc ao menos terei aprendido que
natildeo tenho nada mais para aprender (σοφώτερά τε ἡγοῦμαι τὰ ὑμέτερα καὶ πολλῷ θειότερα
εἰ δὲ μηδὲν πλέον ὧν οἶδα παρ᾽ ὑμῖν εὕροιμι μεμαθηκὼς ἂν εἴην καὶ τὸ μηκέτ᾽ ἔχειν ὅ τι
μάθοιμι VA III 16)
Temos assim segundo Elsner (1997 29-31) a construccedilatildeo da imagem dos bracircmanes
como a fonte maacutexima de sabedoria que Apolocircnio poderia alcanccedilar e o resultado dessa viagem
72
agrave Iacutendia eacute justamente o autoconhecimento e a plena maturidade filosoacutefica Essa viagem ao
leste entatildeo eacute apresentada como parte da trajetoacuteria que transformaraacute Apolocircnio em um θεῖος
ἀνήρ no Impeacuterio Romano Ao mesmo tempo essa viagem estabelece um paralelo entre
Apolocircnio Heacuteracles Dioniso e Alexandre nos quais o saacutebio finalmente supera o conquistador
ao adentrar no leste
Assim foi na Iacutendia a fronteira do mundo o lugar onde Apolocircnio atingiu o extremo da
sabedoria
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes
Como mencionado no primeiro capiacutetulo os milagres e as curas de Apolocircnio narrados
na VA satildeo ingredientes que formam a figura de um θεῖος ἀνήρ e compotildeem tambeacutem o
conteuacutedo maravilhoso da obra No terceiro livro enquanto Apolocircnio permanece na torre dos
bracircmanes ele e os saacutebios curam alguns enfermos que para laacute se dirigem
De acordo com Parker (2009 p 89) a literatura antiga valorizava de maneira especial
o conhecimento medicinal hindu Assim os meacutedicos indianos ao contraacuterio de seus
equivalentes gregos eram capazes de curar mordidas de cobras como narrado por Arriano de
Nicomeacutedia (VIII Ind 15 5-11) Segundo Arriano esses meacutedicos (ἰητροί) pertencem a um
subconjunto de filoacutesofos Estrabatildeo tambeacutem fala a respeito da medicina indiana citando Nearco
e Megaacutestenes como fonte (15 145 C706 e 15160 C713)
Na VA algumas das curas realizadas ora por Apolocircnio ora pelos bracircmanes satildeo i) o
exorcismo de um democircnio que possuiacutea um menino haacute dois anos (VA III 38) ii) a
recuperaccedilatildeo de um homem caccedilador de leotildees o qual havia deslocado o quadril por causa do
ataque de um leatildeo iii) o restabelecimento da visatildeo de um homem que teve os olhos
arrancados iv) a restauraccedilatildeo de um outro que tinha uma matildeo paralisada v) e o auxiacutelio ao
parto de uma mulher que jaacute havia sofrido aborto sete vezes (VA III 39)
Em dado momento Iarcas declara que de todos os dons que satildeo concedidos aos
homens o da cura eacute o mais importante (VA III 44) Ao mesmo tempo ele associa o dom da
cura com o da adivinhaccedilatildeo pois este uacuteltimo proporciona o descobrimento de novas curas
Pode-se por exemplo manipular o veneno de certos animais para o tratamento de doenccedilas
Para Iarcas sem uma sabedoria profeacutetica os homens natildeo se arriscariam a misturar venenos
criando medicamentos que salvam vidas Ainda segundo ele os filhos de Ascleacutepio jamais
teriam alcanccedilado esse ramo da ciecircncia se o proacuteprio Ascleacutepio natildeo fosse filho de Apolo Por
73
meio da consulta de oraacuteculos eles prepararam e adaptaram diferentes medicamentos para
diferentes doenccedilas Aleacutem disso teriam aprendido de Ascleacutepio quais ervas devem ser aplicadas
em hemorragias queimaduras e escoriaccedilotildees e quais liacutequidos devem ser administrados para
tratar os pacientes
Essa relaccedilatildeo entre a cura baseada nos ensinamentos de Ascleacutepio e no dom da
adivinhaccedilatildeo estaacute associada agrave sabedoria de Apolocircnio desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra
que Apolocircnio aos quatorze anos se mudou para Tarso a fim de ser educado por Eutidemo
que era um bom orador e originaacuterio da Feniacutecia Mais tarde se mudou para Egas onde existia
uma escola mais conceituada e um templo de Ascleacutepio no qual o deus aparecia para os
homens Foi tambeacutem nesta cidade que Apolocircnio aos dezesseis anos sentiu um impulso e
passou a se dedicar aos ensinamentos pitagoacutericos (VA I 7) A partir de entatildeo Apolocircnio
passou a seguir os preceitos de Pitaacutegoras e foi morar no templo de Ascleacutepio Com isso as
pessoas que moravam nas redondezas do templo passaram a admiraacute-lo e o proacuteprio deus
manifestou ao sacerdote do templo o seu contentamento por ter Apolocircnio como testemunha de
suas curas Consequentemente a reputaccedilatildeo de Apolocircnio aumentou ao ponto de os povos
vizinhos e ateacute mesmo os mais distantes irem ateacute laacute para vecirc-lo (VA I 8) e dele receber curas
(VA I 9-10)
74
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Podemos rastrear ao longo da VA vaacuterios indiacutecios que nos permitem ler a obra como
um instrumento sofisticado para defender os ideais da Segunda Sofiacutestica De acordo com a
leitura que fazemos do texto Filoacutestrato se apropria do personagem de tal forma que vemos
em Apolocircnio natildeo apenas um filoacutesofo pitagoacuterico um saacutebio um θεῖος ἀνήρ em busca da
sabedoria mas principalmente a figura de um difusor da cultura grega A impressatildeo que
temos eacute agrave grosso modo de que Apolocircnio seria a proacutepria Greacutecia personificada
Como menciona Swain (2009 p 34) Filoacutestrato estava ciente da mudanccedila de seu
mundo Uma de suas reaccedilotildees foi arquitetar um modelo idealizado da cultura helecircnica e
apresentaacute-lo como se esta cultura fosse a natural de seus companheiros de elite Sobre isso
Horster (2014 p 11) afirma que para muitas pessoas a educaccedilatildeo seria a maneira mais
importante de se chegar agrave essecircncia da cultura e da religiatildeo grega Nesse sentido somente a
elite intelectual poderia se envolver com ela Partindo desse ideal Filoacutestrato e outros
escritores da Segunda Sofiacutestica agiam no Impeacuterio Romano
Dentro desse contexto a liacutengua foi um veiacuteculo influente Abraham (2009 p 38)
reforccedila que esta eacute uma das caracteriacutesticas da Segunda Sofiacutestica pois autores e oradores
expressavam sua identidade grega simulando a dicccedilatildeo o estilo e o vocabulaacuterio do aacutetico do
seacuteculo V aC O aticismo prevaleceu de tal forma que lexicoacutegrafos comeccedilaram a catalogar o
grego ldquocorretordquo e o ldquoincorretordquo como fez Frinico Arabio que compocircs a Praeparatio
Sophistica um leacutexico no qual categorizava o uso ldquocorretordquo do aacutetico e menosprezava todos os
outros dialetos Em uacuteltima instacircncia o aticismo foi uma simulaccedilatildeo que permitia a algueacutem
reivindicar uma identidade grega Eacute significativo que Filoacutestrato para exaltar as qualificaccedilotildees
heleniacutesticas de Apolocircnio enfatiza que ele falava perfeitamente o aacutetico sem se deixar afetar
pelo sotaque da sua regiatildeo (VA I 7) Aleacutem da performance linguiacutestica exemplar de Apolocircnio
tambeacutem eacute digno de nota que as pessoas mais influentes da Iacutendia falavam habilmente o grego
como o rei Fraotes e os bracircmanes
Nesse sentido de retomada e afirmaccedilatildeo de uma identidade grega a noccedilatildeo de baacuterbaro
retorna agrave eacutepoca claacutessica A separaccedilatildeo entre a etnia e a cultura de fato teve iniacutecio no mundo
heleniacutestico e continuou em Roma A etnicidade permaneceu importante na imaginaccedilatildeo e teve
certamente consequecircncias poliacuteticas e sociais Dentro desse contexto eacute compreensiacutevel que os
autores da Segunda Sofiacutestica tenham tentado estabelecer um estereoacutetipo do ldquogrego purordquo
(SWAIN 2009 p 35)
75
Dadas essas circunstacircncias Abraham (2014 p 476) entende que a corrupccedilatildeo da
identidade grega apresentada por Filoacutestrato sugere uma criacutetica da cultura grega sob o Impeacuterio
Romano Nas palavras de Iarcas (VA III 19) os gregos deveriam se culpar pela degradaccedilatildeo
de sua identidade jaacute que usam o Aquiles homeacuterico (bem como outros heroacuteis similares) como
um modelo de masculinidade que os levou a venerar o imperialismo de uma forma geral
Swain (2009 p 36- 37) sugere que por meio da VA Filoacutestrato idealiza e propotildee um
modelo que intencionaria uma reforma religiosa e moral baseadas nos preceitos da cultura
grega ao enfatizar os feitos de um θεῖος ἀνήρ e de um filoacutesofo-pitagoacuterico exemplar A cultura
helecircnica eacute tida como superior por um lado sob a perspectiva da saacutebia filosofia helecircnica e por
outro decadente se tomarmos como exemplo outros gregos contemporacircneos de Apolocircnio
Swain ainda considera que as reformas propostas por Filoacutestrato na figura de Apolocircnio
dialogariam diretamente com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato e natildeo da de Apolocircnio
Por isso natildeo eacute de forma involuntaacuteria que
Se Apolocircnio compreende todas as liacutenguas sem as ter aprendido o grego eacute
entretanto a liacutengua que tem mais afinidades com a sabedoria Todos os
interlocutores de qualidade com quem Apolocircnio conversa falam grego comeccedilando
por Iarcas o mais saacutebio dos bracircmanes hindus acolhe-o em grego [] Trata-se de
uma forma de dizer que o grego eacute a liacutengua da filosofia (HARTOG 2004 p 227
228 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Com isso entendemos que na eacutepoca de Filoacutestrato mas principalmente segundo a
oacutetica do autor baacuterbaro jaacute natildeo eacute aquele de quem natildeo se entende a liacutengua tendo em vista a
multiplicidade de liacutenguas faladas no impeacuterio mas eacute baacuterbaro aquele que natildeo tenha
incorporadas em si a filosofia e a erudiccedilatildeo grega claacutessica Tanto eacute que o autor usa como palco
central a Iacutendia um lugar-comum da literatura grega como uma regiatildeo selvagem e incivilizada
Na VA a Iacutendia se torna o local onde a sabedoria a filosofia os conhecimentos de liacutengua e
literatura em suma os valores resgatados pela Segunda Sofiacutestica se conservam intactos e
incorrompidos A Iacutendia seria a projeccedilatildeo de uma Greacutecia unificada e idealizada onde Apolocircnio
alcanccedila o niacutevel maacuteximo de sabedoria junto aos bracircmanes Mas a sabedoria aprendida com os
saacutebios eacute a proacutepria sabedoria grega embasada nos preceitos pitagoacutericos Em uacuteltima instacircncia
Filoacutestrato apresenta a cultura grega como superior agrave cultura de outros povos
A Iacutendia natildeo conserva apenas esses valores mas simula a Greacutecia mais exatamente
Atenas devido agrave comparaccedilatildeo topograacutefica expliacutecita feita entre a torre dos bracircmanes e a
Acroacutepole (VA III 13) Aleacutem disso Filoacutestrato tambeacutem projeta na Iacutendia a figura de um
76
governante idealizado personificado em Fraotes Fraotes eacute um rei ideal porque teve junto aos
bracircmanes a formaccedilatildeo grega e portanto essa erudiccedilatildeo norteia suas accedilotildees A Iacutendia eacute entatildeo
como afirma Abraham (2009 p 11) o lugar onde a identidade grega existe em sua forma pura
e inalterada pela avidez imperialista
Parker (2008 p 259) reforccedila que a paideia como um ideal comum e conector das
elites locais foi divulgada mais intensamente por esses filoacutesofos no leste do Impeacuterio Romano
Pode-se dizer que promoveu a criaccedilatildeo de uma comunidade imaginada de homens eruditos
com base em uma visatildeo seletiva da histoacuteria Nesse mundo divergente os filoacutesofos gregos
tornaram-se siacutembolos de uma cultura comum entre os aristocratas em uma ampla aacuterea
geograacutefica Eacute nesse contexto que segundo o autor devemos ponderar com base na VA como
e por que os saacutebios indianos capturaram a imaginaccedilatildeo greco-romana
Em particular a figura dos bracircmanes oferece a oportunidade de construir um ideal ao
mesmo tempo improvaacutevel e desejaacutevel que era o da sabedoria sem a paideia (PARKER 2008
p 304-305) Poreacutem na VA Filoacutestrato se apropria e faz outro uso da figura dos bracircmanes eles
representam o apogeu o limite maacuteximo da sabedoria justamente porque sua sabedoria e seus
ritos dialogam com o modelo claacutessico ateniense
Abraham (2014 p 472-473) infere que Paraca eacute mais uma realizaccedilatildeo da frequente
citaccedilatildeo de Apolocircnio de que ldquopara o homem saacutebio a Greacutecia estaacute em todos os lugares e ele natildeo
considera nem acredita que algum lugar seja deserto ou baacuterbaro se ele estiver vivendo sob a
visatildeo da virtuderdquo (σοφῷ ἀνδρὶ Ἑλλὰς πάντα καὶ οὐδὲν ἔρημον ἢ βάρβαρον χωρίον οὔτε
ἡγήσεται ὁ σοφὸς οὔτε νομιεῖ ζῶν γε ὑπὸ τοῖς τῆς ἀρετῆς ὀφθαλμοῖς ndash VA I 34) Logo
independentemente de onde estiver o homem saacutebio eacute sempre um homem saacutebio na medida em
que ele a todo momento se comporta como um Essa consistecircncia de caraacuteter tem um efeito
transformador em sua localizaccedilatildeo permitindo que ele encontre a Greacutecia em todos os lugares
Em essecircncia estar na Greacutecia equivale a ter autoconhecimento e viver esse
autoconhecimento A realizaccedilatildeo da Greacutecia na Iacutendia assim explicada pela correlaccedilatildeo entre
autoconhecimento e helenismo Iarcas abrindo-se as indaganootildees de Apolocircnio afirma
ldquopergunte o que vocecirc quiser pois vocecirc se encontra entre um povo que sabe tudordquo (VA III
18) Apolocircnio entatildeo pergunta se os bracircmanes conhecem a si proacuteprios pois os gregos
consideram difiacutecil afirmar que se autoconhecem Iarcas curiosamente responde sabemos
todas as coisas uma vez que primeiro nos conhecemos (πάντα γιγνώσκομεν ἐπειδὴ πρώτους
ἑαυτοὺς γιγνώσκομεν - VA III 18) O autoconhecimento continua o autor considerado uma
coisa difiacutecil de se adquirir no pensamento grego se torna o ponto de partida da filosofia dos
bracircmanes
77
Finalmente natildeo podemos deixar de ter em mente que escrever eacute um ato poliacutetico Sem
desconsiderar o deleite que uma leitura pode proporcionar uma de nossas surpresas foi
perceber como a VA foi um instrumento poliacutetico Sob o domiacutenio imperial Romano o escritor
grego Flaacutevio Filoacutestrato viveu entre os seacuteculos II e III durante o governo da dinastia dos
Severos (193-225) De forma simplificada entendemos o Impeacuterio Romano como um difusor e
infusor de identidades e culturas e esse foi um periacuteodo de questionamentos para Filoacutestrato e
para os outros escritores da Segunda Sofiacutestica Pertencente agrave elite aleacutem de escritor Filoacutestrato
exerceu uma carreira poliacutetica na Greacutecia e manteve bom relacionamento com os Severos o que
lhe permitiu ter um contato mais proacuteximo com o cenaacuterio poliacutetico imperial em que viveu
Aleacutem de acompanhar o imperador Septiacutemio Severo em viagens Filoacutestrato tambeacutem
interagiu intelectualmente com a imperatriz Juacutelia Domna De acordo com Filoacutestrato foi a
pedido dela que ele escreveu a biografia de Apolocircnio Ao compor a VA o autor se apropriou
da figura de Apolocircnio e personificou nele o modelo idealizado de um homem saacutebio o qual
usou para criticar os governantes do Impeacuterio Romano Poreacutem suas criacuteticas dialogam natildeo
apenas com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato ou de Apolocircnio elas denotam
principalmente a aspiraccedilatildeo do autor de restaurar e afirmar a identidade e a cultura grega
claacutessica atribuindo-lhes o status de fonte da sabedoria e da cultura do ocidente
78
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5
SUMAacuteRIO
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS 6
INTRODUCcedilAtildeO 7
CAPIacuteTULO I 9
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA 9
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana 10
12 Quem era Apolocircnio de Tiana 12
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo 14
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano 19
14 Por que a Iacutendia 23
CAPIacuteTULO II 27
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA 27
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia 27
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites 29
23 O maravilhoso em VA 31
231 As maravilhas da Iacutendia 33
CAPIacuteTULO III 65
OS SAacuteBIOS HINDUS 65
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus 65
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia 67
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria 70
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes 72
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 74
REFEREcircNCIAS 78
6
LISTA DE ABREVIATURAS DE NOMES DE AUTORES E OBRAS
Ct = Cteacutesias de Cnido
Ind Indikaacute (Ἰνδικά)
Fil = Filoacutestrato
VS Vida dos Sofistas (Βίοι Σοφιστῶν)
VA Vida de Apolocircnio de Tiana (Τὰ ἐς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον1)
Hdt = Heroacutedoto
Hist Histoacuterias (Ἰστορἴαι)
Hes = Hesiacuteodo
Teog Teogonia (Θεογονία)
Hom = Homero
Il Iliacuteada (Ἰλιάς)
Od Odisseia (Οδύσσεια)
1 O tiacutetulo da obra eacute debatido entre os estudiosos De acordo com Swain (2013 p 81) o tiacutetulo da obra seria Τὰ ἐς
τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον o qual eacute usado pelos tradutores desde a ediccedilatildeo de 1844 de Kayser Poreacutem Boter (2015)
argumenta que o tiacutetulo mais genuiacuteno da obra seria Εἰς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον sendo o significado do tiacutetulo
intencionalmente ambiacuteguo pois poderia ser traduzido como Sobre Apolocircnio de Tiana ou Em honra a Apolocircnio
de Tiana
7
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo eacute continuaccedilatildeo da nossa pesquisa iniciada na Graduaccedilatildeo onde fizemos
um estudo e traduccedilatildeo da obra Indikaacute de Cteacutesias de Cnido Os fragmentos de Cteacutesias nos
apresentam a Iacutendia como uma terra selvagem habitada por seres hiacutebridos e por monstros com
medidas e riquezas exuberantes como sendo o limite do mundo Algumas das coisas
retratadas por Cteacutesias tiveram antecedente nas Histoacuterias de Heroacutedoto e a partir de entatildeo a
Iacutendia tornou-se um toacutepos do maravilhoso na literatura grega antiga Depois do Romance de
Alexandre os bracircmanes se tornaram uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana e desde entatildeo a Iacutendia eacute tida como maravilhosa natildeo apenas por suas caracteriacutesticas
fiacutesicas mas tambeacutem por sua sabedoria elevada (PARKER 2008 p 143 e 251)
Ao lermos a Vida de Apolocircnio de Tiana (VA) de Filoacutestrato percebemos que esta obra
dialoga com estas duas vertentes a respeito da Iacutendia Publicado em 217 (FRANCIS 1998 p
420) este livro narra a vida de Apolocircnio um filoacutesofo pitaacutegorico da cidade de Tiana situada
na regiatildeo da Capadoacutecia que teria vivido durante o reinado de Domiciano (81-96) Desde os
dezesseis anos Apolocircnio seguiu os preceitos pitagoacutericos e em busca de uma sabedoria
suprema teve como objetivo viajar ateacute os bracircmanes Consequentemente a Iacutendia ocupa um
lugar essencial na narrativa e dos oito livros que compotildeem a obra dois deles se dedicam a
descrever a experiecircncia de Apolocircnio junto aos hindus
Por esses motivos nos dedicamos a estudar os livros II e III da VA Dentro dessa
seleccedilatildeo selecionamos destacamos e traduzimos trechos que ressaltam o caraacuteter maravilhoso
da obra tanto os que dizem respeito agrave sua descriccedilatildeo geograacutefica e etnograacutefica quanto os que
retratam a sabedoria bracircmane Nos momentos em que encontramos alusotildees aos escritores
Heroacutedoto e Cteacutesias comparamos e contrastamos as fontes com a finalidade de perceber de
que modo a tradiccedilatildeo acerca da Iacutendia inciada por estes dois autores tem continuidade em
Filoacutestrato
Para isso dividimos o trabalho em trecircs capiacutetulos No primeiro capiacutetulo fizemos um
estudo sobre o autor Flaacutevio Filoacutestrato sua obra Vida de Apolocircnio de Tiana e a figura de
Apolocircnio de Tiana Discutimos sobre as polecircmicas e divergentes concepccedilotildees sobre o autor e a
personagem para entendermos melhor o contexto em que a obra foi escrita
No segundo capiacutetulo discorremos a respeito do caraacuteter maravilhoso da VA e
selecionamos trechos que descrevem a natureza hindu Dividimos em seccedilotildees que retratam a
descriccedilatildeo da geografia da hidrografia do clima da Iacutendia dos animais e dos seres exoacuteticos
8
narrados por Filoacutestrato Ao arrolar estas passagens cotejamos com trechos das Histoacuterias e dos
Indikaacute No terceiro capiacutetulo ao estudar sobre o contato que Apolocircnio teve com os bracircmanes
seus ritos e suas discussotildees percebemos como essa obra contribuiu para a formaccedilatildeo de um
modelo idealizado de uma cultura grega claacutessica unificada
Dessa forma sob a oacutetica de um escritor tardio que escreveu quase seiscentos anos
depois de Heroacutedoto e de Cteacutesias ainda lemos a Iacutendia ainda como uma terra maravilhosa
9
CAPIacuteTULO I
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA
De acordo com o Suda (leacutexico medieval bizantino que cataloga escritores e obras da
Antiguidade) existem trecircs escritores catalogados com o nome de Filoacutestrato no final do seacuteculo
II e iniacutecio do seacuteculo III (SILVA 2014a p 31) Destes trataremos de Flaacutevio Filoacutestrato
chamado de ldquoo Segundordquo filho de Filoacutestrato Vero Sabe-se que sua famiacutelia habitava a ilha de
Lemnos territoacuterio ateniense e que ele nasceu por volta de 170 (BOWIE 2009 p19)
Filho de uma famiacutelia abastada pertencente agrave ordem senatorial Filoacutestrato teve uma
educaccedilatildeo voltada aos interesses dessa camada social Foi um destacado sofista tanto em
Atenas quanto em Roma e viveu no Impeacuterio Romano durante o governo da dinastia dos
Severos (193 ndash 225) com a qual teve boas relaccedilotildees e a qual acompanhou em viagens (SILVA
2013a p 2) Ele tambeacutem teria sido membro do ciacuterculo social de Juacutelia Domna esposa do
imperador Septiacutemio Severo como nos informa o proacuteprio autor em um trecho de sua obra Vida
de Apolocircnio de Tiana
μετέχοντι δέ μοι τοῦ περὶ αὐτὴν κύκλου mdash καὶ γὰρ τοὺς ῥητορικοὺς πάντας λόγους
ἐπῄνει καὶ ἠσπάζετο mdash μεταγράψαι τε προσέταξε τὰς διατριβὰς ταύτας καὶ τῆς
ἀπαγγελίας αὐτῶν ἐπιμεληθῆναι τῷ γὰρ Νινίῳ σαφῶς μέν οὐ μὴν δεξιῶς γε
ἀπηγγέλλετο (VA I 3)
Quanto a mim que fazia parte do seu ciacuterculo (jaacute que ela elogiava e apreciava todos
os discursos retoacutericos) me incubiu ela de redigir estes ensaios e me ocupar da sua
publicaccedilatildeo pois [Dacircmis] o de Nino fez sua narrativa de forma clara mas natildeo
praacutetica2
Natildeo se sabe ao certo o que seria esse ciacuterculo social (κύκλου) nem se ele realmente
existiu Cogita-se a hipoacutetese de ter sido um grupo literaacuterio composto por alguns artistas e
escritores para discutir questotildees literaacuterias e filosoacuteficas ou um grupo seleto de intelectuais
2 A traduccedilatildeo para o portuguecircs desta passagem assim como a de outras que apareceratildeo ao longo deste trabalho eacute
de nossa autoria
10
formado por meacutedicos poetas escritores filoacutesofos juristas historiadores e membros do
ciacuterculo imperial (SILVA 2014a p 49) 3
Aleacutem desse contato com a imperatriz Filoacutestrato tambeacutem exerceu cargos poliacuteticos De
acordo com indicaccedilotildees epigraacuteficas o autor foi general hoplita4 em Atenas provavelmente nos
anos 200 e 210 e representante do governo de sua cidade (BOWIE 2009 p19-20) Ademais
acredita-se que a estaacutetua que haacute em Oliacutempia eacute dedicada a Flaacutevio Filoacutestrato na qual lecirc-se a
seguinte inscriccedilatildeo ldquoAgrave Boa Fortuna segundo a decisatildeo do Conselho Oliacutempico o sofista
Flaacutevio Filoacutestrato de Atenas sofista a mais ilustre paacutetria elevou a estaacutetuardquo (SILVA 2014a p
33) Segundo Martiacutenez (2006 p 456 apud Silva 2014a p33) os sofistas eram usualmente
homenageados com estaacutetuas nas cidades gregas pois essa era uma forma de reconhecer seus
encargos puacuteblicos e poliacuteticos
Filoacutestrato escreveu algumas obras e atualmente satildeo reconhecidas como sendo de sua
autoria Vida de Apolocircnio de Tiana (a maior fonte de informaccedilotildees que temos sobre Apolocircnio)
Vida dos Sofistas Heroicos Imagens Cartas Ginaacutestico Nero e um discurso retoacuterico
conhecido como Diaacutelexis 2 (ELSNER 2009 p 4) Apesar de natildeo haver consenso entre os
pesquisadores sobre a autoria de todas essas obras considera-se que Vida de Apolocircnio de
Tiana (VA) e Vida dos Sofistas (VS) tenham sido escritas por Flaacutevio Filoacutestrato haja vista que
VA eacute citada em sua obra posterior VS (SILVA 2014 p 59) Estas satildeo as duas obras mais
conhecidas de Filoacutestrato sendo que VS eacute uma seacuterie de sessenta biografias de sofistas ceacutelebres
do Impeacuterio Romano dividida em dois livros e a VA eacute uma biografia sobre o saacutebio Apolocircnio
de Tiana composta por dois volumes tendo cada um deles oito livros
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana
Feita sob encomenda da imperatriz Juacutelia Domna Filoacutestrato escreveu as memoacuterias de
Apolocircnio um saacutebio da cidade de Tiana pertencente agrave regiatildeo da Capadoacutecia (VA I 3) que
teria vivido cerca de um seacuteculo antes durante o reinado de Domiciano (81 ndash 96) Foi
publicada provavelmente depois da morte da imperatriz em 217 (FRANCIS 1998 p 420)
A obra descreve o nascimento de Apolocircnio e sua juventude devotada agrave aprendizagem
dos princiacutepios pitagoacutericos e do autoconhecimento Posteriormente ele empreende uma seacuterie
de viagens passando por vaacuterias regiotildees com o objetivo principal de chegar agrave Iacutendia e de se
3 Para uma discussatildeo detalhada sobre esse assunto cf Silva 2014a p 49 - 52
4 Nesse periacuteodo essa magistratura se encarregava especialmente de assegurar o abastecimento alimentiacutecio da
cidade
11
encontrar com os bracircmanes hindus em busca do conhecimento filosoacutefico (VA I 18 32 II
11 III 16 29 IV 47) Durante o percurso satildeo narradas as impressotildees reflexotildees o diaacutelogo
de Apolocircnio com cidadatildeos e reis suas intervenccedilotildees poliacuteticas as curas e os milagres feitos por
ele Francis (1998 p 420) sintetiza a obra afirmando que Apolocircnio ldquoviaja pelo mundo
mediterracircneo discursando sobre a verdadeira filosofia e religiatildeo pregando ideais culturais
gregos profetizando e realizando milagresrdquo e ldquoquando retorna da Iacutendia Apolocircnio eacute
aclamado pelo mundo cultural grego e se envolve ativamente nos negoacutecios das cidades da
Aacutesia Menor e da Greacutecia (IV 2-33)rdquo
Nesse sentido a VA eacute uma biografia embora seja considerada demasiadamente longa
sendo uma das biografias mais extensas que sobreviveram da Antiguidade com conteuacutedos
demasiadamente variados (KEMEZIS 2014 p 62) O proacuteprio autor usa a palavra βίος em VA
(V 39) 5 talvez para caracterizar sua obra talvez com a intenccedilatildeo de transformar Apolocircnio em
um modelo de homem a ser seguido por seu valor moral ou ainda para dar credibilidade agrave
obra (SILVA 2014a p 86) Com base na historiografia do periacuteodo claacutessico e desenvolvido
no periacuteodo heleniacutestico esse gecircnero literaacuterio teve como uma de suas caracteriacutesticas principais
biografar pessoas que serviriam de exemplo para a comunidade (SILVA 2012 p 2)
Martiacutenez e Dosse tambeacutem discutem essa relaccedilatildeo entre biografia e vidas exemplares na
Antiguidade O primeiro afirma que a biografia serve para veicular as ideias sobre o
comportamento moral individual tornando-se com isso um instrumento de ideologia poliacutetica
(MARTIacuteNEZ 2004 p 48) O segundo enuncia que nessa eacutepoca o discurso das virtudes foi
incorporado agrave biografia e consequentemente estabeleceram-se modelos moralizantes (2009
p 123 apud Carvalho 2011 p 131) Esses modelos entatildeo formaram uma tradiccedilatildeo na
Antiguidade a tradiccedilatildeo dos valores heroicos e apoacutes a cristianizaccedilatildeo a dos valores religiosos
sendo ambos embasados em vidas exemplares (CARVALHO 2011 p 131)
Contudo o gecircnero literaacuterio da VA ainda eacute bastante debatido De uma forma geral os
comentadores classificam a obra em um determinado gecircnero literaacuterio mas afirmam que o
texto tem caracteriacutesticas muito evidentes de outros gecircneros Os estudiosos que consideram
esse texto como biografia satildeo Zeitlin (2001) Abraham (2009) Elsner (2009) e Silva (2014)
Bowie (2009) por outro lado o tem como romance Jaacute Pajares em sua introduccedilatildeo da traduccedilatildeo
da VA para a Editorial Gredos (1992) afirma que esse texto tem predominantemente
caracteriacutesticas biograacuteficas mas com influecircncia da paradoxografia (obras dedicadas agrave
5 ldquoQuanto a mim vou afastar desse homem jaacute que natildeo foi minha intenccedilatildeo difamaacute-lo mas possibilitar o relato da
vida de Apolocircnio a quem ainda natildeo a conhecerdquo (VA V 39) Texto grego ἐμοὶ δὲ ἀφεκτέα τοῦ ἀνδρός οὐ γὰρ
ἐκεῖνον διαβαλεῖν προὐθέμην ἀλλὰ παραδοῦναι τὸν Ἀπολλωνίου βίον τοῖς μήπω εἰδόσι
12
exploraccedilatildeo de maravilhas ou coleccedilotildees de mirabilia)6 do romance e da aretologia Para
Uytfanghe (2009) a VA eacute uma hagiografia (relatos ou biografias de homens santos) enquanto
que para Cornelli (2001) trata-se de uma aretologia Por fim Holzberg (1996) e Flinterman
(2009) a classificam como biografia ficcional ao passo que Francis (1998) a considera um
gecircnero formado com todas essas caracteriacutesticas
Para compor a VA Filoacutestrato afirma ter usado como fontes i) informaccedilotildees coletadas
em cidades nas quais Apolocircnio era adorado e em templos restaurados por ele ii) cartas
escritas pelo proacuteprio Apolocircnio nas quais discorria a respeitos dos deuses dos costumes dos
princiacutepios morais das leis aleacutem de comentar sobre as falhas humanas (VA I 2) iii) relatos
deixados por pessoas com quem ele teve contato como reis sofistas filoacutesofos e homens
gregos indianos e egiacutepcios iv) um livro de memoacuterias de Dacircmis disciacutepulo de Apolocircnio v) e
um livro de Maacuteximo de Egas no qual o autor registra a passagem de Apolocircnio por essa
cidade Aleacutem destas fontes Filoacutestrato diz ainda ter consultado um livro escrito por
Moeragenes Contudo Filoacutestrato afirma ter rejeitado essa fonte pelo fato de o autor ser
ignorante de vaacuterios aspectos da vida de Apolocircnio (VA I 3)
12 Quem era Apolocircnio de Tiana
Apolocircnio de Tiana nasceu na Capadoacutecia em meados de 40 iniacutecio da era cristatilde Teria
sido um saacutebio itinerante e filoacutesofo neopitagoacuterico Enquanto esteve vivo natildeo se tornou muito
famoso salvo no norte da Siacuteria e na Aacutesia Menor onde era conhecido como um mago
beneficente e um curador Na biografia feita por Filoacutestrato Apolocircnio eacute universalmente
aclamado influente e ateacute mesmo um homem semidivino que teria feito muitos milagres
profecias e exorcizado democircnios Quando morreu seu corpo e sua alma teriam ascendido ao
ceacuteu (YSSELT 1994 p 351)
De acordo com Flinterman (2009 p 157 ndash 158) Apolocircnio teria direcionado sua vida
segundo os preceitos definidos por Pitaacutegoras Esses preceitos eram basicamente a renuacutencia
ao uso de produtos de origem animal da vestimenta agrave alimentaccedilatildeo e a rejeiccedilatildeo dos sacrifiacutecios
de animais Fazia parte tambeacutem desse estilo de vida asceacutetico a praacutetica do silecircncio entre seus
seguidores
6 De acordo com Nichols (2011 p 30) a partir do seacutec III aC no periacuteodo heleniacutestico a paradoxografia jaacute
aparece como um gecircnero literaacuterio bem desenvolvido
13
Seguindo os passos de Pitaacutegoras aos dezesseis anos Apolocircnio decide aderir a esse
estilo de vida (VA I 7) Desse modo primeiramente Apolocircnio renunciou ao consumo de
carne com o argumento de que esta era impura e deixava a mente impolida passando a seguir
uma dieta agrave base de frutas secas e vegetais Abdicou tambeacutem da ingestatildeo do vinho pois
apesar de ser uma bebida pura desequilibrava a mente (VA I 8)7 Depois de desintoxicar seu
corpo Apolocircnio parou de usar qualquer produto de origem animal como sapatos e soacute usava
vestes de linho (VA I 8)8 Aleacutem disso deixou crescer seu cabelo (VA I 8) e sua barba Sobre
isso Flinterman (2009 p 159) destaca que no iniacutecio do periacuteodo imperial o cabelo comprido
era considerado uma caracteriacutestica distintiva dos filoacutesofos pitagoacutericos Todavia Apolocircnio
privou-se tambeacutem da vida conjugal e do sexo mantendo o celibato Nesse caso contudo o
celibato foi uma medida tomada aleacutem dos preceitos do pitagorismo pois Filoacutestrato menciona
que Pitaacutegoras era renomado por defender a monogamia (VA I 13)
9 Ademais ele natildeo
participava e era contra sacrifiacutecios de sangue tanto em ritos religiosos quanto em espetaacuteculos
de gladiadores (VA I 10 31 IV 22 V 25) Por fim fez voto de silecircncio durante cinco anos
(VA I 14 - 15)
Assim segundo Filoacutestrato o modo de vida de Apolocircnio propiciaria um conhecimento
privilegiado do mundo e uma comunicaccedilatildeo com a esfera divina Nesse sentido o diaacutelogo com
o rei parto Vardanes eacute ilustrativo Nele Apolocircnio diz que Pitaacutegoras o ensinou a venerar os
deuses e a estar atento a eles independentemente se eles eram visiacuteveis ou natildeo e a estar
frequentemente em diaacutelogo com eles bem como se vestir com o linho produto natildeo de origem
animal mas da terra e da aacutegua Tambeacutem faziam parte desse aprendizado manter o cabelo
longo como disciplina se manter puro ao natildeo consumir carne e natildeo acompanhar algueacutem no
consumo de bebidas alcooacutelicas assim como natildeo viver uma vida ociosa ou luxuosa mas
auxiliar as pessoas que tecircm problemas de conduta (VA I 32)
7 Como descrito na proacutepria obra para Apolocircnio o vinho ldquoera uma bebida pura por vir aos homens de uma planta
tatildeo bem cultivada mas era contraacuterio agrave formaccedilatildeo da mente por escurecer o eacuteter que havia na almardquo (VA I 8)
Texto grego καὶ τὸν οἶνον καθαρὸν μὲν ἔφασκεν εἶναι πῶμα ἐκ φυτοῦ οὕτως ἡμέρου τοῖς ἀνθρώποις ἥκοντα
ἐναντιοῦσθαι δὲ τῇ τοῦ νοῦ συστάσει διαθολοῦντα τὸν ἐν τῇ ψυχῇ αἰθέρα 8 Essa caracteriacutestica eacute bem marcada no momento em que o rei indiano Fraotes lhe daacute vaacuterios presentes e Apolocircnio
aceita apenas as vestes de linho como consta no trecho que segue ldquoO hindu lhe deu ouro pedras preciosas
vestidos de linho e milhares de coisas Apolocircnio disse que tinha ouro o suficiente pois Vardanes tinha dado a
ele escondido dele ao guia mas que aceitaria os vestidos de linho porque se assemelhavam ao manto filosoacutefico
dos antigos e eram mesmo aacuteticosrdquo (VA II 40) Texto grego καὶ χρυσίον δὲ ἐδίδου ὁ Ἰνδὸς καὶ ψήφους καὶ
ὀθόνας καὶ μυρία τοιαῦτα ὁ δὲ Ἀπολλώνιος lsquoχρυσίον μὲνrsquo ἔφη lsquoἱκανὸν ἑαυτῷ εἶναι δόντος γε Οὐαρδάνου τῷ
ἡγεμόνι ἀφανῶς αὐτό τὰς δὲ ὀθόνας λαμβάνειν ἐπειδὴ ἐοίκασι τρίβωνι τῶν ἀρχαίων τε καὶ πάνυ Ἀττικῶν 9 Sobre esse assunto cf tambeacutem Flinterman 2009 p 161
14
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo
Em VA Apolocircnio eacute afamado por seu estilo de vida asceacutetico bem como por fazer
milagres Dadas essas caracteriacutesticas em alguns momentos da narrativa Apolocircnio eacute chamado
de θεῖος ἀνήρ (homem divino) Justi (2012 p 15) nos informa que o principal elemento
associado ao termo eacute que o homem divino possui caracteriacutesticas excepcionais expressas por
meio do poder miraculoso e da sabedoria extraordinaacuteria Um homem assim identificado era
geralmente itinerante e tido por seus seguidores como um salvador divino graccedilas aos seus
poderes prodigiosos
Alguns dos milagres realizados por Apolocircnio foram i) salvar a cidade de Eacutefeso de
uma praga (IV 10) ii) exorcizar democircnios (IV 20) iii) curar um jovem rapaz em Tarso que
fora mordido por um catildeo raivoso (VI 43) iv) prever a morte do imperador Domiciano (VIII
26)
FIGURA 1 - Apolocircnio curando um jovem ateniense possuiacutedo (VA IV 20) (imagem superior) Apolocircnio
ressuscita uma garota morta em Roma (VA IV 45) (imagem inferior) Desenho de Johannes Stradanus (Bruges
I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings vol 32
n 04 1994 p 353
15
Ademais ele eacute reconhecido como divino em diversas passagens do texto10
Em uma
delas o rei indiano Fraotes escreve uma carta ao bracircmane Iarcas o saacutebio hindu mais antigo
aconselhando-o a dar igualdade de tratamento a Apolocircnio
ἐπιστελῶ δὲ καὶ Ἰάρχᾳ τῷ πρεσβυτάτῳ τῶν σοφῶν ἵν᾽ Ἀπολλώνιον μὲν ὡς μηδὲν
κακίω ἑαυτοῦ δέξηται ὑμᾶς δὲ ὡς φιλοσόφους τε καὶ ὀπαδοὺς ἀνδρὸς θείουrsquo (VA
II 40)
[Fala de Fraotes] ldquoe escreverei tambeacutem a Iarca o mais velho dos saacutebios para que
receba Apolocircnio em nada pior do que eu proacuteprio e a noacutes como filoacutesofos e
seguidores um homem divinordquo
Ainda conforme Justi (2012 p 15) um nascimento maravilhoso uma carreira
marcada pelo dom da linguagem persuasiva e dominadora a capacidade de fazer milagres
(incluindo curas e adivinhaccedilotildees) e uma morte de alguma maneira extraordinaacuteria caracterizam
o termo θεῖος ἀνήρ11
Com exceccedilatildeo da morte natildeo descrita na VA todos os atributos acima
condizem com a vida de Apolocircnio Filoacutestrato no primeiro livro narra o nascimento de
Apolocircnio como um momento envolto em pressaacutegios (VA I 5) Haacute por exemplo a menccedilatildeo de
que ele seria a encarnaccedilatildeo do deus Proteu uma vez que esse deus teria aparecido agrave sua matildee
enquanto estava graacutevida predizendo o acontecimento o que confirmaria a sabedoria divina de
Apolocircnio (VA I 4) Aleacutem disso a apariccedilatildeo de um bando de cisnes momentos antes do seu
nascimento e a queda de um raio no instante do parto estariam associadas ao seu
favorecimento divino12
A imagem de Stradanus traduz bem essa cena
10
Como por exemploVA I 2 21 II 17 40 III 28 VII 38 VIII 13 23 11
Alguns autores vide Horsley (2013) Kemezis (2014) e Koskenniemi (2016) se opotildeem a essa concepccedilatildeo 12
O estudo de Miles (2016) trata sobre a relaccedilatildeo que haacute entre o aparecimento dos cisnes e os pressaacutegios ligados a
eles no momento do nascimento de Apolocircnio
16
FIGURA 2 - O nascimento de Apolocircnio de Tiana na Capadoacutecia (VA I 4-5) (imagem superior) e Apolocircnio de
Tiana admirando os relevos do templo em Taxila na Iacutendia (VA II 20) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Poreacutem foram os milagres que elevaram a fama de Apolocircnio Em virtude disso
Domiciano tentou descaracterizar o aspecto divino desses feitos Para tal o imperador o
processou afirmando que Apolocircnio conspirara contra ele (VA VII 20) No julgamento
Apolocircnio foi chamado de γόης que neste contexto tinha uma denominaccedilatildeo pejorativa13
pois
13
No entando γόης nem sempre teve uma denotaccedilatildeo pejorativa De acordo com Lloyd (1979 p 10 - 15) o
primeiro registro que temos de uma obra que aplicou o termo γόης de forma depreciativa eacute datada entre o final
do seacuteculo V e iniacutecio do seacuteculo IV aC Natildeo apenas esse termo mas qualquer pretensatildeo de poder manipular
forccedilosamente o divino ou o sobrenaturalparece ter entrado em conflito com uma visatildeo mais racionalista da
religiatildeo Segundo o autor eacute ainda nos meados do seacuteculo V aC que temos evidecircncias de relatos racionalistas da
origem da religiatildeo e temos informaccedilotildees que relatam a rejeiccedilatildeo e a refutaccedilatildeo de algumas noccedilotildees maacutegicas como
no tratado hipocraacutetico Sobre a Doenccedila Sagrada (Περὶ ἱερῆς νοuacuteσου)
17
significava ser feiticeiro mago charlatatildeo impostor 14
Na sequecircncia ele foi processado por
i) ter sido adorado por algumas pessoas ii) ter predito a fome em Eacutefeso iii) ter proferido
algumas palavras em detrimento de Domiciano iv) ter visitado o entatildeo senador Nerva e ter
feito o sacrifiacutecio de um menino aacutercade em benefiacutecio deste v) e pelo modo de viver e de
vestir-se (VA VII 20) De todas a penuacuteltima acusaccedilatildeo era a mais grave (VII 20) Apoacutes o
testemunho de duas pessoas a favor de Apolocircnio ele proacuteprio se defendeu da seguinte forma
παρ᾽ ὅσον μὲν τοίνυν τῆς ἀληθείας ἡ γραφὴ ξυνετέθη δηλοῖ σαφῶς ἡ μαρτυρία τῶν
ἀνδρῶν οὐ γὰρ ἐν προαστείοις ἀλλ᾽ ἐν ἄστει οὐκ ἔξω τείχους ἀλλ᾽ ἐπ᾽ οἰκίας
οὐδὲ παρὰ Νερούᾳ παρὰ Φιλίσκῳ δέ οὐδὲ ἀποσφάττων ἀλλ᾽ ὑπὲρ ψυχῆς
εὐχόμενος οὐδ᾽ ὑπὲρ βασιλείας ἀλλ᾽ ὑπὲρ φιλοσοφίας οὐδ᾽ ἀντὶ σοῦ χειροτονῶν
νεώτερον ἀλλ᾽ ἄνδρα σώζων ἐμαυτῷ ὅμοιον (VA VIII 7)
Ateacute que ponto satildeo verdadeiras estas acusaccedilotildees mostra com clareza o testemunho
destes senhores pois eu natildeo estava na periferia mas na cidade natildeo estava fora das
muralhas mas em uma casa natildeo estava na casa de Nerva mas na de Filisco natildeo
estava decapitando mas clamando por uma vida natildeo em prol do reino mas da
filosofia natildeo votando contra ti e a favor de um mais jovem mas para salvar um
homem semelhante a mim
Diante desse contexto Silva (2016a p 126) acredita que o motivo da acusaccedilatildeo
tenha sido poliacutetico jaacute que o imperador possivelmente temia a influecircncia de Apolocircnio junto ao
povo Poreacutem ponderamos que o imperador temia o contato e a influecircncia de Apolocircnio junto agrave
corte ou aos ciacuterculos de poder
Por outro lado existe tambeacutem a possibilidade de que tanto a acusaccedilatildeo quanto a
defesa de Apolocircnio tenham sido inventadas por Filoacutestrato com o intuito de reverter a imagem
de Apolocircnio de γόης para θεῖος ἀνήρ (SILVA 2014 p 129) Dessa forma as praacuteticas com
natureza maacutegico-religiosa denunciadas por Domiciano seriam parte da sabedoria divina de
Apolocircnio (VA VIII 2 7) Isso faria dele um teurgo e segundo Silva (2013b p 3) a teurgia
era uma fusatildeo de rituais religiosos e especulaccedilotildees filosoacuteficas com uma base maacutegica De
acordo com Brandatildeo (1991 p 113)
a magia ligada agrave filosofia por um lado era considerada um conhecimento miacutestico
por outro lado era uma espeacutecie de conhecimento cientiacutefico o que fazia com que
fosse aceita por largas faixas das camadas mais eruditas do Impeacuterio Romano
14
Bailly 2000 p 443
18
Teriacuteamos assim a partir da VA o modelo de um homem saacutebio filoacutesofo e com
uma moral exemplar uma figura alvo de admiraccedilatildeo Aleacutem disso Apolocircnio carregaria consigo
os valores gregos para onde quer que fosse como veremos mais agrave frente
Por outro lado no contexto cristatildeo Apolocircnio de Tiana eacute uma figura muito
debatida Dentre as polecircmicas que o envolvem estaacute a comparaccedilatildeo dele com Jesus Cristo No
seacuteculo III Sosiano Hieacuterocles escreveu um tratado polecircmico contra Jesus no qual tentou usar a
imagem de θεῖος ἀνήρ representada por Apolocircnio como uma ferramenta contra o
cristianismo de seu tempo Embora esse tratado natildeo tenha sobrevivido eacute citado por Euseacutebio
de Cesareia que tentou veementemente proteger Jesus contra o ataque de Hieacuterocles em um
tratato intitulado Contra Hieacuterocles (SCHIRREN 2009 p 161- 162) De acordo com
Schirren (2009 p 162) o contraste que haacute entre essas duas figuras sob o ponto de vista
criacutetico-literaacuterio eacute que a vida de Jesus como narrada no Novo Testamento conta a histoacuteria do
filho de Deus sujeitando-se ao mal do mundo e superando o sofrimento humano sem
pronunciar uma palavra contra Pocircncio Pilatos que o condenou agrave morte Com isso Cristo se
torna o salvador do mundo Em contraste na VA Apolocircnio ergue-se contra os governantes
impiedosos do impeacuterio romano e mesmo depois de ter sido condenado agrave morte por sua
conduta ultrajante ainda tenta educar os tiranos para finalmente desaparecer quando lhe
parece apropriado15
Com isso a imagem de Apolocircnio de Tiana como descrita por Filoacutestrato teve
grande repercussatildeo nos primeiros seacuteculos do cristianismo E seacuteculos depois ainda
repercutia uma vez que inspirou o artista flamengo Johannes Stradanus (Bruges I523 -
Florenccedila 1605) a pintar uma seacuterie de pequenos quadros todos feitos agrave pena e tinta e
enumerados de um a dez De acordo com as legendas escritas na caligrafia do proacuteprio artista
os desenhos representam cenas da vida de Apolocircnio de Tiana e atualmente se encontram no
museu Cooper-Hewitt de Nova York (YSSELT 1994 p 351)
15
Outros autores que discutem esse tema satildeo Elsner (1997) Girard (1999) Koskenniemi (1998) Stratton (2003)
Jones (2006) e Silva (2014 segundo capiacutetulo)
19
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano16
Eacute muito difiacutecil definir ou atribuir uma identidade grega ou romana em meio a um
impeacuterio vasto e multicultural No seacuteculo V aC Heroacutedoto (Hist VIII 144) registra uma
oposiccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo (gregos) e os ldquooutrosrdquo (baacuterbaros) Isso natildeo deixa de ser um conceito ou
um criteacuterio de identificaccedilatildeo do que eacute ser grego (hellenikoacuten) ter o ldquomesmo sangue mesma
liacutengua santuaacuterios e sacrifiacutecios comuns haacutebitos e costumes semelhantesrdquo
Mas o tempo e o contexto de Filoacutestrato (seacuteculos II ndash III) jaacute natildeo eram mais iguais aos
do seacuteculo de Heroacutedoto Grego originaacuterio de Lemnos Filoacutestrato viveu durante o Impeacuterio
Romano em meio agrave heterogeneidade e agrave diversidade cultural Nessa eacutepoca a questatildeo da
identidade romana (ou identidades) incluiacutea o processo de romanizaccedilatildeo (da Itaacutelia e em seguida
do Impeacuterio) de um lado e a questatildeo da resistecircncia cultural a ela de outro De acordo com
Mendes (2004 p 258)
O conceito de Romanizaccedilatildeo em aplicaccedilatildeo pressupotildee um processo de mudanccedila
socioeconocircmica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos
implicando em diferentes formas de interaccedilatildeo cultural Nesta perspectiva fica
impliacutecito o reconhecimento de um contiacutenuo desenvolvimento da cultura material
nativa aberta a processos interativos diferentes em eacutepocas distintas e em resposta agraves
escolhas e demandas locais Por outro lado a Romanizaccedilatildeo tambeacutem eacute entendida
como um processo dialeacutetico na medida em que veicula os elementos culturais
fundamentais da identidade cultural romana e seu ajustamento com alteridades
culturais dos povos dominados
A assimilaccedilatildeo cultural das populaccedilotildees que foram integradas a Roma durante a
expansatildeo da Repuacuteblica e do Impeacuterio foi ldquoum processo de mudanccedila relacionado com as ideias
de controle social e identidaderdquo (MENDES 1999 p 307)
A proacutepria Roma por outro lado passou por um processo de helenizaccedilatildeo seacuteculos
antes Historiadores consideram que houve uma primeira helenizaccedilatildeo com a captura de
Tarento por Faacutebio Maacuteximo em 272 aC Posteriormente teria havido uma segunda
16
A palavra latina identitas eacute uma criaccedilatildeo tardia do seacuteculo IV usada especialmente por teoacutelogos cristatildeos para
definir a Trindade De fato no mundo romano eacute preciso primeiro ser capaz de identificar um indiviacuteduo atraveacutes
da atribuiccedilatildeo de um nome e de um status ligado ao grupo jaacute o termo latino persona refere-se primeiro agrave maacutescara
usada pelos atores antes de designar a pessoa gramatical ou entidade Mas ao contraacuterio do que aconteceu no
Impeacuterio Romano a noccedilatildeo de identidade na Greacutecia Antiga natildeo se deu devido ao uso recorrente de palavras e ao
que se constata ateacute hoje tambeacutem natildeo haacute textos em que a noccedilatildeo proacutepria de identidade apareccedila nem um termo
especiacutefico que tenha essa designaccedilatildeo (BAROIN WORMS 2006 p 1-2)
20
helenizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos desse mesmo seacuteculo com a tomada de Siracusa por Marco
Claacuteudio Marcelo em 212 aC (BAROIN WORMS 2006 p 8)
Como resultado desse processo os romanos receberam influecircncias gregas na
religiatildeo nas artes e nas relaccedilotildees sociais A exemplo disso citemos as praacuteticas e locais de oacutecio
(otium) que eram essencialmente caracterizados como gregos e que foram totalmente
inseridos na cultura romana como o banquete a filosofia e o teatro Com isso entendemos a
questatildeo da identidade como sendo um movimento constante e plural e a fusatildeo de costumes e
de praacuteticas natildeo se constroacutei somente em oposiccedilatildeo ao outro mas tambeacutem com o outro
(BAROIN WORMS 2006 p 8 - 9)
Nesse contexto de fusatildeo e de difusatildeo de identidades Filoacutestrato resgata e valoriza a
cultura grega claacutessica por meio de suas principais obras VS e VA Na Vida dos Sofistas o
tema eacute desenvolvido dentro da perspectiva dos papeacuteis desempenhados pelos sofistas na
Segunda Sofiacutestica (Δευτέρα σοφιστική) De acordo com Whitmarsh (2001 p 272) a
Segunda Sofiacutestica foi um acontecimento em que vaacuterios sofistas e escritores helenizados que
viviam no Impeacuterio Romano afirmaram sua identidade grega em torno de sua proacutepria cultura
atraveacutes da literatura e da retoacuterica estabelecendo um novo posicionamento cultural17
De
acordo com Abraham (2014 p 478) atribui-se a autoria do termo Segunda Sofiacutestica a
Filoacutestrato pois ele teria aparecido pela primeira vez em VS de acordo com os documentos
mais antigos que chegaram ateacute a atualidade
Jaacute na Vida de Apolocircnio de Tiana Filoacutestrato se utiliza do personagem Apolocircnio
para destacar aspectos da cultura grega claacutessica Se para Heroacutedoto era considerado grego
quem era nascido em terras gregas falava grego e compartilhava de haacutebitos e costumes
similares na VA satildeo outros os aspectos enfatizados Aqui percebemos que possuir a cultura
grega do periacuteodo claacutessico atraveacutes do domiacutenio da liacutengua da literatura e da filosofia tem um
valor maior do que ter nascido na Greacutecia
Nesse sentido a palavra baacuterbaro cuja etimologia remete a ldquoestrangeiro que fala
de forma balbuciante e natildeo se entende o que dizrdquo adquire outra dimensatildeo No periacuteodo das
Guerras Meacutedicas (seacuteculo V aC) ldquobaacuterbarordquo tinha o sentido de ldquonatildeo gregordquo criando entatildeo a
oposiccedilatildeo entre ἕλλην e βάρβαρος18
Assim a liacutengua era a maior marca de distinccedilatildeo de quem
era grego ou natildeo Whitmarsh (2001 p 272) afirma que na Atenas dos seacuteculos V - IV aC o
17
Atualmente eacute comum a ideia de que os filoacutesofos e os sofistas desempenhavam os mesmos papeacuteis durante o
ldquorenascimento cultural gregordquo ocorrido nos trecircs primeiros seacuteculos aC advinda com a Segunda Sofiacutestica O
estudo de Sidebottom 2009 p 69 ndash 99 eacute indicado para tratar sobre esse assunto 18
Chantraine 1968 p 164 ndash 165
21
dialeto aacutetico era usado pela elite intelectual em oposiccedilatildeo ao demoacutetico falado pelo povo
sendo essa uma das maiores distinccedilotildees sociais Mesmo natildeo sendo ateniense Apolocircnio na VA
fala habilmente o aacutetico ldquoSua liacutengua era o aacutetico e isso natildeo mudava por causa do seu sotaque
dada a sua regiatildeo de origemrdquo (ᾗ γράμματα μνήμης τε ἰσχὺν ἐδήλου καὶ μελέτης κράτος καὶ ἡ
γλῶττα Ἀττικῶς εἶχεν οὐδ᾽ ἀπήχθη τὴν φωνὴν ὑπὸ τοῦ ἔθνους VA I 7)
Quando Apolocircnio conheceu seu companheiro de viagens e futuro disciacutepulo
Dacircmis este se dispocircs a guiaacute-lo e a ser seu tradutor Todavia como resposta Apolocircnio diz que
entendia todas as liacutenguas mesmo sem ter aprendido nenhuma pois entendia o silecircncio (VA I
19) A dispensa de um tradutor soacute se torna eficaz para Apolocircnio pelo fato de que em seus
encontros com outros povos algueacutem sempre falava grego (REGER 2007 p 262) Dada a
improbabilidade de esses fatos terem ocorrido dessas coincidecircncias interpretamos que o
monolinguismo dos encontros eacute uma das estrateacutegias que Filoacutestrato encontrou para valorizar a
liacutengua grega no contexto da Segunda Sofistica
Aleacutem disso outros aspectos da cultura grega claacutessica satildeo retomados quando Apolocircnio
demonstra ter domiacutenio da literatura da filosofia e da mitologia Satildeo citados os poemas
homeacutericos Iliacuteada e Odisseia (VA II 14 III 27 V 7 14 22 26 36 VIII 4 5 7 16 11 13)
Hesiacuteodo (VA V 21) Esopo (VA V 14) Arquiacuteloco (VA II 7) Eacutesquilo (VA VI 11) Soacutefocles
(VA IV 38 VI 4) Euriacutepides (VA II 14 32 IV 21 VII 5 14) Piacutendaro (VA VI 26)
Tuciacutedides (VA VII 25) Soacutecrates (VA VI 10 19 VIII 2) e Platatildeo (VA IV 36 VII 3)
Sendo integrante de uma elite cabia a Filoacutestrato resgatar sinais e traccedilos de uma
antiga identidade grega e tentar recompocirc-la e reativaacute-la construindo um modelo exemplar do
que eacute ser grego com a figura de Apolocircnio
As elites gregas podem ou melhor devem ir a fundo em sua cultura ndash eacute por ela
graccedilas a ela que podem reivindicar seu lugar e legitimar seu direito nesse impeacuterio
greco-romano cuja sorte foi decidida na Batalha de Aacutecio Tal eacute o sentido desse
movimento literaacuterio e poliacutetico dessa estrateacutegia cultural chamada Segunda Sofiacutestica
A Vida de Apolocircnio eacute parte do empreendimento de reconquista e de re-apropriaccedilatildeo
ativa do passado grego participando de sua recriaccedilatildeo ndash do processo em atividade
em toda sociedade viva de fabricaccedilatildeo ou de invenccedilatildeo da tradiccedilatildeordquo (HARTOG
2004 p 21 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Essa re-apropriaccedilatildeo e recriaccedilatildeo se torna muito mais aparente quando Filoacutestrato
descreve a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Laacute ele se comunica com os indianos em grego e se
admira com o conhecimento que eles tecircm dessa liacutengua (VA III 12) Na sua primeira estada
22
Apolocircnio eacute acolhido pelo rei Fraotes de Taxila Em um primeiro momento os dois se
comunicam com o intermeacutedio de um inteacuterprete ateacute o rei lhe confessar que tambeacutem falava
grego
lsquoἔδεισαrsquo ἔφη lsquoθρασὺς δόξαι μὴ γιγνώσκων ἐμαυτόν μηδ᾽ ὅτι βάρβαρον εἶναί με
δοκεῖ τῇ τύχῃ σοῦ δὲ ἡττηθείς ἐπειδὴ καὶ σὲ ὁρῶ ἐμοὶ χαίροντα οὐκ ἠδυνήθην
ἐμαυτὸν κρύπτειν ὡς δὲ μεστός εἰμι τῆς Ἑλλήνων φωνῆς ἐν πολλοῖς δηλώσωrsquo
(VA II 27)
Eu receava vocecirc achar que eu fosse arrogante quando ainda natildeo me conhecia a mim
mesmo e pensar que eu fosse um baacuterbaro natildeo por decisatildeo da sorte Mas apoacutes ter te
cativado porque vejo que me estimas natildeo posso me esconder assim te convencerei
de vaacuterias formas que sou bem profeciente na liacutengua grega
Ademais o rei hindu tambeacutem evidencia que a filosofia grega eacute altamente estimada em
seu paiacutes (VA II 30) e menciona ter lido uma peccedila denominada ldquoOs filhos de Heacuteraclesrdquo
passando a impressatildeo de que leituras desse gecircnero eram comuns para ele (VA II 32) Fraotes
tambeacutem interage com a cultura grega atraveacutes da praacutetica de esportes
τὰ δὲ ἐφ᾽ ἑκάτερα δρόμοι ἦσαν ἐν οἷς ἀκοντίῳ τε καὶ δίσκῳ τὸν Ἑλληνικὸν τρόπον
ἑαυτὸν ἐξήσκει καὶ γὰρ τὸ σῶμα ἔρρωτο ὑπό τε ἡλικίας mdash ἑπτὰ γὰρ καὶ εἴκοσιν ἔτη
γεγονὼς ἦν mdash ὑπό τε τοῦ ὧδε γυμνάζεσθαι ἐπεὶ δὲ ἱκανῶς ἔχοι ἐπήδα ἐς τὸ ὕδωρ
καὶ ἐγύμναζεν ἑαυτὸν τῷ νεῖν ὡς δὲ ἐλούσαντο ἐβάδιζον ἐς τὸ συσσίτιον
ἐστεφανωμένοι τουτὶ δὲ νενόμισται Ἰνδοῖς ἐπειδὰν ἐς τοῦ βασιλέως πίνωσιν (VA
II 27)
havia em ambos lados pistas de corrida nas quais agrave maneira grega se exercitava em
dardo de arremesso e disco pois tinha o corpo forte pela idade ndashele tinha vinte e sete
anos ndash e por praticar ginaacutestica assim Depois de se exercitar o suficiente ele saltava
na aacutegua e treina por conta proacutepria nataccedilatildeo
Ao final da estadia de Apolocircnio junto a Fraotes e antes de ele partir a caminho de
Paraca cidade dos bracircmanes o rei escreve uma carta de recomendaccedilatildeo em grego a Iarcas o
homem mais antigo e saacutebio entre os bracircmanes hindus Chegando laacute Apolocircnio se surpreende
ao ser recebido por um mensageiro que tambeacutem falava a liacutengua grega (VA III 12) Aleacutem
disso depois de ler a carta de Fraotes Iarcas faz uma breve correccedilatildeo demonstrando grande
domiacutenio da liacutengua grega
23
τὸν δὲ Ἀπολλώνιον ἰδὼν φωνῇ τε ἠσπάσατο Ἑλλάδι καὶ τὰ τοῦ Ἰνδοῦ γράμματα
ἀπῄτει θαυμάσαντος δὲ τοῦ Ἀπολλωνίου τὴν πρόγνωσιν καὶ γράμμα γε ἓν ἔφη
λείπειν τῇ ἐπιστολῇ δέλτα εἰπών παρῆλθε γὰρ αὐτὸν γράφοντα (VA III 16)
Ao vecirc-lo Apolocircnio o saudou em liacutengua grega e lhe pediu a carta do hindu Apolocircnio
se surpreendeu com sua clarividecircncia e Iarcas reparou que faltava uma letra na carta
um delta seguramente que a quem escreveu tinha passado desapercebido
Em outro episoacutedio Dacircmis companheiro de viagem de Apolocircnio tambeacutem se
admira com o conhecimento do bracircmane com relaccedilatildeo ao grego
ταῦτα τοῦ Ἰνδοῦ διελθόντος ἐκπεσεῖν ὁ Δάμις ἑαυτοῦ φησιν ὑπ᾽ ἐκπλήξεως καὶ
ἀναβοῆσαι μέγα μὴ γὰρ ἄν ποτε νομίσαι ἄνδρα Ἰνδὸν ἐς τοῦτο ἐλάσαι γλώττης
Ἑλλάδος μηδ᾽ ἄν εἴπερ τὴν γλῶτταν ἠπίστατο τοσῇδε εὐροίᾳ καὶ ὥρᾳ διελθεῖν
ταῦτα (VA III 36)
Enquanto o indiano discorria sobre estas coisas Damis afirma que ficou espantado e
que ele falou com fluecircncia Ele jamais havia pensado que um indiano poderia
dominar assim a liacutengua grega aliaacutes nem pensava que um indiano conhecesse a
liacutengua grega tamanha foi a fluecircncia e a conveniecircncia com que ele discorreu
Aleacutem do conhecimento linguiacutestico alguns dos costumes e dos rituais dos saacutebios
hindus tambeacutem estatildeo ligados agrave cultura grega i) o momento em que os saacutebios cantam uma
canccedilatildeo que se assemelha ao peatilde de Soacutefocles cantado em Atenas em honra a Ascleacutepio (VA III
17) ii) quando citam Homero (VA III 20 22 27) iii) discutem sobre justiccedila (VA III 24)
sobre a moral grega (VA III 25) sobre mitos gregos (VA III 25) filosofia (VA III 28) e
cosmogonia (VA III 34) Esses aspectos seratildeo analisados no terceiro capiacutetulo desse trabalho
14 Por que a Iacutendia
Geograficamente na Antiguidade Claacutessica reconhecia-se como Iacutendia a regiatildeo que se
estendia do rio Indo ateacute a costa ocidental da Peniacutensula Iacutendica Os principais acessos entre essa
regiatildeo e o Mediterracircneo eram feitas sobretudo atraveacutes do Mar Araacutebico do Golfo Peacutersico e
do Mar Vermelho ou ainda pelo planalto indiano Peacutersia e Mesopotacircmia Fora isso a
Bactriana e o Punjab (atuais Afeganistatildeo e Paquistatildeo) tambeacutem eram consideradas como de
domiacutenio hindu (RODRIGUES 2016 p 168)
24
Todo esse territoacuterio eacute um dos que mais se destaca na literatura grega antiga como um
produtor de maravilhas O verbete θαυμάσιος significa maravilhoso admiraacutevel e espantoso19
Haacute tambeacutem de mesma raiacutez o verbo θαυμάζω cujo sentido eacute o de surpreender-se ver com
espanto ou admiraccedilatildeo admirar venerar20
e o substantivo θαῦμα maravilha respectivamente
Esses termos satildeo comumente utilizados pelos escritores gregos para descrever a Iacutendia e seu
povo
Como exemplo mais antigo temos Ciacutelax de Carianda (seacutec VI aC) marinheiro e
explorador grego Participou entre 519 e 512 aC da expediccedilatildeo do rei persa Dario I para
explorar o curso do rio Indo Apoacutes ter alcanccedilado o mar ele natildeo apenas navegou pelo oceano
Iacutendico mas foi ateacute o mar Vermelho explorando algumas regiotildees da Araacutebia tendo concluiacutedo
essa viagem em trinta meses (HEROacuteDOTO Hist IV 44) Com isso Ciacutelax teria contribuiacutedo
para a Iacutendia ser vista como uma regiatildeo repleta de maravilhas e socialmente perfeita cuja
populaccedilatildeo detinha grande sabedoria (ESPELOSIacuteN LARGACHA GIRVEacuteS 1994 p 198)
Heroacutedoto tambeacutem descreveu sobre a Iacutendia e seu povo em suas Histoacuterias Nessa obra
tudo o que eacute relacionado aos hindus e ao seu paiacutes eacute tido como estranho e maravilhoso A
exemplo disso o autor nos informa que os indianos tecircm relaccedilotildees sexuais em puacuteblico como
animais (Hist III 101) e que alguns deles os padeus se alimentam de carne humana
matam os enfermos sacrificam e comem os idosos (Hist III 99) Outros natildeo tecircm casa e se
alimentam soacute de ervas (Hist III 100) Nesse sentido Morais (2004 p 54 e 76) comenta que
a descriccedilatildeo dos comportamentos hindus feita por Heroacutedoto se assemelha mais agrave dos
selvagens e que dessa forma eles natildeo transmitiriam sabedoria aos demais povos sendo seus
costumes estranhos e opostos aos da civilizaccedilatildeo mostrando uma visatildeo completamente
diferente da exposta por Cilax
Cteacutesias de Cnido (seacutec V-IV aC) tambeacutem escreveu sobre a Iacutendia e seu povo
Diferentemente dos outros autores Cteacutesias compocircs um livro dedicado inteiramente a esse
tema no qual descreve a geografia e a etnografia hindus os Ἰνδικά (Sobre a Iacutendia) A partir
dos fragmentos remanescentes descobrimos por um lado uma Iacutendia povoada apenas por
seres hiacutebridos e monstros selvagens como a μαρτιχόρα (manticora) (fr VII) e o paacutessaro
δίκαιρον (dikairon) (fr XVII) Por outro lado sua populaccedilatildeo se restringe a seres humanoides
com costumes distintos e estranhos como os κυνοκέφαλοι (cinoceacutefalos) (fr XX) e os
πυγμαῖοι (pigmeus) (fr XI)
19
Bailly 2000 p 918 20
Bailly 2000 p 918
25
Ateacute mesmo as dimensotildees e as quantidades tornam a natureza e a geografia
extraordinaacuterias o rio Indo mede 40 estaacutedios21
de largura e 200 de extensatildeo (fr I) existe uma
fonte na qual ao inveacutes de fluir aacutegua jorra ouro liacutequido (fr IV) Eacute diverso tambeacutem por suas
cores como as da ave βυττάκου (bittakos) cuja face eacute cor de puacuterpura a barba escura e a sua
nuca eacute escura tal qual cinaacutebrio (fr III) Romm (1989 p 121 - 135 apud SANO 2008 p 68)
considera que foi Cteacutesias o fundador de uma tradiccedilatildeo literaacuteria que descreve as ldquomaravilhas da
Iacutendiardquo e que alguns dos acontecimentos narrados por ele encontrariam antecedentes no
folclore indiano
Nesse periacuteodo houve tambeacutem um desenvolvimento da prosa escrita tanto do romance
quanto da historiografia Assim gecircneros literaacuterios como a paradoxografia a faacutebula e o
proacuteprio romance seguiram diferentes abordagens da realidade O caso da Iacutendia eacute indicativo de
novos desenvolvimentos suas caracteriacutesticas distintivas podem ser atribuiacutedas a um periacuteodo
anterior da cultura grega mas eacute no proacuteprio periacuteodo heleniacutestico que eles se juntam com uma
nova intensidade (PARKER 2008 p 47) Com isso maravilhas e monstros caracterizaram as
narrativas sobre esse paiacutes Aleacutem disso uma outra peculiaridade da Iacutendia era o fato dela ser
descrita como a fronteira do mundo A proacutepria obra de Cteacutesias informava que natildeo havia
populaccedilatildeo aleacutem do rio Indo22
Seguindo essa loacutegica Alexandre o Grande preparou uma expediccedilatildeo com o intuito de
conquistar as terras indianas acreditando ser a Iacutendia o limite do mundo Essa campanha teve
por outro lado um grande efeito no que diz respeito ao acesso de informaccedilotildees que os gregos
tinham ateacute entatildeo sobre a Iacutendia (PARKER 2008 p 59)
Seacuteculos mais tarde Luciano de Samoacutesata (125-180 dC) em suas Narrativas
Verdadeiras menciona Cteacutesias chamando-o de mentiroso23
por conta de suas obras Isso natildeo
soacute sintetizou a maacute reputaccedilatildeo de Cteacutesias como tambeacutem retomou o debate acerca de narrativas
sobre fatos verdadeiros e ficcionais (PARKER 2008 p 47) Assim a Iacutendia continuou a ser
um dos temas principais no contexto do discurso do maravilhoso
Outros escritores que escreveram sobre a Iacutendia foram Megaacutestenes (seacuteculo IV aC) em
sua obra Iacutendica Estrabatildeo (seacuteculo I aC) em Geografia Claacuteudio Eliano (seacuteculo I) em Sobre a
natureza dos animais Xenofonte de Eacutefeso (seacuteculo II ndash I) em Efesiacuteacas Arriano de
21
Medida de percurso equivalente a 17760 m 22
ldquoQue homens natildeo habitam aleacutem de laacuterdquo Texto grego Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους (Indikaacute
frag I) 23
ldquoCteacutesias de Cnido o filho de Ctesioco escreveu acerca do paiacutes dos indianos e do que existe laacute coisas que ele
proacuteprio natildeo viu nem ouviu de algueacutem que dizia a verdaderdquo Traduccedilatildeo de Sano 2008 p6 Texto
grego Κτησίας ὁ Κτησιόχου ὁ Κνίδιος ὃς συνέγραψεν περὶ τῆς Ἰνδῶν χώρας καὶτῶν παρ᾽ αὐτοῖς ἃ μήτε αὐτὸς ε
ἶδεν μήτε ἄλλου ἀληθεύοντος ἤκουσεν (Narrativas Verdadeiras I 3)
26
Nicomeacutedia (seacuteculo II) em sua Anaacutebase de Alexandre e Nono de Panoacutepolis (seacuteculo V) em
sua Dionisiacuteacas
Em siacutentese a Vida de Apolocircnio de Tiana se mostra inovadora ao abordar a temaacutetica do
maravilhoso juntamente com o resgate dos valores culturais claacutessicos Aleacutem de encontrarmos
vestiacutegios dessa tradiccedilatildeo repleta de maravilhas e caracteriacutesticas peculiares acompanhamos
Apolocircnio em uma jornada em busca da sabedoria
27
CAPIacuteTULO II
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA
A partir das fontes brevemente analisadas no primeiro capiacutetulo vimos que a Iacutendia eacute
um lugar de destaque nas narrativas gregas antigas devido ao seu exotismo e sua diversidade
natural Na VA curiosamente o caminho feito por Apolocircnio eacute marcado natildeo apenas por esse
exotismo mas principalmente pelos vestiacutegios encontrados de um passado grego Apolocircnio se
depara com rastros de Dioniso do macedocircnio Alexandre e faz alusotildees a escritores gregos
antigos como Heroacutedoto e Cteacutesias de Cnido Assim seraacute com base nessas referecircncias bem
como o mundo natural hindu narrado que mostraremos uma Iacutendia descrita sob a oacutetica de
Filoacutestrato
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia
Algumas das remissotildees que comentaacutevamos haacute pouco se datildeo na chegada de Apolocircnio e
de seus companheiros agrave Iacutendia Seguindo o relato de Filoacutestrato para adentrarem a regiatildeo rumo
agrave cidade dos bracircmanes Paraca os viajantes precisariam passar por uma montanha Nisa Ao
se aproximarem desta o guia de viagem os informou de que Dioniso ldquoagiardquo sobre ela e por
isso Apolocircnio supocircs que laacute aconteciam coisas maravilhosas (θαυμαστὰ) (VA II 7) Ao
subirem se depararam com um templo abandonado do deus
ἀνελθόντες οὖν ἱερῷ Διονύσου ἐντυχεῖν φασιν ὃ δὴ Διόνυσον ἑαυτῷ φυτεῦσαι
δάφναις περιεστηκυίαις κύκλῳ τοσοῦτον περιεχούσαις τῆς γῆς ὅσον ἀπόχρη νεῷ
ξυμμέτρῳ κιττόν τε περιβαλεῖν αὐτὸν καὶ ἀμπέλους ταῖς δάφναις ἄγαλμά τε ἑαυτοῦ
ἔνδον στήσασθαι γιγνώσκοντα ὡς ξυμφύσει τὰ δένδρα ὁ χρόνος καὶ δώσει τινὰ ἀπ᾽
αὐτῶν ὄροφον ὃς οὕτω ξυμβέβληται νῦν ὡς μήτε ὕεσθαι τὸ ἱερὸν μήτ᾽ ἀνέμῳ
ἐσπνεῖσθαι δρέπανα δὲ καὶ ἄρριχοι καὶ ληνοὶ καὶ τὰ ἀμφὶ ληνοὺς ἀνάκειται τῷ
Διονύσῳ χρυσᾶ καὶ ἀργυρᾶ καθάπερ τρυγῶντι τὸ δὲ ἄγαλμα εἴκασται μὲν ἐφήβῳ
Ἰνδῷ λίθου δὲ ἔξεσται λευκοῦ ὀργιάζοντος δὲ αὐτοῦ καὶ σείοντος τὴν Νῦσαν
ἀκούουσιν αἱ πόλεις αἱ ὑπὸ τῷ ὄρει καὶ ξυνεξαίρονται (VA II 8)
28
Tendo eles subido [a montanha] dizem que se depararam com um templo de
Dioniso o qual foi plantado pelo proacuteprio Dioniso que plantou loureiros rodeando
em ciacuterculo tatildeo grande que envolve a terra quanto bastava a um templo simeacutetrico E
ele tambeacutem colocou ao redor dos loureiros hera e videira ergueu uma estaacutetua para si
mesmo sabendo que no tempo em que as aacutervores crescessem juntas elas mesmas
umas sobre as outras dariam um teto com o qual assim se deparam agora entatildeo a
chuva natildeo o molha nem o vento sopra sobre o templo E havia foices cestas e vasos
e ao redor havia vasos consagrados a Dioniso como se fossem para um colhedor de
uvas dourados e prateados E a estaacutetua se assemelha a um jovem indiano e era de
pedra branca E ele celebrando e fazendo tremer o Nisa as cidades abaixo da
montanha ouvem e se afervoram
Logo em seguida o autor resume uma discussatildeo entre indianos e gregos a respeito de
Dioniso Por um lado os gregos diziam que Dioniso teria feito uma expediccedilatildeo agrave Iacutendia tanto
como soldado quanto como farrista Esses argumentos seriam embasados em uma oferenda
existente em Delfos onde dentre os tesouros preservados havia um disco de prata indiana
com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoDioniso o [filho] de Secircmele e de Zeus dos hindus a Apolo de
Delfosrdquo (ΔΙΟΝΥΣΟΣ Ο ΣΕΜΕΛΗΣ ΚΑΙ ΔΙΟΣ ΑΠΟ ΙΝΔΩΝ ΑΠΟΛΛΩΝΙ ΔΕΛΦΩΙ VA
II 9) Essa pode ser uma alusatildeo agrave Biblioteca Histoacuterica de Diodoro Siacuteculo (90 - 30 aC) na
qual o autor narra a expediccedilatildeo beacutelica e festejadora de Dioniso agrave Iacutendia e o apresenta como
divindade civilizadora que ao chegar a um povo nocircmade confere-lhes os atributos de sua
proacutepria cultura (PARKER 2008 p 47)24
Os indianos por outro lado apontavam duas diferentes origens para Dioniso Os que
habitavam a regiatildeo do Caacuteucaso e ao longo do rio Coacutefen afirmavam que Dioniso fora um
visitante assiacuterio conhecedor do deus tebano e de seus feitos Jaacute os que habitavam entre o rio
Indo Hidraotes e a regiatildeo continental ateacute o rio Ganges declaravam que o verdadeiro Dioniso
era filho do proacuteprio rio Indo Por sua vez o Dioniso de Tebas tornara-se seu disciacutepulo e
tomando o seu tirso passara a utilizaacute-lo em suas orgias Esse Dioniso de Tebas afirmava ser
filho de Zeus e ter sido criado na coxa de seu pai ateacute nascer Zeus entatildeo encontrou uma
montanha chamada Μηρόν (ldquocoxardquo) fronteira com o monte Nisa e nela plantou videiras em
homenagem a seu filho (VA II 9)
24
Em Biblioteca Histoacuterica Diodoro Siacuteculo apresenta tambeacutem Heacuteracles como divindade civilizadora na Iacutendia
poreacutem na VA Heraacutecles tem origem egiacutepcia e natildeo grega (VA II 3)
29
Segundo Grimal (2005 p 122) apoacutes ter nascido da coxa de Zeus e ser levado para
longe da Greacutecia para Nisa seu pai o transformou em cabrito para que Hera raivosa natildeo o
reconhecesse Quando se tornou adulto descobriu a videira e o seu uso Sofreu ainda alguns
impasses com Hera ateacute que em um dado momento Dioniso se dirigiu agrave Iacutendia regiatildeo que
conquistou numa expediccedilatildeo semiguerreira semidivina subjulgando seu povo pela forccedila das
armas pois ele levava consigo um exerciacutecito A partir de entatildeo originou-se o cortejo triunfal
de que se fazia acompanhar o carro puxado por panteras e ornamentado com parras os
Silenos as Bacantes os Saacutetiros e outras divindades menores
Assim como Dioniso eacute tido como uma divindade marginal e exilada nas histoacuterias
claacutessicas a Iacutendia por sua vez tambeacutem representava a margem do mundo uma terra
desconhecida e diversa Na VA a interaccedilatildeo dos hindus com essa divindade aparece de forma
tatildeo difundida que ele eacute chamado de Niacutesio (Νύσιος) pelos indianos e por todos os outros povos
aleacutem da Nisa (VA II 2)
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites
Como discutido anteriormente os gregos jaacute tinham algumas informaccedilotildees a respeito da
Iacutendia no seacuteculo IV aC Poreacutem esta visatildeo foi bastante ampliada e modificada apoacutes Alexandre
suceder seu pai Filipe II da Macedocircnia e realizar uma campanha de conquista da regiatildeo entre
327 e 325 aC Com isso ele expandiu os limites orientais do mundo grego avanccedilando para
aleacutem da fronteira da Iacutendia ateacute a bacia do rio Ganges (COURCELLES 2014 p 324)
Ao tentar reconstruir a expediccedilatildeo de Alexandre agrave Iacutendia o maior problema que os
historiadores tecircm enfrentado eacute o da escassez de fontes As dificuldades se datildeo pelo fato de que
os primeiros registros existentes que chegaram ateacute noacutes satildeo de cerca de trecircs seacuteculos depois de
sua ocorrecircncia provavelmente reflexos dos relatos perdidos de Caliacutestenes (360-328 aC)
Onesiacutecrito (360-290 aC) Aristoacutebulo (375-301 aC) e de Nearco Ainda assim existem
seacuterias duacutevidas sobre o caraacuteter dessas fontes e em que medida elas poderiam ser reconstruiacutedas
(PARKER 2008 p 34)
Natildeo obstante quatrocentos anos depois Apolocircnio ainda encontra vestiacutegios da
passagem de Alexandre pela Iacutendia Haacute resquiacutecios do contato que Alexandre teve com o rei
hindu Poro e do embate travado entre os dois conhecido como a Batalha de Hidaspes Na
30
regiatildeo de Taxila fortificada agrave maneira grega existia um templo de aproximadamente cem
peacutes de altura no qual estavam gravadas as faccedilanhas de ambos os reis (VA II 20) Segundo
Filoacutestrato essas gravuras registravam o momento em que Poro ferido era restabelecido como
saacutetrapa apoacutes a vitoacuteria de Alexandre Ainda segundo o autor Poro ao saber da morte do rei
macedocircnio havia lhe dedicado essas gravuras e passado a se portar de forma moderada
guiando suas accedilotildees pelo desejo de agradar a Alexandre (VA II 20)
Partindo de Taxila Apolocircnio se deparou com uma estaacutetua de Alexandre em uma biga
de quatro mastros representando ao que Filostrato sugere o momento em que ele confrontou
os saacutetrapas de Dario Um pouco mais adiante encontrou dois portotildees um deles com a estaacutetua
do rei Poro e o outro com uma estaacutetua de Alexandre reproduzindo o momento em que os
dois se saudaram apoacutes a batalha de Hidaspes (VA II 42)
Apoacutes atravessarem o rio Hidraotes e alcanccedilarem o Hifaacutesis Apolocircnio e seus
companheiros de viagem encontraram tambeacutem altares dedicados a Alexandre (VA II 43)
Neles havia uma coluna de metal na qual estava inscrito ldquoAlexandre avanccedilou ateacute aquirdquo
(ΑΛΕΞΑΝΔΡΟΣ ΕΝΤΑΥΘΑ ΕΣΤΗ) ldquopara honrar o limite do seu Impeacuteriordquo (τὸ τῆς ἑαυτοῦ
ἀρχῆς τέρμα τιμῶντος) Poreacutem adiante desse marco para aleacutem do Hifaacutesis Filoacutestrato afirma
que os hindus ergueram uma outra coluna esta para marcar o orgulho dos indianos por
Alexandre natildeo ter avanccedilado mais em seu territoacuterio (VA II 43) Do mesmo modo quando
Apolocircnio estava em contato com os bracircmanes hindus haacute a menccedilatildeo de que aquele local nunca
fora visitado por Alexandre (VA II 33)
A nosso ver neste ponto Filoacutestrato sobrepotildee Apolocircnio a Alexandre Se por um lado
Alexandre tinha sido o uacutenico ocidental a alcanccedilar aquelas fronteiras por outro Apolocircnio as
ultrapassa e adentra ainda mais nas terras hindus Assim na VA Alexandre eacute lembrado pela
sua grandeza e por seus feitos passados mas tambeacutem por suas limitaccedilotildees Nesse sentido
Abraham (2014 p 467) argumenta que Filoacutestrato sobrepotildee a campanha do conquistador agrave
jornada do filoacutesofo e ao fazer contiacutenuas menccedilotildees aos memoriais de Alexandre transforma a
expediccedilatildeo de Apolocircnio em uma reconstituiccedilatildeo da expediccedilatildeo de Alexandre
31
23 O maravilhoso em VA
O relato etnograacutefico do viajante que narra as maravilhas encontradas em suas
aventuras entre os confins do mundo e as fronteiras do conhecidodesconhecido eacute um
toacutepos do discurso geograacutefico Com raiacutezes em Homero esse tipo de narrativa foi se
consolidando cada vez mais e a partir da autoacutepsia de Heroacutedoto ou seja o processo de ver
com os proacuteprios olhos o viajante passou a discursar com mais autoridade pois fala de
algo que vira com os proacuteprios olhos e que supostamente nenhum outro grego tinha visto25
Nos poemas homeacutericos e hesioacutedicos o θαυμάσιος o maravilho eacute qualificado e
dimensionado com o uso de adjetivos
Para qualificar o thocircma26
Homero e Hesiacuteodo utilizam o adjetivo ldquogranderdquo (meacutegas)
mas essa grandeza de thocircma natildeo se mede associado a meacutegas encontramos com
efeito deinoacutes terriacutevel formidaacutevel O ldquomilagrerdquo eacute pois grande ou terriacutevel ndash e grande
porque terriacutevel (HARTOG 2014 p 265 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Exemplos do uso desses adjetivos empregados com essa denotaccedilatildeo estatildeo nos trechos
abaixo na Odisseia como atributo da voz de Zeus na Iliacuteada com relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da
peleja do combate e na Teogonia como caracteriacutestica de um monstro
Ἠὼς δ᾽ ἐκ λεχέων παρ᾽ ἀγαυοῦ Τιθωνοῖο
ὤρνυθ᾽ ἵν᾽ ἀθανάτοισι φόως φέροι ἠδὲ βροτοῖσιν
οἱ δὲ θεοὶ θῶκόνδε καθίζανον ἐν δ᾽ ἄρα τοῖσι
Ζεὺς ὑψιβρεμέτης οὗ τε κράτος ἐστὶ μέγιστον
Alccedila-se a Aurora do leito onde estava o preclaro Titono
para que a luz aos eternos levasse e aos mortais transitoacuterios
quando nos tronos os deuses se foram sentar tendo ao meio
Zeus cuja voz eacute atroante de forccedila e poder muito grandes
(Od V 1-4 traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes)
25
Morais (2008 p 17) examina a relaccedilatildeo entre ver e maravilhar-se em Heroacutedoto jaacute Parker (2008 p 119)
discorre sobre a autoacutepsia como ferramenta de autoridade em um discurso 26
A palavra θαῦμα aparece em Heroacutedoto como θῶμα (CHANTRAINE 1968 p 424)
32
lsquoαἰδὼς Ἀργεῖοι κοῦροι νέοι ὔμμιν ἔγωγε
μαρναμένοισι πέποιθα σαωσέμεναι νέας ἁμάς
εἰ δ᾽ ὑμεῖς πολέμοιο μεθήσετε λευγαλέοιο
νῦν δὴ εἴδεται ἦμαρ ὑπὸ Τρώεσσι δαμῆναι
ὢ πόποι ἦ μέγα θαῦμα τόδ᾽ ὀφθαλμοῖσιν ὁρῶμαι
δεινόν ὃ οὔ ποτ᾽ ἔγωγε τελευτήσεσθαι ἔφασκον
ldquoVergonha Argivos jovens mancebos Na vossa peleja
confiava eu para que se salvassem as nossas naus
Mas se voacutes desistis da guerra angustiosa agora
chega o dia de sermos subjugados pelos Troianos
Oacute amigos grande eacute a maravilha que meus olhos contemplam
coisa terriacutevel que nunca pensei poder vir a cumprir-serdquo
(Il XIII 95-100 traduccedilatildeo de Frederico Lourenccedilo)
ἣ δὲ Χίμαιραν ἔτικτε πνέουσαν ἀμαιμάκετον πῦρ
δεινήν τε μεγάλην τε ποδώκεά τε κρατερήν τε
τῆς δ᾽ ἦν τρεῖς κεφαλαί μία μὲν χαροποῖο λέοντος
ἣ δὲ χιμαίρης ἣ δ᾽ ὄφιος κρατεροῖο δράκοντος
πρόσθε λέων ὄπιθεν δὲ δράκων μέσση δὲ χίμαιρα
δεινὸν ἀποπνείουσα πυρὸς μένος αἰθομένοιο
Ela [a Viacutebora] pariu a Cabra que sopra irrepeliacutevel fogo
a terriacutevel e grande e de peacutes ligeiros e cruel
tinha trecircs cabeccedilas uma de leatildeo de olhos ruacutetilos
outra de cabra outra de viacutebora cruel serpente
Na frente leatildeo atraacutes serpente no meio cabra
expirando o terriacutevel furor do fogo aceso
(Teog 319-324 traduccedilatildeo de Jaa Torrano)
Posteriormente outros recursos passaram a ser incorporados a essa forma de narrativa
e operaccedilotildees como avaliar medir e contar se tornaram necessaacuterias para traduzir o
θαυμάσιος do mundo narrado Aleacutem disso a quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da
narrativa quanto mais θαυμάσιος houver maior seraacute o prolongamento da histoacuteria Com
isso o narrador eacute quem confere ao leitor as medidas do que se conta em um processo no
qual haacute um efeito de realidade causado pelo narrador em que o viajante ldquofaz crerrdquo no que
estaacute sendo contado sobre o outro Desse modo o θῶμα eacute um toacutepos do discurso etnograacutefico
(HARTOG 2014 p 261 ndash 263)
33
A VA tambeacutem nos eacute apresentada sob essa perspectiva uma narrativa repleta de
θαύματα de diversos tipos com uma grande variedade de animais exoacuteticos lugares de
geografia inusitada objetos e obras de arte magniacuteficas e povos com costumes e culturas
inimaginaacuteveis Aleacutem dessas caracteriacutesticas tanto as viagens quanto os milagres de
Apolocircnio tambeacutem satildeo exemplos de θαύματα (ELSNER 1997 p 25)
Como mencionado no primeiro capiacutetulo diversas caracteriacutesticas a respeito da Iacutendia jaacute
estavam presentes tanto em Heroacutedoto quanto em Cteacutesias A influecircncia desses dois autores
eacute bem evidente no terceiro livro da VA onde muitas dessas maravilhas satildeo desmitificadas
ou confirmadas por Apolocircnio que as potildee em xeque em um diaacutelogo com o saacutebio Iarcas
Aleacutem do que era exoacutetico e visualmente impactante seacuteculos mais tarde outro aspecto
do maravilhoso da Iacutendia se tornou um toacutepos literaacuterio a sabedoria dos bracircmanes e dos
gminosofistas27
das histoacuterias de Alexandre e da tradiccedilatildeo do Romance de Alexandre Se
por um lado os bracircmanes natildeo foram tratados nas narrativas de Cteacutesias e de Heroacutedoto a
partir desse momento eles se tornariam uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana (PARKER 2008 p 143 e 251) Na VA eles ocupam um papel central pois
chegar ateacute eles era o objetivo principal de Apolocircnio (VA I 18 32 II 11 III 16 29 IV
47) e esse contato com eles tambeacutem eacute parte do conteuacutedo maravilhoso da obra
231 As maravilhas da Iacutendia
Animais monstros seres hiacutebridos dimensotildees cores lugares construccedilotildees exuberantes
pedras e riquezas compotildeem a Iacutendia como um paiacutes exoacutetico diverso selvagem e
maravilhoso na indografia greco-romana Se Hartog (2014 p 261-263) afirma que a
quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da narrativa podemos afirmar que a Iacutendia
descrita por Filoacutestrato eacute extensa rica e profunda em suas peculiaridades Abaixo estatildeo
traduzidas passagens que remetem ao conteuacutedo maravilhoso dessa obra listadas e
divididas em grupos Os grupos arrolados satildeo i) lugares onde estatildeo descritas montanhas
planiacutecies e cidades ii) hidrografia com os nomes dimensotildees e particularidades dos rios
mencionados no texto iii) o clima da Iacutendia iv) animais onde satildeo detalhadas suas
27
Agraves vezes os dois termos satildeo usados de forma intercambiaacutevel agraves vezes eles se referem a diferentes grupos Em
alguns casos o termo eacute usado para se referir a sacerdotes egiacutepcios como em Filoacutestrato (PARKER 2008 p 255)
34
particularidades e as estoacuterias associadas a eles v) seres exoacuteticos compostos por
humanoides seres hiacutebridos e povos de cultura inusitada
Identificamos tambeacutem na VA uma forte influecircncia de Heroacutedoto e de Cteacutesias que
iniciaram essa tradiccedilatildeo a respeito da Iacutendia As descriccedilotildees que aludem a esses dois autores
estatildeo mencionadas ao longo do texto e os trechos referidos a eles estaratildeo expostos junto
com os da VA Quando houver uma referecircncia em comum entre os trecircs autores
respeitaremos a ordem cronoloacutegica entre eles
2311 Lugares
Durante a jornada de Apolocircnio satildeo descritos os lugares por onde ele passa e suas
impressotildees Em seu itineraacuterio pela Iacutendia Apolocircnio passa pela cordilheira do Caacuteucaso
registrando o aroma de canela e a aacutervore de pimenta existentes laacute passa por uma pedra
chamada ldquoSem paacutessarosrdquo pela planiacutecie irrigada do Ganges por Taxila pelo Templo do Sol
por Paraca pela torre dos saacutebios onde ele vecirc dois jarros um de chuva e o outro de vento
aleacutem de uma pedra magneacutetica pelas regiotildees de Balara de Selera de Pegadae e pela ilha
Biacuteblos
A cordilheira Caacuteucaso
Eacute narrado que ao se aproximarem da cordileira do Caacuteucaso Apolocircnio e seus
companheiros sentiram que a terra ficava mais perfumada (VA II 1) Sua extensatildeo eacute enorme
pois considera-se que o iniacutecio dessa montanha eacute no Touro e se estende atraveacutes da Armecircnia ateacute
Miacutecale e se estende ateacute a margem do mar onde vivem os carianos Ao contraacuterio do pico de
Miacutecale que natildeo eacute muito grande os do Caacuteucaso
καὶ αἱ ὑπερβολαὶ τοῦ Καυκάσου τοσοῦτον ἀνεστᾶσιν ὡς σχίζεσθαι περὶ αὐτὰς τὸν
ἥλιον περιβάλλει δὲ Ταύρῳ ἑτέρῳ καὶ τὴν ὅμορον τῇ Ἰνδικῇ Σκυθίαν πᾶσαν κατὰ
Μαιῶτίν τε καὶ ἀριστερὸν Πόντον σταδίων μάλιστα δισμυρίων μῆκος τοσοῦτον
γὰρ ἐπέχει μέτρον τῆς γῆς ὁ ἀγκὼν τοῦ Καυκάσου [] ὁ δὲ Καύκασος ὁρίζει μὲν
35
τὴν Ἰνδικήν τε καὶ Μηδικήν καθήκει δὲ ἐπὶ τὴν Ἐρυθρὰν θάλατταν ἑτέρῳ ἀγκῶνι
(VA II 2)
os picos do Caacuteucaso satildeo tatildeo elevados que o sol eacute cortado por eles Envolve com o
resto do Tauro toda a Ciacutetia que faz fronteira com a Iacutendia pelo Meoacutetis e a costa
esquerda do Ponto uma distacircncia quase de 20 mil estaacutedios pois nada menos que
isso eacute a extensatildeo de terra cercada pela depressatildeo do Caacuteucaso [] O Caacuteucaso limita
Iacutendia e Meacutedia e se estende por outra depressatildeo ateacute o Mar Vermelho
As montanhas do Caacuteucaso possuem ainda outras peculiaridades como por exemplo
os arbustos com cheiro de canela que aromatizam toda aquela regiatildeo e a aacutervore de pimenta
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho sentiram o aroma de
canela vinda dos arbustos por toda esse aacuterea
A canela do Caacuteucaso
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho e descrito
que esta faixa eacute densamente coberta por arbustos aromaacuteticos de canela
τοὺς μὲν δὴ πρῶνας τοῦ ὄρους τὸ κιννάμωμον φέρειν προσεοικέναι δὲ αὐτὸ νέοις
κλήμασι βάσανον δὲ τοῦ ἀρώματος τὴν αἶγα εἶναι κινναμώμου γὰρ εἴ τις αἰγὶ
ὀρέξειε κνυζήσεται πρὸς τὴν χεῖρα καθάπερ κύων ἀπιόντι τε ὁμαρτήσει τὴν ῥῖνα
ἐς αὐτὸ ἐρείσασα κἂν ὁ αἰπόλος ἀπάγῃ θρηνήσει καθάπερ λωτοῦ ἀποσπωμένη
(VA III 4)
Os contrafortes da montanha produzem canela que se assemelha a videiras novas
mas a cabra eacute a prova de que se trata daquele arbusto aromaacutetico pois se algueacutem
apresenta a canela a uma cabra ela gane na direccedilatildeo da matildeo igual a um cachorro e
ao sair ela o seguiraacute apoiando nela o focinho e se o pastor a afastar ela se
lamentaraacute como privada de loto
36
A aacutervore de pimenta
Nos montes dessa montanha crescem aacutervores aromaacuteticas muito altas e existem
diversas espeacutecies delas como eacute o caso das aacutervores de pimenta que satildeo cultivadas pelos
macacos (VA III 4)
τὸ δένδρον ἡ πεπερὶς εἴκασται μὲν τῷ παρ᾽ Ἕλλησιν ἄγνῳ τά τε ἄλλα καὶ τὸν
κόρυμβον τοῦ καρποῦ φύεται δὲ ἐν τοῖς ἀποτόμοις οὐκ ἐφικτὸς τοῖς ἀνθρώποις οὗ
λέγεται πιθήκων οἰκεῖν δῆμος ἐν μυχοῖς τοῦ ὄρους καὶ ὅ τι αὐτοῦ κοῖλον οὓς
πολλοῦ ἀξίους οἱ Ἰνδοὶ νομίζοντες ἐπειδὴ τὸ πέπερι ἀποτρυγῶσι τοὺς λέοντας ἀπ᾽
αὐτῶν ἐρύκουσι κυσί τε καὶ ὅπλοις (VA III 4)
A aacutervore de pimenta se parece com o salgueiro dos gregos em tudo incluindo os
ramos do fruto e cresce em ravinas que o homen natildeo alcanccedila e onde dizem habita
um povo de macacos em buracos na montanha e em qualquer concavidade dela os
quais satildeo tidos em alta estima pelos indianos porque eles colhem as pimentas eles
afastam deles os leotildees com catildees e armas
A pedra chamada ldquoSem paacutessarosrdquo
Haacute uma pedra perto do monte Nisa que se chamada ldquoSem Paacutessarosrdquo (Ἄορνον) Apesar
de natildeo terem ido ateacute ela os viajantes ouviram falar que Alexandre a capturou e a histoacuteria que
se conta sobre essa pedra estaacute assim descrita
Ἄορνος δὲ ὀνομάζοιτο οὐκ ἐπειδὴ στάδια πεντεκαίδεκα ἀνέστηκε πέτονται γὰρ καὶ
ὑπὲρ τοῦτο οἱ ἱεροὶ ὄρνιθες ἀλλ᾽ ἐν κορυφῇ τῆς πέτρας ῥῆγμα εἶναί φασι τοὺς
ὑπερπετομένους τῶν ὀρνίθων ἐπισπώμενον ὡς Ἀθήνησί τε ἰδεῖν ἐστιν ἐν προδόμῳ
τοῦ Παρθενῶνος καὶ πολλαχοῦ τῆς Φρυγῶν καὶ Λυδῶν γῆς ὑφ᾽ οὗ τὴν πέτραν
Ἄορνον κεκλῆσθαί τε καὶ εἶναι (VA II 10)
37
[a pedra] foi nomeada ldquoSem Paacutessarosrdquo natildeo porque alcanccedila quinze estaacutedios pois os
paacutessaros sagrados voam aleacutem dessa altura mas porque no pico da pedra haacute dizem
um abismo que puxa os paacutessaros como se vecirc que acontece tambeacutem em Atenas no
vestiacutebulo do Partenon e em muitos lugares da terra dos friacutegios e liacutedios Por esse
motivo a pedra eacute chamada e de fato eacute ldquoSem Paacutessarosrdquo
A planiacutecie irrigada do Ganges
Apoacutes atravessarem o Caacuteucaso eacute descrito que os viajantes viram uma planiacutecie lisa com
cortes e valas cheias de aacutegua algumas das quais transversais enquanto outras eram retas
Eram simples afluentes do rio Ganges dispostas como fronteiras e irrigavam tambeacutem a
planiacutecie quando a terra estava seca (VA III 5) Sobre esta terra
τὴν δὲ γῆν ταύτην ἀρίστην φασὶ τῆς Ἰνδικῆς εἶναι καὶ μεγίστην τῶν ἐκεῖ λήξεων
πεντεκαίδεκα ἡμερῶν ὁδοῦ μῆκος ἐπὶ τὸν Γάγγην ὀκτωκαίδεκα δὲ ἀπὸ θαλάσσης
ἐπὶ τὸ τῶν πιθήκων ὄρος ᾧ ξυμπαρατείνει πεδιὰς πᾶσα ἡ χώρα μέλαινά τε καὶ
πάντων εὔφορος ἰδεῖν μὲν γὰρ ἐν αὐτῇ στάχυας ἀνεστῶτας ὅσον οἱ δόνακες ἰδεῖν
δὲ κυάμους τριπλασίους τῶν Αἰγυπτίων τὸ μέγεθος σήσαμόν τε καὶ κέγχρον
ὑπερφυᾶ πάντα ἐνταῦθα καὶ τὰ κάρυα φύεσθαί φασιν ὧν πολλὰ πρὸς ἱεροῖς
ἀνακεῖσθαι τοῖς δεῦρο θαύματος ἕνεκα τὰς δὲ ἀμπέλους φύεσθαι μὲν μικράς
καθάπερ αἱ Λυδῶν τε καὶ Μαιόνων ποτίμους δὲ εἶναι καὶ ἀνθοσμίας ὁμοῦ τῷ
ἀποτρυγᾶν ἐνταῦθα καὶ δένδρῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι προσεοικότι τῇ δάφνῃ
φύεσθαι δὲ αὐτοῦ κάλυκα εἰκασμένην τῇ μεγίστῃ ῥόᾳ καὶ μῆλον ἐγκεῖσθαι τῇ
κάλυκι κυάνεον μέν ὥσπερ τῶν ὑακίνθων αἱ κάλυκες πάντων δὲ ἥδιστον ὁπόσα ἐξ
ὡρῶν ἥκει (VA III 5)
Eles dizem ser esta a melhor terra da Iacutendia e a maior das regiotildees sendo de quinze
dias a jornada ateacute o Ganges e de dezoito dias do mar ateacute a montanha dos macacos
por onde se estende Toda a regiatildeo eacute uma planiacutecie preta e feacutertil de tudo pois se pode
ver nela espigas crescendo como os juncos e se pode ver tambeacutem favas trecircs vezes
maiores que as do tipo egiacutepcio bem como seacutesamo e milho crescendo por todas as
partes E eles dizem que tambeacutem nascem nozes laacute das quais muitas satildeo ofertadas
nos templos daqui pelo que tecircm de admiraacutevel As videiras que crescem satildeo
pequenas como as dos liacutedios e meocircnios boas para beber e aromaacuteticas tatildeo logo se
arrancam Eles dizem que laacute se depararam tambeacutem com uma aacutervore que se
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assemelha ao loureiro sobre a qual cresce um caacutelice comparaacutevel a uma granada
grande e dentro do caacutelice estaacute embutido um fruto azulado como os caacutelices de
jacinto o mais agradaacutevel de todos que as estaccedilotildees trazem
A regiatildeo de Taxila
Taxila eacute uma cidade importante na VA Eacute nela que Apolocircnio encontra vestiacutegios de
Alexandre e da batalha travada entre o macedocircnio e o rei indiano Poro conhecida como a
Batalha de Hidaspes Aleacutem disso eacute em Taxila que Apolocircnio tem o primeiro contato com um
rei indiano Fraotes um dos personagens mais importantes da Iacutendia da VA devido agrave forma
como governa e a seu conhecimento da cultura grega
Taxila segunda a narrativa tem a dimensatildeo de Niacutenive e eacute fortificada da mesma forma
que as cidades gregas Aleacutem dessas caracteriacutesticas que remetem agrave Greacutecia eacute descrito um
templo com o qual se surpreenderam de tatildeo belo
νεὼν δὲ πρὸ τοῦ τείχους ἰδεῖν φασιν οὐ παρὰ πολὺ τῶν ἑκατομπόδων λίθου
κογχυλιάτου καὶ κατεσκευάσθαι τι ἱερὸν ἐν αὐτῷ ἧττον μὲν ἢ κατὰ τὸν νεὼν
τοσοῦτόν τε ὄντα καὶ περικίονα θαυμάσαι δὲ ἄξιον χαλκοῖ γὰρ πίνακες
ἐγκεκρότηνται τοίχῳ ἑκάστῳ γεγραμμένοι τὰ Πώρου τε καὶ Ἀλεξάνδρου ἔργα
γεγράφαται δὲ ὀρειχάλκῳ καὶ ἀργύρῳ καὶ χρυσῷ καὶ χαλκῷ μέλανι ἐλέφαντες ἵπποι
στρατιῶται κράνη ἀσπίδες λόγχαι δὲ καὶ βέλη καὶ ξίφη σιδήρου πάντα καὶ ὥσπερ
λόγος εὐδοκίμου γραφῆς οἷον εἰ Ζεύξιδος εἴη τι ἢ Πολυγνώτου τε καὶ Εὐφράνορος
οἳ τὸ εὔσκιον ἠσπάσαντο καὶ τὸ ἔμπνουν καὶ τὸ ἐσέχον τε καὶ ἐξέχον οὕτως φασί
κἀκεῖ διαφαίνεται καὶ ξυντετήκασιν αἱ ὕλαι καθάπερ χρώματα ἡδὺ δὲ καὶ αὐτὸ τὸ
ἦθος τῆς γραφῆς (VA II 20)
dizem que viram um templo em frente da muralha de natildeo muito mais que cem peacutes
de pedra de calcaacuterio e que foi construiacutedo dentro dele um santuaacuterio algo menor com
relaccedilatildeo agrave grandeza do templo sendo esse cercado por colunas e digno de
maravilhar-se Havia taacutebuas de bronze em cada parede do templo com os feitos de
Poro e Alexandre registrados Foram gravados com oricalco prata ouro e bronze
escuro elefantes cavalos soldados elmos e escudos mas lanccedilas flechas e espadas
eram todas de ferro e como o assunto de uma pintura famosa tal qual as de Zecircuxis
Polignoto ou Eufranor que gostavam do claro-escuro do animado da profundidade
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e do relevo assim dizem tambeacutem ali tudo se mostrava e os materiais estavam
dispostos como cores E o caraacuteter da pintura era apraziacutevel por si mesmo
O Templo do Sol
Esse templo tambeacutem eacute caracterizado por sua beleza e riqueza e pedras preciosas e
imagens marcando a passagem de Apolocircnio naquela regiatildeo
ἱερὸν δὲ ἰδεῖν Ἡλίου φασίν ᾧ ἀνεῖτο Αἴας ἐλέφας καὶ ἀγάλματα Ἀλεξάνδρου
χρυσᾶ καὶ Πώρου ἕτερα χαλκοῦ δ᾽ ἦν ταῦτα μέλανος οἱ δὲ τοῦ ἱεροῦ τοῖχοι
πυρσαῖς λίθοις ὑπαστράπτει χρυσὸς αὐγὴν ἐκδιδοὺς ἐοικυῖαν ἀκτῖνι τὸ δὲ ἕδος αὐτὸ
μαργαρίτιδος ξύγκειται ξυμβολικὸν τρόπον ᾧ βάρβαροι πάντες ἐς τὰ ἱερὰ χρῶνται
(VA II 24)
E eles dizem ter visto um Templo do Sol no qual circulava o elefante Aacutejax e
esculturas de ouro de Alexandre e outras de Poro e eram estas de bronze escuro E
das paredes do templo sob pedras vermelhas brilhava o ouro emitiam um claratildeo
semelhante a um raio de sol O proacuteprio assento estava cercado de peacuterolas do modo
simboacutelico que usam todos os baacuterbaros nos templos
A cidade de Paraca
A cidade de Paraca eacute maravilhosa por nela acontecer o treino de caccedila aos dragotildees e
por nela se armazenarem as cabeccedilas desse animal no centro da cidade Aleacutem disso os
habitantes dessa regiatildeo entendem a linguagem animal Eacute a partir dessa cidade que Apolocircnio
chega ateacute a torre dos bracircmanes
τὴν δὲ πόλιν τὴν ὑπὸ τῷ ὄρει μεγίστην οὖσαν φασὶ μὲν καλεῖσθαι Πάρακα
δρακόντων δὲ ἀνακεῖσθαι κεφαλὰς ἐν μέσῃ πλείστας γυμναζομένων τῶν ἐν ἐκείνῃ
Ἰνδῶν τὴν θήραν ταύτην ἐκ νέων λέγονται δὲ καὶ ζῴων ξυνιέναι φθεγγομένων τε
καὶ βουλευομένων σιτούμενοι δράκοντος οἱ μὲν καρδίαν οἱ δὲ ἧπαρ προϊόντες δὲ
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αὐλοῦ μὲν ἀκοῦσαι δόξαι νομέως δή τινος ἀγέλην τάττοντος ἐλάφους δὲ ἄρα
βουκολεῖσθαι λευκάς ἀμέλγουσι δὲ Ἰνδοὶ ταύτας εὐτραφὲς ἡγούμενοι τὸ ἀπ᾽ αὐτῶν
γάλα (VA III 9)
E eles dizem que a cidade abaixo da montanha eacute grande e chama-se Paraca que no
centro ficam guardadas a maioria das cabeccedilas de dragotildees para os indianos de laacute
serem treinados a essa caccedila desde a juventude Dizem tambeacutem que eles entendem os
sons e as deliberaccedilotildees dos animais alimentando-se ou do coraccedilatildeo ou do fiacutegado do
dragatildeo Avanccedilando eles imaginaram ter ouvido a flauta de algum pastor ordenando
um rebanho mas logo deliberaram que eram corsas brancas pois os indianos as
guiam para ordenhaacute-las por causa de seu leite nutritivo
A torre dos saacutebios
A torre dos bracircmanes eacute o cenaacuterio principal da viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Eacute nela que
Apolocircnio chega ao limite maacuteximo de sua sabedoria e realiza o objetivo principal de sua
viagem chegar ateacute os bracircmanes
A descriccedilatildeo dessa torre eacute peculiar em vista de suas referecircncias e comparaccedilotildees com a
Acroacutepole de Atenas o que faz com que o leitor projete mentalmente o mapa da Greacutecia A
torre fica no topo de uma montanha e suas caracteriacutesticas satildeo
ὕψος μὲν εἶναι κατὰ τὴν Ἀθηναίων φασὶν ἀκρόπολιν ἀνίστασθαι δὲ ἐκ πεδίου ἄνω
εὐφυᾶ δὲ ὁμοίως πέτραν ὀχυροῦν αὐτὸν κύκλῳ περιήκουσαν (VA III 13)
tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da planiacutecie e
sua posiccedilatildeo natural o protege de ataques pois eacute rodeado por rochas em todos os
lados
Aleacutem disso em muitas partes dessa pedra eles viram rastros de pegadas e contorno de
barba e de rostos e viram marcas que pareciam de costas deslizadas (ἧς πολλαχοῦ δίχηλα
ὁρᾶσθαι ἴχνη καὶ γενειάδων τύπους καὶ προσώπων καί που καὶ νῶτα ἰδεῖν ἀπωλισθηκόσιν
ὅμοια - VA III 13) Essas marcas segundo a narrativa satildeo de quando Dioniso e Heacuteracles
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tentaram atacar e capturar a torre mas foram afastados pelos raios e pedras enviados pelos
bracircmanes
Existia tambeacutem uma nuvem que pairava sobre a torre
περὶ δὲ τῷ ὄχθῳ νεφέλην ἰδεῖν φασιν ἐν ᾗ τοὺς Ἰνδοὺς οἰκεῖν φανερούς τε καὶ
ἀφανεῖς καὶ ὅ τι βούλονται πύλας δὲ εἰ μὲν καὶ ἄλλας εἶναι τῷ ὄχθῳ οὐκ εἰδέναι τὸ
γὰρ περὶ αὐτὸν νέφος οὔτε ἀκλείστῳ ξυγχωρεῖν οὔτ᾽ αὖ ξυγκεκλεισμένῳ φαίνεσθαι
(VA III 13)
eles dizem ter visto uma nuvem atraacutes da montanha da morada dos hindus a qual
ficava visiacutevel ou invisiacutevel quando eles desejam E se tinha outro portatildeo na montanha
eles natildeo sabiam pois com a nuvem ao redor natildeo conseguiram ver se havia uma
abertura na muralha ou se por outro lado era uma fortaleza fechada
Os jarros de chuva e de vento dos bracircmanes
Outro prodiacutegio se encontra quando os personagens tendo entrado na torre viram dois
jarros de pedra preta um de chuva e outro de vento (καὶ διττὼ ἑωρακέναι φασὶ πίθω λίθου
μέλανος ὄμβρων τε καὶ ἀνέμων ὄντε - VA III 14) O jarro de chuva eacute aberto quando a Iacutendia
estaacute sofrendo de seca e entatildeo satildeo enviadas nuvens carregadas para todo o paiacutes mas se a
chuva passa a ser excessiva eacute interrompida quando o jarro eacute fechado Jaacute o jarro de vento eacute
comparado agrave caixa de Eacuteolo28
pois liberta um dos ventos o qual proporciona uma brisa fresca
que refresca todo o paiacutes (VA III 14)
A pedra magneacutetica
Na torre dos bracircmanes Iarcas mostra a Apolocircnio uma pedra que tem caracteriacutesticas
magneacuteticas e se assemelha agrave pedra pantarba descrita por Cteacutesias nestes termos
28
Provaacutevel referecircncia a Eacuteolo guardiatildeo dos ventos na Odisseia (Od X 1-4 21-22)
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Περὶ παντάρβας τῆς σφραγῖδος καὶ ὡς υοζʹ σφραγῖδας ἀπορριφείσας καὶ τιμίους
λίθους εἰς τὸν ποταμόν ἅτινα ἦν τοῦ Βακτρίων καπήλου αὐτὴ ἀνείλκυσεν ἐχομένας
ἀλλήλων (Ind frag II)
Fala sobre a pantarba uma pedra preciosa e que quando ela eacute jogada no rio 477
sinetes e pedras preciosas que eram de um comerciante de Bactra ela puxa de volta
presas umas com as outras
Na VA Iarcas confirma a existecircncia desta pedra e garante que o que dizem a respeito
de suas caracteriacutesticas magneacuteticas eacute verdade Aleacutem disso ele tambeacutem a disponibiliza a
Apolocircnio para que este a veja e comprove por si mesmo suas propriedades Nenhum
detalhe poreacutem eacute narrado (VA III 46)
γίγνεται μὲν γὰρ ἡ μεγίστη κατὰ ὄνυχα δακτύλου τούτουrsquo δείξας τὸν ἑαυτοῦ
ἀντίχειρα lsquoκυίσκεται δὲ ἐν γῇ κοίλῃ βάθος ὀργυιαὶ τέτταρες τοσοῦτον δὲ αὐτῇ
περίεστι τοῦ πνεύματος ὡς ὑποιδεῖν τὴν γῆν καὶ κατὰ πολλὰ ῥήγνυσθαι
κυισκομένης ἐν αὐτῇ τῆς λίθου (VA III 46)
[Fala de Iarcas] De fato a maior delas eacute do tamanho desta unha ndash e ele mostrou seu
proacuteprio polegar ndash e eacute formada num buraco na terra com uma profundidade de quatro
braccedilas mas ela tem tanto espiacuterito que a terra se dilata e se rasga em muitos lugares
quando esta pedra eacute concebida
Contudo essa pedra natildeo eacute facilmente capturada pois se algueacutem tenta pegaacute-la ela
foge a menos que exista uma atraccedilatildeo entre a pedra e aquele que tenta apanhaacute-la Ainda a
pantarba (παντάρβην) assim chamada tambeacutem por Iarcas
νύκτωρ μὲν οὖν ἡμέραν ἀναφαίνει καθάπερ τὸ πῦρ ἔστι γὰρ πυρσὴ καὶ ἀκτινώδης
εἰ δὲ μεθ᾽ ἡμέραν ὁρῷτο βάλλει τοὺς ὀφθαλμοὺς μαρμαρυγαῖς μυρίαις τὸ δὲ ἐν
αὐτῇ φῶς πνεῦμά ἐστιν ἀρρήτου ἰσχύος πᾶν γὰρ τὸ ἐγγὺς ἐσποιεῖ αὑτῇ (VA III 46)
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de noite faz brilhar um dia como o fogo eacute vermelha e emite raios e se se olha para
ela de dia lanccedila aos seus olhos raios de luz incontaacuteveis A luz de dentro dela eacute um
espiacuterito com forccedila misteriosa pois atraiacute tudo para perto dela mesma
καὶ εἰπὼν ταῦτα ἔδειξε τὴν λίθου αὐτήν τε καὶ ὁπόσα ἐργάζεται (VA III 47)
E tendo ditto estas coisas ele mostrou a proacutepria pedra e tudo o que ela era capaz de
realizar
Balara e Selera
Balara eacute um lugar distinto por seus jardins jaacute Selera eacute uma ilha sagrada onde habita
uma nereida
προσπλεῦσαί φασι καὶ Βαλάροις ἐμπόριον δὲ εἶναι τὰ Βάλαρα μεστὸν μυρρινῶν τε
καὶ φοινίκων καὶ δάφνας ἐν αὐτῷ ἰδεῖν καὶ πηγαῖς διαρρεῖσθαι τὸ χωρίον κῆποι δὲ
ὁπόσοι τρωκτοὶ καὶ ὁπόσοι ἀνθέων κῆποι βρύειν αὐτὸ καὶ λιμένας μεστοὺς
γαλήνης ἐν αὐτῷ εἶναι προκεῖσθαι δὲ τοῦ χωρίου τούτου νῆσον ἱεράν ἣν καλεῖσθαι
Σέληρα καὶ στάδια μὲν ἑκατὸν εἶναι τῷ πορθμῷ νηρηίδα δὲ οἰκεῖν ἐν αὐτῇ δεινὴν
δαίμονα πολλοὺς γὰρ τῶν πλεόντων ἁρπάζειν καὶ μηδὲ ταῖς ναυσὶ ξυγχωρεῖν
πεῖσμα ἐκ τῆς νήσου βάλλεσθαι (VA III 56)
Eles contam que navegaram ateacute Balara que eacute um empoacuterio cheio de mirtos e de
palmeiras e que viram tambeacutem loureiros e fonte que ali fluem E tinha tanto jardins
de plantas comestiacuteveis como jardins de flores cheios de brotos e os portos ali
estavam calmos Defronte deste lugar existe uma ilha sagrada chamada Selera e a
passagem ateacute ela eacute de cem estaacutedios de distacircncia Nesta ilha habita uma nereida um
democircnio terriacutevel pois ela arrebata muitos marinheiros e natildeo deixa que os navios
arremessem um cabo agrave ilha
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Pegadas a terra de bronze
De acordo com a narrativa podemos imaginar esta regiatildeo como monocromaacutetica
tamanha eacute a predominacircncia do bronze que compotildee sua natureza
κατασχεῖν δέ φασι καὶ ἐς Πηγάδας τῆς τῶν Ὠρειτῶν χώρας οἱ δὲ Ὠρεῖται χαλκαῖ
μὲν αὐτοῖς αἱ πέτραι χαλκῆ δὲ ἡ ψάμμος χαλκοῦν δὲ ψῆγμα οἱ ποταμοὶ ἄγουσι
χρυσῖτιν δὲ ἡγοῦνται τὴν γῆν διὰ τὴν εὐγένειαν τοῦ χαλκοῦ (VA III 54)
Eles dizem que tambeacutem passaram por Peacutegada na terra dos oritas e que os oritas tecircm
pedras de bronze e tambeacutem areia de bronze e a poeira que o rio traz tambeacutem eacute de
bronze Mas eles consideram o bronze da sua terra ouro por causa da nobreza dele
A ilha Biblo e os moluscos gigantes
Esta ilha tem como maravilhoso seus frutos do mar que em tamanho satildeo muito
maiores que os gregos
μνημονεύουσι καὶ νήσου μικρᾶς ᾗ ὄνομα εἶναι Βίβλον ἐν ᾗ τὸ τοῦ κογχυλίου
μέγεθος καὶ οἱ μύες ὄστρεά τε καὶ τὰ τοιαῦτα δεκαπλάσια τῶν Ἑλληνικῶν τὸ
μέγεθος ταῖς πέτραις προσπέφυκεν ἁλίσκεται δὲ καὶ λίθος ἐκεῖ μαργαρὶς ἐν
ὀστράκῳ λευκῷ καρδίας τόπον ἔχουσα τῷ ὀστρέῳ (VA III 53)
Eles tambeacutem recordam uma pequena ilha a qual se chama Biblo onde haacute grandes
berbigotildees mexilhotildees e ostras os quais se prendem em pedras e satildeo dez vezes
maiores que os encontrados na Greacutecia Uma pedra tambeacutem eacute capturada ali a peacuterola
a qual ocupa em uma concha branca o lugar do coraccedilatildeo da ostra
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2312 Hidrografia
Filoacutestrato descreve os rios que Apolocircnio atravessou bem como suas extensotildees
navegaacuteveis suas dimensotildees e os animais que havia neles Os rios satildeo o Indo o Hiacutefasis e o
Acesines
O rio Indo
Esse rio eacute o mais importante para a indografia greco-romana por ter simbolizado ateacute a
campanha de Alexandre os confins do mundo Essa crenccedila se encontra presente nas
narrativas de Cteacutesias
Λέγει περὶ τοῦ Ἰνδοῦ ποταμοῦ τὸ μὲν στενὸν αὐτοῦ τὸ εὖρος μʹ σταδίων εἶναι τὸ δὲ
πλατύτατον καὶ διακοσίων Λέγει περὶ αὐτῶν τῶν Ἰνδῶν ὅτι πλείους σχεδὸν
συμπάντων ἀνθρώπων Περὶ τοῦ σκώληκος τοῦ ἐν τῷ ποταμῷ ὃ καὶ μόνον τῶν
ἄλλων θηρίων ἐν αὐτῷ γίνεται Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους Ὅτι
οὐχ ὕει ἀλλacute ὑπὸ τοῦ ποταμοῦ ποτίζεται ἡ Ἰνδική (Ind frag I)
Ele fala sobre o rio Indo que em sua passagem mais estreita tem quarenta estaacutedios29
de largura e na mais extensa duzentos Fala que a populaccedilatildeo de hindus eacute mais ou
menos maior que a de todos os homens juntos Fala a respeito de um verme do rio o
qual aliaacutes eacute o uacutenico animal que haacute nele Que homens natildeo habitam aleacutem de laacute Que
natildeo chove mas a terra da Iacutendia eacute irrigada pelo rio
Filoacutestrato tambeacutem fala sobre sua dimensatildeo bem como sobre sua nascente e os animais
que nele vivem
29
Medida de percurso equivalente a 17760 m
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τὸν μὲν δὴ Ἰνδὸν ὧδε ἐπεραιώθησαν σταδίους μάλιστα τεσσαράκοντα τὸ γὰρ
πλόιμον αὐτοῦ τοσοῦτον περὶ δὲ τοῦ ποταμοῦ τούτου τάδε γράφουσι τὸν Ἰνδὸν
ἄρχεσθαι μὲν ἐκ τοῦ Καυκάσου μείζω αὐτόθεν ἢ οἱ κατὰ τὴν Ἀσίαν ποταμοὶ πάντες
προχωρεῖν δὲ πολλοὺς τῶν ναυσιπόρων ἑαυτοῦ ποιούμενον ἀδελφὰ δὲ τῷ Νείλῳ
πράττοντα τῇ τε Ἰνδικῇ ἐπιχεῖσθαι γῆν τε ἐπάγειν τῇ γῇ καὶ παρέχειν Ἰνδοῖς τὸν
Αἰγυπτίων τρόπον σπείρειν (VA II 18)
E entatildeo eles atravessaram o Indo com mais de quarenta estaacutedios30
pois essa eacute sua
extensatildeo navegaacutevel A respeito do rio eles escrevem estas coisas que o Indo comeccedila
no Caacuteucaso e sua nascente eacute maior que todos os rios da Aacutesia e ao avanccedilar
incorpora muitos [rios] navegaacuteveis e de modo paralelo ao Nilo inunda a Iacutendia
sobrepotildee terra agrave terra e permite aos hindus semear do mesmo modo que os egiacutepcios
κομιζόμενοι δὲ διὰ τοῦ Ἰνδοῦ πολλοῖς μὲν ποταμίοις ἵπποις ἐντυχεῖν φασι πολλοῖς
δὲ κροκοδείλοις ὥσπερ οἱ τὸν Νεῖλον πλέοντες λέγουσι δὲ καὶ ἄνθη τῷ Ἰνδῷ εἶναι
οἷα τοῦ Νείλου ἀναφύεται (VA II 19)
E eles dizem que viajando em direccedilatildeo ao outro lado do Indo encontraram muitos
cavalos de rio e muitos crocodilos como os que nadam no Nilo e que a vegetaccedilatildeo
do Indo eacute como a que brota no Nilo
O rio Hiacutefasis e o oacuteleo nupcial
O rio Hiacutefasis (atual Beaacutes) eacute notaacutevel por sua extensatildeo De acordo com o texto ele nasce
na planiacutecie e perto de sua fonte os riachos satildeo navegaacuteveis mas agrave medida que avanccedilam logo
se tornam inacessiacuteveis para os barcos porque os montes de rocha se alternam Nas redondezas
dessas rochas o vento eacute forte ao ponto de tornar o rio natildeo navegaacutevel (VA III 1) Suas
caracteriacutesicas mais notaacuteveis satildeo
εὖρος δὲ αὐτῷ κατὰ τὸν Ἴστρον ποταμῶν δὲ οὗτος δοκεῖ μέγιστος ὁπόσοι δι᾽
Εὐρώπης ῥέουσι δένδρα δέ οἱ προσόμοια φύει παρὰ τὰς ὄχθας καί τι καὶ μύρον
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ἐκδίδοται τῶν δένδρων ὃ ποιοῦνται Ἰνδοὶ γαμικὸν χρίσμα καὶ εἰ μὴ τῷ μύρῳ τούτῳ
ῥάνωσι τοὺς νυμφίους οἱ ξυνιόντες ἐς τὸν γάμον ἀτελὴς δοκεῖ καὶ οὐκ ἐς χάριν τῇ
Ἀφροδίτῃ ξυναρμοσθείς (VA III 1)
Sua largura eacute equivalente ao do rio Ister este sendo considerado o mais de quantos
rios fluem na Europa Aacutervores semelhantes agraves daquele nascem agraves suas margens e um
baacutelsamo tambeacutem eacute extraiacutedo das aacutervores a partir do qual os hindus fazem um oacuteleo
nupcial e se os presentes ao casamento natildeo borrifam com esse oacuteleo os noivos
parece que a uniatildeo natildeo eacute concluiacuteda nem agraciada por Afrodite
Esse bosque agrave margem do rio eacute consagrado a Afrodite bem como os belos peixes que
existem laacute (VA III 1)
O rio Acesines
A descriccedilatildeo deste rio eacute breve e o conteuacutedo maravilhoso neste trecho se daacute pela
dimensatildeo informada e pelo comprimento das cobras que existem nele
περὶ τοῦ Ἀκεσίνου ποταμοῦ εἰρημένα ὡς ἐσβάλλει μὲν ἐς τὸν Ἰνδὸν οὗτος τρέφει
δὲ ὄφεις ἑβδομήκοντα πηχῶν μῆκος τοιαῦτα εἶναί φασιν (VA II 17)
Sobre o que disseram do rio Acesines que desaacutegua no rio Indo e produz cobras de
setenta cocircvados31
de comprimento ser assim eles dizem
A fonte de ouro
Aleacutem desses rios ao conversar com Iarcas Apolocircnio pergunta sobre a veracidade de
uma fonte de que jorra ouro (ἐρομένου δὲ αὐτοῦ καὶ περὶ τοῦ χρυσοῦ ὕδατος ὅ φασιν ἐκ
πηγῆς βλύζειν - VA III 45) Provavelmente essa fonte eacute uma alusatildeo agrave descrita por Cteacutesias
31
Medida de comprimento equivalente a 44 cm
48
Περὶ τῆς κρήνης πληρουμένης ἀνacute ἔτος ὑγροῦ χρυσίου ἐξ ἧς ἑκατὸν πρόχοι
ὀστράκινοι ἀνacute ἔτος ἀρύονται Ὀστρακίνους δὲ δεῖ εἶναι ἐπεὶ πήγνυται ὁ χρυσὸς
ἀπαρυόμενος καὶ ἀνάγκη τὸ ἀγγεῖον θλᾶν καὶ οὕτως ἐξαγαγεῖν αὐτόν Ἡ δὲ κρήνη
τετράγωνός ἐστιν ἑκκαίδεκα μὲν πηχῶν ἡ περίμετρος τὸ δὲ βάθος ὀργυϊά ἑκάστη
δὲ προχόη τάλαντον ἕλκει Καὶ περὶ τοῦ ἐν τῷ πυθμένι τῆς κρήνης σιδήρου ἐξ οὗ
καὶ δύο ξίφη Κτησίας φησὶν ἐσχηκέναι ἓν παρὰ βασιλέως καὶ τὸ ἄλλο παρὰ τῆς
τοῦ βασιλέως μητρὸς Παρυσάτιδος Φησὶ δὲ περὶ αὐτοῦ ὅτι πηγνύμενος ἐν τῇ γῇ
νέφους καὶ χαλάζης καὶ πρηστήρων ἐστὶν ἀποτρόπαιον καὶ ἰδεῖν αὑτὸν ταῦτά φησι
βασιλέως δὶς ποιήσαντος (Ind frag IV)
Fala sobre uma fonte cheia de liacutequido dourado durante o ano do qual se extraem
cem jarros de ceracircmica anualmente Os jarros precisam ser de ceracircmica jaacute que o
ouro que eacute retirado solidifica eacute necessaacuterio entatildeo quebrar o invoacutelucro e assim retiraacute-
lo A fonte eacute quadrangular com o periacutemetro de dezesseis cocircvados e a profundidade
de uma braccedila32
E cada vaso comporta um talento33
Fala sobre o ferro que haacute no
fundo da nascente a partir do qual Cteacutesias diz que duas espadas foram forjadas uma
por ordem do rei e a outra por ordem da matildee do rei Parisaacutetide Diz sobre ela que se
a espada for fincada na terra eacute capaz de afastar as nuvens granizos e tempestades E
diz ele proacuteprio ter visto isso quando o rei o fez duas vezes
2313 O clima da Iacutendia
Heroacutedoto e Cteacutesias comentaram a respeito do clima indiano
ἀποκλινομένης δὲ τῆς μεσαμβρίης γίνεταί σφι ὁ ἥλιος κατά περ τοῖσι ἄλλοισι ὁ
ἑωθινός καὶ τὸ ἀπὸ τούτου ἀπιὼν ἐπὶ μᾶλλον ψύχει ἐς ὃ ἐπὶ δυσμῇσι ἐὼν καὶ τὸ
κάρτα ψύχει (Hdt Hist III 104 traduccedilatildeo de J Brito Broca)
Nessa regiatildeo o sol eacute mais ardente pela manhatilde do que ao meio-dia ao contraacuterio do
que se verifica nas outras partes e os habitantes conservam a cabeccedila coberta ateacute a
hora em que termina entre noacutes o mercado Ao meio dia a temperatura ali pouco
32
Distacircncia de uma extremidade a outra de um braccedilo estendido horizontalmente medida fixa de quatro cocircvados
ou seis peacutes (aproximadamente 180 m) 33
Medida de peso e de soma de dinheiro equivalente a seis mil dracmas
49
difere da dos demais paiacuteses e daiacute em diante comeccedila a declinar sendo a tarde tatildeo
fresca quanto a manhatilde entre os outros povos Agrave hora de dormir jaacute se goza de um
agradaacutevel frescor
A descriccedilatildeo de Cteacutesias eacute breve
Ὅτι ἀλέα πολλὴ καὶ ὅτι ὁ ἥλιος δεκαπλασίων τὸ μέγεθος ἢ ἐν ταῖς ἄλλαις χώραις
αὐτὸς ἑαυτοῦ φαίνεται καὶ πολλοὶ ἐνταῦθα τῷ πνίγει φθείρονται (Ind frag V)
Que eacute muito o calor e que o sol parece ter dez vezes o tamanho que dos outros
lugares e que laacute muitas pessoas morrem sem ar
Filoacutestrato tambeacutem apresenta a Iacutendia como um lugar muito quente
αἳ περὶ τὴν Ἰνδικήν εἰσι χειμῶνος μὲν ἀλεεινὰς εἶναι θέρους δὲ πνιγηράς πρὸς δὲ
τοῦτο ἄριστα μεμηχανῆσθαι τῷ δαίμονι τὴν γὰρ χώραν αὐτοῖς θαμὰ ὕεσθαι (VA II
19)
Na regiatildeo da Iacutendia o inverno eacute com muito sol e o veratildeo eacute sufocante mas em
compensaccedilatildeo a divindade providenciou algo excelente pois frequentemente chove
no paiacutes deles
2314 Animais
Na VA satildeo descritos muitos animais Aleacutem do detalhamento de seus aspectos fiacutesicos
satildeo narradas as lendas e as estoacuterias que os envolvem Muitos desses animais o autor afirma
que Apolocircnio viu de outros apenas ouviu falar Os animais satildeo leopardos elefantes uma
minhoca flamejante unicoacuternio dragotildees manticora grifos e fecircnix
50
Leopardos
Sobre a conduta dos leopardos na VA eacute narrada a histoacuteria de que eles ficam na regiatildeo
da Panfiacutelia (regiatildeo atual da Turquia) e seu deslocamento de regiatildeo aconteceu da seguinte
forma
χαίρουσι γὰρ τοῖς ἀρώμασι κἀκ πολλοῦ τὰς ὀσμὰς ἕλκουσαι φοιτῶσιν ἐξ Ἀρμενίας
διὰ τῶν ὀρῶν πρὸς τὸ δάκρυον τοῦ στύρακος ἐπειδὰν οἵ τε ἄνεμοι ἀπ᾽ αὐτοῦ
πνεύσωσι καὶ τὰ δένδρα ὀπώδη γένηται (VA II 2)
Se deleitando com os aromas e atraiacutedos de longe pelos odores eles vem
periodicamente da Armeacutenia atraveacutes das montanhas em busca da gota de estoraque
quando os ventos de laacute sopram e as aacutervores se tornam resinosas
Eacute narrado ainda sobre um leopardo que fora apanhado em Panfiacutelia o qual usava uma
corrente de ouro em volto do seu pescoccedilo onde estava inscrito em letras armecircnias ldquoDo rei
Arsaces ao deus Niacutesiordquo (ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΑΡΣΑΚΗΣ ΘΕΩΙ ΝΥΣΙΩΙ - VA II 2) Apolocircnio
deduziu que Arsaces era o rei armecircnio e que ele deixara o animal livre em homenagem a
Dioniso por causa do seu tamanho
Elefantes
Na VA haacute uma descriccedilatildeo dos tipos de elefantes que existem na Iacutendia e de como eles
satildeo treinados e usados em guerras Neste trecho se descrevem trecircs tipos de elefantes os do
pacircntano os da mantanha e os capturados para serem usados na guerra Sobre os elefantes
Cteacutesias menciona apenas que satildeo destruidores de paredes
Περὶ τῶν τειχοκαταλύτων ἐλεφάντων (Ind frag III)
51
Fala sobre elefantes destruidores de paredes
Filoacutestrato por sua vez faz uma descriccedilatildeo muito mais detalhada sobre estes animais
ἐπὶ δὲ τὸν Ἰνδὸν ἐλθόντες ἀγέλην ἐλεφάντων ἰδεῖν φασι περαιουμένους τὸν ποταμὸν
καὶ τάδε ἀκοῦσαι περὶ τοῦ θηρίου ὡς οἱ μὲν αὐτῶν ἕλειοι οἱ δ᾽ αὖ ὄρειοι καὶ
τρίτον ἤδη γένος πεδινοί εἰσιν ἁλίσκονταί τε ἐς τὴν τῶν πολεμικῶν χρείαν
μάχονται γὰρ δὴ ἐπεσκευασμένοι πύργους οἵους κατὰ δέκα καὶ πεντεκαίδεκα ὁμοῦ
τῶν Ἰνδῶν δέξασθαι ἀφ᾽ ὧν τοξεύουσί τε καὶ ἀκοντίζουσιν οἱ Ἰνδοί καθάπερ ἐκ
πυλῶν βάλλοντες καὶ αὐτὸ δὲ τὸ θηρίον χεῖρα τὴν προνομαίαν ἡγεῖται καὶ χρῆται
αὐτῇ ἐς τὸ ἀκοντίζειν ὅσον δὲ ἵππου Νισαίου μείζων ὁ Λιβυκὸς ἐλέφας τοσοῦτον
τῶν ἐκ Λιβύης οἱ Ἰνδοὶ μείζους (VA II 12)
Tendo eles chegado ao Indo viram uma manada de elefantes atravessando o rio e
dizem terem ouvido isto a respeito dos animais como alguns deles satildeo do pacircntano
outros satildeo da montanha e haacute tambeacutem um terceiro tipo da planiacutecie os quais satildeo
capturados para serem usados na guerra Eles vatildeo para a batalha encilhados com
espeacutecies de torres com capacidade de levar de dez a quinze indianos em cada uma
das quais os indianos atiram com o arco e arremessam os dardos como se
estivessem atirando de portotildees O proacuteprio animal tem a tromba como matildeos e a usa
para arremessar dardos Os elefantes da Liacutebia satildeo tatildeo grandes quanto os cavalos de
Nisa assim tambeacutem satildeo os elefantes indianos com relaccedilatildeo aos da Liacutebia
εἰ δὲ καὶ ἤθη ἐλεφάντων χρὴ ἀναγράφειν τοὺς μὲν ἐκ τῶν ἑλῶν ἁλισκομένους
ἀνοήτους ἡγοῦνται καὶ κούφους Ἰνδοί τοὺς δὲ ἐκ τῶν ὀρῶν κακοήθεις τε καὶ
ἐπιβουλευτὰς καὶ ἢν μὴ δέωνταί τινος οὐ βεβαίους τοῖς ἀνθρώποις οἱ πεδινοὶ δὲ
χρηστοί τε εἶναι λέγονται καὶ εὐάγωγοι καὶ μιμήσεως ἐρασταί γράφουσι γοῦν καὶ
ὀρχοῦνται καὶ παρενσαλεύουσι πρὸς αὐλὸν καὶ πηδῶσιν ἀπὸ τῆς γῆς ἐκεῖνοι (VA
II 13)
Se eacute necessaacuterio descrever o caraacuteter dos elefantes os que satildeo capturados nos
pacircntanos os indianos os acham estuacutepidos e inconstantes os das montanhas
maliciosos e traiccediloeiros e caso natildeo precisem de nada natildeo satildeo confiaacuteveis aos
homens mas os elefantes da planiacutecie dizem que satildeo uacuteteis doacuteceis e que gostan de
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imitar Ao menos escrevem danccedilam balanccedilam ao som da flauta e datildeo saltos sore a
terra
O verme flamejante
Cteacutesias descreve um verme que existe no rio Indo que possui caracteriacutesticas
semelhantes agrave uma descrita na VA
Ὅτι ἐν τῷ ποταμῷ τῶν Ἰνδῶν σκώληξ γίνεται τὸ μὲν εἶδος οἷόν περ ἐν ταῖς συκαῖς
εἴωθε γίνεσθαι τὸ δὲ μῆκος πήχεις ζʹ καὶ μείζους δὲ καὶ ἐλάττους τὸ δὲ πάχος
δεκαετέα παῖδα μόλις φασὶ ταῖς χερσὶ περιλαβεῖν Ἔχουσι δὲ ὀδόντας δύο ἕνα ἄνω
καὶ ἕνα κάτω καὶ ὅ τι ἂν λάβωσι τοῖς ὀδοῦσι κατεσθίουσι Καὶ τὴν μὲν ἡμέραν ἐν
τῇ ἰλύϊ τοῦ ποταμοῦ διαιτῶνται τῇ δὲ νυκτὶ ἐξέρχονται καὶ ἐάν τινι ἐντύχῃ ἐν τῇ γῇ
βοῒ ἢ καμήλῳ καὶ δάκῃ συλλαβὼν ἕλκει εἰς τὸν ποταμὸν καὶ πάντα κατεσθίει πλὴν
τῆς κοιλίας Ἀγρεύεται δὲ ἀγκίστρῳ μεγάλῳ ἔριφον ἢ ἄρνα ἐνδησάντων καὶ
ἁλύσεσι σιδηραῖς ἐναρμοσάντων Ἀγρεύσαντες δὲ τριάκοντα ἡμέρας κρεμῶσιν
αὐτὸν καὶ ἀγγεῖα ὑποτιθέασι καὶ ῥεῖ ἐξ αὐτοῦ ὅσον δέκα κοτύλας ἀττικὰς τὸ
πλῆθος Ὅταν δὲ παρέλθωσιν αἱ τριάκοντα ἡμέραι ἀπορρίπτουσι τὸν σκώληκα καὶ
τὸ ἔλαιον ἀσφαλισάμενοι ἄγουσι τῷ βασιλεῖ μόνῳ τῶν Ἰνδῶν ἄλλῳ δὲ οὐκ ἔξεστιν
ἐξ αὐτοῦ ἔχειν Τοῦτο τὸ ἔλαιον ἐφacute ὃ ἂν ἐπιχυθῇ ἀνάπτει καὶ καταφλέγει ξύλα καὶ
ζῷα καὶ ἄλλως οὐ σβέννυται εἰ μὴ πηλῷ πολλῷ τε καὶ παχεῖ (Ind frag XXVII)
Que no rio do Indo nasce um verme com a aparecircncia tal qual a de um que nasce na
figueira seu comprimento sendo de sete cuacutebitos alguns maiores alguns menores
Quanto agrave largura uma crianccedila de dez anos com dificuldade o envolveria com os
braccedilos Tem dois dentes um em cima e o outro embaixo e o que pegam com os
dentes devoram De dia vivem na lama do rio mas de noite saem e se encontram
algum boi ou camelo na terra tambeacutem os abocanham arrastam consigo para o rio e
comem-no todo exceto o intestino Ele eacute capturado com um grande anzol que
cobrem com um cordeiro ou um carneiro e prendem com uma corrente de ferro
Tendo-o capturado penduram-no por trinta dias e colocam uma jarra embaixo dele
escorre o total de cerca de dez copos aacuteticos Quando se completam os trinta dias
jogam fora o verme e o oacuteleo recolhido levam somente para o rei dos indianos natildeo eacute
permitido que nenhuma outra pessoa o tenha Este oacuteleo sobre o que se derrama
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incendeia e queima trate-se de madeira ou animal e natildeo se apaga de outro modo
que com muita lama espessa
Na VA por sua vez eacute no rio Hiacutefasis onde existe uma minhoca semelhante agrave retratada
acima
ἔστι δέ τι θηρίον ἐν τῷ ποταμῷ τούτῳ σκώληκι εἰκασμένον λευκῷ τοῦτο οἱ
τήκοντες ἔλαιον ποιοῦνται πῦρ δὲ ἄρα τοῦ ἐλαίου τούτου ἐκδίδοται καὶ στέγει αὐτὸ
πλὴν ὑελοῦ οὐδέν ἁλίσκεται δὲ τῷ βασιλεῖ μόνῳ τὸ θηρίον τοῦτο πρὸς τειχῶν
ἅλωσιν ἐπειδὰν γὰρ θίγῃ τῶν ἐπάλξεων ἡ πιμελή πῦρ ἐκκαλεῖται κρεῖττον
σβεστηρίων ὁπόσα ἀνθρώποις πρὸς τὰ πυρφόρα εὕρηται (VA III 1)
Haacute tambeacutem uma fera nesse rio (Hifaacutesis) que se parece com um verme34
branco Ao
derretecirc-lo eles fazem um oacuteleo e deste oacuteleo parece produz- se uma chama que nada
aleacutem de vidro pode conter E esta criatura pode ser capturada soacute para o rei que o
utiliza para a captura das cidades Quando pois a gordura toca as ameias um fogo
acende-se e desafia todos os meios comuns que vierem a ser inventados pelos
homens contra combustiacuteveis
O unicoacuternio
Nos Indikaacute Cteacutesias retrata um animal com caracteriacutesticas comuns aos unicoacuternios da
VA como por exemplo o fato de os indianos fazerem do chifre do animal uma taccedila e ao
beber dela natildeo adoecerem
Ὅτι εἰσὶν ὄνοι ἄγριοι ἐν τοῖς Ἰνδοῖς ἴσοι ἵπποις καὶ μείζους λευκοὶ δέ εἰσι τὸ σῶμα
τὴν κεφαλὴν πορφυροῖ ὀφθαλμοὺς ἔχουσι κυανέους Κέρας δὲ ἔχει ἐν τῷ μετώπῳ
ἑνὸς πήχεος τὸ μέγεθος καὶ ἔστι τὸ μὲν κάτω τοῦ κέρατος ὅσον ἐπὶ δύο παλαιστὰς
34
Filoacutestrato utiliza a mesma palavra que Cteacutesias para se referir a essa criatura σκώληξ para qual mantivemos
tambeacutem a traduccedilatildeo por ldquovermerdquo nos dois textos
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πρὸς τὸ μέτωπον πάνυ λευκόν τὸ δὲ ἐπάνω ὀξύ ἐστι τοῦ κέρατος τοῦτο δὲ
φοινικοῦν ἐστιν ἐρυθρὸν πάνυ τὸ δὲ ἄλλο τὸ ἐν τῷ μέσῳ μέλαν Ἐκ τούτων οἱ
πιόντες (κατασκευάζουσι γὰρ ἐκπώματα) σπασμῷ φασίν οὐ λαμβάνονται οὔτε τῇ
ἱερᾷ νόσῳ ἀλλacute οὐδὲ φαρμάκοις ἁλίσκονται οὔτacute ἂν προπίωσιν οὔτacute ἂν τοῦ
φαρμάκου ἐπιπίωσιν ἢ οἶνον ἢ ὕδωρ ἢ ἄλλο τι ἐκ τῶν ἐκπωμάτων Οἱ μὲν οὖν
ἄλλοι ὄνοι καὶ ἥμεροι καὶ ἄγριοι καὶ τὰ ἄλλα μώνυχα θηρία πάντα ἀστραγάλους
οὐδὲ χολὴν ἐπὶ τοῦ ἥπατος ἔχουσιν Οὗτοι δὲ καὶ ἀστράγαλον ἔχουσι καὶ χολὴν ἐπὶ
τοῦ ἥπατος τὸν δὲ ἀστράγαλον κάλλιστον ὧν ἐγὼ ἑώρακα οἷόν περ βοὸς καὶ τὸ
εἶδος καὶ τὸ μέγεθος βαρὺς δacute ὡς μόλιβδος τὴν δὲ χρόαν ὥσπερ κιννάβαρι καὶ διὰ
βάθους Ταχύτατον δέ ἐστι τὸ ζῷον τοῦτο καὶ ἀλκιμώτατον οὐδὲν δὲ οὔτε ἵππος
οὔτε ἄλλο τι διωκόμενον καταλαμβάνει (Ind frag XXV)
Que na Iacutendia haacute asnos selvagens iguais a cavalos e maiores Eles tecircm o corpo
branco e a cabeccedila vermelha e tecircm os olhos escuros Tecircm um chifre na testa com o
comprimento de um cuacutebito A parte de baixo do chifre de mais ou menos dois
palmos ateacute a testa eacute completamente branca a parte superior do chifre eacute pontuguda e
inteiramente vermelha escura jaacute a outra parte a do meio eacute preta Os que bebem
nesse chifre (pois os fazem de canecas) dizem natildeo tinham convulsatildeo nem a doenccedila
sagrada nem sucumbem a venenos se bebem antes ou depois do veneno vinho
aacutegua ou qualquer outra bebida nessa caneca Os outros asnos tanto os doacuteceis quanto
os bravos e os outros animais selvagens de uma soacute pata todos natildeo tecircm o astraacutegalo35
nem biacutelis no fiacutegado Poreacutem estes tecircm astraacutegalos e biacutelis no fiacutegado O astraacutegalo eacute o
mais bonito que jaacute vi como o de um boi na forma e no tamanho pesado como
chumbo como que da cor do cinaacutebrio ateacute o fundo Esse animal eacute velociacutessimo e
fortiacutessimo e nenhum cavalo ou outro animal o alcanccedila na corrida
A descriccedilatildeo de Filoacutestrato eacute bem mais breve
καὶ τοὺς ὄνους δὲ τοὺς ἀγρίους ἐν τοῖς ἕλεσι τούτοις ἁλίσκεσθαί φασιν εἶναι δὲ τοῖς
θηρίοις τούτοις ἐπὶ μετώπου κέρας ᾧ ταυρηδόν τε καὶ οὐκ ἀγεννῶς μάχονται καὶ
ἀποφαίνειν τοὺς Ἰνδοὺς ἔκπωμα τὸ κέρας τοῦτο οὐ γὰρ οὔτε νοσῆσαι τὴν ἡμέραν
ἐκείνην ὁ ἀπ᾽ αὐτοῦ πιὼν οὔτε ἂν τρωθεὶς ἀλγῆσαι πυρός τε διεξελθεῖν ἂν καὶ μηδ᾽
ἂν φαρμάκοις ἁλῶναι ὁπόσα ἐπὶ κακῷ πίνεται βασιλέων δὲ τὸ ἔκπωμα εἶναι καὶ
βασιλεῖ μόνῳ ἀνεῖσθαι τὴν θήραν (VA III 2)
35
Nome do osso do tarso substituiacutedo por taacutelus
55
E eles dizem que asnos selvagens tambeacutem satildeo capturados nesses pacircntanos e que
essas criaturas tecircm um chifre na testa com o qual como um touro e natildeo sem
nobreza lutam e que os hindus fazem uma taccedila desse chifre pois algueacutem natildeo
adoeceria durante o dia em que dela bebesse nem tendo sido ferido sentiria dor
mas atravessaria o fogo e nem se bebesse poccedilotildees que fazem mal seria prejudicado
este caacutelice eacute reservado para reis e soacute o rei caccedila essa criatura
Dragotildees
Segundo a narraccedilatildeo da VA por toda a Iacutendia haacute dragotildees enormes tanto nos pacircntanos
quanto nas montanhas Existem diferentes tipos de dragotildees que circulam por esta terra e os
retratados satildeo os do pacircntano os que ficam no sopeacute das montanhas e os que ficam na parte
mais elevada das montanhas Suas principais caracteriacutesticas satildeo
Sobre os dragotildees do pacircntano
οἱ μὲν δὴ ἕλειοι νωθροί τέ εἰσι καὶ τριακοντάπηχυ μῆκος ἔχουσι καὶ κράνος αὐτοῖς
οὐκ ἀνέστηκεν ἀλλ᾽ εἰσὶ ταῖς δρακαίναις ὅμοιοι μέλανες δὲ ἱκανῶς τὸν νῶτον καὶ
ἧττον φολιδωτοὶ τῶν ἄλλων (VA III 6)
Os do pacircntano satildeo pesados e tecircm trinta cuacutebitos de comprimento e natildeo tecircm crista
acima [de suas cabeccedilas] mas satildeo semelhantes aos dragotildees fecircmeas Suas costas satildeo
bem pretas cobertos de menos escamas que as outras espeacutecies
Os dragotildees que sobrevoam o sopeacute e os picos das montanhas satildeo maiores que os
anteriores se movem muito velozmente e satildeo predadores dos dragotildees da planiacutecie Suas outras
caracteriacutesticas satildeo
τούτοις καὶ λοφιὰ φύεται νέοις μὲν ὑπανίσχουσα τὸ μέτριον τελειουμένοις δὲ
συναυξανομένη τε καὶ συνανιοῦσα ἐς πολύ ὅτε δὴ πυρσοί τε καὶ πριόνωτοι
γίγνονται οὗτοι καὶ γενειάσκουσι καὶ τὸν αὐχένα ὑψοῦ αἴρουσι καὶ τὴν φολίδα
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στίλβουσι δίκην ἀργύρου αἱ δὲ τῶν ὀφθαλμῶν κόραι λίθος ἐστὶ διάπυρος ἰσχὺν δ᾽
αὐτῶν ἀμήχανον εἶναί φασιν ἐς πολλὰ τῶν ἀποθέτων (VA III 7)
Estes tecircm crista de extensatildeo e altura moderada quando satildeo jovens mas quando
crescem sua crista aumenta muito e eles se tornam avermelhados e proeminentes
Eles tambeacutem adquirem barba e levantam o pescoccedilo para cima enquanto suas
escamas brilham como prata Seus olhos e suas pupilas satildeo uma pedra ardente e
dizem que guardam uma forccedila irresistiacutevel para muitas coisas escondidas
Sobre os dragotildees das montanhas
οἱ δὲ ὄρειοι δράκοντες τὴν μὲν φολίδα χρυσοῖ φαίνονται τὸ δὲ μῆκος ὑπὲρ τοὺς
πεδινούς γένεια δὲ αὐτοῖς βοστρυχώδη χρυσᾶ κἀκεῖνα καὶ κατωφρύωνται μᾶλλον
ἢ οἱ πεδινοὶ ὄμμα τε ὑποκάθηται τῇ ὀφρύι δεινὸν καὶ ἀνειδὲς δεδορκός ὑπόχαλκόν
τε ἠχὼ φέρουσιν ἐπειδὰν τῇ γῇ ὑποκυμαίνωσιν ἀπὸ δὲ τῶν λόφων πυρσῶν ὄντων
πῦρ αὐτοῖς ἄττει λαμπαδίου πλέον (VA III 8)
Os dragotildees das montanhas tecircm escamas que brilham como ouro e em comprimento
excedem aos da plaacutenicie tecircm barbas espessas tambeacutem dourada suas sobrancelhas
satildeo maiores que as dos da planiacutecie seus olhos se afundam debaixo das sobrancelhas
e emitem um olhar terriacutevel e implacaacutevel Eles produzem um som de bronze quando
se rastejam pela terra e das suas cristas que satildeo vermelhas brota um fogo mais
brilhante do que o de uma tocha
A manticora
A manticora eacute um animal bem descrito por Cteacutesias Na VA a referecircncia que temos
dela se encontra num diaacutelogo com Iarcas quando Apolocircnio lhe pergunta sobre a existecircncia de
tal animal recebendo como resposta do interlocutor nunca ter ouvido nada sobre isso (VA III
45) No entanto a descriccedilatildeo da manticora feita por Apolocircnio eacute semelhante agrave de Cteacutesias
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Καὶ περὶ τοῦ μαρτιχόρα τοῦ ἐν αὐτοῖς ὄντος θηρίου ὡς τὸ πρόσωπον ἐοικὼς
ἀνθρώπῳ μέγεθος μέν ἐστιν ὥσπερ λέων καὶ χροὰν ἐρυθρὸς ὡς κιννάβαρι
Τρίστιχοι δὲ ὀδόντες ὦτα δὲ ὥσπερ ἀνθρώπου καὶ ὀφθαλμοὺς γλαύκους ὁμοίους
ἀνθρώπῳ Τὴν δὲ κέρκον ἔχει οἵανπερ σκορπίος ὁ ἠπειρώτης ἐν ᾗ καὶ τὸ κέντρον
ἔχει μείζω ὑπάρχουσαν πήχεος Ἔχει δὲ καὶ ἐκ πλαγίου τῆς κέρκου ἔνθα καὶ ἔνθα
κέντρα ἔχει δὲ καὶ ἐπacute ἄκρῳ ὥσπερ σκορπίος κέντρον Καὶ τούτῳ μέν ἐὰν
προσέλθῃ τις κεντεῖ τῷ κέντρῳ καὶ πάντως ὁ κεντηθεὶς ἀποθνῄσκει Ἐὰν δέ τις
πόρρωθεν μάχηται πρὸς αὐτόν καὶ ἔμπροσθεν ἱστὰς τὴν οὐράν ὥσπερ ἀπὸ τόξου
βάλλει τοῖς κέντροις καὶ ὄπισθεν ἐπacute εὐθείας ἀποτείνων Βάλλει δὲ ὅσον πλέθρον
εἰς μῆκος καὶ πάντα οἷς ἂν βάλῃ πάντως ἀποκτείνει πλὴν ἐλέφαντος Τὰ δὲ κέντρα
αὐτοῦ ἐστι τὸ μὲν μῆκος ὅσον ποδιαῖα τὸ δὲ πλάτος ὅσον σχοῖνος λεπτότατος
Μαρτιχόρα δὲ ἑλληνιστὶ ἀνθρωποφάγον ὅτι πλεῖστα ἐσθίει ἀναιρῶν ἀνθρώπους
ἐσθίει δὲ καὶ τὰ ἄλλα ζῷα μάχεται δὲ καὶ τοῖς ὄνυξι καὶ τοῖς κέντροις Τὰ δὲ κέντρα
πάλιν φησίν ἐπειδὰν ἐκτοξευθῇ ἀναφύεσθαι Ἔστι δὲ πολλὰ ἐν τῇ Ἰνδικῇ
Ἀποκτείνουσι δὲ αὐτὰ τοῖς ἐλέφασιν ἐποχούμενοι ἄνθρωποι κἀκεῖθεν βάλλοντες
(Ind frag VII)
E sobre a manticora que eacute um animal selvagem e seu rosto parece-se com o
humano Tem o tamanho de um leatildeo e o corpo eacute vermelho assim como do cinaacutebrio
Tem trecircs fileiras de dentes orelhas como a do homem e olhos glaucos semelhantes
ao humano Ele tem a cauda como a do escorpiatildeo continental na qual haacute um ferratildeo
maior que um cocircvado Tambeacutem tem aqui e ali ferrotildees dos lados da cauda aleacutem de
ter tambeacutem um ferratildeo na ponta da cauda como escorpiatildeo Dele se algueacutem se
aproxima ele ferroa com o ferratildeo e todos os ferroados morrem Se algueacutem o
enfrenta de longe e de frente ele levanta a cauda e lanccedila os ferrotildees como de um
arco e se for atacado por traacutes ele o estira reto Ele lanccedila os ferrotildees tatildeo longe quanto
plethron36
e todos aqueles em que ele os lanccedila ele os mata exceto elefantes O
ferratildeo eacute do comprimento de um peacute e da largura de um junco esguio Em grego
manticora significa ldquoantropoacutefagordquo pelo fato de a maioria matar e comer homens
mas devora tambeacutem os outros animais E ela ataca tambeacutem com as garras e com os
ferrotildees e o ferratildeo traseiro diz [Cteacutesias] cada vez que eacute disparado nasce de novo
Haacute muitos deles na Iacutendia E matam-nos homens levados por elefantes e jogando
flechas do alto
lsquoλέγεταιrsquo εἶπε lsquoμεγάλα καὶ ἄπιστα τετράπουν μὲν γὰρ εἶναι αὐτό τὴν κεφαλὴν δὲ
ἀνθρώπῳ εἰκάσθαι λέοντι δὲ ὡμοιῶσθαι τὸ μέγεθος τὴν δὲ οὐρὰν τοῦ θηρίου
36
Medida de comprimento de cem peacutes gregos
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τούτου πηχυαίας ἐκφέρειν καὶ ἀκανθώδεις τὰς τρίχας ἃς βάλλειν ὥσπερ τοξεύματα
ἐς τοὺς θηρῶντας αὐτόrsquo (VA III 45)
Dizem disse [Apolocircnio] coisas grandes e incriacuteveis [sobre essa criatura] que ela tem
quatro patas que sua cabeccedila se assemelha agrave de um homem mas seu tamanho eacute
como o de um leatildeo e que a cauda dessa fera produz pelos de um cuacutebito de
comprimento iguais a um espinho os quais ela lanccedila como flecha naqueles que a
caccedilam
Os grifos
No relato de Cteacutesias os grifos satildeo guardiotildees de ouro
Ἔστι δὲ αὐτόθι ἄργυρος πολὺς καὶ ἀργύρεα μέταλλα οὐ βαθέα ἀλλὰ βαθύτερα
εἶναί φασι τὰ ἐν Βάκτροις Ἔστι δὲ καὶ χρυσὸς ἐν τῇ Ἰνδικῇ χώρᾳ οὐκ ἐν τοῖς
ποταμοῖς εὑρισκόμενος καὶ πλυνόμενος ὥσπερ ἐν τῷ Πακτωλῷ ποταμῷ ἀλλacute ὄρη
πολλὰ καὶ μεγάλα ἐν οἷς οἰκοῦσι γρῦπες ὄρνεα τετράποδα μέγεθος ὅσον λύκος
σκέλη καὶ ὄνυχες οἷά περ λέων τὰ ἐν τῷ ἄλλῳ σώματι πτερὰ μέλανα ἐρυθρὰ δὲ τὰ
ἐν τῷ στήθει Διacute αὐτοὺς δὲ ὁ ἐν τοῖς ὄρεσι χρυσὸς πολὺς ὢν γίνεται δυσπόριστος
(Ind frag XII)
Haacute laacute muita riqueza e minas de prata natildeo profundas mas dizem que as de Baacutectria
satildeo mais profundas Haacute tambeacutem ouro na regiatildeo da Iacutendia mas natildeo satildeo encontrados e
lavados nos rios como no rio Pactolo mas em muitas e grandes montanhas nas
quais vivem grifos aves quadruacutepedes do tamanho de um lobo as patas e garras tais
quais de um leatildeo No resto do corpo tem penas pretas mas no peito satildeo elas
vermelhas Por causa deles torna-se difiacutecil alcanccedilar o abundante ouro que haacute nas
montanhas
Na VA em resposta a Apolocircnio Iarcas confirma a existecircncia deles (VA III 48) Aqui
eacute acrescentada a informaccedilatildeo de que eles satildeo venerados por serem sagrados para o Sol
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μέγεθός τε καὶ ἀλκὴν εἰκάσθαι αὐτοὺς τοῖς λέουσιν ὑπὸ δὲ πλεονεξίας τῶν πτερῶν
αὐτοῖς τε ἐκείνοις ἐπιτίθεσθαι καὶ τῶν ἐλεφάντων δὲ καὶ δρακόντων ὑπερτέρους
εἶναι πέτονται δὲ οὔπω μέγα ἀλλ᾽ ὅσον οἱ βραχύποροι ὄρνιθες μὴ γὰρ ἐπτιλῶσθαι
σφᾶς ὡς ὄρνισι πάτριον ἀλλ᾽ ὑμέσι τοὺς ταρσοὺς ὑφάνθαι πυρσοῖς ὡς εἶναι
κυκλώσαντας πέτεσθαί τε καὶ ἐκ μετεώρου μάχεσθαι τὴν τίγριν δὲ αὐτοῖς ἀνάλωτον
εἶναι μόνην ἐπειδὴ τὸ τάχος αὐτὴν ἐσποιεῖ τοῖς ἀνέμοις (VA III 48)
Em tamanho e em forccedila eles se parecem com os leotildees mas pela vantagem das asas
sobrepotildeem-se agravequeles e satildeo tambeacutem mais poderosos que elefantes e dragotildees Natildeo
voam eles alto mas como as aves de voo curto pois eles natildeo tecircm penas como eacute
normal entre os paacutessaros mas as palmas de suas patas tecircm membranas vermelhas
de modo que girando-as podem voar e do alto lutarem O tigre eacute o uacutenico natildeo
capturado por eles uma vez sua rapidez o faz par dos ventos
A fecircnix
Segundo a narraccedilatildeo de Iarcas a fecircnix eacute uma ave que vai ateacute o Egito a cada quinhentos
anos e no resto do tempo sobrevoa a Iacutendia Sobre ela se diz
εἶναι δὲ ἕνα ἐκδιδόμενον τῶν ἀκτίνων καὶ χρυσῷ λάμποντα μέγεθος ἀετοῦ καὶ
εἶδος ἐς καλιάν τε ἱζάνειν τὴν ἐκ τοῦ ἀρώματος ποιουμένην αὐτῷ πρὸς ταῖς τοῦ
Νείλου πηγαῖς (VA III 49)
haver uma uacutenica produzida pelos raios solares e brilhante de ouro com o tamanho e
a aparecircncia da aacuteguia a qual pousa num ninho que eacute feito por ela mesma com ervas
aromaacuteticas junto das nascentes do Nilo
Os egiacutepcios afirmam que a ave vai ateacute o Egito e os indianos confirmam a informaccedilatildeo
acrescentando ainda que ela ao queimar-se em seu ninho canta hinos fuacutenebres para si mesma
(τῷ λόγῳ τὸ τὸν φοίνικα τὸν ἐν τῇ καλιᾷ τηκόμενον προπεμπτηρίους ὕμνους αὑτῷ ᾄδειν -VA
III 49)
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2315 Seres exoacuteticos
Neste subtoacutepico estatildeo arrolados seres que se diferem por seus haacutebitos como eacute o caso
dos hindus de Taxila e dos comedores de peixes aleacutem de outros seres que possuem
caracteriacutesticas fiacutesicas atiacutepicas como os anotildees a mulher malhada e os pigmeus
Os homens de quatro e cinco cocircvados
Apoacutes passarem do Caacuteucaso eacute narrado que Apolocircnio e seus companheiros
τετραπήχεις ἀνθρώπους ἰδεῖν φασιν οὓς ἤδη μελαίνεσθαι καὶ πενταπήχεις δὲ
ἑτέρους ὑπὲρ τὸν Ἰνδὸν ποταμὸν ἐλθόντες ἐν δὲ τῇ μέχρι τοῦ ποταμοῦ τούτου
ὁδοιπορίᾳ τάδε εὗρον ἀφηγήσεως ἄξια ἐπορεύοντο μὲν γὰρ ἐν σελήνῃ λαμπρᾷ
φάσμα δὲ αὐτοῖς ἐμπούσης ἐνέπεσε τὸ δεῖνα γινομένη καὶ τὸ δεῖνα αὖ καὶ οὐδὲν
εἶναι ὁ δὲ Ἀπολλώνιος ξυνῆκεν ὅ τι εἴη καὶ αὐτός τε ἐλοιδορεῖτο τῇ ἐμπούσῃ τοῖς
τε ἀμφ᾽ οὑτὸν προσέταξε ταὐτὸ πράττειν ταυτὶ γὰρ ἄκος εἶναι τῆς προσβολῆς
ταύτης καὶ τὸ φάσμα φυγῇ ᾤχετο τετριγός ὥσπερ τὰ εἴδωλα (VA II 4)
dizem ter visto homens de quatro cuacutebitos os quais jaacute eram negros e tendo passado
o rio Indo viram outros de cinco cuacutebitos de altura E ateacute alcanccedilar este rio
encontraram isto digno de ser narrado viajavam sob o brilho da lua quando
depararam com a apariccedilatildeo de uma empusa que se transformou de uma coisa em
outra ateacute finalmente se tornar nada Entatildeo Apolocircnio percebeu o que era e ele
mesmo insultou a empusa e mandou que os outros fizessem o mesmo uma vez que
esse era o remeacutedio para aquele ataque E o fantasma voou para longe berrando
como os fantasmas
A mulher malhada
Esta mulher se diz ser consagrada a Afrodite Ao contraacuterio da bela deusa grega esta
mulher multicolor se assemelha a um monstro
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ἐνταῦθα καὶ γυναίῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι τὰ μὲν ἐκ κεφαλῆς ἐς μαζοὺς μέλανι τὰ δὲ
ἐκ μαζῶν ἐς πόδας λευκῷ πάντα καὶ αὐτοὶ μὲν ὡς δεῖμα φυγεῖν τὸν δὲ Ἀπολλώνιον
ξυνάψαι τε τῷ γυναίῳ τὴν χεῖρα καὶ ξυνεῖναι ὅ τι εἴη ἱεροῦται δὲ ἄρα τῇ Ἀφροδίτῃ
Ἰνδὴ τοιαύτη καὶ τίκτεται τῇ θεῷ γυνὴ ποικίλη καθάπερ ὁ Ἆπις Αἰγυπτίοις (VA
III 3)
Neste lugar eles dizem que encontraram uma mulher que era negra da cabeccedila aos
seios mas completamente branca do seu peito ateacute os peacutes e fugiram dela como se
fosse um monstro mas Apolocircnio tomou a matildeo da mulher e entendeu o que ela era
de fato na Iacutendia consagra-se a Afrodite algueacutem assim e nasce em homenagem agrave
deusa uma mulher multicolor assim como Aacutepis entre os egiacutepcios
Sobre os hindus de Taxila
Aleacutem de conter templos magniacuteficos e ser a cidade do rei Fraotes a cidade de Taxila eacute
maravilhosa pelo fato de sua populaccedilatildeo se assemelhar a filoacutesofos
στολὴν δὲ εἶναι τοῖς μετὰ τὸν Ἰνδὸν λίνου φασὶν ἐγχωρίου καὶ ὑποδήματα βύβλου
καὶ κυνῆν ὅτε ὕοι καὶ βύσσῳ δὲ τοὺς φανερωτέρους αὐτῶν φασιν ἐστάλθαι τὴν δὲ
βύσσον φύεσθαι δένδρου φασὶν ὁμοίου μὲν τῇ λεύκῃ τὴν βάσιν παραπλησίου δὲ τῇ
ἰτέᾳ τὰ πέταλα καὶ ἡσθῆναι τῇ βύσσῳ φησὶν ὁ Ἀπολλώνιος ἐπειδὴ ἔοικε φαιῷ
τρίβωνι (VA II 20)
Dizem que a vestimenta dos que habitam do outro do outro lado do Indo eacute de linho
da regiatildeo calccedilados de casca de aacutervore e um chapeacuteu quando chove dizem que os
mais distintos deles se vestem com linho finiacutessimo e que o linho finiacutessimo nasce de
uma aacutervore semelhante ao aacutelamo branco e as folhas satildeo quase iguais agraves do
salgueiro E Apolocircnio diz que ficou encantado com o linho fino uma vez que
parecia com seu manto cinza de filoacutesofo
62
Os pigmeus
Comparado a Heroacutedoto e a Filoacutestrato Cteacutesias foi o que mais escreveu acerca dos
pigmeus Em sua obra ele descreve caracteriacutesticas fiacutesicas deles como pelos genitais e narizes
(Indikaacute frag XI) Heroacutedoto natildeo usa o termo pigmeu mas Nichols (2011 p 208) afirma que a
descriccedilatildeo em Histoacuterias (II 32) se refere a eles sendo esse termo usado para descrever pessoas
pequenas Na arte e na literatura greco-romana os pigmeus satildeo associados ao nanismo e a
uma desproporccedilatildeo fiacutesica (principalmente com relaccedilatildeo aos genitais) se tornando assim
emblemas de anormalidade Essa anormalidade humana somada agrave caracteriacutestica de eles serem
vinculados ao exotismo representativo dos espaccedilos aleacutem-fronteira reforccedila a imagem da Iacutendia
como uma regiatildeo afastada da Heacutelade ldquocivilizadardquo (RODRIGUES 2016 p 172)
O retrato de Cteacutesias dos pigmeus eacute bem detalhado
Ὅτι μέσῃ τῇ Ἰνδικῇ ἄνθρωποί εἰσι μέλανες (καλοῦνται Πυγμαῖοι) ὁμόγλωσσοι τοῖς
ἄλλοις Ἰνδοῖς Μικροὶ δέ εἰσι λίαν οἱ μακρότατοι αὐτῶν πηχέων δύο οἱ δὲ
πλεῖστοι ἑνὸς ἡμίσεος πήχεος Κόμην δὲ ἔχουσι μακροτάτην μέχρις ἐπὶ τὰ γόνατα
καὶ ἔτι κατώτερον καὶ πώγωνα μέγιστον πάντων ἀνθρώπων Ἐπειδὰν οὖν τὸν
πώγονα μέγα φύσωσιν οὐκέτι ἀμφιέννυνται οὐδὲν ἱμάτιον ἀλλὰ τὰς τρίχας τὰς μὲν
ἐκ τῆς κεφαλῆς ὄπισθεν καθίενται πολὺ κάτω τῶν γονάτων τὰς δὲ ἐκ τοῦ πώγωνος
ἔμπροσθεν μέχρι ποδῶν ἑλκομένας ἔπειτα περιπυκασάμενοι τὰς τρίχας περὶ ἅπαν
τὸ σῶμα ζώννυνται χρώμενοι αὐταῖς ἀντὶ ἱματίου Αἰδοῖον δὲ μέγα ἔχουσιν ὥστε
ψαύειν τῶν σφυρῶν αὐτῶν καὶ παχύ Αὐτοὶ δὲ σιμοί τε καὶ αἰσχροί Τὰ δὲ πρόβατα
αὐτῶν ὡς ἄρνες καὶ οἱ ὄνοι καὶ αἱ βόες σχεδὸν ὅσον κριοί Καὶ οἱ ἵπποι αὐτῶν καὶ
ἡμίονοι καὶ τὰ ἄλλα κτήνη πάντα οὐδὲν μείζω κριῶν Ἕπονται δὲ τῷ βασιλεῖ τῶν
Ἰνδῶν τούτων τῶν Πυγμαίων ἄνδρες τρισχίλιοι σφόδρα γάρ εἰσι τοξόται
Δικαιότατοι δέ εἰσι καὶ νόμοισι χρῶνται ὥσπερ καὶ οἱ Ἰνδοί Λαγοὺς δὲ καὶ
ἀλώπεκας θηρεύουσιν οὐ τοῖς κυσὶν ἀλλὰ κόραξι καὶ ἰκτίσι καὶ κορώναις καὶ ἀετοῖς
Ὅτι λίμνη ἐστὶν ἐν αὐτοῖς (σταδίων ὀκτακοσίων ἡ περίμετρος) ἐν ᾗ ἀνέμου μὴ
πνέοντος ἐπάνω τῆς λίμνης ἔλαιον ἐφίσταται καὶ πλοαρίοις πλέοντες διacute αὐτῆς ἐκ
μέσης αὐτῆς σκαφίοις τοῦ ἐλαίου ἀπαρύονται καὶ χρῶνται Χρῶνται δὲ καὶ
σησαμίνῳ Ἔχει δὲ ἡ λίμνη καὶ ἰχθύας Καὶ τῷ καρυΐνῳ δὲ χρῶνται κρεῖσσον δὲ τὸ
λιμναῖον (Ind frag XI)
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Que no meio da Iacutendia haacute homens negros (chamados pigmeus) que falam a mesma
liacutengua que os outros indianos E satildeo muito pequenos os maiores deles tecircm dois
cocircvados mas a maioria meio cocircvado E tecircm o cabelo comprido ateacute o joelho e ainda
mais abaixo e a barba maior que de todos os homens Uma vez pois que a barba
ficava grande natildeo mais vestiam nenhuma roupa mas dos peacutes uma parte deixam
cair da cabeccedila para traacutes ateacute os joelhos a outra parte puxam da barba para frente ateacute
os peacutes em seguida envolvem os pelos ao redor do corpo todo e cingem-se usando
os pelos em lugar de roupa E eles tecircm o genital grande ao ponto de tocar os joelhos
deles e grosso E eles satildeo de nariz achatado e feios E os carneiros deles satildeo como
os cordeiros e os asnos e bois mais ou menos do tamanho de carneiros E os cavalos
deles as mulas e todas as outras criaccedilotildees natildeo satildeo maiores que carneiros E escoltam
o rei da Iacutendia destes pigmeus trecircs mil homens pois satildeo arqueiros muito bons Satildeo
justos e utilizam de leis como tambeacutem os indianos Caccedilam lebres e raposas natildeo com
catildees mas com corvos fuinhas albatrozes e aacuteguias
Que haacute um lago onde moram (com o periacutemetro de 800 estaacutedios) no qual uma vez
que o vento natildeo sopra sobre o lago boia oacuteleo e em barquinhos navegam pelo lago e
do meio dele colhem o oacuteleo em vasilhas e o usam E tambeacutem abusam do gergelim
O lago tem peixe E usam noz A noz do lago eacute melhor
Na VA (VA III 47) o saacutebio Iarcas confirma a existecircncia dos pigmeus na Iacutendia e diz
ser verdade o que descrevem sobre esses homens poreacutem se refere a eles de forma breve
τοὺς δὲ πυγμαίους οἰκεῖν μὲν ὑπογείους κεῖσθαι δὲ ὑπὲρ τὸν Γάγγην ζῶντας
τρόπον ὃς πᾶσιν εἴρηται (VA III 47)
os pigmeus habitam no subsolo ficam do outro lado do Ganges e vivem da forma
como eacute relatada por todos
Os comedores de peixes e os carianos
Os comedores de peixes provecircm de uma cidade chamada Estobera (Στόβηρα) e satildeo
contrastados com uma outra raccedila de hindus os carianos
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διφθέρας δὲ τούτους ἐνῆφθαι μεγίστων ἰχθύων καὶ τὰ πρόβατα τὰ ἐκείνῃ ἰχθυώδη
εἶναι καὶ φαγεῖν ἄτοπα τοὺς γὰρ ποιμένας βόσκειν αὐτὰ τοῖς ἰχθύσιν ὥσπερ ἐν
Καρίᾳ τοῖς σύκοις (VA III 55)
Eles se vestem com a pele de grandes peixes as suas ovelhas tecircm cheiro de peixe e
comem coisas atiacutepicas pois os pastores as alimentam com peixes como na Caacuteria
satildeo alimentadas com figos
65
CAPIacuteTULO III
OS SAacuteBIOS HINDUS
Os saacutebios hindus satildeo personagens essenciais nesta obra Satildeo mencionados desde o
iniacutecio como o alvo principal da viagem de Apolocircnio e satildeo a referecircncia de sabedoria maacutexima
natildeo soacute para Apolocircnio mas tambeacutem para a populaccedilatildeo que os procura para serem curados e
aconselhados bem como para reis que os consultam para tomar decisotildees A essecircncia dessa
sabedoria superior adveacutem do contato deles com os deuses e de seu conhecimento da filosofia
grega Assim os bracircmanes satildeo influentes natildeo apenas filosoficamente mas tambeacutem
politicamente
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus
Como mencionado no primeiro capiacutetulo Apolocircnio se depara com muitas referecircncias agrave
cultura grega aacutetica em sua viagem agrave Iacutendia Nesse sentido o rei Fraotes de Taxila se torna um
siacutembolo uma conexatildeo dessa referecircncia claacutessica com a sabedoria hindu
De acordo com a narrativa Fraotes se assemelha a um filoacutesofo com caracteriacutesticas
pitagoacutericas pois natildeo consome vinho manteacutem uma dieta vegetariana (VA II 26) e se compraz
com a filosofia (VA II 30) Interage tambeacutem com a cultura por outro vieacutes visto que se
exercita agrave maneira grega e oferece um banquete a Apolocircnio (VA II 27) Aleacutem disso possui
habilidades linguiacutesticas notaacuteveis pois fala e tem domiacutenio da literatura e da liacutengua grega (VA
II 27-32) Em um diaacutelogo com Apolocircnio Fraotes narra sua histoacuteria e conta como aprendeu
grego com o seu proacuteprio pai Aos doze anos foi viver com os bracircmanes hindus dos quais
recebeu uma educaccedilatildeo helecircnica (VA II 31) Em virtude dessa educaccedilatildeo junto aos bracircmanes
Fraotes se tornou um soberano que age com moderaccedilatildeo e integridade (VA II 34) Silva
(2017 p 486) considera que por essas caracteriacutesticas Fraotes eacute tido como um modelo de rei
ideal e eacute elogiado por Apolocircnio em vaacuterios momentos
Ao ponderar sobre o contexto em que Filoacutestrato viveu isto eacute o de um grego
submetido a um governo romano e sua proposta de resgatar a cultura helecircnica mediante a
Segunda Sofiacutestica entendemos que o autor acreditava que para um rei agir de forma
moderada e iacutentegra deveria estar imbuiacutedo dos valores e da cultura grega Esse modelo
66
idealizado personificado na figura de Fraotes serviria de criacutetica contra os imperadores
romanos
A partir desse contato com o rei hindu Apolocircnio tem mais notiacutecias sobre os bracircmanes
Sem especificar o nome da cidade Fraotes lhe conta que os saacutebios vivem em um local entre o
rio Hiacutefasis e o Ganges em uma regiatildeo que nunca fora encontrada por Alexandre Mesmo que
Alexandre a tivesse encontrado explica o rei ele natildeo teria sido capaz de tomar posse daquele
local nem que estivesse acompanhado de ldquodez mil Aquiles e trinta mil Aacutejaxrdquo pois os
bracircmanes natildeo lutam contra aqueles que se aproximam de sua torre (τύρσις) mas os repelem
com prodiacutegios e com raios lanccedilados por eles mesmos uma vez que satildeo homens sagrados e
amados pelos deuses (VA II 33) Como exemplo Fraotes cita uma expediccedilatildeo beacutelica
empreendida por Heacuteracles do Egito e Dioniso Apoacutes terem invadido a Iacutendia tentaram tomar a
torre dos saacutebios com um ataque Os bracircmanes ao inveacutes de terem reagido de forma violenta se
mantiveram quietos e passivos Poreacutem quando todos os soldados estavam reunidos para o
ataque final os saacutebios do alto lanccedilaram miacutesseis de fogo e raios sobre eles derrotando os
invasores (VA II 34)
Em outro momento da narrativa Apolocircnio e Iarcas discutem tambeacutem a respeito desse
toacutepico Apolocircnio cita Aquiles como um modelo de heroacutei exemplar que foi celebrado por
Homero tanto por sua coragem quanto por sua beleza superando Aacutejax e Nireu Contudo
Iarcas critica esse modelo defendido por Apolocircnio e sugere uma ruptura desse paradigma de
heroiacutesmo (VA III 19) Assim associamos que a proacutepria histoacuteria dos bracircmanes eacute um exemplo
desse rompimento haja visto que eles foram capazes de repelir os ataques de Dioniso e
Heacuteracles de Alexandre e de todos os outros homens que tiveram intenccedilatildeo de conquistar
aquele local Valorizando a paz e ao mesmo tempo sendo capazes de manter sua
independecircncia os bracircmanes representam a estabilidade e preservam a integridade de seus
valores Ao redor deles impeacuterios nasceram e caiacuteram Poro um dos mais poderosos reis
indianos foi derrotado por Alexandre o qual por sua vez teve o seu proacuteprio impeacuterio
rapidamente desintegrado apoacutes sua morte O contraste entre os dois reis Fraotes e Poro bem
como a forma de seus governos eacute bem marcada quando Fraotes diz a Apolocircnio ldquoPoro amava
a guerra mas eu amo a pazrdquo (Πῶροςrsquo εἶπε lsquoπολέμου ἤρα ἐγὼ δὲ εἰρήνης VA II 26) De
acordo com Abraham (2014 p 478) a veneraccedilatildeo do militarismo e do imperialismo
encontrados em Homero eacute a fonte da decadecircncia da eacutetica grega e essa decadecircncia por sua
vez eacute expressa pela perda do autoconhecimento e em uacuteltima instacircncia da identidade grega
sob o impeacuterio romano
67
Dessa forma temos uma imagem da torre dos bracircmanes como uma fortaleza
impossiacutevel de ser invadida e corrompida Recaiacute sobre eles a proteccedilatildeo natural do local e o
favorecimento dos deuses Ao mesmo tempo o local se constituiria em um bastiatildeo de
sabedoria que preservaria os valores gregos idealizados por Filoacutestrato
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia
Apoacutes uma longa viagem Apolocircnio e seus companheiros finalmente chegam onde a
torre dos bracircmanes estava localizada (VA III 10) Ao se aproximarem curiosamente um
mensageiro hindu vem ateacute eles se comunicando em grego (VA III 12) Segundo a descriccedilatildeo
do texto a torre tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da
planiacutecie e sua posiccedilatildeo natural a protege de ataques pois eacute rodeada por rochas em todos os
lados (VA III 13) Com essa descriccedilatildeo Filoacutestrato compara explicitamente a topografia da
torre dos bracircmanes com a Acroacutepole de Atenas Desde a referecircncia linguiacutestica ateacute a
topograacutefica o autor permite que o leitor crie um mapa mental de Atenas
68
FIGURA 3 - Apolocircnio encontra o mensageiro dos bracircmanes (VA II 11-13) (imagem superior) Apolocircnio
discursa para a populaccedilatildeo de Eacutefeso sobre a praga (VA IV 10) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Na sequecircncia o autor narra que os viajantes precisam passar por um processo de
purificaccedilatildeo primeiro devem purgar os seus pecados mesmo os involuntaacuterios banhando-se
em um poccedilo para em seguida passarem pelo ldquofogo do perdatildeordquo (πῦρ ξυγγνώμης - VA III
14) Segundo Marciano (2014 p 137-139) manter-se puro tambeacutem eacute um preceito pitagoacuterico
A purificaccedilatildeo eacute nesse sentido uma necessidade para se manter limpo das impurezas
transmitidas pelo contato com as outras pessoas Mesmo fora da esfera estritamente cultual a
pureza individual eacute fundamental para evitar a absorccedilatildeo de energias negativas que manchem
natildeo apenas o plano divino mas tambeacutem o proacuteprio componente divino do homem Por isso
continua a autora a vida diaacuteria pitagoacuterica eacute ritualizada em todos os seus atos gestos e
69
palavras de forma a que o indiviacuteduo possa conscientemente preservar a sua pureza respeitar
a esfera divina e evitar que qualquer accedilatildeo sua possa prejudicar a si mesmo e aos outros
Logo apoacutes terem se purificado Apolocircnio e seus companheiros de viagem se foram
para um local onde se depararam com estaacutetuas de deuses indianos e egiacutepcios Poreacutem a
surpresa maior foi terem encontrado entre as demais estaacutetuas dos deuses gregos mais
antigos
θεῶν δὲ ἀγάλμασιν ἐντυχεῖν φασιν εἰ μὲν Ἰνδοῖς ἢ Αἰγυπτίοις θαῦμα οὐδέν τὰ δέ
γε ἀρχαιότατα τῶν παρrsquo Ἕλλησι τό τε τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Πολιάδος καὶ τὸ τοῦ
Ἀπόλλωνος τοῦ Δηλίου καὶ τὸ τοῦ Διονύσου τοῦ Λιμναίου καὶ τὸ τοῦ Ἀμυκλαίου
καὶ ὁπόσα ὧδε ἀρχαῖα ταῦτα ἱδρύεσθαί τε τοὺς Ἰνδοὺς τούτους καὶ νομίζειν
Ἑλληνικοῖς ἤθεσι φασὶ δ᾽ οἰκεῖν τὰ μέσα τῆς Ἰνδικῆς καὶ τὸν ὄχθον ὀμφαλὸν
ποιοῦνται τοῦ λόφου τούτου πῦρ τε ἐπ᾽ αὐτοῦ ὀργιάζουσιν ὅ φασιν ἐκ τῶν τοῦ
ἡλίου ἀκτίνων αὐτοὶ ἕλκειν τούτῳ καὶ τὸν ὕμνον ἡμέραν ἅπασαν ἐς μεσημβρίαν
ᾄδουσιν (VA III 14)
Eles dizem que se depararam com estaacutetuas de deuses e natildeo seria espantoso se
fossem soacute Indianos ou Egiacutepcios mas viram principalmente de Gregos Haviam
estaacutetuas de Atena Poliacuteade de Apolo de Delos e de Dioniacuteso de Limneu e de Amiclas
dentre outras tambeacutem antigas e os hindus estabeleceram praacuteticas gregas comuns
para cultuaacute-las E eles dizem que eles habitam nas partes centrais da Iacutendia e
consideram este pico como o umbigo desta colina onde os saacutebios cultuam o fogo o
qual dizem extrair dos raios solares e para o sol eles cantam um hino todos os dias
ao meio dia
Como descrito acima as estaacutetuas encontradas satildeo de Atena Poliacuteade de Apolo de
Delos e duas de Dioniacuteso uma do Limneu e a outra de Amiclas Abraham (2014 p 472)
observa que aleacutem dessas estaacutetuas pertencerem a cultos originaacuterios do periacuteodo arcaico estaacute
agregado a esse conjunto o culto das cidades de Atenas (Atena Poliacuteade) de Delos (Apolo) e
de Esparta (Dioniso de Limneu e de Amiclas) criando-se desse modo um mapa mental que
unifica as regiotildees da Aacutetica da Jocircnia e do Peloponeso em uma identidade singular Esse
agrupamento ainda segundo Abraham remete agrave tendecircncia da literatura da Segunda Sofiacutestica
de criar a representaccedilatildeo literaacuteria de um passado grego unificado se natildeo homogeneizado
ocultando as diferenccedilas existentes entre as antigas cidades-estado
Eacute interessante destacar que o estranhamento provocado pelas estaacutetuas dessa vez natildeo
se deve ao exotismo da cultura hindu mas agrave similaridade da proacutepria cultura de Apolocircnio em
um lugar tatildeo distante de sua paacutetria Aleacutem disso ao se referir a torre dos bracircmanes como o
70
coraccedilatildeo Iacutendia e ao mesmo tempo como o centro do mundo (ὀμφαλὸν) desloca-se todo o
referencial geopoliacutetico cultural A noccedilatildeo de periferia e centro eacute invertida a Iacutendia fronteira do
mundo ocupa agora a posiccedilatildeo central no lugar da Greacutecia e de Roma Uma das
consequecircncias disso aponta Abraham (2014 p 475) eacute a implicaccedilatildeo de que o centro do
mundo estaacute de fato em uma regiatildeo baacuterbara e natildeo civilizada Atenas e Roma entatildeo passam a
ser percebidas como regiotildees baacuterbaras e incivilizadas independente de sua localizaccedilatildeo
geograacutefica
Se compararmos as representaccedilotildees de Roma da Greacutecia e de Paraca na VA sugere
Abraham (2014 p 476) Esta uacuteltima corresponderia ao centro do mundo ou ao menos agrave sede
de um helenismo natildeo corrompido Roma agrave periferia corruptora e Greacutecia agrave zona
intermediaacuteria corrompida e baacuterbara pela influecircncia de Roma mas ainda possiacutevel de salvaccedilatildeo
Considerando todas essas caracteriacutesticas percebemos que Filoacutestrato nos indica de
forma metafoacuterica coordenadas que localizam a Greacutecia antiga idealizada pelo autor nas
regiotildees distantes da Iacutendia (ABRAHAM 2004 472 ndash 475) O confim da terra agora passa a ser
o ὀμφαλὸν Nele conseguem se comunicar em liacutengua grega os indianos possuem deuses
gregos em comum e compartilham da mesma educaccedilatildeo grega Estes aspectos servem de ponte
para unir dois lugares tatildeo distantes ou em uacuteltima instacircncia podem ser vistos como o
derradeiro elo entre eles
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria
Se por um lado a Iacutendia foi tida como a fronteira do mundo na literatura grega antiga
por outro lado a VA quebra esse paradigma e amplia os limites desse toacutepos literaacuterio
De acordo com Parker (2008 p 301) os gregos comeccedilaram a imaginar a Iacutendia como
lugar de sabedoria personificada na figura dos homens sagrados a partir de Alexandre
Assim os bracircmanes causaram grande impressatildeo nos gregos e nos romanos por representarem
a junccedilatildeo de duas vertentes a primeira agrave virtude de um povo distante desprovido de riquezas
e individualmente representada por Dandacircmis37
a segunda agrave sabedoria dos saacutebios
especialmente dos povos antigos orientais que reforccedila sua posiccedilatildeo marginal em relaccedilatildeo ao
mundo mediterracircneo Com isso ao caracterizar esses homens saacutebios continua o autor talvez
seja necessaacuterio contrastaacute-los com alguns de seus visitantes mais frequumlentes do oeste os
filoacutesofos Estes diferiam natildeo soacute pela sua identidade eacutetnica mas tambeacutem pela paideia Os
37
O saacutebio com quem Alexandre teve contato como consta no Romance de Alexadre
71
gimnosofistas e os bracircmanes possuiacuteam sabedoria sem terem sofrido o aacuterduo processo de
aprendizagem grego um processo que tambeacutem eacute importante para a formaccedilatildeo do saacutebio estoico
e do homem sagrado pagatildeo da Antiguidade Nesse sentido os gimnosofistas e os bracircmanes
oferecem um tipo alternativo de sabedoria
Desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra que Apolocircnio busca os conhecimentos
orientais como fonte de sabedoria Elsner (1997 p 29-30) mostra que o autor usa as viagens
como um reflexo do progresso espiritual de Apolocircnio Assim a grande variedade de tόpoi
etnograacutefico experimentada por Apolocircnio sugere a profundidade e universalidade da sabedoria
que ele dominou e com a qual estaacute equipado para ensinar Filoacutestrato representa seu saacutebio
visitando as fronteiras do mundo conhecido em todas as direccedilotildees norte no Caacuteucaso (VA II
2) leste no Oriente proacuteximo (VA I 21 II 1) e na Iacutendia (VA II 17 III 50) sul no Egito e
Etioacutepia (VA V43 VI 28) e oeste nas Colunas de Heacuteracles (VA IV 47 V 10)
Depois da Iacutendia Apolocircnio passa por Alexandria e segue viagem rumo agrave cidade dos
gimnosofistas localizada entre o Egito e a Etioacutepia (VA VI 5) Como observa Silva (2014 p
277) os gimnosofistas ora satildeo tratados como egiacutepcios (VA I 2 III 32 VI 10-11 VIII 74)
ora como etiacuteopes (VA VI 6 16 VIII 712) Sobre isso Robiano (1992 p 414-415)
menciona que existe uma proximidade entre gimnosofistas e bracircmanes na literatura grega
antiga A exemplo disso o autor cita uma passagem dos Fugitivos de Luciano de Samoacutesata
na qual a personagem Filosofia marca os estaacutegios de sua chegada aos humanos Em suma
depois dos bracircmanes fui diretamente para a Etioacutepia depois para o Egito (μετὰ δ᾽ οὖν τοὺς
Βραχμᾶνας εἰς Αἰθιοπίαν εὐθύς εἶτα εἰς Αἴγυπτον κατέβην Fugitivi VIII) Tambeacutem na VA
os gimnosofistas satildeo considerados inferiores em sabedoria aos bracircmanes (VA VI 6 11 16)
Como afirma Parker (2008 p 264) as viagens trazem sabedoria em particular
aquelas que rumam para uma antiga terra do leste Os bracircmanes por sua vez natildeo viajam mas
satildeo o motivo de viagem para alguns filoacutesofos como no caso de Apolocircnio Contudo Parker
alega (2008 p 254) que a VA foi a primeira obra a considerar a Iacutendia como referecircncia
maacutexima em sabedoria Ao dialogar com Iarcas Apolocircnio afirma considero que sua
sabedoria eacute mais profunda e muito mais divina do que a nossa e se eu natildeo acrescentar nada ao
meu estoque atual de conhecimento enquanto estou com vocecirc ao menos terei aprendido que
natildeo tenho nada mais para aprender (σοφώτερά τε ἡγοῦμαι τὰ ὑμέτερα καὶ πολλῷ θειότερα
εἰ δὲ μηδὲν πλέον ὧν οἶδα παρ᾽ ὑμῖν εὕροιμι μεμαθηκὼς ἂν εἴην καὶ τὸ μηκέτ᾽ ἔχειν ὅ τι
μάθοιμι VA III 16)
Temos assim segundo Elsner (1997 29-31) a construccedilatildeo da imagem dos bracircmanes
como a fonte maacutexima de sabedoria que Apolocircnio poderia alcanccedilar e o resultado dessa viagem
72
agrave Iacutendia eacute justamente o autoconhecimento e a plena maturidade filosoacutefica Essa viagem ao
leste entatildeo eacute apresentada como parte da trajetoacuteria que transformaraacute Apolocircnio em um θεῖος
ἀνήρ no Impeacuterio Romano Ao mesmo tempo essa viagem estabelece um paralelo entre
Apolocircnio Heacuteracles Dioniso e Alexandre nos quais o saacutebio finalmente supera o conquistador
ao adentrar no leste
Assim foi na Iacutendia a fronteira do mundo o lugar onde Apolocircnio atingiu o extremo da
sabedoria
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes
Como mencionado no primeiro capiacutetulo os milagres e as curas de Apolocircnio narrados
na VA satildeo ingredientes que formam a figura de um θεῖος ἀνήρ e compotildeem tambeacutem o
conteuacutedo maravilhoso da obra No terceiro livro enquanto Apolocircnio permanece na torre dos
bracircmanes ele e os saacutebios curam alguns enfermos que para laacute se dirigem
De acordo com Parker (2009 p 89) a literatura antiga valorizava de maneira especial
o conhecimento medicinal hindu Assim os meacutedicos indianos ao contraacuterio de seus
equivalentes gregos eram capazes de curar mordidas de cobras como narrado por Arriano de
Nicomeacutedia (VIII Ind 15 5-11) Segundo Arriano esses meacutedicos (ἰητροί) pertencem a um
subconjunto de filoacutesofos Estrabatildeo tambeacutem fala a respeito da medicina indiana citando Nearco
e Megaacutestenes como fonte (15 145 C706 e 15160 C713)
Na VA algumas das curas realizadas ora por Apolocircnio ora pelos bracircmanes satildeo i) o
exorcismo de um democircnio que possuiacutea um menino haacute dois anos (VA III 38) ii) a
recuperaccedilatildeo de um homem caccedilador de leotildees o qual havia deslocado o quadril por causa do
ataque de um leatildeo iii) o restabelecimento da visatildeo de um homem que teve os olhos
arrancados iv) a restauraccedilatildeo de um outro que tinha uma matildeo paralisada v) e o auxiacutelio ao
parto de uma mulher que jaacute havia sofrido aborto sete vezes (VA III 39)
Em dado momento Iarcas declara que de todos os dons que satildeo concedidos aos
homens o da cura eacute o mais importante (VA III 44) Ao mesmo tempo ele associa o dom da
cura com o da adivinhaccedilatildeo pois este uacuteltimo proporciona o descobrimento de novas curas
Pode-se por exemplo manipular o veneno de certos animais para o tratamento de doenccedilas
Para Iarcas sem uma sabedoria profeacutetica os homens natildeo se arriscariam a misturar venenos
criando medicamentos que salvam vidas Ainda segundo ele os filhos de Ascleacutepio jamais
teriam alcanccedilado esse ramo da ciecircncia se o proacuteprio Ascleacutepio natildeo fosse filho de Apolo Por
73
meio da consulta de oraacuteculos eles prepararam e adaptaram diferentes medicamentos para
diferentes doenccedilas Aleacutem disso teriam aprendido de Ascleacutepio quais ervas devem ser aplicadas
em hemorragias queimaduras e escoriaccedilotildees e quais liacutequidos devem ser administrados para
tratar os pacientes
Essa relaccedilatildeo entre a cura baseada nos ensinamentos de Ascleacutepio e no dom da
adivinhaccedilatildeo estaacute associada agrave sabedoria de Apolocircnio desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra
que Apolocircnio aos quatorze anos se mudou para Tarso a fim de ser educado por Eutidemo
que era um bom orador e originaacuterio da Feniacutecia Mais tarde se mudou para Egas onde existia
uma escola mais conceituada e um templo de Ascleacutepio no qual o deus aparecia para os
homens Foi tambeacutem nesta cidade que Apolocircnio aos dezesseis anos sentiu um impulso e
passou a se dedicar aos ensinamentos pitagoacutericos (VA I 7) A partir de entatildeo Apolocircnio
passou a seguir os preceitos de Pitaacutegoras e foi morar no templo de Ascleacutepio Com isso as
pessoas que moravam nas redondezas do templo passaram a admiraacute-lo e o proacuteprio deus
manifestou ao sacerdote do templo o seu contentamento por ter Apolocircnio como testemunha de
suas curas Consequentemente a reputaccedilatildeo de Apolocircnio aumentou ao ponto de os povos
vizinhos e ateacute mesmo os mais distantes irem ateacute laacute para vecirc-lo (VA I 8) e dele receber curas
(VA I 9-10)
74
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Podemos rastrear ao longo da VA vaacuterios indiacutecios que nos permitem ler a obra como
um instrumento sofisticado para defender os ideais da Segunda Sofiacutestica De acordo com a
leitura que fazemos do texto Filoacutestrato se apropria do personagem de tal forma que vemos
em Apolocircnio natildeo apenas um filoacutesofo pitagoacuterico um saacutebio um θεῖος ἀνήρ em busca da
sabedoria mas principalmente a figura de um difusor da cultura grega A impressatildeo que
temos eacute agrave grosso modo de que Apolocircnio seria a proacutepria Greacutecia personificada
Como menciona Swain (2009 p 34) Filoacutestrato estava ciente da mudanccedila de seu
mundo Uma de suas reaccedilotildees foi arquitetar um modelo idealizado da cultura helecircnica e
apresentaacute-lo como se esta cultura fosse a natural de seus companheiros de elite Sobre isso
Horster (2014 p 11) afirma que para muitas pessoas a educaccedilatildeo seria a maneira mais
importante de se chegar agrave essecircncia da cultura e da religiatildeo grega Nesse sentido somente a
elite intelectual poderia se envolver com ela Partindo desse ideal Filoacutestrato e outros
escritores da Segunda Sofiacutestica agiam no Impeacuterio Romano
Dentro desse contexto a liacutengua foi um veiacuteculo influente Abraham (2009 p 38)
reforccedila que esta eacute uma das caracteriacutesticas da Segunda Sofiacutestica pois autores e oradores
expressavam sua identidade grega simulando a dicccedilatildeo o estilo e o vocabulaacuterio do aacutetico do
seacuteculo V aC O aticismo prevaleceu de tal forma que lexicoacutegrafos comeccedilaram a catalogar o
grego ldquocorretordquo e o ldquoincorretordquo como fez Frinico Arabio que compocircs a Praeparatio
Sophistica um leacutexico no qual categorizava o uso ldquocorretordquo do aacutetico e menosprezava todos os
outros dialetos Em uacuteltima instacircncia o aticismo foi uma simulaccedilatildeo que permitia a algueacutem
reivindicar uma identidade grega Eacute significativo que Filoacutestrato para exaltar as qualificaccedilotildees
heleniacutesticas de Apolocircnio enfatiza que ele falava perfeitamente o aacutetico sem se deixar afetar
pelo sotaque da sua regiatildeo (VA I 7) Aleacutem da performance linguiacutestica exemplar de Apolocircnio
tambeacutem eacute digno de nota que as pessoas mais influentes da Iacutendia falavam habilmente o grego
como o rei Fraotes e os bracircmanes
Nesse sentido de retomada e afirmaccedilatildeo de uma identidade grega a noccedilatildeo de baacuterbaro
retorna agrave eacutepoca claacutessica A separaccedilatildeo entre a etnia e a cultura de fato teve iniacutecio no mundo
heleniacutestico e continuou em Roma A etnicidade permaneceu importante na imaginaccedilatildeo e teve
certamente consequecircncias poliacuteticas e sociais Dentro desse contexto eacute compreensiacutevel que os
autores da Segunda Sofiacutestica tenham tentado estabelecer um estereoacutetipo do ldquogrego purordquo
(SWAIN 2009 p 35)
75
Dadas essas circunstacircncias Abraham (2014 p 476) entende que a corrupccedilatildeo da
identidade grega apresentada por Filoacutestrato sugere uma criacutetica da cultura grega sob o Impeacuterio
Romano Nas palavras de Iarcas (VA III 19) os gregos deveriam se culpar pela degradaccedilatildeo
de sua identidade jaacute que usam o Aquiles homeacuterico (bem como outros heroacuteis similares) como
um modelo de masculinidade que os levou a venerar o imperialismo de uma forma geral
Swain (2009 p 36- 37) sugere que por meio da VA Filoacutestrato idealiza e propotildee um
modelo que intencionaria uma reforma religiosa e moral baseadas nos preceitos da cultura
grega ao enfatizar os feitos de um θεῖος ἀνήρ e de um filoacutesofo-pitagoacuterico exemplar A cultura
helecircnica eacute tida como superior por um lado sob a perspectiva da saacutebia filosofia helecircnica e por
outro decadente se tomarmos como exemplo outros gregos contemporacircneos de Apolocircnio
Swain ainda considera que as reformas propostas por Filoacutestrato na figura de Apolocircnio
dialogariam diretamente com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato e natildeo da de Apolocircnio
Por isso natildeo eacute de forma involuntaacuteria que
Se Apolocircnio compreende todas as liacutenguas sem as ter aprendido o grego eacute
entretanto a liacutengua que tem mais afinidades com a sabedoria Todos os
interlocutores de qualidade com quem Apolocircnio conversa falam grego comeccedilando
por Iarcas o mais saacutebio dos bracircmanes hindus acolhe-o em grego [] Trata-se de
uma forma de dizer que o grego eacute a liacutengua da filosofia (HARTOG 2004 p 227
228 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Com isso entendemos que na eacutepoca de Filoacutestrato mas principalmente segundo a
oacutetica do autor baacuterbaro jaacute natildeo eacute aquele de quem natildeo se entende a liacutengua tendo em vista a
multiplicidade de liacutenguas faladas no impeacuterio mas eacute baacuterbaro aquele que natildeo tenha
incorporadas em si a filosofia e a erudiccedilatildeo grega claacutessica Tanto eacute que o autor usa como palco
central a Iacutendia um lugar-comum da literatura grega como uma regiatildeo selvagem e incivilizada
Na VA a Iacutendia se torna o local onde a sabedoria a filosofia os conhecimentos de liacutengua e
literatura em suma os valores resgatados pela Segunda Sofiacutestica se conservam intactos e
incorrompidos A Iacutendia seria a projeccedilatildeo de uma Greacutecia unificada e idealizada onde Apolocircnio
alcanccedila o niacutevel maacuteximo de sabedoria junto aos bracircmanes Mas a sabedoria aprendida com os
saacutebios eacute a proacutepria sabedoria grega embasada nos preceitos pitagoacutericos Em uacuteltima instacircncia
Filoacutestrato apresenta a cultura grega como superior agrave cultura de outros povos
A Iacutendia natildeo conserva apenas esses valores mas simula a Greacutecia mais exatamente
Atenas devido agrave comparaccedilatildeo topograacutefica expliacutecita feita entre a torre dos bracircmanes e a
Acroacutepole (VA III 13) Aleacutem disso Filoacutestrato tambeacutem projeta na Iacutendia a figura de um
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governante idealizado personificado em Fraotes Fraotes eacute um rei ideal porque teve junto aos
bracircmanes a formaccedilatildeo grega e portanto essa erudiccedilatildeo norteia suas accedilotildees A Iacutendia eacute entatildeo
como afirma Abraham (2009 p 11) o lugar onde a identidade grega existe em sua forma pura
e inalterada pela avidez imperialista
Parker (2008 p 259) reforccedila que a paideia como um ideal comum e conector das
elites locais foi divulgada mais intensamente por esses filoacutesofos no leste do Impeacuterio Romano
Pode-se dizer que promoveu a criaccedilatildeo de uma comunidade imaginada de homens eruditos
com base em uma visatildeo seletiva da histoacuteria Nesse mundo divergente os filoacutesofos gregos
tornaram-se siacutembolos de uma cultura comum entre os aristocratas em uma ampla aacuterea
geograacutefica Eacute nesse contexto que segundo o autor devemos ponderar com base na VA como
e por que os saacutebios indianos capturaram a imaginaccedilatildeo greco-romana
Em particular a figura dos bracircmanes oferece a oportunidade de construir um ideal ao
mesmo tempo improvaacutevel e desejaacutevel que era o da sabedoria sem a paideia (PARKER 2008
p 304-305) Poreacutem na VA Filoacutestrato se apropria e faz outro uso da figura dos bracircmanes eles
representam o apogeu o limite maacuteximo da sabedoria justamente porque sua sabedoria e seus
ritos dialogam com o modelo claacutessico ateniense
Abraham (2014 p 472-473) infere que Paraca eacute mais uma realizaccedilatildeo da frequente
citaccedilatildeo de Apolocircnio de que ldquopara o homem saacutebio a Greacutecia estaacute em todos os lugares e ele natildeo
considera nem acredita que algum lugar seja deserto ou baacuterbaro se ele estiver vivendo sob a
visatildeo da virtuderdquo (σοφῷ ἀνδρὶ Ἑλλὰς πάντα καὶ οὐδὲν ἔρημον ἢ βάρβαρον χωρίον οὔτε
ἡγήσεται ὁ σοφὸς οὔτε νομιεῖ ζῶν γε ὑπὸ τοῖς τῆς ἀρετῆς ὀφθαλμοῖς ndash VA I 34) Logo
independentemente de onde estiver o homem saacutebio eacute sempre um homem saacutebio na medida em
que ele a todo momento se comporta como um Essa consistecircncia de caraacuteter tem um efeito
transformador em sua localizaccedilatildeo permitindo que ele encontre a Greacutecia em todos os lugares
Em essecircncia estar na Greacutecia equivale a ter autoconhecimento e viver esse
autoconhecimento A realizaccedilatildeo da Greacutecia na Iacutendia assim explicada pela correlaccedilatildeo entre
autoconhecimento e helenismo Iarcas abrindo-se as indaganootildees de Apolocircnio afirma
ldquopergunte o que vocecirc quiser pois vocecirc se encontra entre um povo que sabe tudordquo (VA III
18) Apolocircnio entatildeo pergunta se os bracircmanes conhecem a si proacuteprios pois os gregos
consideram difiacutecil afirmar que se autoconhecem Iarcas curiosamente responde sabemos
todas as coisas uma vez que primeiro nos conhecemos (πάντα γιγνώσκομεν ἐπειδὴ πρώτους
ἑαυτοὺς γιγνώσκομεν - VA III 18) O autoconhecimento continua o autor considerado uma
coisa difiacutecil de se adquirir no pensamento grego se torna o ponto de partida da filosofia dos
bracircmanes
77
Finalmente natildeo podemos deixar de ter em mente que escrever eacute um ato poliacutetico Sem
desconsiderar o deleite que uma leitura pode proporcionar uma de nossas surpresas foi
perceber como a VA foi um instrumento poliacutetico Sob o domiacutenio imperial Romano o escritor
grego Flaacutevio Filoacutestrato viveu entre os seacuteculos II e III durante o governo da dinastia dos
Severos (193-225) De forma simplificada entendemos o Impeacuterio Romano como um difusor e
infusor de identidades e culturas e esse foi um periacuteodo de questionamentos para Filoacutestrato e
para os outros escritores da Segunda Sofiacutestica Pertencente agrave elite aleacutem de escritor Filoacutestrato
exerceu uma carreira poliacutetica na Greacutecia e manteve bom relacionamento com os Severos o que
lhe permitiu ter um contato mais proacuteximo com o cenaacuterio poliacutetico imperial em que viveu
Aleacutem de acompanhar o imperador Septiacutemio Severo em viagens Filoacutestrato tambeacutem
interagiu intelectualmente com a imperatriz Juacutelia Domna De acordo com Filoacutestrato foi a
pedido dela que ele escreveu a biografia de Apolocircnio Ao compor a VA o autor se apropriou
da figura de Apolocircnio e personificou nele o modelo idealizado de um homem saacutebio o qual
usou para criticar os governantes do Impeacuterio Romano Poreacutem suas criacuteticas dialogam natildeo
apenas com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato ou de Apolocircnio elas denotam
principalmente a aspiraccedilatildeo do autor de restaurar e afirmar a identidade e a cultura grega
claacutessica atribuindo-lhes o status de fonte da sabedoria e da cultura do ocidente
78
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Ct = Cteacutesias de Cnido
Ind Indikaacute (Ἰνδικά)
Fil = Filoacutestrato
VS Vida dos Sofistas (Βίοι Σοφιστῶν)
VA Vida de Apolocircnio de Tiana (Τὰ ἐς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον1)
Hdt = Heroacutedoto
Hist Histoacuterias (Ἰστορἴαι)
Hes = Hesiacuteodo
Teog Teogonia (Θεογονία)
Hom = Homero
Il Iliacuteada (Ἰλιάς)
Od Odisseia (Οδύσσεια)
1 O tiacutetulo da obra eacute debatido entre os estudiosos De acordo com Swain (2013 p 81) o tiacutetulo da obra seria Τὰ ἐς
τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον o qual eacute usado pelos tradutores desde a ediccedilatildeo de 1844 de Kayser Poreacutem Boter (2015)
argumenta que o tiacutetulo mais genuiacuteno da obra seria Εἰς τὸν Τυανέα Ἀπολλώνιον sendo o significado do tiacutetulo
intencionalmente ambiacuteguo pois poderia ser traduzido como Sobre Apolocircnio de Tiana ou Em honra a Apolocircnio
de Tiana
7
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo eacute continuaccedilatildeo da nossa pesquisa iniciada na Graduaccedilatildeo onde fizemos
um estudo e traduccedilatildeo da obra Indikaacute de Cteacutesias de Cnido Os fragmentos de Cteacutesias nos
apresentam a Iacutendia como uma terra selvagem habitada por seres hiacutebridos e por monstros com
medidas e riquezas exuberantes como sendo o limite do mundo Algumas das coisas
retratadas por Cteacutesias tiveram antecedente nas Histoacuterias de Heroacutedoto e a partir de entatildeo a
Iacutendia tornou-se um toacutepos do maravilhoso na literatura grega antiga Depois do Romance de
Alexandre os bracircmanes se tornaram uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana e desde entatildeo a Iacutendia eacute tida como maravilhosa natildeo apenas por suas caracteriacutesticas
fiacutesicas mas tambeacutem por sua sabedoria elevada (PARKER 2008 p 143 e 251)
Ao lermos a Vida de Apolocircnio de Tiana (VA) de Filoacutestrato percebemos que esta obra
dialoga com estas duas vertentes a respeito da Iacutendia Publicado em 217 (FRANCIS 1998 p
420) este livro narra a vida de Apolocircnio um filoacutesofo pitaacutegorico da cidade de Tiana situada
na regiatildeo da Capadoacutecia que teria vivido durante o reinado de Domiciano (81-96) Desde os
dezesseis anos Apolocircnio seguiu os preceitos pitagoacutericos e em busca de uma sabedoria
suprema teve como objetivo viajar ateacute os bracircmanes Consequentemente a Iacutendia ocupa um
lugar essencial na narrativa e dos oito livros que compotildeem a obra dois deles se dedicam a
descrever a experiecircncia de Apolocircnio junto aos hindus
Por esses motivos nos dedicamos a estudar os livros II e III da VA Dentro dessa
seleccedilatildeo selecionamos destacamos e traduzimos trechos que ressaltam o caraacuteter maravilhoso
da obra tanto os que dizem respeito agrave sua descriccedilatildeo geograacutefica e etnograacutefica quanto os que
retratam a sabedoria bracircmane Nos momentos em que encontramos alusotildees aos escritores
Heroacutedoto e Cteacutesias comparamos e contrastamos as fontes com a finalidade de perceber de
que modo a tradiccedilatildeo acerca da Iacutendia inciada por estes dois autores tem continuidade em
Filoacutestrato
Para isso dividimos o trabalho em trecircs capiacutetulos No primeiro capiacutetulo fizemos um
estudo sobre o autor Flaacutevio Filoacutestrato sua obra Vida de Apolocircnio de Tiana e a figura de
Apolocircnio de Tiana Discutimos sobre as polecircmicas e divergentes concepccedilotildees sobre o autor e a
personagem para entendermos melhor o contexto em que a obra foi escrita
No segundo capiacutetulo discorremos a respeito do caraacuteter maravilhoso da VA e
selecionamos trechos que descrevem a natureza hindu Dividimos em seccedilotildees que retratam a
descriccedilatildeo da geografia da hidrografia do clima da Iacutendia dos animais e dos seres exoacuteticos
8
narrados por Filoacutestrato Ao arrolar estas passagens cotejamos com trechos das Histoacuterias e dos
Indikaacute No terceiro capiacutetulo ao estudar sobre o contato que Apolocircnio teve com os bracircmanes
seus ritos e suas discussotildees percebemos como essa obra contribuiu para a formaccedilatildeo de um
modelo idealizado de uma cultura grega claacutessica unificada
Dessa forma sob a oacutetica de um escritor tardio que escreveu quase seiscentos anos
depois de Heroacutedoto e de Cteacutesias ainda lemos a Iacutendia ainda como uma terra maravilhosa
9
CAPIacuteTULO I
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA
De acordo com o Suda (leacutexico medieval bizantino que cataloga escritores e obras da
Antiguidade) existem trecircs escritores catalogados com o nome de Filoacutestrato no final do seacuteculo
II e iniacutecio do seacuteculo III (SILVA 2014a p 31) Destes trataremos de Flaacutevio Filoacutestrato
chamado de ldquoo Segundordquo filho de Filoacutestrato Vero Sabe-se que sua famiacutelia habitava a ilha de
Lemnos territoacuterio ateniense e que ele nasceu por volta de 170 (BOWIE 2009 p19)
Filho de uma famiacutelia abastada pertencente agrave ordem senatorial Filoacutestrato teve uma
educaccedilatildeo voltada aos interesses dessa camada social Foi um destacado sofista tanto em
Atenas quanto em Roma e viveu no Impeacuterio Romano durante o governo da dinastia dos
Severos (193 ndash 225) com a qual teve boas relaccedilotildees e a qual acompanhou em viagens (SILVA
2013a p 2) Ele tambeacutem teria sido membro do ciacuterculo social de Juacutelia Domna esposa do
imperador Septiacutemio Severo como nos informa o proacuteprio autor em um trecho de sua obra Vida
de Apolocircnio de Tiana
μετέχοντι δέ μοι τοῦ περὶ αὐτὴν κύκλου mdash καὶ γὰρ τοὺς ῥητορικοὺς πάντας λόγους
ἐπῄνει καὶ ἠσπάζετο mdash μεταγράψαι τε προσέταξε τὰς διατριβὰς ταύτας καὶ τῆς
ἀπαγγελίας αὐτῶν ἐπιμεληθῆναι τῷ γὰρ Νινίῳ σαφῶς μέν οὐ μὴν δεξιῶς γε
ἀπηγγέλλετο (VA I 3)
Quanto a mim que fazia parte do seu ciacuterculo (jaacute que ela elogiava e apreciava todos
os discursos retoacutericos) me incubiu ela de redigir estes ensaios e me ocupar da sua
publicaccedilatildeo pois [Dacircmis] o de Nino fez sua narrativa de forma clara mas natildeo
praacutetica2
Natildeo se sabe ao certo o que seria esse ciacuterculo social (κύκλου) nem se ele realmente
existiu Cogita-se a hipoacutetese de ter sido um grupo literaacuterio composto por alguns artistas e
escritores para discutir questotildees literaacuterias e filosoacuteficas ou um grupo seleto de intelectuais
2 A traduccedilatildeo para o portuguecircs desta passagem assim como a de outras que apareceratildeo ao longo deste trabalho eacute
de nossa autoria
10
formado por meacutedicos poetas escritores filoacutesofos juristas historiadores e membros do
ciacuterculo imperial (SILVA 2014a p 49) 3
Aleacutem desse contato com a imperatriz Filoacutestrato tambeacutem exerceu cargos poliacuteticos De
acordo com indicaccedilotildees epigraacuteficas o autor foi general hoplita4 em Atenas provavelmente nos
anos 200 e 210 e representante do governo de sua cidade (BOWIE 2009 p19-20) Ademais
acredita-se que a estaacutetua que haacute em Oliacutempia eacute dedicada a Flaacutevio Filoacutestrato na qual lecirc-se a
seguinte inscriccedilatildeo ldquoAgrave Boa Fortuna segundo a decisatildeo do Conselho Oliacutempico o sofista
Flaacutevio Filoacutestrato de Atenas sofista a mais ilustre paacutetria elevou a estaacutetuardquo (SILVA 2014a p
33) Segundo Martiacutenez (2006 p 456 apud Silva 2014a p33) os sofistas eram usualmente
homenageados com estaacutetuas nas cidades gregas pois essa era uma forma de reconhecer seus
encargos puacuteblicos e poliacuteticos
Filoacutestrato escreveu algumas obras e atualmente satildeo reconhecidas como sendo de sua
autoria Vida de Apolocircnio de Tiana (a maior fonte de informaccedilotildees que temos sobre Apolocircnio)
Vida dos Sofistas Heroicos Imagens Cartas Ginaacutestico Nero e um discurso retoacuterico
conhecido como Diaacutelexis 2 (ELSNER 2009 p 4) Apesar de natildeo haver consenso entre os
pesquisadores sobre a autoria de todas essas obras considera-se que Vida de Apolocircnio de
Tiana (VA) e Vida dos Sofistas (VS) tenham sido escritas por Flaacutevio Filoacutestrato haja vista que
VA eacute citada em sua obra posterior VS (SILVA 2014 p 59) Estas satildeo as duas obras mais
conhecidas de Filoacutestrato sendo que VS eacute uma seacuterie de sessenta biografias de sofistas ceacutelebres
do Impeacuterio Romano dividida em dois livros e a VA eacute uma biografia sobre o saacutebio Apolocircnio
de Tiana composta por dois volumes tendo cada um deles oito livros
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana
Feita sob encomenda da imperatriz Juacutelia Domna Filoacutestrato escreveu as memoacuterias de
Apolocircnio um saacutebio da cidade de Tiana pertencente agrave regiatildeo da Capadoacutecia (VA I 3) que
teria vivido cerca de um seacuteculo antes durante o reinado de Domiciano (81 ndash 96) Foi
publicada provavelmente depois da morte da imperatriz em 217 (FRANCIS 1998 p 420)
A obra descreve o nascimento de Apolocircnio e sua juventude devotada agrave aprendizagem
dos princiacutepios pitagoacutericos e do autoconhecimento Posteriormente ele empreende uma seacuterie
de viagens passando por vaacuterias regiotildees com o objetivo principal de chegar agrave Iacutendia e de se
3 Para uma discussatildeo detalhada sobre esse assunto cf Silva 2014a p 49 - 52
4 Nesse periacuteodo essa magistratura se encarregava especialmente de assegurar o abastecimento alimentiacutecio da
cidade
11
encontrar com os bracircmanes hindus em busca do conhecimento filosoacutefico (VA I 18 32 II
11 III 16 29 IV 47) Durante o percurso satildeo narradas as impressotildees reflexotildees o diaacutelogo
de Apolocircnio com cidadatildeos e reis suas intervenccedilotildees poliacuteticas as curas e os milagres feitos por
ele Francis (1998 p 420) sintetiza a obra afirmando que Apolocircnio ldquoviaja pelo mundo
mediterracircneo discursando sobre a verdadeira filosofia e religiatildeo pregando ideais culturais
gregos profetizando e realizando milagresrdquo e ldquoquando retorna da Iacutendia Apolocircnio eacute
aclamado pelo mundo cultural grego e se envolve ativamente nos negoacutecios das cidades da
Aacutesia Menor e da Greacutecia (IV 2-33)rdquo
Nesse sentido a VA eacute uma biografia embora seja considerada demasiadamente longa
sendo uma das biografias mais extensas que sobreviveram da Antiguidade com conteuacutedos
demasiadamente variados (KEMEZIS 2014 p 62) O proacuteprio autor usa a palavra βίος em VA
(V 39) 5 talvez para caracterizar sua obra talvez com a intenccedilatildeo de transformar Apolocircnio em
um modelo de homem a ser seguido por seu valor moral ou ainda para dar credibilidade agrave
obra (SILVA 2014a p 86) Com base na historiografia do periacuteodo claacutessico e desenvolvido
no periacuteodo heleniacutestico esse gecircnero literaacuterio teve como uma de suas caracteriacutesticas principais
biografar pessoas que serviriam de exemplo para a comunidade (SILVA 2012 p 2)
Martiacutenez e Dosse tambeacutem discutem essa relaccedilatildeo entre biografia e vidas exemplares na
Antiguidade O primeiro afirma que a biografia serve para veicular as ideias sobre o
comportamento moral individual tornando-se com isso um instrumento de ideologia poliacutetica
(MARTIacuteNEZ 2004 p 48) O segundo enuncia que nessa eacutepoca o discurso das virtudes foi
incorporado agrave biografia e consequentemente estabeleceram-se modelos moralizantes (2009
p 123 apud Carvalho 2011 p 131) Esses modelos entatildeo formaram uma tradiccedilatildeo na
Antiguidade a tradiccedilatildeo dos valores heroicos e apoacutes a cristianizaccedilatildeo a dos valores religiosos
sendo ambos embasados em vidas exemplares (CARVALHO 2011 p 131)
Contudo o gecircnero literaacuterio da VA ainda eacute bastante debatido De uma forma geral os
comentadores classificam a obra em um determinado gecircnero literaacuterio mas afirmam que o
texto tem caracteriacutesticas muito evidentes de outros gecircneros Os estudiosos que consideram
esse texto como biografia satildeo Zeitlin (2001) Abraham (2009) Elsner (2009) e Silva (2014)
Bowie (2009) por outro lado o tem como romance Jaacute Pajares em sua introduccedilatildeo da traduccedilatildeo
da VA para a Editorial Gredos (1992) afirma que esse texto tem predominantemente
caracteriacutesticas biograacuteficas mas com influecircncia da paradoxografia (obras dedicadas agrave
5 ldquoQuanto a mim vou afastar desse homem jaacute que natildeo foi minha intenccedilatildeo difamaacute-lo mas possibilitar o relato da
vida de Apolocircnio a quem ainda natildeo a conhecerdquo (VA V 39) Texto grego ἐμοὶ δὲ ἀφεκτέα τοῦ ἀνδρός οὐ γὰρ
ἐκεῖνον διαβαλεῖν προὐθέμην ἀλλὰ παραδοῦναι τὸν Ἀπολλωνίου βίον τοῖς μήπω εἰδόσι
12
exploraccedilatildeo de maravilhas ou coleccedilotildees de mirabilia)6 do romance e da aretologia Para
Uytfanghe (2009) a VA eacute uma hagiografia (relatos ou biografias de homens santos) enquanto
que para Cornelli (2001) trata-se de uma aretologia Por fim Holzberg (1996) e Flinterman
(2009) a classificam como biografia ficcional ao passo que Francis (1998) a considera um
gecircnero formado com todas essas caracteriacutesticas
Para compor a VA Filoacutestrato afirma ter usado como fontes i) informaccedilotildees coletadas
em cidades nas quais Apolocircnio era adorado e em templos restaurados por ele ii) cartas
escritas pelo proacuteprio Apolocircnio nas quais discorria a respeitos dos deuses dos costumes dos
princiacutepios morais das leis aleacutem de comentar sobre as falhas humanas (VA I 2) iii) relatos
deixados por pessoas com quem ele teve contato como reis sofistas filoacutesofos e homens
gregos indianos e egiacutepcios iv) um livro de memoacuterias de Dacircmis disciacutepulo de Apolocircnio v) e
um livro de Maacuteximo de Egas no qual o autor registra a passagem de Apolocircnio por essa
cidade Aleacutem destas fontes Filoacutestrato diz ainda ter consultado um livro escrito por
Moeragenes Contudo Filoacutestrato afirma ter rejeitado essa fonte pelo fato de o autor ser
ignorante de vaacuterios aspectos da vida de Apolocircnio (VA I 3)
12 Quem era Apolocircnio de Tiana
Apolocircnio de Tiana nasceu na Capadoacutecia em meados de 40 iniacutecio da era cristatilde Teria
sido um saacutebio itinerante e filoacutesofo neopitagoacuterico Enquanto esteve vivo natildeo se tornou muito
famoso salvo no norte da Siacuteria e na Aacutesia Menor onde era conhecido como um mago
beneficente e um curador Na biografia feita por Filoacutestrato Apolocircnio eacute universalmente
aclamado influente e ateacute mesmo um homem semidivino que teria feito muitos milagres
profecias e exorcizado democircnios Quando morreu seu corpo e sua alma teriam ascendido ao
ceacuteu (YSSELT 1994 p 351)
De acordo com Flinterman (2009 p 157 ndash 158) Apolocircnio teria direcionado sua vida
segundo os preceitos definidos por Pitaacutegoras Esses preceitos eram basicamente a renuacutencia
ao uso de produtos de origem animal da vestimenta agrave alimentaccedilatildeo e a rejeiccedilatildeo dos sacrifiacutecios
de animais Fazia parte tambeacutem desse estilo de vida asceacutetico a praacutetica do silecircncio entre seus
seguidores
6 De acordo com Nichols (2011 p 30) a partir do seacutec III aC no periacuteodo heleniacutestico a paradoxografia jaacute
aparece como um gecircnero literaacuterio bem desenvolvido
13
Seguindo os passos de Pitaacutegoras aos dezesseis anos Apolocircnio decide aderir a esse
estilo de vida (VA I 7) Desse modo primeiramente Apolocircnio renunciou ao consumo de
carne com o argumento de que esta era impura e deixava a mente impolida passando a seguir
uma dieta agrave base de frutas secas e vegetais Abdicou tambeacutem da ingestatildeo do vinho pois
apesar de ser uma bebida pura desequilibrava a mente (VA I 8)7 Depois de desintoxicar seu
corpo Apolocircnio parou de usar qualquer produto de origem animal como sapatos e soacute usava
vestes de linho (VA I 8)8 Aleacutem disso deixou crescer seu cabelo (VA I 8) e sua barba Sobre
isso Flinterman (2009 p 159) destaca que no iniacutecio do periacuteodo imperial o cabelo comprido
era considerado uma caracteriacutestica distintiva dos filoacutesofos pitagoacutericos Todavia Apolocircnio
privou-se tambeacutem da vida conjugal e do sexo mantendo o celibato Nesse caso contudo o
celibato foi uma medida tomada aleacutem dos preceitos do pitagorismo pois Filoacutestrato menciona
que Pitaacutegoras era renomado por defender a monogamia (VA I 13)
9 Ademais ele natildeo
participava e era contra sacrifiacutecios de sangue tanto em ritos religiosos quanto em espetaacuteculos
de gladiadores (VA I 10 31 IV 22 V 25) Por fim fez voto de silecircncio durante cinco anos
(VA I 14 - 15)
Assim segundo Filoacutestrato o modo de vida de Apolocircnio propiciaria um conhecimento
privilegiado do mundo e uma comunicaccedilatildeo com a esfera divina Nesse sentido o diaacutelogo com
o rei parto Vardanes eacute ilustrativo Nele Apolocircnio diz que Pitaacutegoras o ensinou a venerar os
deuses e a estar atento a eles independentemente se eles eram visiacuteveis ou natildeo e a estar
frequentemente em diaacutelogo com eles bem como se vestir com o linho produto natildeo de origem
animal mas da terra e da aacutegua Tambeacutem faziam parte desse aprendizado manter o cabelo
longo como disciplina se manter puro ao natildeo consumir carne e natildeo acompanhar algueacutem no
consumo de bebidas alcooacutelicas assim como natildeo viver uma vida ociosa ou luxuosa mas
auxiliar as pessoas que tecircm problemas de conduta (VA I 32)
7 Como descrito na proacutepria obra para Apolocircnio o vinho ldquoera uma bebida pura por vir aos homens de uma planta
tatildeo bem cultivada mas era contraacuterio agrave formaccedilatildeo da mente por escurecer o eacuteter que havia na almardquo (VA I 8)
Texto grego καὶ τὸν οἶνον καθαρὸν μὲν ἔφασκεν εἶναι πῶμα ἐκ φυτοῦ οὕτως ἡμέρου τοῖς ἀνθρώποις ἥκοντα
ἐναντιοῦσθαι δὲ τῇ τοῦ νοῦ συστάσει διαθολοῦντα τὸν ἐν τῇ ψυχῇ αἰθέρα 8 Essa caracteriacutestica eacute bem marcada no momento em que o rei indiano Fraotes lhe daacute vaacuterios presentes e Apolocircnio
aceita apenas as vestes de linho como consta no trecho que segue ldquoO hindu lhe deu ouro pedras preciosas
vestidos de linho e milhares de coisas Apolocircnio disse que tinha ouro o suficiente pois Vardanes tinha dado a
ele escondido dele ao guia mas que aceitaria os vestidos de linho porque se assemelhavam ao manto filosoacutefico
dos antigos e eram mesmo aacuteticosrdquo (VA II 40) Texto grego καὶ χρυσίον δὲ ἐδίδου ὁ Ἰνδὸς καὶ ψήφους καὶ
ὀθόνας καὶ μυρία τοιαῦτα ὁ δὲ Ἀπολλώνιος lsquoχρυσίον μὲνrsquo ἔφη lsquoἱκανὸν ἑαυτῷ εἶναι δόντος γε Οὐαρδάνου τῷ
ἡγεμόνι ἀφανῶς αὐτό τὰς δὲ ὀθόνας λαμβάνειν ἐπειδὴ ἐοίκασι τρίβωνι τῶν ἀρχαίων τε καὶ πάνυ Ἀττικῶν 9 Sobre esse assunto cf tambeacutem Flinterman 2009 p 161
14
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo
Em VA Apolocircnio eacute afamado por seu estilo de vida asceacutetico bem como por fazer
milagres Dadas essas caracteriacutesticas em alguns momentos da narrativa Apolocircnio eacute chamado
de θεῖος ἀνήρ (homem divino) Justi (2012 p 15) nos informa que o principal elemento
associado ao termo eacute que o homem divino possui caracteriacutesticas excepcionais expressas por
meio do poder miraculoso e da sabedoria extraordinaacuteria Um homem assim identificado era
geralmente itinerante e tido por seus seguidores como um salvador divino graccedilas aos seus
poderes prodigiosos
Alguns dos milagres realizados por Apolocircnio foram i) salvar a cidade de Eacutefeso de
uma praga (IV 10) ii) exorcizar democircnios (IV 20) iii) curar um jovem rapaz em Tarso que
fora mordido por um catildeo raivoso (VI 43) iv) prever a morte do imperador Domiciano (VIII
26)
FIGURA 1 - Apolocircnio curando um jovem ateniense possuiacutedo (VA IV 20) (imagem superior) Apolocircnio
ressuscita uma garota morta em Roma (VA IV 45) (imagem inferior) Desenho de Johannes Stradanus (Bruges
I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings vol 32
n 04 1994 p 353
15
Ademais ele eacute reconhecido como divino em diversas passagens do texto10
Em uma
delas o rei indiano Fraotes escreve uma carta ao bracircmane Iarcas o saacutebio hindu mais antigo
aconselhando-o a dar igualdade de tratamento a Apolocircnio
ἐπιστελῶ δὲ καὶ Ἰάρχᾳ τῷ πρεσβυτάτῳ τῶν σοφῶν ἵν᾽ Ἀπολλώνιον μὲν ὡς μηδὲν
κακίω ἑαυτοῦ δέξηται ὑμᾶς δὲ ὡς φιλοσόφους τε καὶ ὀπαδοὺς ἀνδρὸς θείουrsquo (VA
II 40)
[Fala de Fraotes] ldquoe escreverei tambeacutem a Iarca o mais velho dos saacutebios para que
receba Apolocircnio em nada pior do que eu proacuteprio e a noacutes como filoacutesofos e
seguidores um homem divinordquo
Ainda conforme Justi (2012 p 15) um nascimento maravilhoso uma carreira
marcada pelo dom da linguagem persuasiva e dominadora a capacidade de fazer milagres
(incluindo curas e adivinhaccedilotildees) e uma morte de alguma maneira extraordinaacuteria caracterizam
o termo θεῖος ἀνήρ11
Com exceccedilatildeo da morte natildeo descrita na VA todos os atributos acima
condizem com a vida de Apolocircnio Filoacutestrato no primeiro livro narra o nascimento de
Apolocircnio como um momento envolto em pressaacutegios (VA I 5) Haacute por exemplo a menccedilatildeo de
que ele seria a encarnaccedilatildeo do deus Proteu uma vez que esse deus teria aparecido agrave sua matildee
enquanto estava graacutevida predizendo o acontecimento o que confirmaria a sabedoria divina de
Apolocircnio (VA I 4) Aleacutem disso a apariccedilatildeo de um bando de cisnes momentos antes do seu
nascimento e a queda de um raio no instante do parto estariam associadas ao seu
favorecimento divino12
A imagem de Stradanus traduz bem essa cena
10
Como por exemploVA I 2 21 II 17 40 III 28 VII 38 VIII 13 23 11
Alguns autores vide Horsley (2013) Kemezis (2014) e Koskenniemi (2016) se opotildeem a essa concepccedilatildeo 12
O estudo de Miles (2016) trata sobre a relaccedilatildeo que haacute entre o aparecimento dos cisnes e os pressaacutegios ligados a
eles no momento do nascimento de Apolocircnio
16
FIGURA 2 - O nascimento de Apolocircnio de Tiana na Capadoacutecia (VA I 4-5) (imagem superior) e Apolocircnio de
Tiana admirando os relevos do templo em Taxila na Iacutendia (VA II 20) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Poreacutem foram os milagres que elevaram a fama de Apolocircnio Em virtude disso
Domiciano tentou descaracterizar o aspecto divino desses feitos Para tal o imperador o
processou afirmando que Apolocircnio conspirara contra ele (VA VII 20) No julgamento
Apolocircnio foi chamado de γόης que neste contexto tinha uma denominaccedilatildeo pejorativa13
pois
13
No entando γόης nem sempre teve uma denotaccedilatildeo pejorativa De acordo com Lloyd (1979 p 10 - 15) o
primeiro registro que temos de uma obra que aplicou o termo γόης de forma depreciativa eacute datada entre o final
do seacuteculo V e iniacutecio do seacuteculo IV aC Natildeo apenas esse termo mas qualquer pretensatildeo de poder manipular
forccedilosamente o divino ou o sobrenaturalparece ter entrado em conflito com uma visatildeo mais racionalista da
religiatildeo Segundo o autor eacute ainda nos meados do seacuteculo V aC que temos evidecircncias de relatos racionalistas da
origem da religiatildeo e temos informaccedilotildees que relatam a rejeiccedilatildeo e a refutaccedilatildeo de algumas noccedilotildees maacutegicas como
no tratado hipocraacutetico Sobre a Doenccedila Sagrada (Περὶ ἱερῆς νοuacuteσου)
17
significava ser feiticeiro mago charlatatildeo impostor 14
Na sequecircncia ele foi processado por
i) ter sido adorado por algumas pessoas ii) ter predito a fome em Eacutefeso iii) ter proferido
algumas palavras em detrimento de Domiciano iv) ter visitado o entatildeo senador Nerva e ter
feito o sacrifiacutecio de um menino aacutercade em benefiacutecio deste v) e pelo modo de viver e de
vestir-se (VA VII 20) De todas a penuacuteltima acusaccedilatildeo era a mais grave (VII 20) Apoacutes o
testemunho de duas pessoas a favor de Apolocircnio ele proacuteprio se defendeu da seguinte forma
παρ᾽ ὅσον μὲν τοίνυν τῆς ἀληθείας ἡ γραφὴ ξυνετέθη δηλοῖ σαφῶς ἡ μαρτυρία τῶν
ἀνδρῶν οὐ γὰρ ἐν προαστείοις ἀλλ᾽ ἐν ἄστει οὐκ ἔξω τείχους ἀλλ᾽ ἐπ᾽ οἰκίας
οὐδὲ παρὰ Νερούᾳ παρὰ Φιλίσκῳ δέ οὐδὲ ἀποσφάττων ἀλλ᾽ ὑπὲρ ψυχῆς
εὐχόμενος οὐδ᾽ ὑπὲρ βασιλείας ἀλλ᾽ ὑπὲρ φιλοσοφίας οὐδ᾽ ἀντὶ σοῦ χειροτονῶν
νεώτερον ἀλλ᾽ ἄνδρα σώζων ἐμαυτῷ ὅμοιον (VA VIII 7)
Ateacute que ponto satildeo verdadeiras estas acusaccedilotildees mostra com clareza o testemunho
destes senhores pois eu natildeo estava na periferia mas na cidade natildeo estava fora das
muralhas mas em uma casa natildeo estava na casa de Nerva mas na de Filisco natildeo
estava decapitando mas clamando por uma vida natildeo em prol do reino mas da
filosofia natildeo votando contra ti e a favor de um mais jovem mas para salvar um
homem semelhante a mim
Diante desse contexto Silva (2016a p 126) acredita que o motivo da acusaccedilatildeo
tenha sido poliacutetico jaacute que o imperador possivelmente temia a influecircncia de Apolocircnio junto ao
povo Poreacutem ponderamos que o imperador temia o contato e a influecircncia de Apolocircnio junto agrave
corte ou aos ciacuterculos de poder
Por outro lado existe tambeacutem a possibilidade de que tanto a acusaccedilatildeo quanto a
defesa de Apolocircnio tenham sido inventadas por Filoacutestrato com o intuito de reverter a imagem
de Apolocircnio de γόης para θεῖος ἀνήρ (SILVA 2014 p 129) Dessa forma as praacuteticas com
natureza maacutegico-religiosa denunciadas por Domiciano seriam parte da sabedoria divina de
Apolocircnio (VA VIII 2 7) Isso faria dele um teurgo e segundo Silva (2013b p 3) a teurgia
era uma fusatildeo de rituais religiosos e especulaccedilotildees filosoacuteficas com uma base maacutegica De
acordo com Brandatildeo (1991 p 113)
a magia ligada agrave filosofia por um lado era considerada um conhecimento miacutestico
por outro lado era uma espeacutecie de conhecimento cientiacutefico o que fazia com que
fosse aceita por largas faixas das camadas mais eruditas do Impeacuterio Romano
14
Bailly 2000 p 443
18
Teriacuteamos assim a partir da VA o modelo de um homem saacutebio filoacutesofo e com
uma moral exemplar uma figura alvo de admiraccedilatildeo Aleacutem disso Apolocircnio carregaria consigo
os valores gregos para onde quer que fosse como veremos mais agrave frente
Por outro lado no contexto cristatildeo Apolocircnio de Tiana eacute uma figura muito
debatida Dentre as polecircmicas que o envolvem estaacute a comparaccedilatildeo dele com Jesus Cristo No
seacuteculo III Sosiano Hieacuterocles escreveu um tratado polecircmico contra Jesus no qual tentou usar a
imagem de θεῖος ἀνήρ representada por Apolocircnio como uma ferramenta contra o
cristianismo de seu tempo Embora esse tratado natildeo tenha sobrevivido eacute citado por Euseacutebio
de Cesareia que tentou veementemente proteger Jesus contra o ataque de Hieacuterocles em um
tratato intitulado Contra Hieacuterocles (SCHIRREN 2009 p 161- 162) De acordo com
Schirren (2009 p 162) o contraste que haacute entre essas duas figuras sob o ponto de vista
criacutetico-literaacuterio eacute que a vida de Jesus como narrada no Novo Testamento conta a histoacuteria do
filho de Deus sujeitando-se ao mal do mundo e superando o sofrimento humano sem
pronunciar uma palavra contra Pocircncio Pilatos que o condenou agrave morte Com isso Cristo se
torna o salvador do mundo Em contraste na VA Apolocircnio ergue-se contra os governantes
impiedosos do impeacuterio romano e mesmo depois de ter sido condenado agrave morte por sua
conduta ultrajante ainda tenta educar os tiranos para finalmente desaparecer quando lhe
parece apropriado15
Com isso a imagem de Apolocircnio de Tiana como descrita por Filoacutestrato teve
grande repercussatildeo nos primeiros seacuteculos do cristianismo E seacuteculos depois ainda
repercutia uma vez que inspirou o artista flamengo Johannes Stradanus (Bruges I523 -
Florenccedila 1605) a pintar uma seacuterie de pequenos quadros todos feitos agrave pena e tinta e
enumerados de um a dez De acordo com as legendas escritas na caligrafia do proacuteprio artista
os desenhos representam cenas da vida de Apolocircnio de Tiana e atualmente se encontram no
museu Cooper-Hewitt de Nova York (YSSELT 1994 p 351)
15
Outros autores que discutem esse tema satildeo Elsner (1997) Girard (1999) Koskenniemi (1998) Stratton (2003)
Jones (2006) e Silva (2014 segundo capiacutetulo)
19
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano16
Eacute muito difiacutecil definir ou atribuir uma identidade grega ou romana em meio a um
impeacuterio vasto e multicultural No seacuteculo V aC Heroacutedoto (Hist VIII 144) registra uma
oposiccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo (gregos) e os ldquooutrosrdquo (baacuterbaros) Isso natildeo deixa de ser um conceito ou
um criteacuterio de identificaccedilatildeo do que eacute ser grego (hellenikoacuten) ter o ldquomesmo sangue mesma
liacutengua santuaacuterios e sacrifiacutecios comuns haacutebitos e costumes semelhantesrdquo
Mas o tempo e o contexto de Filoacutestrato (seacuteculos II ndash III) jaacute natildeo eram mais iguais aos
do seacuteculo de Heroacutedoto Grego originaacuterio de Lemnos Filoacutestrato viveu durante o Impeacuterio
Romano em meio agrave heterogeneidade e agrave diversidade cultural Nessa eacutepoca a questatildeo da
identidade romana (ou identidades) incluiacutea o processo de romanizaccedilatildeo (da Itaacutelia e em seguida
do Impeacuterio) de um lado e a questatildeo da resistecircncia cultural a ela de outro De acordo com
Mendes (2004 p 258)
O conceito de Romanizaccedilatildeo em aplicaccedilatildeo pressupotildee um processo de mudanccedila
socioeconocircmica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos
implicando em diferentes formas de interaccedilatildeo cultural Nesta perspectiva fica
impliacutecito o reconhecimento de um contiacutenuo desenvolvimento da cultura material
nativa aberta a processos interativos diferentes em eacutepocas distintas e em resposta agraves
escolhas e demandas locais Por outro lado a Romanizaccedilatildeo tambeacutem eacute entendida
como um processo dialeacutetico na medida em que veicula os elementos culturais
fundamentais da identidade cultural romana e seu ajustamento com alteridades
culturais dos povos dominados
A assimilaccedilatildeo cultural das populaccedilotildees que foram integradas a Roma durante a
expansatildeo da Repuacuteblica e do Impeacuterio foi ldquoum processo de mudanccedila relacionado com as ideias
de controle social e identidaderdquo (MENDES 1999 p 307)
A proacutepria Roma por outro lado passou por um processo de helenizaccedilatildeo seacuteculos
antes Historiadores consideram que houve uma primeira helenizaccedilatildeo com a captura de
Tarento por Faacutebio Maacuteximo em 272 aC Posteriormente teria havido uma segunda
16
A palavra latina identitas eacute uma criaccedilatildeo tardia do seacuteculo IV usada especialmente por teoacutelogos cristatildeos para
definir a Trindade De fato no mundo romano eacute preciso primeiro ser capaz de identificar um indiviacuteduo atraveacutes
da atribuiccedilatildeo de um nome e de um status ligado ao grupo jaacute o termo latino persona refere-se primeiro agrave maacutescara
usada pelos atores antes de designar a pessoa gramatical ou entidade Mas ao contraacuterio do que aconteceu no
Impeacuterio Romano a noccedilatildeo de identidade na Greacutecia Antiga natildeo se deu devido ao uso recorrente de palavras e ao
que se constata ateacute hoje tambeacutem natildeo haacute textos em que a noccedilatildeo proacutepria de identidade apareccedila nem um termo
especiacutefico que tenha essa designaccedilatildeo (BAROIN WORMS 2006 p 1-2)
20
helenizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos desse mesmo seacuteculo com a tomada de Siracusa por Marco
Claacuteudio Marcelo em 212 aC (BAROIN WORMS 2006 p 8)
Como resultado desse processo os romanos receberam influecircncias gregas na
religiatildeo nas artes e nas relaccedilotildees sociais A exemplo disso citemos as praacuteticas e locais de oacutecio
(otium) que eram essencialmente caracterizados como gregos e que foram totalmente
inseridos na cultura romana como o banquete a filosofia e o teatro Com isso entendemos a
questatildeo da identidade como sendo um movimento constante e plural e a fusatildeo de costumes e
de praacuteticas natildeo se constroacutei somente em oposiccedilatildeo ao outro mas tambeacutem com o outro
(BAROIN WORMS 2006 p 8 - 9)
Nesse contexto de fusatildeo e de difusatildeo de identidades Filoacutestrato resgata e valoriza a
cultura grega claacutessica por meio de suas principais obras VS e VA Na Vida dos Sofistas o
tema eacute desenvolvido dentro da perspectiva dos papeacuteis desempenhados pelos sofistas na
Segunda Sofiacutestica (Δευτέρα σοφιστική) De acordo com Whitmarsh (2001 p 272) a
Segunda Sofiacutestica foi um acontecimento em que vaacuterios sofistas e escritores helenizados que
viviam no Impeacuterio Romano afirmaram sua identidade grega em torno de sua proacutepria cultura
atraveacutes da literatura e da retoacuterica estabelecendo um novo posicionamento cultural17
De
acordo com Abraham (2014 p 478) atribui-se a autoria do termo Segunda Sofiacutestica a
Filoacutestrato pois ele teria aparecido pela primeira vez em VS de acordo com os documentos
mais antigos que chegaram ateacute a atualidade
Jaacute na Vida de Apolocircnio de Tiana Filoacutestrato se utiliza do personagem Apolocircnio
para destacar aspectos da cultura grega claacutessica Se para Heroacutedoto era considerado grego
quem era nascido em terras gregas falava grego e compartilhava de haacutebitos e costumes
similares na VA satildeo outros os aspectos enfatizados Aqui percebemos que possuir a cultura
grega do periacuteodo claacutessico atraveacutes do domiacutenio da liacutengua da literatura e da filosofia tem um
valor maior do que ter nascido na Greacutecia
Nesse sentido a palavra baacuterbaro cuja etimologia remete a ldquoestrangeiro que fala
de forma balbuciante e natildeo se entende o que dizrdquo adquire outra dimensatildeo No periacuteodo das
Guerras Meacutedicas (seacuteculo V aC) ldquobaacuterbarordquo tinha o sentido de ldquonatildeo gregordquo criando entatildeo a
oposiccedilatildeo entre ἕλλην e βάρβαρος18
Assim a liacutengua era a maior marca de distinccedilatildeo de quem
era grego ou natildeo Whitmarsh (2001 p 272) afirma que na Atenas dos seacuteculos V - IV aC o
17
Atualmente eacute comum a ideia de que os filoacutesofos e os sofistas desempenhavam os mesmos papeacuteis durante o
ldquorenascimento cultural gregordquo ocorrido nos trecircs primeiros seacuteculos aC advinda com a Segunda Sofiacutestica O
estudo de Sidebottom 2009 p 69 ndash 99 eacute indicado para tratar sobre esse assunto 18
Chantraine 1968 p 164 ndash 165
21
dialeto aacutetico era usado pela elite intelectual em oposiccedilatildeo ao demoacutetico falado pelo povo
sendo essa uma das maiores distinccedilotildees sociais Mesmo natildeo sendo ateniense Apolocircnio na VA
fala habilmente o aacutetico ldquoSua liacutengua era o aacutetico e isso natildeo mudava por causa do seu sotaque
dada a sua regiatildeo de origemrdquo (ᾗ γράμματα μνήμης τε ἰσχὺν ἐδήλου καὶ μελέτης κράτος καὶ ἡ
γλῶττα Ἀττικῶς εἶχεν οὐδ᾽ ἀπήχθη τὴν φωνὴν ὑπὸ τοῦ ἔθνους VA I 7)
Quando Apolocircnio conheceu seu companheiro de viagens e futuro disciacutepulo
Dacircmis este se dispocircs a guiaacute-lo e a ser seu tradutor Todavia como resposta Apolocircnio diz que
entendia todas as liacutenguas mesmo sem ter aprendido nenhuma pois entendia o silecircncio (VA I
19) A dispensa de um tradutor soacute se torna eficaz para Apolocircnio pelo fato de que em seus
encontros com outros povos algueacutem sempre falava grego (REGER 2007 p 262) Dada a
improbabilidade de esses fatos terem ocorrido dessas coincidecircncias interpretamos que o
monolinguismo dos encontros eacute uma das estrateacutegias que Filoacutestrato encontrou para valorizar a
liacutengua grega no contexto da Segunda Sofistica
Aleacutem disso outros aspectos da cultura grega claacutessica satildeo retomados quando Apolocircnio
demonstra ter domiacutenio da literatura da filosofia e da mitologia Satildeo citados os poemas
homeacutericos Iliacuteada e Odisseia (VA II 14 III 27 V 7 14 22 26 36 VIII 4 5 7 16 11 13)
Hesiacuteodo (VA V 21) Esopo (VA V 14) Arquiacuteloco (VA II 7) Eacutesquilo (VA VI 11) Soacutefocles
(VA IV 38 VI 4) Euriacutepides (VA II 14 32 IV 21 VII 5 14) Piacutendaro (VA VI 26)
Tuciacutedides (VA VII 25) Soacutecrates (VA VI 10 19 VIII 2) e Platatildeo (VA IV 36 VII 3)
Sendo integrante de uma elite cabia a Filoacutestrato resgatar sinais e traccedilos de uma
antiga identidade grega e tentar recompocirc-la e reativaacute-la construindo um modelo exemplar do
que eacute ser grego com a figura de Apolocircnio
As elites gregas podem ou melhor devem ir a fundo em sua cultura ndash eacute por ela
graccedilas a ela que podem reivindicar seu lugar e legitimar seu direito nesse impeacuterio
greco-romano cuja sorte foi decidida na Batalha de Aacutecio Tal eacute o sentido desse
movimento literaacuterio e poliacutetico dessa estrateacutegia cultural chamada Segunda Sofiacutestica
A Vida de Apolocircnio eacute parte do empreendimento de reconquista e de re-apropriaccedilatildeo
ativa do passado grego participando de sua recriaccedilatildeo ndash do processo em atividade
em toda sociedade viva de fabricaccedilatildeo ou de invenccedilatildeo da tradiccedilatildeordquo (HARTOG
2004 p 21 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Essa re-apropriaccedilatildeo e recriaccedilatildeo se torna muito mais aparente quando Filoacutestrato
descreve a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Laacute ele se comunica com os indianos em grego e se
admira com o conhecimento que eles tecircm dessa liacutengua (VA III 12) Na sua primeira estada
22
Apolocircnio eacute acolhido pelo rei Fraotes de Taxila Em um primeiro momento os dois se
comunicam com o intermeacutedio de um inteacuterprete ateacute o rei lhe confessar que tambeacutem falava
grego
lsquoἔδεισαrsquo ἔφη lsquoθρασὺς δόξαι μὴ γιγνώσκων ἐμαυτόν μηδ᾽ ὅτι βάρβαρον εἶναί με
δοκεῖ τῇ τύχῃ σοῦ δὲ ἡττηθείς ἐπειδὴ καὶ σὲ ὁρῶ ἐμοὶ χαίροντα οὐκ ἠδυνήθην
ἐμαυτὸν κρύπτειν ὡς δὲ μεστός εἰμι τῆς Ἑλλήνων φωνῆς ἐν πολλοῖς δηλώσωrsquo
(VA II 27)
Eu receava vocecirc achar que eu fosse arrogante quando ainda natildeo me conhecia a mim
mesmo e pensar que eu fosse um baacuterbaro natildeo por decisatildeo da sorte Mas apoacutes ter te
cativado porque vejo que me estimas natildeo posso me esconder assim te convencerei
de vaacuterias formas que sou bem profeciente na liacutengua grega
Ademais o rei hindu tambeacutem evidencia que a filosofia grega eacute altamente estimada em
seu paiacutes (VA II 30) e menciona ter lido uma peccedila denominada ldquoOs filhos de Heacuteraclesrdquo
passando a impressatildeo de que leituras desse gecircnero eram comuns para ele (VA II 32) Fraotes
tambeacutem interage com a cultura grega atraveacutes da praacutetica de esportes
τὰ δὲ ἐφ᾽ ἑκάτερα δρόμοι ἦσαν ἐν οἷς ἀκοντίῳ τε καὶ δίσκῳ τὸν Ἑλληνικὸν τρόπον
ἑαυτὸν ἐξήσκει καὶ γὰρ τὸ σῶμα ἔρρωτο ὑπό τε ἡλικίας mdash ἑπτὰ γὰρ καὶ εἴκοσιν ἔτη
γεγονὼς ἦν mdash ὑπό τε τοῦ ὧδε γυμνάζεσθαι ἐπεὶ δὲ ἱκανῶς ἔχοι ἐπήδα ἐς τὸ ὕδωρ
καὶ ἐγύμναζεν ἑαυτὸν τῷ νεῖν ὡς δὲ ἐλούσαντο ἐβάδιζον ἐς τὸ συσσίτιον
ἐστεφανωμένοι τουτὶ δὲ νενόμισται Ἰνδοῖς ἐπειδὰν ἐς τοῦ βασιλέως πίνωσιν (VA
II 27)
havia em ambos lados pistas de corrida nas quais agrave maneira grega se exercitava em
dardo de arremesso e disco pois tinha o corpo forte pela idade ndashele tinha vinte e sete
anos ndash e por praticar ginaacutestica assim Depois de se exercitar o suficiente ele saltava
na aacutegua e treina por conta proacutepria nataccedilatildeo
Ao final da estadia de Apolocircnio junto a Fraotes e antes de ele partir a caminho de
Paraca cidade dos bracircmanes o rei escreve uma carta de recomendaccedilatildeo em grego a Iarcas o
homem mais antigo e saacutebio entre os bracircmanes hindus Chegando laacute Apolocircnio se surpreende
ao ser recebido por um mensageiro que tambeacutem falava a liacutengua grega (VA III 12) Aleacutem
disso depois de ler a carta de Fraotes Iarcas faz uma breve correccedilatildeo demonstrando grande
domiacutenio da liacutengua grega
23
τὸν δὲ Ἀπολλώνιον ἰδὼν φωνῇ τε ἠσπάσατο Ἑλλάδι καὶ τὰ τοῦ Ἰνδοῦ γράμματα
ἀπῄτει θαυμάσαντος δὲ τοῦ Ἀπολλωνίου τὴν πρόγνωσιν καὶ γράμμα γε ἓν ἔφη
λείπειν τῇ ἐπιστολῇ δέλτα εἰπών παρῆλθε γὰρ αὐτὸν γράφοντα (VA III 16)
Ao vecirc-lo Apolocircnio o saudou em liacutengua grega e lhe pediu a carta do hindu Apolocircnio
se surpreendeu com sua clarividecircncia e Iarcas reparou que faltava uma letra na carta
um delta seguramente que a quem escreveu tinha passado desapercebido
Em outro episoacutedio Dacircmis companheiro de viagem de Apolocircnio tambeacutem se
admira com o conhecimento do bracircmane com relaccedilatildeo ao grego
ταῦτα τοῦ Ἰνδοῦ διελθόντος ἐκπεσεῖν ὁ Δάμις ἑαυτοῦ φησιν ὑπ᾽ ἐκπλήξεως καὶ
ἀναβοῆσαι μέγα μὴ γὰρ ἄν ποτε νομίσαι ἄνδρα Ἰνδὸν ἐς τοῦτο ἐλάσαι γλώττης
Ἑλλάδος μηδ᾽ ἄν εἴπερ τὴν γλῶτταν ἠπίστατο τοσῇδε εὐροίᾳ καὶ ὥρᾳ διελθεῖν
ταῦτα (VA III 36)
Enquanto o indiano discorria sobre estas coisas Damis afirma que ficou espantado e
que ele falou com fluecircncia Ele jamais havia pensado que um indiano poderia
dominar assim a liacutengua grega aliaacutes nem pensava que um indiano conhecesse a
liacutengua grega tamanha foi a fluecircncia e a conveniecircncia com que ele discorreu
Aleacutem do conhecimento linguiacutestico alguns dos costumes e dos rituais dos saacutebios
hindus tambeacutem estatildeo ligados agrave cultura grega i) o momento em que os saacutebios cantam uma
canccedilatildeo que se assemelha ao peatilde de Soacutefocles cantado em Atenas em honra a Ascleacutepio (VA III
17) ii) quando citam Homero (VA III 20 22 27) iii) discutem sobre justiccedila (VA III 24)
sobre a moral grega (VA III 25) sobre mitos gregos (VA III 25) filosofia (VA III 28) e
cosmogonia (VA III 34) Esses aspectos seratildeo analisados no terceiro capiacutetulo desse trabalho
14 Por que a Iacutendia
Geograficamente na Antiguidade Claacutessica reconhecia-se como Iacutendia a regiatildeo que se
estendia do rio Indo ateacute a costa ocidental da Peniacutensula Iacutendica Os principais acessos entre essa
regiatildeo e o Mediterracircneo eram feitas sobretudo atraveacutes do Mar Araacutebico do Golfo Peacutersico e
do Mar Vermelho ou ainda pelo planalto indiano Peacutersia e Mesopotacircmia Fora isso a
Bactriana e o Punjab (atuais Afeganistatildeo e Paquistatildeo) tambeacutem eram consideradas como de
domiacutenio hindu (RODRIGUES 2016 p 168)
24
Todo esse territoacuterio eacute um dos que mais se destaca na literatura grega antiga como um
produtor de maravilhas O verbete θαυμάσιος significa maravilhoso admiraacutevel e espantoso19
Haacute tambeacutem de mesma raiacutez o verbo θαυμάζω cujo sentido eacute o de surpreender-se ver com
espanto ou admiraccedilatildeo admirar venerar20
e o substantivo θαῦμα maravilha respectivamente
Esses termos satildeo comumente utilizados pelos escritores gregos para descrever a Iacutendia e seu
povo
Como exemplo mais antigo temos Ciacutelax de Carianda (seacutec VI aC) marinheiro e
explorador grego Participou entre 519 e 512 aC da expediccedilatildeo do rei persa Dario I para
explorar o curso do rio Indo Apoacutes ter alcanccedilado o mar ele natildeo apenas navegou pelo oceano
Iacutendico mas foi ateacute o mar Vermelho explorando algumas regiotildees da Araacutebia tendo concluiacutedo
essa viagem em trinta meses (HEROacuteDOTO Hist IV 44) Com isso Ciacutelax teria contribuiacutedo
para a Iacutendia ser vista como uma regiatildeo repleta de maravilhas e socialmente perfeita cuja
populaccedilatildeo detinha grande sabedoria (ESPELOSIacuteN LARGACHA GIRVEacuteS 1994 p 198)
Heroacutedoto tambeacutem descreveu sobre a Iacutendia e seu povo em suas Histoacuterias Nessa obra
tudo o que eacute relacionado aos hindus e ao seu paiacutes eacute tido como estranho e maravilhoso A
exemplo disso o autor nos informa que os indianos tecircm relaccedilotildees sexuais em puacuteblico como
animais (Hist III 101) e que alguns deles os padeus se alimentam de carne humana
matam os enfermos sacrificam e comem os idosos (Hist III 99) Outros natildeo tecircm casa e se
alimentam soacute de ervas (Hist III 100) Nesse sentido Morais (2004 p 54 e 76) comenta que
a descriccedilatildeo dos comportamentos hindus feita por Heroacutedoto se assemelha mais agrave dos
selvagens e que dessa forma eles natildeo transmitiriam sabedoria aos demais povos sendo seus
costumes estranhos e opostos aos da civilizaccedilatildeo mostrando uma visatildeo completamente
diferente da exposta por Cilax
Cteacutesias de Cnido (seacutec V-IV aC) tambeacutem escreveu sobre a Iacutendia e seu povo
Diferentemente dos outros autores Cteacutesias compocircs um livro dedicado inteiramente a esse
tema no qual descreve a geografia e a etnografia hindus os Ἰνδικά (Sobre a Iacutendia) A partir
dos fragmentos remanescentes descobrimos por um lado uma Iacutendia povoada apenas por
seres hiacutebridos e monstros selvagens como a μαρτιχόρα (manticora) (fr VII) e o paacutessaro
δίκαιρον (dikairon) (fr XVII) Por outro lado sua populaccedilatildeo se restringe a seres humanoides
com costumes distintos e estranhos como os κυνοκέφαλοι (cinoceacutefalos) (fr XX) e os
πυγμαῖοι (pigmeus) (fr XI)
19
Bailly 2000 p 918 20
Bailly 2000 p 918
25
Ateacute mesmo as dimensotildees e as quantidades tornam a natureza e a geografia
extraordinaacuterias o rio Indo mede 40 estaacutedios21
de largura e 200 de extensatildeo (fr I) existe uma
fonte na qual ao inveacutes de fluir aacutegua jorra ouro liacutequido (fr IV) Eacute diverso tambeacutem por suas
cores como as da ave βυττάκου (bittakos) cuja face eacute cor de puacuterpura a barba escura e a sua
nuca eacute escura tal qual cinaacutebrio (fr III) Romm (1989 p 121 - 135 apud SANO 2008 p 68)
considera que foi Cteacutesias o fundador de uma tradiccedilatildeo literaacuteria que descreve as ldquomaravilhas da
Iacutendiardquo e que alguns dos acontecimentos narrados por ele encontrariam antecedentes no
folclore indiano
Nesse periacuteodo houve tambeacutem um desenvolvimento da prosa escrita tanto do romance
quanto da historiografia Assim gecircneros literaacuterios como a paradoxografia a faacutebula e o
proacuteprio romance seguiram diferentes abordagens da realidade O caso da Iacutendia eacute indicativo de
novos desenvolvimentos suas caracteriacutesticas distintivas podem ser atribuiacutedas a um periacuteodo
anterior da cultura grega mas eacute no proacuteprio periacuteodo heleniacutestico que eles se juntam com uma
nova intensidade (PARKER 2008 p 47) Com isso maravilhas e monstros caracterizaram as
narrativas sobre esse paiacutes Aleacutem disso uma outra peculiaridade da Iacutendia era o fato dela ser
descrita como a fronteira do mundo A proacutepria obra de Cteacutesias informava que natildeo havia
populaccedilatildeo aleacutem do rio Indo22
Seguindo essa loacutegica Alexandre o Grande preparou uma expediccedilatildeo com o intuito de
conquistar as terras indianas acreditando ser a Iacutendia o limite do mundo Essa campanha teve
por outro lado um grande efeito no que diz respeito ao acesso de informaccedilotildees que os gregos
tinham ateacute entatildeo sobre a Iacutendia (PARKER 2008 p 59)
Seacuteculos mais tarde Luciano de Samoacutesata (125-180 dC) em suas Narrativas
Verdadeiras menciona Cteacutesias chamando-o de mentiroso23
por conta de suas obras Isso natildeo
soacute sintetizou a maacute reputaccedilatildeo de Cteacutesias como tambeacutem retomou o debate acerca de narrativas
sobre fatos verdadeiros e ficcionais (PARKER 2008 p 47) Assim a Iacutendia continuou a ser
um dos temas principais no contexto do discurso do maravilhoso
Outros escritores que escreveram sobre a Iacutendia foram Megaacutestenes (seacuteculo IV aC) em
sua obra Iacutendica Estrabatildeo (seacuteculo I aC) em Geografia Claacuteudio Eliano (seacuteculo I) em Sobre a
natureza dos animais Xenofonte de Eacutefeso (seacuteculo II ndash I) em Efesiacuteacas Arriano de
21
Medida de percurso equivalente a 17760 m 22
ldquoQue homens natildeo habitam aleacutem de laacuterdquo Texto grego Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους (Indikaacute
frag I) 23
ldquoCteacutesias de Cnido o filho de Ctesioco escreveu acerca do paiacutes dos indianos e do que existe laacute coisas que ele
proacuteprio natildeo viu nem ouviu de algueacutem que dizia a verdaderdquo Traduccedilatildeo de Sano 2008 p6 Texto
grego Κτησίας ὁ Κτησιόχου ὁ Κνίδιος ὃς συνέγραψεν περὶ τῆς Ἰνδῶν χώρας καὶτῶν παρ᾽ αὐτοῖς ἃ μήτε αὐτὸς ε
ἶδεν μήτε ἄλλου ἀληθεύοντος ἤκουσεν (Narrativas Verdadeiras I 3)
26
Nicomeacutedia (seacuteculo II) em sua Anaacutebase de Alexandre e Nono de Panoacutepolis (seacuteculo V) em
sua Dionisiacuteacas
Em siacutentese a Vida de Apolocircnio de Tiana se mostra inovadora ao abordar a temaacutetica do
maravilhoso juntamente com o resgate dos valores culturais claacutessicos Aleacutem de encontrarmos
vestiacutegios dessa tradiccedilatildeo repleta de maravilhas e caracteriacutesticas peculiares acompanhamos
Apolocircnio em uma jornada em busca da sabedoria
27
CAPIacuteTULO II
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA
A partir das fontes brevemente analisadas no primeiro capiacutetulo vimos que a Iacutendia eacute
um lugar de destaque nas narrativas gregas antigas devido ao seu exotismo e sua diversidade
natural Na VA curiosamente o caminho feito por Apolocircnio eacute marcado natildeo apenas por esse
exotismo mas principalmente pelos vestiacutegios encontrados de um passado grego Apolocircnio se
depara com rastros de Dioniso do macedocircnio Alexandre e faz alusotildees a escritores gregos
antigos como Heroacutedoto e Cteacutesias de Cnido Assim seraacute com base nessas referecircncias bem
como o mundo natural hindu narrado que mostraremos uma Iacutendia descrita sob a oacutetica de
Filoacutestrato
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia
Algumas das remissotildees que comentaacutevamos haacute pouco se datildeo na chegada de Apolocircnio e
de seus companheiros agrave Iacutendia Seguindo o relato de Filoacutestrato para adentrarem a regiatildeo rumo
agrave cidade dos bracircmanes Paraca os viajantes precisariam passar por uma montanha Nisa Ao
se aproximarem desta o guia de viagem os informou de que Dioniso ldquoagiardquo sobre ela e por
isso Apolocircnio supocircs que laacute aconteciam coisas maravilhosas (θαυμαστὰ) (VA II 7) Ao
subirem se depararam com um templo abandonado do deus
ἀνελθόντες οὖν ἱερῷ Διονύσου ἐντυχεῖν φασιν ὃ δὴ Διόνυσον ἑαυτῷ φυτεῦσαι
δάφναις περιεστηκυίαις κύκλῳ τοσοῦτον περιεχούσαις τῆς γῆς ὅσον ἀπόχρη νεῷ
ξυμμέτρῳ κιττόν τε περιβαλεῖν αὐτὸν καὶ ἀμπέλους ταῖς δάφναις ἄγαλμά τε ἑαυτοῦ
ἔνδον στήσασθαι γιγνώσκοντα ὡς ξυμφύσει τὰ δένδρα ὁ χρόνος καὶ δώσει τινὰ ἀπ᾽
αὐτῶν ὄροφον ὃς οὕτω ξυμβέβληται νῦν ὡς μήτε ὕεσθαι τὸ ἱερὸν μήτ᾽ ἀνέμῳ
ἐσπνεῖσθαι δρέπανα δὲ καὶ ἄρριχοι καὶ ληνοὶ καὶ τὰ ἀμφὶ ληνοὺς ἀνάκειται τῷ
Διονύσῳ χρυσᾶ καὶ ἀργυρᾶ καθάπερ τρυγῶντι τὸ δὲ ἄγαλμα εἴκασται μὲν ἐφήβῳ
Ἰνδῷ λίθου δὲ ἔξεσται λευκοῦ ὀργιάζοντος δὲ αὐτοῦ καὶ σείοντος τὴν Νῦσαν
ἀκούουσιν αἱ πόλεις αἱ ὑπὸ τῷ ὄρει καὶ ξυνεξαίρονται (VA II 8)
28
Tendo eles subido [a montanha] dizem que se depararam com um templo de
Dioniso o qual foi plantado pelo proacuteprio Dioniso que plantou loureiros rodeando
em ciacuterculo tatildeo grande que envolve a terra quanto bastava a um templo simeacutetrico E
ele tambeacutem colocou ao redor dos loureiros hera e videira ergueu uma estaacutetua para si
mesmo sabendo que no tempo em que as aacutervores crescessem juntas elas mesmas
umas sobre as outras dariam um teto com o qual assim se deparam agora entatildeo a
chuva natildeo o molha nem o vento sopra sobre o templo E havia foices cestas e vasos
e ao redor havia vasos consagrados a Dioniso como se fossem para um colhedor de
uvas dourados e prateados E a estaacutetua se assemelha a um jovem indiano e era de
pedra branca E ele celebrando e fazendo tremer o Nisa as cidades abaixo da
montanha ouvem e se afervoram
Logo em seguida o autor resume uma discussatildeo entre indianos e gregos a respeito de
Dioniso Por um lado os gregos diziam que Dioniso teria feito uma expediccedilatildeo agrave Iacutendia tanto
como soldado quanto como farrista Esses argumentos seriam embasados em uma oferenda
existente em Delfos onde dentre os tesouros preservados havia um disco de prata indiana
com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoDioniso o [filho] de Secircmele e de Zeus dos hindus a Apolo de
Delfosrdquo (ΔΙΟΝΥΣΟΣ Ο ΣΕΜΕΛΗΣ ΚΑΙ ΔΙΟΣ ΑΠΟ ΙΝΔΩΝ ΑΠΟΛΛΩΝΙ ΔΕΛΦΩΙ VA
II 9) Essa pode ser uma alusatildeo agrave Biblioteca Histoacuterica de Diodoro Siacuteculo (90 - 30 aC) na
qual o autor narra a expediccedilatildeo beacutelica e festejadora de Dioniso agrave Iacutendia e o apresenta como
divindade civilizadora que ao chegar a um povo nocircmade confere-lhes os atributos de sua
proacutepria cultura (PARKER 2008 p 47)24
Os indianos por outro lado apontavam duas diferentes origens para Dioniso Os que
habitavam a regiatildeo do Caacuteucaso e ao longo do rio Coacutefen afirmavam que Dioniso fora um
visitante assiacuterio conhecedor do deus tebano e de seus feitos Jaacute os que habitavam entre o rio
Indo Hidraotes e a regiatildeo continental ateacute o rio Ganges declaravam que o verdadeiro Dioniso
era filho do proacuteprio rio Indo Por sua vez o Dioniso de Tebas tornara-se seu disciacutepulo e
tomando o seu tirso passara a utilizaacute-lo em suas orgias Esse Dioniso de Tebas afirmava ser
filho de Zeus e ter sido criado na coxa de seu pai ateacute nascer Zeus entatildeo encontrou uma
montanha chamada Μηρόν (ldquocoxardquo) fronteira com o monte Nisa e nela plantou videiras em
homenagem a seu filho (VA II 9)
24
Em Biblioteca Histoacuterica Diodoro Siacuteculo apresenta tambeacutem Heacuteracles como divindade civilizadora na Iacutendia
poreacutem na VA Heraacutecles tem origem egiacutepcia e natildeo grega (VA II 3)
29
Segundo Grimal (2005 p 122) apoacutes ter nascido da coxa de Zeus e ser levado para
longe da Greacutecia para Nisa seu pai o transformou em cabrito para que Hera raivosa natildeo o
reconhecesse Quando se tornou adulto descobriu a videira e o seu uso Sofreu ainda alguns
impasses com Hera ateacute que em um dado momento Dioniso se dirigiu agrave Iacutendia regiatildeo que
conquistou numa expediccedilatildeo semiguerreira semidivina subjulgando seu povo pela forccedila das
armas pois ele levava consigo um exerciacutecito A partir de entatildeo originou-se o cortejo triunfal
de que se fazia acompanhar o carro puxado por panteras e ornamentado com parras os
Silenos as Bacantes os Saacutetiros e outras divindades menores
Assim como Dioniso eacute tido como uma divindade marginal e exilada nas histoacuterias
claacutessicas a Iacutendia por sua vez tambeacutem representava a margem do mundo uma terra
desconhecida e diversa Na VA a interaccedilatildeo dos hindus com essa divindade aparece de forma
tatildeo difundida que ele eacute chamado de Niacutesio (Νύσιος) pelos indianos e por todos os outros povos
aleacutem da Nisa (VA II 2)
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites
Como discutido anteriormente os gregos jaacute tinham algumas informaccedilotildees a respeito da
Iacutendia no seacuteculo IV aC Poreacutem esta visatildeo foi bastante ampliada e modificada apoacutes Alexandre
suceder seu pai Filipe II da Macedocircnia e realizar uma campanha de conquista da regiatildeo entre
327 e 325 aC Com isso ele expandiu os limites orientais do mundo grego avanccedilando para
aleacutem da fronteira da Iacutendia ateacute a bacia do rio Ganges (COURCELLES 2014 p 324)
Ao tentar reconstruir a expediccedilatildeo de Alexandre agrave Iacutendia o maior problema que os
historiadores tecircm enfrentado eacute o da escassez de fontes As dificuldades se datildeo pelo fato de que
os primeiros registros existentes que chegaram ateacute noacutes satildeo de cerca de trecircs seacuteculos depois de
sua ocorrecircncia provavelmente reflexos dos relatos perdidos de Caliacutestenes (360-328 aC)
Onesiacutecrito (360-290 aC) Aristoacutebulo (375-301 aC) e de Nearco Ainda assim existem
seacuterias duacutevidas sobre o caraacuteter dessas fontes e em que medida elas poderiam ser reconstruiacutedas
(PARKER 2008 p 34)
Natildeo obstante quatrocentos anos depois Apolocircnio ainda encontra vestiacutegios da
passagem de Alexandre pela Iacutendia Haacute resquiacutecios do contato que Alexandre teve com o rei
hindu Poro e do embate travado entre os dois conhecido como a Batalha de Hidaspes Na
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regiatildeo de Taxila fortificada agrave maneira grega existia um templo de aproximadamente cem
peacutes de altura no qual estavam gravadas as faccedilanhas de ambos os reis (VA II 20) Segundo
Filoacutestrato essas gravuras registravam o momento em que Poro ferido era restabelecido como
saacutetrapa apoacutes a vitoacuteria de Alexandre Ainda segundo o autor Poro ao saber da morte do rei
macedocircnio havia lhe dedicado essas gravuras e passado a se portar de forma moderada
guiando suas accedilotildees pelo desejo de agradar a Alexandre (VA II 20)
Partindo de Taxila Apolocircnio se deparou com uma estaacutetua de Alexandre em uma biga
de quatro mastros representando ao que Filostrato sugere o momento em que ele confrontou
os saacutetrapas de Dario Um pouco mais adiante encontrou dois portotildees um deles com a estaacutetua
do rei Poro e o outro com uma estaacutetua de Alexandre reproduzindo o momento em que os
dois se saudaram apoacutes a batalha de Hidaspes (VA II 42)
Apoacutes atravessarem o rio Hidraotes e alcanccedilarem o Hifaacutesis Apolocircnio e seus
companheiros de viagem encontraram tambeacutem altares dedicados a Alexandre (VA II 43)
Neles havia uma coluna de metal na qual estava inscrito ldquoAlexandre avanccedilou ateacute aquirdquo
(ΑΛΕΞΑΝΔΡΟΣ ΕΝΤΑΥΘΑ ΕΣΤΗ) ldquopara honrar o limite do seu Impeacuteriordquo (τὸ τῆς ἑαυτοῦ
ἀρχῆς τέρμα τιμῶντος) Poreacutem adiante desse marco para aleacutem do Hifaacutesis Filoacutestrato afirma
que os hindus ergueram uma outra coluna esta para marcar o orgulho dos indianos por
Alexandre natildeo ter avanccedilado mais em seu territoacuterio (VA II 43) Do mesmo modo quando
Apolocircnio estava em contato com os bracircmanes hindus haacute a menccedilatildeo de que aquele local nunca
fora visitado por Alexandre (VA II 33)
A nosso ver neste ponto Filoacutestrato sobrepotildee Apolocircnio a Alexandre Se por um lado
Alexandre tinha sido o uacutenico ocidental a alcanccedilar aquelas fronteiras por outro Apolocircnio as
ultrapassa e adentra ainda mais nas terras hindus Assim na VA Alexandre eacute lembrado pela
sua grandeza e por seus feitos passados mas tambeacutem por suas limitaccedilotildees Nesse sentido
Abraham (2014 p 467) argumenta que Filoacutestrato sobrepotildee a campanha do conquistador agrave
jornada do filoacutesofo e ao fazer contiacutenuas menccedilotildees aos memoriais de Alexandre transforma a
expediccedilatildeo de Apolocircnio em uma reconstituiccedilatildeo da expediccedilatildeo de Alexandre
31
23 O maravilhoso em VA
O relato etnograacutefico do viajante que narra as maravilhas encontradas em suas
aventuras entre os confins do mundo e as fronteiras do conhecidodesconhecido eacute um
toacutepos do discurso geograacutefico Com raiacutezes em Homero esse tipo de narrativa foi se
consolidando cada vez mais e a partir da autoacutepsia de Heroacutedoto ou seja o processo de ver
com os proacuteprios olhos o viajante passou a discursar com mais autoridade pois fala de
algo que vira com os proacuteprios olhos e que supostamente nenhum outro grego tinha visto25
Nos poemas homeacutericos e hesioacutedicos o θαυμάσιος o maravilho eacute qualificado e
dimensionado com o uso de adjetivos
Para qualificar o thocircma26
Homero e Hesiacuteodo utilizam o adjetivo ldquogranderdquo (meacutegas)
mas essa grandeza de thocircma natildeo se mede associado a meacutegas encontramos com
efeito deinoacutes terriacutevel formidaacutevel O ldquomilagrerdquo eacute pois grande ou terriacutevel ndash e grande
porque terriacutevel (HARTOG 2014 p 265 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Exemplos do uso desses adjetivos empregados com essa denotaccedilatildeo estatildeo nos trechos
abaixo na Odisseia como atributo da voz de Zeus na Iliacuteada com relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da
peleja do combate e na Teogonia como caracteriacutestica de um monstro
Ἠὼς δ᾽ ἐκ λεχέων παρ᾽ ἀγαυοῦ Τιθωνοῖο
ὤρνυθ᾽ ἵν᾽ ἀθανάτοισι φόως φέροι ἠδὲ βροτοῖσιν
οἱ δὲ θεοὶ θῶκόνδε καθίζανον ἐν δ᾽ ἄρα τοῖσι
Ζεὺς ὑψιβρεμέτης οὗ τε κράτος ἐστὶ μέγιστον
Alccedila-se a Aurora do leito onde estava o preclaro Titono
para que a luz aos eternos levasse e aos mortais transitoacuterios
quando nos tronos os deuses se foram sentar tendo ao meio
Zeus cuja voz eacute atroante de forccedila e poder muito grandes
(Od V 1-4 traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes)
25
Morais (2008 p 17) examina a relaccedilatildeo entre ver e maravilhar-se em Heroacutedoto jaacute Parker (2008 p 119)
discorre sobre a autoacutepsia como ferramenta de autoridade em um discurso 26
A palavra θαῦμα aparece em Heroacutedoto como θῶμα (CHANTRAINE 1968 p 424)
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lsquoαἰδὼς Ἀργεῖοι κοῦροι νέοι ὔμμιν ἔγωγε
μαρναμένοισι πέποιθα σαωσέμεναι νέας ἁμάς
εἰ δ᾽ ὑμεῖς πολέμοιο μεθήσετε λευγαλέοιο
νῦν δὴ εἴδεται ἦμαρ ὑπὸ Τρώεσσι δαμῆναι
ὢ πόποι ἦ μέγα θαῦμα τόδ᾽ ὀφθαλμοῖσιν ὁρῶμαι
δεινόν ὃ οὔ ποτ᾽ ἔγωγε τελευτήσεσθαι ἔφασκον
ldquoVergonha Argivos jovens mancebos Na vossa peleja
confiava eu para que se salvassem as nossas naus
Mas se voacutes desistis da guerra angustiosa agora
chega o dia de sermos subjugados pelos Troianos
Oacute amigos grande eacute a maravilha que meus olhos contemplam
coisa terriacutevel que nunca pensei poder vir a cumprir-serdquo
(Il XIII 95-100 traduccedilatildeo de Frederico Lourenccedilo)
ἣ δὲ Χίμαιραν ἔτικτε πνέουσαν ἀμαιμάκετον πῦρ
δεινήν τε μεγάλην τε ποδώκεά τε κρατερήν τε
τῆς δ᾽ ἦν τρεῖς κεφαλαί μία μὲν χαροποῖο λέοντος
ἣ δὲ χιμαίρης ἣ δ᾽ ὄφιος κρατεροῖο δράκοντος
πρόσθε λέων ὄπιθεν δὲ δράκων μέσση δὲ χίμαιρα
δεινὸν ἀποπνείουσα πυρὸς μένος αἰθομένοιο
Ela [a Viacutebora] pariu a Cabra que sopra irrepeliacutevel fogo
a terriacutevel e grande e de peacutes ligeiros e cruel
tinha trecircs cabeccedilas uma de leatildeo de olhos ruacutetilos
outra de cabra outra de viacutebora cruel serpente
Na frente leatildeo atraacutes serpente no meio cabra
expirando o terriacutevel furor do fogo aceso
(Teog 319-324 traduccedilatildeo de Jaa Torrano)
Posteriormente outros recursos passaram a ser incorporados a essa forma de narrativa
e operaccedilotildees como avaliar medir e contar se tornaram necessaacuterias para traduzir o
θαυμάσιος do mundo narrado Aleacutem disso a quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da
narrativa quanto mais θαυμάσιος houver maior seraacute o prolongamento da histoacuteria Com
isso o narrador eacute quem confere ao leitor as medidas do que se conta em um processo no
qual haacute um efeito de realidade causado pelo narrador em que o viajante ldquofaz crerrdquo no que
estaacute sendo contado sobre o outro Desse modo o θῶμα eacute um toacutepos do discurso etnograacutefico
(HARTOG 2014 p 261 ndash 263)
33
A VA tambeacutem nos eacute apresentada sob essa perspectiva uma narrativa repleta de
θαύματα de diversos tipos com uma grande variedade de animais exoacuteticos lugares de
geografia inusitada objetos e obras de arte magniacuteficas e povos com costumes e culturas
inimaginaacuteveis Aleacutem dessas caracteriacutesticas tanto as viagens quanto os milagres de
Apolocircnio tambeacutem satildeo exemplos de θαύματα (ELSNER 1997 p 25)
Como mencionado no primeiro capiacutetulo diversas caracteriacutesticas a respeito da Iacutendia jaacute
estavam presentes tanto em Heroacutedoto quanto em Cteacutesias A influecircncia desses dois autores
eacute bem evidente no terceiro livro da VA onde muitas dessas maravilhas satildeo desmitificadas
ou confirmadas por Apolocircnio que as potildee em xeque em um diaacutelogo com o saacutebio Iarcas
Aleacutem do que era exoacutetico e visualmente impactante seacuteculos mais tarde outro aspecto
do maravilhoso da Iacutendia se tornou um toacutepos literaacuterio a sabedoria dos bracircmanes e dos
gminosofistas27
das histoacuterias de Alexandre e da tradiccedilatildeo do Romance de Alexandre Se
por um lado os bracircmanes natildeo foram tratados nas narrativas de Cteacutesias e de Heroacutedoto a
partir desse momento eles se tornariam uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana (PARKER 2008 p 143 e 251) Na VA eles ocupam um papel central pois
chegar ateacute eles era o objetivo principal de Apolocircnio (VA I 18 32 II 11 III 16 29 IV
47) e esse contato com eles tambeacutem eacute parte do conteuacutedo maravilhoso da obra
231 As maravilhas da Iacutendia
Animais monstros seres hiacutebridos dimensotildees cores lugares construccedilotildees exuberantes
pedras e riquezas compotildeem a Iacutendia como um paiacutes exoacutetico diverso selvagem e
maravilhoso na indografia greco-romana Se Hartog (2014 p 261-263) afirma que a
quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da narrativa podemos afirmar que a Iacutendia
descrita por Filoacutestrato eacute extensa rica e profunda em suas peculiaridades Abaixo estatildeo
traduzidas passagens que remetem ao conteuacutedo maravilhoso dessa obra listadas e
divididas em grupos Os grupos arrolados satildeo i) lugares onde estatildeo descritas montanhas
planiacutecies e cidades ii) hidrografia com os nomes dimensotildees e particularidades dos rios
mencionados no texto iii) o clima da Iacutendia iv) animais onde satildeo detalhadas suas
27
Agraves vezes os dois termos satildeo usados de forma intercambiaacutevel agraves vezes eles se referem a diferentes grupos Em
alguns casos o termo eacute usado para se referir a sacerdotes egiacutepcios como em Filoacutestrato (PARKER 2008 p 255)
34
particularidades e as estoacuterias associadas a eles v) seres exoacuteticos compostos por
humanoides seres hiacutebridos e povos de cultura inusitada
Identificamos tambeacutem na VA uma forte influecircncia de Heroacutedoto e de Cteacutesias que
iniciaram essa tradiccedilatildeo a respeito da Iacutendia As descriccedilotildees que aludem a esses dois autores
estatildeo mencionadas ao longo do texto e os trechos referidos a eles estaratildeo expostos junto
com os da VA Quando houver uma referecircncia em comum entre os trecircs autores
respeitaremos a ordem cronoloacutegica entre eles
2311 Lugares
Durante a jornada de Apolocircnio satildeo descritos os lugares por onde ele passa e suas
impressotildees Em seu itineraacuterio pela Iacutendia Apolocircnio passa pela cordilheira do Caacuteucaso
registrando o aroma de canela e a aacutervore de pimenta existentes laacute passa por uma pedra
chamada ldquoSem paacutessarosrdquo pela planiacutecie irrigada do Ganges por Taxila pelo Templo do Sol
por Paraca pela torre dos saacutebios onde ele vecirc dois jarros um de chuva e o outro de vento
aleacutem de uma pedra magneacutetica pelas regiotildees de Balara de Selera de Pegadae e pela ilha
Biacuteblos
A cordilheira Caacuteucaso
Eacute narrado que ao se aproximarem da cordileira do Caacuteucaso Apolocircnio e seus
companheiros sentiram que a terra ficava mais perfumada (VA II 1) Sua extensatildeo eacute enorme
pois considera-se que o iniacutecio dessa montanha eacute no Touro e se estende atraveacutes da Armecircnia ateacute
Miacutecale e se estende ateacute a margem do mar onde vivem os carianos Ao contraacuterio do pico de
Miacutecale que natildeo eacute muito grande os do Caacuteucaso
καὶ αἱ ὑπερβολαὶ τοῦ Καυκάσου τοσοῦτον ἀνεστᾶσιν ὡς σχίζεσθαι περὶ αὐτὰς τὸν
ἥλιον περιβάλλει δὲ Ταύρῳ ἑτέρῳ καὶ τὴν ὅμορον τῇ Ἰνδικῇ Σκυθίαν πᾶσαν κατὰ
Μαιῶτίν τε καὶ ἀριστερὸν Πόντον σταδίων μάλιστα δισμυρίων μῆκος τοσοῦτον
γὰρ ἐπέχει μέτρον τῆς γῆς ὁ ἀγκὼν τοῦ Καυκάσου [] ὁ δὲ Καύκασος ὁρίζει μὲν
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τὴν Ἰνδικήν τε καὶ Μηδικήν καθήκει δὲ ἐπὶ τὴν Ἐρυθρὰν θάλατταν ἑτέρῳ ἀγκῶνι
(VA II 2)
os picos do Caacuteucaso satildeo tatildeo elevados que o sol eacute cortado por eles Envolve com o
resto do Tauro toda a Ciacutetia que faz fronteira com a Iacutendia pelo Meoacutetis e a costa
esquerda do Ponto uma distacircncia quase de 20 mil estaacutedios pois nada menos que
isso eacute a extensatildeo de terra cercada pela depressatildeo do Caacuteucaso [] O Caacuteucaso limita
Iacutendia e Meacutedia e se estende por outra depressatildeo ateacute o Mar Vermelho
As montanhas do Caacuteucaso possuem ainda outras peculiaridades como por exemplo
os arbustos com cheiro de canela que aromatizam toda aquela regiatildeo e a aacutervore de pimenta
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho sentiram o aroma de
canela vinda dos arbustos por toda esse aacuterea
A canela do Caacuteucaso
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho e descrito
que esta faixa eacute densamente coberta por arbustos aromaacuteticos de canela
τοὺς μὲν δὴ πρῶνας τοῦ ὄρους τὸ κιννάμωμον φέρειν προσεοικέναι δὲ αὐτὸ νέοις
κλήμασι βάσανον δὲ τοῦ ἀρώματος τὴν αἶγα εἶναι κινναμώμου γὰρ εἴ τις αἰγὶ
ὀρέξειε κνυζήσεται πρὸς τὴν χεῖρα καθάπερ κύων ἀπιόντι τε ὁμαρτήσει τὴν ῥῖνα
ἐς αὐτὸ ἐρείσασα κἂν ὁ αἰπόλος ἀπάγῃ θρηνήσει καθάπερ λωτοῦ ἀποσπωμένη
(VA III 4)
Os contrafortes da montanha produzem canela que se assemelha a videiras novas
mas a cabra eacute a prova de que se trata daquele arbusto aromaacutetico pois se algueacutem
apresenta a canela a uma cabra ela gane na direccedilatildeo da matildeo igual a um cachorro e
ao sair ela o seguiraacute apoiando nela o focinho e se o pastor a afastar ela se
lamentaraacute como privada de loto
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A aacutervore de pimenta
Nos montes dessa montanha crescem aacutervores aromaacuteticas muito altas e existem
diversas espeacutecies delas como eacute o caso das aacutervores de pimenta que satildeo cultivadas pelos
macacos (VA III 4)
τὸ δένδρον ἡ πεπερὶς εἴκασται μὲν τῷ παρ᾽ Ἕλλησιν ἄγνῳ τά τε ἄλλα καὶ τὸν
κόρυμβον τοῦ καρποῦ φύεται δὲ ἐν τοῖς ἀποτόμοις οὐκ ἐφικτὸς τοῖς ἀνθρώποις οὗ
λέγεται πιθήκων οἰκεῖν δῆμος ἐν μυχοῖς τοῦ ὄρους καὶ ὅ τι αὐτοῦ κοῖλον οὓς
πολλοῦ ἀξίους οἱ Ἰνδοὶ νομίζοντες ἐπειδὴ τὸ πέπερι ἀποτρυγῶσι τοὺς λέοντας ἀπ᾽
αὐτῶν ἐρύκουσι κυσί τε καὶ ὅπλοις (VA III 4)
A aacutervore de pimenta se parece com o salgueiro dos gregos em tudo incluindo os
ramos do fruto e cresce em ravinas que o homen natildeo alcanccedila e onde dizem habita
um povo de macacos em buracos na montanha e em qualquer concavidade dela os
quais satildeo tidos em alta estima pelos indianos porque eles colhem as pimentas eles
afastam deles os leotildees com catildees e armas
A pedra chamada ldquoSem paacutessarosrdquo
Haacute uma pedra perto do monte Nisa que se chamada ldquoSem Paacutessarosrdquo (Ἄορνον) Apesar
de natildeo terem ido ateacute ela os viajantes ouviram falar que Alexandre a capturou e a histoacuteria que
se conta sobre essa pedra estaacute assim descrita
Ἄορνος δὲ ὀνομάζοιτο οὐκ ἐπειδὴ στάδια πεντεκαίδεκα ἀνέστηκε πέτονται γὰρ καὶ
ὑπὲρ τοῦτο οἱ ἱεροὶ ὄρνιθες ἀλλ᾽ ἐν κορυφῇ τῆς πέτρας ῥῆγμα εἶναί φασι τοὺς
ὑπερπετομένους τῶν ὀρνίθων ἐπισπώμενον ὡς Ἀθήνησί τε ἰδεῖν ἐστιν ἐν προδόμῳ
τοῦ Παρθενῶνος καὶ πολλαχοῦ τῆς Φρυγῶν καὶ Λυδῶν γῆς ὑφ᾽ οὗ τὴν πέτραν
Ἄορνον κεκλῆσθαί τε καὶ εἶναι (VA II 10)
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[a pedra] foi nomeada ldquoSem Paacutessarosrdquo natildeo porque alcanccedila quinze estaacutedios pois os
paacutessaros sagrados voam aleacutem dessa altura mas porque no pico da pedra haacute dizem
um abismo que puxa os paacutessaros como se vecirc que acontece tambeacutem em Atenas no
vestiacutebulo do Partenon e em muitos lugares da terra dos friacutegios e liacutedios Por esse
motivo a pedra eacute chamada e de fato eacute ldquoSem Paacutessarosrdquo
A planiacutecie irrigada do Ganges
Apoacutes atravessarem o Caacuteucaso eacute descrito que os viajantes viram uma planiacutecie lisa com
cortes e valas cheias de aacutegua algumas das quais transversais enquanto outras eram retas
Eram simples afluentes do rio Ganges dispostas como fronteiras e irrigavam tambeacutem a
planiacutecie quando a terra estava seca (VA III 5) Sobre esta terra
τὴν δὲ γῆν ταύτην ἀρίστην φασὶ τῆς Ἰνδικῆς εἶναι καὶ μεγίστην τῶν ἐκεῖ λήξεων
πεντεκαίδεκα ἡμερῶν ὁδοῦ μῆκος ἐπὶ τὸν Γάγγην ὀκτωκαίδεκα δὲ ἀπὸ θαλάσσης
ἐπὶ τὸ τῶν πιθήκων ὄρος ᾧ ξυμπαρατείνει πεδιὰς πᾶσα ἡ χώρα μέλαινά τε καὶ
πάντων εὔφορος ἰδεῖν μὲν γὰρ ἐν αὐτῇ στάχυας ἀνεστῶτας ὅσον οἱ δόνακες ἰδεῖν
δὲ κυάμους τριπλασίους τῶν Αἰγυπτίων τὸ μέγεθος σήσαμόν τε καὶ κέγχρον
ὑπερφυᾶ πάντα ἐνταῦθα καὶ τὰ κάρυα φύεσθαί φασιν ὧν πολλὰ πρὸς ἱεροῖς
ἀνακεῖσθαι τοῖς δεῦρο θαύματος ἕνεκα τὰς δὲ ἀμπέλους φύεσθαι μὲν μικράς
καθάπερ αἱ Λυδῶν τε καὶ Μαιόνων ποτίμους δὲ εἶναι καὶ ἀνθοσμίας ὁμοῦ τῷ
ἀποτρυγᾶν ἐνταῦθα καὶ δένδρῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι προσεοικότι τῇ δάφνῃ
φύεσθαι δὲ αὐτοῦ κάλυκα εἰκασμένην τῇ μεγίστῃ ῥόᾳ καὶ μῆλον ἐγκεῖσθαι τῇ
κάλυκι κυάνεον μέν ὥσπερ τῶν ὑακίνθων αἱ κάλυκες πάντων δὲ ἥδιστον ὁπόσα ἐξ
ὡρῶν ἥκει (VA III 5)
Eles dizem ser esta a melhor terra da Iacutendia e a maior das regiotildees sendo de quinze
dias a jornada ateacute o Ganges e de dezoito dias do mar ateacute a montanha dos macacos
por onde se estende Toda a regiatildeo eacute uma planiacutecie preta e feacutertil de tudo pois se pode
ver nela espigas crescendo como os juncos e se pode ver tambeacutem favas trecircs vezes
maiores que as do tipo egiacutepcio bem como seacutesamo e milho crescendo por todas as
partes E eles dizem que tambeacutem nascem nozes laacute das quais muitas satildeo ofertadas
nos templos daqui pelo que tecircm de admiraacutevel As videiras que crescem satildeo
pequenas como as dos liacutedios e meocircnios boas para beber e aromaacuteticas tatildeo logo se
arrancam Eles dizem que laacute se depararam tambeacutem com uma aacutervore que se
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assemelha ao loureiro sobre a qual cresce um caacutelice comparaacutevel a uma granada
grande e dentro do caacutelice estaacute embutido um fruto azulado como os caacutelices de
jacinto o mais agradaacutevel de todos que as estaccedilotildees trazem
A regiatildeo de Taxila
Taxila eacute uma cidade importante na VA Eacute nela que Apolocircnio encontra vestiacutegios de
Alexandre e da batalha travada entre o macedocircnio e o rei indiano Poro conhecida como a
Batalha de Hidaspes Aleacutem disso eacute em Taxila que Apolocircnio tem o primeiro contato com um
rei indiano Fraotes um dos personagens mais importantes da Iacutendia da VA devido agrave forma
como governa e a seu conhecimento da cultura grega
Taxila segunda a narrativa tem a dimensatildeo de Niacutenive e eacute fortificada da mesma forma
que as cidades gregas Aleacutem dessas caracteriacutesticas que remetem agrave Greacutecia eacute descrito um
templo com o qual se surpreenderam de tatildeo belo
νεὼν δὲ πρὸ τοῦ τείχους ἰδεῖν φασιν οὐ παρὰ πολὺ τῶν ἑκατομπόδων λίθου
κογχυλιάτου καὶ κατεσκευάσθαι τι ἱερὸν ἐν αὐτῷ ἧττον μὲν ἢ κατὰ τὸν νεὼν
τοσοῦτόν τε ὄντα καὶ περικίονα θαυμάσαι δὲ ἄξιον χαλκοῖ γὰρ πίνακες
ἐγκεκρότηνται τοίχῳ ἑκάστῳ γεγραμμένοι τὰ Πώρου τε καὶ Ἀλεξάνδρου ἔργα
γεγράφαται δὲ ὀρειχάλκῳ καὶ ἀργύρῳ καὶ χρυσῷ καὶ χαλκῷ μέλανι ἐλέφαντες ἵπποι
στρατιῶται κράνη ἀσπίδες λόγχαι δὲ καὶ βέλη καὶ ξίφη σιδήρου πάντα καὶ ὥσπερ
λόγος εὐδοκίμου γραφῆς οἷον εἰ Ζεύξιδος εἴη τι ἢ Πολυγνώτου τε καὶ Εὐφράνορος
οἳ τὸ εὔσκιον ἠσπάσαντο καὶ τὸ ἔμπνουν καὶ τὸ ἐσέχον τε καὶ ἐξέχον οὕτως φασί
κἀκεῖ διαφαίνεται καὶ ξυντετήκασιν αἱ ὕλαι καθάπερ χρώματα ἡδὺ δὲ καὶ αὐτὸ τὸ
ἦθος τῆς γραφῆς (VA II 20)
dizem que viram um templo em frente da muralha de natildeo muito mais que cem peacutes
de pedra de calcaacuterio e que foi construiacutedo dentro dele um santuaacuterio algo menor com
relaccedilatildeo agrave grandeza do templo sendo esse cercado por colunas e digno de
maravilhar-se Havia taacutebuas de bronze em cada parede do templo com os feitos de
Poro e Alexandre registrados Foram gravados com oricalco prata ouro e bronze
escuro elefantes cavalos soldados elmos e escudos mas lanccedilas flechas e espadas
eram todas de ferro e como o assunto de uma pintura famosa tal qual as de Zecircuxis
Polignoto ou Eufranor que gostavam do claro-escuro do animado da profundidade
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e do relevo assim dizem tambeacutem ali tudo se mostrava e os materiais estavam
dispostos como cores E o caraacuteter da pintura era apraziacutevel por si mesmo
O Templo do Sol
Esse templo tambeacutem eacute caracterizado por sua beleza e riqueza e pedras preciosas e
imagens marcando a passagem de Apolocircnio naquela regiatildeo
ἱερὸν δὲ ἰδεῖν Ἡλίου φασίν ᾧ ἀνεῖτο Αἴας ἐλέφας καὶ ἀγάλματα Ἀλεξάνδρου
χρυσᾶ καὶ Πώρου ἕτερα χαλκοῦ δ᾽ ἦν ταῦτα μέλανος οἱ δὲ τοῦ ἱεροῦ τοῖχοι
πυρσαῖς λίθοις ὑπαστράπτει χρυσὸς αὐγὴν ἐκδιδοὺς ἐοικυῖαν ἀκτῖνι τὸ δὲ ἕδος αὐτὸ
μαργαρίτιδος ξύγκειται ξυμβολικὸν τρόπον ᾧ βάρβαροι πάντες ἐς τὰ ἱερὰ χρῶνται
(VA II 24)
E eles dizem ter visto um Templo do Sol no qual circulava o elefante Aacutejax e
esculturas de ouro de Alexandre e outras de Poro e eram estas de bronze escuro E
das paredes do templo sob pedras vermelhas brilhava o ouro emitiam um claratildeo
semelhante a um raio de sol O proacuteprio assento estava cercado de peacuterolas do modo
simboacutelico que usam todos os baacuterbaros nos templos
A cidade de Paraca
A cidade de Paraca eacute maravilhosa por nela acontecer o treino de caccedila aos dragotildees e
por nela se armazenarem as cabeccedilas desse animal no centro da cidade Aleacutem disso os
habitantes dessa regiatildeo entendem a linguagem animal Eacute a partir dessa cidade que Apolocircnio
chega ateacute a torre dos bracircmanes
τὴν δὲ πόλιν τὴν ὑπὸ τῷ ὄρει μεγίστην οὖσαν φασὶ μὲν καλεῖσθαι Πάρακα
δρακόντων δὲ ἀνακεῖσθαι κεφαλὰς ἐν μέσῃ πλείστας γυμναζομένων τῶν ἐν ἐκείνῃ
Ἰνδῶν τὴν θήραν ταύτην ἐκ νέων λέγονται δὲ καὶ ζῴων ξυνιέναι φθεγγομένων τε
καὶ βουλευομένων σιτούμενοι δράκοντος οἱ μὲν καρδίαν οἱ δὲ ἧπαρ προϊόντες δὲ
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αὐλοῦ μὲν ἀκοῦσαι δόξαι νομέως δή τινος ἀγέλην τάττοντος ἐλάφους δὲ ἄρα
βουκολεῖσθαι λευκάς ἀμέλγουσι δὲ Ἰνδοὶ ταύτας εὐτραφὲς ἡγούμενοι τὸ ἀπ᾽ αὐτῶν
γάλα (VA III 9)
E eles dizem que a cidade abaixo da montanha eacute grande e chama-se Paraca que no
centro ficam guardadas a maioria das cabeccedilas de dragotildees para os indianos de laacute
serem treinados a essa caccedila desde a juventude Dizem tambeacutem que eles entendem os
sons e as deliberaccedilotildees dos animais alimentando-se ou do coraccedilatildeo ou do fiacutegado do
dragatildeo Avanccedilando eles imaginaram ter ouvido a flauta de algum pastor ordenando
um rebanho mas logo deliberaram que eram corsas brancas pois os indianos as
guiam para ordenhaacute-las por causa de seu leite nutritivo
A torre dos saacutebios
A torre dos bracircmanes eacute o cenaacuterio principal da viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Eacute nela que
Apolocircnio chega ao limite maacuteximo de sua sabedoria e realiza o objetivo principal de sua
viagem chegar ateacute os bracircmanes
A descriccedilatildeo dessa torre eacute peculiar em vista de suas referecircncias e comparaccedilotildees com a
Acroacutepole de Atenas o que faz com que o leitor projete mentalmente o mapa da Greacutecia A
torre fica no topo de uma montanha e suas caracteriacutesticas satildeo
ὕψος μὲν εἶναι κατὰ τὴν Ἀθηναίων φασὶν ἀκρόπολιν ἀνίστασθαι δὲ ἐκ πεδίου ἄνω
εὐφυᾶ δὲ ὁμοίως πέτραν ὀχυροῦν αὐτὸν κύκλῳ περιήκουσαν (VA III 13)
tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da planiacutecie e
sua posiccedilatildeo natural o protege de ataques pois eacute rodeado por rochas em todos os
lados
Aleacutem disso em muitas partes dessa pedra eles viram rastros de pegadas e contorno de
barba e de rostos e viram marcas que pareciam de costas deslizadas (ἧς πολλαχοῦ δίχηλα
ὁρᾶσθαι ἴχνη καὶ γενειάδων τύπους καὶ προσώπων καί που καὶ νῶτα ἰδεῖν ἀπωλισθηκόσιν
ὅμοια - VA III 13) Essas marcas segundo a narrativa satildeo de quando Dioniso e Heacuteracles
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tentaram atacar e capturar a torre mas foram afastados pelos raios e pedras enviados pelos
bracircmanes
Existia tambeacutem uma nuvem que pairava sobre a torre
περὶ δὲ τῷ ὄχθῳ νεφέλην ἰδεῖν φασιν ἐν ᾗ τοὺς Ἰνδοὺς οἰκεῖν φανερούς τε καὶ
ἀφανεῖς καὶ ὅ τι βούλονται πύλας δὲ εἰ μὲν καὶ ἄλλας εἶναι τῷ ὄχθῳ οὐκ εἰδέναι τὸ
γὰρ περὶ αὐτὸν νέφος οὔτε ἀκλείστῳ ξυγχωρεῖν οὔτ᾽ αὖ ξυγκεκλεισμένῳ φαίνεσθαι
(VA III 13)
eles dizem ter visto uma nuvem atraacutes da montanha da morada dos hindus a qual
ficava visiacutevel ou invisiacutevel quando eles desejam E se tinha outro portatildeo na montanha
eles natildeo sabiam pois com a nuvem ao redor natildeo conseguiram ver se havia uma
abertura na muralha ou se por outro lado era uma fortaleza fechada
Os jarros de chuva e de vento dos bracircmanes
Outro prodiacutegio se encontra quando os personagens tendo entrado na torre viram dois
jarros de pedra preta um de chuva e outro de vento (καὶ διττὼ ἑωρακέναι φασὶ πίθω λίθου
μέλανος ὄμβρων τε καὶ ἀνέμων ὄντε - VA III 14) O jarro de chuva eacute aberto quando a Iacutendia
estaacute sofrendo de seca e entatildeo satildeo enviadas nuvens carregadas para todo o paiacutes mas se a
chuva passa a ser excessiva eacute interrompida quando o jarro eacute fechado Jaacute o jarro de vento eacute
comparado agrave caixa de Eacuteolo28
pois liberta um dos ventos o qual proporciona uma brisa fresca
que refresca todo o paiacutes (VA III 14)
A pedra magneacutetica
Na torre dos bracircmanes Iarcas mostra a Apolocircnio uma pedra que tem caracteriacutesticas
magneacuteticas e se assemelha agrave pedra pantarba descrita por Cteacutesias nestes termos
28
Provaacutevel referecircncia a Eacuteolo guardiatildeo dos ventos na Odisseia (Od X 1-4 21-22)
42
Περὶ παντάρβας τῆς σφραγῖδος καὶ ὡς υοζʹ σφραγῖδας ἀπορριφείσας καὶ τιμίους
λίθους εἰς τὸν ποταμόν ἅτινα ἦν τοῦ Βακτρίων καπήλου αὐτὴ ἀνείλκυσεν ἐχομένας
ἀλλήλων (Ind frag II)
Fala sobre a pantarba uma pedra preciosa e que quando ela eacute jogada no rio 477
sinetes e pedras preciosas que eram de um comerciante de Bactra ela puxa de volta
presas umas com as outras
Na VA Iarcas confirma a existecircncia desta pedra e garante que o que dizem a respeito
de suas caracteriacutesticas magneacuteticas eacute verdade Aleacutem disso ele tambeacutem a disponibiliza a
Apolocircnio para que este a veja e comprove por si mesmo suas propriedades Nenhum
detalhe poreacutem eacute narrado (VA III 46)
γίγνεται μὲν γὰρ ἡ μεγίστη κατὰ ὄνυχα δακτύλου τούτουrsquo δείξας τὸν ἑαυτοῦ
ἀντίχειρα lsquoκυίσκεται δὲ ἐν γῇ κοίλῃ βάθος ὀργυιαὶ τέτταρες τοσοῦτον δὲ αὐτῇ
περίεστι τοῦ πνεύματος ὡς ὑποιδεῖν τὴν γῆν καὶ κατὰ πολλὰ ῥήγνυσθαι
κυισκομένης ἐν αὐτῇ τῆς λίθου (VA III 46)
[Fala de Iarcas] De fato a maior delas eacute do tamanho desta unha ndash e ele mostrou seu
proacuteprio polegar ndash e eacute formada num buraco na terra com uma profundidade de quatro
braccedilas mas ela tem tanto espiacuterito que a terra se dilata e se rasga em muitos lugares
quando esta pedra eacute concebida
Contudo essa pedra natildeo eacute facilmente capturada pois se algueacutem tenta pegaacute-la ela
foge a menos que exista uma atraccedilatildeo entre a pedra e aquele que tenta apanhaacute-la Ainda a
pantarba (παντάρβην) assim chamada tambeacutem por Iarcas
νύκτωρ μὲν οὖν ἡμέραν ἀναφαίνει καθάπερ τὸ πῦρ ἔστι γὰρ πυρσὴ καὶ ἀκτινώδης
εἰ δὲ μεθ᾽ ἡμέραν ὁρῷτο βάλλει τοὺς ὀφθαλμοὺς μαρμαρυγαῖς μυρίαις τὸ δὲ ἐν
αὐτῇ φῶς πνεῦμά ἐστιν ἀρρήτου ἰσχύος πᾶν γὰρ τὸ ἐγγὺς ἐσποιεῖ αὑτῇ (VA III 46)
43
de noite faz brilhar um dia como o fogo eacute vermelha e emite raios e se se olha para
ela de dia lanccedila aos seus olhos raios de luz incontaacuteveis A luz de dentro dela eacute um
espiacuterito com forccedila misteriosa pois atraiacute tudo para perto dela mesma
καὶ εἰπὼν ταῦτα ἔδειξε τὴν λίθου αὐτήν τε καὶ ὁπόσα ἐργάζεται (VA III 47)
E tendo ditto estas coisas ele mostrou a proacutepria pedra e tudo o que ela era capaz de
realizar
Balara e Selera
Balara eacute um lugar distinto por seus jardins jaacute Selera eacute uma ilha sagrada onde habita
uma nereida
προσπλεῦσαί φασι καὶ Βαλάροις ἐμπόριον δὲ εἶναι τὰ Βάλαρα μεστὸν μυρρινῶν τε
καὶ φοινίκων καὶ δάφνας ἐν αὐτῷ ἰδεῖν καὶ πηγαῖς διαρρεῖσθαι τὸ χωρίον κῆποι δὲ
ὁπόσοι τρωκτοὶ καὶ ὁπόσοι ἀνθέων κῆποι βρύειν αὐτὸ καὶ λιμένας μεστοὺς
γαλήνης ἐν αὐτῷ εἶναι προκεῖσθαι δὲ τοῦ χωρίου τούτου νῆσον ἱεράν ἣν καλεῖσθαι
Σέληρα καὶ στάδια μὲν ἑκατὸν εἶναι τῷ πορθμῷ νηρηίδα δὲ οἰκεῖν ἐν αὐτῇ δεινὴν
δαίμονα πολλοὺς γὰρ τῶν πλεόντων ἁρπάζειν καὶ μηδὲ ταῖς ναυσὶ ξυγχωρεῖν
πεῖσμα ἐκ τῆς νήσου βάλλεσθαι (VA III 56)
Eles contam que navegaram ateacute Balara que eacute um empoacuterio cheio de mirtos e de
palmeiras e que viram tambeacutem loureiros e fonte que ali fluem E tinha tanto jardins
de plantas comestiacuteveis como jardins de flores cheios de brotos e os portos ali
estavam calmos Defronte deste lugar existe uma ilha sagrada chamada Selera e a
passagem ateacute ela eacute de cem estaacutedios de distacircncia Nesta ilha habita uma nereida um
democircnio terriacutevel pois ela arrebata muitos marinheiros e natildeo deixa que os navios
arremessem um cabo agrave ilha
44
Pegadas a terra de bronze
De acordo com a narrativa podemos imaginar esta regiatildeo como monocromaacutetica
tamanha eacute a predominacircncia do bronze que compotildee sua natureza
κατασχεῖν δέ φασι καὶ ἐς Πηγάδας τῆς τῶν Ὠρειτῶν χώρας οἱ δὲ Ὠρεῖται χαλκαῖ
μὲν αὐτοῖς αἱ πέτραι χαλκῆ δὲ ἡ ψάμμος χαλκοῦν δὲ ψῆγμα οἱ ποταμοὶ ἄγουσι
χρυσῖτιν δὲ ἡγοῦνται τὴν γῆν διὰ τὴν εὐγένειαν τοῦ χαλκοῦ (VA III 54)
Eles dizem que tambeacutem passaram por Peacutegada na terra dos oritas e que os oritas tecircm
pedras de bronze e tambeacutem areia de bronze e a poeira que o rio traz tambeacutem eacute de
bronze Mas eles consideram o bronze da sua terra ouro por causa da nobreza dele
A ilha Biblo e os moluscos gigantes
Esta ilha tem como maravilhoso seus frutos do mar que em tamanho satildeo muito
maiores que os gregos
μνημονεύουσι καὶ νήσου μικρᾶς ᾗ ὄνομα εἶναι Βίβλον ἐν ᾗ τὸ τοῦ κογχυλίου
μέγεθος καὶ οἱ μύες ὄστρεά τε καὶ τὰ τοιαῦτα δεκαπλάσια τῶν Ἑλληνικῶν τὸ
μέγεθος ταῖς πέτραις προσπέφυκεν ἁλίσκεται δὲ καὶ λίθος ἐκεῖ μαργαρὶς ἐν
ὀστράκῳ λευκῷ καρδίας τόπον ἔχουσα τῷ ὀστρέῳ (VA III 53)
Eles tambeacutem recordam uma pequena ilha a qual se chama Biblo onde haacute grandes
berbigotildees mexilhotildees e ostras os quais se prendem em pedras e satildeo dez vezes
maiores que os encontrados na Greacutecia Uma pedra tambeacutem eacute capturada ali a peacuterola
a qual ocupa em uma concha branca o lugar do coraccedilatildeo da ostra
45
2312 Hidrografia
Filoacutestrato descreve os rios que Apolocircnio atravessou bem como suas extensotildees
navegaacuteveis suas dimensotildees e os animais que havia neles Os rios satildeo o Indo o Hiacutefasis e o
Acesines
O rio Indo
Esse rio eacute o mais importante para a indografia greco-romana por ter simbolizado ateacute a
campanha de Alexandre os confins do mundo Essa crenccedila se encontra presente nas
narrativas de Cteacutesias
Λέγει περὶ τοῦ Ἰνδοῦ ποταμοῦ τὸ μὲν στενὸν αὐτοῦ τὸ εὖρος μʹ σταδίων εἶναι τὸ δὲ
πλατύτατον καὶ διακοσίων Λέγει περὶ αὐτῶν τῶν Ἰνδῶν ὅτι πλείους σχεδὸν
συμπάντων ἀνθρώπων Περὶ τοῦ σκώληκος τοῦ ἐν τῷ ποταμῷ ὃ καὶ μόνον τῶν
ἄλλων θηρίων ἐν αὐτῷ γίνεται Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους Ὅτι
οὐχ ὕει ἀλλacute ὑπὸ τοῦ ποταμοῦ ποτίζεται ἡ Ἰνδική (Ind frag I)
Ele fala sobre o rio Indo que em sua passagem mais estreita tem quarenta estaacutedios29
de largura e na mais extensa duzentos Fala que a populaccedilatildeo de hindus eacute mais ou
menos maior que a de todos os homens juntos Fala a respeito de um verme do rio o
qual aliaacutes eacute o uacutenico animal que haacute nele Que homens natildeo habitam aleacutem de laacute Que
natildeo chove mas a terra da Iacutendia eacute irrigada pelo rio
Filoacutestrato tambeacutem fala sobre sua dimensatildeo bem como sobre sua nascente e os animais
que nele vivem
29
Medida de percurso equivalente a 17760 m
46
τὸν μὲν δὴ Ἰνδὸν ὧδε ἐπεραιώθησαν σταδίους μάλιστα τεσσαράκοντα τὸ γὰρ
πλόιμον αὐτοῦ τοσοῦτον περὶ δὲ τοῦ ποταμοῦ τούτου τάδε γράφουσι τὸν Ἰνδὸν
ἄρχεσθαι μὲν ἐκ τοῦ Καυκάσου μείζω αὐτόθεν ἢ οἱ κατὰ τὴν Ἀσίαν ποταμοὶ πάντες
προχωρεῖν δὲ πολλοὺς τῶν ναυσιπόρων ἑαυτοῦ ποιούμενον ἀδελφὰ δὲ τῷ Νείλῳ
πράττοντα τῇ τε Ἰνδικῇ ἐπιχεῖσθαι γῆν τε ἐπάγειν τῇ γῇ καὶ παρέχειν Ἰνδοῖς τὸν
Αἰγυπτίων τρόπον σπείρειν (VA II 18)
E entatildeo eles atravessaram o Indo com mais de quarenta estaacutedios30
pois essa eacute sua
extensatildeo navegaacutevel A respeito do rio eles escrevem estas coisas que o Indo comeccedila
no Caacuteucaso e sua nascente eacute maior que todos os rios da Aacutesia e ao avanccedilar
incorpora muitos [rios] navegaacuteveis e de modo paralelo ao Nilo inunda a Iacutendia
sobrepotildee terra agrave terra e permite aos hindus semear do mesmo modo que os egiacutepcios
κομιζόμενοι δὲ διὰ τοῦ Ἰνδοῦ πολλοῖς μὲν ποταμίοις ἵπποις ἐντυχεῖν φασι πολλοῖς
δὲ κροκοδείλοις ὥσπερ οἱ τὸν Νεῖλον πλέοντες λέγουσι δὲ καὶ ἄνθη τῷ Ἰνδῷ εἶναι
οἷα τοῦ Νείλου ἀναφύεται (VA II 19)
E eles dizem que viajando em direccedilatildeo ao outro lado do Indo encontraram muitos
cavalos de rio e muitos crocodilos como os que nadam no Nilo e que a vegetaccedilatildeo
do Indo eacute como a que brota no Nilo
O rio Hiacutefasis e o oacuteleo nupcial
O rio Hiacutefasis (atual Beaacutes) eacute notaacutevel por sua extensatildeo De acordo com o texto ele nasce
na planiacutecie e perto de sua fonte os riachos satildeo navegaacuteveis mas agrave medida que avanccedilam logo
se tornam inacessiacuteveis para os barcos porque os montes de rocha se alternam Nas redondezas
dessas rochas o vento eacute forte ao ponto de tornar o rio natildeo navegaacutevel (VA III 1) Suas
caracteriacutesicas mais notaacuteveis satildeo
εὖρος δὲ αὐτῷ κατὰ τὸν Ἴστρον ποταμῶν δὲ οὗτος δοκεῖ μέγιστος ὁπόσοι δι᾽
Εὐρώπης ῥέουσι δένδρα δέ οἱ προσόμοια φύει παρὰ τὰς ὄχθας καί τι καὶ μύρον
47
ἐκδίδοται τῶν δένδρων ὃ ποιοῦνται Ἰνδοὶ γαμικὸν χρίσμα καὶ εἰ μὴ τῷ μύρῳ τούτῳ
ῥάνωσι τοὺς νυμφίους οἱ ξυνιόντες ἐς τὸν γάμον ἀτελὴς δοκεῖ καὶ οὐκ ἐς χάριν τῇ
Ἀφροδίτῃ ξυναρμοσθείς (VA III 1)
Sua largura eacute equivalente ao do rio Ister este sendo considerado o mais de quantos
rios fluem na Europa Aacutervores semelhantes agraves daquele nascem agraves suas margens e um
baacutelsamo tambeacutem eacute extraiacutedo das aacutervores a partir do qual os hindus fazem um oacuteleo
nupcial e se os presentes ao casamento natildeo borrifam com esse oacuteleo os noivos
parece que a uniatildeo natildeo eacute concluiacuteda nem agraciada por Afrodite
Esse bosque agrave margem do rio eacute consagrado a Afrodite bem como os belos peixes que
existem laacute (VA III 1)
O rio Acesines
A descriccedilatildeo deste rio eacute breve e o conteuacutedo maravilhoso neste trecho se daacute pela
dimensatildeo informada e pelo comprimento das cobras que existem nele
περὶ τοῦ Ἀκεσίνου ποταμοῦ εἰρημένα ὡς ἐσβάλλει μὲν ἐς τὸν Ἰνδὸν οὗτος τρέφει
δὲ ὄφεις ἑβδομήκοντα πηχῶν μῆκος τοιαῦτα εἶναί φασιν (VA II 17)
Sobre o que disseram do rio Acesines que desaacutegua no rio Indo e produz cobras de
setenta cocircvados31
de comprimento ser assim eles dizem
A fonte de ouro
Aleacutem desses rios ao conversar com Iarcas Apolocircnio pergunta sobre a veracidade de
uma fonte de que jorra ouro (ἐρομένου δὲ αὐτοῦ καὶ περὶ τοῦ χρυσοῦ ὕδατος ὅ φασιν ἐκ
πηγῆς βλύζειν - VA III 45) Provavelmente essa fonte eacute uma alusatildeo agrave descrita por Cteacutesias
31
Medida de comprimento equivalente a 44 cm
48
Περὶ τῆς κρήνης πληρουμένης ἀνacute ἔτος ὑγροῦ χρυσίου ἐξ ἧς ἑκατὸν πρόχοι
ὀστράκινοι ἀνacute ἔτος ἀρύονται Ὀστρακίνους δὲ δεῖ εἶναι ἐπεὶ πήγνυται ὁ χρυσὸς
ἀπαρυόμενος καὶ ἀνάγκη τὸ ἀγγεῖον θλᾶν καὶ οὕτως ἐξαγαγεῖν αὐτόν Ἡ δὲ κρήνη
τετράγωνός ἐστιν ἑκκαίδεκα μὲν πηχῶν ἡ περίμετρος τὸ δὲ βάθος ὀργυϊά ἑκάστη
δὲ προχόη τάλαντον ἕλκει Καὶ περὶ τοῦ ἐν τῷ πυθμένι τῆς κρήνης σιδήρου ἐξ οὗ
καὶ δύο ξίφη Κτησίας φησὶν ἐσχηκέναι ἓν παρὰ βασιλέως καὶ τὸ ἄλλο παρὰ τῆς
τοῦ βασιλέως μητρὸς Παρυσάτιδος Φησὶ δὲ περὶ αὐτοῦ ὅτι πηγνύμενος ἐν τῇ γῇ
νέφους καὶ χαλάζης καὶ πρηστήρων ἐστὶν ἀποτρόπαιον καὶ ἰδεῖν αὑτὸν ταῦτά φησι
βασιλέως δὶς ποιήσαντος (Ind frag IV)
Fala sobre uma fonte cheia de liacutequido dourado durante o ano do qual se extraem
cem jarros de ceracircmica anualmente Os jarros precisam ser de ceracircmica jaacute que o
ouro que eacute retirado solidifica eacute necessaacuterio entatildeo quebrar o invoacutelucro e assim retiraacute-
lo A fonte eacute quadrangular com o periacutemetro de dezesseis cocircvados e a profundidade
de uma braccedila32
E cada vaso comporta um talento33
Fala sobre o ferro que haacute no
fundo da nascente a partir do qual Cteacutesias diz que duas espadas foram forjadas uma
por ordem do rei e a outra por ordem da matildee do rei Parisaacutetide Diz sobre ela que se
a espada for fincada na terra eacute capaz de afastar as nuvens granizos e tempestades E
diz ele proacuteprio ter visto isso quando o rei o fez duas vezes
2313 O clima da Iacutendia
Heroacutedoto e Cteacutesias comentaram a respeito do clima indiano
ἀποκλινομένης δὲ τῆς μεσαμβρίης γίνεταί σφι ὁ ἥλιος κατά περ τοῖσι ἄλλοισι ὁ
ἑωθινός καὶ τὸ ἀπὸ τούτου ἀπιὼν ἐπὶ μᾶλλον ψύχει ἐς ὃ ἐπὶ δυσμῇσι ἐὼν καὶ τὸ
κάρτα ψύχει (Hdt Hist III 104 traduccedilatildeo de J Brito Broca)
Nessa regiatildeo o sol eacute mais ardente pela manhatilde do que ao meio-dia ao contraacuterio do
que se verifica nas outras partes e os habitantes conservam a cabeccedila coberta ateacute a
hora em que termina entre noacutes o mercado Ao meio dia a temperatura ali pouco
32
Distacircncia de uma extremidade a outra de um braccedilo estendido horizontalmente medida fixa de quatro cocircvados
ou seis peacutes (aproximadamente 180 m) 33
Medida de peso e de soma de dinheiro equivalente a seis mil dracmas
49
difere da dos demais paiacuteses e daiacute em diante comeccedila a declinar sendo a tarde tatildeo
fresca quanto a manhatilde entre os outros povos Agrave hora de dormir jaacute se goza de um
agradaacutevel frescor
A descriccedilatildeo de Cteacutesias eacute breve
Ὅτι ἀλέα πολλὴ καὶ ὅτι ὁ ἥλιος δεκαπλασίων τὸ μέγεθος ἢ ἐν ταῖς ἄλλαις χώραις
αὐτὸς ἑαυτοῦ φαίνεται καὶ πολλοὶ ἐνταῦθα τῷ πνίγει φθείρονται (Ind frag V)
Que eacute muito o calor e que o sol parece ter dez vezes o tamanho que dos outros
lugares e que laacute muitas pessoas morrem sem ar
Filoacutestrato tambeacutem apresenta a Iacutendia como um lugar muito quente
αἳ περὶ τὴν Ἰνδικήν εἰσι χειμῶνος μὲν ἀλεεινὰς εἶναι θέρους δὲ πνιγηράς πρὸς δὲ
τοῦτο ἄριστα μεμηχανῆσθαι τῷ δαίμονι τὴν γὰρ χώραν αὐτοῖς θαμὰ ὕεσθαι (VA II
19)
Na regiatildeo da Iacutendia o inverno eacute com muito sol e o veratildeo eacute sufocante mas em
compensaccedilatildeo a divindade providenciou algo excelente pois frequentemente chove
no paiacutes deles
2314 Animais
Na VA satildeo descritos muitos animais Aleacutem do detalhamento de seus aspectos fiacutesicos
satildeo narradas as lendas e as estoacuterias que os envolvem Muitos desses animais o autor afirma
que Apolocircnio viu de outros apenas ouviu falar Os animais satildeo leopardos elefantes uma
minhoca flamejante unicoacuternio dragotildees manticora grifos e fecircnix
50
Leopardos
Sobre a conduta dos leopardos na VA eacute narrada a histoacuteria de que eles ficam na regiatildeo
da Panfiacutelia (regiatildeo atual da Turquia) e seu deslocamento de regiatildeo aconteceu da seguinte
forma
χαίρουσι γὰρ τοῖς ἀρώμασι κἀκ πολλοῦ τὰς ὀσμὰς ἕλκουσαι φοιτῶσιν ἐξ Ἀρμενίας
διὰ τῶν ὀρῶν πρὸς τὸ δάκρυον τοῦ στύρακος ἐπειδὰν οἵ τε ἄνεμοι ἀπ᾽ αὐτοῦ
πνεύσωσι καὶ τὰ δένδρα ὀπώδη γένηται (VA II 2)
Se deleitando com os aromas e atraiacutedos de longe pelos odores eles vem
periodicamente da Armeacutenia atraveacutes das montanhas em busca da gota de estoraque
quando os ventos de laacute sopram e as aacutervores se tornam resinosas
Eacute narrado ainda sobre um leopardo que fora apanhado em Panfiacutelia o qual usava uma
corrente de ouro em volto do seu pescoccedilo onde estava inscrito em letras armecircnias ldquoDo rei
Arsaces ao deus Niacutesiordquo (ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΑΡΣΑΚΗΣ ΘΕΩΙ ΝΥΣΙΩΙ - VA II 2) Apolocircnio
deduziu que Arsaces era o rei armecircnio e que ele deixara o animal livre em homenagem a
Dioniso por causa do seu tamanho
Elefantes
Na VA haacute uma descriccedilatildeo dos tipos de elefantes que existem na Iacutendia e de como eles
satildeo treinados e usados em guerras Neste trecho se descrevem trecircs tipos de elefantes os do
pacircntano os da mantanha e os capturados para serem usados na guerra Sobre os elefantes
Cteacutesias menciona apenas que satildeo destruidores de paredes
Περὶ τῶν τειχοκαταλύτων ἐλεφάντων (Ind frag III)
51
Fala sobre elefantes destruidores de paredes
Filoacutestrato por sua vez faz uma descriccedilatildeo muito mais detalhada sobre estes animais
ἐπὶ δὲ τὸν Ἰνδὸν ἐλθόντες ἀγέλην ἐλεφάντων ἰδεῖν φασι περαιουμένους τὸν ποταμὸν
καὶ τάδε ἀκοῦσαι περὶ τοῦ θηρίου ὡς οἱ μὲν αὐτῶν ἕλειοι οἱ δ᾽ αὖ ὄρειοι καὶ
τρίτον ἤδη γένος πεδινοί εἰσιν ἁλίσκονταί τε ἐς τὴν τῶν πολεμικῶν χρείαν
μάχονται γὰρ δὴ ἐπεσκευασμένοι πύργους οἵους κατὰ δέκα καὶ πεντεκαίδεκα ὁμοῦ
τῶν Ἰνδῶν δέξασθαι ἀφ᾽ ὧν τοξεύουσί τε καὶ ἀκοντίζουσιν οἱ Ἰνδοί καθάπερ ἐκ
πυλῶν βάλλοντες καὶ αὐτὸ δὲ τὸ θηρίον χεῖρα τὴν προνομαίαν ἡγεῖται καὶ χρῆται
αὐτῇ ἐς τὸ ἀκοντίζειν ὅσον δὲ ἵππου Νισαίου μείζων ὁ Λιβυκὸς ἐλέφας τοσοῦτον
τῶν ἐκ Λιβύης οἱ Ἰνδοὶ μείζους (VA II 12)
Tendo eles chegado ao Indo viram uma manada de elefantes atravessando o rio e
dizem terem ouvido isto a respeito dos animais como alguns deles satildeo do pacircntano
outros satildeo da montanha e haacute tambeacutem um terceiro tipo da planiacutecie os quais satildeo
capturados para serem usados na guerra Eles vatildeo para a batalha encilhados com
espeacutecies de torres com capacidade de levar de dez a quinze indianos em cada uma
das quais os indianos atiram com o arco e arremessam os dardos como se
estivessem atirando de portotildees O proacuteprio animal tem a tromba como matildeos e a usa
para arremessar dardos Os elefantes da Liacutebia satildeo tatildeo grandes quanto os cavalos de
Nisa assim tambeacutem satildeo os elefantes indianos com relaccedilatildeo aos da Liacutebia
εἰ δὲ καὶ ἤθη ἐλεφάντων χρὴ ἀναγράφειν τοὺς μὲν ἐκ τῶν ἑλῶν ἁλισκομένους
ἀνοήτους ἡγοῦνται καὶ κούφους Ἰνδοί τοὺς δὲ ἐκ τῶν ὀρῶν κακοήθεις τε καὶ
ἐπιβουλευτὰς καὶ ἢν μὴ δέωνταί τινος οὐ βεβαίους τοῖς ἀνθρώποις οἱ πεδινοὶ δὲ
χρηστοί τε εἶναι λέγονται καὶ εὐάγωγοι καὶ μιμήσεως ἐρασταί γράφουσι γοῦν καὶ
ὀρχοῦνται καὶ παρενσαλεύουσι πρὸς αὐλὸν καὶ πηδῶσιν ἀπὸ τῆς γῆς ἐκεῖνοι (VA
II 13)
Se eacute necessaacuterio descrever o caraacuteter dos elefantes os que satildeo capturados nos
pacircntanos os indianos os acham estuacutepidos e inconstantes os das montanhas
maliciosos e traiccediloeiros e caso natildeo precisem de nada natildeo satildeo confiaacuteveis aos
homens mas os elefantes da planiacutecie dizem que satildeo uacuteteis doacuteceis e que gostan de
52
imitar Ao menos escrevem danccedilam balanccedilam ao som da flauta e datildeo saltos sore a
terra
O verme flamejante
Cteacutesias descreve um verme que existe no rio Indo que possui caracteriacutesticas
semelhantes agrave uma descrita na VA
Ὅτι ἐν τῷ ποταμῷ τῶν Ἰνδῶν σκώληξ γίνεται τὸ μὲν εἶδος οἷόν περ ἐν ταῖς συκαῖς
εἴωθε γίνεσθαι τὸ δὲ μῆκος πήχεις ζʹ καὶ μείζους δὲ καὶ ἐλάττους τὸ δὲ πάχος
δεκαετέα παῖδα μόλις φασὶ ταῖς χερσὶ περιλαβεῖν Ἔχουσι δὲ ὀδόντας δύο ἕνα ἄνω
καὶ ἕνα κάτω καὶ ὅ τι ἂν λάβωσι τοῖς ὀδοῦσι κατεσθίουσι Καὶ τὴν μὲν ἡμέραν ἐν
τῇ ἰλύϊ τοῦ ποταμοῦ διαιτῶνται τῇ δὲ νυκτὶ ἐξέρχονται καὶ ἐάν τινι ἐντύχῃ ἐν τῇ γῇ
βοῒ ἢ καμήλῳ καὶ δάκῃ συλλαβὼν ἕλκει εἰς τὸν ποταμὸν καὶ πάντα κατεσθίει πλὴν
τῆς κοιλίας Ἀγρεύεται δὲ ἀγκίστρῳ μεγάλῳ ἔριφον ἢ ἄρνα ἐνδησάντων καὶ
ἁλύσεσι σιδηραῖς ἐναρμοσάντων Ἀγρεύσαντες δὲ τριάκοντα ἡμέρας κρεμῶσιν
αὐτὸν καὶ ἀγγεῖα ὑποτιθέασι καὶ ῥεῖ ἐξ αὐτοῦ ὅσον δέκα κοτύλας ἀττικὰς τὸ
πλῆθος Ὅταν δὲ παρέλθωσιν αἱ τριάκοντα ἡμέραι ἀπορρίπτουσι τὸν σκώληκα καὶ
τὸ ἔλαιον ἀσφαλισάμενοι ἄγουσι τῷ βασιλεῖ μόνῳ τῶν Ἰνδῶν ἄλλῳ δὲ οὐκ ἔξεστιν
ἐξ αὐτοῦ ἔχειν Τοῦτο τὸ ἔλαιον ἐφacute ὃ ἂν ἐπιχυθῇ ἀνάπτει καὶ καταφλέγει ξύλα καὶ
ζῷα καὶ ἄλλως οὐ σβέννυται εἰ μὴ πηλῷ πολλῷ τε καὶ παχεῖ (Ind frag XXVII)
Que no rio do Indo nasce um verme com a aparecircncia tal qual a de um que nasce na
figueira seu comprimento sendo de sete cuacutebitos alguns maiores alguns menores
Quanto agrave largura uma crianccedila de dez anos com dificuldade o envolveria com os
braccedilos Tem dois dentes um em cima e o outro embaixo e o que pegam com os
dentes devoram De dia vivem na lama do rio mas de noite saem e se encontram
algum boi ou camelo na terra tambeacutem os abocanham arrastam consigo para o rio e
comem-no todo exceto o intestino Ele eacute capturado com um grande anzol que
cobrem com um cordeiro ou um carneiro e prendem com uma corrente de ferro
Tendo-o capturado penduram-no por trinta dias e colocam uma jarra embaixo dele
escorre o total de cerca de dez copos aacuteticos Quando se completam os trinta dias
jogam fora o verme e o oacuteleo recolhido levam somente para o rei dos indianos natildeo eacute
permitido que nenhuma outra pessoa o tenha Este oacuteleo sobre o que se derrama
53
incendeia e queima trate-se de madeira ou animal e natildeo se apaga de outro modo
que com muita lama espessa
Na VA por sua vez eacute no rio Hiacutefasis onde existe uma minhoca semelhante agrave retratada
acima
ἔστι δέ τι θηρίον ἐν τῷ ποταμῷ τούτῳ σκώληκι εἰκασμένον λευκῷ τοῦτο οἱ
τήκοντες ἔλαιον ποιοῦνται πῦρ δὲ ἄρα τοῦ ἐλαίου τούτου ἐκδίδοται καὶ στέγει αὐτὸ
πλὴν ὑελοῦ οὐδέν ἁλίσκεται δὲ τῷ βασιλεῖ μόνῳ τὸ θηρίον τοῦτο πρὸς τειχῶν
ἅλωσιν ἐπειδὰν γὰρ θίγῃ τῶν ἐπάλξεων ἡ πιμελή πῦρ ἐκκαλεῖται κρεῖττον
σβεστηρίων ὁπόσα ἀνθρώποις πρὸς τὰ πυρφόρα εὕρηται (VA III 1)
Haacute tambeacutem uma fera nesse rio (Hifaacutesis) que se parece com um verme34
branco Ao
derretecirc-lo eles fazem um oacuteleo e deste oacuteleo parece produz- se uma chama que nada
aleacutem de vidro pode conter E esta criatura pode ser capturada soacute para o rei que o
utiliza para a captura das cidades Quando pois a gordura toca as ameias um fogo
acende-se e desafia todos os meios comuns que vierem a ser inventados pelos
homens contra combustiacuteveis
O unicoacuternio
Nos Indikaacute Cteacutesias retrata um animal com caracteriacutesticas comuns aos unicoacuternios da
VA como por exemplo o fato de os indianos fazerem do chifre do animal uma taccedila e ao
beber dela natildeo adoecerem
Ὅτι εἰσὶν ὄνοι ἄγριοι ἐν τοῖς Ἰνδοῖς ἴσοι ἵπποις καὶ μείζους λευκοὶ δέ εἰσι τὸ σῶμα
τὴν κεφαλὴν πορφυροῖ ὀφθαλμοὺς ἔχουσι κυανέους Κέρας δὲ ἔχει ἐν τῷ μετώπῳ
ἑνὸς πήχεος τὸ μέγεθος καὶ ἔστι τὸ μὲν κάτω τοῦ κέρατος ὅσον ἐπὶ δύο παλαιστὰς
34
Filoacutestrato utiliza a mesma palavra que Cteacutesias para se referir a essa criatura σκώληξ para qual mantivemos
tambeacutem a traduccedilatildeo por ldquovermerdquo nos dois textos
54
πρὸς τὸ μέτωπον πάνυ λευκόν τὸ δὲ ἐπάνω ὀξύ ἐστι τοῦ κέρατος τοῦτο δὲ
φοινικοῦν ἐστιν ἐρυθρὸν πάνυ τὸ δὲ ἄλλο τὸ ἐν τῷ μέσῳ μέλαν Ἐκ τούτων οἱ
πιόντες (κατασκευάζουσι γὰρ ἐκπώματα) σπασμῷ φασίν οὐ λαμβάνονται οὔτε τῇ
ἱερᾷ νόσῳ ἀλλacute οὐδὲ φαρμάκοις ἁλίσκονται οὔτacute ἂν προπίωσιν οὔτacute ἂν τοῦ
φαρμάκου ἐπιπίωσιν ἢ οἶνον ἢ ὕδωρ ἢ ἄλλο τι ἐκ τῶν ἐκπωμάτων Οἱ μὲν οὖν
ἄλλοι ὄνοι καὶ ἥμεροι καὶ ἄγριοι καὶ τὰ ἄλλα μώνυχα θηρία πάντα ἀστραγάλους
οὐδὲ χολὴν ἐπὶ τοῦ ἥπατος ἔχουσιν Οὗτοι δὲ καὶ ἀστράγαλον ἔχουσι καὶ χολὴν ἐπὶ
τοῦ ἥπατος τὸν δὲ ἀστράγαλον κάλλιστον ὧν ἐγὼ ἑώρακα οἷόν περ βοὸς καὶ τὸ
εἶδος καὶ τὸ μέγεθος βαρὺς δacute ὡς μόλιβδος τὴν δὲ χρόαν ὥσπερ κιννάβαρι καὶ διὰ
βάθους Ταχύτατον δέ ἐστι τὸ ζῷον τοῦτο καὶ ἀλκιμώτατον οὐδὲν δὲ οὔτε ἵππος
οὔτε ἄλλο τι διωκόμενον καταλαμβάνει (Ind frag XXV)
Que na Iacutendia haacute asnos selvagens iguais a cavalos e maiores Eles tecircm o corpo
branco e a cabeccedila vermelha e tecircm os olhos escuros Tecircm um chifre na testa com o
comprimento de um cuacutebito A parte de baixo do chifre de mais ou menos dois
palmos ateacute a testa eacute completamente branca a parte superior do chifre eacute pontuguda e
inteiramente vermelha escura jaacute a outra parte a do meio eacute preta Os que bebem
nesse chifre (pois os fazem de canecas) dizem natildeo tinham convulsatildeo nem a doenccedila
sagrada nem sucumbem a venenos se bebem antes ou depois do veneno vinho
aacutegua ou qualquer outra bebida nessa caneca Os outros asnos tanto os doacuteceis quanto
os bravos e os outros animais selvagens de uma soacute pata todos natildeo tecircm o astraacutegalo35
nem biacutelis no fiacutegado Poreacutem estes tecircm astraacutegalos e biacutelis no fiacutegado O astraacutegalo eacute o
mais bonito que jaacute vi como o de um boi na forma e no tamanho pesado como
chumbo como que da cor do cinaacutebrio ateacute o fundo Esse animal eacute velociacutessimo e
fortiacutessimo e nenhum cavalo ou outro animal o alcanccedila na corrida
A descriccedilatildeo de Filoacutestrato eacute bem mais breve
καὶ τοὺς ὄνους δὲ τοὺς ἀγρίους ἐν τοῖς ἕλεσι τούτοις ἁλίσκεσθαί φασιν εἶναι δὲ τοῖς
θηρίοις τούτοις ἐπὶ μετώπου κέρας ᾧ ταυρηδόν τε καὶ οὐκ ἀγεννῶς μάχονται καὶ
ἀποφαίνειν τοὺς Ἰνδοὺς ἔκπωμα τὸ κέρας τοῦτο οὐ γὰρ οὔτε νοσῆσαι τὴν ἡμέραν
ἐκείνην ὁ ἀπ᾽ αὐτοῦ πιὼν οὔτε ἂν τρωθεὶς ἀλγῆσαι πυρός τε διεξελθεῖν ἂν καὶ μηδ᾽
ἂν φαρμάκοις ἁλῶναι ὁπόσα ἐπὶ κακῷ πίνεται βασιλέων δὲ τὸ ἔκπωμα εἶναι καὶ
βασιλεῖ μόνῳ ἀνεῖσθαι τὴν θήραν (VA III 2)
35
Nome do osso do tarso substituiacutedo por taacutelus
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E eles dizem que asnos selvagens tambeacutem satildeo capturados nesses pacircntanos e que
essas criaturas tecircm um chifre na testa com o qual como um touro e natildeo sem
nobreza lutam e que os hindus fazem uma taccedila desse chifre pois algueacutem natildeo
adoeceria durante o dia em que dela bebesse nem tendo sido ferido sentiria dor
mas atravessaria o fogo e nem se bebesse poccedilotildees que fazem mal seria prejudicado
este caacutelice eacute reservado para reis e soacute o rei caccedila essa criatura
Dragotildees
Segundo a narraccedilatildeo da VA por toda a Iacutendia haacute dragotildees enormes tanto nos pacircntanos
quanto nas montanhas Existem diferentes tipos de dragotildees que circulam por esta terra e os
retratados satildeo os do pacircntano os que ficam no sopeacute das montanhas e os que ficam na parte
mais elevada das montanhas Suas principais caracteriacutesticas satildeo
Sobre os dragotildees do pacircntano
οἱ μὲν δὴ ἕλειοι νωθροί τέ εἰσι καὶ τριακοντάπηχυ μῆκος ἔχουσι καὶ κράνος αὐτοῖς
οὐκ ἀνέστηκεν ἀλλ᾽ εἰσὶ ταῖς δρακαίναις ὅμοιοι μέλανες δὲ ἱκανῶς τὸν νῶτον καὶ
ἧττον φολιδωτοὶ τῶν ἄλλων (VA III 6)
Os do pacircntano satildeo pesados e tecircm trinta cuacutebitos de comprimento e natildeo tecircm crista
acima [de suas cabeccedilas] mas satildeo semelhantes aos dragotildees fecircmeas Suas costas satildeo
bem pretas cobertos de menos escamas que as outras espeacutecies
Os dragotildees que sobrevoam o sopeacute e os picos das montanhas satildeo maiores que os
anteriores se movem muito velozmente e satildeo predadores dos dragotildees da planiacutecie Suas outras
caracteriacutesticas satildeo
τούτοις καὶ λοφιὰ φύεται νέοις μὲν ὑπανίσχουσα τὸ μέτριον τελειουμένοις δὲ
συναυξανομένη τε καὶ συνανιοῦσα ἐς πολύ ὅτε δὴ πυρσοί τε καὶ πριόνωτοι
γίγνονται οὗτοι καὶ γενειάσκουσι καὶ τὸν αὐχένα ὑψοῦ αἴρουσι καὶ τὴν φολίδα
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στίλβουσι δίκην ἀργύρου αἱ δὲ τῶν ὀφθαλμῶν κόραι λίθος ἐστὶ διάπυρος ἰσχὺν δ᾽
αὐτῶν ἀμήχανον εἶναί φασιν ἐς πολλὰ τῶν ἀποθέτων (VA III 7)
Estes tecircm crista de extensatildeo e altura moderada quando satildeo jovens mas quando
crescem sua crista aumenta muito e eles se tornam avermelhados e proeminentes
Eles tambeacutem adquirem barba e levantam o pescoccedilo para cima enquanto suas
escamas brilham como prata Seus olhos e suas pupilas satildeo uma pedra ardente e
dizem que guardam uma forccedila irresistiacutevel para muitas coisas escondidas
Sobre os dragotildees das montanhas
οἱ δὲ ὄρειοι δράκοντες τὴν μὲν φολίδα χρυσοῖ φαίνονται τὸ δὲ μῆκος ὑπὲρ τοὺς
πεδινούς γένεια δὲ αὐτοῖς βοστρυχώδη χρυσᾶ κἀκεῖνα καὶ κατωφρύωνται μᾶλλον
ἢ οἱ πεδινοὶ ὄμμα τε ὑποκάθηται τῇ ὀφρύι δεινὸν καὶ ἀνειδὲς δεδορκός ὑπόχαλκόν
τε ἠχὼ φέρουσιν ἐπειδὰν τῇ γῇ ὑποκυμαίνωσιν ἀπὸ δὲ τῶν λόφων πυρσῶν ὄντων
πῦρ αὐτοῖς ἄττει λαμπαδίου πλέον (VA III 8)
Os dragotildees das montanhas tecircm escamas que brilham como ouro e em comprimento
excedem aos da plaacutenicie tecircm barbas espessas tambeacutem dourada suas sobrancelhas
satildeo maiores que as dos da planiacutecie seus olhos se afundam debaixo das sobrancelhas
e emitem um olhar terriacutevel e implacaacutevel Eles produzem um som de bronze quando
se rastejam pela terra e das suas cristas que satildeo vermelhas brota um fogo mais
brilhante do que o de uma tocha
A manticora
A manticora eacute um animal bem descrito por Cteacutesias Na VA a referecircncia que temos
dela se encontra num diaacutelogo com Iarcas quando Apolocircnio lhe pergunta sobre a existecircncia de
tal animal recebendo como resposta do interlocutor nunca ter ouvido nada sobre isso (VA III
45) No entanto a descriccedilatildeo da manticora feita por Apolocircnio eacute semelhante agrave de Cteacutesias
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Καὶ περὶ τοῦ μαρτιχόρα τοῦ ἐν αὐτοῖς ὄντος θηρίου ὡς τὸ πρόσωπον ἐοικὼς
ἀνθρώπῳ μέγεθος μέν ἐστιν ὥσπερ λέων καὶ χροὰν ἐρυθρὸς ὡς κιννάβαρι
Τρίστιχοι δὲ ὀδόντες ὦτα δὲ ὥσπερ ἀνθρώπου καὶ ὀφθαλμοὺς γλαύκους ὁμοίους
ἀνθρώπῳ Τὴν δὲ κέρκον ἔχει οἵανπερ σκορπίος ὁ ἠπειρώτης ἐν ᾗ καὶ τὸ κέντρον
ἔχει μείζω ὑπάρχουσαν πήχεος Ἔχει δὲ καὶ ἐκ πλαγίου τῆς κέρκου ἔνθα καὶ ἔνθα
κέντρα ἔχει δὲ καὶ ἐπacute ἄκρῳ ὥσπερ σκορπίος κέντρον Καὶ τούτῳ μέν ἐὰν
προσέλθῃ τις κεντεῖ τῷ κέντρῳ καὶ πάντως ὁ κεντηθεὶς ἀποθνῄσκει Ἐὰν δέ τις
πόρρωθεν μάχηται πρὸς αὐτόν καὶ ἔμπροσθεν ἱστὰς τὴν οὐράν ὥσπερ ἀπὸ τόξου
βάλλει τοῖς κέντροις καὶ ὄπισθεν ἐπacute εὐθείας ἀποτείνων Βάλλει δὲ ὅσον πλέθρον
εἰς μῆκος καὶ πάντα οἷς ἂν βάλῃ πάντως ἀποκτείνει πλὴν ἐλέφαντος Τὰ δὲ κέντρα
αὐτοῦ ἐστι τὸ μὲν μῆκος ὅσον ποδιαῖα τὸ δὲ πλάτος ὅσον σχοῖνος λεπτότατος
Μαρτιχόρα δὲ ἑλληνιστὶ ἀνθρωποφάγον ὅτι πλεῖστα ἐσθίει ἀναιρῶν ἀνθρώπους
ἐσθίει δὲ καὶ τὰ ἄλλα ζῷα μάχεται δὲ καὶ τοῖς ὄνυξι καὶ τοῖς κέντροις Τὰ δὲ κέντρα
πάλιν φησίν ἐπειδὰν ἐκτοξευθῇ ἀναφύεσθαι Ἔστι δὲ πολλὰ ἐν τῇ Ἰνδικῇ
Ἀποκτείνουσι δὲ αὐτὰ τοῖς ἐλέφασιν ἐποχούμενοι ἄνθρωποι κἀκεῖθεν βάλλοντες
(Ind frag VII)
E sobre a manticora que eacute um animal selvagem e seu rosto parece-se com o
humano Tem o tamanho de um leatildeo e o corpo eacute vermelho assim como do cinaacutebrio
Tem trecircs fileiras de dentes orelhas como a do homem e olhos glaucos semelhantes
ao humano Ele tem a cauda como a do escorpiatildeo continental na qual haacute um ferratildeo
maior que um cocircvado Tambeacutem tem aqui e ali ferrotildees dos lados da cauda aleacutem de
ter tambeacutem um ferratildeo na ponta da cauda como escorpiatildeo Dele se algueacutem se
aproxima ele ferroa com o ferratildeo e todos os ferroados morrem Se algueacutem o
enfrenta de longe e de frente ele levanta a cauda e lanccedila os ferrotildees como de um
arco e se for atacado por traacutes ele o estira reto Ele lanccedila os ferrotildees tatildeo longe quanto
plethron36
e todos aqueles em que ele os lanccedila ele os mata exceto elefantes O
ferratildeo eacute do comprimento de um peacute e da largura de um junco esguio Em grego
manticora significa ldquoantropoacutefagordquo pelo fato de a maioria matar e comer homens
mas devora tambeacutem os outros animais E ela ataca tambeacutem com as garras e com os
ferrotildees e o ferratildeo traseiro diz [Cteacutesias] cada vez que eacute disparado nasce de novo
Haacute muitos deles na Iacutendia E matam-nos homens levados por elefantes e jogando
flechas do alto
lsquoλέγεταιrsquo εἶπε lsquoμεγάλα καὶ ἄπιστα τετράπουν μὲν γὰρ εἶναι αὐτό τὴν κεφαλὴν δὲ
ἀνθρώπῳ εἰκάσθαι λέοντι δὲ ὡμοιῶσθαι τὸ μέγεθος τὴν δὲ οὐρὰν τοῦ θηρίου
36
Medida de comprimento de cem peacutes gregos
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τούτου πηχυαίας ἐκφέρειν καὶ ἀκανθώδεις τὰς τρίχας ἃς βάλλειν ὥσπερ τοξεύματα
ἐς τοὺς θηρῶντας αὐτόrsquo (VA III 45)
Dizem disse [Apolocircnio] coisas grandes e incriacuteveis [sobre essa criatura] que ela tem
quatro patas que sua cabeccedila se assemelha agrave de um homem mas seu tamanho eacute
como o de um leatildeo e que a cauda dessa fera produz pelos de um cuacutebito de
comprimento iguais a um espinho os quais ela lanccedila como flecha naqueles que a
caccedilam
Os grifos
No relato de Cteacutesias os grifos satildeo guardiotildees de ouro
Ἔστι δὲ αὐτόθι ἄργυρος πολὺς καὶ ἀργύρεα μέταλλα οὐ βαθέα ἀλλὰ βαθύτερα
εἶναί φασι τὰ ἐν Βάκτροις Ἔστι δὲ καὶ χρυσὸς ἐν τῇ Ἰνδικῇ χώρᾳ οὐκ ἐν τοῖς
ποταμοῖς εὑρισκόμενος καὶ πλυνόμενος ὥσπερ ἐν τῷ Πακτωλῷ ποταμῷ ἀλλacute ὄρη
πολλὰ καὶ μεγάλα ἐν οἷς οἰκοῦσι γρῦπες ὄρνεα τετράποδα μέγεθος ὅσον λύκος
σκέλη καὶ ὄνυχες οἷά περ λέων τὰ ἐν τῷ ἄλλῳ σώματι πτερὰ μέλανα ἐρυθρὰ δὲ τὰ
ἐν τῷ στήθει Διacute αὐτοὺς δὲ ὁ ἐν τοῖς ὄρεσι χρυσὸς πολὺς ὢν γίνεται δυσπόριστος
(Ind frag XII)
Haacute laacute muita riqueza e minas de prata natildeo profundas mas dizem que as de Baacutectria
satildeo mais profundas Haacute tambeacutem ouro na regiatildeo da Iacutendia mas natildeo satildeo encontrados e
lavados nos rios como no rio Pactolo mas em muitas e grandes montanhas nas
quais vivem grifos aves quadruacutepedes do tamanho de um lobo as patas e garras tais
quais de um leatildeo No resto do corpo tem penas pretas mas no peito satildeo elas
vermelhas Por causa deles torna-se difiacutecil alcanccedilar o abundante ouro que haacute nas
montanhas
Na VA em resposta a Apolocircnio Iarcas confirma a existecircncia deles (VA III 48) Aqui
eacute acrescentada a informaccedilatildeo de que eles satildeo venerados por serem sagrados para o Sol
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μέγεθός τε καὶ ἀλκὴν εἰκάσθαι αὐτοὺς τοῖς λέουσιν ὑπὸ δὲ πλεονεξίας τῶν πτερῶν
αὐτοῖς τε ἐκείνοις ἐπιτίθεσθαι καὶ τῶν ἐλεφάντων δὲ καὶ δρακόντων ὑπερτέρους
εἶναι πέτονται δὲ οὔπω μέγα ἀλλ᾽ ὅσον οἱ βραχύποροι ὄρνιθες μὴ γὰρ ἐπτιλῶσθαι
σφᾶς ὡς ὄρνισι πάτριον ἀλλ᾽ ὑμέσι τοὺς ταρσοὺς ὑφάνθαι πυρσοῖς ὡς εἶναι
κυκλώσαντας πέτεσθαί τε καὶ ἐκ μετεώρου μάχεσθαι τὴν τίγριν δὲ αὐτοῖς ἀνάλωτον
εἶναι μόνην ἐπειδὴ τὸ τάχος αὐτὴν ἐσποιεῖ τοῖς ἀνέμοις (VA III 48)
Em tamanho e em forccedila eles se parecem com os leotildees mas pela vantagem das asas
sobrepotildeem-se agravequeles e satildeo tambeacutem mais poderosos que elefantes e dragotildees Natildeo
voam eles alto mas como as aves de voo curto pois eles natildeo tecircm penas como eacute
normal entre os paacutessaros mas as palmas de suas patas tecircm membranas vermelhas
de modo que girando-as podem voar e do alto lutarem O tigre eacute o uacutenico natildeo
capturado por eles uma vez sua rapidez o faz par dos ventos
A fecircnix
Segundo a narraccedilatildeo de Iarcas a fecircnix eacute uma ave que vai ateacute o Egito a cada quinhentos
anos e no resto do tempo sobrevoa a Iacutendia Sobre ela se diz
εἶναι δὲ ἕνα ἐκδιδόμενον τῶν ἀκτίνων καὶ χρυσῷ λάμποντα μέγεθος ἀετοῦ καὶ
εἶδος ἐς καλιάν τε ἱζάνειν τὴν ἐκ τοῦ ἀρώματος ποιουμένην αὐτῷ πρὸς ταῖς τοῦ
Νείλου πηγαῖς (VA III 49)
haver uma uacutenica produzida pelos raios solares e brilhante de ouro com o tamanho e
a aparecircncia da aacuteguia a qual pousa num ninho que eacute feito por ela mesma com ervas
aromaacuteticas junto das nascentes do Nilo
Os egiacutepcios afirmam que a ave vai ateacute o Egito e os indianos confirmam a informaccedilatildeo
acrescentando ainda que ela ao queimar-se em seu ninho canta hinos fuacutenebres para si mesma
(τῷ λόγῳ τὸ τὸν φοίνικα τὸν ἐν τῇ καλιᾷ τηκόμενον προπεμπτηρίους ὕμνους αὑτῷ ᾄδειν -VA
III 49)
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2315 Seres exoacuteticos
Neste subtoacutepico estatildeo arrolados seres que se diferem por seus haacutebitos como eacute o caso
dos hindus de Taxila e dos comedores de peixes aleacutem de outros seres que possuem
caracteriacutesticas fiacutesicas atiacutepicas como os anotildees a mulher malhada e os pigmeus
Os homens de quatro e cinco cocircvados
Apoacutes passarem do Caacuteucaso eacute narrado que Apolocircnio e seus companheiros
τετραπήχεις ἀνθρώπους ἰδεῖν φασιν οὓς ἤδη μελαίνεσθαι καὶ πενταπήχεις δὲ
ἑτέρους ὑπὲρ τὸν Ἰνδὸν ποταμὸν ἐλθόντες ἐν δὲ τῇ μέχρι τοῦ ποταμοῦ τούτου
ὁδοιπορίᾳ τάδε εὗρον ἀφηγήσεως ἄξια ἐπορεύοντο μὲν γὰρ ἐν σελήνῃ λαμπρᾷ
φάσμα δὲ αὐτοῖς ἐμπούσης ἐνέπεσε τὸ δεῖνα γινομένη καὶ τὸ δεῖνα αὖ καὶ οὐδὲν
εἶναι ὁ δὲ Ἀπολλώνιος ξυνῆκεν ὅ τι εἴη καὶ αὐτός τε ἐλοιδορεῖτο τῇ ἐμπούσῃ τοῖς
τε ἀμφ᾽ οὑτὸν προσέταξε ταὐτὸ πράττειν ταυτὶ γὰρ ἄκος εἶναι τῆς προσβολῆς
ταύτης καὶ τὸ φάσμα φυγῇ ᾤχετο τετριγός ὥσπερ τὰ εἴδωλα (VA II 4)
dizem ter visto homens de quatro cuacutebitos os quais jaacute eram negros e tendo passado
o rio Indo viram outros de cinco cuacutebitos de altura E ateacute alcanccedilar este rio
encontraram isto digno de ser narrado viajavam sob o brilho da lua quando
depararam com a apariccedilatildeo de uma empusa que se transformou de uma coisa em
outra ateacute finalmente se tornar nada Entatildeo Apolocircnio percebeu o que era e ele
mesmo insultou a empusa e mandou que os outros fizessem o mesmo uma vez que
esse era o remeacutedio para aquele ataque E o fantasma voou para longe berrando
como os fantasmas
A mulher malhada
Esta mulher se diz ser consagrada a Afrodite Ao contraacuterio da bela deusa grega esta
mulher multicolor se assemelha a um monstro
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ἐνταῦθα καὶ γυναίῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι τὰ μὲν ἐκ κεφαλῆς ἐς μαζοὺς μέλανι τὰ δὲ
ἐκ μαζῶν ἐς πόδας λευκῷ πάντα καὶ αὐτοὶ μὲν ὡς δεῖμα φυγεῖν τὸν δὲ Ἀπολλώνιον
ξυνάψαι τε τῷ γυναίῳ τὴν χεῖρα καὶ ξυνεῖναι ὅ τι εἴη ἱεροῦται δὲ ἄρα τῇ Ἀφροδίτῃ
Ἰνδὴ τοιαύτη καὶ τίκτεται τῇ θεῷ γυνὴ ποικίλη καθάπερ ὁ Ἆπις Αἰγυπτίοις (VA
III 3)
Neste lugar eles dizem que encontraram uma mulher que era negra da cabeccedila aos
seios mas completamente branca do seu peito ateacute os peacutes e fugiram dela como se
fosse um monstro mas Apolocircnio tomou a matildeo da mulher e entendeu o que ela era
de fato na Iacutendia consagra-se a Afrodite algueacutem assim e nasce em homenagem agrave
deusa uma mulher multicolor assim como Aacutepis entre os egiacutepcios
Sobre os hindus de Taxila
Aleacutem de conter templos magniacuteficos e ser a cidade do rei Fraotes a cidade de Taxila eacute
maravilhosa pelo fato de sua populaccedilatildeo se assemelhar a filoacutesofos
στολὴν δὲ εἶναι τοῖς μετὰ τὸν Ἰνδὸν λίνου φασὶν ἐγχωρίου καὶ ὑποδήματα βύβλου
καὶ κυνῆν ὅτε ὕοι καὶ βύσσῳ δὲ τοὺς φανερωτέρους αὐτῶν φασιν ἐστάλθαι τὴν δὲ
βύσσον φύεσθαι δένδρου φασὶν ὁμοίου μὲν τῇ λεύκῃ τὴν βάσιν παραπλησίου δὲ τῇ
ἰτέᾳ τὰ πέταλα καὶ ἡσθῆναι τῇ βύσσῳ φησὶν ὁ Ἀπολλώνιος ἐπειδὴ ἔοικε φαιῷ
τρίβωνι (VA II 20)
Dizem que a vestimenta dos que habitam do outro do outro lado do Indo eacute de linho
da regiatildeo calccedilados de casca de aacutervore e um chapeacuteu quando chove dizem que os
mais distintos deles se vestem com linho finiacutessimo e que o linho finiacutessimo nasce de
uma aacutervore semelhante ao aacutelamo branco e as folhas satildeo quase iguais agraves do
salgueiro E Apolocircnio diz que ficou encantado com o linho fino uma vez que
parecia com seu manto cinza de filoacutesofo
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Os pigmeus
Comparado a Heroacutedoto e a Filoacutestrato Cteacutesias foi o que mais escreveu acerca dos
pigmeus Em sua obra ele descreve caracteriacutesticas fiacutesicas deles como pelos genitais e narizes
(Indikaacute frag XI) Heroacutedoto natildeo usa o termo pigmeu mas Nichols (2011 p 208) afirma que a
descriccedilatildeo em Histoacuterias (II 32) se refere a eles sendo esse termo usado para descrever pessoas
pequenas Na arte e na literatura greco-romana os pigmeus satildeo associados ao nanismo e a
uma desproporccedilatildeo fiacutesica (principalmente com relaccedilatildeo aos genitais) se tornando assim
emblemas de anormalidade Essa anormalidade humana somada agrave caracteriacutestica de eles serem
vinculados ao exotismo representativo dos espaccedilos aleacutem-fronteira reforccedila a imagem da Iacutendia
como uma regiatildeo afastada da Heacutelade ldquocivilizadardquo (RODRIGUES 2016 p 172)
O retrato de Cteacutesias dos pigmeus eacute bem detalhado
Ὅτι μέσῃ τῇ Ἰνδικῇ ἄνθρωποί εἰσι μέλανες (καλοῦνται Πυγμαῖοι) ὁμόγλωσσοι τοῖς
ἄλλοις Ἰνδοῖς Μικροὶ δέ εἰσι λίαν οἱ μακρότατοι αὐτῶν πηχέων δύο οἱ δὲ
πλεῖστοι ἑνὸς ἡμίσεος πήχεος Κόμην δὲ ἔχουσι μακροτάτην μέχρις ἐπὶ τὰ γόνατα
καὶ ἔτι κατώτερον καὶ πώγωνα μέγιστον πάντων ἀνθρώπων Ἐπειδὰν οὖν τὸν
πώγονα μέγα φύσωσιν οὐκέτι ἀμφιέννυνται οὐδὲν ἱμάτιον ἀλλὰ τὰς τρίχας τὰς μὲν
ἐκ τῆς κεφαλῆς ὄπισθεν καθίενται πολὺ κάτω τῶν γονάτων τὰς δὲ ἐκ τοῦ πώγωνος
ἔμπροσθεν μέχρι ποδῶν ἑλκομένας ἔπειτα περιπυκασάμενοι τὰς τρίχας περὶ ἅπαν
τὸ σῶμα ζώννυνται χρώμενοι αὐταῖς ἀντὶ ἱματίου Αἰδοῖον δὲ μέγα ἔχουσιν ὥστε
ψαύειν τῶν σφυρῶν αὐτῶν καὶ παχύ Αὐτοὶ δὲ σιμοί τε καὶ αἰσχροί Τὰ δὲ πρόβατα
αὐτῶν ὡς ἄρνες καὶ οἱ ὄνοι καὶ αἱ βόες σχεδὸν ὅσον κριοί Καὶ οἱ ἵπποι αὐτῶν καὶ
ἡμίονοι καὶ τὰ ἄλλα κτήνη πάντα οὐδὲν μείζω κριῶν Ἕπονται δὲ τῷ βασιλεῖ τῶν
Ἰνδῶν τούτων τῶν Πυγμαίων ἄνδρες τρισχίλιοι σφόδρα γάρ εἰσι τοξόται
Δικαιότατοι δέ εἰσι καὶ νόμοισι χρῶνται ὥσπερ καὶ οἱ Ἰνδοί Λαγοὺς δὲ καὶ
ἀλώπεκας θηρεύουσιν οὐ τοῖς κυσὶν ἀλλὰ κόραξι καὶ ἰκτίσι καὶ κορώναις καὶ ἀετοῖς
Ὅτι λίμνη ἐστὶν ἐν αὐτοῖς (σταδίων ὀκτακοσίων ἡ περίμετρος) ἐν ᾗ ἀνέμου μὴ
πνέοντος ἐπάνω τῆς λίμνης ἔλαιον ἐφίσταται καὶ πλοαρίοις πλέοντες διacute αὐτῆς ἐκ
μέσης αὐτῆς σκαφίοις τοῦ ἐλαίου ἀπαρύονται καὶ χρῶνται Χρῶνται δὲ καὶ
σησαμίνῳ Ἔχει δὲ ἡ λίμνη καὶ ἰχθύας Καὶ τῷ καρυΐνῳ δὲ χρῶνται κρεῖσσον δὲ τὸ
λιμναῖον (Ind frag XI)
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Que no meio da Iacutendia haacute homens negros (chamados pigmeus) que falam a mesma
liacutengua que os outros indianos E satildeo muito pequenos os maiores deles tecircm dois
cocircvados mas a maioria meio cocircvado E tecircm o cabelo comprido ateacute o joelho e ainda
mais abaixo e a barba maior que de todos os homens Uma vez pois que a barba
ficava grande natildeo mais vestiam nenhuma roupa mas dos peacutes uma parte deixam
cair da cabeccedila para traacutes ateacute os joelhos a outra parte puxam da barba para frente ateacute
os peacutes em seguida envolvem os pelos ao redor do corpo todo e cingem-se usando
os pelos em lugar de roupa E eles tecircm o genital grande ao ponto de tocar os joelhos
deles e grosso E eles satildeo de nariz achatado e feios E os carneiros deles satildeo como
os cordeiros e os asnos e bois mais ou menos do tamanho de carneiros E os cavalos
deles as mulas e todas as outras criaccedilotildees natildeo satildeo maiores que carneiros E escoltam
o rei da Iacutendia destes pigmeus trecircs mil homens pois satildeo arqueiros muito bons Satildeo
justos e utilizam de leis como tambeacutem os indianos Caccedilam lebres e raposas natildeo com
catildees mas com corvos fuinhas albatrozes e aacuteguias
Que haacute um lago onde moram (com o periacutemetro de 800 estaacutedios) no qual uma vez
que o vento natildeo sopra sobre o lago boia oacuteleo e em barquinhos navegam pelo lago e
do meio dele colhem o oacuteleo em vasilhas e o usam E tambeacutem abusam do gergelim
O lago tem peixe E usam noz A noz do lago eacute melhor
Na VA (VA III 47) o saacutebio Iarcas confirma a existecircncia dos pigmeus na Iacutendia e diz
ser verdade o que descrevem sobre esses homens poreacutem se refere a eles de forma breve
τοὺς δὲ πυγμαίους οἰκεῖν μὲν ὑπογείους κεῖσθαι δὲ ὑπὲρ τὸν Γάγγην ζῶντας
τρόπον ὃς πᾶσιν εἴρηται (VA III 47)
os pigmeus habitam no subsolo ficam do outro lado do Ganges e vivem da forma
como eacute relatada por todos
Os comedores de peixes e os carianos
Os comedores de peixes provecircm de uma cidade chamada Estobera (Στόβηρα) e satildeo
contrastados com uma outra raccedila de hindus os carianos
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διφθέρας δὲ τούτους ἐνῆφθαι μεγίστων ἰχθύων καὶ τὰ πρόβατα τὰ ἐκείνῃ ἰχθυώδη
εἶναι καὶ φαγεῖν ἄτοπα τοὺς γὰρ ποιμένας βόσκειν αὐτὰ τοῖς ἰχθύσιν ὥσπερ ἐν
Καρίᾳ τοῖς σύκοις (VA III 55)
Eles se vestem com a pele de grandes peixes as suas ovelhas tecircm cheiro de peixe e
comem coisas atiacutepicas pois os pastores as alimentam com peixes como na Caacuteria
satildeo alimentadas com figos
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CAPIacuteTULO III
OS SAacuteBIOS HINDUS
Os saacutebios hindus satildeo personagens essenciais nesta obra Satildeo mencionados desde o
iniacutecio como o alvo principal da viagem de Apolocircnio e satildeo a referecircncia de sabedoria maacutexima
natildeo soacute para Apolocircnio mas tambeacutem para a populaccedilatildeo que os procura para serem curados e
aconselhados bem como para reis que os consultam para tomar decisotildees A essecircncia dessa
sabedoria superior adveacutem do contato deles com os deuses e de seu conhecimento da filosofia
grega Assim os bracircmanes satildeo influentes natildeo apenas filosoficamente mas tambeacutem
politicamente
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus
Como mencionado no primeiro capiacutetulo Apolocircnio se depara com muitas referecircncias agrave
cultura grega aacutetica em sua viagem agrave Iacutendia Nesse sentido o rei Fraotes de Taxila se torna um
siacutembolo uma conexatildeo dessa referecircncia claacutessica com a sabedoria hindu
De acordo com a narrativa Fraotes se assemelha a um filoacutesofo com caracteriacutesticas
pitagoacutericas pois natildeo consome vinho manteacutem uma dieta vegetariana (VA II 26) e se compraz
com a filosofia (VA II 30) Interage tambeacutem com a cultura por outro vieacutes visto que se
exercita agrave maneira grega e oferece um banquete a Apolocircnio (VA II 27) Aleacutem disso possui
habilidades linguiacutesticas notaacuteveis pois fala e tem domiacutenio da literatura e da liacutengua grega (VA
II 27-32) Em um diaacutelogo com Apolocircnio Fraotes narra sua histoacuteria e conta como aprendeu
grego com o seu proacuteprio pai Aos doze anos foi viver com os bracircmanes hindus dos quais
recebeu uma educaccedilatildeo helecircnica (VA II 31) Em virtude dessa educaccedilatildeo junto aos bracircmanes
Fraotes se tornou um soberano que age com moderaccedilatildeo e integridade (VA II 34) Silva
(2017 p 486) considera que por essas caracteriacutesticas Fraotes eacute tido como um modelo de rei
ideal e eacute elogiado por Apolocircnio em vaacuterios momentos
Ao ponderar sobre o contexto em que Filoacutestrato viveu isto eacute o de um grego
submetido a um governo romano e sua proposta de resgatar a cultura helecircnica mediante a
Segunda Sofiacutestica entendemos que o autor acreditava que para um rei agir de forma
moderada e iacutentegra deveria estar imbuiacutedo dos valores e da cultura grega Esse modelo
66
idealizado personificado na figura de Fraotes serviria de criacutetica contra os imperadores
romanos
A partir desse contato com o rei hindu Apolocircnio tem mais notiacutecias sobre os bracircmanes
Sem especificar o nome da cidade Fraotes lhe conta que os saacutebios vivem em um local entre o
rio Hiacutefasis e o Ganges em uma regiatildeo que nunca fora encontrada por Alexandre Mesmo que
Alexandre a tivesse encontrado explica o rei ele natildeo teria sido capaz de tomar posse daquele
local nem que estivesse acompanhado de ldquodez mil Aquiles e trinta mil Aacutejaxrdquo pois os
bracircmanes natildeo lutam contra aqueles que se aproximam de sua torre (τύρσις) mas os repelem
com prodiacutegios e com raios lanccedilados por eles mesmos uma vez que satildeo homens sagrados e
amados pelos deuses (VA II 33) Como exemplo Fraotes cita uma expediccedilatildeo beacutelica
empreendida por Heacuteracles do Egito e Dioniso Apoacutes terem invadido a Iacutendia tentaram tomar a
torre dos saacutebios com um ataque Os bracircmanes ao inveacutes de terem reagido de forma violenta se
mantiveram quietos e passivos Poreacutem quando todos os soldados estavam reunidos para o
ataque final os saacutebios do alto lanccedilaram miacutesseis de fogo e raios sobre eles derrotando os
invasores (VA II 34)
Em outro momento da narrativa Apolocircnio e Iarcas discutem tambeacutem a respeito desse
toacutepico Apolocircnio cita Aquiles como um modelo de heroacutei exemplar que foi celebrado por
Homero tanto por sua coragem quanto por sua beleza superando Aacutejax e Nireu Contudo
Iarcas critica esse modelo defendido por Apolocircnio e sugere uma ruptura desse paradigma de
heroiacutesmo (VA III 19) Assim associamos que a proacutepria histoacuteria dos bracircmanes eacute um exemplo
desse rompimento haja visto que eles foram capazes de repelir os ataques de Dioniso e
Heacuteracles de Alexandre e de todos os outros homens que tiveram intenccedilatildeo de conquistar
aquele local Valorizando a paz e ao mesmo tempo sendo capazes de manter sua
independecircncia os bracircmanes representam a estabilidade e preservam a integridade de seus
valores Ao redor deles impeacuterios nasceram e caiacuteram Poro um dos mais poderosos reis
indianos foi derrotado por Alexandre o qual por sua vez teve o seu proacuteprio impeacuterio
rapidamente desintegrado apoacutes sua morte O contraste entre os dois reis Fraotes e Poro bem
como a forma de seus governos eacute bem marcada quando Fraotes diz a Apolocircnio ldquoPoro amava
a guerra mas eu amo a pazrdquo (Πῶροςrsquo εἶπε lsquoπολέμου ἤρα ἐγὼ δὲ εἰρήνης VA II 26) De
acordo com Abraham (2014 p 478) a veneraccedilatildeo do militarismo e do imperialismo
encontrados em Homero eacute a fonte da decadecircncia da eacutetica grega e essa decadecircncia por sua
vez eacute expressa pela perda do autoconhecimento e em uacuteltima instacircncia da identidade grega
sob o impeacuterio romano
67
Dessa forma temos uma imagem da torre dos bracircmanes como uma fortaleza
impossiacutevel de ser invadida e corrompida Recaiacute sobre eles a proteccedilatildeo natural do local e o
favorecimento dos deuses Ao mesmo tempo o local se constituiria em um bastiatildeo de
sabedoria que preservaria os valores gregos idealizados por Filoacutestrato
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia
Apoacutes uma longa viagem Apolocircnio e seus companheiros finalmente chegam onde a
torre dos bracircmanes estava localizada (VA III 10) Ao se aproximarem curiosamente um
mensageiro hindu vem ateacute eles se comunicando em grego (VA III 12) Segundo a descriccedilatildeo
do texto a torre tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da
planiacutecie e sua posiccedilatildeo natural a protege de ataques pois eacute rodeada por rochas em todos os
lados (VA III 13) Com essa descriccedilatildeo Filoacutestrato compara explicitamente a topografia da
torre dos bracircmanes com a Acroacutepole de Atenas Desde a referecircncia linguiacutestica ateacute a
topograacutefica o autor permite que o leitor crie um mapa mental de Atenas
68
FIGURA 3 - Apolocircnio encontra o mensageiro dos bracircmanes (VA II 11-13) (imagem superior) Apolocircnio
discursa para a populaccedilatildeo de Eacutefeso sobre a praga (VA IV 10) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Na sequecircncia o autor narra que os viajantes precisam passar por um processo de
purificaccedilatildeo primeiro devem purgar os seus pecados mesmo os involuntaacuterios banhando-se
em um poccedilo para em seguida passarem pelo ldquofogo do perdatildeordquo (πῦρ ξυγγνώμης - VA III
14) Segundo Marciano (2014 p 137-139) manter-se puro tambeacutem eacute um preceito pitagoacuterico
A purificaccedilatildeo eacute nesse sentido uma necessidade para se manter limpo das impurezas
transmitidas pelo contato com as outras pessoas Mesmo fora da esfera estritamente cultual a
pureza individual eacute fundamental para evitar a absorccedilatildeo de energias negativas que manchem
natildeo apenas o plano divino mas tambeacutem o proacuteprio componente divino do homem Por isso
continua a autora a vida diaacuteria pitagoacuterica eacute ritualizada em todos os seus atos gestos e
69
palavras de forma a que o indiviacuteduo possa conscientemente preservar a sua pureza respeitar
a esfera divina e evitar que qualquer accedilatildeo sua possa prejudicar a si mesmo e aos outros
Logo apoacutes terem se purificado Apolocircnio e seus companheiros de viagem se foram
para um local onde se depararam com estaacutetuas de deuses indianos e egiacutepcios Poreacutem a
surpresa maior foi terem encontrado entre as demais estaacutetuas dos deuses gregos mais
antigos
θεῶν δὲ ἀγάλμασιν ἐντυχεῖν φασιν εἰ μὲν Ἰνδοῖς ἢ Αἰγυπτίοις θαῦμα οὐδέν τὰ δέ
γε ἀρχαιότατα τῶν παρrsquo Ἕλλησι τό τε τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Πολιάδος καὶ τὸ τοῦ
Ἀπόλλωνος τοῦ Δηλίου καὶ τὸ τοῦ Διονύσου τοῦ Λιμναίου καὶ τὸ τοῦ Ἀμυκλαίου
καὶ ὁπόσα ὧδε ἀρχαῖα ταῦτα ἱδρύεσθαί τε τοὺς Ἰνδοὺς τούτους καὶ νομίζειν
Ἑλληνικοῖς ἤθεσι φασὶ δ᾽ οἰκεῖν τὰ μέσα τῆς Ἰνδικῆς καὶ τὸν ὄχθον ὀμφαλὸν
ποιοῦνται τοῦ λόφου τούτου πῦρ τε ἐπ᾽ αὐτοῦ ὀργιάζουσιν ὅ φασιν ἐκ τῶν τοῦ
ἡλίου ἀκτίνων αὐτοὶ ἕλκειν τούτῳ καὶ τὸν ὕμνον ἡμέραν ἅπασαν ἐς μεσημβρίαν
ᾄδουσιν (VA III 14)
Eles dizem que se depararam com estaacutetuas de deuses e natildeo seria espantoso se
fossem soacute Indianos ou Egiacutepcios mas viram principalmente de Gregos Haviam
estaacutetuas de Atena Poliacuteade de Apolo de Delos e de Dioniacuteso de Limneu e de Amiclas
dentre outras tambeacutem antigas e os hindus estabeleceram praacuteticas gregas comuns
para cultuaacute-las E eles dizem que eles habitam nas partes centrais da Iacutendia e
consideram este pico como o umbigo desta colina onde os saacutebios cultuam o fogo o
qual dizem extrair dos raios solares e para o sol eles cantam um hino todos os dias
ao meio dia
Como descrito acima as estaacutetuas encontradas satildeo de Atena Poliacuteade de Apolo de
Delos e duas de Dioniacuteso uma do Limneu e a outra de Amiclas Abraham (2014 p 472)
observa que aleacutem dessas estaacutetuas pertencerem a cultos originaacuterios do periacuteodo arcaico estaacute
agregado a esse conjunto o culto das cidades de Atenas (Atena Poliacuteade) de Delos (Apolo) e
de Esparta (Dioniso de Limneu e de Amiclas) criando-se desse modo um mapa mental que
unifica as regiotildees da Aacutetica da Jocircnia e do Peloponeso em uma identidade singular Esse
agrupamento ainda segundo Abraham remete agrave tendecircncia da literatura da Segunda Sofiacutestica
de criar a representaccedilatildeo literaacuteria de um passado grego unificado se natildeo homogeneizado
ocultando as diferenccedilas existentes entre as antigas cidades-estado
Eacute interessante destacar que o estranhamento provocado pelas estaacutetuas dessa vez natildeo
se deve ao exotismo da cultura hindu mas agrave similaridade da proacutepria cultura de Apolocircnio em
um lugar tatildeo distante de sua paacutetria Aleacutem disso ao se referir a torre dos bracircmanes como o
70
coraccedilatildeo Iacutendia e ao mesmo tempo como o centro do mundo (ὀμφαλὸν) desloca-se todo o
referencial geopoliacutetico cultural A noccedilatildeo de periferia e centro eacute invertida a Iacutendia fronteira do
mundo ocupa agora a posiccedilatildeo central no lugar da Greacutecia e de Roma Uma das
consequecircncias disso aponta Abraham (2014 p 475) eacute a implicaccedilatildeo de que o centro do
mundo estaacute de fato em uma regiatildeo baacuterbara e natildeo civilizada Atenas e Roma entatildeo passam a
ser percebidas como regiotildees baacuterbaras e incivilizadas independente de sua localizaccedilatildeo
geograacutefica
Se compararmos as representaccedilotildees de Roma da Greacutecia e de Paraca na VA sugere
Abraham (2014 p 476) Esta uacuteltima corresponderia ao centro do mundo ou ao menos agrave sede
de um helenismo natildeo corrompido Roma agrave periferia corruptora e Greacutecia agrave zona
intermediaacuteria corrompida e baacuterbara pela influecircncia de Roma mas ainda possiacutevel de salvaccedilatildeo
Considerando todas essas caracteriacutesticas percebemos que Filoacutestrato nos indica de
forma metafoacuterica coordenadas que localizam a Greacutecia antiga idealizada pelo autor nas
regiotildees distantes da Iacutendia (ABRAHAM 2004 472 ndash 475) O confim da terra agora passa a ser
o ὀμφαλὸν Nele conseguem se comunicar em liacutengua grega os indianos possuem deuses
gregos em comum e compartilham da mesma educaccedilatildeo grega Estes aspectos servem de ponte
para unir dois lugares tatildeo distantes ou em uacuteltima instacircncia podem ser vistos como o
derradeiro elo entre eles
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria
Se por um lado a Iacutendia foi tida como a fronteira do mundo na literatura grega antiga
por outro lado a VA quebra esse paradigma e amplia os limites desse toacutepos literaacuterio
De acordo com Parker (2008 p 301) os gregos comeccedilaram a imaginar a Iacutendia como
lugar de sabedoria personificada na figura dos homens sagrados a partir de Alexandre
Assim os bracircmanes causaram grande impressatildeo nos gregos e nos romanos por representarem
a junccedilatildeo de duas vertentes a primeira agrave virtude de um povo distante desprovido de riquezas
e individualmente representada por Dandacircmis37
a segunda agrave sabedoria dos saacutebios
especialmente dos povos antigos orientais que reforccedila sua posiccedilatildeo marginal em relaccedilatildeo ao
mundo mediterracircneo Com isso ao caracterizar esses homens saacutebios continua o autor talvez
seja necessaacuterio contrastaacute-los com alguns de seus visitantes mais frequumlentes do oeste os
filoacutesofos Estes diferiam natildeo soacute pela sua identidade eacutetnica mas tambeacutem pela paideia Os
37
O saacutebio com quem Alexandre teve contato como consta no Romance de Alexadre
71
gimnosofistas e os bracircmanes possuiacuteam sabedoria sem terem sofrido o aacuterduo processo de
aprendizagem grego um processo que tambeacutem eacute importante para a formaccedilatildeo do saacutebio estoico
e do homem sagrado pagatildeo da Antiguidade Nesse sentido os gimnosofistas e os bracircmanes
oferecem um tipo alternativo de sabedoria
Desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra que Apolocircnio busca os conhecimentos
orientais como fonte de sabedoria Elsner (1997 p 29-30) mostra que o autor usa as viagens
como um reflexo do progresso espiritual de Apolocircnio Assim a grande variedade de tόpoi
etnograacutefico experimentada por Apolocircnio sugere a profundidade e universalidade da sabedoria
que ele dominou e com a qual estaacute equipado para ensinar Filoacutestrato representa seu saacutebio
visitando as fronteiras do mundo conhecido em todas as direccedilotildees norte no Caacuteucaso (VA II
2) leste no Oriente proacuteximo (VA I 21 II 1) e na Iacutendia (VA II 17 III 50) sul no Egito e
Etioacutepia (VA V43 VI 28) e oeste nas Colunas de Heacuteracles (VA IV 47 V 10)
Depois da Iacutendia Apolocircnio passa por Alexandria e segue viagem rumo agrave cidade dos
gimnosofistas localizada entre o Egito e a Etioacutepia (VA VI 5) Como observa Silva (2014 p
277) os gimnosofistas ora satildeo tratados como egiacutepcios (VA I 2 III 32 VI 10-11 VIII 74)
ora como etiacuteopes (VA VI 6 16 VIII 712) Sobre isso Robiano (1992 p 414-415)
menciona que existe uma proximidade entre gimnosofistas e bracircmanes na literatura grega
antiga A exemplo disso o autor cita uma passagem dos Fugitivos de Luciano de Samoacutesata
na qual a personagem Filosofia marca os estaacutegios de sua chegada aos humanos Em suma
depois dos bracircmanes fui diretamente para a Etioacutepia depois para o Egito (μετὰ δ᾽ οὖν τοὺς
Βραχμᾶνας εἰς Αἰθιοπίαν εὐθύς εἶτα εἰς Αἴγυπτον κατέβην Fugitivi VIII) Tambeacutem na VA
os gimnosofistas satildeo considerados inferiores em sabedoria aos bracircmanes (VA VI 6 11 16)
Como afirma Parker (2008 p 264) as viagens trazem sabedoria em particular
aquelas que rumam para uma antiga terra do leste Os bracircmanes por sua vez natildeo viajam mas
satildeo o motivo de viagem para alguns filoacutesofos como no caso de Apolocircnio Contudo Parker
alega (2008 p 254) que a VA foi a primeira obra a considerar a Iacutendia como referecircncia
maacutexima em sabedoria Ao dialogar com Iarcas Apolocircnio afirma considero que sua
sabedoria eacute mais profunda e muito mais divina do que a nossa e se eu natildeo acrescentar nada ao
meu estoque atual de conhecimento enquanto estou com vocecirc ao menos terei aprendido que
natildeo tenho nada mais para aprender (σοφώτερά τε ἡγοῦμαι τὰ ὑμέτερα καὶ πολλῷ θειότερα
εἰ δὲ μηδὲν πλέον ὧν οἶδα παρ᾽ ὑμῖν εὕροιμι μεμαθηκὼς ἂν εἴην καὶ τὸ μηκέτ᾽ ἔχειν ὅ τι
μάθοιμι VA III 16)
Temos assim segundo Elsner (1997 29-31) a construccedilatildeo da imagem dos bracircmanes
como a fonte maacutexima de sabedoria que Apolocircnio poderia alcanccedilar e o resultado dessa viagem
72
agrave Iacutendia eacute justamente o autoconhecimento e a plena maturidade filosoacutefica Essa viagem ao
leste entatildeo eacute apresentada como parte da trajetoacuteria que transformaraacute Apolocircnio em um θεῖος
ἀνήρ no Impeacuterio Romano Ao mesmo tempo essa viagem estabelece um paralelo entre
Apolocircnio Heacuteracles Dioniso e Alexandre nos quais o saacutebio finalmente supera o conquistador
ao adentrar no leste
Assim foi na Iacutendia a fronteira do mundo o lugar onde Apolocircnio atingiu o extremo da
sabedoria
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes
Como mencionado no primeiro capiacutetulo os milagres e as curas de Apolocircnio narrados
na VA satildeo ingredientes que formam a figura de um θεῖος ἀνήρ e compotildeem tambeacutem o
conteuacutedo maravilhoso da obra No terceiro livro enquanto Apolocircnio permanece na torre dos
bracircmanes ele e os saacutebios curam alguns enfermos que para laacute se dirigem
De acordo com Parker (2009 p 89) a literatura antiga valorizava de maneira especial
o conhecimento medicinal hindu Assim os meacutedicos indianos ao contraacuterio de seus
equivalentes gregos eram capazes de curar mordidas de cobras como narrado por Arriano de
Nicomeacutedia (VIII Ind 15 5-11) Segundo Arriano esses meacutedicos (ἰητροί) pertencem a um
subconjunto de filoacutesofos Estrabatildeo tambeacutem fala a respeito da medicina indiana citando Nearco
e Megaacutestenes como fonte (15 145 C706 e 15160 C713)
Na VA algumas das curas realizadas ora por Apolocircnio ora pelos bracircmanes satildeo i) o
exorcismo de um democircnio que possuiacutea um menino haacute dois anos (VA III 38) ii) a
recuperaccedilatildeo de um homem caccedilador de leotildees o qual havia deslocado o quadril por causa do
ataque de um leatildeo iii) o restabelecimento da visatildeo de um homem que teve os olhos
arrancados iv) a restauraccedilatildeo de um outro que tinha uma matildeo paralisada v) e o auxiacutelio ao
parto de uma mulher que jaacute havia sofrido aborto sete vezes (VA III 39)
Em dado momento Iarcas declara que de todos os dons que satildeo concedidos aos
homens o da cura eacute o mais importante (VA III 44) Ao mesmo tempo ele associa o dom da
cura com o da adivinhaccedilatildeo pois este uacuteltimo proporciona o descobrimento de novas curas
Pode-se por exemplo manipular o veneno de certos animais para o tratamento de doenccedilas
Para Iarcas sem uma sabedoria profeacutetica os homens natildeo se arriscariam a misturar venenos
criando medicamentos que salvam vidas Ainda segundo ele os filhos de Ascleacutepio jamais
teriam alcanccedilado esse ramo da ciecircncia se o proacuteprio Ascleacutepio natildeo fosse filho de Apolo Por
73
meio da consulta de oraacuteculos eles prepararam e adaptaram diferentes medicamentos para
diferentes doenccedilas Aleacutem disso teriam aprendido de Ascleacutepio quais ervas devem ser aplicadas
em hemorragias queimaduras e escoriaccedilotildees e quais liacutequidos devem ser administrados para
tratar os pacientes
Essa relaccedilatildeo entre a cura baseada nos ensinamentos de Ascleacutepio e no dom da
adivinhaccedilatildeo estaacute associada agrave sabedoria de Apolocircnio desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra
que Apolocircnio aos quatorze anos se mudou para Tarso a fim de ser educado por Eutidemo
que era um bom orador e originaacuterio da Feniacutecia Mais tarde se mudou para Egas onde existia
uma escola mais conceituada e um templo de Ascleacutepio no qual o deus aparecia para os
homens Foi tambeacutem nesta cidade que Apolocircnio aos dezesseis anos sentiu um impulso e
passou a se dedicar aos ensinamentos pitagoacutericos (VA I 7) A partir de entatildeo Apolocircnio
passou a seguir os preceitos de Pitaacutegoras e foi morar no templo de Ascleacutepio Com isso as
pessoas que moravam nas redondezas do templo passaram a admiraacute-lo e o proacuteprio deus
manifestou ao sacerdote do templo o seu contentamento por ter Apolocircnio como testemunha de
suas curas Consequentemente a reputaccedilatildeo de Apolocircnio aumentou ao ponto de os povos
vizinhos e ateacute mesmo os mais distantes irem ateacute laacute para vecirc-lo (VA I 8) e dele receber curas
(VA I 9-10)
74
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Podemos rastrear ao longo da VA vaacuterios indiacutecios que nos permitem ler a obra como
um instrumento sofisticado para defender os ideais da Segunda Sofiacutestica De acordo com a
leitura que fazemos do texto Filoacutestrato se apropria do personagem de tal forma que vemos
em Apolocircnio natildeo apenas um filoacutesofo pitagoacuterico um saacutebio um θεῖος ἀνήρ em busca da
sabedoria mas principalmente a figura de um difusor da cultura grega A impressatildeo que
temos eacute agrave grosso modo de que Apolocircnio seria a proacutepria Greacutecia personificada
Como menciona Swain (2009 p 34) Filoacutestrato estava ciente da mudanccedila de seu
mundo Uma de suas reaccedilotildees foi arquitetar um modelo idealizado da cultura helecircnica e
apresentaacute-lo como se esta cultura fosse a natural de seus companheiros de elite Sobre isso
Horster (2014 p 11) afirma que para muitas pessoas a educaccedilatildeo seria a maneira mais
importante de se chegar agrave essecircncia da cultura e da religiatildeo grega Nesse sentido somente a
elite intelectual poderia se envolver com ela Partindo desse ideal Filoacutestrato e outros
escritores da Segunda Sofiacutestica agiam no Impeacuterio Romano
Dentro desse contexto a liacutengua foi um veiacuteculo influente Abraham (2009 p 38)
reforccedila que esta eacute uma das caracteriacutesticas da Segunda Sofiacutestica pois autores e oradores
expressavam sua identidade grega simulando a dicccedilatildeo o estilo e o vocabulaacuterio do aacutetico do
seacuteculo V aC O aticismo prevaleceu de tal forma que lexicoacutegrafos comeccedilaram a catalogar o
grego ldquocorretordquo e o ldquoincorretordquo como fez Frinico Arabio que compocircs a Praeparatio
Sophistica um leacutexico no qual categorizava o uso ldquocorretordquo do aacutetico e menosprezava todos os
outros dialetos Em uacuteltima instacircncia o aticismo foi uma simulaccedilatildeo que permitia a algueacutem
reivindicar uma identidade grega Eacute significativo que Filoacutestrato para exaltar as qualificaccedilotildees
heleniacutesticas de Apolocircnio enfatiza que ele falava perfeitamente o aacutetico sem se deixar afetar
pelo sotaque da sua regiatildeo (VA I 7) Aleacutem da performance linguiacutestica exemplar de Apolocircnio
tambeacutem eacute digno de nota que as pessoas mais influentes da Iacutendia falavam habilmente o grego
como o rei Fraotes e os bracircmanes
Nesse sentido de retomada e afirmaccedilatildeo de uma identidade grega a noccedilatildeo de baacuterbaro
retorna agrave eacutepoca claacutessica A separaccedilatildeo entre a etnia e a cultura de fato teve iniacutecio no mundo
heleniacutestico e continuou em Roma A etnicidade permaneceu importante na imaginaccedilatildeo e teve
certamente consequecircncias poliacuteticas e sociais Dentro desse contexto eacute compreensiacutevel que os
autores da Segunda Sofiacutestica tenham tentado estabelecer um estereoacutetipo do ldquogrego purordquo
(SWAIN 2009 p 35)
75
Dadas essas circunstacircncias Abraham (2014 p 476) entende que a corrupccedilatildeo da
identidade grega apresentada por Filoacutestrato sugere uma criacutetica da cultura grega sob o Impeacuterio
Romano Nas palavras de Iarcas (VA III 19) os gregos deveriam se culpar pela degradaccedilatildeo
de sua identidade jaacute que usam o Aquiles homeacuterico (bem como outros heroacuteis similares) como
um modelo de masculinidade que os levou a venerar o imperialismo de uma forma geral
Swain (2009 p 36- 37) sugere que por meio da VA Filoacutestrato idealiza e propotildee um
modelo que intencionaria uma reforma religiosa e moral baseadas nos preceitos da cultura
grega ao enfatizar os feitos de um θεῖος ἀνήρ e de um filoacutesofo-pitagoacuterico exemplar A cultura
helecircnica eacute tida como superior por um lado sob a perspectiva da saacutebia filosofia helecircnica e por
outro decadente se tomarmos como exemplo outros gregos contemporacircneos de Apolocircnio
Swain ainda considera que as reformas propostas por Filoacutestrato na figura de Apolocircnio
dialogariam diretamente com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato e natildeo da de Apolocircnio
Por isso natildeo eacute de forma involuntaacuteria que
Se Apolocircnio compreende todas as liacutenguas sem as ter aprendido o grego eacute
entretanto a liacutengua que tem mais afinidades com a sabedoria Todos os
interlocutores de qualidade com quem Apolocircnio conversa falam grego comeccedilando
por Iarcas o mais saacutebio dos bracircmanes hindus acolhe-o em grego [] Trata-se de
uma forma de dizer que o grego eacute a liacutengua da filosofia (HARTOG 2004 p 227
228 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Com isso entendemos que na eacutepoca de Filoacutestrato mas principalmente segundo a
oacutetica do autor baacuterbaro jaacute natildeo eacute aquele de quem natildeo se entende a liacutengua tendo em vista a
multiplicidade de liacutenguas faladas no impeacuterio mas eacute baacuterbaro aquele que natildeo tenha
incorporadas em si a filosofia e a erudiccedilatildeo grega claacutessica Tanto eacute que o autor usa como palco
central a Iacutendia um lugar-comum da literatura grega como uma regiatildeo selvagem e incivilizada
Na VA a Iacutendia se torna o local onde a sabedoria a filosofia os conhecimentos de liacutengua e
literatura em suma os valores resgatados pela Segunda Sofiacutestica se conservam intactos e
incorrompidos A Iacutendia seria a projeccedilatildeo de uma Greacutecia unificada e idealizada onde Apolocircnio
alcanccedila o niacutevel maacuteximo de sabedoria junto aos bracircmanes Mas a sabedoria aprendida com os
saacutebios eacute a proacutepria sabedoria grega embasada nos preceitos pitagoacutericos Em uacuteltima instacircncia
Filoacutestrato apresenta a cultura grega como superior agrave cultura de outros povos
A Iacutendia natildeo conserva apenas esses valores mas simula a Greacutecia mais exatamente
Atenas devido agrave comparaccedilatildeo topograacutefica expliacutecita feita entre a torre dos bracircmanes e a
Acroacutepole (VA III 13) Aleacutem disso Filoacutestrato tambeacutem projeta na Iacutendia a figura de um
76
governante idealizado personificado em Fraotes Fraotes eacute um rei ideal porque teve junto aos
bracircmanes a formaccedilatildeo grega e portanto essa erudiccedilatildeo norteia suas accedilotildees A Iacutendia eacute entatildeo
como afirma Abraham (2009 p 11) o lugar onde a identidade grega existe em sua forma pura
e inalterada pela avidez imperialista
Parker (2008 p 259) reforccedila que a paideia como um ideal comum e conector das
elites locais foi divulgada mais intensamente por esses filoacutesofos no leste do Impeacuterio Romano
Pode-se dizer que promoveu a criaccedilatildeo de uma comunidade imaginada de homens eruditos
com base em uma visatildeo seletiva da histoacuteria Nesse mundo divergente os filoacutesofos gregos
tornaram-se siacutembolos de uma cultura comum entre os aristocratas em uma ampla aacuterea
geograacutefica Eacute nesse contexto que segundo o autor devemos ponderar com base na VA como
e por que os saacutebios indianos capturaram a imaginaccedilatildeo greco-romana
Em particular a figura dos bracircmanes oferece a oportunidade de construir um ideal ao
mesmo tempo improvaacutevel e desejaacutevel que era o da sabedoria sem a paideia (PARKER 2008
p 304-305) Poreacutem na VA Filoacutestrato se apropria e faz outro uso da figura dos bracircmanes eles
representam o apogeu o limite maacuteximo da sabedoria justamente porque sua sabedoria e seus
ritos dialogam com o modelo claacutessico ateniense
Abraham (2014 p 472-473) infere que Paraca eacute mais uma realizaccedilatildeo da frequente
citaccedilatildeo de Apolocircnio de que ldquopara o homem saacutebio a Greacutecia estaacute em todos os lugares e ele natildeo
considera nem acredita que algum lugar seja deserto ou baacuterbaro se ele estiver vivendo sob a
visatildeo da virtuderdquo (σοφῷ ἀνδρὶ Ἑλλὰς πάντα καὶ οὐδὲν ἔρημον ἢ βάρβαρον χωρίον οὔτε
ἡγήσεται ὁ σοφὸς οὔτε νομιεῖ ζῶν γε ὑπὸ τοῖς τῆς ἀρετῆς ὀφθαλμοῖς ndash VA I 34) Logo
independentemente de onde estiver o homem saacutebio eacute sempre um homem saacutebio na medida em
que ele a todo momento se comporta como um Essa consistecircncia de caraacuteter tem um efeito
transformador em sua localizaccedilatildeo permitindo que ele encontre a Greacutecia em todos os lugares
Em essecircncia estar na Greacutecia equivale a ter autoconhecimento e viver esse
autoconhecimento A realizaccedilatildeo da Greacutecia na Iacutendia assim explicada pela correlaccedilatildeo entre
autoconhecimento e helenismo Iarcas abrindo-se as indaganootildees de Apolocircnio afirma
ldquopergunte o que vocecirc quiser pois vocecirc se encontra entre um povo que sabe tudordquo (VA III
18) Apolocircnio entatildeo pergunta se os bracircmanes conhecem a si proacuteprios pois os gregos
consideram difiacutecil afirmar que se autoconhecem Iarcas curiosamente responde sabemos
todas as coisas uma vez que primeiro nos conhecemos (πάντα γιγνώσκομεν ἐπειδὴ πρώτους
ἑαυτοὺς γιγνώσκομεν - VA III 18) O autoconhecimento continua o autor considerado uma
coisa difiacutecil de se adquirir no pensamento grego se torna o ponto de partida da filosofia dos
bracircmanes
77
Finalmente natildeo podemos deixar de ter em mente que escrever eacute um ato poliacutetico Sem
desconsiderar o deleite que uma leitura pode proporcionar uma de nossas surpresas foi
perceber como a VA foi um instrumento poliacutetico Sob o domiacutenio imperial Romano o escritor
grego Flaacutevio Filoacutestrato viveu entre os seacuteculos II e III durante o governo da dinastia dos
Severos (193-225) De forma simplificada entendemos o Impeacuterio Romano como um difusor e
infusor de identidades e culturas e esse foi um periacuteodo de questionamentos para Filoacutestrato e
para os outros escritores da Segunda Sofiacutestica Pertencente agrave elite aleacutem de escritor Filoacutestrato
exerceu uma carreira poliacutetica na Greacutecia e manteve bom relacionamento com os Severos o que
lhe permitiu ter um contato mais proacuteximo com o cenaacuterio poliacutetico imperial em que viveu
Aleacutem de acompanhar o imperador Septiacutemio Severo em viagens Filoacutestrato tambeacutem
interagiu intelectualmente com a imperatriz Juacutelia Domna De acordo com Filoacutestrato foi a
pedido dela que ele escreveu a biografia de Apolocircnio Ao compor a VA o autor se apropriou
da figura de Apolocircnio e personificou nele o modelo idealizado de um homem saacutebio o qual
usou para criticar os governantes do Impeacuterio Romano Poreacutem suas criacuteticas dialogam natildeo
apenas com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato ou de Apolocircnio elas denotam
principalmente a aspiraccedilatildeo do autor de restaurar e afirmar a identidade e a cultura grega
claacutessica atribuindo-lhes o status de fonte da sabedoria e da cultura do ocidente
78
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7
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo eacute continuaccedilatildeo da nossa pesquisa iniciada na Graduaccedilatildeo onde fizemos
um estudo e traduccedilatildeo da obra Indikaacute de Cteacutesias de Cnido Os fragmentos de Cteacutesias nos
apresentam a Iacutendia como uma terra selvagem habitada por seres hiacutebridos e por monstros com
medidas e riquezas exuberantes como sendo o limite do mundo Algumas das coisas
retratadas por Cteacutesias tiveram antecedente nas Histoacuterias de Heroacutedoto e a partir de entatildeo a
Iacutendia tornou-se um toacutepos do maravilhoso na literatura grega antiga Depois do Romance de
Alexandre os bracircmanes se tornaram uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana e desde entatildeo a Iacutendia eacute tida como maravilhosa natildeo apenas por suas caracteriacutesticas
fiacutesicas mas tambeacutem por sua sabedoria elevada (PARKER 2008 p 143 e 251)
Ao lermos a Vida de Apolocircnio de Tiana (VA) de Filoacutestrato percebemos que esta obra
dialoga com estas duas vertentes a respeito da Iacutendia Publicado em 217 (FRANCIS 1998 p
420) este livro narra a vida de Apolocircnio um filoacutesofo pitaacutegorico da cidade de Tiana situada
na regiatildeo da Capadoacutecia que teria vivido durante o reinado de Domiciano (81-96) Desde os
dezesseis anos Apolocircnio seguiu os preceitos pitagoacutericos e em busca de uma sabedoria
suprema teve como objetivo viajar ateacute os bracircmanes Consequentemente a Iacutendia ocupa um
lugar essencial na narrativa e dos oito livros que compotildeem a obra dois deles se dedicam a
descrever a experiecircncia de Apolocircnio junto aos hindus
Por esses motivos nos dedicamos a estudar os livros II e III da VA Dentro dessa
seleccedilatildeo selecionamos destacamos e traduzimos trechos que ressaltam o caraacuteter maravilhoso
da obra tanto os que dizem respeito agrave sua descriccedilatildeo geograacutefica e etnograacutefica quanto os que
retratam a sabedoria bracircmane Nos momentos em que encontramos alusotildees aos escritores
Heroacutedoto e Cteacutesias comparamos e contrastamos as fontes com a finalidade de perceber de
que modo a tradiccedilatildeo acerca da Iacutendia inciada por estes dois autores tem continuidade em
Filoacutestrato
Para isso dividimos o trabalho em trecircs capiacutetulos No primeiro capiacutetulo fizemos um
estudo sobre o autor Flaacutevio Filoacutestrato sua obra Vida de Apolocircnio de Tiana e a figura de
Apolocircnio de Tiana Discutimos sobre as polecircmicas e divergentes concepccedilotildees sobre o autor e a
personagem para entendermos melhor o contexto em que a obra foi escrita
No segundo capiacutetulo discorremos a respeito do caraacuteter maravilhoso da VA e
selecionamos trechos que descrevem a natureza hindu Dividimos em seccedilotildees que retratam a
descriccedilatildeo da geografia da hidrografia do clima da Iacutendia dos animais e dos seres exoacuteticos
8
narrados por Filoacutestrato Ao arrolar estas passagens cotejamos com trechos das Histoacuterias e dos
Indikaacute No terceiro capiacutetulo ao estudar sobre o contato que Apolocircnio teve com os bracircmanes
seus ritos e suas discussotildees percebemos como essa obra contribuiu para a formaccedilatildeo de um
modelo idealizado de uma cultura grega claacutessica unificada
Dessa forma sob a oacutetica de um escritor tardio que escreveu quase seiscentos anos
depois de Heroacutedoto e de Cteacutesias ainda lemos a Iacutendia ainda como uma terra maravilhosa
9
CAPIacuteTULO I
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA
De acordo com o Suda (leacutexico medieval bizantino que cataloga escritores e obras da
Antiguidade) existem trecircs escritores catalogados com o nome de Filoacutestrato no final do seacuteculo
II e iniacutecio do seacuteculo III (SILVA 2014a p 31) Destes trataremos de Flaacutevio Filoacutestrato
chamado de ldquoo Segundordquo filho de Filoacutestrato Vero Sabe-se que sua famiacutelia habitava a ilha de
Lemnos territoacuterio ateniense e que ele nasceu por volta de 170 (BOWIE 2009 p19)
Filho de uma famiacutelia abastada pertencente agrave ordem senatorial Filoacutestrato teve uma
educaccedilatildeo voltada aos interesses dessa camada social Foi um destacado sofista tanto em
Atenas quanto em Roma e viveu no Impeacuterio Romano durante o governo da dinastia dos
Severos (193 ndash 225) com a qual teve boas relaccedilotildees e a qual acompanhou em viagens (SILVA
2013a p 2) Ele tambeacutem teria sido membro do ciacuterculo social de Juacutelia Domna esposa do
imperador Septiacutemio Severo como nos informa o proacuteprio autor em um trecho de sua obra Vida
de Apolocircnio de Tiana
μετέχοντι δέ μοι τοῦ περὶ αὐτὴν κύκλου mdash καὶ γὰρ τοὺς ῥητορικοὺς πάντας λόγους
ἐπῄνει καὶ ἠσπάζετο mdash μεταγράψαι τε προσέταξε τὰς διατριβὰς ταύτας καὶ τῆς
ἀπαγγελίας αὐτῶν ἐπιμεληθῆναι τῷ γὰρ Νινίῳ σαφῶς μέν οὐ μὴν δεξιῶς γε
ἀπηγγέλλετο (VA I 3)
Quanto a mim que fazia parte do seu ciacuterculo (jaacute que ela elogiava e apreciava todos
os discursos retoacutericos) me incubiu ela de redigir estes ensaios e me ocupar da sua
publicaccedilatildeo pois [Dacircmis] o de Nino fez sua narrativa de forma clara mas natildeo
praacutetica2
Natildeo se sabe ao certo o que seria esse ciacuterculo social (κύκλου) nem se ele realmente
existiu Cogita-se a hipoacutetese de ter sido um grupo literaacuterio composto por alguns artistas e
escritores para discutir questotildees literaacuterias e filosoacuteficas ou um grupo seleto de intelectuais
2 A traduccedilatildeo para o portuguecircs desta passagem assim como a de outras que apareceratildeo ao longo deste trabalho eacute
de nossa autoria
10
formado por meacutedicos poetas escritores filoacutesofos juristas historiadores e membros do
ciacuterculo imperial (SILVA 2014a p 49) 3
Aleacutem desse contato com a imperatriz Filoacutestrato tambeacutem exerceu cargos poliacuteticos De
acordo com indicaccedilotildees epigraacuteficas o autor foi general hoplita4 em Atenas provavelmente nos
anos 200 e 210 e representante do governo de sua cidade (BOWIE 2009 p19-20) Ademais
acredita-se que a estaacutetua que haacute em Oliacutempia eacute dedicada a Flaacutevio Filoacutestrato na qual lecirc-se a
seguinte inscriccedilatildeo ldquoAgrave Boa Fortuna segundo a decisatildeo do Conselho Oliacutempico o sofista
Flaacutevio Filoacutestrato de Atenas sofista a mais ilustre paacutetria elevou a estaacutetuardquo (SILVA 2014a p
33) Segundo Martiacutenez (2006 p 456 apud Silva 2014a p33) os sofistas eram usualmente
homenageados com estaacutetuas nas cidades gregas pois essa era uma forma de reconhecer seus
encargos puacuteblicos e poliacuteticos
Filoacutestrato escreveu algumas obras e atualmente satildeo reconhecidas como sendo de sua
autoria Vida de Apolocircnio de Tiana (a maior fonte de informaccedilotildees que temos sobre Apolocircnio)
Vida dos Sofistas Heroicos Imagens Cartas Ginaacutestico Nero e um discurso retoacuterico
conhecido como Diaacutelexis 2 (ELSNER 2009 p 4) Apesar de natildeo haver consenso entre os
pesquisadores sobre a autoria de todas essas obras considera-se que Vida de Apolocircnio de
Tiana (VA) e Vida dos Sofistas (VS) tenham sido escritas por Flaacutevio Filoacutestrato haja vista que
VA eacute citada em sua obra posterior VS (SILVA 2014 p 59) Estas satildeo as duas obras mais
conhecidas de Filoacutestrato sendo que VS eacute uma seacuterie de sessenta biografias de sofistas ceacutelebres
do Impeacuterio Romano dividida em dois livros e a VA eacute uma biografia sobre o saacutebio Apolocircnio
de Tiana composta por dois volumes tendo cada um deles oito livros
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana
Feita sob encomenda da imperatriz Juacutelia Domna Filoacutestrato escreveu as memoacuterias de
Apolocircnio um saacutebio da cidade de Tiana pertencente agrave regiatildeo da Capadoacutecia (VA I 3) que
teria vivido cerca de um seacuteculo antes durante o reinado de Domiciano (81 ndash 96) Foi
publicada provavelmente depois da morte da imperatriz em 217 (FRANCIS 1998 p 420)
A obra descreve o nascimento de Apolocircnio e sua juventude devotada agrave aprendizagem
dos princiacutepios pitagoacutericos e do autoconhecimento Posteriormente ele empreende uma seacuterie
de viagens passando por vaacuterias regiotildees com o objetivo principal de chegar agrave Iacutendia e de se
3 Para uma discussatildeo detalhada sobre esse assunto cf Silva 2014a p 49 - 52
4 Nesse periacuteodo essa magistratura se encarregava especialmente de assegurar o abastecimento alimentiacutecio da
cidade
11
encontrar com os bracircmanes hindus em busca do conhecimento filosoacutefico (VA I 18 32 II
11 III 16 29 IV 47) Durante o percurso satildeo narradas as impressotildees reflexotildees o diaacutelogo
de Apolocircnio com cidadatildeos e reis suas intervenccedilotildees poliacuteticas as curas e os milagres feitos por
ele Francis (1998 p 420) sintetiza a obra afirmando que Apolocircnio ldquoviaja pelo mundo
mediterracircneo discursando sobre a verdadeira filosofia e religiatildeo pregando ideais culturais
gregos profetizando e realizando milagresrdquo e ldquoquando retorna da Iacutendia Apolocircnio eacute
aclamado pelo mundo cultural grego e se envolve ativamente nos negoacutecios das cidades da
Aacutesia Menor e da Greacutecia (IV 2-33)rdquo
Nesse sentido a VA eacute uma biografia embora seja considerada demasiadamente longa
sendo uma das biografias mais extensas que sobreviveram da Antiguidade com conteuacutedos
demasiadamente variados (KEMEZIS 2014 p 62) O proacuteprio autor usa a palavra βίος em VA
(V 39) 5 talvez para caracterizar sua obra talvez com a intenccedilatildeo de transformar Apolocircnio em
um modelo de homem a ser seguido por seu valor moral ou ainda para dar credibilidade agrave
obra (SILVA 2014a p 86) Com base na historiografia do periacuteodo claacutessico e desenvolvido
no periacuteodo heleniacutestico esse gecircnero literaacuterio teve como uma de suas caracteriacutesticas principais
biografar pessoas que serviriam de exemplo para a comunidade (SILVA 2012 p 2)
Martiacutenez e Dosse tambeacutem discutem essa relaccedilatildeo entre biografia e vidas exemplares na
Antiguidade O primeiro afirma que a biografia serve para veicular as ideias sobre o
comportamento moral individual tornando-se com isso um instrumento de ideologia poliacutetica
(MARTIacuteNEZ 2004 p 48) O segundo enuncia que nessa eacutepoca o discurso das virtudes foi
incorporado agrave biografia e consequentemente estabeleceram-se modelos moralizantes (2009
p 123 apud Carvalho 2011 p 131) Esses modelos entatildeo formaram uma tradiccedilatildeo na
Antiguidade a tradiccedilatildeo dos valores heroicos e apoacutes a cristianizaccedilatildeo a dos valores religiosos
sendo ambos embasados em vidas exemplares (CARVALHO 2011 p 131)
Contudo o gecircnero literaacuterio da VA ainda eacute bastante debatido De uma forma geral os
comentadores classificam a obra em um determinado gecircnero literaacuterio mas afirmam que o
texto tem caracteriacutesticas muito evidentes de outros gecircneros Os estudiosos que consideram
esse texto como biografia satildeo Zeitlin (2001) Abraham (2009) Elsner (2009) e Silva (2014)
Bowie (2009) por outro lado o tem como romance Jaacute Pajares em sua introduccedilatildeo da traduccedilatildeo
da VA para a Editorial Gredos (1992) afirma que esse texto tem predominantemente
caracteriacutesticas biograacuteficas mas com influecircncia da paradoxografia (obras dedicadas agrave
5 ldquoQuanto a mim vou afastar desse homem jaacute que natildeo foi minha intenccedilatildeo difamaacute-lo mas possibilitar o relato da
vida de Apolocircnio a quem ainda natildeo a conhecerdquo (VA V 39) Texto grego ἐμοὶ δὲ ἀφεκτέα τοῦ ἀνδρός οὐ γὰρ
ἐκεῖνον διαβαλεῖν προὐθέμην ἀλλὰ παραδοῦναι τὸν Ἀπολλωνίου βίον τοῖς μήπω εἰδόσι
12
exploraccedilatildeo de maravilhas ou coleccedilotildees de mirabilia)6 do romance e da aretologia Para
Uytfanghe (2009) a VA eacute uma hagiografia (relatos ou biografias de homens santos) enquanto
que para Cornelli (2001) trata-se de uma aretologia Por fim Holzberg (1996) e Flinterman
(2009) a classificam como biografia ficcional ao passo que Francis (1998) a considera um
gecircnero formado com todas essas caracteriacutesticas
Para compor a VA Filoacutestrato afirma ter usado como fontes i) informaccedilotildees coletadas
em cidades nas quais Apolocircnio era adorado e em templos restaurados por ele ii) cartas
escritas pelo proacuteprio Apolocircnio nas quais discorria a respeitos dos deuses dos costumes dos
princiacutepios morais das leis aleacutem de comentar sobre as falhas humanas (VA I 2) iii) relatos
deixados por pessoas com quem ele teve contato como reis sofistas filoacutesofos e homens
gregos indianos e egiacutepcios iv) um livro de memoacuterias de Dacircmis disciacutepulo de Apolocircnio v) e
um livro de Maacuteximo de Egas no qual o autor registra a passagem de Apolocircnio por essa
cidade Aleacutem destas fontes Filoacutestrato diz ainda ter consultado um livro escrito por
Moeragenes Contudo Filoacutestrato afirma ter rejeitado essa fonte pelo fato de o autor ser
ignorante de vaacuterios aspectos da vida de Apolocircnio (VA I 3)
12 Quem era Apolocircnio de Tiana
Apolocircnio de Tiana nasceu na Capadoacutecia em meados de 40 iniacutecio da era cristatilde Teria
sido um saacutebio itinerante e filoacutesofo neopitagoacuterico Enquanto esteve vivo natildeo se tornou muito
famoso salvo no norte da Siacuteria e na Aacutesia Menor onde era conhecido como um mago
beneficente e um curador Na biografia feita por Filoacutestrato Apolocircnio eacute universalmente
aclamado influente e ateacute mesmo um homem semidivino que teria feito muitos milagres
profecias e exorcizado democircnios Quando morreu seu corpo e sua alma teriam ascendido ao
ceacuteu (YSSELT 1994 p 351)
De acordo com Flinterman (2009 p 157 ndash 158) Apolocircnio teria direcionado sua vida
segundo os preceitos definidos por Pitaacutegoras Esses preceitos eram basicamente a renuacutencia
ao uso de produtos de origem animal da vestimenta agrave alimentaccedilatildeo e a rejeiccedilatildeo dos sacrifiacutecios
de animais Fazia parte tambeacutem desse estilo de vida asceacutetico a praacutetica do silecircncio entre seus
seguidores
6 De acordo com Nichols (2011 p 30) a partir do seacutec III aC no periacuteodo heleniacutestico a paradoxografia jaacute
aparece como um gecircnero literaacuterio bem desenvolvido
13
Seguindo os passos de Pitaacutegoras aos dezesseis anos Apolocircnio decide aderir a esse
estilo de vida (VA I 7) Desse modo primeiramente Apolocircnio renunciou ao consumo de
carne com o argumento de que esta era impura e deixava a mente impolida passando a seguir
uma dieta agrave base de frutas secas e vegetais Abdicou tambeacutem da ingestatildeo do vinho pois
apesar de ser uma bebida pura desequilibrava a mente (VA I 8)7 Depois de desintoxicar seu
corpo Apolocircnio parou de usar qualquer produto de origem animal como sapatos e soacute usava
vestes de linho (VA I 8)8 Aleacutem disso deixou crescer seu cabelo (VA I 8) e sua barba Sobre
isso Flinterman (2009 p 159) destaca que no iniacutecio do periacuteodo imperial o cabelo comprido
era considerado uma caracteriacutestica distintiva dos filoacutesofos pitagoacutericos Todavia Apolocircnio
privou-se tambeacutem da vida conjugal e do sexo mantendo o celibato Nesse caso contudo o
celibato foi uma medida tomada aleacutem dos preceitos do pitagorismo pois Filoacutestrato menciona
que Pitaacutegoras era renomado por defender a monogamia (VA I 13)
9 Ademais ele natildeo
participava e era contra sacrifiacutecios de sangue tanto em ritos religiosos quanto em espetaacuteculos
de gladiadores (VA I 10 31 IV 22 V 25) Por fim fez voto de silecircncio durante cinco anos
(VA I 14 - 15)
Assim segundo Filoacutestrato o modo de vida de Apolocircnio propiciaria um conhecimento
privilegiado do mundo e uma comunicaccedilatildeo com a esfera divina Nesse sentido o diaacutelogo com
o rei parto Vardanes eacute ilustrativo Nele Apolocircnio diz que Pitaacutegoras o ensinou a venerar os
deuses e a estar atento a eles independentemente se eles eram visiacuteveis ou natildeo e a estar
frequentemente em diaacutelogo com eles bem como se vestir com o linho produto natildeo de origem
animal mas da terra e da aacutegua Tambeacutem faziam parte desse aprendizado manter o cabelo
longo como disciplina se manter puro ao natildeo consumir carne e natildeo acompanhar algueacutem no
consumo de bebidas alcooacutelicas assim como natildeo viver uma vida ociosa ou luxuosa mas
auxiliar as pessoas que tecircm problemas de conduta (VA I 32)
7 Como descrito na proacutepria obra para Apolocircnio o vinho ldquoera uma bebida pura por vir aos homens de uma planta
tatildeo bem cultivada mas era contraacuterio agrave formaccedilatildeo da mente por escurecer o eacuteter que havia na almardquo (VA I 8)
Texto grego καὶ τὸν οἶνον καθαρὸν μὲν ἔφασκεν εἶναι πῶμα ἐκ φυτοῦ οὕτως ἡμέρου τοῖς ἀνθρώποις ἥκοντα
ἐναντιοῦσθαι δὲ τῇ τοῦ νοῦ συστάσει διαθολοῦντα τὸν ἐν τῇ ψυχῇ αἰθέρα 8 Essa caracteriacutestica eacute bem marcada no momento em que o rei indiano Fraotes lhe daacute vaacuterios presentes e Apolocircnio
aceita apenas as vestes de linho como consta no trecho que segue ldquoO hindu lhe deu ouro pedras preciosas
vestidos de linho e milhares de coisas Apolocircnio disse que tinha ouro o suficiente pois Vardanes tinha dado a
ele escondido dele ao guia mas que aceitaria os vestidos de linho porque se assemelhavam ao manto filosoacutefico
dos antigos e eram mesmo aacuteticosrdquo (VA II 40) Texto grego καὶ χρυσίον δὲ ἐδίδου ὁ Ἰνδὸς καὶ ψήφους καὶ
ὀθόνας καὶ μυρία τοιαῦτα ὁ δὲ Ἀπολλώνιος lsquoχρυσίον μὲνrsquo ἔφη lsquoἱκανὸν ἑαυτῷ εἶναι δόντος γε Οὐαρδάνου τῷ
ἡγεμόνι ἀφανῶς αὐτό τὰς δὲ ὀθόνας λαμβάνειν ἐπειδὴ ἐοίκασι τρίβωνι τῶν ἀρχαίων τε καὶ πάνυ Ἀττικῶν 9 Sobre esse assunto cf tambeacutem Flinterman 2009 p 161
14
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo
Em VA Apolocircnio eacute afamado por seu estilo de vida asceacutetico bem como por fazer
milagres Dadas essas caracteriacutesticas em alguns momentos da narrativa Apolocircnio eacute chamado
de θεῖος ἀνήρ (homem divino) Justi (2012 p 15) nos informa que o principal elemento
associado ao termo eacute que o homem divino possui caracteriacutesticas excepcionais expressas por
meio do poder miraculoso e da sabedoria extraordinaacuteria Um homem assim identificado era
geralmente itinerante e tido por seus seguidores como um salvador divino graccedilas aos seus
poderes prodigiosos
Alguns dos milagres realizados por Apolocircnio foram i) salvar a cidade de Eacutefeso de
uma praga (IV 10) ii) exorcizar democircnios (IV 20) iii) curar um jovem rapaz em Tarso que
fora mordido por um catildeo raivoso (VI 43) iv) prever a morte do imperador Domiciano (VIII
26)
FIGURA 1 - Apolocircnio curando um jovem ateniense possuiacutedo (VA IV 20) (imagem superior) Apolocircnio
ressuscita uma garota morta em Roma (VA IV 45) (imagem inferior) Desenho de Johannes Stradanus (Bruges
I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings vol 32
n 04 1994 p 353
15
Ademais ele eacute reconhecido como divino em diversas passagens do texto10
Em uma
delas o rei indiano Fraotes escreve uma carta ao bracircmane Iarcas o saacutebio hindu mais antigo
aconselhando-o a dar igualdade de tratamento a Apolocircnio
ἐπιστελῶ δὲ καὶ Ἰάρχᾳ τῷ πρεσβυτάτῳ τῶν σοφῶν ἵν᾽ Ἀπολλώνιον μὲν ὡς μηδὲν
κακίω ἑαυτοῦ δέξηται ὑμᾶς δὲ ὡς φιλοσόφους τε καὶ ὀπαδοὺς ἀνδρὸς θείουrsquo (VA
II 40)
[Fala de Fraotes] ldquoe escreverei tambeacutem a Iarca o mais velho dos saacutebios para que
receba Apolocircnio em nada pior do que eu proacuteprio e a noacutes como filoacutesofos e
seguidores um homem divinordquo
Ainda conforme Justi (2012 p 15) um nascimento maravilhoso uma carreira
marcada pelo dom da linguagem persuasiva e dominadora a capacidade de fazer milagres
(incluindo curas e adivinhaccedilotildees) e uma morte de alguma maneira extraordinaacuteria caracterizam
o termo θεῖος ἀνήρ11
Com exceccedilatildeo da morte natildeo descrita na VA todos os atributos acima
condizem com a vida de Apolocircnio Filoacutestrato no primeiro livro narra o nascimento de
Apolocircnio como um momento envolto em pressaacutegios (VA I 5) Haacute por exemplo a menccedilatildeo de
que ele seria a encarnaccedilatildeo do deus Proteu uma vez que esse deus teria aparecido agrave sua matildee
enquanto estava graacutevida predizendo o acontecimento o que confirmaria a sabedoria divina de
Apolocircnio (VA I 4) Aleacutem disso a apariccedilatildeo de um bando de cisnes momentos antes do seu
nascimento e a queda de um raio no instante do parto estariam associadas ao seu
favorecimento divino12
A imagem de Stradanus traduz bem essa cena
10
Como por exemploVA I 2 21 II 17 40 III 28 VII 38 VIII 13 23 11
Alguns autores vide Horsley (2013) Kemezis (2014) e Koskenniemi (2016) se opotildeem a essa concepccedilatildeo 12
O estudo de Miles (2016) trata sobre a relaccedilatildeo que haacute entre o aparecimento dos cisnes e os pressaacutegios ligados a
eles no momento do nascimento de Apolocircnio
16
FIGURA 2 - O nascimento de Apolocircnio de Tiana na Capadoacutecia (VA I 4-5) (imagem superior) e Apolocircnio de
Tiana admirando os relevos do templo em Taxila na Iacutendia (VA II 20) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Poreacutem foram os milagres que elevaram a fama de Apolocircnio Em virtude disso
Domiciano tentou descaracterizar o aspecto divino desses feitos Para tal o imperador o
processou afirmando que Apolocircnio conspirara contra ele (VA VII 20) No julgamento
Apolocircnio foi chamado de γόης que neste contexto tinha uma denominaccedilatildeo pejorativa13
pois
13
No entando γόης nem sempre teve uma denotaccedilatildeo pejorativa De acordo com Lloyd (1979 p 10 - 15) o
primeiro registro que temos de uma obra que aplicou o termo γόης de forma depreciativa eacute datada entre o final
do seacuteculo V e iniacutecio do seacuteculo IV aC Natildeo apenas esse termo mas qualquer pretensatildeo de poder manipular
forccedilosamente o divino ou o sobrenaturalparece ter entrado em conflito com uma visatildeo mais racionalista da
religiatildeo Segundo o autor eacute ainda nos meados do seacuteculo V aC que temos evidecircncias de relatos racionalistas da
origem da religiatildeo e temos informaccedilotildees que relatam a rejeiccedilatildeo e a refutaccedilatildeo de algumas noccedilotildees maacutegicas como
no tratado hipocraacutetico Sobre a Doenccedila Sagrada (Περὶ ἱερῆς νοuacuteσου)
17
significava ser feiticeiro mago charlatatildeo impostor 14
Na sequecircncia ele foi processado por
i) ter sido adorado por algumas pessoas ii) ter predito a fome em Eacutefeso iii) ter proferido
algumas palavras em detrimento de Domiciano iv) ter visitado o entatildeo senador Nerva e ter
feito o sacrifiacutecio de um menino aacutercade em benefiacutecio deste v) e pelo modo de viver e de
vestir-se (VA VII 20) De todas a penuacuteltima acusaccedilatildeo era a mais grave (VII 20) Apoacutes o
testemunho de duas pessoas a favor de Apolocircnio ele proacuteprio se defendeu da seguinte forma
παρ᾽ ὅσον μὲν τοίνυν τῆς ἀληθείας ἡ γραφὴ ξυνετέθη δηλοῖ σαφῶς ἡ μαρτυρία τῶν
ἀνδρῶν οὐ γὰρ ἐν προαστείοις ἀλλ᾽ ἐν ἄστει οὐκ ἔξω τείχους ἀλλ᾽ ἐπ᾽ οἰκίας
οὐδὲ παρὰ Νερούᾳ παρὰ Φιλίσκῳ δέ οὐδὲ ἀποσφάττων ἀλλ᾽ ὑπὲρ ψυχῆς
εὐχόμενος οὐδ᾽ ὑπὲρ βασιλείας ἀλλ᾽ ὑπὲρ φιλοσοφίας οὐδ᾽ ἀντὶ σοῦ χειροτονῶν
νεώτερον ἀλλ᾽ ἄνδρα σώζων ἐμαυτῷ ὅμοιον (VA VIII 7)
Ateacute que ponto satildeo verdadeiras estas acusaccedilotildees mostra com clareza o testemunho
destes senhores pois eu natildeo estava na periferia mas na cidade natildeo estava fora das
muralhas mas em uma casa natildeo estava na casa de Nerva mas na de Filisco natildeo
estava decapitando mas clamando por uma vida natildeo em prol do reino mas da
filosofia natildeo votando contra ti e a favor de um mais jovem mas para salvar um
homem semelhante a mim
Diante desse contexto Silva (2016a p 126) acredita que o motivo da acusaccedilatildeo
tenha sido poliacutetico jaacute que o imperador possivelmente temia a influecircncia de Apolocircnio junto ao
povo Poreacutem ponderamos que o imperador temia o contato e a influecircncia de Apolocircnio junto agrave
corte ou aos ciacuterculos de poder
Por outro lado existe tambeacutem a possibilidade de que tanto a acusaccedilatildeo quanto a
defesa de Apolocircnio tenham sido inventadas por Filoacutestrato com o intuito de reverter a imagem
de Apolocircnio de γόης para θεῖος ἀνήρ (SILVA 2014 p 129) Dessa forma as praacuteticas com
natureza maacutegico-religiosa denunciadas por Domiciano seriam parte da sabedoria divina de
Apolocircnio (VA VIII 2 7) Isso faria dele um teurgo e segundo Silva (2013b p 3) a teurgia
era uma fusatildeo de rituais religiosos e especulaccedilotildees filosoacuteficas com uma base maacutegica De
acordo com Brandatildeo (1991 p 113)
a magia ligada agrave filosofia por um lado era considerada um conhecimento miacutestico
por outro lado era uma espeacutecie de conhecimento cientiacutefico o que fazia com que
fosse aceita por largas faixas das camadas mais eruditas do Impeacuterio Romano
14
Bailly 2000 p 443
18
Teriacuteamos assim a partir da VA o modelo de um homem saacutebio filoacutesofo e com
uma moral exemplar uma figura alvo de admiraccedilatildeo Aleacutem disso Apolocircnio carregaria consigo
os valores gregos para onde quer que fosse como veremos mais agrave frente
Por outro lado no contexto cristatildeo Apolocircnio de Tiana eacute uma figura muito
debatida Dentre as polecircmicas que o envolvem estaacute a comparaccedilatildeo dele com Jesus Cristo No
seacuteculo III Sosiano Hieacuterocles escreveu um tratado polecircmico contra Jesus no qual tentou usar a
imagem de θεῖος ἀνήρ representada por Apolocircnio como uma ferramenta contra o
cristianismo de seu tempo Embora esse tratado natildeo tenha sobrevivido eacute citado por Euseacutebio
de Cesareia que tentou veementemente proteger Jesus contra o ataque de Hieacuterocles em um
tratato intitulado Contra Hieacuterocles (SCHIRREN 2009 p 161- 162) De acordo com
Schirren (2009 p 162) o contraste que haacute entre essas duas figuras sob o ponto de vista
criacutetico-literaacuterio eacute que a vida de Jesus como narrada no Novo Testamento conta a histoacuteria do
filho de Deus sujeitando-se ao mal do mundo e superando o sofrimento humano sem
pronunciar uma palavra contra Pocircncio Pilatos que o condenou agrave morte Com isso Cristo se
torna o salvador do mundo Em contraste na VA Apolocircnio ergue-se contra os governantes
impiedosos do impeacuterio romano e mesmo depois de ter sido condenado agrave morte por sua
conduta ultrajante ainda tenta educar os tiranos para finalmente desaparecer quando lhe
parece apropriado15
Com isso a imagem de Apolocircnio de Tiana como descrita por Filoacutestrato teve
grande repercussatildeo nos primeiros seacuteculos do cristianismo E seacuteculos depois ainda
repercutia uma vez que inspirou o artista flamengo Johannes Stradanus (Bruges I523 -
Florenccedila 1605) a pintar uma seacuterie de pequenos quadros todos feitos agrave pena e tinta e
enumerados de um a dez De acordo com as legendas escritas na caligrafia do proacuteprio artista
os desenhos representam cenas da vida de Apolocircnio de Tiana e atualmente se encontram no
museu Cooper-Hewitt de Nova York (YSSELT 1994 p 351)
15
Outros autores que discutem esse tema satildeo Elsner (1997) Girard (1999) Koskenniemi (1998) Stratton (2003)
Jones (2006) e Silva (2014 segundo capiacutetulo)
19
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano16
Eacute muito difiacutecil definir ou atribuir uma identidade grega ou romana em meio a um
impeacuterio vasto e multicultural No seacuteculo V aC Heroacutedoto (Hist VIII 144) registra uma
oposiccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo (gregos) e os ldquooutrosrdquo (baacuterbaros) Isso natildeo deixa de ser um conceito ou
um criteacuterio de identificaccedilatildeo do que eacute ser grego (hellenikoacuten) ter o ldquomesmo sangue mesma
liacutengua santuaacuterios e sacrifiacutecios comuns haacutebitos e costumes semelhantesrdquo
Mas o tempo e o contexto de Filoacutestrato (seacuteculos II ndash III) jaacute natildeo eram mais iguais aos
do seacuteculo de Heroacutedoto Grego originaacuterio de Lemnos Filoacutestrato viveu durante o Impeacuterio
Romano em meio agrave heterogeneidade e agrave diversidade cultural Nessa eacutepoca a questatildeo da
identidade romana (ou identidades) incluiacutea o processo de romanizaccedilatildeo (da Itaacutelia e em seguida
do Impeacuterio) de um lado e a questatildeo da resistecircncia cultural a ela de outro De acordo com
Mendes (2004 p 258)
O conceito de Romanizaccedilatildeo em aplicaccedilatildeo pressupotildee um processo de mudanccedila
socioeconocircmica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos
implicando em diferentes formas de interaccedilatildeo cultural Nesta perspectiva fica
impliacutecito o reconhecimento de um contiacutenuo desenvolvimento da cultura material
nativa aberta a processos interativos diferentes em eacutepocas distintas e em resposta agraves
escolhas e demandas locais Por outro lado a Romanizaccedilatildeo tambeacutem eacute entendida
como um processo dialeacutetico na medida em que veicula os elementos culturais
fundamentais da identidade cultural romana e seu ajustamento com alteridades
culturais dos povos dominados
A assimilaccedilatildeo cultural das populaccedilotildees que foram integradas a Roma durante a
expansatildeo da Repuacuteblica e do Impeacuterio foi ldquoum processo de mudanccedila relacionado com as ideias
de controle social e identidaderdquo (MENDES 1999 p 307)
A proacutepria Roma por outro lado passou por um processo de helenizaccedilatildeo seacuteculos
antes Historiadores consideram que houve uma primeira helenizaccedilatildeo com a captura de
Tarento por Faacutebio Maacuteximo em 272 aC Posteriormente teria havido uma segunda
16
A palavra latina identitas eacute uma criaccedilatildeo tardia do seacuteculo IV usada especialmente por teoacutelogos cristatildeos para
definir a Trindade De fato no mundo romano eacute preciso primeiro ser capaz de identificar um indiviacuteduo atraveacutes
da atribuiccedilatildeo de um nome e de um status ligado ao grupo jaacute o termo latino persona refere-se primeiro agrave maacutescara
usada pelos atores antes de designar a pessoa gramatical ou entidade Mas ao contraacuterio do que aconteceu no
Impeacuterio Romano a noccedilatildeo de identidade na Greacutecia Antiga natildeo se deu devido ao uso recorrente de palavras e ao
que se constata ateacute hoje tambeacutem natildeo haacute textos em que a noccedilatildeo proacutepria de identidade apareccedila nem um termo
especiacutefico que tenha essa designaccedilatildeo (BAROIN WORMS 2006 p 1-2)
20
helenizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos desse mesmo seacuteculo com a tomada de Siracusa por Marco
Claacuteudio Marcelo em 212 aC (BAROIN WORMS 2006 p 8)
Como resultado desse processo os romanos receberam influecircncias gregas na
religiatildeo nas artes e nas relaccedilotildees sociais A exemplo disso citemos as praacuteticas e locais de oacutecio
(otium) que eram essencialmente caracterizados como gregos e que foram totalmente
inseridos na cultura romana como o banquete a filosofia e o teatro Com isso entendemos a
questatildeo da identidade como sendo um movimento constante e plural e a fusatildeo de costumes e
de praacuteticas natildeo se constroacutei somente em oposiccedilatildeo ao outro mas tambeacutem com o outro
(BAROIN WORMS 2006 p 8 - 9)
Nesse contexto de fusatildeo e de difusatildeo de identidades Filoacutestrato resgata e valoriza a
cultura grega claacutessica por meio de suas principais obras VS e VA Na Vida dos Sofistas o
tema eacute desenvolvido dentro da perspectiva dos papeacuteis desempenhados pelos sofistas na
Segunda Sofiacutestica (Δευτέρα σοφιστική) De acordo com Whitmarsh (2001 p 272) a
Segunda Sofiacutestica foi um acontecimento em que vaacuterios sofistas e escritores helenizados que
viviam no Impeacuterio Romano afirmaram sua identidade grega em torno de sua proacutepria cultura
atraveacutes da literatura e da retoacuterica estabelecendo um novo posicionamento cultural17
De
acordo com Abraham (2014 p 478) atribui-se a autoria do termo Segunda Sofiacutestica a
Filoacutestrato pois ele teria aparecido pela primeira vez em VS de acordo com os documentos
mais antigos que chegaram ateacute a atualidade
Jaacute na Vida de Apolocircnio de Tiana Filoacutestrato se utiliza do personagem Apolocircnio
para destacar aspectos da cultura grega claacutessica Se para Heroacutedoto era considerado grego
quem era nascido em terras gregas falava grego e compartilhava de haacutebitos e costumes
similares na VA satildeo outros os aspectos enfatizados Aqui percebemos que possuir a cultura
grega do periacuteodo claacutessico atraveacutes do domiacutenio da liacutengua da literatura e da filosofia tem um
valor maior do que ter nascido na Greacutecia
Nesse sentido a palavra baacuterbaro cuja etimologia remete a ldquoestrangeiro que fala
de forma balbuciante e natildeo se entende o que dizrdquo adquire outra dimensatildeo No periacuteodo das
Guerras Meacutedicas (seacuteculo V aC) ldquobaacuterbarordquo tinha o sentido de ldquonatildeo gregordquo criando entatildeo a
oposiccedilatildeo entre ἕλλην e βάρβαρος18
Assim a liacutengua era a maior marca de distinccedilatildeo de quem
era grego ou natildeo Whitmarsh (2001 p 272) afirma que na Atenas dos seacuteculos V - IV aC o
17
Atualmente eacute comum a ideia de que os filoacutesofos e os sofistas desempenhavam os mesmos papeacuteis durante o
ldquorenascimento cultural gregordquo ocorrido nos trecircs primeiros seacuteculos aC advinda com a Segunda Sofiacutestica O
estudo de Sidebottom 2009 p 69 ndash 99 eacute indicado para tratar sobre esse assunto 18
Chantraine 1968 p 164 ndash 165
21
dialeto aacutetico era usado pela elite intelectual em oposiccedilatildeo ao demoacutetico falado pelo povo
sendo essa uma das maiores distinccedilotildees sociais Mesmo natildeo sendo ateniense Apolocircnio na VA
fala habilmente o aacutetico ldquoSua liacutengua era o aacutetico e isso natildeo mudava por causa do seu sotaque
dada a sua regiatildeo de origemrdquo (ᾗ γράμματα μνήμης τε ἰσχὺν ἐδήλου καὶ μελέτης κράτος καὶ ἡ
γλῶττα Ἀττικῶς εἶχεν οὐδ᾽ ἀπήχθη τὴν φωνὴν ὑπὸ τοῦ ἔθνους VA I 7)
Quando Apolocircnio conheceu seu companheiro de viagens e futuro disciacutepulo
Dacircmis este se dispocircs a guiaacute-lo e a ser seu tradutor Todavia como resposta Apolocircnio diz que
entendia todas as liacutenguas mesmo sem ter aprendido nenhuma pois entendia o silecircncio (VA I
19) A dispensa de um tradutor soacute se torna eficaz para Apolocircnio pelo fato de que em seus
encontros com outros povos algueacutem sempre falava grego (REGER 2007 p 262) Dada a
improbabilidade de esses fatos terem ocorrido dessas coincidecircncias interpretamos que o
monolinguismo dos encontros eacute uma das estrateacutegias que Filoacutestrato encontrou para valorizar a
liacutengua grega no contexto da Segunda Sofistica
Aleacutem disso outros aspectos da cultura grega claacutessica satildeo retomados quando Apolocircnio
demonstra ter domiacutenio da literatura da filosofia e da mitologia Satildeo citados os poemas
homeacutericos Iliacuteada e Odisseia (VA II 14 III 27 V 7 14 22 26 36 VIII 4 5 7 16 11 13)
Hesiacuteodo (VA V 21) Esopo (VA V 14) Arquiacuteloco (VA II 7) Eacutesquilo (VA VI 11) Soacutefocles
(VA IV 38 VI 4) Euriacutepides (VA II 14 32 IV 21 VII 5 14) Piacutendaro (VA VI 26)
Tuciacutedides (VA VII 25) Soacutecrates (VA VI 10 19 VIII 2) e Platatildeo (VA IV 36 VII 3)
Sendo integrante de uma elite cabia a Filoacutestrato resgatar sinais e traccedilos de uma
antiga identidade grega e tentar recompocirc-la e reativaacute-la construindo um modelo exemplar do
que eacute ser grego com a figura de Apolocircnio
As elites gregas podem ou melhor devem ir a fundo em sua cultura ndash eacute por ela
graccedilas a ela que podem reivindicar seu lugar e legitimar seu direito nesse impeacuterio
greco-romano cuja sorte foi decidida na Batalha de Aacutecio Tal eacute o sentido desse
movimento literaacuterio e poliacutetico dessa estrateacutegia cultural chamada Segunda Sofiacutestica
A Vida de Apolocircnio eacute parte do empreendimento de reconquista e de re-apropriaccedilatildeo
ativa do passado grego participando de sua recriaccedilatildeo ndash do processo em atividade
em toda sociedade viva de fabricaccedilatildeo ou de invenccedilatildeo da tradiccedilatildeordquo (HARTOG
2004 p 21 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Essa re-apropriaccedilatildeo e recriaccedilatildeo se torna muito mais aparente quando Filoacutestrato
descreve a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Laacute ele se comunica com os indianos em grego e se
admira com o conhecimento que eles tecircm dessa liacutengua (VA III 12) Na sua primeira estada
22
Apolocircnio eacute acolhido pelo rei Fraotes de Taxila Em um primeiro momento os dois se
comunicam com o intermeacutedio de um inteacuterprete ateacute o rei lhe confessar que tambeacutem falava
grego
lsquoἔδεισαrsquo ἔφη lsquoθρασὺς δόξαι μὴ γιγνώσκων ἐμαυτόν μηδ᾽ ὅτι βάρβαρον εἶναί με
δοκεῖ τῇ τύχῃ σοῦ δὲ ἡττηθείς ἐπειδὴ καὶ σὲ ὁρῶ ἐμοὶ χαίροντα οὐκ ἠδυνήθην
ἐμαυτὸν κρύπτειν ὡς δὲ μεστός εἰμι τῆς Ἑλλήνων φωνῆς ἐν πολλοῖς δηλώσωrsquo
(VA II 27)
Eu receava vocecirc achar que eu fosse arrogante quando ainda natildeo me conhecia a mim
mesmo e pensar que eu fosse um baacuterbaro natildeo por decisatildeo da sorte Mas apoacutes ter te
cativado porque vejo que me estimas natildeo posso me esconder assim te convencerei
de vaacuterias formas que sou bem profeciente na liacutengua grega
Ademais o rei hindu tambeacutem evidencia que a filosofia grega eacute altamente estimada em
seu paiacutes (VA II 30) e menciona ter lido uma peccedila denominada ldquoOs filhos de Heacuteraclesrdquo
passando a impressatildeo de que leituras desse gecircnero eram comuns para ele (VA II 32) Fraotes
tambeacutem interage com a cultura grega atraveacutes da praacutetica de esportes
τὰ δὲ ἐφ᾽ ἑκάτερα δρόμοι ἦσαν ἐν οἷς ἀκοντίῳ τε καὶ δίσκῳ τὸν Ἑλληνικὸν τρόπον
ἑαυτὸν ἐξήσκει καὶ γὰρ τὸ σῶμα ἔρρωτο ὑπό τε ἡλικίας mdash ἑπτὰ γὰρ καὶ εἴκοσιν ἔτη
γεγονὼς ἦν mdash ὑπό τε τοῦ ὧδε γυμνάζεσθαι ἐπεὶ δὲ ἱκανῶς ἔχοι ἐπήδα ἐς τὸ ὕδωρ
καὶ ἐγύμναζεν ἑαυτὸν τῷ νεῖν ὡς δὲ ἐλούσαντο ἐβάδιζον ἐς τὸ συσσίτιον
ἐστεφανωμένοι τουτὶ δὲ νενόμισται Ἰνδοῖς ἐπειδὰν ἐς τοῦ βασιλέως πίνωσιν (VA
II 27)
havia em ambos lados pistas de corrida nas quais agrave maneira grega se exercitava em
dardo de arremesso e disco pois tinha o corpo forte pela idade ndashele tinha vinte e sete
anos ndash e por praticar ginaacutestica assim Depois de se exercitar o suficiente ele saltava
na aacutegua e treina por conta proacutepria nataccedilatildeo
Ao final da estadia de Apolocircnio junto a Fraotes e antes de ele partir a caminho de
Paraca cidade dos bracircmanes o rei escreve uma carta de recomendaccedilatildeo em grego a Iarcas o
homem mais antigo e saacutebio entre os bracircmanes hindus Chegando laacute Apolocircnio se surpreende
ao ser recebido por um mensageiro que tambeacutem falava a liacutengua grega (VA III 12) Aleacutem
disso depois de ler a carta de Fraotes Iarcas faz uma breve correccedilatildeo demonstrando grande
domiacutenio da liacutengua grega
23
τὸν δὲ Ἀπολλώνιον ἰδὼν φωνῇ τε ἠσπάσατο Ἑλλάδι καὶ τὰ τοῦ Ἰνδοῦ γράμματα
ἀπῄτει θαυμάσαντος δὲ τοῦ Ἀπολλωνίου τὴν πρόγνωσιν καὶ γράμμα γε ἓν ἔφη
λείπειν τῇ ἐπιστολῇ δέλτα εἰπών παρῆλθε γὰρ αὐτὸν γράφοντα (VA III 16)
Ao vecirc-lo Apolocircnio o saudou em liacutengua grega e lhe pediu a carta do hindu Apolocircnio
se surpreendeu com sua clarividecircncia e Iarcas reparou que faltava uma letra na carta
um delta seguramente que a quem escreveu tinha passado desapercebido
Em outro episoacutedio Dacircmis companheiro de viagem de Apolocircnio tambeacutem se
admira com o conhecimento do bracircmane com relaccedilatildeo ao grego
ταῦτα τοῦ Ἰνδοῦ διελθόντος ἐκπεσεῖν ὁ Δάμις ἑαυτοῦ φησιν ὑπ᾽ ἐκπλήξεως καὶ
ἀναβοῆσαι μέγα μὴ γὰρ ἄν ποτε νομίσαι ἄνδρα Ἰνδὸν ἐς τοῦτο ἐλάσαι γλώττης
Ἑλλάδος μηδ᾽ ἄν εἴπερ τὴν γλῶτταν ἠπίστατο τοσῇδε εὐροίᾳ καὶ ὥρᾳ διελθεῖν
ταῦτα (VA III 36)
Enquanto o indiano discorria sobre estas coisas Damis afirma que ficou espantado e
que ele falou com fluecircncia Ele jamais havia pensado que um indiano poderia
dominar assim a liacutengua grega aliaacutes nem pensava que um indiano conhecesse a
liacutengua grega tamanha foi a fluecircncia e a conveniecircncia com que ele discorreu
Aleacutem do conhecimento linguiacutestico alguns dos costumes e dos rituais dos saacutebios
hindus tambeacutem estatildeo ligados agrave cultura grega i) o momento em que os saacutebios cantam uma
canccedilatildeo que se assemelha ao peatilde de Soacutefocles cantado em Atenas em honra a Ascleacutepio (VA III
17) ii) quando citam Homero (VA III 20 22 27) iii) discutem sobre justiccedila (VA III 24)
sobre a moral grega (VA III 25) sobre mitos gregos (VA III 25) filosofia (VA III 28) e
cosmogonia (VA III 34) Esses aspectos seratildeo analisados no terceiro capiacutetulo desse trabalho
14 Por que a Iacutendia
Geograficamente na Antiguidade Claacutessica reconhecia-se como Iacutendia a regiatildeo que se
estendia do rio Indo ateacute a costa ocidental da Peniacutensula Iacutendica Os principais acessos entre essa
regiatildeo e o Mediterracircneo eram feitas sobretudo atraveacutes do Mar Araacutebico do Golfo Peacutersico e
do Mar Vermelho ou ainda pelo planalto indiano Peacutersia e Mesopotacircmia Fora isso a
Bactriana e o Punjab (atuais Afeganistatildeo e Paquistatildeo) tambeacutem eram consideradas como de
domiacutenio hindu (RODRIGUES 2016 p 168)
24
Todo esse territoacuterio eacute um dos que mais se destaca na literatura grega antiga como um
produtor de maravilhas O verbete θαυμάσιος significa maravilhoso admiraacutevel e espantoso19
Haacute tambeacutem de mesma raiacutez o verbo θαυμάζω cujo sentido eacute o de surpreender-se ver com
espanto ou admiraccedilatildeo admirar venerar20
e o substantivo θαῦμα maravilha respectivamente
Esses termos satildeo comumente utilizados pelos escritores gregos para descrever a Iacutendia e seu
povo
Como exemplo mais antigo temos Ciacutelax de Carianda (seacutec VI aC) marinheiro e
explorador grego Participou entre 519 e 512 aC da expediccedilatildeo do rei persa Dario I para
explorar o curso do rio Indo Apoacutes ter alcanccedilado o mar ele natildeo apenas navegou pelo oceano
Iacutendico mas foi ateacute o mar Vermelho explorando algumas regiotildees da Araacutebia tendo concluiacutedo
essa viagem em trinta meses (HEROacuteDOTO Hist IV 44) Com isso Ciacutelax teria contribuiacutedo
para a Iacutendia ser vista como uma regiatildeo repleta de maravilhas e socialmente perfeita cuja
populaccedilatildeo detinha grande sabedoria (ESPELOSIacuteN LARGACHA GIRVEacuteS 1994 p 198)
Heroacutedoto tambeacutem descreveu sobre a Iacutendia e seu povo em suas Histoacuterias Nessa obra
tudo o que eacute relacionado aos hindus e ao seu paiacutes eacute tido como estranho e maravilhoso A
exemplo disso o autor nos informa que os indianos tecircm relaccedilotildees sexuais em puacuteblico como
animais (Hist III 101) e que alguns deles os padeus se alimentam de carne humana
matam os enfermos sacrificam e comem os idosos (Hist III 99) Outros natildeo tecircm casa e se
alimentam soacute de ervas (Hist III 100) Nesse sentido Morais (2004 p 54 e 76) comenta que
a descriccedilatildeo dos comportamentos hindus feita por Heroacutedoto se assemelha mais agrave dos
selvagens e que dessa forma eles natildeo transmitiriam sabedoria aos demais povos sendo seus
costumes estranhos e opostos aos da civilizaccedilatildeo mostrando uma visatildeo completamente
diferente da exposta por Cilax
Cteacutesias de Cnido (seacutec V-IV aC) tambeacutem escreveu sobre a Iacutendia e seu povo
Diferentemente dos outros autores Cteacutesias compocircs um livro dedicado inteiramente a esse
tema no qual descreve a geografia e a etnografia hindus os Ἰνδικά (Sobre a Iacutendia) A partir
dos fragmentos remanescentes descobrimos por um lado uma Iacutendia povoada apenas por
seres hiacutebridos e monstros selvagens como a μαρτιχόρα (manticora) (fr VII) e o paacutessaro
δίκαιρον (dikairon) (fr XVII) Por outro lado sua populaccedilatildeo se restringe a seres humanoides
com costumes distintos e estranhos como os κυνοκέφαλοι (cinoceacutefalos) (fr XX) e os
πυγμαῖοι (pigmeus) (fr XI)
19
Bailly 2000 p 918 20
Bailly 2000 p 918
25
Ateacute mesmo as dimensotildees e as quantidades tornam a natureza e a geografia
extraordinaacuterias o rio Indo mede 40 estaacutedios21
de largura e 200 de extensatildeo (fr I) existe uma
fonte na qual ao inveacutes de fluir aacutegua jorra ouro liacutequido (fr IV) Eacute diverso tambeacutem por suas
cores como as da ave βυττάκου (bittakos) cuja face eacute cor de puacuterpura a barba escura e a sua
nuca eacute escura tal qual cinaacutebrio (fr III) Romm (1989 p 121 - 135 apud SANO 2008 p 68)
considera que foi Cteacutesias o fundador de uma tradiccedilatildeo literaacuteria que descreve as ldquomaravilhas da
Iacutendiardquo e que alguns dos acontecimentos narrados por ele encontrariam antecedentes no
folclore indiano
Nesse periacuteodo houve tambeacutem um desenvolvimento da prosa escrita tanto do romance
quanto da historiografia Assim gecircneros literaacuterios como a paradoxografia a faacutebula e o
proacuteprio romance seguiram diferentes abordagens da realidade O caso da Iacutendia eacute indicativo de
novos desenvolvimentos suas caracteriacutesticas distintivas podem ser atribuiacutedas a um periacuteodo
anterior da cultura grega mas eacute no proacuteprio periacuteodo heleniacutestico que eles se juntam com uma
nova intensidade (PARKER 2008 p 47) Com isso maravilhas e monstros caracterizaram as
narrativas sobre esse paiacutes Aleacutem disso uma outra peculiaridade da Iacutendia era o fato dela ser
descrita como a fronteira do mundo A proacutepria obra de Cteacutesias informava que natildeo havia
populaccedilatildeo aleacutem do rio Indo22
Seguindo essa loacutegica Alexandre o Grande preparou uma expediccedilatildeo com o intuito de
conquistar as terras indianas acreditando ser a Iacutendia o limite do mundo Essa campanha teve
por outro lado um grande efeito no que diz respeito ao acesso de informaccedilotildees que os gregos
tinham ateacute entatildeo sobre a Iacutendia (PARKER 2008 p 59)
Seacuteculos mais tarde Luciano de Samoacutesata (125-180 dC) em suas Narrativas
Verdadeiras menciona Cteacutesias chamando-o de mentiroso23
por conta de suas obras Isso natildeo
soacute sintetizou a maacute reputaccedilatildeo de Cteacutesias como tambeacutem retomou o debate acerca de narrativas
sobre fatos verdadeiros e ficcionais (PARKER 2008 p 47) Assim a Iacutendia continuou a ser
um dos temas principais no contexto do discurso do maravilhoso
Outros escritores que escreveram sobre a Iacutendia foram Megaacutestenes (seacuteculo IV aC) em
sua obra Iacutendica Estrabatildeo (seacuteculo I aC) em Geografia Claacuteudio Eliano (seacuteculo I) em Sobre a
natureza dos animais Xenofonte de Eacutefeso (seacuteculo II ndash I) em Efesiacuteacas Arriano de
21
Medida de percurso equivalente a 17760 m 22
ldquoQue homens natildeo habitam aleacutem de laacuterdquo Texto grego Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους (Indikaacute
frag I) 23
ldquoCteacutesias de Cnido o filho de Ctesioco escreveu acerca do paiacutes dos indianos e do que existe laacute coisas que ele
proacuteprio natildeo viu nem ouviu de algueacutem que dizia a verdaderdquo Traduccedilatildeo de Sano 2008 p6 Texto
grego Κτησίας ὁ Κτησιόχου ὁ Κνίδιος ὃς συνέγραψεν περὶ τῆς Ἰνδῶν χώρας καὶτῶν παρ᾽ αὐτοῖς ἃ μήτε αὐτὸς ε
ἶδεν μήτε ἄλλου ἀληθεύοντος ἤκουσεν (Narrativas Verdadeiras I 3)
26
Nicomeacutedia (seacuteculo II) em sua Anaacutebase de Alexandre e Nono de Panoacutepolis (seacuteculo V) em
sua Dionisiacuteacas
Em siacutentese a Vida de Apolocircnio de Tiana se mostra inovadora ao abordar a temaacutetica do
maravilhoso juntamente com o resgate dos valores culturais claacutessicos Aleacutem de encontrarmos
vestiacutegios dessa tradiccedilatildeo repleta de maravilhas e caracteriacutesticas peculiares acompanhamos
Apolocircnio em uma jornada em busca da sabedoria
27
CAPIacuteTULO II
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA
A partir das fontes brevemente analisadas no primeiro capiacutetulo vimos que a Iacutendia eacute
um lugar de destaque nas narrativas gregas antigas devido ao seu exotismo e sua diversidade
natural Na VA curiosamente o caminho feito por Apolocircnio eacute marcado natildeo apenas por esse
exotismo mas principalmente pelos vestiacutegios encontrados de um passado grego Apolocircnio se
depara com rastros de Dioniso do macedocircnio Alexandre e faz alusotildees a escritores gregos
antigos como Heroacutedoto e Cteacutesias de Cnido Assim seraacute com base nessas referecircncias bem
como o mundo natural hindu narrado que mostraremos uma Iacutendia descrita sob a oacutetica de
Filoacutestrato
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia
Algumas das remissotildees que comentaacutevamos haacute pouco se datildeo na chegada de Apolocircnio e
de seus companheiros agrave Iacutendia Seguindo o relato de Filoacutestrato para adentrarem a regiatildeo rumo
agrave cidade dos bracircmanes Paraca os viajantes precisariam passar por uma montanha Nisa Ao
se aproximarem desta o guia de viagem os informou de que Dioniso ldquoagiardquo sobre ela e por
isso Apolocircnio supocircs que laacute aconteciam coisas maravilhosas (θαυμαστὰ) (VA II 7) Ao
subirem se depararam com um templo abandonado do deus
ἀνελθόντες οὖν ἱερῷ Διονύσου ἐντυχεῖν φασιν ὃ δὴ Διόνυσον ἑαυτῷ φυτεῦσαι
δάφναις περιεστηκυίαις κύκλῳ τοσοῦτον περιεχούσαις τῆς γῆς ὅσον ἀπόχρη νεῷ
ξυμμέτρῳ κιττόν τε περιβαλεῖν αὐτὸν καὶ ἀμπέλους ταῖς δάφναις ἄγαλμά τε ἑαυτοῦ
ἔνδον στήσασθαι γιγνώσκοντα ὡς ξυμφύσει τὰ δένδρα ὁ χρόνος καὶ δώσει τινὰ ἀπ᾽
αὐτῶν ὄροφον ὃς οὕτω ξυμβέβληται νῦν ὡς μήτε ὕεσθαι τὸ ἱερὸν μήτ᾽ ἀνέμῳ
ἐσπνεῖσθαι δρέπανα δὲ καὶ ἄρριχοι καὶ ληνοὶ καὶ τὰ ἀμφὶ ληνοὺς ἀνάκειται τῷ
Διονύσῳ χρυσᾶ καὶ ἀργυρᾶ καθάπερ τρυγῶντι τὸ δὲ ἄγαλμα εἴκασται μὲν ἐφήβῳ
Ἰνδῷ λίθου δὲ ἔξεσται λευκοῦ ὀργιάζοντος δὲ αὐτοῦ καὶ σείοντος τὴν Νῦσαν
ἀκούουσιν αἱ πόλεις αἱ ὑπὸ τῷ ὄρει καὶ ξυνεξαίρονται (VA II 8)
28
Tendo eles subido [a montanha] dizem que se depararam com um templo de
Dioniso o qual foi plantado pelo proacuteprio Dioniso que plantou loureiros rodeando
em ciacuterculo tatildeo grande que envolve a terra quanto bastava a um templo simeacutetrico E
ele tambeacutem colocou ao redor dos loureiros hera e videira ergueu uma estaacutetua para si
mesmo sabendo que no tempo em que as aacutervores crescessem juntas elas mesmas
umas sobre as outras dariam um teto com o qual assim se deparam agora entatildeo a
chuva natildeo o molha nem o vento sopra sobre o templo E havia foices cestas e vasos
e ao redor havia vasos consagrados a Dioniso como se fossem para um colhedor de
uvas dourados e prateados E a estaacutetua se assemelha a um jovem indiano e era de
pedra branca E ele celebrando e fazendo tremer o Nisa as cidades abaixo da
montanha ouvem e se afervoram
Logo em seguida o autor resume uma discussatildeo entre indianos e gregos a respeito de
Dioniso Por um lado os gregos diziam que Dioniso teria feito uma expediccedilatildeo agrave Iacutendia tanto
como soldado quanto como farrista Esses argumentos seriam embasados em uma oferenda
existente em Delfos onde dentre os tesouros preservados havia um disco de prata indiana
com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoDioniso o [filho] de Secircmele e de Zeus dos hindus a Apolo de
Delfosrdquo (ΔΙΟΝΥΣΟΣ Ο ΣΕΜΕΛΗΣ ΚΑΙ ΔΙΟΣ ΑΠΟ ΙΝΔΩΝ ΑΠΟΛΛΩΝΙ ΔΕΛΦΩΙ VA
II 9) Essa pode ser uma alusatildeo agrave Biblioteca Histoacuterica de Diodoro Siacuteculo (90 - 30 aC) na
qual o autor narra a expediccedilatildeo beacutelica e festejadora de Dioniso agrave Iacutendia e o apresenta como
divindade civilizadora que ao chegar a um povo nocircmade confere-lhes os atributos de sua
proacutepria cultura (PARKER 2008 p 47)24
Os indianos por outro lado apontavam duas diferentes origens para Dioniso Os que
habitavam a regiatildeo do Caacuteucaso e ao longo do rio Coacutefen afirmavam que Dioniso fora um
visitante assiacuterio conhecedor do deus tebano e de seus feitos Jaacute os que habitavam entre o rio
Indo Hidraotes e a regiatildeo continental ateacute o rio Ganges declaravam que o verdadeiro Dioniso
era filho do proacuteprio rio Indo Por sua vez o Dioniso de Tebas tornara-se seu disciacutepulo e
tomando o seu tirso passara a utilizaacute-lo em suas orgias Esse Dioniso de Tebas afirmava ser
filho de Zeus e ter sido criado na coxa de seu pai ateacute nascer Zeus entatildeo encontrou uma
montanha chamada Μηρόν (ldquocoxardquo) fronteira com o monte Nisa e nela plantou videiras em
homenagem a seu filho (VA II 9)
24
Em Biblioteca Histoacuterica Diodoro Siacuteculo apresenta tambeacutem Heacuteracles como divindade civilizadora na Iacutendia
poreacutem na VA Heraacutecles tem origem egiacutepcia e natildeo grega (VA II 3)
29
Segundo Grimal (2005 p 122) apoacutes ter nascido da coxa de Zeus e ser levado para
longe da Greacutecia para Nisa seu pai o transformou em cabrito para que Hera raivosa natildeo o
reconhecesse Quando se tornou adulto descobriu a videira e o seu uso Sofreu ainda alguns
impasses com Hera ateacute que em um dado momento Dioniso se dirigiu agrave Iacutendia regiatildeo que
conquistou numa expediccedilatildeo semiguerreira semidivina subjulgando seu povo pela forccedila das
armas pois ele levava consigo um exerciacutecito A partir de entatildeo originou-se o cortejo triunfal
de que se fazia acompanhar o carro puxado por panteras e ornamentado com parras os
Silenos as Bacantes os Saacutetiros e outras divindades menores
Assim como Dioniso eacute tido como uma divindade marginal e exilada nas histoacuterias
claacutessicas a Iacutendia por sua vez tambeacutem representava a margem do mundo uma terra
desconhecida e diversa Na VA a interaccedilatildeo dos hindus com essa divindade aparece de forma
tatildeo difundida que ele eacute chamado de Niacutesio (Νύσιος) pelos indianos e por todos os outros povos
aleacutem da Nisa (VA II 2)
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites
Como discutido anteriormente os gregos jaacute tinham algumas informaccedilotildees a respeito da
Iacutendia no seacuteculo IV aC Poreacutem esta visatildeo foi bastante ampliada e modificada apoacutes Alexandre
suceder seu pai Filipe II da Macedocircnia e realizar uma campanha de conquista da regiatildeo entre
327 e 325 aC Com isso ele expandiu os limites orientais do mundo grego avanccedilando para
aleacutem da fronteira da Iacutendia ateacute a bacia do rio Ganges (COURCELLES 2014 p 324)
Ao tentar reconstruir a expediccedilatildeo de Alexandre agrave Iacutendia o maior problema que os
historiadores tecircm enfrentado eacute o da escassez de fontes As dificuldades se datildeo pelo fato de que
os primeiros registros existentes que chegaram ateacute noacutes satildeo de cerca de trecircs seacuteculos depois de
sua ocorrecircncia provavelmente reflexos dos relatos perdidos de Caliacutestenes (360-328 aC)
Onesiacutecrito (360-290 aC) Aristoacutebulo (375-301 aC) e de Nearco Ainda assim existem
seacuterias duacutevidas sobre o caraacuteter dessas fontes e em que medida elas poderiam ser reconstruiacutedas
(PARKER 2008 p 34)
Natildeo obstante quatrocentos anos depois Apolocircnio ainda encontra vestiacutegios da
passagem de Alexandre pela Iacutendia Haacute resquiacutecios do contato que Alexandre teve com o rei
hindu Poro e do embate travado entre os dois conhecido como a Batalha de Hidaspes Na
30
regiatildeo de Taxila fortificada agrave maneira grega existia um templo de aproximadamente cem
peacutes de altura no qual estavam gravadas as faccedilanhas de ambos os reis (VA II 20) Segundo
Filoacutestrato essas gravuras registravam o momento em que Poro ferido era restabelecido como
saacutetrapa apoacutes a vitoacuteria de Alexandre Ainda segundo o autor Poro ao saber da morte do rei
macedocircnio havia lhe dedicado essas gravuras e passado a se portar de forma moderada
guiando suas accedilotildees pelo desejo de agradar a Alexandre (VA II 20)
Partindo de Taxila Apolocircnio se deparou com uma estaacutetua de Alexandre em uma biga
de quatro mastros representando ao que Filostrato sugere o momento em que ele confrontou
os saacutetrapas de Dario Um pouco mais adiante encontrou dois portotildees um deles com a estaacutetua
do rei Poro e o outro com uma estaacutetua de Alexandre reproduzindo o momento em que os
dois se saudaram apoacutes a batalha de Hidaspes (VA II 42)
Apoacutes atravessarem o rio Hidraotes e alcanccedilarem o Hifaacutesis Apolocircnio e seus
companheiros de viagem encontraram tambeacutem altares dedicados a Alexandre (VA II 43)
Neles havia uma coluna de metal na qual estava inscrito ldquoAlexandre avanccedilou ateacute aquirdquo
(ΑΛΕΞΑΝΔΡΟΣ ΕΝΤΑΥΘΑ ΕΣΤΗ) ldquopara honrar o limite do seu Impeacuteriordquo (τὸ τῆς ἑαυτοῦ
ἀρχῆς τέρμα τιμῶντος) Poreacutem adiante desse marco para aleacutem do Hifaacutesis Filoacutestrato afirma
que os hindus ergueram uma outra coluna esta para marcar o orgulho dos indianos por
Alexandre natildeo ter avanccedilado mais em seu territoacuterio (VA II 43) Do mesmo modo quando
Apolocircnio estava em contato com os bracircmanes hindus haacute a menccedilatildeo de que aquele local nunca
fora visitado por Alexandre (VA II 33)
A nosso ver neste ponto Filoacutestrato sobrepotildee Apolocircnio a Alexandre Se por um lado
Alexandre tinha sido o uacutenico ocidental a alcanccedilar aquelas fronteiras por outro Apolocircnio as
ultrapassa e adentra ainda mais nas terras hindus Assim na VA Alexandre eacute lembrado pela
sua grandeza e por seus feitos passados mas tambeacutem por suas limitaccedilotildees Nesse sentido
Abraham (2014 p 467) argumenta que Filoacutestrato sobrepotildee a campanha do conquistador agrave
jornada do filoacutesofo e ao fazer contiacutenuas menccedilotildees aos memoriais de Alexandre transforma a
expediccedilatildeo de Apolocircnio em uma reconstituiccedilatildeo da expediccedilatildeo de Alexandre
31
23 O maravilhoso em VA
O relato etnograacutefico do viajante que narra as maravilhas encontradas em suas
aventuras entre os confins do mundo e as fronteiras do conhecidodesconhecido eacute um
toacutepos do discurso geograacutefico Com raiacutezes em Homero esse tipo de narrativa foi se
consolidando cada vez mais e a partir da autoacutepsia de Heroacutedoto ou seja o processo de ver
com os proacuteprios olhos o viajante passou a discursar com mais autoridade pois fala de
algo que vira com os proacuteprios olhos e que supostamente nenhum outro grego tinha visto25
Nos poemas homeacutericos e hesioacutedicos o θαυμάσιος o maravilho eacute qualificado e
dimensionado com o uso de adjetivos
Para qualificar o thocircma26
Homero e Hesiacuteodo utilizam o adjetivo ldquogranderdquo (meacutegas)
mas essa grandeza de thocircma natildeo se mede associado a meacutegas encontramos com
efeito deinoacutes terriacutevel formidaacutevel O ldquomilagrerdquo eacute pois grande ou terriacutevel ndash e grande
porque terriacutevel (HARTOG 2014 p 265 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Exemplos do uso desses adjetivos empregados com essa denotaccedilatildeo estatildeo nos trechos
abaixo na Odisseia como atributo da voz de Zeus na Iliacuteada com relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da
peleja do combate e na Teogonia como caracteriacutestica de um monstro
Ἠὼς δ᾽ ἐκ λεχέων παρ᾽ ἀγαυοῦ Τιθωνοῖο
ὤρνυθ᾽ ἵν᾽ ἀθανάτοισι φόως φέροι ἠδὲ βροτοῖσιν
οἱ δὲ θεοὶ θῶκόνδε καθίζανον ἐν δ᾽ ἄρα τοῖσι
Ζεὺς ὑψιβρεμέτης οὗ τε κράτος ἐστὶ μέγιστον
Alccedila-se a Aurora do leito onde estava o preclaro Titono
para que a luz aos eternos levasse e aos mortais transitoacuterios
quando nos tronos os deuses se foram sentar tendo ao meio
Zeus cuja voz eacute atroante de forccedila e poder muito grandes
(Od V 1-4 traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes)
25
Morais (2008 p 17) examina a relaccedilatildeo entre ver e maravilhar-se em Heroacutedoto jaacute Parker (2008 p 119)
discorre sobre a autoacutepsia como ferramenta de autoridade em um discurso 26
A palavra θαῦμα aparece em Heroacutedoto como θῶμα (CHANTRAINE 1968 p 424)
32
lsquoαἰδὼς Ἀργεῖοι κοῦροι νέοι ὔμμιν ἔγωγε
μαρναμένοισι πέποιθα σαωσέμεναι νέας ἁμάς
εἰ δ᾽ ὑμεῖς πολέμοιο μεθήσετε λευγαλέοιο
νῦν δὴ εἴδεται ἦμαρ ὑπὸ Τρώεσσι δαμῆναι
ὢ πόποι ἦ μέγα θαῦμα τόδ᾽ ὀφθαλμοῖσιν ὁρῶμαι
δεινόν ὃ οὔ ποτ᾽ ἔγωγε τελευτήσεσθαι ἔφασκον
ldquoVergonha Argivos jovens mancebos Na vossa peleja
confiava eu para que se salvassem as nossas naus
Mas se voacutes desistis da guerra angustiosa agora
chega o dia de sermos subjugados pelos Troianos
Oacute amigos grande eacute a maravilha que meus olhos contemplam
coisa terriacutevel que nunca pensei poder vir a cumprir-serdquo
(Il XIII 95-100 traduccedilatildeo de Frederico Lourenccedilo)
ἣ δὲ Χίμαιραν ἔτικτε πνέουσαν ἀμαιμάκετον πῦρ
δεινήν τε μεγάλην τε ποδώκεά τε κρατερήν τε
τῆς δ᾽ ἦν τρεῖς κεφαλαί μία μὲν χαροποῖο λέοντος
ἣ δὲ χιμαίρης ἣ δ᾽ ὄφιος κρατεροῖο δράκοντος
πρόσθε λέων ὄπιθεν δὲ δράκων μέσση δὲ χίμαιρα
δεινὸν ἀποπνείουσα πυρὸς μένος αἰθομένοιο
Ela [a Viacutebora] pariu a Cabra que sopra irrepeliacutevel fogo
a terriacutevel e grande e de peacutes ligeiros e cruel
tinha trecircs cabeccedilas uma de leatildeo de olhos ruacutetilos
outra de cabra outra de viacutebora cruel serpente
Na frente leatildeo atraacutes serpente no meio cabra
expirando o terriacutevel furor do fogo aceso
(Teog 319-324 traduccedilatildeo de Jaa Torrano)
Posteriormente outros recursos passaram a ser incorporados a essa forma de narrativa
e operaccedilotildees como avaliar medir e contar se tornaram necessaacuterias para traduzir o
θαυμάσιος do mundo narrado Aleacutem disso a quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da
narrativa quanto mais θαυμάσιος houver maior seraacute o prolongamento da histoacuteria Com
isso o narrador eacute quem confere ao leitor as medidas do que se conta em um processo no
qual haacute um efeito de realidade causado pelo narrador em que o viajante ldquofaz crerrdquo no que
estaacute sendo contado sobre o outro Desse modo o θῶμα eacute um toacutepos do discurso etnograacutefico
(HARTOG 2014 p 261 ndash 263)
33
A VA tambeacutem nos eacute apresentada sob essa perspectiva uma narrativa repleta de
θαύματα de diversos tipos com uma grande variedade de animais exoacuteticos lugares de
geografia inusitada objetos e obras de arte magniacuteficas e povos com costumes e culturas
inimaginaacuteveis Aleacutem dessas caracteriacutesticas tanto as viagens quanto os milagres de
Apolocircnio tambeacutem satildeo exemplos de θαύματα (ELSNER 1997 p 25)
Como mencionado no primeiro capiacutetulo diversas caracteriacutesticas a respeito da Iacutendia jaacute
estavam presentes tanto em Heroacutedoto quanto em Cteacutesias A influecircncia desses dois autores
eacute bem evidente no terceiro livro da VA onde muitas dessas maravilhas satildeo desmitificadas
ou confirmadas por Apolocircnio que as potildee em xeque em um diaacutelogo com o saacutebio Iarcas
Aleacutem do que era exoacutetico e visualmente impactante seacuteculos mais tarde outro aspecto
do maravilhoso da Iacutendia se tornou um toacutepos literaacuterio a sabedoria dos bracircmanes e dos
gminosofistas27
das histoacuterias de Alexandre e da tradiccedilatildeo do Romance de Alexandre Se
por um lado os bracircmanes natildeo foram tratados nas narrativas de Cteacutesias e de Heroacutedoto a
partir desse momento eles se tornariam uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana (PARKER 2008 p 143 e 251) Na VA eles ocupam um papel central pois
chegar ateacute eles era o objetivo principal de Apolocircnio (VA I 18 32 II 11 III 16 29 IV
47) e esse contato com eles tambeacutem eacute parte do conteuacutedo maravilhoso da obra
231 As maravilhas da Iacutendia
Animais monstros seres hiacutebridos dimensotildees cores lugares construccedilotildees exuberantes
pedras e riquezas compotildeem a Iacutendia como um paiacutes exoacutetico diverso selvagem e
maravilhoso na indografia greco-romana Se Hartog (2014 p 261-263) afirma que a
quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da narrativa podemos afirmar que a Iacutendia
descrita por Filoacutestrato eacute extensa rica e profunda em suas peculiaridades Abaixo estatildeo
traduzidas passagens que remetem ao conteuacutedo maravilhoso dessa obra listadas e
divididas em grupos Os grupos arrolados satildeo i) lugares onde estatildeo descritas montanhas
planiacutecies e cidades ii) hidrografia com os nomes dimensotildees e particularidades dos rios
mencionados no texto iii) o clima da Iacutendia iv) animais onde satildeo detalhadas suas
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Agraves vezes os dois termos satildeo usados de forma intercambiaacutevel agraves vezes eles se referem a diferentes grupos Em
alguns casos o termo eacute usado para se referir a sacerdotes egiacutepcios como em Filoacutestrato (PARKER 2008 p 255)
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particularidades e as estoacuterias associadas a eles v) seres exoacuteticos compostos por
humanoides seres hiacutebridos e povos de cultura inusitada
Identificamos tambeacutem na VA uma forte influecircncia de Heroacutedoto e de Cteacutesias que
iniciaram essa tradiccedilatildeo a respeito da Iacutendia As descriccedilotildees que aludem a esses dois autores
estatildeo mencionadas ao longo do texto e os trechos referidos a eles estaratildeo expostos junto
com os da VA Quando houver uma referecircncia em comum entre os trecircs autores
respeitaremos a ordem cronoloacutegica entre eles
2311 Lugares
Durante a jornada de Apolocircnio satildeo descritos os lugares por onde ele passa e suas
impressotildees Em seu itineraacuterio pela Iacutendia Apolocircnio passa pela cordilheira do Caacuteucaso
registrando o aroma de canela e a aacutervore de pimenta existentes laacute passa por uma pedra
chamada ldquoSem paacutessarosrdquo pela planiacutecie irrigada do Ganges por Taxila pelo Templo do Sol
por Paraca pela torre dos saacutebios onde ele vecirc dois jarros um de chuva e o outro de vento
aleacutem de uma pedra magneacutetica pelas regiotildees de Balara de Selera de Pegadae e pela ilha
Biacuteblos
A cordilheira Caacuteucaso
Eacute narrado que ao se aproximarem da cordileira do Caacuteucaso Apolocircnio e seus
companheiros sentiram que a terra ficava mais perfumada (VA II 1) Sua extensatildeo eacute enorme
pois considera-se que o iniacutecio dessa montanha eacute no Touro e se estende atraveacutes da Armecircnia ateacute
Miacutecale e se estende ateacute a margem do mar onde vivem os carianos Ao contraacuterio do pico de
Miacutecale que natildeo eacute muito grande os do Caacuteucaso
καὶ αἱ ὑπερβολαὶ τοῦ Καυκάσου τοσοῦτον ἀνεστᾶσιν ὡς σχίζεσθαι περὶ αὐτὰς τὸν
ἥλιον περιβάλλει δὲ Ταύρῳ ἑτέρῳ καὶ τὴν ὅμορον τῇ Ἰνδικῇ Σκυθίαν πᾶσαν κατὰ
Μαιῶτίν τε καὶ ἀριστερὸν Πόντον σταδίων μάλιστα δισμυρίων μῆκος τοσοῦτον
γὰρ ἐπέχει μέτρον τῆς γῆς ὁ ἀγκὼν τοῦ Καυκάσου [] ὁ δὲ Καύκασος ὁρίζει μὲν
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τὴν Ἰνδικήν τε καὶ Μηδικήν καθήκει δὲ ἐπὶ τὴν Ἐρυθρὰν θάλατταν ἑτέρῳ ἀγκῶνι
(VA II 2)
os picos do Caacuteucaso satildeo tatildeo elevados que o sol eacute cortado por eles Envolve com o
resto do Tauro toda a Ciacutetia que faz fronteira com a Iacutendia pelo Meoacutetis e a costa
esquerda do Ponto uma distacircncia quase de 20 mil estaacutedios pois nada menos que
isso eacute a extensatildeo de terra cercada pela depressatildeo do Caacuteucaso [] O Caacuteucaso limita
Iacutendia e Meacutedia e se estende por outra depressatildeo ateacute o Mar Vermelho
As montanhas do Caacuteucaso possuem ainda outras peculiaridades como por exemplo
os arbustos com cheiro de canela que aromatizam toda aquela regiatildeo e a aacutervore de pimenta
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho sentiram o aroma de
canela vinda dos arbustos por toda esse aacuterea
A canela do Caacuteucaso
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho e descrito
que esta faixa eacute densamente coberta por arbustos aromaacuteticos de canela
τοὺς μὲν δὴ πρῶνας τοῦ ὄρους τὸ κιννάμωμον φέρειν προσεοικέναι δὲ αὐτὸ νέοις
κλήμασι βάσανον δὲ τοῦ ἀρώματος τὴν αἶγα εἶναι κινναμώμου γὰρ εἴ τις αἰγὶ
ὀρέξειε κνυζήσεται πρὸς τὴν χεῖρα καθάπερ κύων ἀπιόντι τε ὁμαρτήσει τὴν ῥῖνα
ἐς αὐτὸ ἐρείσασα κἂν ὁ αἰπόλος ἀπάγῃ θρηνήσει καθάπερ λωτοῦ ἀποσπωμένη
(VA III 4)
Os contrafortes da montanha produzem canela que se assemelha a videiras novas
mas a cabra eacute a prova de que se trata daquele arbusto aromaacutetico pois se algueacutem
apresenta a canela a uma cabra ela gane na direccedilatildeo da matildeo igual a um cachorro e
ao sair ela o seguiraacute apoiando nela o focinho e se o pastor a afastar ela se
lamentaraacute como privada de loto
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A aacutervore de pimenta
Nos montes dessa montanha crescem aacutervores aromaacuteticas muito altas e existem
diversas espeacutecies delas como eacute o caso das aacutervores de pimenta que satildeo cultivadas pelos
macacos (VA III 4)
τὸ δένδρον ἡ πεπερὶς εἴκασται μὲν τῷ παρ᾽ Ἕλλησιν ἄγνῳ τά τε ἄλλα καὶ τὸν
κόρυμβον τοῦ καρποῦ φύεται δὲ ἐν τοῖς ἀποτόμοις οὐκ ἐφικτὸς τοῖς ἀνθρώποις οὗ
λέγεται πιθήκων οἰκεῖν δῆμος ἐν μυχοῖς τοῦ ὄρους καὶ ὅ τι αὐτοῦ κοῖλον οὓς
πολλοῦ ἀξίους οἱ Ἰνδοὶ νομίζοντες ἐπειδὴ τὸ πέπερι ἀποτρυγῶσι τοὺς λέοντας ἀπ᾽
αὐτῶν ἐρύκουσι κυσί τε καὶ ὅπλοις (VA III 4)
A aacutervore de pimenta se parece com o salgueiro dos gregos em tudo incluindo os
ramos do fruto e cresce em ravinas que o homen natildeo alcanccedila e onde dizem habita
um povo de macacos em buracos na montanha e em qualquer concavidade dela os
quais satildeo tidos em alta estima pelos indianos porque eles colhem as pimentas eles
afastam deles os leotildees com catildees e armas
A pedra chamada ldquoSem paacutessarosrdquo
Haacute uma pedra perto do monte Nisa que se chamada ldquoSem Paacutessarosrdquo (Ἄορνον) Apesar
de natildeo terem ido ateacute ela os viajantes ouviram falar que Alexandre a capturou e a histoacuteria que
se conta sobre essa pedra estaacute assim descrita
Ἄορνος δὲ ὀνομάζοιτο οὐκ ἐπειδὴ στάδια πεντεκαίδεκα ἀνέστηκε πέτονται γὰρ καὶ
ὑπὲρ τοῦτο οἱ ἱεροὶ ὄρνιθες ἀλλ᾽ ἐν κορυφῇ τῆς πέτρας ῥῆγμα εἶναί φασι τοὺς
ὑπερπετομένους τῶν ὀρνίθων ἐπισπώμενον ὡς Ἀθήνησί τε ἰδεῖν ἐστιν ἐν προδόμῳ
τοῦ Παρθενῶνος καὶ πολλαχοῦ τῆς Φρυγῶν καὶ Λυδῶν γῆς ὑφ᾽ οὗ τὴν πέτραν
Ἄορνον κεκλῆσθαί τε καὶ εἶναι (VA II 10)
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[a pedra] foi nomeada ldquoSem Paacutessarosrdquo natildeo porque alcanccedila quinze estaacutedios pois os
paacutessaros sagrados voam aleacutem dessa altura mas porque no pico da pedra haacute dizem
um abismo que puxa os paacutessaros como se vecirc que acontece tambeacutem em Atenas no
vestiacutebulo do Partenon e em muitos lugares da terra dos friacutegios e liacutedios Por esse
motivo a pedra eacute chamada e de fato eacute ldquoSem Paacutessarosrdquo
A planiacutecie irrigada do Ganges
Apoacutes atravessarem o Caacuteucaso eacute descrito que os viajantes viram uma planiacutecie lisa com
cortes e valas cheias de aacutegua algumas das quais transversais enquanto outras eram retas
Eram simples afluentes do rio Ganges dispostas como fronteiras e irrigavam tambeacutem a
planiacutecie quando a terra estava seca (VA III 5) Sobre esta terra
τὴν δὲ γῆν ταύτην ἀρίστην φασὶ τῆς Ἰνδικῆς εἶναι καὶ μεγίστην τῶν ἐκεῖ λήξεων
πεντεκαίδεκα ἡμερῶν ὁδοῦ μῆκος ἐπὶ τὸν Γάγγην ὀκτωκαίδεκα δὲ ἀπὸ θαλάσσης
ἐπὶ τὸ τῶν πιθήκων ὄρος ᾧ ξυμπαρατείνει πεδιὰς πᾶσα ἡ χώρα μέλαινά τε καὶ
πάντων εὔφορος ἰδεῖν μὲν γὰρ ἐν αὐτῇ στάχυας ἀνεστῶτας ὅσον οἱ δόνακες ἰδεῖν
δὲ κυάμους τριπλασίους τῶν Αἰγυπτίων τὸ μέγεθος σήσαμόν τε καὶ κέγχρον
ὑπερφυᾶ πάντα ἐνταῦθα καὶ τὰ κάρυα φύεσθαί φασιν ὧν πολλὰ πρὸς ἱεροῖς
ἀνακεῖσθαι τοῖς δεῦρο θαύματος ἕνεκα τὰς δὲ ἀμπέλους φύεσθαι μὲν μικράς
καθάπερ αἱ Λυδῶν τε καὶ Μαιόνων ποτίμους δὲ εἶναι καὶ ἀνθοσμίας ὁμοῦ τῷ
ἀποτρυγᾶν ἐνταῦθα καὶ δένδρῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι προσεοικότι τῇ δάφνῃ
φύεσθαι δὲ αὐτοῦ κάλυκα εἰκασμένην τῇ μεγίστῃ ῥόᾳ καὶ μῆλον ἐγκεῖσθαι τῇ
κάλυκι κυάνεον μέν ὥσπερ τῶν ὑακίνθων αἱ κάλυκες πάντων δὲ ἥδιστον ὁπόσα ἐξ
ὡρῶν ἥκει (VA III 5)
Eles dizem ser esta a melhor terra da Iacutendia e a maior das regiotildees sendo de quinze
dias a jornada ateacute o Ganges e de dezoito dias do mar ateacute a montanha dos macacos
por onde se estende Toda a regiatildeo eacute uma planiacutecie preta e feacutertil de tudo pois se pode
ver nela espigas crescendo como os juncos e se pode ver tambeacutem favas trecircs vezes
maiores que as do tipo egiacutepcio bem como seacutesamo e milho crescendo por todas as
partes E eles dizem que tambeacutem nascem nozes laacute das quais muitas satildeo ofertadas
nos templos daqui pelo que tecircm de admiraacutevel As videiras que crescem satildeo
pequenas como as dos liacutedios e meocircnios boas para beber e aromaacuteticas tatildeo logo se
arrancam Eles dizem que laacute se depararam tambeacutem com uma aacutervore que se
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assemelha ao loureiro sobre a qual cresce um caacutelice comparaacutevel a uma granada
grande e dentro do caacutelice estaacute embutido um fruto azulado como os caacutelices de
jacinto o mais agradaacutevel de todos que as estaccedilotildees trazem
A regiatildeo de Taxila
Taxila eacute uma cidade importante na VA Eacute nela que Apolocircnio encontra vestiacutegios de
Alexandre e da batalha travada entre o macedocircnio e o rei indiano Poro conhecida como a
Batalha de Hidaspes Aleacutem disso eacute em Taxila que Apolocircnio tem o primeiro contato com um
rei indiano Fraotes um dos personagens mais importantes da Iacutendia da VA devido agrave forma
como governa e a seu conhecimento da cultura grega
Taxila segunda a narrativa tem a dimensatildeo de Niacutenive e eacute fortificada da mesma forma
que as cidades gregas Aleacutem dessas caracteriacutesticas que remetem agrave Greacutecia eacute descrito um
templo com o qual se surpreenderam de tatildeo belo
νεὼν δὲ πρὸ τοῦ τείχους ἰδεῖν φασιν οὐ παρὰ πολὺ τῶν ἑκατομπόδων λίθου
κογχυλιάτου καὶ κατεσκευάσθαι τι ἱερὸν ἐν αὐτῷ ἧττον μὲν ἢ κατὰ τὸν νεὼν
τοσοῦτόν τε ὄντα καὶ περικίονα θαυμάσαι δὲ ἄξιον χαλκοῖ γὰρ πίνακες
ἐγκεκρότηνται τοίχῳ ἑκάστῳ γεγραμμένοι τὰ Πώρου τε καὶ Ἀλεξάνδρου ἔργα
γεγράφαται δὲ ὀρειχάλκῳ καὶ ἀργύρῳ καὶ χρυσῷ καὶ χαλκῷ μέλανι ἐλέφαντες ἵπποι
στρατιῶται κράνη ἀσπίδες λόγχαι δὲ καὶ βέλη καὶ ξίφη σιδήρου πάντα καὶ ὥσπερ
λόγος εὐδοκίμου γραφῆς οἷον εἰ Ζεύξιδος εἴη τι ἢ Πολυγνώτου τε καὶ Εὐφράνορος
οἳ τὸ εὔσκιον ἠσπάσαντο καὶ τὸ ἔμπνουν καὶ τὸ ἐσέχον τε καὶ ἐξέχον οὕτως φασί
κἀκεῖ διαφαίνεται καὶ ξυντετήκασιν αἱ ὕλαι καθάπερ χρώματα ἡδὺ δὲ καὶ αὐτὸ τὸ
ἦθος τῆς γραφῆς (VA II 20)
dizem que viram um templo em frente da muralha de natildeo muito mais que cem peacutes
de pedra de calcaacuterio e que foi construiacutedo dentro dele um santuaacuterio algo menor com
relaccedilatildeo agrave grandeza do templo sendo esse cercado por colunas e digno de
maravilhar-se Havia taacutebuas de bronze em cada parede do templo com os feitos de
Poro e Alexandre registrados Foram gravados com oricalco prata ouro e bronze
escuro elefantes cavalos soldados elmos e escudos mas lanccedilas flechas e espadas
eram todas de ferro e como o assunto de uma pintura famosa tal qual as de Zecircuxis
Polignoto ou Eufranor que gostavam do claro-escuro do animado da profundidade
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e do relevo assim dizem tambeacutem ali tudo se mostrava e os materiais estavam
dispostos como cores E o caraacuteter da pintura era apraziacutevel por si mesmo
O Templo do Sol
Esse templo tambeacutem eacute caracterizado por sua beleza e riqueza e pedras preciosas e
imagens marcando a passagem de Apolocircnio naquela regiatildeo
ἱερὸν δὲ ἰδεῖν Ἡλίου φασίν ᾧ ἀνεῖτο Αἴας ἐλέφας καὶ ἀγάλματα Ἀλεξάνδρου
χρυσᾶ καὶ Πώρου ἕτερα χαλκοῦ δ᾽ ἦν ταῦτα μέλανος οἱ δὲ τοῦ ἱεροῦ τοῖχοι
πυρσαῖς λίθοις ὑπαστράπτει χρυσὸς αὐγὴν ἐκδιδοὺς ἐοικυῖαν ἀκτῖνι τὸ δὲ ἕδος αὐτὸ
μαργαρίτιδος ξύγκειται ξυμβολικὸν τρόπον ᾧ βάρβαροι πάντες ἐς τὰ ἱερὰ χρῶνται
(VA II 24)
E eles dizem ter visto um Templo do Sol no qual circulava o elefante Aacutejax e
esculturas de ouro de Alexandre e outras de Poro e eram estas de bronze escuro E
das paredes do templo sob pedras vermelhas brilhava o ouro emitiam um claratildeo
semelhante a um raio de sol O proacuteprio assento estava cercado de peacuterolas do modo
simboacutelico que usam todos os baacuterbaros nos templos
A cidade de Paraca
A cidade de Paraca eacute maravilhosa por nela acontecer o treino de caccedila aos dragotildees e
por nela se armazenarem as cabeccedilas desse animal no centro da cidade Aleacutem disso os
habitantes dessa regiatildeo entendem a linguagem animal Eacute a partir dessa cidade que Apolocircnio
chega ateacute a torre dos bracircmanes
τὴν δὲ πόλιν τὴν ὑπὸ τῷ ὄρει μεγίστην οὖσαν φασὶ μὲν καλεῖσθαι Πάρακα
δρακόντων δὲ ἀνακεῖσθαι κεφαλὰς ἐν μέσῃ πλείστας γυμναζομένων τῶν ἐν ἐκείνῃ
Ἰνδῶν τὴν θήραν ταύτην ἐκ νέων λέγονται δὲ καὶ ζῴων ξυνιέναι φθεγγομένων τε
καὶ βουλευομένων σιτούμενοι δράκοντος οἱ μὲν καρδίαν οἱ δὲ ἧπαρ προϊόντες δὲ
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αὐλοῦ μὲν ἀκοῦσαι δόξαι νομέως δή τινος ἀγέλην τάττοντος ἐλάφους δὲ ἄρα
βουκολεῖσθαι λευκάς ἀμέλγουσι δὲ Ἰνδοὶ ταύτας εὐτραφὲς ἡγούμενοι τὸ ἀπ᾽ αὐτῶν
γάλα (VA III 9)
E eles dizem que a cidade abaixo da montanha eacute grande e chama-se Paraca que no
centro ficam guardadas a maioria das cabeccedilas de dragotildees para os indianos de laacute
serem treinados a essa caccedila desde a juventude Dizem tambeacutem que eles entendem os
sons e as deliberaccedilotildees dos animais alimentando-se ou do coraccedilatildeo ou do fiacutegado do
dragatildeo Avanccedilando eles imaginaram ter ouvido a flauta de algum pastor ordenando
um rebanho mas logo deliberaram que eram corsas brancas pois os indianos as
guiam para ordenhaacute-las por causa de seu leite nutritivo
A torre dos saacutebios
A torre dos bracircmanes eacute o cenaacuterio principal da viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Eacute nela que
Apolocircnio chega ao limite maacuteximo de sua sabedoria e realiza o objetivo principal de sua
viagem chegar ateacute os bracircmanes
A descriccedilatildeo dessa torre eacute peculiar em vista de suas referecircncias e comparaccedilotildees com a
Acroacutepole de Atenas o que faz com que o leitor projete mentalmente o mapa da Greacutecia A
torre fica no topo de uma montanha e suas caracteriacutesticas satildeo
ὕψος μὲν εἶναι κατὰ τὴν Ἀθηναίων φασὶν ἀκρόπολιν ἀνίστασθαι δὲ ἐκ πεδίου ἄνω
εὐφυᾶ δὲ ὁμοίως πέτραν ὀχυροῦν αὐτὸν κύκλῳ περιήκουσαν (VA III 13)
tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da planiacutecie e
sua posiccedilatildeo natural o protege de ataques pois eacute rodeado por rochas em todos os
lados
Aleacutem disso em muitas partes dessa pedra eles viram rastros de pegadas e contorno de
barba e de rostos e viram marcas que pareciam de costas deslizadas (ἧς πολλαχοῦ δίχηλα
ὁρᾶσθαι ἴχνη καὶ γενειάδων τύπους καὶ προσώπων καί που καὶ νῶτα ἰδεῖν ἀπωλισθηκόσιν
ὅμοια - VA III 13) Essas marcas segundo a narrativa satildeo de quando Dioniso e Heacuteracles
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tentaram atacar e capturar a torre mas foram afastados pelos raios e pedras enviados pelos
bracircmanes
Existia tambeacutem uma nuvem que pairava sobre a torre
περὶ δὲ τῷ ὄχθῳ νεφέλην ἰδεῖν φασιν ἐν ᾗ τοὺς Ἰνδοὺς οἰκεῖν φανερούς τε καὶ
ἀφανεῖς καὶ ὅ τι βούλονται πύλας δὲ εἰ μὲν καὶ ἄλλας εἶναι τῷ ὄχθῳ οὐκ εἰδέναι τὸ
γὰρ περὶ αὐτὸν νέφος οὔτε ἀκλείστῳ ξυγχωρεῖν οὔτ᾽ αὖ ξυγκεκλεισμένῳ φαίνεσθαι
(VA III 13)
eles dizem ter visto uma nuvem atraacutes da montanha da morada dos hindus a qual
ficava visiacutevel ou invisiacutevel quando eles desejam E se tinha outro portatildeo na montanha
eles natildeo sabiam pois com a nuvem ao redor natildeo conseguiram ver se havia uma
abertura na muralha ou se por outro lado era uma fortaleza fechada
Os jarros de chuva e de vento dos bracircmanes
Outro prodiacutegio se encontra quando os personagens tendo entrado na torre viram dois
jarros de pedra preta um de chuva e outro de vento (καὶ διττὼ ἑωρακέναι φασὶ πίθω λίθου
μέλανος ὄμβρων τε καὶ ἀνέμων ὄντε - VA III 14) O jarro de chuva eacute aberto quando a Iacutendia
estaacute sofrendo de seca e entatildeo satildeo enviadas nuvens carregadas para todo o paiacutes mas se a
chuva passa a ser excessiva eacute interrompida quando o jarro eacute fechado Jaacute o jarro de vento eacute
comparado agrave caixa de Eacuteolo28
pois liberta um dos ventos o qual proporciona uma brisa fresca
que refresca todo o paiacutes (VA III 14)
A pedra magneacutetica
Na torre dos bracircmanes Iarcas mostra a Apolocircnio uma pedra que tem caracteriacutesticas
magneacuteticas e se assemelha agrave pedra pantarba descrita por Cteacutesias nestes termos
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Provaacutevel referecircncia a Eacuteolo guardiatildeo dos ventos na Odisseia (Od X 1-4 21-22)
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Περὶ παντάρβας τῆς σφραγῖδος καὶ ὡς υοζʹ σφραγῖδας ἀπορριφείσας καὶ τιμίους
λίθους εἰς τὸν ποταμόν ἅτινα ἦν τοῦ Βακτρίων καπήλου αὐτὴ ἀνείλκυσεν ἐχομένας
ἀλλήλων (Ind frag II)
Fala sobre a pantarba uma pedra preciosa e que quando ela eacute jogada no rio 477
sinetes e pedras preciosas que eram de um comerciante de Bactra ela puxa de volta
presas umas com as outras
Na VA Iarcas confirma a existecircncia desta pedra e garante que o que dizem a respeito
de suas caracteriacutesticas magneacuteticas eacute verdade Aleacutem disso ele tambeacutem a disponibiliza a
Apolocircnio para que este a veja e comprove por si mesmo suas propriedades Nenhum
detalhe poreacutem eacute narrado (VA III 46)
γίγνεται μὲν γὰρ ἡ μεγίστη κατὰ ὄνυχα δακτύλου τούτουrsquo δείξας τὸν ἑαυτοῦ
ἀντίχειρα lsquoκυίσκεται δὲ ἐν γῇ κοίλῃ βάθος ὀργυιαὶ τέτταρες τοσοῦτον δὲ αὐτῇ
περίεστι τοῦ πνεύματος ὡς ὑποιδεῖν τὴν γῆν καὶ κατὰ πολλὰ ῥήγνυσθαι
κυισκομένης ἐν αὐτῇ τῆς λίθου (VA III 46)
[Fala de Iarcas] De fato a maior delas eacute do tamanho desta unha ndash e ele mostrou seu
proacuteprio polegar ndash e eacute formada num buraco na terra com uma profundidade de quatro
braccedilas mas ela tem tanto espiacuterito que a terra se dilata e se rasga em muitos lugares
quando esta pedra eacute concebida
Contudo essa pedra natildeo eacute facilmente capturada pois se algueacutem tenta pegaacute-la ela
foge a menos que exista uma atraccedilatildeo entre a pedra e aquele que tenta apanhaacute-la Ainda a
pantarba (παντάρβην) assim chamada tambeacutem por Iarcas
νύκτωρ μὲν οὖν ἡμέραν ἀναφαίνει καθάπερ τὸ πῦρ ἔστι γὰρ πυρσὴ καὶ ἀκτινώδης
εἰ δὲ μεθ᾽ ἡμέραν ὁρῷτο βάλλει τοὺς ὀφθαλμοὺς μαρμαρυγαῖς μυρίαις τὸ δὲ ἐν
αὐτῇ φῶς πνεῦμά ἐστιν ἀρρήτου ἰσχύος πᾶν γὰρ τὸ ἐγγὺς ἐσποιεῖ αὑτῇ (VA III 46)
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de noite faz brilhar um dia como o fogo eacute vermelha e emite raios e se se olha para
ela de dia lanccedila aos seus olhos raios de luz incontaacuteveis A luz de dentro dela eacute um
espiacuterito com forccedila misteriosa pois atraiacute tudo para perto dela mesma
καὶ εἰπὼν ταῦτα ἔδειξε τὴν λίθου αὐτήν τε καὶ ὁπόσα ἐργάζεται (VA III 47)
E tendo ditto estas coisas ele mostrou a proacutepria pedra e tudo o que ela era capaz de
realizar
Balara e Selera
Balara eacute um lugar distinto por seus jardins jaacute Selera eacute uma ilha sagrada onde habita
uma nereida
προσπλεῦσαί φασι καὶ Βαλάροις ἐμπόριον δὲ εἶναι τὰ Βάλαρα μεστὸν μυρρινῶν τε
καὶ φοινίκων καὶ δάφνας ἐν αὐτῷ ἰδεῖν καὶ πηγαῖς διαρρεῖσθαι τὸ χωρίον κῆποι δὲ
ὁπόσοι τρωκτοὶ καὶ ὁπόσοι ἀνθέων κῆποι βρύειν αὐτὸ καὶ λιμένας μεστοὺς
γαλήνης ἐν αὐτῷ εἶναι προκεῖσθαι δὲ τοῦ χωρίου τούτου νῆσον ἱεράν ἣν καλεῖσθαι
Σέληρα καὶ στάδια μὲν ἑκατὸν εἶναι τῷ πορθμῷ νηρηίδα δὲ οἰκεῖν ἐν αὐτῇ δεινὴν
δαίμονα πολλοὺς γὰρ τῶν πλεόντων ἁρπάζειν καὶ μηδὲ ταῖς ναυσὶ ξυγχωρεῖν
πεῖσμα ἐκ τῆς νήσου βάλλεσθαι (VA III 56)
Eles contam que navegaram ateacute Balara que eacute um empoacuterio cheio de mirtos e de
palmeiras e que viram tambeacutem loureiros e fonte que ali fluem E tinha tanto jardins
de plantas comestiacuteveis como jardins de flores cheios de brotos e os portos ali
estavam calmos Defronte deste lugar existe uma ilha sagrada chamada Selera e a
passagem ateacute ela eacute de cem estaacutedios de distacircncia Nesta ilha habita uma nereida um
democircnio terriacutevel pois ela arrebata muitos marinheiros e natildeo deixa que os navios
arremessem um cabo agrave ilha
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Pegadas a terra de bronze
De acordo com a narrativa podemos imaginar esta regiatildeo como monocromaacutetica
tamanha eacute a predominacircncia do bronze que compotildee sua natureza
κατασχεῖν δέ φασι καὶ ἐς Πηγάδας τῆς τῶν Ὠρειτῶν χώρας οἱ δὲ Ὠρεῖται χαλκαῖ
μὲν αὐτοῖς αἱ πέτραι χαλκῆ δὲ ἡ ψάμμος χαλκοῦν δὲ ψῆγμα οἱ ποταμοὶ ἄγουσι
χρυσῖτιν δὲ ἡγοῦνται τὴν γῆν διὰ τὴν εὐγένειαν τοῦ χαλκοῦ (VA III 54)
Eles dizem que tambeacutem passaram por Peacutegada na terra dos oritas e que os oritas tecircm
pedras de bronze e tambeacutem areia de bronze e a poeira que o rio traz tambeacutem eacute de
bronze Mas eles consideram o bronze da sua terra ouro por causa da nobreza dele
A ilha Biblo e os moluscos gigantes
Esta ilha tem como maravilhoso seus frutos do mar que em tamanho satildeo muito
maiores que os gregos
μνημονεύουσι καὶ νήσου μικρᾶς ᾗ ὄνομα εἶναι Βίβλον ἐν ᾗ τὸ τοῦ κογχυλίου
μέγεθος καὶ οἱ μύες ὄστρεά τε καὶ τὰ τοιαῦτα δεκαπλάσια τῶν Ἑλληνικῶν τὸ
μέγεθος ταῖς πέτραις προσπέφυκεν ἁλίσκεται δὲ καὶ λίθος ἐκεῖ μαργαρὶς ἐν
ὀστράκῳ λευκῷ καρδίας τόπον ἔχουσα τῷ ὀστρέῳ (VA III 53)
Eles tambeacutem recordam uma pequena ilha a qual se chama Biblo onde haacute grandes
berbigotildees mexilhotildees e ostras os quais se prendem em pedras e satildeo dez vezes
maiores que os encontrados na Greacutecia Uma pedra tambeacutem eacute capturada ali a peacuterola
a qual ocupa em uma concha branca o lugar do coraccedilatildeo da ostra
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2312 Hidrografia
Filoacutestrato descreve os rios que Apolocircnio atravessou bem como suas extensotildees
navegaacuteveis suas dimensotildees e os animais que havia neles Os rios satildeo o Indo o Hiacutefasis e o
Acesines
O rio Indo
Esse rio eacute o mais importante para a indografia greco-romana por ter simbolizado ateacute a
campanha de Alexandre os confins do mundo Essa crenccedila se encontra presente nas
narrativas de Cteacutesias
Λέγει περὶ τοῦ Ἰνδοῦ ποταμοῦ τὸ μὲν στενὸν αὐτοῦ τὸ εὖρος μʹ σταδίων εἶναι τὸ δὲ
πλατύτατον καὶ διακοσίων Λέγει περὶ αὐτῶν τῶν Ἰνδῶν ὅτι πλείους σχεδὸν
συμπάντων ἀνθρώπων Περὶ τοῦ σκώληκος τοῦ ἐν τῷ ποταμῷ ὃ καὶ μόνον τῶν
ἄλλων θηρίων ἐν αὐτῷ γίνεται Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους Ὅτι
οὐχ ὕει ἀλλacute ὑπὸ τοῦ ποταμοῦ ποτίζεται ἡ Ἰνδική (Ind frag I)
Ele fala sobre o rio Indo que em sua passagem mais estreita tem quarenta estaacutedios29
de largura e na mais extensa duzentos Fala que a populaccedilatildeo de hindus eacute mais ou
menos maior que a de todos os homens juntos Fala a respeito de um verme do rio o
qual aliaacutes eacute o uacutenico animal que haacute nele Que homens natildeo habitam aleacutem de laacute Que
natildeo chove mas a terra da Iacutendia eacute irrigada pelo rio
Filoacutestrato tambeacutem fala sobre sua dimensatildeo bem como sobre sua nascente e os animais
que nele vivem
29
Medida de percurso equivalente a 17760 m
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τὸν μὲν δὴ Ἰνδὸν ὧδε ἐπεραιώθησαν σταδίους μάλιστα τεσσαράκοντα τὸ γὰρ
πλόιμον αὐτοῦ τοσοῦτον περὶ δὲ τοῦ ποταμοῦ τούτου τάδε γράφουσι τὸν Ἰνδὸν
ἄρχεσθαι μὲν ἐκ τοῦ Καυκάσου μείζω αὐτόθεν ἢ οἱ κατὰ τὴν Ἀσίαν ποταμοὶ πάντες
προχωρεῖν δὲ πολλοὺς τῶν ναυσιπόρων ἑαυτοῦ ποιούμενον ἀδελφὰ δὲ τῷ Νείλῳ
πράττοντα τῇ τε Ἰνδικῇ ἐπιχεῖσθαι γῆν τε ἐπάγειν τῇ γῇ καὶ παρέχειν Ἰνδοῖς τὸν
Αἰγυπτίων τρόπον σπείρειν (VA II 18)
E entatildeo eles atravessaram o Indo com mais de quarenta estaacutedios30
pois essa eacute sua
extensatildeo navegaacutevel A respeito do rio eles escrevem estas coisas que o Indo comeccedila
no Caacuteucaso e sua nascente eacute maior que todos os rios da Aacutesia e ao avanccedilar
incorpora muitos [rios] navegaacuteveis e de modo paralelo ao Nilo inunda a Iacutendia
sobrepotildee terra agrave terra e permite aos hindus semear do mesmo modo que os egiacutepcios
κομιζόμενοι δὲ διὰ τοῦ Ἰνδοῦ πολλοῖς μὲν ποταμίοις ἵπποις ἐντυχεῖν φασι πολλοῖς
δὲ κροκοδείλοις ὥσπερ οἱ τὸν Νεῖλον πλέοντες λέγουσι δὲ καὶ ἄνθη τῷ Ἰνδῷ εἶναι
οἷα τοῦ Νείλου ἀναφύεται (VA II 19)
E eles dizem que viajando em direccedilatildeo ao outro lado do Indo encontraram muitos
cavalos de rio e muitos crocodilos como os que nadam no Nilo e que a vegetaccedilatildeo
do Indo eacute como a que brota no Nilo
O rio Hiacutefasis e o oacuteleo nupcial
O rio Hiacutefasis (atual Beaacutes) eacute notaacutevel por sua extensatildeo De acordo com o texto ele nasce
na planiacutecie e perto de sua fonte os riachos satildeo navegaacuteveis mas agrave medida que avanccedilam logo
se tornam inacessiacuteveis para os barcos porque os montes de rocha se alternam Nas redondezas
dessas rochas o vento eacute forte ao ponto de tornar o rio natildeo navegaacutevel (VA III 1) Suas
caracteriacutesicas mais notaacuteveis satildeo
εὖρος δὲ αὐτῷ κατὰ τὸν Ἴστρον ποταμῶν δὲ οὗτος δοκεῖ μέγιστος ὁπόσοι δι᾽
Εὐρώπης ῥέουσι δένδρα δέ οἱ προσόμοια φύει παρὰ τὰς ὄχθας καί τι καὶ μύρον
47
ἐκδίδοται τῶν δένδρων ὃ ποιοῦνται Ἰνδοὶ γαμικὸν χρίσμα καὶ εἰ μὴ τῷ μύρῳ τούτῳ
ῥάνωσι τοὺς νυμφίους οἱ ξυνιόντες ἐς τὸν γάμον ἀτελὴς δοκεῖ καὶ οὐκ ἐς χάριν τῇ
Ἀφροδίτῃ ξυναρμοσθείς (VA III 1)
Sua largura eacute equivalente ao do rio Ister este sendo considerado o mais de quantos
rios fluem na Europa Aacutervores semelhantes agraves daquele nascem agraves suas margens e um
baacutelsamo tambeacutem eacute extraiacutedo das aacutervores a partir do qual os hindus fazem um oacuteleo
nupcial e se os presentes ao casamento natildeo borrifam com esse oacuteleo os noivos
parece que a uniatildeo natildeo eacute concluiacuteda nem agraciada por Afrodite
Esse bosque agrave margem do rio eacute consagrado a Afrodite bem como os belos peixes que
existem laacute (VA III 1)
O rio Acesines
A descriccedilatildeo deste rio eacute breve e o conteuacutedo maravilhoso neste trecho se daacute pela
dimensatildeo informada e pelo comprimento das cobras que existem nele
περὶ τοῦ Ἀκεσίνου ποταμοῦ εἰρημένα ὡς ἐσβάλλει μὲν ἐς τὸν Ἰνδὸν οὗτος τρέφει
δὲ ὄφεις ἑβδομήκοντα πηχῶν μῆκος τοιαῦτα εἶναί φασιν (VA II 17)
Sobre o que disseram do rio Acesines que desaacutegua no rio Indo e produz cobras de
setenta cocircvados31
de comprimento ser assim eles dizem
A fonte de ouro
Aleacutem desses rios ao conversar com Iarcas Apolocircnio pergunta sobre a veracidade de
uma fonte de que jorra ouro (ἐρομένου δὲ αὐτοῦ καὶ περὶ τοῦ χρυσοῦ ὕδατος ὅ φασιν ἐκ
πηγῆς βλύζειν - VA III 45) Provavelmente essa fonte eacute uma alusatildeo agrave descrita por Cteacutesias
31
Medida de comprimento equivalente a 44 cm
48
Περὶ τῆς κρήνης πληρουμένης ἀνacute ἔτος ὑγροῦ χρυσίου ἐξ ἧς ἑκατὸν πρόχοι
ὀστράκινοι ἀνacute ἔτος ἀρύονται Ὀστρακίνους δὲ δεῖ εἶναι ἐπεὶ πήγνυται ὁ χρυσὸς
ἀπαρυόμενος καὶ ἀνάγκη τὸ ἀγγεῖον θλᾶν καὶ οὕτως ἐξαγαγεῖν αὐτόν Ἡ δὲ κρήνη
τετράγωνός ἐστιν ἑκκαίδεκα μὲν πηχῶν ἡ περίμετρος τὸ δὲ βάθος ὀργυϊά ἑκάστη
δὲ προχόη τάλαντον ἕλκει Καὶ περὶ τοῦ ἐν τῷ πυθμένι τῆς κρήνης σιδήρου ἐξ οὗ
καὶ δύο ξίφη Κτησίας φησὶν ἐσχηκέναι ἓν παρὰ βασιλέως καὶ τὸ ἄλλο παρὰ τῆς
τοῦ βασιλέως μητρὸς Παρυσάτιδος Φησὶ δὲ περὶ αὐτοῦ ὅτι πηγνύμενος ἐν τῇ γῇ
νέφους καὶ χαλάζης καὶ πρηστήρων ἐστὶν ἀποτρόπαιον καὶ ἰδεῖν αὑτὸν ταῦτά φησι
βασιλέως δὶς ποιήσαντος (Ind frag IV)
Fala sobre uma fonte cheia de liacutequido dourado durante o ano do qual se extraem
cem jarros de ceracircmica anualmente Os jarros precisam ser de ceracircmica jaacute que o
ouro que eacute retirado solidifica eacute necessaacuterio entatildeo quebrar o invoacutelucro e assim retiraacute-
lo A fonte eacute quadrangular com o periacutemetro de dezesseis cocircvados e a profundidade
de uma braccedila32
E cada vaso comporta um talento33
Fala sobre o ferro que haacute no
fundo da nascente a partir do qual Cteacutesias diz que duas espadas foram forjadas uma
por ordem do rei e a outra por ordem da matildee do rei Parisaacutetide Diz sobre ela que se
a espada for fincada na terra eacute capaz de afastar as nuvens granizos e tempestades E
diz ele proacuteprio ter visto isso quando o rei o fez duas vezes
2313 O clima da Iacutendia
Heroacutedoto e Cteacutesias comentaram a respeito do clima indiano
ἀποκλινομένης δὲ τῆς μεσαμβρίης γίνεταί σφι ὁ ἥλιος κατά περ τοῖσι ἄλλοισι ὁ
ἑωθινός καὶ τὸ ἀπὸ τούτου ἀπιὼν ἐπὶ μᾶλλον ψύχει ἐς ὃ ἐπὶ δυσμῇσι ἐὼν καὶ τὸ
κάρτα ψύχει (Hdt Hist III 104 traduccedilatildeo de J Brito Broca)
Nessa regiatildeo o sol eacute mais ardente pela manhatilde do que ao meio-dia ao contraacuterio do
que se verifica nas outras partes e os habitantes conservam a cabeccedila coberta ateacute a
hora em que termina entre noacutes o mercado Ao meio dia a temperatura ali pouco
32
Distacircncia de uma extremidade a outra de um braccedilo estendido horizontalmente medida fixa de quatro cocircvados
ou seis peacutes (aproximadamente 180 m) 33
Medida de peso e de soma de dinheiro equivalente a seis mil dracmas
49
difere da dos demais paiacuteses e daiacute em diante comeccedila a declinar sendo a tarde tatildeo
fresca quanto a manhatilde entre os outros povos Agrave hora de dormir jaacute se goza de um
agradaacutevel frescor
A descriccedilatildeo de Cteacutesias eacute breve
Ὅτι ἀλέα πολλὴ καὶ ὅτι ὁ ἥλιος δεκαπλασίων τὸ μέγεθος ἢ ἐν ταῖς ἄλλαις χώραις
αὐτὸς ἑαυτοῦ φαίνεται καὶ πολλοὶ ἐνταῦθα τῷ πνίγει φθείρονται (Ind frag V)
Que eacute muito o calor e que o sol parece ter dez vezes o tamanho que dos outros
lugares e que laacute muitas pessoas morrem sem ar
Filoacutestrato tambeacutem apresenta a Iacutendia como um lugar muito quente
αἳ περὶ τὴν Ἰνδικήν εἰσι χειμῶνος μὲν ἀλεεινὰς εἶναι θέρους δὲ πνιγηράς πρὸς δὲ
τοῦτο ἄριστα μεμηχανῆσθαι τῷ δαίμονι τὴν γὰρ χώραν αὐτοῖς θαμὰ ὕεσθαι (VA II
19)
Na regiatildeo da Iacutendia o inverno eacute com muito sol e o veratildeo eacute sufocante mas em
compensaccedilatildeo a divindade providenciou algo excelente pois frequentemente chove
no paiacutes deles
2314 Animais
Na VA satildeo descritos muitos animais Aleacutem do detalhamento de seus aspectos fiacutesicos
satildeo narradas as lendas e as estoacuterias que os envolvem Muitos desses animais o autor afirma
que Apolocircnio viu de outros apenas ouviu falar Os animais satildeo leopardos elefantes uma
minhoca flamejante unicoacuternio dragotildees manticora grifos e fecircnix
50
Leopardos
Sobre a conduta dos leopardos na VA eacute narrada a histoacuteria de que eles ficam na regiatildeo
da Panfiacutelia (regiatildeo atual da Turquia) e seu deslocamento de regiatildeo aconteceu da seguinte
forma
χαίρουσι γὰρ τοῖς ἀρώμασι κἀκ πολλοῦ τὰς ὀσμὰς ἕλκουσαι φοιτῶσιν ἐξ Ἀρμενίας
διὰ τῶν ὀρῶν πρὸς τὸ δάκρυον τοῦ στύρακος ἐπειδὰν οἵ τε ἄνεμοι ἀπ᾽ αὐτοῦ
πνεύσωσι καὶ τὰ δένδρα ὀπώδη γένηται (VA II 2)
Se deleitando com os aromas e atraiacutedos de longe pelos odores eles vem
periodicamente da Armeacutenia atraveacutes das montanhas em busca da gota de estoraque
quando os ventos de laacute sopram e as aacutervores se tornam resinosas
Eacute narrado ainda sobre um leopardo que fora apanhado em Panfiacutelia o qual usava uma
corrente de ouro em volto do seu pescoccedilo onde estava inscrito em letras armecircnias ldquoDo rei
Arsaces ao deus Niacutesiordquo (ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΑΡΣΑΚΗΣ ΘΕΩΙ ΝΥΣΙΩΙ - VA II 2) Apolocircnio
deduziu que Arsaces era o rei armecircnio e que ele deixara o animal livre em homenagem a
Dioniso por causa do seu tamanho
Elefantes
Na VA haacute uma descriccedilatildeo dos tipos de elefantes que existem na Iacutendia e de como eles
satildeo treinados e usados em guerras Neste trecho se descrevem trecircs tipos de elefantes os do
pacircntano os da mantanha e os capturados para serem usados na guerra Sobre os elefantes
Cteacutesias menciona apenas que satildeo destruidores de paredes
Περὶ τῶν τειχοκαταλύτων ἐλεφάντων (Ind frag III)
51
Fala sobre elefantes destruidores de paredes
Filoacutestrato por sua vez faz uma descriccedilatildeo muito mais detalhada sobre estes animais
ἐπὶ δὲ τὸν Ἰνδὸν ἐλθόντες ἀγέλην ἐλεφάντων ἰδεῖν φασι περαιουμένους τὸν ποταμὸν
καὶ τάδε ἀκοῦσαι περὶ τοῦ θηρίου ὡς οἱ μὲν αὐτῶν ἕλειοι οἱ δ᾽ αὖ ὄρειοι καὶ
τρίτον ἤδη γένος πεδινοί εἰσιν ἁλίσκονταί τε ἐς τὴν τῶν πολεμικῶν χρείαν
μάχονται γὰρ δὴ ἐπεσκευασμένοι πύργους οἵους κατὰ δέκα καὶ πεντεκαίδεκα ὁμοῦ
τῶν Ἰνδῶν δέξασθαι ἀφ᾽ ὧν τοξεύουσί τε καὶ ἀκοντίζουσιν οἱ Ἰνδοί καθάπερ ἐκ
πυλῶν βάλλοντες καὶ αὐτὸ δὲ τὸ θηρίον χεῖρα τὴν προνομαίαν ἡγεῖται καὶ χρῆται
αὐτῇ ἐς τὸ ἀκοντίζειν ὅσον δὲ ἵππου Νισαίου μείζων ὁ Λιβυκὸς ἐλέφας τοσοῦτον
τῶν ἐκ Λιβύης οἱ Ἰνδοὶ μείζους (VA II 12)
Tendo eles chegado ao Indo viram uma manada de elefantes atravessando o rio e
dizem terem ouvido isto a respeito dos animais como alguns deles satildeo do pacircntano
outros satildeo da montanha e haacute tambeacutem um terceiro tipo da planiacutecie os quais satildeo
capturados para serem usados na guerra Eles vatildeo para a batalha encilhados com
espeacutecies de torres com capacidade de levar de dez a quinze indianos em cada uma
das quais os indianos atiram com o arco e arremessam os dardos como se
estivessem atirando de portotildees O proacuteprio animal tem a tromba como matildeos e a usa
para arremessar dardos Os elefantes da Liacutebia satildeo tatildeo grandes quanto os cavalos de
Nisa assim tambeacutem satildeo os elefantes indianos com relaccedilatildeo aos da Liacutebia
εἰ δὲ καὶ ἤθη ἐλεφάντων χρὴ ἀναγράφειν τοὺς μὲν ἐκ τῶν ἑλῶν ἁλισκομένους
ἀνοήτους ἡγοῦνται καὶ κούφους Ἰνδοί τοὺς δὲ ἐκ τῶν ὀρῶν κακοήθεις τε καὶ
ἐπιβουλευτὰς καὶ ἢν μὴ δέωνταί τινος οὐ βεβαίους τοῖς ἀνθρώποις οἱ πεδινοὶ δὲ
χρηστοί τε εἶναι λέγονται καὶ εὐάγωγοι καὶ μιμήσεως ἐρασταί γράφουσι γοῦν καὶ
ὀρχοῦνται καὶ παρενσαλεύουσι πρὸς αὐλὸν καὶ πηδῶσιν ἀπὸ τῆς γῆς ἐκεῖνοι (VA
II 13)
Se eacute necessaacuterio descrever o caraacuteter dos elefantes os que satildeo capturados nos
pacircntanos os indianos os acham estuacutepidos e inconstantes os das montanhas
maliciosos e traiccediloeiros e caso natildeo precisem de nada natildeo satildeo confiaacuteveis aos
homens mas os elefantes da planiacutecie dizem que satildeo uacuteteis doacuteceis e que gostan de
52
imitar Ao menos escrevem danccedilam balanccedilam ao som da flauta e datildeo saltos sore a
terra
O verme flamejante
Cteacutesias descreve um verme que existe no rio Indo que possui caracteriacutesticas
semelhantes agrave uma descrita na VA
Ὅτι ἐν τῷ ποταμῷ τῶν Ἰνδῶν σκώληξ γίνεται τὸ μὲν εἶδος οἷόν περ ἐν ταῖς συκαῖς
εἴωθε γίνεσθαι τὸ δὲ μῆκος πήχεις ζʹ καὶ μείζους δὲ καὶ ἐλάττους τὸ δὲ πάχος
δεκαετέα παῖδα μόλις φασὶ ταῖς χερσὶ περιλαβεῖν Ἔχουσι δὲ ὀδόντας δύο ἕνα ἄνω
καὶ ἕνα κάτω καὶ ὅ τι ἂν λάβωσι τοῖς ὀδοῦσι κατεσθίουσι Καὶ τὴν μὲν ἡμέραν ἐν
τῇ ἰλύϊ τοῦ ποταμοῦ διαιτῶνται τῇ δὲ νυκτὶ ἐξέρχονται καὶ ἐάν τινι ἐντύχῃ ἐν τῇ γῇ
βοῒ ἢ καμήλῳ καὶ δάκῃ συλλαβὼν ἕλκει εἰς τὸν ποταμὸν καὶ πάντα κατεσθίει πλὴν
τῆς κοιλίας Ἀγρεύεται δὲ ἀγκίστρῳ μεγάλῳ ἔριφον ἢ ἄρνα ἐνδησάντων καὶ
ἁλύσεσι σιδηραῖς ἐναρμοσάντων Ἀγρεύσαντες δὲ τριάκοντα ἡμέρας κρεμῶσιν
αὐτὸν καὶ ἀγγεῖα ὑποτιθέασι καὶ ῥεῖ ἐξ αὐτοῦ ὅσον δέκα κοτύλας ἀττικὰς τὸ
πλῆθος Ὅταν δὲ παρέλθωσιν αἱ τριάκοντα ἡμέραι ἀπορρίπτουσι τὸν σκώληκα καὶ
τὸ ἔλαιον ἀσφαλισάμενοι ἄγουσι τῷ βασιλεῖ μόνῳ τῶν Ἰνδῶν ἄλλῳ δὲ οὐκ ἔξεστιν
ἐξ αὐτοῦ ἔχειν Τοῦτο τὸ ἔλαιον ἐφacute ὃ ἂν ἐπιχυθῇ ἀνάπτει καὶ καταφλέγει ξύλα καὶ
ζῷα καὶ ἄλλως οὐ σβέννυται εἰ μὴ πηλῷ πολλῷ τε καὶ παχεῖ (Ind frag XXVII)
Que no rio do Indo nasce um verme com a aparecircncia tal qual a de um que nasce na
figueira seu comprimento sendo de sete cuacutebitos alguns maiores alguns menores
Quanto agrave largura uma crianccedila de dez anos com dificuldade o envolveria com os
braccedilos Tem dois dentes um em cima e o outro embaixo e o que pegam com os
dentes devoram De dia vivem na lama do rio mas de noite saem e se encontram
algum boi ou camelo na terra tambeacutem os abocanham arrastam consigo para o rio e
comem-no todo exceto o intestino Ele eacute capturado com um grande anzol que
cobrem com um cordeiro ou um carneiro e prendem com uma corrente de ferro
Tendo-o capturado penduram-no por trinta dias e colocam uma jarra embaixo dele
escorre o total de cerca de dez copos aacuteticos Quando se completam os trinta dias
jogam fora o verme e o oacuteleo recolhido levam somente para o rei dos indianos natildeo eacute
permitido que nenhuma outra pessoa o tenha Este oacuteleo sobre o que se derrama
53
incendeia e queima trate-se de madeira ou animal e natildeo se apaga de outro modo
que com muita lama espessa
Na VA por sua vez eacute no rio Hiacutefasis onde existe uma minhoca semelhante agrave retratada
acima
ἔστι δέ τι θηρίον ἐν τῷ ποταμῷ τούτῳ σκώληκι εἰκασμένον λευκῷ τοῦτο οἱ
τήκοντες ἔλαιον ποιοῦνται πῦρ δὲ ἄρα τοῦ ἐλαίου τούτου ἐκδίδοται καὶ στέγει αὐτὸ
πλὴν ὑελοῦ οὐδέν ἁλίσκεται δὲ τῷ βασιλεῖ μόνῳ τὸ θηρίον τοῦτο πρὸς τειχῶν
ἅλωσιν ἐπειδὰν γὰρ θίγῃ τῶν ἐπάλξεων ἡ πιμελή πῦρ ἐκκαλεῖται κρεῖττον
σβεστηρίων ὁπόσα ἀνθρώποις πρὸς τὰ πυρφόρα εὕρηται (VA III 1)
Haacute tambeacutem uma fera nesse rio (Hifaacutesis) que se parece com um verme34
branco Ao
derretecirc-lo eles fazem um oacuteleo e deste oacuteleo parece produz- se uma chama que nada
aleacutem de vidro pode conter E esta criatura pode ser capturada soacute para o rei que o
utiliza para a captura das cidades Quando pois a gordura toca as ameias um fogo
acende-se e desafia todos os meios comuns que vierem a ser inventados pelos
homens contra combustiacuteveis
O unicoacuternio
Nos Indikaacute Cteacutesias retrata um animal com caracteriacutesticas comuns aos unicoacuternios da
VA como por exemplo o fato de os indianos fazerem do chifre do animal uma taccedila e ao
beber dela natildeo adoecerem
Ὅτι εἰσὶν ὄνοι ἄγριοι ἐν τοῖς Ἰνδοῖς ἴσοι ἵπποις καὶ μείζους λευκοὶ δέ εἰσι τὸ σῶμα
τὴν κεφαλὴν πορφυροῖ ὀφθαλμοὺς ἔχουσι κυανέους Κέρας δὲ ἔχει ἐν τῷ μετώπῳ
ἑνὸς πήχεος τὸ μέγεθος καὶ ἔστι τὸ μὲν κάτω τοῦ κέρατος ὅσον ἐπὶ δύο παλαιστὰς
34
Filoacutestrato utiliza a mesma palavra que Cteacutesias para se referir a essa criatura σκώληξ para qual mantivemos
tambeacutem a traduccedilatildeo por ldquovermerdquo nos dois textos
54
πρὸς τὸ μέτωπον πάνυ λευκόν τὸ δὲ ἐπάνω ὀξύ ἐστι τοῦ κέρατος τοῦτο δὲ
φοινικοῦν ἐστιν ἐρυθρὸν πάνυ τὸ δὲ ἄλλο τὸ ἐν τῷ μέσῳ μέλαν Ἐκ τούτων οἱ
πιόντες (κατασκευάζουσι γὰρ ἐκπώματα) σπασμῷ φασίν οὐ λαμβάνονται οὔτε τῇ
ἱερᾷ νόσῳ ἀλλacute οὐδὲ φαρμάκοις ἁλίσκονται οὔτacute ἂν προπίωσιν οὔτacute ἂν τοῦ
φαρμάκου ἐπιπίωσιν ἢ οἶνον ἢ ὕδωρ ἢ ἄλλο τι ἐκ τῶν ἐκπωμάτων Οἱ μὲν οὖν
ἄλλοι ὄνοι καὶ ἥμεροι καὶ ἄγριοι καὶ τὰ ἄλλα μώνυχα θηρία πάντα ἀστραγάλους
οὐδὲ χολὴν ἐπὶ τοῦ ἥπατος ἔχουσιν Οὗτοι δὲ καὶ ἀστράγαλον ἔχουσι καὶ χολὴν ἐπὶ
τοῦ ἥπατος τὸν δὲ ἀστράγαλον κάλλιστον ὧν ἐγὼ ἑώρακα οἷόν περ βοὸς καὶ τὸ
εἶδος καὶ τὸ μέγεθος βαρὺς δacute ὡς μόλιβδος τὴν δὲ χρόαν ὥσπερ κιννάβαρι καὶ διὰ
βάθους Ταχύτατον δέ ἐστι τὸ ζῷον τοῦτο καὶ ἀλκιμώτατον οὐδὲν δὲ οὔτε ἵππος
οὔτε ἄλλο τι διωκόμενον καταλαμβάνει (Ind frag XXV)
Que na Iacutendia haacute asnos selvagens iguais a cavalos e maiores Eles tecircm o corpo
branco e a cabeccedila vermelha e tecircm os olhos escuros Tecircm um chifre na testa com o
comprimento de um cuacutebito A parte de baixo do chifre de mais ou menos dois
palmos ateacute a testa eacute completamente branca a parte superior do chifre eacute pontuguda e
inteiramente vermelha escura jaacute a outra parte a do meio eacute preta Os que bebem
nesse chifre (pois os fazem de canecas) dizem natildeo tinham convulsatildeo nem a doenccedila
sagrada nem sucumbem a venenos se bebem antes ou depois do veneno vinho
aacutegua ou qualquer outra bebida nessa caneca Os outros asnos tanto os doacuteceis quanto
os bravos e os outros animais selvagens de uma soacute pata todos natildeo tecircm o astraacutegalo35
nem biacutelis no fiacutegado Poreacutem estes tecircm astraacutegalos e biacutelis no fiacutegado O astraacutegalo eacute o
mais bonito que jaacute vi como o de um boi na forma e no tamanho pesado como
chumbo como que da cor do cinaacutebrio ateacute o fundo Esse animal eacute velociacutessimo e
fortiacutessimo e nenhum cavalo ou outro animal o alcanccedila na corrida
A descriccedilatildeo de Filoacutestrato eacute bem mais breve
καὶ τοὺς ὄνους δὲ τοὺς ἀγρίους ἐν τοῖς ἕλεσι τούτοις ἁλίσκεσθαί φασιν εἶναι δὲ τοῖς
θηρίοις τούτοις ἐπὶ μετώπου κέρας ᾧ ταυρηδόν τε καὶ οὐκ ἀγεννῶς μάχονται καὶ
ἀποφαίνειν τοὺς Ἰνδοὺς ἔκπωμα τὸ κέρας τοῦτο οὐ γὰρ οὔτε νοσῆσαι τὴν ἡμέραν
ἐκείνην ὁ ἀπ᾽ αὐτοῦ πιὼν οὔτε ἂν τρωθεὶς ἀλγῆσαι πυρός τε διεξελθεῖν ἂν καὶ μηδ᾽
ἂν φαρμάκοις ἁλῶναι ὁπόσα ἐπὶ κακῷ πίνεται βασιλέων δὲ τὸ ἔκπωμα εἶναι καὶ
βασιλεῖ μόνῳ ἀνεῖσθαι τὴν θήραν (VA III 2)
35
Nome do osso do tarso substituiacutedo por taacutelus
55
E eles dizem que asnos selvagens tambeacutem satildeo capturados nesses pacircntanos e que
essas criaturas tecircm um chifre na testa com o qual como um touro e natildeo sem
nobreza lutam e que os hindus fazem uma taccedila desse chifre pois algueacutem natildeo
adoeceria durante o dia em que dela bebesse nem tendo sido ferido sentiria dor
mas atravessaria o fogo e nem se bebesse poccedilotildees que fazem mal seria prejudicado
este caacutelice eacute reservado para reis e soacute o rei caccedila essa criatura
Dragotildees
Segundo a narraccedilatildeo da VA por toda a Iacutendia haacute dragotildees enormes tanto nos pacircntanos
quanto nas montanhas Existem diferentes tipos de dragotildees que circulam por esta terra e os
retratados satildeo os do pacircntano os que ficam no sopeacute das montanhas e os que ficam na parte
mais elevada das montanhas Suas principais caracteriacutesticas satildeo
Sobre os dragotildees do pacircntano
οἱ μὲν δὴ ἕλειοι νωθροί τέ εἰσι καὶ τριακοντάπηχυ μῆκος ἔχουσι καὶ κράνος αὐτοῖς
οὐκ ἀνέστηκεν ἀλλ᾽ εἰσὶ ταῖς δρακαίναις ὅμοιοι μέλανες δὲ ἱκανῶς τὸν νῶτον καὶ
ἧττον φολιδωτοὶ τῶν ἄλλων (VA III 6)
Os do pacircntano satildeo pesados e tecircm trinta cuacutebitos de comprimento e natildeo tecircm crista
acima [de suas cabeccedilas] mas satildeo semelhantes aos dragotildees fecircmeas Suas costas satildeo
bem pretas cobertos de menos escamas que as outras espeacutecies
Os dragotildees que sobrevoam o sopeacute e os picos das montanhas satildeo maiores que os
anteriores se movem muito velozmente e satildeo predadores dos dragotildees da planiacutecie Suas outras
caracteriacutesticas satildeo
τούτοις καὶ λοφιὰ φύεται νέοις μὲν ὑπανίσχουσα τὸ μέτριον τελειουμένοις δὲ
συναυξανομένη τε καὶ συνανιοῦσα ἐς πολύ ὅτε δὴ πυρσοί τε καὶ πριόνωτοι
γίγνονται οὗτοι καὶ γενειάσκουσι καὶ τὸν αὐχένα ὑψοῦ αἴρουσι καὶ τὴν φολίδα
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στίλβουσι δίκην ἀργύρου αἱ δὲ τῶν ὀφθαλμῶν κόραι λίθος ἐστὶ διάπυρος ἰσχὺν δ᾽
αὐτῶν ἀμήχανον εἶναί φασιν ἐς πολλὰ τῶν ἀποθέτων (VA III 7)
Estes tecircm crista de extensatildeo e altura moderada quando satildeo jovens mas quando
crescem sua crista aumenta muito e eles se tornam avermelhados e proeminentes
Eles tambeacutem adquirem barba e levantam o pescoccedilo para cima enquanto suas
escamas brilham como prata Seus olhos e suas pupilas satildeo uma pedra ardente e
dizem que guardam uma forccedila irresistiacutevel para muitas coisas escondidas
Sobre os dragotildees das montanhas
οἱ δὲ ὄρειοι δράκοντες τὴν μὲν φολίδα χρυσοῖ φαίνονται τὸ δὲ μῆκος ὑπὲρ τοὺς
πεδινούς γένεια δὲ αὐτοῖς βοστρυχώδη χρυσᾶ κἀκεῖνα καὶ κατωφρύωνται μᾶλλον
ἢ οἱ πεδινοὶ ὄμμα τε ὑποκάθηται τῇ ὀφρύι δεινὸν καὶ ἀνειδὲς δεδορκός ὑπόχαλκόν
τε ἠχὼ φέρουσιν ἐπειδὰν τῇ γῇ ὑποκυμαίνωσιν ἀπὸ δὲ τῶν λόφων πυρσῶν ὄντων
πῦρ αὐτοῖς ἄττει λαμπαδίου πλέον (VA III 8)
Os dragotildees das montanhas tecircm escamas que brilham como ouro e em comprimento
excedem aos da plaacutenicie tecircm barbas espessas tambeacutem dourada suas sobrancelhas
satildeo maiores que as dos da planiacutecie seus olhos se afundam debaixo das sobrancelhas
e emitem um olhar terriacutevel e implacaacutevel Eles produzem um som de bronze quando
se rastejam pela terra e das suas cristas que satildeo vermelhas brota um fogo mais
brilhante do que o de uma tocha
A manticora
A manticora eacute um animal bem descrito por Cteacutesias Na VA a referecircncia que temos
dela se encontra num diaacutelogo com Iarcas quando Apolocircnio lhe pergunta sobre a existecircncia de
tal animal recebendo como resposta do interlocutor nunca ter ouvido nada sobre isso (VA III
45) No entanto a descriccedilatildeo da manticora feita por Apolocircnio eacute semelhante agrave de Cteacutesias
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Καὶ περὶ τοῦ μαρτιχόρα τοῦ ἐν αὐτοῖς ὄντος θηρίου ὡς τὸ πρόσωπον ἐοικὼς
ἀνθρώπῳ μέγεθος μέν ἐστιν ὥσπερ λέων καὶ χροὰν ἐρυθρὸς ὡς κιννάβαρι
Τρίστιχοι δὲ ὀδόντες ὦτα δὲ ὥσπερ ἀνθρώπου καὶ ὀφθαλμοὺς γλαύκους ὁμοίους
ἀνθρώπῳ Τὴν δὲ κέρκον ἔχει οἵανπερ σκορπίος ὁ ἠπειρώτης ἐν ᾗ καὶ τὸ κέντρον
ἔχει μείζω ὑπάρχουσαν πήχεος Ἔχει δὲ καὶ ἐκ πλαγίου τῆς κέρκου ἔνθα καὶ ἔνθα
κέντρα ἔχει δὲ καὶ ἐπacute ἄκρῳ ὥσπερ σκορπίος κέντρον Καὶ τούτῳ μέν ἐὰν
προσέλθῃ τις κεντεῖ τῷ κέντρῳ καὶ πάντως ὁ κεντηθεὶς ἀποθνῄσκει Ἐὰν δέ τις
πόρρωθεν μάχηται πρὸς αὐτόν καὶ ἔμπροσθεν ἱστὰς τὴν οὐράν ὥσπερ ἀπὸ τόξου
βάλλει τοῖς κέντροις καὶ ὄπισθεν ἐπacute εὐθείας ἀποτείνων Βάλλει δὲ ὅσον πλέθρον
εἰς μῆκος καὶ πάντα οἷς ἂν βάλῃ πάντως ἀποκτείνει πλὴν ἐλέφαντος Τὰ δὲ κέντρα
αὐτοῦ ἐστι τὸ μὲν μῆκος ὅσον ποδιαῖα τὸ δὲ πλάτος ὅσον σχοῖνος λεπτότατος
Μαρτιχόρα δὲ ἑλληνιστὶ ἀνθρωποφάγον ὅτι πλεῖστα ἐσθίει ἀναιρῶν ἀνθρώπους
ἐσθίει δὲ καὶ τὰ ἄλλα ζῷα μάχεται δὲ καὶ τοῖς ὄνυξι καὶ τοῖς κέντροις Τὰ δὲ κέντρα
πάλιν φησίν ἐπειδὰν ἐκτοξευθῇ ἀναφύεσθαι Ἔστι δὲ πολλὰ ἐν τῇ Ἰνδικῇ
Ἀποκτείνουσι δὲ αὐτὰ τοῖς ἐλέφασιν ἐποχούμενοι ἄνθρωποι κἀκεῖθεν βάλλοντες
(Ind frag VII)
E sobre a manticora que eacute um animal selvagem e seu rosto parece-se com o
humano Tem o tamanho de um leatildeo e o corpo eacute vermelho assim como do cinaacutebrio
Tem trecircs fileiras de dentes orelhas como a do homem e olhos glaucos semelhantes
ao humano Ele tem a cauda como a do escorpiatildeo continental na qual haacute um ferratildeo
maior que um cocircvado Tambeacutem tem aqui e ali ferrotildees dos lados da cauda aleacutem de
ter tambeacutem um ferratildeo na ponta da cauda como escorpiatildeo Dele se algueacutem se
aproxima ele ferroa com o ferratildeo e todos os ferroados morrem Se algueacutem o
enfrenta de longe e de frente ele levanta a cauda e lanccedila os ferrotildees como de um
arco e se for atacado por traacutes ele o estira reto Ele lanccedila os ferrotildees tatildeo longe quanto
plethron36
e todos aqueles em que ele os lanccedila ele os mata exceto elefantes O
ferratildeo eacute do comprimento de um peacute e da largura de um junco esguio Em grego
manticora significa ldquoantropoacutefagordquo pelo fato de a maioria matar e comer homens
mas devora tambeacutem os outros animais E ela ataca tambeacutem com as garras e com os
ferrotildees e o ferratildeo traseiro diz [Cteacutesias] cada vez que eacute disparado nasce de novo
Haacute muitos deles na Iacutendia E matam-nos homens levados por elefantes e jogando
flechas do alto
lsquoλέγεταιrsquo εἶπε lsquoμεγάλα καὶ ἄπιστα τετράπουν μὲν γὰρ εἶναι αὐτό τὴν κεφαλὴν δὲ
ἀνθρώπῳ εἰκάσθαι λέοντι δὲ ὡμοιῶσθαι τὸ μέγεθος τὴν δὲ οὐρὰν τοῦ θηρίου
36
Medida de comprimento de cem peacutes gregos
58
τούτου πηχυαίας ἐκφέρειν καὶ ἀκανθώδεις τὰς τρίχας ἃς βάλλειν ὥσπερ τοξεύματα
ἐς τοὺς θηρῶντας αὐτόrsquo (VA III 45)
Dizem disse [Apolocircnio] coisas grandes e incriacuteveis [sobre essa criatura] que ela tem
quatro patas que sua cabeccedila se assemelha agrave de um homem mas seu tamanho eacute
como o de um leatildeo e que a cauda dessa fera produz pelos de um cuacutebito de
comprimento iguais a um espinho os quais ela lanccedila como flecha naqueles que a
caccedilam
Os grifos
No relato de Cteacutesias os grifos satildeo guardiotildees de ouro
Ἔστι δὲ αὐτόθι ἄργυρος πολὺς καὶ ἀργύρεα μέταλλα οὐ βαθέα ἀλλὰ βαθύτερα
εἶναί φασι τὰ ἐν Βάκτροις Ἔστι δὲ καὶ χρυσὸς ἐν τῇ Ἰνδικῇ χώρᾳ οὐκ ἐν τοῖς
ποταμοῖς εὑρισκόμενος καὶ πλυνόμενος ὥσπερ ἐν τῷ Πακτωλῷ ποταμῷ ἀλλacute ὄρη
πολλὰ καὶ μεγάλα ἐν οἷς οἰκοῦσι γρῦπες ὄρνεα τετράποδα μέγεθος ὅσον λύκος
σκέλη καὶ ὄνυχες οἷά περ λέων τὰ ἐν τῷ ἄλλῳ σώματι πτερὰ μέλανα ἐρυθρὰ δὲ τὰ
ἐν τῷ στήθει Διacute αὐτοὺς δὲ ὁ ἐν τοῖς ὄρεσι χρυσὸς πολὺς ὢν γίνεται δυσπόριστος
(Ind frag XII)
Haacute laacute muita riqueza e minas de prata natildeo profundas mas dizem que as de Baacutectria
satildeo mais profundas Haacute tambeacutem ouro na regiatildeo da Iacutendia mas natildeo satildeo encontrados e
lavados nos rios como no rio Pactolo mas em muitas e grandes montanhas nas
quais vivem grifos aves quadruacutepedes do tamanho de um lobo as patas e garras tais
quais de um leatildeo No resto do corpo tem penas pretas mas no peito satildeo elas
vermelhas Por causa deles torna-se difiacutecil alcanccedilar o abundante ouro que haacute nas
montanhas
Na VA em resposta a Apolocircnio Iarcas confirma a existecircncia deles (VA III 48) Aqui
eacute acrescentada a informaccedilatildeo de que eles satildeo venerados por serem sagrados para o Sol
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μέγεθός τε καὶ ἀλκὴν εἰκάσθαι αὐτοὺς τοῖς λέουσιν ὑπὸ δὲ πλεονεξίας τῶν πτερῶν
αὐτοῖς τε ἐκείνοις ἐπιτίθεσθαι καὶ τῶν ἐλεφάντων δὲ καὶ δρακόντων ὑπερτέρους
εἶναι πέτονται δὲ οὔπω μέγα ἀλλ᾽ ὅσον οἱ βραχύποροι ὄρνιθες μὴ γὰρ ἐπτιλῶσθαι
σφᾶς ὡς ὄρνισι πάτριον ἀλλ᾽ ὑμέσι τοὺς ταρσοὺς ὑφάνθαι πυρσοῖς ὡς εἶναι
κυκλώσαντας πέτεσθαί τε καὶ ἐκ μετεώρου μάχεσθαι τὴν τίγριν δὲ αὐτοῖς ἀνάλωτον
εἶναι μόνην ἐπειδὴ τὸ τάχος αὐτὴν ἐσποιεῖ τοῖς ἀνέμοις (VA III 48)
Em tamanho e em forccedila eles se parecem com os leotildees mas pela vantagem das asas
sobrepotildeem-se agravequeles e satildeo tambeacutem mais poderosos que elefantes e dragotildees Natildeo
voam eles alto mas como as aves de voo curto pois eles natildeo tecircm penas como eacute
normal entre os paacutessaros mas as palmas de suas patas tecircm membranas vermelhas
de modo que girando-as podem voar e do alto lutarem O tigre eacute o uacutenico natildeo
capturado por eles uma vez sua rapidez o faz par dos ventos
A fecircnix
Segundo a narraccedilatildeo de Iarcas a fecircnix eacute uma ave que vai ateacute o Egito a cada quinhentos
anos e no resto do tempo sobrevoa a Iacutendia Sobre ela se diz
εἶναι δὲ ἕνα ἐκδιδόμενον τῶν ἀκτίνων καὶ χρυσῷ λάμποντα μέγεθος ἀετοῦ καὶ
εἶδος ἐς καλιάν τε ἱζάνειν τὴν ἐκ τοῦ ἀρώματος ποιουμένην αὐτῷ πρὸς ταῖς τοῦ
Νείλου πηγαῖς (VA III 49)
haver uma uacutenica produzida pelos raios solares e brilhante de ouro com o tamanho e
a aparecircncia da aacuteguia a qual pousa num ninho que eacute feito por ela mesma com ervas
aromaacuteticas junto das nascentes do Nilo
Os egiacutepcios afirmam que a ave vai ateacute o Egito e os indianos confirmam a informaccedilatildeo
acrescentando ainda que ela ao queimar-se em seu ninho canta hinos fuacutenebres para si mesma
(τῷ λόγῳ τὸ τὸν φοίνικα τὸν ἐν τῇ καλιᾷ τηκόμενον προπεμπτηρίους ὕμνους αὑτῷ ᾄδειν -VA
III 49)
60
2315 Seres exoacuteticos
Neste subtoacutepico estatildeo arrolados seres que se diferem por seus haacutebitos como eacute o caso
dos hindus de Taxila e dos comedores de peixes aleacutem de outros seres que possuem
caracteriacutesticas fiacutesicas atiacutepicas como os anotildees a mulher malhada e os pigmeus
Os homens de quatro e cinco cocircvados
Apoacutes passarem do Caacuteucaso eacute narrado que Apolocircnio e seus companheiros
τετραπήχεις ἀνθρώπους ἰδεῖν φασιν οὓς ἤδη μελαίνεσθαι καὶ πενταπήχεις δὲ
ἑτέρους ὑπὲρ τὸν Ἰνδὸν ποταμὸν ἐλθόντες ἐν δὲ τῇ μέχρι τοῦ ποταμοῦ τούτου
ὁδοιπορίᾳ τάδε εὗρον ἀφηγήσεως ἄξια ἐπορεύοντο μὲν γὰρ ἐν σελήνῃ λαμπρᾷ
φάσμα δὲ αὐτοῖς ἐμπούσης ἐνέπεσε τὸ δεῖνα γινομένη καὶ τὸ δεῖνα αὖ καὶ οὐδὲν
εἶναι ὁ δὲ Ἀπολλώνιος ξυνῆκεν ὅ τι εἴη καὶ αὐτός τε ἐλοιδορεῖτο τῇ ἐμπούσῃ τοῖς
τε ἀμφ᾽ οὑτὸν προσέταξε ταὐτὸ πράττειν ταυτὶ γὰρ ἄκος εἶναι τῆς προσβολῆς
ταύτης καὶ τὸ φάσμα φυγῇ ᾤχετο τετριγός ὥσπερ τὰ εἴδωλα (VA II 4)
dizem ter visto homens de quatro cuacutebitos os quais jaacute eram negros e tendo passado
o rio Indo viram outros de cinco cuacutebitos de altura E ateacute alcanccedilar este rio
encontraram isto digno de ser narrado viajavam sob o brilho da lua quando
depararam com a apariccedilatildeo de uma empusa que se transformou de uma coisa em
outra ateacute finalmente se tornar nada Entatildeo Apolocircnio percebeu o que era e ele
mesmo insultou a empusa e mandou que os outros fizessem o mesmo uma vez que
esse era o remeacutedio para aquele ataque E o fantasma voou para longe berrando
como os fantasmas
A mulher malhada
Esta mulher se diz ser consagrada a Afrodite Ao contraacuterio da bela deusa grega esta
mulher multicolor se assemelha a um monstro
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ἐνταῦθα καὶ γυναίῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι τὰ μὲν ἐκ κεφαλῆς ἐς μαζοὺς μέλανι τὰ δὲ
ἐκ μαζῶν ἐς πόδας λευκῷ πάντα καὶ αὐτοὶ μὲν ὡς δεῖμα φυγεῖν τὸν δὲ Ἀπολλώνιον
ξυνάψαι τε τῷ γυναίῳ τὴν χεῖρα καὶ ξυνεῖναι ὅ τι εἴη ἱεροῦται δὲ ἄρα τῇ Ἀφροδίτῃ
Ἰνδὴ τοιαύτη καὶ τίκτεται τῇ θεῷ γυνὴ ποικίλη καθάπερ ὁ Ἆπις Αἰγυπτίοις (VA
III 3)
Neste lugar eles dizem que encontraram uma mulher que era negra da cabeccedila aos
seios mas completamente branca do seu peito ateacute os peacutes e fugiram dela como se
fosse um monstro mas Apolocircnio tomou a matildeo da mulher e entendeu o que ela era
de fato na Iacutendia consagra-se a Afrodite algueacutem assim e nasce em homenagem agrave
deusa uma mulher multicolor assim como Aacutepis entre os egiacutepcios
Sobre os hindus de Taxila
Aleacutem de conter templos magniacuteficos e ser a cidade do rei Fraotes a cidade de Taxila eacute
maravilhosa pelo fato de sua populaccedilatildeo se assemelhar a filoacutesofos
στολὴν δὲ εἶναι τοῖς μετὰ τὸν Ἰνδὸν λίνου φασὶν ἐγχωρίου καὶ ὑποδήματα βύβλου
καὶ κυνῆν ὅτε ὕοι καὶ βύσσῳ δὲ τοὺς φανερωτέρους αὐτῶν φασιν ἐστάλθαι τὴν δὲ
βύσσον φύεσθαι δένδρου φασὶν ὁμοίου μὲν τῇ λεύκῃ τὴν βάσιν παραπλησίου δὲ τῇ
ἰτέᾳ τὰ πέταλα καὶ ἡσθῆναι τῇ βύσσῳ φησὶν ὁ Ἀπολλώνιος ἐπειδὴ ἔοικε φαιῷ
τρίβωνι (VA II 20)
Dizem que a vestimenta dos que habitam do outro do outro lado do Indo eacute de linho
da regiatildeo calccedilados de casca de aacutervore e um chapeacuteu quando chove dizem que os
mais distintos deles se vestem com linho finiacutessimo e que o linho finiacutessimo nasce de
uma aacutervore semelhante ao aacutelamo branco e as folhas satildeo quase iguais agraves do
salgueiro E Apolocircnio diz que ficou encantado com o linho fino uma vez que
parecia com seu manto cinza de filoacutesofo
62
Os pigmeus
Comparado a Heroacutedoto e a Filoacutestrato Cteacutesias foi o que mais escreveu acerca dos
pigmeus Em sua obra ele descreve caracteriacutesticas fiacutesicas deles como pelos genitais e narizes
(Indikaacute frag XI) Heroacutedoto natildeo usa o termo pigmeu mas Nichols (2011 p 208) afirma que a
descriccedilatildeo em Histoacuterias (II 32) se refere a eles sendo esse termo usado para descrever pessoas
pequenas Na arte e na literatura greco-romana os pigmeus satildeo associados ao nanismo e a
uma desproporccedilatildeo fiacutesica (principalmente com relaccedilatildeo aos genitais) se tornando assim
emblemas de anormalidade Essa anormalidade humana somada agrave caracteriacutestica de eles serem
vinculados ao exotismo representativo dos espaccedilos aleacutem-fronteira reforccedila a imagem da Iacutendia
como uma regiatildeo afastada da Heacutelade ldquocivilizadardquo (RODRIGUES 2016 p 172)
O retrato de Cteacutesias dos pigmeus eacute bem detalhado
Ὅτι μέσῃ τῇ Ἰνδικῇ ἄνθρωποί εἰσι μέλανες (καλοῦνται Πυγμαῖοι) ὁμόγλωσσοι τοῖς
ἄλλοις Ἰνδοῖς Μικροὶ δέ εἰσι λίαν οἱ μακρότατοι αὐτῶν πηχέων δύο οἱ δὲ
πλεῖστοι ἑνὸς ἡμίσεος πήχεος Κόμην δὲ ἔχουσι μακροτάτην μέχρις ἐπὶ τὰ γόνατα
καὶ ἔτι κατώτερον καὶ πώγωνα μέγιστον πάντων ἀνθρώπων Ἐπειδὰν οὖν τὸν
πώγονα μέγα φύσωσιν οὐκέτι ἀμφιέννυνται οὐδὲν ἱμάτιον ἀλλὰ τὰς τρίχας τὰς μὲν
ἐκ τῆς κεφαλῆς ὄπισθεν καθίενται πολὺ κάτω τῶν γονάτων τὰς δὲ ἐκ τοῦ πώγωνος
ἔμπροσθεν μέχρι ποδῶν ἑλκομένας ἔπειτα περιπυκασάμενοι τὰς τρίχας περὶ ἅπαν
τὸ σῶμα ζώννυνται χρώμενοι αὐταῖς ἀντὶ ἱματίου Αἰδοῖον δὲ μέγα ἔχουσιν ὥστε
ψαύειν τῶν σφυρῶν αὐτῶν καὶ παχύ Αὐτοὶ δὲ σιμοί τε καὶ αἰσχροί Τὰ δὲ πρόβατα
αὐτῶν ὡς ἄρνες καὶ οἱ ὄνοι καὶ αἱ βόες σχεδὸν ὅσον κριοί Καὶ οἱ ἵπποι αὐτῶν καὶ
ἡμίονοι καὶ τὰ ἄλλα κτήνη πάντα οὐδὲν μείζω κριῶν Ἕπονται δὲ τῷ βασιλεῖ τῶν
Ἰνδῶν τούτων τῶν Πυγμαίων ἄνδρες τρισχίλιοι σφόδρα γάρ εἰσι τοξόται
Δικαιότατοι δέ εἰσι καὶ νόμοισι χρῶνται ὥσπερ καὶ οἱ Ἰνδοί Λαγοὺς δὲ καὶ
ἀλώπεκας θηρεύουσιν οὐ τοῖς κυσὶν ἀλλὰ κόραξι καὶ ἰκτίσι καὶ κορώναις καὶ ἀετοῖς
Ὅτι λίμνη ἐστὶν ἐν αὐτοῖς (σταδίων ὀκτακοσίων ἡ περίμετρος) ἐν ᾗ ἀνέμου μὴ
πνέοντος ἐπάνω τῆς λίμνης ἔλαιον ἐφίσταται καὶ πλοαρίοις πλέοντες διacute αὐτῆς ἐκ
μέσης αὐτῆς σκαφίοις τοῦ ἐλαίου ἀπαρύονται καὶ χρῶνται Χρῶνται δὲ καὶ
σησαμίνῳ Ἔχει δὲ ἡ λίμνη καὶ ἰχθύας Καὶ τῷ καρυΐνῳ δὲ χρῶνται κρεῖσσον δὲ τὸ
λιμναῖον (Ind frag XI)
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Que no meio da Iacutendia haacute homens negros (chamados pigmeus) que falam a mesma
liacutengua que os outros indianos E satildeo muito pequenos os maiores deles tecircm dois
cocircvados mas a maioria meio cocircvado E tecircm o cabelo comprido ateacute o joelho e ainda
mais abaixo e a barba maior que de todos os homens Uma vez pois que a barba
ficava grande natildeo mais vestiam nenhuma roupa mas dos peacutes uma parte deixam
cair da cabeccedila para traacutes ateacute os joelhos a outra parte puxam da barba para frente ateacute
os peacutes em seguida envolvem os pelos ao redor do corpo todo e cingem-se usando
os pelos em lugar de roupa E eles tecircm o genital grande ao ponto de tocar os joelhos
deles e grosso E eles satildeo de nariz achatado e feios E os carneiros deles satildeo como
os cordeiros e os asnos e bois mais ou menos do tamanho de carneiros E os cavalos
deles as mulas e todas as outras criaccedilotildees natildeo satildeo maiores que carneiros E escoltam
o rei da Iacutendia destes pigmeus trecircs mil homens pois satildeo arqueiros muito bons Satildeo
justos e utilizam de leis como tambeacutem os indianos Caccedilam lebres e raposas natildeo com
catildees mas com corvos fuinhas albatrozes e aacuteguias
Que haacute um lago onde moram (com o periacutemetro de 800 estaacutedios) no qual uma vez
que o vento natildeo sopra sobre o lago boia oacuteleo e em barquinhos navegam pelo lago e
do meio dele colhem o oacuteleo em vasilhas e o usam E tambeacutem abusam do gergelim
O lago tem peixe E usam noz A noz do lago eacute melhor
Na VA (VA III 47) o saacutebio Iarcas confirma a existecircncia dos pigmeus na Iacutendia e diz
ser verdade o que descrevem sobre esses homens poreacutem se refere a eles de forma breve
τοὺς δὲ πυγμαίους οἰκεῖν μὲν ὑπογείους κεῖσθαι δὲ ὑπὲρ τὸν Γάγγην ζῶντας
τρόπον ὃς πᾶσιν εἴρηται (VA III 47)
os pigmeus habitam no subsolo ficam do outro lado do Ganges e vivem da forma
como eacute relatada por todos
Os comedores de peixes e os carianos
Os comedores de peixes provecircm de uma cidade chamada Estobera (Στόβηρα) e satildeo
contrastados com uma outra raccedila de hindus os carianos
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διφθέρας δὲ τούτους ἐνῆφθαι μεγίστων ἰχθύων καὶ τὰ πρόβατα τὰ ἐκείνῃ ἰχθυώδη
εἶναι καὶ φαγεῖν ἄτοπα τοὺς γὰρ ποιμένας βόσκειν αὐτὰ τοῖς ἰχθύσιν ὥσπερ ἐν
Καρίᾳ τοῖς σύκοις (VA III 55)
Eles se vestem com a pele de grandes peixes as suas ovelhas tecircm cheiro de peixe e
comem coisas atiacutepicas pois os pastores as alimentam com peixes como na Caacuteria
satildeo alimentadas com figos
65
CAPIacuteTULO III
OS SAacuteBIOS HINDUS
Os saacutebios hindus satildeo personagens essenciais nesta obra Satildeo mencionados desde o
iniacutecio como o alvo principal da viagem de Apolocircnio e satildeo a referecircncia de sabedoria maacutexima
natildeo soacute para Apolocircnio mas tambeacutem para a populaccedilatildeo que os procura para serem curados e
aconselhados bem como para reis que os consultam para tomar decisotildees A essecircncia dessa
sabedoria superior adveacutem do contato deles com os deuses e de seu conhecimento da filosofia
grega Assim os bracircmanes satildeo influentes natildeo apenas filosoficamente mas tambeacutem
politicamente
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus
Como mencionado no primeiro capiacutetulo Apolocircnio se depara com muitas referecircncias agrave
cultura grega aacutetica em sua viagem agrave Iacutendia Nesse sentido o rei Fraotes de Taxila se torna um
siacutembolo uma conexatildeo dessa referecircncia claacutessica com a sabedoria hindu
De acordo com a narrativa Fraotes se assemelha a um filoacutesofo com caracteriacutesticas
pitagoacutericas pois natildeo consome vinho manteacutem uma dieta vegetariana (VA II 26) e se compraz
com a filosofia (VA II 30) Interage tambeacutem com a cultura por outro vieacutes visto que se
exercita agrave maneira grega e oferece um banquete a Apolocircnio (VA II 27) Aleacutem disso possui
habilidades linguiacutesticas notaacuteveis pois fala e tem domiacutenio da literatura e da liacutengua grega (VA
II 27-32) Em um diaacutelogo com Apolocircnio Fraotes narra sua histoacuteria e conta como aprendeu
grego com o seu proacuteprio pai Aos doze anos foi viver com os bracircmanes hindus dos quais
recebeu uma educaccedilatildeo helecircnica (VA II 31) Em virtude dessa educaccedilatildeo junto aos bracircmanes
Fraotes se tornou um soberano que age com moderaccedilatildeo e integridade (VA II 34) Silva
(2017 p 486) considera que por essas caracteriacutesticas Fraotes eacute tido como um modelo de rei
ideal e eacute elogiado por Apolocircnio em vaacuterios momentos
Ao ponderar sobre o contexto em que Filoacutestrato viveu isto eacute o de um grego
submetido a um governo romano e sua proposta de resgatar a cultura helecircnica mediante a
Segunda Sofiacutestica entendemos que o autor acreditava que para um rei agir de forma
moderada e iacutentegra deveria estar imbuiacutedo dos valores e da cultura grega Esse modelo
66
idealizado personificado na figura de Fraotes serviria de criacutetica contra os imperadores
romanos
A partir desse contato com o rei hindu Apolocircnio tem mais notiacutecias sobre os bracircmanes
Sem especificar o nome da cidade Fraotes lhe conta que os saacutebios vivem em um local entre o
rio Hiacutefasis e o Ganges em uma regiatildeo que nunca fora encontrada por Alexandre Mesmo que
Alexandre a tivesse encontrado explica o rei ele natildeo teria sido capaz de tomar posse daquele
local nem que estivesse acompanhado de ldquodez mil Aquiles e trinta mil Aacutejaxrdquo pois os
bracircmanes natildeo lutam contra aqueles que se aproximam de sua torre (τύρσις) mas os repelem
com prodiacutegios e com raios lanccedilados por eles mesmos uma vez que satildeo homens sagrados e
amados pelos deuses (VA II 33) Como exemplo Fraotes cita uma expediccedilatildeo beacutelica
empreendida por Heacuteracles do Egito e Dioniso Apoacutes terem invadido a Iacutendia tentaram tomar a
torre dos saacutebios com um ataque Os bracircmanes ao inveacutes de terem reagido de forma violenta se
mantiveram quietos e passivos Poreacutem quando todos os soldados estavam reunidos para o
ataque final os saacutebios do alto lanccedilaram miacutesseis de fogo e raios sobre eles derrotando os
invasores (VA II 34)
Em outro momento da narrativa Apolocircnio e Iarcas discutem tambeacutem a respeito desse
toacutepico Apolocircnio cita Aquiles como um modelo de heroacutei exemplar que foi celebrado por
Homero tanto por sua coragem quanto por sua beleza superando Aacutejax e Nireu Contudo
Iarcas critica esse modelo defendido por Apolocircnio e sugere uma ruptura desse paradigma de
heroiacutesmo (VA III 19) Assim associamos que a proacutepria histoacuteria dos bracircmanes eacute um exemplo
desse rompimento haja visto que eles foram capazes de repelir os ataques de Dioniso e
Heacuteracles de Alexandre e de todos os outros homens que tiveram intenccedilatildeo de conquistar
aquele local Valorizando a paz e ao mesmo tempo sendo capazes de manter sua
independecircncia os bracircmanes representam a estabilidade e preservam a integridade de seus
valores Ao redor deles impeacuterios nasceram e caiacuteram Poro um dos mais poderosos reis
indianos foi derrotado por Alexandre o qual por sua vez teve o seu proacuteprio impeacuterio
rapidamente desintegrado apoacutes sua morte O contraste entre os dois reis Fraotes e Poro bem
como a forma de seus governos eacute bem marcada quando Fraotes diz a Apolocircnio ldquoPoro amava
a guerra mas eu amo a pazrdquo (Πῶροςrsquo εἶπε lsquoπολέμου ἤρα ἐγὼ δὲ εἰρήνης VA II 26) De
acordo com Abraham (2014 p 478) a veneraccedilatildeo do militarismo e do imperialismo
encontrados em Homero eacute a fonte da decadecircncia da eacutetica grega e essa decadecircncia por sua
vez eacute expressa pela perda do autoconhecimento e em uacuteltima instacircncia da identidade grega
sob o impeacuterio romano
67
Dessa forma temos uma imagem da torre dos bracircmanes como uma fortaleza
impossiacutevel de ser invadida e corrompida Recaiacute sobre eles a proteccedilatildeo natural do local e o
favorecimento dos deuses Ao mesmo tempo o local se constituiria em um bastiatildeo de
sabedoria que preservaria os valores gregos idealizados por Filoacutestrato
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia
Apoacutes uma longa viagem Apolocircnio e seus companheiros finalmente chegam onde a
torre dos bracircmanes estava localizada (VA III 10) Ao se aproximarem curiosamente um
mensageiro hindu vem ateacute eles se comunicando em grego (VA III 12) Segundo a descriccedilatildeo
do texto a torre tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da
planiacutecie e sua posiccedilatildeo natural a protege de ataques pois eacute rodeada por rochas em todos os
lados (VA III 13) Com essa descriccedilatildeo Filoacutestrato compara explicitamente a topografia da
torre dos bracircmanes com a Acroacutepole de Atenas Desde a referecircncia linguiacutestica ateacute a
topograacutefica o autor permite que o leitor crie um mapa mental de Atenas
68
FIGURA 3 - Apolocircnio encontra o mensageiro dos bracircmanes (VA II 11-13) (imagem superior) Apolocircnio
discursa para a populaccedilatildeo de Eacutefeso sobre a praga (VA IV 10) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Na sequecircncia o autor narra que os viajantes precisam passar por um processo de
purificaccedilatildeo primeiro devem purgar os seus pecados mesmo os involuntaacuterios banhando-se
em um poccedilo para em seguida passarem pelo ldquofogo do perdatildeordquo (πῦρ ξυγγνώμης - VA III
14) Segundo Marciano (2014 p 137-139) manter-se puro tambeacutem eacute um preceito pitagoacuterico
A purificaccedilatildeo eacute nesse sentido uma necessidade para se manter limpo das impurezas
transmitidas pelo contato com as outras pessoas Mesmo fora da esfera estritamente cultual a
pureza individual eacute fundamental para evitar a absorccedilatildeo de energias negativas que manchem
natildeo apenas o plano divino mas tambeacutem o proacuteprio componente divino do homem Por isso
continua a autora a vida diaacuteria pitagoacuterica eacute ritualizada em todos os seus atos gestos e
69
palavras de forma a que o indiviacuteduo possa conscientemente preservar a sua pureza respeitar
a esfera divina e evitar que qualquer accedilatildeo sua possa prejudicar a si mesmo e aos outros
Logo apoacutes terem se purificado Apolocircnio e seus companheiros de viagem se foram
para um local onde se depararam com estaacutetuas de deuses indianos e egiacutepcios Poreacutem a
surpresa maior foi terem encontrado entre as demais estaacutetuas dos deuses gregos mais
antigos
θεῶν δὲ ἀγάλμασιν ἐντυχεῖν φασιν εἰ μὲν Ἰνδοῖς ἢ Αἰγυπτίοις θαῦμα οὐδέν τὰ δέ
γε ἀρχαιότατα τῶν παρrsquo Ἕλλησι τό τε τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Πολιάδος καὶ τὸ τοῦ
Ἀπόλλωνος τοῦ Δηλίου καὶ τὸ τοῦ Διονύσου τοῦ Λιμναίου καὶ τὸ τοῦ Ἀμυκλαίου
καὶ ὁπόσα ὧδε ἀρχαῖα ταῦτα ἱδρύεσθαί τε τοὺς Ἰνδοὺς τούτους καὶ νομίζειν
Ἑλληνικοῖς ἤθεσι φασὶ δ᾽ οἰκεῖν τὰ μέσα τῆς Ἰνδικῆς καὶ τὸν ὄχθον ὀμφαλὸν
ποιοῦνται τοῦ λόφου τούτου πῦρ τε ἐπ᾽ αὐτοῦ ὀργιάζουσιν ὅ φασιν ἐκ τῶν τοῦ
ἡλίου ἀκτίνων αὐτοὶ ἕλκειν τούτῳ καὶ τὸν ὕμνον ἡμέραν ἅπασαν ἐς μεσημβρίαν
ᾄδουσιν (VA III 14)
Eles dizem que se depararam com estaacutetuas de deuses e natildeo seria espantoso se
fossem soacute Indianos ou Egiacutepcios mas viram principalmente de Gregos Haviam
estaacutetuas de Atena Poliacuteade de Apolo de Delos e de Dioniacuteso de Limneu e de Amiclas
dentre outras tambeacutem antigas e os hindus estabeleceram praacuteticas gregas comuns
para cultuaacute-las E eles dizem que eles habitam nas partes centrais da Iacutendia e
consideram este pico como o umbigo desta colina onde os saacutebios cultuam o fogo o
qual dizem extrair dos raios solares e para o sol eles cantam um hino todos os dias
ao meio dia
Como descrito acima as estaacutetuas encontradas satildeo de Atena Poliacuteade de Apolo de
Delos e duas de Dioniacuteso uma do Limneu e a outra de Amiclas Abraham (2014 p 472)
observa que aleacutem dessas estaacutetuas pertencerem a cultos originaacuterios do periacuteodo arcaico estaacute
agregado a esse conjunto o culto das cidades de Atenas (Atena Poliacuteade) de Delos (Apolo) e
de Esparta (Dioniso de Limneu e de Amiclas) criando-se desse modo um mapa mental que
unifica as regiotildees da Aacutetica da Jocircnia e do Peloponeso em uma identidade singular Esse
agrupamento ainda segundo Abraham remete agrave tendecircncia da literatura da Segunda Sofiacutestica
de criar a representaccedilatildeo literaacuteria de um passado grego unificado se natildeo homogeneizado
ocultando as diferenccedilas existentes entre as antigas cidades-estado
Eacute interessante destacar que o estranhamento provocado pelas estaacutetuas dessa vez natildeo
se deve ao exotismo da cultura hindu mas agrave similaridade da proacutepria cultura de Apolocircnio em
um lugar tatildeo distante de sua paacutetria Aleacutem disso ao se referir a torre dos bracircmanes como o
70
coraccedilatildeo Iacutendia e ao mesmo tempo como o centro do mundo (ὀμφαλὸν) desloca-se todo o
referencial geopoliacutetico cultural A noccedilatildeo de periferia e centro eacute invertida a Iacutendia fronteira do
mundo ocupa agora a posiccedilatildeo central no lugar da Greacutecia e de Roma Uma das
consequecircncias disso aponta Abraham (2014 p 475) eacute a implicaccedilatildeo de que o centro do
mundo estaacute de fato em uma regiatildeo baacuterbara e natildeo civilizada Atenas e Roma entatildeo passam a
ser percebidas como regiotildees baacuterbaras e incivilizadas independente de sua localizaccedilatildeo
geograacutefica
Se compararmos as representaccedilotildees de Roma da Greacutecia e de Paraca na VA sugere
Abraham (2014 p 476) Esta uacuteltima corresponderia ao centro do mundo ou ao menos agrave sede
de um helenismo natildeo corrompido Roma agrave periferia corruptora e Greacutecia agrave zona
intermediaacuteria corrompida e baacuterbara pela influecircncia de Roma mas ainda possiacutevel de salvaccedilatildeo
Considerando todas essas caracteriacutesticas percebemos que Filoacutestrato nos indica de
forma metafoacuterica coordenadas que localizam a Greacutecia antiga idealizada pelo autor nas
regiotildees distantes da Iacutendia (ABRAHAM 2004 472 ndash 475) O confim da terra agora passa a ser
o ὀμφαλὸν Nele conseguem se comunicar em liacutengua grega os indianos possuem deuses
gregos em comum e compartilham da mesma educaccedilatildeo grega Estes aspectos servem de ponte
para unir dois lugares tatildeo distantes ou em uacuteltima instacircncia podem ser vistos como o
derradeiro elo entre eles
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria
Se por um lado a Iacutendia foi tida como a fronteira do mundo na literatura grega antiga
por outro lado a VA quebra esse paradigma e amplia os limites desse toacutepos literaacuterio
De acordo com Parker (2008 p 301) os gregos comeccedilaram a imaginar a Iacutendia como
lugar de sabedoria personificada na figura dos homens sagrados a partir de Alexandre
Assim os bracircmanes causaram grande impressatildeo nos gregos e nos romanos por representarem
a junccedilatildeo de duas vertentes a primeira agrave virtude de um povo distante desprovido de riquezas
e individualmente representada por Dandacircmis37
a segunda agrave sabedoria dos saacutebios
especialmente dos povos antigos orientais que reforccedila sua posiccedilatildeo marginal em relaccedilatildeo ao
mundo mediterracircneo Com isso ao caracterizar esses homens saacutebios continua o autor talvez
seja necessaacuterio contrastaacute-los com alguns de seus visitantes mais frequumlentes do oeste os
filoacutesofos Estes diferiam natildeo soacute pela sua identidade eacutetnica mas tambeacutem pela paideia Os
37
O saacutebio com quem Alexandre teve contato como consta no Romance de Alexadre
71
gimnosofistas e os bracircmanes possuiacuteam sabedoria sem terem sofrido o aacuterduo processo de
aprendizagem grego um processo que tambeacutem eacute importante para a formaccedilatildeo do saacutebio estoico
e do homem sagrado pagatildeo da Antiguidade Nesse sentido os gimnosofistas e os bracircmanes
oferecem um tipo alternativo de sabedoria
Desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra que Apolocircnio busca os conhecimentos
orientais como fonte de sabedoria Elsner (1997 p 29-30) mostra que o autor usa as viagens
como um reflexo do progresso espiritual de Apolocircnio Assim a grande variedade de tόpoi
etnograacutefico experimentada por Apolocircnio sugere a profundidade e universalidade da sabedoria
que ele dominou e com a qual estaacute equipado para ensinar Filoacutestrato representa seu saacutebio
visitando as fronteiras do mundo conhecido em todas as direccedilotildees norte no Caacuteucaso (VA II
2) leste no Oriente proacuteximo (VA I 21 II 1) e na Iacutendia (VA II 17 III 50) sul no Egito e
Etioacutepia (VA V43 VI 28) e oeste nas Colunas de Heacuteracles (VA IV 47 V 10)
Depois da Iacutendia Apolocircnio passa por Alexandria e segue viagem rumo agrave cidade dos
gimnosofistas localizada entre o Egito e a Etioacutepia (VA VI 5) Como observa Silva (2014 p
277) os gimnosofistas ora satildeo tratados como egiacutepcios (VA I 2 III 32 VI 10-11 VIII 74)
ora como etiacuteopes (VA VI 6 16 VIII 712) Sobre isso Robiano (1992 p 414-415)
menciona que existe uma proximidade entre gimnosofistas e bracircmanes na literatura grega
antiga A exemplo disso o autor cita uma passagem dos Fugitivos de Luciano de Samoacutesata
na qual a personagem Filosofia marca os estaacutegios de sua chegada aos humanos Em suma
depois dos bracircmanes fui diretamente para a Etioacutepia depois para o Egito (μετὰ δ᾽ οὖν τοὺς
Βραχμᾶνας εἰς Αἰθιοπίαν εὐθύς εἶτα εἰς Αἴγυπτον κατέβην Fugitivi VIII) Tambeacutem na VA
os gimnosofistas satildeo considerados inferiores em sabedoria aos bracircmanes (VA VI 6 11 16)
Como afirma Parker (2008 p 264) as viagens trazem sabedoria em particular
aquelas que rumam para uma antiga terra do leste Os bracircmanes por sua vez natildeo viajam mas
satildeo o motivo de viagem para alguns filoacutesofos como no caso de Apolocircnio Contudo Parker
alega (2008 p 254) que a VA foi a primeira obra a considerar a Iacutendia como referecircncia
maacutexima em sabedoria Ao dialogar com Iarcas Apolocircnio afirma considero que sua
sabedoria eacute mais profunda e muito mais divina do que a nossa e se eu natildeo acrescentar nada ao
meu estoque atual de conhecimento enquanto estou com vocecirc ao menos terei aprendido que
natildeo tenho nada mais para aprender (σοφώτερά τε ἡγοῦμαι τὰ ὑμέτερα καὶ πολλῷ θειότερα
εἰ δὲ μηδὲν πλέον ὧν οἶδα παρ᾽ ὑμῖν εὕροιμι μεμαθηκὼς ἂν εἴην καὶ τὸ μηκέτ᾽ ἔχειν ὅ τι
μάθοιμι VA III 16)
Temos assim segundo Elsner (1997 29-31) a construccedilatildeo da imagem dos bracircmanes
como a fonte maacutexima de sabedoria que Apolocircnio poderia alcanccedilar e o resultado dessa viagem
72
agrave Iacutendia eacute justamente o autoconhecimento e a plena maturidade filosoacutefica Essa viagem ao
leste entatildeo eacute apresentada como parte da trajetoacuteria que transformaraacute Apolocircnio em um θεῖος
ἀνήρ no Impeacuterio Romano Ao mesmo tempo essa viagem estabelece um paralelo entre
Apolocircnio Heacuteracles Dioniso e Alexandre nos quais o saacutebio finalmente supera o conquistador
ao adentrar no leste
Assim foi na Iacutendia a fronteira do mundo o lugar onde Apolocircnio atingiu o extremo da
sabedoria
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes
Como mencionado no primeiro capiacutetulo os milagres e as curas de Apolocircnio narrados
na VA satildeo ingredientes que formam a figura de um θεῖος ἀνήρ e compotildeem tambeacutem o
conteuacutedo maravilhoso da obra No terceiro livro enquanto Apolocircnio permanece na torre dos
bracircmanes ele e os saacutebios curam alguns enfermos que para laacute se dirigem
De acordo com Parker (2009 p 89) a literatura antiga valorizava de maneira especial
o conhecimento medicinal hindu Assim os meacutedicos indianos ao contraacuterio de seus
equivalentes gregos eram capazes de curar mordidas de cobras como narrado por Arriano de
Nicomeacutedia (VIII Ind 15 5-11) Segundo Arriano esses meacutedicos (ἰητροί) pertencem a um
subconjunto de filoacutesofos Estrabatildeo tambeacutem fala a respeito da medicina indiana citando Nearco
e Megaacutestenes como fonte (15 145 C706 e 15160 C713)
Na VA algumas das curas realizadas ora por Apolocircnio ora pelos bracircmanes satildeo i) o
exorcismo de um democircnio que possuiacutea um menino haacute dois anos (VA III 38) ii) a
recuperaccedilatildeo de um homem caccedilador de leotildees o qual havia deslocado o quadril por causa do
ataque de um leatildeo iii) o restabelecimento da visatildeo de um homem que teve os olhos
arrancados iv) a restauraccedilatildeo de um outro que tinha uma matildeo paralisada v) e o auxiacutelio ao
parto de uma mulher que jaacute havia sofrido aborto sete vezes (VA III 39)
Em dado momento Iarcas declara que de todos os dons que satildeo concedidos aos
homens o da cura eacute o mais importante (VA III 44) Ao mesmo tempo ele associa o dom da
cura com o da adivinhaccedilatildeo pois este uacuteltimo proporciona o descobrimento de novas curas
Pode-se por exemplo manipular o veneno de certos animais para o tratamento de doenccedilas
Para Iarcas sem uma sabedoria profeacutetica os homens natildeo se arriscariam a misturar venenos
criando medicamentos que salvam vidas Ainda segundo ele os filhos de Ascleacutepio jamais
teriam alcanccedilado esse ramo da ciecircncia se o proacuteprio Ascleacutepio natildeo fosse filho de Apolo Por
73
meio da consulta de oraacuteculos eles prepararam e adaptaram diferentes medicamentos para
diferentes doenccedilas Aleacutem disso teriam aprendido de Ascleacutepio quais ervas devem ser aplicadas
em hemorragias queimaduras e escoriaccedilotildees e quais liacutequidos devem ser administrados para
tratar os pacientes
Essa relaccedilatildeo entre a cura baseada nos ensinamentos de Ascleacutepio e no dom da
adivinhaccedilatildeo estaacute associada agrave sabedoria de Apolocircnio desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra
que Apolocircnio aos quatorze anos se mudou para Tarso a fim de ser educado por Eutidemo
que era um bom orador e originaacuterio da Feniacutecia Mais tarde se mudou para Egas onde existia
uma escola mais conceituada e um templo de Ascleacutepio no qual o deus aparecia para os
homens Foi tambeacutem nesta cidade que Apolocircnio aos dezesseis anos sentiu um impulso e
passou a se dedicar aos ensinamentos pitagoacutericos (VA I 7) A partir de entatildeo Apolocircnio
passou a seguir os preceitos de Pitaacutegoras e foi morar no templo de Ascleacutepio Com isso as
pessoas que moravam nas redondezas do templo passaram a admiraacute-lo e o proacuteprio deus
manifestou ao sacerdote do templo o seu contentamento por ter Apolocircnio como testemunha de
suas curas Consequentemente a reputaccedilatildeo de Apolocircnio aumentou ao ponto de os povos
vizinhos e ateacute mesmo os mais distantes irem ateacute laacute para vecirc-lo (VA I 8) e dele receber curas
(VA I 9-10)
74
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Podemos rastrear ao longo da VA vaacuterios indiacutecios que nos permitem ler a obra como
um instrumento sofisticado para defender os ideais da Segunda Sofiacutestica De acordo com a
leitura que fazemos do texto Filoacutestrato se apropria do personagem de tal forma que vemos
em Apolocircnio natildeo apenas um filoacutesofo pitagoacuterico um saacutebio um θεῖος ἀνήρ em busca da
sabedoria mas principalmente a figura de um difusor da cultura grega A impressatildeo que
temos eacute agrave grosso modo de que Apolocircnio seria a proacutepria Greacutecia personificada
Como menciona Swain (2009 p 34) Filoacutestrato estava ciente da mudanccedila de seu
mundo Uma de suas reaccedilotildees foi arquitetar um modelo idealizado da cultura helecircnica e
apresentaacute-lo como se esta cultura fosse a natural de seus companheiros de elite Sobre isso
Horster (2014 p 11) afirma que para muitas pessoas a educaccedilatildeo seria a maneira mais
importante de se chegar agrave essecircncia da cultura e da religiatildeo grega Nesse sentido somente a
elite intelectual poderia se envolver com ela Partindo desse ideal Filoacutestrato e outros
escritores da Segunda Sofiacutestica agiam no Impeacuterio Romano
Dentro desse contexto a liacutengua foi um veiacuteculo influente Abraham (2009 p 38)
reforccedila que esta eacute uma das caracteriacutesticas da Segunda Sofiacutestica pois autores e oradores
expressavam sua identidade grega simulando a dicccedilatildeo o estilo e o vocabulaacuterio do aacutetico do
seacuteculo V aC O aticismo prevaleceu de tal forma que lexicoacutegrafos comeccedilaram a catalogar o
grego ldquocorretordquo e o ldquoincorretordquo como fez Frinico Arabio que compocircs a Praeparatio
Sophistica um leacutexico no qual categorizava o uso ldquocorretordquo do aacutetico e menosprezava todos os
outros dialetos Em uacuteltima instacircncia o aticismo foi uma simulaccedilatildeo que permitia a algueacutem
reivindicar uma identidade grega Eacute significativo que Filoacutestrato para exaltar as qualificaccedilotildees
heleniacutesticas de Apolocircnio enfatiza que ele falava perfeitamente o aacutetico sem se deixar afetar
pelo sotaque da sua regiatildeo (VA I 7) Aleacutem da performance linguiacutestica exemplar de Apolocircnio
tambeacutem eacute digno de nota que as pessoas mais influentes da Iacutendia falavam habilmente o grego
como o rei Fraotes e os bracircmanes
Nesse sentido de retomada e afirmaccedilatildeo de uma identidade grega a noccedilatildeo de baacuterbaro
retorna agrave eacutepoca claacutessica A separaccedilatildeo entre a etnia e a cultura de fato teve iniacutecio no mundo
heleniacutestico e continuou em Roma A etnicidade permaneceu importante na imaginaccedilatildeo e teve
certamente consequecircncias poliacuteticas e sociais Dentro desse contexto eacute compreensiacutevel que os
autores da Segunda Sofiacutestica tenham tentado estabelecer um estereoacutetipo do ldquogrego purordquo
(SWAIN 2009 p 35)
75
Dadas essas circunstacircncias Abraham (2014 p 476) entende que a corrupccedilatildeo da
identidade grega apresentada por Filoacutestrato sugere uma criacutetica da cultura grega sob o Impeacuterio
Romano Nas palavras de Iarcas (VA III 19) os gregos deveriam se culpar pela degradaccedilatildeo
de sua identidade jaacute que usam o Aquiles homeacuterico (bem como outros heroacuteis similares) como
um modelo de masculinidade que os levou a venerar o imperialismo de uma forma geral
Swain (2009 p 36- 37) sugere que por meio da VA Filoacutestrato idealiza e propotildee um
modelo que intencionaria uma reforma religiosa e moral baseadas nos preceitos da cultura
grega ao enfatizar os feitos de um θεῖος ἀνήρ e de um filoacutesofo-pitagoacuterico exemplar A cultura
helecircnica eacute tida como superior por um lado sob a perspectiva da saacutebia filosofia helecircnica e por
outro decadente se tomarmos como exemplo outros gregos contemporacircneos de Apolocircnio
Swain ainda considera que as reformas propostas por Filoacutestrato na figura de Apolocircnio
dialogariam diretamente com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato e natildeo da de Apolocircnio
Por isso natildeo eacute de forma involuntaacuteria que
Se Apolocircnio compreende todas as liacutenguas sem as ter aprendido o grego eacute
entretanto a liacutengua que tem mais afinidades com a sabedoria Todos os
interlocutores de qualidade com quem Apolocircnio conversa falam grego comeccedilando
por Iarcas o mais saacutebio dos bracircmanes hindus acolhe-o em grego [] Trata-se de
uma forma de dizer que o grego eacute a liacutengua da filosofia (HARTOG 2004 p 227
228 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Com isso entendemos que na eacutepoca de Filoacutestrato mas principalmente segundo a
oacutetica do autor baacuterbaro jaacute natildeo eacute aquele de quem natildeo se entende a liacutengua tendo em vista a
multiplicidade de liacutenguas faladas no impeacuterio mas eacute baacuterbaro aquele que natildeo tenha
incorporadas em si a filosofia e a erudiccedilatildeo grega claacutessica Tanto eacute que o autor usa como palco
central a Iacutendia um lugar-comum da literatura grega como uma regiatildeo selvagem e incivilizada
Na VA a Iacutendia se torna o local onde a sabedoria a filosofia os conhecimentos de liacutengua e
literatura em suma os valores resgatados pela Segunda Sofiacutestica se conservam intactos e
incorrompidos A Iacutendia seria a projeccedilatildeo de uma Greacutecia unificada e idealizada onde Apolocircnio
alcanccedila o niacutevel maacuteximo de sabedoria junto aos bracircmanes Mas a sabedoria aprendida com os
saacutebios eacute a proacutepria sabedoria grega embasada nos preceitos pitagoacutericos Em uacuteltima instacircncia
Filoacutestrato apresenta a cultura grega como superior agrave cultura de outros povos
A Iacutendia natildeo conserva apenas esses valores mas simula a Greacutecia mais exatamente
Atenas devido agrave comparaccedilatildeo topograacutefica expliacutecita feita entre a torre dos bracircmanes e a
Acroacutepole (VA III 13) Aleacutem disso Filoacutestrato tambeacutem projeta na Iacutendia a figura de um
76
governante idealizado personificado em Fraotes Fraotes eacute um rei ideal porque teve junto aos
bracircmanes a formaccedilatildeo grega e portanto essa erudiccedilatildeo norteia suas accedilotildees A Iacutendia eacute entatildeo
como afirma Abraham (2009 p 11) o lugar onde a identidade grega existe em sua forma pura
e inalterada pela avidez imperialista
Parker (2008 p 259) reforccedila que a paideia como um ideal comum e conector das
elites locais foi divulgada mais intensamente por esses filoacutesofos no leste do Impeacuterio Romano
Pode-se dizer que promoveu a criaccedilatildeo de uma comunidade imaginada de homens eruditos
com base em uma visatildeo seletiva da histoacuteria Nesse mundo divergente os filoacutesofos gregos
tornaram-se siacutembolos de uma cultura comum entre os aristocratas em uma ampla aacuterea
geograacutefica Eacute nesse contexto que segundo o autor devemos ponderar com base na VA como
e por que os saacutebios indianos capturaram a imaginaccedilatildeo greco-romana
Em particular a figura dos bracircmanes oferece a oportunidade de construir um ideal ao
mesmo tempo improvaacutevel e desejaacutevel que era o da sabedoria sem a paideia (PARKER 2008
p 304-305) Poreacutem na VA Filoacutestrato se apropria e faz outro uso da figura dos bracircmanes eles
representam o apogeu o limite maacuteximo da sabedoria justamente porque sua sabedoria e seus
ritos dialogam com o modelo claacutessico ateniense
Abraham (2014 p 472-473) infere que Paraca eacute mais uma realizaccedilatildeo da frequente
citaccedilatildeo de Apolocircnio de que ldquopara o homem saacutebio a Greacutecia estaacute em todos os lugares e ele natildeo
considera nem acredita que algum lugar seja deserto ou baacuterbaro se ele estiver vivendo sob a
visatildeo da virtuderdquo (σοφῷ ἀνδρὶ Ἑλλὰς πάντα καὶ οὐδὲν ἔρημον ἢ βάρβαρον χωρίον οὔτε
ἡγήσεται ὁ σοφὸς οὔτε νομιεῖ ζῶν γε ὑπὸ τοῖς τῆς ἀρετῆς ὀφθαλμοῖς ndash VA I 34) Logo
independentemente de onde estiver o homem saacutebio eacute sempre um homem saacutebio na medida em
que ele a todo momento se comporta como um Essa consistecircncia de caraacuteter tem um efeito
transformador em sua localizaccedilatildeo permitindo que ele encontre a Greacutecia em todos os lugares
Em essecircncia estar na Greacutecia equivale a ter autoconhecimento e viver esse
autoconhecimento A realizaccedilatildeo da Greacutecia na Iacutendia assim explicada pela correlaccedilatildeo entre
autoconhecimento e helenismo Iarcas abrindo-se as indaganootildees de Apolocircnio afirma
ldquopergunte o que vocecirc quiser pois vocecirc se encontra entre um povo que sabe tudordquo (VA III
18) Apolocircnio entatildeo pergunta se os bracircmanes conhecem a si proacuteprios pois os gregos
consideram difiacutecil afirmar que se autoconhecem Iarcas curiosamente responde sabemos
todas as coisas uma vez que primeiro nos conhecemos (πάντα γιγνώσκομεν ἐπειδὴ πρώτους
ἑαυτοὺς γιγνώσκομεν - VA III 18) O autoconhecimento continua o autor considerado uma
coisa difiacutecil de se adquirir no pensamento grego se torna o ponto de partida da filosofia dos
bracircmanes
77
Finalmente natildeo podemos deixar de ter em mente que escrever eacute um ato poliacutetico Sem
desconsiderar o deleite que uma leitura pode proporcionar uma de nossas surpresas foi
perceber como a VA foi um instrumento poliacutetico Sob o domiacutenio imperial Romano o escritor
grego Flaacutevio Filoacutestrato viveu entre os seacuteculos II e III durante o governo da dinastia dos
Severos (193-225) De forma simplificada entendemos o Impeacuterio Romano como um difusor e
infusor de identidades e culturas e esse foi um periacuteodo de questionamentos para Filoacutestrato e
para os outros escritores da Segunda Sofiacutestica Pertencente agrave elite aleacutem de escritor Filoacutestrato
exerceu uma carreira poliacutetica na Greacutecia e manteve bom relacionamento com os Severos o que
lhe permitiu ter um contato mais proacuteximo com o cenaacuterio poliacutetico imperial em que viveu
Aleacutem de acompanhar o imperador Septiacutemio Severo em viagens Filoacutestrato tambeacutem
interagiu intelectualmente com a imperatriz Juacutelia Domna De acordo com Filoacutestrato foi a
pedido dela que ele escreveu a biografia de Apolocircnio Ao compor a VA o autor se apropriou
da figura de Apolocircnio e personificou nele o modelo idealizado de um homem saacutebio o qual
usou para criticar os governantes do Impeacuterio Romano Poreacutem suas criacuteticas dialogam natildeo
apenas com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato ou de Apolocircnio elas denotam
principalmente a aspiraccedilatildeo do autor de restaurar e afirmar a identidade e a cultura grega
claacutessica atribuindo-lhes o status de fonte da sabedoria e da cultura do ocidente
78
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8
narrados por Filoacutestrato Ao arrolar estas passagens cotejamos com trechos das Histoacuterias e dos
Indikaacute No terceiro capiacutetulo ao estudar sobre o contato que Apolocircnio teve com os bracircmanes
seus ritos e suas discussotildees percebemos como essa obra contribuiu para a formaccedilatildeo de um
modelo idealizado de uma cultura grega claacutessica unificada
Dessa forma sob a oacutetica de um escritor tardio que escreveu quase seiscentos anos
depois de Heroacutedoto e de Cteacutesias ainda lemos a Iacutendia ainda como uma terra maravilhosa
9
CAPIacuteTULO I
FILOacuteSTRATO APOLOcircNIO DE TIANA E A IacuteNDIA
De acordo com o Suda (leacutexico medieval bizantino que cataloga escritores e obras da
Antiguidade) existem trecircs escritores catalogados com o nome de Filoacutestrato no final do seacuteculo
II e iniacutecio do seacuteculo III (SILVA 2014a p 31) Destes trataremos de Flaacutevio Filoacutestrato
chamado de ldquoo Segundordquo filho de Filoacutestrato Vero Sabe-se que sua famiacutelia habitava a ilha de
Lemnos territoacuterio ateniense e que ele nasceu por volta de 170 (BOWIE 2009 p19)
Filho de uma famiacutelia abastada pertencente agrave ordem senatorial Filoacutestrato teve uma
educaccedilatildeo voltada aos interesses dessa camada social Foi um destacado sofista tanto em
Atenas quanto em Roma e viveu no Impeacuterio Romano durante o governo da dinastia dos
Severos (193 ndash 225) com a qual teve boas relaccedilotildees e a qual acompanhou em viagens (SILVA
2013a p 2) Ele tambeacutem teria sido membro do ciacuterculo social de Juacutelia Domna esposa do
imperador Septiacutemio Severo como nos informa o proacuteprio autor em um trecho de sua obra Vida
de Apolocircnio de Tiana
μετέχοντι δέ μοι τοῦ περὶ αὐτὴν κύκλου mdash καὶ γὰρ τοὺς ῥητορικοὺς πάντας λόγους
ἐπῄνει καὶ ἠσπάζετο mdash μεταγράψαι τε προσέταξε τὰς διατριβὰς ταύτας καὶ τῆς
ἀπαγγελίας αὐτῶν ἐπιμεληθῆναι τῷ γὰρ Νινίῳ σαφῶς μέν οὐ μὴν δεξιῶς γε
ἀπηγγέλλετο (VA I 3)
Quanto a mim que fazia parte do seu ciacuterculo (jaacute que ela elogiava e apreciava todos
os discursos retoacutericos) me incubiu ela de redigir estes ensaios e me ocupar da sua
publicaccedilatildeo pois [Dacircmis] o de Nino fez sua narrativa de forma clara mas natildeo
praacutetica2
Natildeo se sabe ao certo o que seria esse ciacuterculo social (κύκλου) nem se ele realmente
existiu Cogita-se a hipoacutetese de ter sido um grupo literaacuterio composto por alguns artistas e
escritores para discutir questotildees literaacuterias e filosoacuteficas ou um grupo seleto de intelectuais
2 A traduccedilatildeo para o portuguecircs desta passagem assim como a de outras que apareceratildeo ao longo deste trabalho eacute
de nossa autoria
10
formado por meacutedicos poetas escritores filoacutesofos juristas historiadores e membros do
ciacuterculo imperial (SILVA 2014a p 49) 3
Aleacutem desse contato com a imperatriz Filoacutestrato tambeacutem exerceu cargos poliacuteticos De
acordo com indicaccedilotildees epigraacuteficas o autor foi general hoplita4 em Atenas provavelmente nos
anos 200 e 210 e representante do governo de sua cidade (BOWIE 2009 p19-20) Ademais
acredita-se que a estaacutetua que haacute em Oliacutempia eacute dedicada a Flaacutevio Filoacutestrato na qual lecirc-se a
seguinte inscriccedilatildeo ldquoAgrave Boa Fortuna segundo a decisatildeo do Conselho Oliacutempico o sofista
Flaacutevio Filoacutestrato de Atenas sofista a mais ilustre paacutetria elevou a estaacutetuardquo (SILVA 2014a p
33) Segundo Martiacutenez (2006 p 456 apud Silva 2014a p33) os sofistas eram usualmente
homenageados com estaacutetuas nas cidades gregas pois essa era uma forma de reconhecer seus
encargos puacuteblicos e poliacuteticos
Filoacutestrato escreveu algumas obras e atualmente satildeo reconhecidas como sendo de sua
autoria Vida de Apolocircnio de Tiana (a maior fonte de informaccedilotildees que temos sobre Apolocircnio)
Vida dos Sofistas Heroicos Imagens Cartas Ginaacutestico Nero e um discurso retoacuterico
conhecido como Diaacutelexis 2 (ELSNER 2009 p 4) Apesar de natildeo haver consenso entre os
pesquisadores sobre a autoria de todas essas obras considera-se que Vida de Apolocircnio de
Tiana (VA) e Vida dos Sofistas (VS) tenham sido escritas por Flaacutevio Filoacutestrato haja vista que
VA eacute citada em sua obra posterior VS (SILVA 2014 p 59) Estas satildeo as duas obras mais
conhecidas de Filoacutestrato sendo que VS eacute uma seacuterie de sessenta biografias de sofistas ceacutelebres
do Impeacuterio Romano dividida em dois livros e a VA eacute uma biografia sobre o saacutebio Apolocircnio
de Tiana composta por dois volumes tendo cada um deles oito livros
11 Apontamentos sobre a Vida de Apolocircnio de Tiana
Feita sob encomenda da imperatriz Juacutelia Domna Filoacutestrato escreveu as memoacuterias de
Apolocircnio um saacutebio da cidade de Tiana pertencente agrave regiatildeo da Capadoacutecia (VA I 3) que
teria vivido cerca de um seacuteculo antes durante o reinado de Domiciano (81 ndash 96) Foi
publicada provavelmente depois da morte da imperatriz em 217 (FRANCIS 1998 p 420)
A obra descreve o nascimento de Apolocircnio e sua juventude devotada agrave aprendizagem
dos princiacutepios pitagoacutericos e do autoconhecimento Posteriormente ele empreende uma seacuterie
de viagens passando por vaacuterias regiotildees com o objetivo principal de chegar agrave Iacutendia e de se
3 Para uma discussatildeo detalhada sobre esse assunto cf Silva 2014a p 49 - 52
4 Nesse periacuteodo essa magistratura se encarregava especialmente de assegurar o abastecimento alimentiacutecio da
cidade
11
encontrar com os bracircmanes hindus em busca do conhecimento filosoacutefico (VA I 18 32 II
11 III 16 29 IV 47) Durante o percurso satildeo narradas as impressotildees reflexotildees o diaacutelogo
de Apolocircnio com cidadatildeos e reis suas intervenccedilotildees poliacuteticas as curas e os milagres feitos por
ele Francis (1998 p 420) sintetiza a obra afirmando que Apolocircnio ldquoviaja pelo mundo
mediterracircneo discursando sobre a verdadeira filosofia e religiatildeo pregando ideais culturais
gregos profetizando e realizando milagresrdquo e ldquoquando retorna da Iacutendia Apolocircnio eacute
aclamado pelo mundo cultural grego e se envolve ativamente nos negoacutecios das cidades da
Aacutesia Menor e da Greacutecia (IV 2-33)rdquo
Nesse sentido a VA eacute uma biografia embora seja considerada demasiadamente longa
sendo uma das biografias mais extensas que sobreviveram da Antiguidade com conteuacutedos
demasiadamente variados (KEMEZIS 2014 p 62) O proacuteprio autor usa a palavra βίος em VA
(V 39) 5 talvez para caracterizar sua obra talvez com a intenccedilatildeo de transformar Apolocircnio em
um modelo de homem a ser seguido por seu valor moral ou ainda para dar credibilidade agrave
obra (SILVA 2014a p 86) Com base na historiografia do periacuteodo claacutessico e desenvolvido
no periacuteodo heleniacutestico esse gecircnero literaacuterio teve como uma de suas caracteriacutesticas principais
biografar pessoas que serviriam de exemplo para a comunidade (SILVA 2012 p 2)
Martiacutenez e Dosse tambeacutem discutem essa relaccedilatildeo entre biografia e vidas exemplares na
Antiguidade O primeiro afirma que a biografia serve para veicular as ideias sobre o
comportamento moral individual tornando-se com isso um instrumento de ideologia poliacutetica
(MARTIacuteNEZ 2004 p 48) O segundo enuncia que nessa eacutepoca o discurso das virtudes foi
incorporado agrave biografia e consequentemente estabeleceram-se modelos moralizantes (2009
p 123 apud Carvalho 2011 p 131) Esses modelos entatildeo formaram uma tradiccedilatildeo na
Antiguidade a tradiccedilatildeo dos valores heroicos e apoacutes a cristianizaccedilatildeo a dos valores religiosos
sendo ambos embasados em vidas exemplares (CARVALHO 2011 p 131)
Contudo o gecircnero literaacuterio da VA ainda eacute bastante debatido De uma forma geral os
comentadores classificam a obra em um determinado gecircnero literaacuterio mas afirmam que o
texto tem caracteriacutesticas muito evidentes de outros gecircneros Os estudiosos que consideram
esse texto como biografia satildeo Zeitlin (2001) Abraham (2009) Elsner (2009) e Silva (2014)
Bowie (2009) por outro lado o tem como romance Jaacute Pajares em sua introduccedilatildeo da traduccedilatildeo
da VA para a Editorial Gredos (1992) afirma que esse texto tem predominantemente
caracteriacutesticas biograacuteficas mas com influecircncia da paradoxografia (obras dedicadas agrave
5 ldquoQuanto a mim vou afastar desse homem jaacute que natildeo foi minha intenccedilatildeo difamaacute-lo mas possibilitar o relato da
vida de Apolocircnio a quem ainda natildeo a conhecerdquo (VA V 39) Texto grego ἐμοὶ δὲ ἀφεκτέα τοῦ ἀνδρός οὐ γὰρ
ἐκεῖνον διαβαλεῖν προὐθέμην ἀλλὰ παραδοῦναι τὸν Ἀπολλωνίου βίον τοῖς μήπω εἰδόσι
12
exploraccedilatildeo de maravilhas ou coleccedilotildees de mirabilia)6 do romance e da aretologia Para
Uytfanghe (2009) a VA eacute uma hagiografia (relatos ou biografias de homens santos) enquanto
que para Cornelli (2001) trata-se de uma aretologia Por fim Holzberg (1996) e Flinterman
(2009) a classificam como biografia ficcional ao passo que Francis (1998) a considera um
gecircnero formado com todas essas caracteriacutesticas
Para compor a VA Filoacutestrato afirma ter usado como fontes i) informaccedilotildees coletadas
em cidades nas quais Apolocircnio era adorado e em templos restaurados por ele ii) cartas
escritas pelo proacuteprio Apolocircnio nas quais discorria a respeitos dos deuses dos costumes dos
princiacutepios morais das leis aleacutem de comentar sobre as falhas humanas (VA I 2) iii) relatos
deixados por pessoas com quem ele teve contato como reis sofistas filoacutesofos e homens
gregos indianos e egiacutepcios iv) um livro de memoacuterias de Dacircmis disciacutepulo de Apolocircnio v) e
um livro de Maacuteximo de Egas no qual o autor registra a passagem de Apolocircnio por essa
cidade Aleacutem destas fontes Filoacutestrato diz ainda ter consultado um livro escrito por
Moeragenes Contudo Filoacutestrato afirma ter rejeitado essa fonte pelo fato de o autor ser
ignorante de vaacuterios aspectos da vida de Apolocircnio (VA I 3)
12 Quem era Apolocircnio de Tiana
Apolocircnio de Tiana nasceu na Capadoacutecia em meados de 40 iniacutecio da era cristatilde Teria
sido um saacutebio itinerante e filoacutesofo neopitagoacuterico Enquanto esteve vivo natildeo se tornou muito
famoso salvo no norte da Siacuteria e na Aacutesia Menor onde era conhecido como um mago
beneficente e um curador Na biografia feita por Filoacutestrato Apolocircnio eacute universalmente
aclamado influente e ateacute mesmo um homem semidivino que teria feito muitos milagres
profecias e exorcizado democircnios Quando morreu seu corpo e sua alma teriam ascendido ao
ceacuteu (YSSELT 1994 p 351)
De acordo com Flinterman (2009 p 157 ndash 158) Apolocircnio teria direcionado sua vida
segundo os preceitos definidos por Pitaacutegoras Esses preceitos eram basicamente a renuacutencia
ao uso de produtos de origem animal da vestimenta agrave alimentaccedilatildeo e a rejeiccedilatildeo dos sacrifiacutecios
de animais Fazia parte tambeacutem desse estilo de vida asceacutetico a praacutetica do silecircncio entre seus
seguidores
6 De acordo com Nichols (2011 p 30) a partir do seacutec III aC no periacuteodo heleniacutestico a paradoxografia jaacute
aparece como um gecircnero literaacuterio bem desenvolvido
13
Seguindo os passos de Pitaacutegoras aos dezesseis anos Apolocircnio decide aderir a esse
estilo de vida (VA I 7) Desse modo primeiramente Apolocircnio renunciou ao consumo de
carne com o argumento de que esta era impura e deixava a mente impolida passando a seguir
uma dieta agrave base de frutas secas e vegetais Abdicou tambeacutem da ingestatildeo do vinho pois
apesar de ser uma bebida pura desequilibrava a mente (VA I 8)7 Depois de desintoxicar seu
corpo Apolocircnio parou de usar qualquer produto de origem animal como sapatos e soacute usava
vestes de linho (VA I 8)8 Aleacutem disso deixou crescer seu cabelo (VA I 8) e sua barba Sobre
isso Flinterman (2009 p 159) destaca que no iniacutecio do periacuteodo imperial o cabelo comprido
era considerado uma caracteriacutestica distintiva dos filoacutesofos pitagoacutericos Todavia Apolocircnio
privou-se tambeacutem da vida conjugal e do sexo mantendo o celibato Nesse caso contudo o
celibato foi uma medida tomada aleacutem dos preceitos do pitagorismo pois Filoacutestrato menciona
que Pitaacutegoras era renomado por defender a monogamia (VA I 13)
9 Ademais ele natildeo
participava e era contra sacrifiacutecios de sangue tanto em ritos religiosos quanto em espetaacuteculos
de gladiadores (VA I 10 31 IV 22 V 25) Por fim fez voto de silecircncio durante cinco anos
(VA I 14 - 15)
Assim segundo Filoacutestrato o modo de vida de Apolocircnio propiciaria um conhecimento
privilegiado do mundo e uma comunicaccedilatildeo com a esfera divina Nesse sentido o diaacutelogo com
o rei parto Vardanes eacute ilustrativo Nele Apolocircnio diz que Pitaacutegoras o ensinou a venerar os
deuses e a estar atento a eles independentemente se eles eram visiacuteveis ou natildeo e a estar
frequentemente em diaacutelogo com eles bem como se vestir com o linho produto natildeo de origem
animal mas da terra e da aacutegua Tambeacutem faziam parte desse aprendizado manter o cabelo
longo como disciplina se manter puro ao natildeo consumir carne e natildeo acompanhar algueacutem no
consumo de bebidas alcooacutelicas assim como natildeo viver uma vida ociosa ou luxuosa mas
auxiliar as pessoas que tecircm problemas de conduta (VA I 32)
7 Como descrito na proacutepria obra para Apolocircnio o vinho ldquoera uma bebida pura por vir aos homens de uma planta
tatildeo bem cultivada mas era contraacuterio agrave formaccedilatildeo da mente por escurecer o eacuteter que havia na almardquo (VA I 8)
Texto grego καὶ τὸν οἶνον καθαρὸν μὲν ἔφασκεν εἶναι πῶμα ἐκ φυτοῦ οὕτως ἡμέρου τοῖς ἀνθρώποις ἥκοντα
ἐναντιοῦσθαι δὲ τῇ τοῦ νοῦ συστάσει διαθολοῦντα τὸν ἐν τῇ ψυχῇ αἰθέρα 8 Essa caracteriacutestica eacute bem marcada no momento em que o rei indiano Fraotes lhe daacute vaacuterios presentes e Apolocircnio
aceita apenas as vestes de linho como consta no trecho que segue ldquoO hindu lhe deu ouro pedras preciosas
vestidos de linho e milhares de coisas Apolocircnio disse que tinha ouro o suficiente pois Vardanes tinha dado a
ele escondido dele ao guia mas que aceitaria os vestidos de linho porque se assemelhavam ao manto filosoacutefico
dos antigos e eram mesmo aacuteticosrdquo (VA II 40) Texto grego καὶ χρυσίον δὲ ἐδίδου ὁ Ἰνδὸς καὶ ψήφους καὶ
ὀθόνας καὶ μυρία τοιαῦτα ὁ δὲ Ἀπολλώνιος lsquoχρυσίον μὲνrsquo ἔφη lsquoἱκανὸν ἑαυτῷ εἶναι δόντος γε Οὐαρδάνου τῷ
ἡγεμόνι ἀφανῶς αὐτό τὰς δὲ ὀθόνας λαμβάνειν ἐπειδὴ ἐοίκασι τρίβωνι τῶν ἀρχαίων τε καὶ πάνυ Ἀττικῶν 9 Sobre esse assunto cf tambeacutem Flinterman 2009 p 161
14
121 Apolocircnio do homem divino ao charlatatildeo
Em VA Apolocircnio eacute afamado por seu estilo de vida asceacutetico bem como por fazer
milagres Dadas essas caracteriacutesticas em alguns momentos da narrativa Apolocircnio eacute chamado
de θεῖος ἀνήρ (homem divino) Justi (2012 p 15) nos informa que o principal elemento
associado ao termo eacute que o homem divino possui caracteriacutesticas excepcionais expressas por
meio do poder miraculoso e da sabedoria extraordinaacuteria Um homem assim identificado era
geralmente itinerante e tido por seus seguidores como um salvador divino graccedilas aos seus
poderes prodigiosos
Alguns dos milagres realizados por Apolocircnio foram i) salvar a cidade de Eacutefeso de
uma praga (IV 10) ii) exorcizar democircnios (IV 20) iii) curar um jovem rapaz em Tarso que
fora mordido por um catildeo raivoso (VI 43) iv) prever a morte do imperador Domiciano (VIII
26)
FIGURA 1 - Apolocircnio curando um jovem ateniense possuiacutedo (VA IV 20) (imagem superior) Apolocircnio
ressuscita uma garota morta em Roma (VA IV 45) (imagem inferior) Desenho de Johannes Stradanus (Bruges
I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings vol 32
n 04 1994 p 353
15
Ademais ele eacute reconhecido como divino em diversas passagens do texto10
Em uma
delas o rei indiano Fraotes escreve uma carta ao bracircmane Iarcas o saacutebio hindu mais antigo
aconselhando-o a dar igualdade de tratamento a Apolocircnio
ἐπιστελῶ δὲ καὶ Ἰάρχᾳ τῷ πρεσβυτάτῳ τῶν σοφῶν ἵν᾽ Ἀπολλώνιον μὲν ὡς μηδὲν
κακίω ἑαυτοῦ δέξηται ὑμᾶς δὲ ὡς φιλοσόφους τε καὶ ὀπαδοὺς ἀνδρὸς θείουrsquo (VA
II 40)
[Fala de Fraotes] ldquoe escreverei tambeacutem a Iarca o mais velho dos saacutebios para que
receba Apolocircnio em nada pior do que eu proacuteprio e a noacutes como filoacutesofos e
seguidores um homem divinordquo
Ainda conforme Justi (2012 p 15) um nascimento maravilhoso uma carreira
marcada pelo dom da linguagem persuasiva e dominadora a capacidade de fazer milagres
(incluindo curas e adivinhaccedilotildees) e uma morte de alguma maneira extraordinaacuteria caracterizam
o termo θεῖος ἀνήρ11
Com exceccedilatildeo da morte natildeo descrita na VA todos os atributos acima
condizem com a vida de Apolocircnio Filoacutestrato no primeiro livro narra o nascimento de
Apolocircnio como um momento envolto em pressaacutegios (VA I 5) Haacute por exemplo a menccedilatildeo de
que ele seria a encarnaccedilatildeo do deus Proteu uma vez que esse deus teria aparecido agrave sua matildee
enquanto estava graacutevida predizendo o acontecimento o que confirmaria a sabedoria divina de
Apolocircnio (VA I 4) Aleacutem disso a apariccedilatildeo de um bando de cisnes momentos antes do seu
nascimento e a queda de um raio no instante do parto estariam associadas ao seu
favorecimento divino12
A imagem de Stradanus traduz bem essa cena
10
Como por exemploVA I 2 21 II 17 40 III 28 VII 38 VIII 13 23 11
Alguns autores vide Horsley (2013) Kemezis (2014) e Koskenniemi (2016) se opotildeem a essa concepccedilatildeo 12
O estudo de Miles (2016) trata sobre a relaccedilatildeo que haacute entre o aparecimento dos cisnes e os pressaacutegios ligados a
eles no momento do nascimento de Apolocircnio
16
FIGURA 2 - O nascimento de Apolocircnio de Tiana na Capadoacutecia (VA I 4-5) (imagem superior) e Apolocircnio de
Tiana admirando os relevos do templo em Taxila na Iacutendia (VA II 20) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Poreacutem foram os milagres que elevaram a fama de Apolocircnio Em virtude disso
Domiciano tentou descaracterizar o aspecto divino desses feitos Para tal o imperador o
processou afirmando que Apolocircnio conspirara contra ele (VA VII 20) No julgamento
Apolocircnio foi chamado de γόης que neste contexto tinha uma denominaccedilatildeo pejorativa13
pois
13
No entando γόης nem sempre teve uma denotaccedilatildeo pejorativa De acordo com Lloyd (1979 p 10 - 15) o
primeiro registro que temos de uma obra que aplicou o termo γόης de forma depreciativa eacute datada entre o final
do seacuteculo V e iniacutecio do seacuteculo IV aC Natildeo apenas esse termo mas qualquer pretensatildeo de poder manipular
forccedilosamente o divino ou o sobrenaturalparece ter entrado em conflito com uma visatildeo mais racionalista da
religiatildeo Segundo o autor eacute ainda nos meados do seacuteculo V aC que temos evidecircncias de relatos racionalistas da
origem da religiatildeo e temos informaccedilotildees que relatam a rejeiccedilatildeo e a refutaccedilatildeo de algumas noccedilotildees maacutegicas como
no tratado hipocraacutetico Sobre a Doenccedila Sagrada (Περὶ ἱερῆς νοuacuteσου)
17
significava ser feiticeiro mago charlatatildeo impostor 14
Na sequecircncia ele foi processado por
i) ter sido adorado por algumas pessoas ii) ter predito a fome em Eacutefeso iii) ter proferido
algumas palavras em detrimento de Domiciano iv) ter visitado o entatildeo senador Nerva e ter
feito o sacrifiacutecio de um menino aacutercade em benefiacutecio deste v) e pelo modo de viver e de
vestir-se (VA VII 20) De todas a penuacuteltima acusaccedilatildeo era a mais grave (VII 20) Apoacutes o
testemunho de duas pessoas a favor de Apolocircnio ele proacuteprio se defendeu da seguinte forma
παρ᾽ ὅσον μὲν τοίνυν τῆς ἀληθείας ἡ γραφὴ ξυνετέθη δηλοῖ σαφῶς ἡ μαρτυρία τῶν
ἀνδρῶν οὐ γὰρ ἐν προαστείοις ἀλλ᾽ ἐν ἄστει οὐκ ἔξω τείχους ἀλλ᾽ ἐπ᾽ οἰκίας
οὐδὲ παρὰ Νερούᾳ παρὰ Φιλίσκῳ δέ οὐδὲ ἀποσφάττων ἀλλ᾽ ὑπὲρ ψυχῆς
εὐχόμενος οὐδ᾽ ὑπὲρ βασιλείας ἀλλ᾽ ὑπὲρ φιλοσοφίας οὐδ᾽ ἀντὶ σοῦ χειροτονῶν
νεώτερον ἀλλ᾽ ἄνδρα σώζων ἐμαυτῷ ὅμοιον (VA VIII 7)
Ateacute que ponto satildeo verdadeiras estas acusaccedilotildees mostra com clareza o testemunho
destes senhores pois eu natildeo estava na periferia mas na cidade natildeo estava fora das
muralhas mas em uma casa natildeo estava na casa de Nerva mas na de Filisco natildeo
estava decapitando mas clamando por uma vida natildeo em prol do reino mas da
filosofia natildeo votando contra ti e a favor de um mais jovem mas para salvar um
homem semelhante a mim
Diante desse contexto Silva (2016a p 126) acredita que o motivo da acusaccedilatildeo
tenha sido poliacutetico jaacute que o imperador possivelmente temia a influecircncia de Apolocircnio junto ao
povo Poreacutem ponderamos que o imperador temia o contato e a influecircncia de Apolocircnio junto agrave
corte ou aos ciacuterculos de poder
Por outro lado existe tambeacutem a possibilidade de que tanto a acusaccedilatildeo quanto a
defesa de Apolocircnio tenham sido inventadas por Filoacutestrato com o intuito de reverter a imagem
de Apolocircnio de γόης para θεῖος ἀνήρ (SILVA 2014 p 129) Dessa forma as praacuteticas com
natureza maacutegico-religiosa denunciadas por Domiciano seriam parte da sabedoria divina de
Apolocircnio (VA VIII 2 7) Isso faria dele um teurgo e segundo Silva (2013b p 3) a teurgia
era uma fusatildeo de rituais religiosos e especulaccedilotildees filosoacuteficas com uma base maacutegica De
acordo com Brandatildeo (1991 p 113)
a magia ligada agrave filosofia por um lado era considerada um conhecimento miacutestico
por outro lado era uma espeacutecie de conhecimento cientiacutefico o que fazia com que
fosse aceita por largas faixas das camadas mais eruditas do Impeacuterio Romano
14
Bailly 2000 p 443
18
Teriacuteamos assim a partir da VA o modelo de um homem saacutebio filoacutesofo e com
uma moral exemplar uma figura alvo de admiraccedilatildeo Aleacutem disso Apolocircnio carregaria consigo
os valores gregos para onde quer que fosse como veremos mais agrave frente
Por outro lado no contexto cristatildeo Apolocircnio de Tiana eacute uma figura muito
debatida Dentre as polecircmicas que o envolvem estaacute a comparaccedilatildeo dele com Jesus Cristo No
seacuteculo III Sosiano Hieacuterocles escreveu um tratado polecircmico contra Jesus no qual tentou usar a
imagem de θεῖος ἀνήρ representada por Apolocircnio como uma ferramenta contra o
cristianismo de seu tempo Embora esse tratado natildeo tenha sobrevivido eacute citado por Euseacutebio
de Cesareia que tentou veementemente proteger Jesus contra o ataque de Hieacuterocles em um
tratato intitulado Contra Hieacuterocles (SCHIRREN 2009 p 161- 162) De acordo com
Schirren (2009 p 162) o contraste que haacute entre essas duas figuras sob o ponto de vista
criacutetico-literaacuterio eacute que a vida de Jesus como narrada no Novo Testamento conta a histoacuteria do
filho de Deus sujeitando-se ao mal do mundo e superando o sofrimento humano sem
pronunciar uma palavra contra Pocircncio Pilatos que o condenou agrave morte Com isso Cristo se
torna o salvador do mundo Em contraste na VA Apolocircnio ergue-se contra os governantes
impiedosos do impeacuterio romano e mesmo depois de ter sido condenado agrave morte por sua
conduta ultrajante ainda tenta educar os tiranos para finalmente desaparecer quando lhe
parece apropriado15
Com isso a imagem de Apolocircnio de Tiana como descrita por Filoacutestrato teve
grande repercussatildeo nos primeiros seacuteculos do cristianismo E seacuteculos depois ainda
repercutia uma vez que inspirou o artista flamengo Johannes Stradanus (Bruges I523 -
Florenccedila 1605) a pintar uma seacuterie de pequenos quadros todos feitos agrave pena e tinta e
enumerados de um a dez De acordo com as legendas escritas na caligrafia do proacuteprio artista
os desenhos representam cenas da vida de Apolocircnio de Tiana e atualmente se encontram no
museu Cooper-Hewitt de Nova York (YSSELT 1994 p 351)
15
Outros autores que discutem esse tema satildeo Elsner (1997) Girard (1999) Koskenniemi (1998) Stratton (2003)
Jones (2006) e Silva (2014 segundo capiacutetulo)
19
13 Identidade grega no Impeacuterio Romano16
Eacute muito difiacutecil definir ou atribuir uma identidade grega ou romana em meio a um
impeacuterio vasto e multicultural No seacuteculo V aC Heroacutedoto (Hist VIII 144) registra uma
oposiccedilatildeo entre ldquonoacutesrdquo (gregos) e os ldquooutrosrdquo (baacuterbaros) Isso natildeo deixa de ser um conceito ou
um criteacuterio de identificaccedilatildeo do que eacute ser grego (hellenikoacuten) ter o ldquomesmo sangue mesma
liacutengua santuaacuterios e sacrifiacutecios comuns haacutebitos e costumes semelhantesrdquo
Mas o tempo e o contexto de Filoacutestrato (seacuteculos II ndash III) jaacute natildeo eram mais iguais aos
do seacuteculo de Heroacutedoto Grego originaacuterio de Lemnos Filoacutestrato viveu durante o Impeacuterio
Romano em meio agrave heterogeneidade e agrave diversidade cultural Nessa eacutepoca a questatildeo da
identidade romana (ou identidades) incluiacutea o processo de romanizaccedilatildeo (da Itaacutelia e em seguida
do Impeacuterio) de um lado e a questatildeo da resistecircncia cultural a ela de outro De acordo com
Mendes (2004 p 258)
O conceito de Romanizaccedilatildeo em aplicaccedilatildeo pressupotildee um processo de mudanccedila
socioeconocircmica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos
implicando em diferentes formas de interaccedilatildeo cultural Nesta perspectiva fica
impliacutecito o reconhecimento de um contiacutenuo desenvolvimento da cultura material
nativa aberta a processos interativos diferentes em eacutepocas distintas e em resposta agraves
escolhas e demandas locais Por outro lado a Romanizaccedilatildeo tambeacutem eacute entendida
como um processo dialeacutetico na medida em que veicula os elementos culturais
fundamentais da identidade cultural romana e seu ajustamento com alteridades
culturais dos povos dominados
A assimilaccedilatildeo cultural das populaccedilotildees que foram integradas a Roma durante a
expansatildeo da Repuacuteblica e do Impeacuterio foi ldquoum processo de mudanccedila relacionado com as ideias
de controle social e identidaderdquo (MENDES 1999 p 307)
A proacutepria Roma por outro lado passou por um processo de helenizaccedilatildeo seacuteculos
antes Historiadores consideram que houve uma primeira helenizaccedilatildeo com a captura de
Tarento por Faacutebio Maacuteximo em 272 aC Posteriormente teria havido uma segunda
16
A palavra latina identitas eacute uma criaccedilatildeo tardia do seacuteculo IV usada especialmente por teoacutelogos cristatildeos para
definir a Trindade De fato no mundo romano eacute preciso primeiro ser capaz de identificar um indiviacuteduo atraveacutes
da atribuiccedilatildeo de um nome e de um status ligado ao grupo jaacute o termo latino persona refere-se primeiro agrave maacutescara
usada pelos atores antes de designar a pessoa gramatical ou entidade Mas ao contraacuterio do que aconteceu no
Impeacuterio Romano a noccedilatildeo de identidade na Greacutecia Antiga natildeo se deu devido ao uso recorrente de palavras e ao
que se constata ateacute hoje tambeacutem natildeo haacute textos em que a noccedilatildeo proacutepria de identidade apareccedila nem um termo
especiacutefico que tenha essa designaccedilatildeo (BAROIN WORMS 2006 p 1-2)
20
helenizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos desse mesmo seacuteculo com a tomada de Siracusa por Marco
Claacuteudio Marcelo em 212 aC (BAROIN WORMS 2006 p 8)
Como resultado desse processo os romanos receberam influecircncias gregas na
religiatildeo nas artes e nas relaccedilotildees sociais A exemplo disso citemos as praacuteticas e locais de oacutecio
(otium) que eram essencialmente caracterizados como gregos e que foram totalmente
inseridos na cultura romana como o banquete a filosofia e o teatro Com isso entendemos a
questatildeo da identidade como sendo um movimento constante e plural e a fusatildeo de costumes e
de praacuteticas natildeo se constroacutei somente em oposiccedilatildeo ao outro mas tambeacutem com o outro
(BAROIN WORMS 2006 p 8 - 9)
Nesse contexto de fusatildeo e de difusatildeo de identidades Filoacutestrato resgata e valoriza a
cultura grega claacutessica por meio de suas principais obras VS e VA Na Vida dos Sofistas o
tema eacute desenvolvido dentro da perspectiva dos papeacuteis desempenhados pelos sofistas na
Segunda Sofiacutestica (Δευτέρα σοφιστική) De acordo com Whitmarsh (2001 p 272) a
Segunda Sofiacutestica foi um acontecimento em que vaacuterios sofistas e escritores helenizados que
viviam no Impeacuterio Romano afirmaram sua identidade grega em torno de sua proacutepria cultura
atraveacutes da literatura e da retoacuterica estabelecendo um novo posicionamento cultural17
De
acordo com Abraham (2014 p 478) atribui-se a autoria do termo Segunda Sofiacutestica a
Filoacutestrato pois ele teria aparecido pela primeira vez em VS de acordo com os documentos
mais antigos que chegaram ateacute a atualidade
Jaacute na Vida de Apolocircnio de Tiana Filoacutestrato se utiliza do personagem Apolocircnio
para destacar aspectos da cultura grega claacutessica Se para Heroacutedoto era considerado grego
quem era nascido em terras gregas falava grego e compartilhava de haacutebitos e costumes
similares na VA satildeo outros os aspectos enfatizados Aqui percebemos que possuir a cultura
grega do periacuteodo claacutessico atraveacutes do domiacutenio da liacutengua da literatura e da filosofia tem um
valor maior do que ter nascido na Greacutecia
Nesse sentido a palavra baacuterbaro cuja etimologia remete a ldquoestrangeiro que fala
de forma balbuciante e natildeo se entende o que dizrdquo adquire outra dimensatildeo No periacuteodo das
Guerras Meacutedicas (seacuteculo V aC) ldquobaacuterbarordquo tinha o sentido de ldquonatildeo gregordquo criando entatildeo a
oposiccedilatildeo entre ἕλλην e βάρβαρος18
Assim a liacutengua era a maior marca de distinccedilatildeo de quem
era grego ou natildeo Whitmarsh (2001 p 272) afirma que na Atenas dos seacuteculos V - IV aC o
17
Atualmente eacute comum a ideia de que os filoacutesofos e os sofistas desempenhavam os mesmos papeacuteis durante o
ldquorenascimento cultural gregordquo ocorrido nos trecircs primeiros seacuteculos aC advinda com a Segunda Sofiacutestica O
estudo de Sidebottom 2009 p 69 ndash 99 eacute indicado para tratar sobre esse assunto 18
Chantraine 1968 p 164 ndash 165
21
dialeto aacutetico era usado pela elite intelectual em oposiccedilatildeo ao demoacutetico falado pelo povo
sendo essa uma das maiores distinccedilotildees sociais Mesmo natildeo sendo ateniense Apolocircnio na VA
fala habilmente o aacutetico ldquoSua liacutengua era o aacutetico e isso natildeo mudava por causa do seu sotaque
dada a sua regiatildeo de origemrdquo (ᾗ γράμματα μνήμης τε ἰσχὺν ἐδήλου καὶ μελέτης κράτος καὶ ἡ
γλῶττα Ἀττικῶς εἶχεν οὐδ᾽ ἀπήχθη τὴν φωνὴν ὑπὸ τοῦ ἔθνους VA I 7)
Quando Apolocircnio conheceu seu companheiro de viagens e futuro disciacutepulo
Dacircmis este se dispocircs a guiaacute-lo e a ser seu tradutor Todavia como resposta Apolocircnio diz que
entendia todas as liacutenguas mesmo sem ter aprendido nenhuma pois entendia o silecircncio (VA I
19) A dispensa de um tradutor soacute se torna eficaz para Apolocircnio pelo fato de que em seus
encontros com outros povos algueacutem sempre falava grego (REGER 2007 p 262) Dada a
improbabilidade de esses fatos terem ocorrido dessas coincidecircncias interpretamos que o
monolinguismo dos encontros eacute uma das estrateacutegias que Filoacutestrato encontrou para valorizar a
liacutengua grega no contexto da Segunda Sofistica
Aleacutem disso outros aspectos da cultura grega claacutessica satildeo retomados quando Apolocircnio
demonstra ter domiacutenio da literatura da filosofia e da mitologia Satildeo citados os poemas
homeacutericos Iliacuteada e Odisseia (VA II 14 III 27 V 7 14 22 26 36 VIII 4 5 7 16 11 13)
Hesiacuteodo (VA V 21) Esopo (VA V 14) Arquiacuteloco (VA II 7) Eacutesquilo (VA VI 11) Soacutefocles
(VA IV 38 VI 4) Euriacutepides (VA II 14 32 IV 21 VII 5 14) Piacutendaro (VA VI 26)
Tuciacutedides (VA VII 25) Soacutecrates (VA VI 10 19 VIII 2) e Platatildeo (VA IV 36 VII 3)
Sendo integrante de uma elite cabia a Filoacutestrato resgatar sinais e traccedilos de uma
antiga identidade grega e tentar recompocirc-la e reativaacute-la construindo um modelo exemplar do
que eacute ser grego com a figura de Apolocircnio
As elites gregas podem ou melhor devem ir a fundo em sua cultura ndash eacute por ela
graccedilas a ela que podem reivindicar seu lugar e legitimar seu direito nesse impeacuterio
greco-romano cuja sorte foi decidida na Batalha de Aacutecio Tal eacute o sentido desse
movimento literaacuterio e poliacutetico dessa estrateacutegia cultural chamada Segunda Sofiacutestica
A Vida de Apolocircnio eacute parte do empreendimento de reconquista e de re-apropriaccedilatildeo
ativa do passado grego participando de sua recriaccedilatildeo ndash do processo em atividade
em toda sociedade viva de fabricaccedilatildeo ou de invenccedilatildeo da tradiccedilatildeordquo (HARTOG
2004 p 21 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Essa re-apropriaccedilatildeo e recriaccedilatildeo se torna muito mais aparente quando Filoacutestrato
descreve a viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Laacute ele se comunica com os indianos em grego e se
admira com o conhecimento que eles tecircm dessa liacutengua (VA III 12) Na sua primeira estada
22
Apolocircnio eacute acolhido pelo rei Fraotes de Taxila Em um primeiro momento os dois se
comunicam com o intermeacutedio de um inteacuterprete ateacute o rei lhe confessar que tambeacutem falava
grego
lsquoἔδεισαrsquo ἔφη lsquoθρασὺς δόξαι μὴ γιγνώσκων ἐμαυτόν μηδ᾽ ὅτι βάρβαρον εἶναί με
δοκεῖ τῇ τύχῃ σοῦ δὲ ἡττηθείς ἐπειδὴ καὶ σὲ ὁρῶ ἐμοὶ χαίροντα οὐκ ἠδυνήθην
ἐμαυτὸν κρύπτειν ὡς δὲ μεστός εἰμι τῆς Ἑλλήνων φωνῆς ἐν πολλοῖς δηλώσωrsquo
(VA II 27)
Eu receava vocecirc achar que eu fosse arrogante quando ainda natildeo me conhecia a mim
mesmo e pensar que eu fosse um baacuterbaro natildeo por decisatildeo da sorte Mas apoacutes ter te
cativado porque vejo que me estimas natildeo posso me esconder assim te convencerei
de vaacuterias formas que sou bem profeciente na liacutengua grega
Ademais o rei hindu tambeacutem evidencia que a filosofia grega eacute altamente estimada em
seu paiacutes (VA II 30) e menciona ter lido uma peccedila denominada ldquoOs filhos de Heacuteraclesrdquo
passando a impressatildeo de que leituras desse gecircnero eram comuns para ele (VA II 32) Fraotes
tambeacutem interage com a cultura grega atraveacutes da praacutetica de esportes
τὰ δὲ ἐφ᾽ ἑκάτερα δρόμοι ἦσαν ἐν οἷς ἀκοντίῳ τε καὶ δίσκῳ τὸν Ἑλληνικὸν τρόπον
ἑαυτὸν ἐξήσκει καὶ γὰρ τὸ σῶμα ἔρρωτο ὑπό τε ἡλικίας mdash ἑπτὰ γὰρ καὶ εἴκοσιν ἔτη
γεγονὼς ἦν mdash ὑπό τε τοῦ ὧδε γυμνάζεσθαι ἐπεὶ δὲ ἱκανῶς ἔχοι ἐπήδα ἐς τὸ ὕδωρ
καὶ ἐγύμναζεν ἑαυτὸν τῷ νεῖν ὡς δὲ ἐλούσαντο ἐβάδιζον ἐς τὸ συσσίτιον
ἐστεφανωμένοι τουτὶ δὲ νενόμισται Ἰνδοῖς ἐπειδὰν ἐς τοῦ βασιλέως πίνωσιν (VA
II 27)
havia em ambos lados pistas de corrida nas quais agrave maneira grega se exercitava em
dardo de arremesso e disco pois tinha o corpo forte pela idade ndashele tinha vinte e sete
anos ndash e por praticar ginaacutestica assim Depois de se exercitar o suficiente ele saltava
na aacutegua e treina por conta proacutepria nataccedilatildeo
Ao final da estadia de Apolocircnio junto a Fraotes e antes de ele partir a caminho de
Paraca cidade dos bracircmanes o rei escreve uma carta de recomendaccedilatildeo em grego a Iarcas o
homem mais antigo e saacutebio entre os bracircmanes hindus Chegando laacute Apolocircnio se surpreende
ao ser recebido por um mensageiro que tambeacutem falava a liacutengua grega (VA III 12) Aleacutem
disso depois de ler a carta de Fraotes Iarcas faz uma breve correccedilatildeo demonstrando grande
domiacutenio da liacutengua grega
23
τὸν δὲ Ἀπολλώνιον ἰδὼν φωνῇ τε ἠσπάσατο Ἑλλάδι καὶ τὰ τοῦ Ἰνδοῦ γράμματα
ἀπῄτει θαυμάσαντος δὲ τοῦ Ἀπολλωνίου τὴν πρόγνωσιν καὶ γράμμα γε ἓν ἔφη
λείπειν τῇ ἐπιστολῇ δέλτα εἰπών παρῆλθε γὰρ αὐτὸν γράφοντα (VA III 16)
Ao vecirc-lo Apolocircnio o saudou em liacutengua grega e lhe pediu a carta do hindu Apolocircnio
se surpreendeu com sua clarividecircncia e Iarcas reparou que faltava uma letra na carta
um delta seguramente que a quem escreveu tinha passado desapercebido
Em outro episoacutedio Dacircmis companheiro de viagem de Apolocircnio tambeacutem se
admira com o conhecimento do bracircmane com relaccedilatildeo ao grego
ταῦτα τοῦ Ἰνδοῦ διελθόντος ἐκπεσεῖν ὁ Δάμις ἑαυτοῦ φησιν ὑπ᾽ ἐκπλήξεως καὶ
ἀναβοῆσαι μέγα μὴ γὰρ ἄν ποτε νομίσαι ἄνδρα Ἰνδὸν ἐς τοῦτο ἐλάσαι γλώττης
Ἑλλάδος μηδ᾽ ἄν εἴπερ τὴν γλῶτταν ἠπίστατο τοσῇδε εὐροίᾳ καὶ ὥρᾳ διελθεῖν
ταῦτα (VA III 36)
Enquanto o indiano discorria sobre estas coisas Damis afirma que ficou espantado e
que ele falou com fluecircncia Ele jamais havia pensado que um indiano poderia
dominar assim a liacutengua grega aliaacutes nem pensava que um indiano conhecesse a
liacutengua grega tamanha foi a fluecircncia e a conveniecircncia com que ele discorreu
Aleacutem do conhecimento linguiacutestico alguns dos costumes e dos rituais dos saacutebios
hindus tambeacutem estatildeo ligados agrave cultura grega i) o momento em que os saacutebios cantam uma
canccedilatildeo que se assemelha ao peatilde de Soacutefocles cantado em Atenas em honra a Ascleacutepio (VA III
17) ii) quando citam Homero (VA III 20 22 27) iii) discutem sobre justiccedila (VA III 24)
sobre a moral grega (VA III 25) sobre mitos gregos (VA III 25) filosofia (VA III 28) e
cosmogonia (VA III 34) Esses aspectos seratildeo analisados no terceiro capiacutetulo desse trabalho
14 Por que a Iacutendia
Geograficamente na Antiguidade Claacutessica reconhecia-se como Iacutendia a regiatildeo que se
estendia do rio Indo ateacute a costa ocidental da Peniacutensula Iacutendica Os principais acessos entre essa
regiatildeo e o Mediterracircneo eram feitas sobretudo atraveacutes do Mar Araacutebico do Golfo Peacutersico e
do Mar Vermelho ou ainda pelo planalto indiano Peacutersia e Mesopotacircmia Fora isso a
Bactriana e o Punjab (atuais Afeganistatildeo e Paquistatildeo) tambeacutem eram consideradas como de
domiacutenio hindu (RODRIGUES 2016 p 168)
24
Todo esse territoacuterio eacute um dos que mais se destaca na literatura grega antiga como um
produtor de maravilhas O verbete θαυμάσιος significa maravilhoso admiraacutevel e espantoso19
Haacute tambeacutem de mesma raiacutez o verbo θαυμάζω cujo sentido eacute o de surpreender-se ver com
espanto ou admiraccedilatildeo admirar venerar20
e o substantivo θαῦμα maravilha respectivamente
Esses termos satildeo comumente utilizados pelos escritores gregos para descrever a Iacutendia e seu
povo
Como exemplo mais antigo temos Ciacutelax de Carianda (seacutec VI aC) marinheiro e
explorador grego Participou entre 519 e 512 aC da expediccedilatildeo do rei persa Dario I para
explorar o curso do rio Indo Apoacutes ter alcanccedilado o mar ele natildeo apenas navegou pelo oceano
Iacutendico mas foi ateacute o mar Vermelho explorando algumas regiotildees da Araacutebia tendo concluiacutedo
essa viagem em trinta meses (HEROacuteDOTO Hist IV 44) Com isso Ciacutelax teria contribuiacutedo
para a Iacutendia ser vista como uma regiatildeo repleta de maravilhas e socialmente perfeita cuja
populaccedilatildeo detinha grande sabedoria (ESPELOSIacuteN LARGACHA GIRVEacuteS 1994 p 198)
Heroacutedoto tambeacutem descreveu sobre a Iacutendia e seu povo em suas Histoacuterias Nessa obra
tudo o que eacute relacionado aos hindus e ao seu paiacutes eacute tido como estranho e maravilhoso A
exemplo disso o autor nos informa que os indianos tecircm relaccedilotildees sexuais em puacuteblico como
animais (Hist III 101) e que alguns deles os padeus se alimentam de carne humana
matam os enfermos sacrificam e comem os idosos (Hist III 99) Outros natildeo tecircm casa e se
alimentam soacute de ervas (Hist III 100) Nesse sentido Morais (2004 p 54 e 76) comenta que
a descriccedilatildeo dos comportamentos hindus feita por Heroacutedoto se assemelha mais agrave dos
selvagens e que dessa forma eles natildeo transmitiriam sabedoria aos demais povos sendo seus
costumes estranhos e opostos aos da civilizaccedilatildeo mostrando uma visatildeo completamente
diferente da exposta por Cilax
Cteacutesias de Cnido (seacutec V-IV aC) tambeacutem escreveu sobre a Iacutendia e seu povo
Diferentemente dos outros autores Cteacutesias compocircs um livro dedicado inteiramente a esse
tema no qual descreve a geografia e a etnografia hindus os Ἰνδικά (Sobre a Iacutendia) A partir
dos fragmentos remanescentes descobrimos por um lado uma Iacutendia povoada apenas por
seres hiacutebridos e monstros selvagens como a μαρτιχόρα (manticora) (fr VII) e o paacutessaro
δίκαιρον (dikairon) (fr XVII) Por outro lado sua populaccedilatildeo se restringe a seres humanoides
com costumes distintos e estranhos como os κυνοκέφαλοι (cinoceacutefalos) (fr XX) e os
πυγμαῖοι (pigmeus) (fr XI)
19
Bailly 2000 p 918 20
Bailly 2000 p 918
25
Ateacute mesmo as dimensotildees e as quantidades tornam a natureza e a geografia
extraordinaacuterias o rio Indo mede 40 estaacutedios21
de largura e 200 de extensatildeo (fr I) existe uma
fonte na qual ao inveacutes de fluir aacutegua jorra ouro liacutequido (fr IV) Eacute diverso tambeacutem por suas
cores como as da ave βυττάκου (bittakos) cuja face eacute cor de puacuterpura a barba escura e a sua
nuca eacute escura tal qual cinaacutebrio (fr III) Romm (1989 p 121 - 135 apud SANO 2008 p 68)
considera que foi Cteacutesias o fundador de uma tradiccedilatildeo literaacuteria que descreve as ldquomaravilhas da
Iacutendiardquo e que alguns dos acontecimentos narrados por ele encontrariam antecedentes no
folclore indiano
Nesse periacuteodo houve tambeacutem um desenvolvimento da prosa escrita tanto do romance
quanto da historiografia Assim gecircneros literaacuterios como a paradoxografia a faacutebula e o
proacuteprio romance seguiram diferentes abordagens da realidade O caso da Iacutendia eacute indicativo de
novos desenvolvimentos suas caracteriacutesticas distintivas podem ser atribuiacutedas a um periacuteodo
anterior da cultura grega mas eacute no proacuteprio periacuteodo heleniacutestico que eles se juntam com uma
nova intensidade (PARKER 2008 p 47) Com isso maravilhas e monstros caracterizaram as
narrativas sobre esse paiacutes Aleacutem disso uma outra peculiaridade da Iacutendia era o fato dela ser
descrita como a fronteira do mundo A proacutepria obra de Cteacutesias informava que natildeo havia
populaccedilatildeo aleacutem do rio Indo22
Seguindo essa loacutegica Alexandre o Grande preparou uma expediccedilatildeo com o intuito de
conquistar as terras indianas acreditando ser a Iacutendia o limite do mundo Essa campanha teve
por outro lado um grande efeito no que diz respeito ao acesso de informaccedilotildees que os gregos
tinham ateacute entatildeo sobre a Iacutendia (PARKER 2008 p 59)
Seacuteculos mais tarde Luciano de Samoacutesata (125-180 dC) em suas Narrativas
Verdadeiras menciona Cteacutesias chamando-o de mentiroso23
por conta de suas obras Isso natildeo
soacute sintetizou a maacute reputaccedilatildeo de Cteacutesias como tambeacutem retomou o debate acerca de narrativas
sobre fatos verdadeiros e ficcionais (PARKER 2008 p 47) Assim a Iacutendia continuou a ser
um dos temas principais no contexto do discurso do maravilhoso
Outros escritores que escreveram sobre a Iacutendia foram Megaacutestenes (seacuteculo IV aC) em
sua obra Iacutendica Estrabatildeo (seacuteculo I aC) em Geografia Claacuteudio Eliano (seacuteculo I) em Sobre a
natureza dos animais Xenofonte de Eacutefeso (seacuteculo II ndash I) em Efesiacuteacas Arriano de
21
Medida de percurso equivalente a 17760 m 22
ldquoQue homens natildeo habitam aleacutem de laacuterdquo Texto grego Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους (Indikaacute
frag I) 23
ldquoCteacutesias de Cnido o filho de Ctesioco escreveu acerca do paiacutes dos indianos e do que existe laacute coisas que ele
proacuteprio natildeo viu nem ouviu de algueacutem que dizia a verdaderdquo Traduccedilatildeo de Sano 2008 p6 Texto
grego Κτησίας ὁ Κτησιόχου ὁ Κνίδιος ὃς συνέγραψεν περὶ τῆς Ἰνδῶν χώρας καὶτῶν παρ᾽ αὐτοῖς ἃ μήτε αὐτὸς ε
ἶδεν μήτε ἄλλου ἀληθεύοντος ἤκουσεν (Narrativas Verdadeiras I 3)
26
Nicomeacutedia (seacuteculo II) em sua Anaacutebase de Alexandre e Nono de Panoacutepolis (seacuteculo V) em
sua Dionisiacuteacas
Em siacutentese a Vida de Apolocircnio de Tiana se mostra inovadora ao abordar a temaacutetica do
maravilhoso juntamente com o resgate dos valores culturais claacutessicos Aleacutem de encontrarmos
vestiacutegios dessa tradiccedilatildeo repleta de maravilhas e caracteriacutesticas peculiares acompanhamos
Apolocircnio em uma jornada em busca da sabedoria
27
CAPIacuteTULO II
O MUNDO NATURAL HINDU EM VA
A partir das fontes brevemente analisadas no primeiro capiacutetulo vimos que a Iacutendia eacute
um lugar de destaque nas narrativas gregas antigas devido ao seu exotismo e sua diversidade
natural Na VA curiosamente o caminho feito por Apolocircnio eacute marcado natildeo apenas por esse
exotismo mas principalmente pelos vestiacutegios encontrados de um passado grego Apolocircnio se
depara com rastros de Dioniso do macedocircnio Alexandre e faz alusotildees a escritores gregos
antigos como Heroacutedoto e Cteacutesias de Cnido Assim seraacute com base nessas referecircncias bem
como o mundo natural hindu narrado que mostraremos uma Iacutendia descrita sob a oacutetica de
Filoacutestrato
21 Um templo dionisiacuteaco na Iacutendia
Algumas das remissotildees que comentaacutevamos haacute pouco se datildeo na chegada de Apolocircnio e
de seus companheiros agrave Iacutendia Seguindo o relato de Filoacutestrato para adentrarem a regiatildeo rumo
agrave cidade dos bracircmanes Paraca os viajantes precisariam passar por uma montanha Nisa Ao
se aproximarem desta o guia de viagem os informou de que Dioniso ldquoagiardquo sobre ela e por
isso Apolocircnio supocircs que laacute aconteciam coisas maravilhosas (θαυμαστὰ) (VA II 7) Ao
subirem se depararam com um templo abandonado do deus
ἀνελθόντες οὖν ἱερῷ Διονύσου ἐντυχεῖν φασιν ὃ δὴ Διόνυσον ἑαυτῷ φυτεῦσαι
δάφναις περιεστηκυίαις κύκλῳ τοσοῦτον περιεχούσαις τῆς γῆς ὅσον ἀπόχρη νεῷ
ξυμμέτρῳ κιττόν τε περιβαλεῖν αὐτὸν καὶ ἀμπέλους ταῖς δάφναις ἄγαλμά τε ἑαυτοῦ
ἔνδον στήσασθαι γιγνώσκοντα ὡς ξυμφύσει τὰ δένδρα ὁ χρόνος καὶ δώσει τινὰ ἀπ᾽
αὐτῶν ὄροφον ὃς οὕτω ξυμβέβληται νῦν ὡς μήτε ὕεσθαι τὸ ἱερὸν μήτ᾽ ἀνέμῳ
ἐσπνεῖσθαι δρέπανα δὲ καὶ ἄρριχοι καὶ ληνοὶ καὶ τὰ ἀμφὶ ληνοὺς ἀνάκειται τῷ
Διονύσῳ χρυσᾶ καὶ ἀργυρᾶ καθάπερ τρυγῶντι τὸ δὲ ἄγαλμα εἴκασται μὲν ἐφήβῳ
Ἰνδῷ λίθου δὲ ἔξεσται λευκοῦ ὀργιάζοντος δὲ αὐτοῦ καὶ σείοντος τὴν Νῦσαν
ἀκούουσιν αἱ πόλεις αἱ ὑπὸ τῷ ὄρει καὶ ξυνεξαίρονται (VA II 8)
28
Tendo eles subido [a montanha] dizem que se depararam com um templo de
Dioniso o qual foi plantado pelo proacuteprio Dioniso que plantou loureiros rodeando
em ciacuterculo tatildeo grande que envolve a terra quanto bastava a um templo simeacutetrico E
ele tambeacutem colocou ao redor dos loureiros hera e videira ergueu uma estaacutetua para si
mesmo sabendo que no tempo em que as aacutervores crescessem juntas elas mesmas
umas sobre as outras dariam um teto com o qual assim se deparam agora entatildeo a
chuva natildeo o molha nem o vento sopra sobre o templo E havia foices cestas e vasos
e ao redor havia vasos consagrados a Dioniso como se fossem para um colhedor de
uvas dourados e prateados E a estaacutetua se assemelha a um jovem indiano e era de
pedra branca E ele celebrando e fazendo tremer o Nisa as cidades abaixo da
montanha ouvem e se afervoram
Logo em seguida o autor resume uma discussatildeo entre indianos e gregos a respeito de
Dioniso Por um lado os gregos diziam que Dioniso teria feito uma expediccedilatildeo agrave Iacutendia tanto
como soldado quanto como farrista Esses argumentos seriam embasados em uma oferenda
existente em Delfos onde dentre os tesouros preservados havia um disco de prata indiana
com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoDioniso o [filho] de Secircmele e de Zeus dos hindus a Apolo de
Delfosrdquo (ΔΙΟΝΥΣΟΣ Ο ΣΕΜΕΛΗΣ ΚΑΙ ΔΙΟΣ ΑΠΟ ΙΝΔΩΝ ΑΠΟΛΛΩΝΙ ΔΕΛΦΩΙ VA
II 9) Essa pode ser uma alusatildeo agrave Biblioteca Histoacuterica de Diodoro Siacuteculo (90 - 30 aC) na
qual o autor narra a expediccedilatildeo beacutelica e festejadora de Dioniso agrave Iacutendia e o apresenta como
divindade civilizadora que ao chegar a um povo nocircmade confere-lhes os atributos de sua
proacutepria cultura (PARKER 2008 p 47)24
Os indianos por outro lado apontavam duas diferentes origens para Dioniso Os que
habitavam a regiatildeo do Caacuteucaso e ao longo do rio Coacutefen afirmavam que Dioniso fora um
visitante assiacuterio conhecedor do deus tebano e de seus feitos Jaacute os que habitavam entre o rio
Indo Hidraotes e a regiatildeo continental ateacute o rio Ganges declaravam que o verdadeiro Dioniso
era filho do proacuteprio rio Indo Por sua vez o Dioniso de Tebas tornara-se seu disciacutepulo e
tomando o seu tirso passara a utilizaacute-lo em suas orgias Esse Dioniso de Tebas afirmava ser
filho de Zeus e ter sido criado na coxa de seu pai ateacute nascer Zeus entatildeo encontrou uma
montanha chamada Μηρόν (ldquocoxardquo) fronteira com o monte Nisa e nela plantou videiras em
homenagem a seu filho (VA II 9)
24
Em Biblioteca Histoacuterica Diodoro Siacuteculo apresenta tambeacutem Heacuteracles como divindade civilizadora na Iacutendia
poreacutem na VA Heraacutecles tem origem egiacutepcia e natildeo grega (VA II 3)
29
Segundo Grimal (2005 p 122) apoacutes ter nascido da coxa de Zeus e ser levado para
longe da Greacutecia para Nisa seu pai o transformou em cabrito para que Hera raivosa natildeo o
reconhecesse Quando se tornou adulto descobriu a videira e o seu uso Sofreu ainda alguns
impasses com Hera ateacute que em um dado momento Dioniso se dirigiu agrave Iacutendia regiatildeo que
conquistou numa expediccedilatildeo semiguerreira semidivina subjulgando seu povo pela forccedila das
armas pois ele levava consigo um exerciacutecito A partir de entatildeo originou-se o cortejo triunfal
de que se fazia acompanhar o carro puxado por panteras e ornamentado com parras os
Silenos as Bacantes os Saacutetiros e outras divindades menores
Assim como Dioniso eacute tido como uma divindade marginal e exilada nas histoacuterias
claacutessicas a Iacutendia por sua vez tambeacutem representava a margem do mundo uma terra
desconhecida e diversa Na VA a interaccedilatildeo dos hindus com essa divindade aparece de forma
tatildeo difundida que ele eacute chamado de Niacutesio (Νύσιος) pelos indianos e por todos os outros povos
aleacutem da Nisa (VA II 2)
22 Seguindo os passos de Alexandre ultrapassando limites
Como discutido anteriormente os gregos jaacute tinham algumas informaccedilotildees a respeito da
Iacutendia no seacuteculo IV aC Poreacutem esta visatildeo foi bastante ampliada e modificada apoacutes Alexandre
suceder seu pai Filipe II da Macedocircnia e realizar uma campanha de conquista da regiatildeo entre
327 e 325 aC Com isso ele expandiu os limites orientais do mundo grego avanccedilando para
aleacutem da fronteira da Iacutendia ateacute a bacia do rio Ganges (COURCELLES 2014 p 324)
Ao tentar reconstruir a expediccedilatildeo de Alexandre agrave Iacutendia o maior problema que os
historiadores tecircm enfrentado eacute o da escassez de fontes As dificuldades se datildeo pelo fato de que
os primeiros registros existentes que chegaram ateacute noacutes satildeo de cerca de trecircs seacuteculos depois de
sua ocorrecircncia provavelmente reflexos dos relatos perdidos de Caliacutestenes (360-328 aC)
Onesiacutecrito (360-290 aC) Aristoacutebulo (375-301 aC) e de Nearco Ainda assim existem
seacuterias duacutevidas sobre o caraacuteter dessas fontes e em que medida elas poderiam ser reconstruiacutedas
(PARKER 2008 p 34)
Natildeo obstante quatrocentos anos depois Apolocircnio ainda encontra vestiacutegios da
passagem de Alexandre pela Iacutendia Haacute resquiacutecios do contato que Alexandre teve com o rei
hindu Poro e do embate travado entre os dois conhecido como a Batalha de Hidaspes Na
30
regiatildeo de Taxila fortificada agrave maneira grega existia um templo de aproximadamente cem
peacutes de altura no qual estavam gravadas as faccedilanhas de ambos os reis (VA II 20) Segundo
Filoacutestrato essas gravuras registravam o momento em que Poro ferido era restabelecido como
saacutetrapa apoacutes a vitoacuteria de Alexandre Ainda segundo o autor Poro ao saber da morte do rei
macedocircnio havia lhe dedicado essas gravuras e passado a se portar de forma moderada
guiando suas accedilotildees pelo desejo de agradar a Alexandre (VA II 20)
Partindo de Taxila Apolocircnio se deparou com uma estaacutetua de Alexandre em uma biga
de quatro mastros representando ao que Filostrato sugere o momento em que ele confrontou
os saacutetrapas de Dario Um pouco mais adiante encontrou dois portotildees um deles com a estaacutetua
do rei Poro e o outro com uma estaacutetua de Alexandre reproduzindo o momento em que os
dois se saudaram apoacutes a batalha de Hidaspes (VA II 42)
Apoacutes atravessarem o rio Hidraotes e alcanccedilarem o Hifaacutesis Apolocircnio e seus
companheiros de viagem encontraram tambeacutem altares dedicados a Alexandre (VA II 43)
Neles havia uma coluna de metal na qual estava inscrito ldquoAlexandre avanccedilou ateacute aquirdquo
(ΑΛΕΞΑΝΔΡΟΣ ΕΝΤΑΥΘΑ ΕΣΤΗ) ldquopara honrar o limite do seu Impeacuteriordquo (τὸ τῆς ἑαυτοῦ
ἀρχῆς τέρμα τιμῶντος) Poreacutem adiante desse marco para aleacutem do Hifaacutesis Filoacutestrato afirma
que os hindus ergueram uma outra coluna esta para marcar o orgulho dos indianos por
Alexandre natildeo ter avanccedilado mais em seu territoacuterio (VA II 43) Do mesmo modo quando
Apolocircnio estava em contato com os bracircmanes hindus haacute a menccedilatildeo de que aquele local nunca
fora visitado por Alexandre (VA II 33)
A nosso ver neste ponto Filoacutestrato sobrepotildee Apolocircnio a Alexandre Se por um lado
Alexandre tinha sido o uacutenico ocidental a alcanccedilar aquelas fronteiras por outro Apolocircnio as
ultrapassa e adentra ainda mais nas terras hindus Assim na VA Alexandre eacute lembrado pela
sua grandeza e por seus feitos passados mas tambeacutem por suas limitaccedilotildees Nesse sentido
Abraham (2014 p 467) argumenta que Filoacutestrato sobrepotildee a campanha do conquistador agrave
jornada do filoacutesofo e ao fazer contiacutenuas menccedilotildees aos memoriais de Alexandre transforma a
expediccedilatildeo de Apolocircnio em uma reconstituiccedilatildeo da expediccedilatildeo de Alexandre
31
23 O maravilhoso em VA
O relato etnograacutefico do viajante que narra as maravilhas encontradas em suas
aventuras entre os confins do mundo e as fronteiras do conhecidodesconhecido eacute um
toacutepos do discurso geograacutefico Com raiacutezes em Homero esse tipo de narrativa foi se
consolidando cada vez mais e a partir da autoacutepsia de Heroacutedoto ou seja o processo de ver
com os proacuteprios olhos o viajante passou a discursar com mais autoridade pois fala de
algo que vira com os proacuteprios olhos e que supostamente nenhum outro grego tinha visto25
Nos poemas homeacutericos e hesioacutedicos o θαυμάσιος o maravilho eacute qualificado e
dimensionado com o uso de adjetivos
Para qualificar o thocircma26
Homero e Hesiacuteodo utilizam o adjetivo ldquogranderdquo (meacutegas)
mas essa grandeza de thocircma natildeo se mede associado a meacutegas encontramos com
efeito deinoacutes terriacutevel formidaacutevel O ldquomilagrerdquo eacute pois grande ou terriacutevel ndash e grande
porque terriacutevel (HARTOG 2014 p 265 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Exemplos do uso desses adjetivos empregados com essa denotaccedilatildeo estatildeo nos trechos
abaixo na Odisseia como atributo da voz de Zeus na Iliacuteada com relaccedilatildeo agrave dimensatildeo da
peleja do combate e na Teogonia como caracteriacutestica de um monstro
Ἠὼς δ᾽ ἐκ λεχέων παρ᾽ ἀγαυοῦ Τιθωνοῖο
ὤρνυθ᾽ ἵν᾽ ἀθανάτοισι φόως φέροι ἠδὲ βροτοῖσιν
οἱ δὲ θεοὶ θῶκόνδε καθίζανον ἐν δ᾽ ἄρα τοῖσι
Ζεὺς ὑψιβρεμέτης οὗ τε κράτος ἐστὶ μέγιστον
Alccedila-se a Aurora do leito onde estava o preclaro Titono
para que a luz aos eternos levasse e aos mortais transitoacuterios
quando nos tronos os deuses se foram sentar tendo ao meio
Zeus cuja voz eacute atroante de forccedila e poder muito grandes
(Od V 1-4 traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes)
25
Morais (2008 p 17) examina a relaccedilatildeo entre ver e maravilhar-se em Heroacutedoto jaacute Parker (2008 p 119)
discorre sobre a autoacutepsia como ferramenta de autoridade em um discurso 26
A palavra θαῦμα aparece em Heroacutedoto como θῶμα (CHANTRAINE 1968 p 424)
32
lsquoαἰδὼς Ἀργεῖοι κοῦροι νέοι ὔμμιν ἔγωγε
μαρναμένοισι πέποιθα σαωσέμεναι νέας ἁμάς
εἰ δ᾽ ὑμεῖς πολέμοιο μεθήσετε λευγαλέοιο
νῦν δὴ εἴδεται ἦμαρ ὑπὸ Τρώεσσι δαμῆναι
ὢ πόποι ἦ μέγα θαῦμα τόδ᾽ ὀφθαλμοῖσιν ὁρῶμαι
δεινόν ὃ οὔ ποτ᾽ ἔγωγε τελευτήσεσθαι ἔφασκον
ldquoVergonha Argivos jovens mancebos Na vossa peleja
confiava eu para que se salvassem as nossas naus
Mas se voacutes desistis da guerra angustiosa agora
chega o dia de sermos subjugados pelos Troianos
Oacute amigos grande eacute a maravilha que meus olhos contemplam
coisa terriacutevel que nunca pensei poder vir a cumprir-serdquo
(Il XIII 95-100 traduccedilatildeo de Frederico Lourenccedilo)
ἣ δὲ Χίμαιραν ἔτικτε πνέουσαν ἀμαιμάκετον πῦρ
δεινήν τε μεγάλην τε ποδώκεά τε κρατερήν τε
τῆς δ᾽ ἦν τρεῖς κεφαλαί μία μὲν χαροποῖο λέοντος
ἣ δὲ χιμαίρης ἣ δ᾽ ὄφιος κρατεροῖο δράκοντος
πρόσθε λέων ὄπιθεν δὲ δράκων μέσση δὲ χίμαιρα
δεινὸν ἀποπνείουσα πυρὸς μένος αἰθομένοιο
Ela [a Viacutebora] pariu a Cabra que sopra irrepeliacutevel fogo
a terriacutevel e grande e de peacutes ligeiros e cruel
tinha trecircs cabeccedilas uma de leatildeo de olhos ruacutetilos
outra de cabra outra de viacutebora cruel serpente
Na frente leatildeo atraacutes serpente no meio cabra
expirando o terriacutevel furor do fogo aceso
(Teog 319-324 traduccedilatildeo de Jaa Torrano)
Posteriormente outros recursos passaram a ser incorporados a essa forma de narrativa
e operaccedilotildees como avaliar medir e contar se tornaram necessaacuterias para traduzir o
θαυμάσιος do mundo narrado Aleacutem disso a quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da
narrativa quanto mais θαυμάσιος houver maior seraacute o prolongamento da histoacuteria Com
isso o narrador eacute quem confere ao leitor as medidas do que se conta em um processo no
qual haacute um efeito de realidade causado pelo narrador em que o viajante ldquofaz crerrdquo no que
estaacute sendo contado sobre o outro Desse modo o θῶμα eacute um toacutepos do discurso etnograacutefico
(HARTOG 2014 p 261 ndash 263)
33
A VA tambeacutem nos eacute apresentada sob essa perspectiva uma narrativa repleta de
θαύματα de diversos tipos com uma grande variedade de animais exoacuteticos lugares de
geografia inusitada objetos e obras de arte magniacuteficas e povos com costumes e culturas
inimaginaacuteveis Aleacutem dessas caracteriacutesticas tanto as viagens quanto os milagres de
Apolocircnio tambeacutem satildeo exemplos de θαύματα (ELSNER 1997 p 25)
Como mencionado no primeiro capiacutetulo diversas caracteriacutesticas a respeito da Iacutendia jaacute
estavam presentes tanto em Heroacutedoto quanto em Cteacutesias A influecircncia desses dois autores
eacute bem evidente no terceiro livro da VA onde muitas dessas maravilhas satildeo desmitificadas
ou confirmadas por Apolocircnio que as potildee em xeque em um diaacutelogo com o saacutebio Iarcas
Aleacutem do que era exoacutetico e visualmente impactante seacuteculos mais tarde outro aspecto
do maravilhoso da Iacutendia se tornou um toacutepos literaacuterio a sabedoria dos bracircmanes e dos
gminosofistas27
das histoacuterias de Alexandre e da tradiccedilatildeo do Romance de Alexandre Se
por um lado os bracircmanes natildeo foram tratados nas narrativas de Cteacutesias e de Heroacutedoto a
partir desse momento eles se tornariam uma caracteriacutestica importante da indografia greco-
romana (PARKER 2008 p 143 e 251) Na VA eles ocupam um papel central pois
chegar ateacute eles era o objetivo principal de Apolocircnio (VA I 18 32 II 11 III 16 29 IV
47) e esse contato com eles tambeacutem eacute parte do conteuacutedo maravilhoso da obra
231 As maravilhas da Iacutendia
Animais monstros seres hiacutebridos dimensotildees cores lugares construccedilotildees exuberantes
pedras e riquezas compotildeem a Iacutendia como um paiacutes exoacutetico diverso selvagem e
maravilhoso na indografia greco-romana Se Hartog (2014 p 261-263) afirma que a
quantidade de θαυμάσιος dita a extensatildeo da narrativa podemos afirmar que a Iacutendia
descrita por Filoacutestrato eacute extensa rica e profunda em suas peculiaridades Abaixo estatildeo
traduzidas passagens que remetem ao conteuacutedo maravilhoso dessa obra listadas e
divididas em grupos Os grupos arrolados satildeo i) lugares onde estatildeo descritas montanhas
planiacutecies e cidades ii) hidrografia com os nomes dimensotildees e particularidades dos rios
mencionados no texto iii) o clima da Iacutendia iv) animais onde satildeo detalhadas suas
27
Agraves vezes os dois termos satildeo usados de forma intercambiaacutevel agraves vezes eles se referem a diferentes grupos Em
alguns casos o termo eacute usado para se referir a sacerdotes egiacutepcios como em Filoacutestrato (PARKER 2008 p 255)
34
particularidades e as estoacuterias associadas a eles v) seres exoacuteticos compostos por
humanoides seres hiacutebridos e povos de cultura inusitada
Identificamos tambeacutem na VA uma forte influecircncia de Heroacutedoto e de Cteacutesias que
iniciaram essa tradiccedilatildeo a respeito da Iacutendia As descriccedilotildees que aludem a esses dois autores
estatildeo mencionadas ao longo do texto e os trechos referidos a eles estaratildeo expostos junto
com os da VA Quando houver uma referecircncia em comum entre os trecircs autores
respeitaremos a ordem cronoloacutegica entre eles
2311 Lugares
Durante a jornada de Apolocircnio satildeo descritos os lugares por onde ele passa e suas
impressotildees Em seu itineraacuterio pela Iacutendia Apolocircnio passa pela cordilheira do Caacuteucaso
registrando o aroma de canela e a aacutervore de pimenta existentes laacute passa por uma pedra
chamada ldquoSem paacutessarosrdquo pela planiacutecie irrigada do Ganges por Taxila pelo Templo do Sol
por Paraca pela torre dos saacutebios onde ele vecirc dois jarros um de chuva e o outro de vento
aleacutem de uma pedra magneacutetica pelas regiotildees de Balara de Selera de Pegadae e pela ilha
Biacuteblos
A cordilheira Caacuteucaso
Eacute narrado que ao se aproximarem da cordileira do Caacuteucaso Apolocircnio e seus
companheiros sentiram que a terra ficava mais perfumada (VA II 1) Sua extensatildeo eacute enorme
pois considera-se que o iniacutecio dessa montanha eacute no Touro e se estende atraveacutes da Armecircnia ateacute
Miacutecale e se estende ateacute a margem do mar onde vivem os carianos Ao contraacuterio do pico de
Miacutecale que natildeo eacute muito grande os do Caacuteucaso
καὶ αἱ ὑπερβολαὶ τοῦ Καυκάσου τοσοῦτον ἀνεστᾶσιν ὡς σχίζεσθαι περὶ αὐτὰς τὸν
ἥλιον περιβάλλει δὲ Ταύρῳ ἑτέρῳ καὶ τὴν ὅμορον τῇ Ἰνδικῇ Σκυθίαν πᾶσαν κατὰ
Μαιῶτίν τε καὶ ἀριστερὸν Πόντον σταδίων μάλιστα δισμυρίων μῆκος τοσοῦτον
γὰρ ἐπέχει μέτρον τῆς γῆς ὁ ἀγκὼν τοῦ Καυκάσου [] ὁ δὲ Καύκασος ὁρίζει μὲν
35
τὴν Ἰνδικήν τε καὶ Μηδικήν καθήκει δὲ ἐπὶ τὴν Ἐρυθρὰν θάλατταν ἑτέρῳ ἀγκῶνι
(VA II 2)
os picos do Caacuteucaso satildeo tatildeo elevados que o sol eacute cortado por eles Envolve com o
resto do Tauro toda a Ciacutetia que faz fronteira com a Iacutendia pelo Meoacutetis e a costa
esquerda do Ponto uma distacircncia quase de 20 mil estaacutedios pois nada menos que
isso eacute a extensatildeo de terra cercada pela depressatildeo do Caacuteucaso [] O Caacuteucaso limita
Iacutendia e Meacutedia e se estende por outra depressatildeo ateacute o Mar Vermelho
As montanhas do Caacuteucaso possuem ainda outras peculiaridades como por exemplo
os arbustos com cheiro de canela que aromatizam toda aquela regiatildeo e a aacutervore de pimenta
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho sentiram o aroma de
canela vinda dos arbustos por toda esse aacuterea
A canela do Caacuteucaso
Ao atravessarem a parte do Caacuteucaso que se estende ateacute o Mar Vermelho e descrito
que esta faixa eacute densamente coberta por arbustos aromaacuteticos de canela
τοὺς μὲν δὴ πρῶνας τοῦ ὄρους τὸ κιννάμωμον φέρειν προσεοικέναι δὲ αὐτὸ νέοις
κλήμασι βάσανον δὲ τοῦ ἀρώματος τὴν αἶγα εἶναι κινναμώμου γὰρ εἴ τις αἰγὶ
ὀρέξειε κνυζήσεται πρὸς τὴν χεῖρα καθάπερ κύων ἀπιόντι τε ὁμαρτήσει τὴν ῥῖνα
ἐς αὐτὸ ἐρείσασα κἂν ὁ αἰπόλος ἀπάγῃ θρηνήσει καθάπερ λωτοῦ ἀποσπωμένη
(VA III 4)
Os contrafortes da montanha produzem canela que se assemelha a videiras novas
mas a cabra eacute a prova de que se trata daquele arbusto aromaacutetico pois se algueacutem
apresenta a canela a uma cabra ela gane na direccedilatildeo da matildeo igual a um cachorro e
ao sair ela o seguiraacute apoiando nela o focinho e se o pastor a afastar ela se
lamentaraacute como privada de loto
36
A aacutervore de pimenta
Nos montes dessa montanha crescem aacutervores aromaacuteticas muito altas e existem
diversas espeacutecies delas como eacute o caso das aacutervores de pimenta que satildeo cultivadas pelos
macacos (VA III 4)
τὸ δένδρον ἡ πεπερὶς εἴκασται μὲν τῷ παρ᾽ Ἕλλησιν ἄγνῳ τά τε ἄλλα καὶ τὸν
κόρυμβον τοῦ καρποῦ φύεται δὲ ἐν τοῖς ἀποτόμοις οὐκ ἐφικτὸς τοῖς ἀνθρώποις οὗ
λέγεται πιθήκων οἰκεῖν δῆμος ἐν μυχοῖς τοῦ ὄρους καὶ ὅ τι αὐτοῦ κοῖλον οὓς
πολλοῦ ἀξίους οἱ Ἰνδοὶ νομίζοντες ἐπειδὴ τὸ πέπερι ἀποτρυγῶσι τοὺς λέοντας ἀπ᾽
αὐτῶν ἐρύκουσι κυσί τε καὶ ὅπλοις (VA III 4)
A aacutervore de pimenta se parece com o salgueiro dos gregos em tudo incluindo os
ramos do fruto e cresce em ravinas que o homen natildeo alcanccedila e onde dizem habita
um povo de macacos em buracos na montanha e em qualquer concavidade dela os
quais satildeo tidos em alta estima pelos indianos porque eles colhem as pimentas eles
afastam deles os leotildees com catildees e armas
A pedra chamada ldquoSem paacutessarosrdquo
Haacute uma pedra perto do monte Nisa que se chamada ldquoSem Paacutessarosrdquo (Ἄορνον) Apesar
de natildeo terem ido ateacute ela os viajantes ouviram falar que Alexandre a capturou e a histoacuteria que
se conta sobre essa pedra estaacute assim descrita
Ἄορνος δὲ ὀνομάζοιτο οὐκ ἐπειδὴ στάδια πεντεκαίδεκα ἀνέστηκε πέτονται γὰρ καὶ
ὑπὲρ τοῦτο οἱ ἱεροὶ ὄρνιθες ἀλλ᾽ ἐν κορυφῇ τῆς πέτρας ῥῆγμα εἶναί φασι τοὺς
ὑπερπετομένους τῶν ὀρνίθων ἐπισπώμενον ὡς Ἀθήνησί τε ἰδεῖν ἐστιν ἐν προδόμῳ
τοῦ Παρθενῶνος καὶ πολλαχοῦ τῆς Φρυγῶν καὶ Λυδῶν γῆς ὑφ᾽ οὗ τὴν πέτραν
Ἄορνον κεκλῆσθαί τε καὶ εἶναι (VA II 10)
37
[a pedra] foi nomeada ldquoSem Paacutessarosrdquo natildeo porque alcanccedila quinze estaacutedios pois os
paacutessaros sagrados voam aleacutem dessa altura mas porque no pico da pedra haacute dizem
um abismo que puxa os paacutessaros como se vecirc que acontece tambeacutem em Atenas no
vestiacutebulo do Partenon e em muitos lugares da terra dos friacutegios e liacutedios Por esse
motivo a pedra eacute chamada e de fato eacute ldquoSem Paacutessarosrdquo
A planiacutecie irrigada do Ganges
Apoacutes atravessarem o Caacuteucaso eacute descrito que os viajantes viram uma planiacutecie lisa com
cortes e valas cheias de aacutegua algumas das quais transversais enquanto outras eram retas
Eram simples afluentes do rio Ganges dispostas como fronteiras e irrigavam tambeacutem a
planiacutecie quando a terra estava seca (VA III 5) Sobre esta terra
τὴν δὲ γῆν ταύτην ἀρίστην φασὶ τῆς Ἰνδικῆς εἶναι καὶ μεγίστην τῶν ἐκεῖ λήξεων
πεντεκαίδεκα ἡμερῶν ὁδοῦ μῆκος ἐπὶ τὸν Γάγγην ὀκτωκαίδεκα δὲ ἀπὸ θαλάσσης
ἐπὶ τὸ τῶν πιθήκων ὄρος ᾧ ξυμπαρατείνει πεδιὰς πᾶσα ἡ χώρα μέλαινά τε καὶ
πάντων εὔφορος ἰδεῖν μὲν γὰρ ἐν αὐτῇ στάχυας ἀνεστῶτας ὅσον οἱ δόνακες ἰδεῖν
δὲ κυάμους τριπλασίους τῶν Αἰγυπτίων τὸ μέγεθος σήσαμόν τε καὶ κέγχρον
ὑπερφυᾶ πάντα ἐνταῦθα καὶ τὰ κάρυα φύεσθαί φασιν ὧν πολλὰ πρὸς ἱεροῖς
ἀνακεῖσθαι τοῖς δεῦρο θαύματος ἕνεκα τὰς δὲ ἀμπέλους φύεσθαι μὲν μικράς
καθάπερ αἱ Λυδῶν τε καὶ Μαιόνων ποτίμους δὲ εἶναι καὶ ἀνθοσμίας ὁμοῦ τῷ
ἀποτρυγᾶν ἐνταῦθα καὶ δένδρῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι προσεοικότι τῇ δάφνῃ
φύεσθαι δὲ αὐτοῦ κάλυκα εἰκασμένην τῇ μεγίστῃ ῥόᾳ καὶ μῆλον ἐγκεῖσθαι τῇ
κάλυκι κυάνεον μέν ὥσπερ τῶν ὑακίνθων αἱ κάλυκες πάντων δὲ ἥδιστον ὁπόσα ἐξ
ὡρῶν ἥκει (VA III 5)
Eles dizem ser esta a melhor terra da Iacutendia e a maior das regiotildees sendo de quinze
dias a jornada ateacute o Ganges e de dezoito dias do mar ateacute a montanha dos macacos
por onde se estende Toda a regiatildeo eacute uma planiacutecie preta e feacutertil de tudo pois se pode
ver nela espigas crescendo como os juncos e se pode ver tambeacutem favas trecircs vezes
maiores que as do tipo egiacutepcio bem como seacutesamo e milho crescendo por todas as
partes E eles dizem que tambeacutem nascem nozes laacute das quais muitas satildeo ofertadas
nos templos daqui pelo que tecircm de admiraacutevel As videiras que crescem satildeo
pequenas como as dos liacutedios e meocircnios boas para beber e aromaacuteticas tatildeo logo se
arrancam Eles dizem que laacute se depararam tambeacutem com uma aacutervore que se
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assemelha ao loureiro sobre a qual cresce um caacutelice comparaacutevel a uma granada
grande e dentro do caacutelice estaacute embutido um fruto azulado como os caacutelices de
jacinto o mais agradaacutevel de todos que as estaccedilotildees trazem
A regiatildeo de Taxila
Taxila eacute uma cidade importante na VA Eacute nela que Apolocircnio encontra vestiacutegios de
Alexandre e da batalha travada entre o macedocircnio e o rei indiano Poro conhecida como a
Batalha de Hidaspes Aleacutem disso eacute em Taxila que Apolocircnio tem o primeiro contato com um
rei indiano Fraotes um dos personagens mais importantes da Iacutendia da VA devido agrave forma
como governa e a seu conhecimento da cultura grega
Taxila segunda a narrativa tem a dimensatildeo de Niacutenive e eacute fortificada da mesma forma
que as cidades gregas Aleacutem dessas caracteriacutesticas que remetem agrave Greacutecia eacute descrito um
templo com o qual se surpreenderam de tatildeo belo
νεὼν δὲ πρὸ τοῦ τείχους ἰδεῖν φασιν οὐ παρὰ πολὺ τῶν ἑκατομπόδων λίθου
κογχυλιάτου καὶ κατεσκευάσθαι τι ἱερὸν ἐν αὐτῷ ἧττον μὲν ἢ κατὰ τὸν νεὼν
τοσοῦτόν τε ὄντα καὶ περικίονα θαυμάσαι δὲ ἄξιον χαλκοῖ γὰρ πίνακες
ἐγκεκρότηνται τοίχῳ ἑκάστῳ γεγραμμένοι τὰ Πώρου τε καὶ Ἀλεξάνδρου ἔργα
γεγράφαται δὲ ὀρειχάλκῳ καὶ ἀργύρῳ καὶ χρυσῷ καὶ χαλκῷ μέλανι ἐλέφαντες ἵπποι
στρατιῶται κράνη ἀσπίδες λόγχαι δὲ καὶ βέλη καὶ ξίφη σιδήρου πάντα καὶ ὥσπερ
λόγος εὐδοκίμου γραφῆς οἷον εἰ Ζεύξιδος εἴη τι ἢ Πολυγνώτου τε καὶ Εὐφράνορος
οἳ τὸ εὔσκιον ἠσπάσαντο καὶ τὸ ἔμπνουν καὶ τὸ ἐσέχον τε καὶ ἐξέχον οὕτως φασί
κἀκεῖ διαφαίνεται καὶ ξυντετήκασιν αἱ ὕλαι καθάπερ χρώματα ἡδὺ δὲ καὶ αὐτὸ τὸ
ἦθος τῆς γραφῆς (VA II 20)
dizem que viram um templo em frente da muralha de natildeo muito mais que cem peacutes
de pedra de calcaacuterio e que foi construiacutedo dentro dele um santuaacuterio algo menor com
relaccedilatildeo agrave grandeza do templo sendo esse cercado por colunas e digno de
maravilhar-se Havia taacutebuas de bronze em cada parede do templo com os feitos de
Poro e Alexandre registrados Foram gravados com oricalco prata ouro e bronze
escuro elefantes cavalos soldados elmos e escudos mas lanccedilas flechas e espadas
eram todas de ferro e como o assunto de uma pintura famosa tal qual as de Zecircuxis
Polignoto ou Eufranor que gostavam do claro-escuro do animado da profundidade
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e do relevo assim dizem tambeacutem ali tudo se mostrava e os materiais estavam
dispostos como cores E o caraacuteter da pintura era apraziacutevel por si mesmo
O Templo do Sol
Esse templo tambeacutem eacute caracterizado por sua beleza e riqueza e pedras preciosas e
imagens marcando a passagem de Apolocircnio naquela regiatildeo
ἱερὸν δὲ ἰδεῖν Ἡλίου φασίν ᾧ ἀνεῖτο Αἴας ἐλέφας καὶ ἀγάλματα Ἀλεξάνδρου
χρυσᾶ καὶ Πώρου ἕτερα χαλκοῦ δ᾽ ἦν ταῦτα μέλανος οἱ δὲ τοῦ ἱεροῦ τοῖχοι
πυρσαῖς λίθοις ὑπαστράπτει χρυσὸς αὐγὴν ἐκδιδοὺς ἐοικυῖαν ἀκτῖνι τὸ δὲ ἕδος αὐτὸ
μαργαρίτιδος ξύγκειται ξυμβολικὸν τρόπον ᾧ βάρβαροι πάντες ἐς τὰ ἱερὰ χρῶνται
(VA II 24)
E eles dizem ter visto um Templo do Sol no qual circulava o elefante Aacutejax e
esculturas de ouro de Alexandre e outras de Poro e eram estas de bronze escuro E
das paredes do templo sob pedras vermelhas brilhava o ouro emitiam um claratildeo
semelhante a um raio de sol O proacuteprio assento estava cercado de peacuterolas do modo
simboacutelico que usam todos os baacuterbaros nos templos
A cidade de Paraca
A cidade de Paraca eacute maravilhosa por nela acontecer o treino de caccedila aos dragotildees e
por nela se armazenarem as cabeccedilas desse animal no centro da cidade Aleacutem disso os
habitantes dessa regiatildeo entendem a linguagem animal Eacute a partir dessa cidade que Apolocircnio
chega ateacute a torre dos bracircmanes
τὴν δὲ πόλιν τὴν ὑπὸ τῷ ὄρει μεγίστην οὖσαν φασὶ μὲν καλεῖσθαι Πάρακα
δρακόντων δὲ ἀνακεῖσθαι κεφαλὰς ἐν μέσῃ πλείστας γυμναζομένων τῶν ἐν ἐκείνῃ
Ἰνδῶν τὴν θήραν ταύτην ἐκ νέων λέγονται δὲ καὶ ζῴων ξυνιέναι φθεγγομένων τε
καὶ βουλευομένων σιτούμενοι δράκοντος οἱ μὲν καρδίαν οἱ δὲ ἧπαρ προϊόντες δὲ
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αὐλοῦ μὲν ἀκοῦσαι δόξαι νομέως δή τινος ἀγέλην τάττοντος ἐλάφους δὲ ἄρα
βουκολεῖσθαι λευκάς ἀμέλγουσι δὲ Ἰνδοὶ ταύτας εὐτραφὲς ἡγούμενοι τὸ ἀπ᾽ αὐτῶν
γάλα (VA III 9)
E eles dizem que a cidade abaixo da montanha eacute grande e chama-se Paraca que no
centro ficam guardadas a maioria das cabeccedilas de dragotildees para os indianos de laacute
serem treinados a essa caccedila desde a juventude Dizem tambeacutem que eles entendem os
sons e as deliberaccedilotildees dos animais alimentando-se ou do coraccedilatildeo ou do fiacutegado do
dragatildeo Avanccedilando eles imaginaram ter ouvido a flauta de algum pastor ordenando
um rebanho mas logo deliberaram que eram corsas brancas pois os indianos as
guiam para ordenhaacute-las por causa de seu leite nutritivo
A torre dos saacutebios
A torre dos bracircmanes eacute o cenaacuterio principal da viagem de Apolocircnio agrave Iacutendia Eacute nela que
Apolocircnio chega ao limite maacuteximo de sua sabedoria e realiza o objetivo principal de sua
viagem chegar ateacute os bracircmanes
A descriccedilatildeo dessa torre eacute peculiar em vista de suas referecircncias e comparaccedilotildees com a
Acroacutepole de Atenas o que faz com que o leitor projete mentalmente o mapa da Greacutecia A
torre fica no topo de uma montanha e suas caracteriacutesticas satildeo
ὕψος μὲν εἶναι κατὰ τὴν Ἀθηναίων φασὶν ἀκρόπολιν ἀνίστασθαι δὲ ἐκ πεδίου ἄνω
εὐφυᾶ δὲ ὁμοίως πέτραν ὀχυροῦν αὐτὸν κύκλῳ περιήκουσαν (VA III 13)
tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da planiacutecie e
sua posiccedilatildeo natural o protege de ataques pois eacute rodeado por rochas em todos os
lados
Aleacutem disso em muitas partes dessa pedra eles viram rastros de pegadas e contorno de
barba e de rostos e viram marcas que pareciam de costas deslizadas (ἧς πολλαχοῦ δίχηλα
ὁρᾶσθαι ἴχνη καὶ γενειάδων τύπους καὶ προσώπων καί που καὶ νῶτα ἰδεῖν ἀπωλισθηκόσιν
ὅμοια - VA III 13) Essas marcas segundo a narrativa satildeo de quando Dioniso e Heacuteracles
41
tentaram atacar e capturar a torre mas foram afastados pelos raios e pedras enviados pelos
bracircmanes
Existia tambeacutem uma nuvem que pairava sobre a torre
περὶ δὲ τῷ ὄχθῳ νεφέλην ἰδεῖν φασιν ἐν ᾗ τοὺς Ἰνδοὺς οἰκεῖν φανερούς τε καὶ
ἀφανεῖς καὶ ὅ τι βούλονται πύλας δὲ εἰ μὲν καὶ ἄλλας εἶναι τῷ ὄχθῳ οὐκ εἰδέναι τὸ
γὰρ περὶ αὐτὸν νέφος οὔτε ἀκλείστῳ ξυγχωρεῖν οὔτ᾽ αὖ ξυγκεκλεισμένῳ φαίνεσθαι
(VA III 13)
eles dizem ter visto uma nuvem atraacutes da montanha da morada dos hindus a qual
ficava visiacutevel ou invisiacutevel quando eles desejam E se tinha outro portatildeo na montanha
eles natildeo sabiam pois com a nuvem ao redor natildeo conseguiram ver se havia uma
abertura na muralha ou se por outro lado era uma fortaleza fechada
Os jarros de chuva e de vento dos bracircmanes
Outro prodiacutegio se encontra quando os personagens tendo entrado na torre viram dois
jarros de pedra preta um de chuva e outro de vento (καὶ διττὼ ἑωρακέναι φασὶ πίθω λίθου
μέλανος ὄμβρων τε καὶ ἀνέμων ὄντε - VA III 14) O jarro de chuva eacute aberto quando a Iacutendia
estaacute sofrendo de seca e entatildeo satildeo enviadas nuvens carregadas para todo o paiacutes mas se a
chuva passa a ser excessiva eacute interrompida quando o jarro eacute fechado Jaacute o jarro de vento eacute
comparado agrave caixa de Eacuteolo28
pois liberta um dos ventos o qual proporciona uma brisa fresca
que refresca todo o paiacutes (VA III 14)
A pedra magneacutetica
Na torre dos bracircmanes Iarcas mostra a Apolocircnio uma pedra que tem caracteriacutesticas
magneacuteticas e se assemelha agrave pedra pantarba descrita por Cteacutesias nestes termos
28
Provaacutevel referecircncia a Eacuteolo guardiatildeo dos ventos na Odisseia (Od X 1-4 21-22)
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Περὶ παντάρβας τῆς σφραγῖδος καὶ ὡς υοζʹ σφραγῖδας ἀπορριφείσας καὶ τιμίους
λίθους εἰς τὸν ποταμόν ἅτινα ἦν τοῦ Βακτρίων καπήλου αὐτὴ ἀνείλκυσεν ἐχομένας
ἀλλήλων (Ind frag II)
Fala sobre a pantarba uma pedra preciosa e que quando ela eacute jogada no rio 477
sinetes e pedras preciosas que eram de um comerciante de Bactra ela puxa de volta
presas umas com as outras
Na VA Iarcas confirma a existecircncia desta pedra e garante que o que dizem a respeito
de suas caracteriacutesticas magneacuteticas eacute verdade Aleacutem disso ele tambeacutem a disponibiliza a
Apolocircnio para que este a veja e comprove por si mesmo suas propriedades Nenhum
detalhe poreacutem eacute narrado (VA III 46)
γίγνεται μὲν γὰρ ἡ μεγίστη κατὰ ὄνυχα δακτύλου τούτουrsquo δείξας τὸν ἑαυτοῦ
ἀντίχειρα lsquoκυίσκεται δὲ ἐν γῇ κοίλῃ βάθος ὀργυιαὶ τέτταρες τοσοῦτον δὲ αὐτῇ
περίεστι τοῦ πνεύματος ὡς ὑποιδεῖν τὴν γῆν καὶ κατὰ πολλὰ ῥήγνυσθαι
κυισκομένης ἐν αὐτῇ τῆς λίθου (VA III 46)
[Fala de Iarcas] De fato a maior delas eacute do tamanho desta unha ndash e ele mostrou seu
proacuteprio polegar ndash e eacute formada num buraco na terra com uma profundidade de quatro
braccedilas mas ela tem tanto espiacuterito que a terra se dilata e se rasga em muitos lugares
quando esta pedra eacute concebida
Contudo essa pedra natildeo eacute facilmente capturada pois se algueacutem tenta pegaacute-la ela
foge a menos que exista uma atraccedilatildeo entre a pedra e aquele que tenta apanhaacute-la Ainda a
pantarba (παντάρβην) assim chamada tambeacutem por Iarcas
νύκτωρ μὲν οὖν ἡμέραν ἀναφαίνει καθάπερ τὸ πῦρ ἔστι γὰρ πυρσὴ καὶ ἀκτινώδης
εἰ δὲ μεθ᾽ ἡμέραν ὁρῷτο βάλλει τοὺς ὀφθαλμοὺς μαρμαρυγαῖς μυρίαις τὸ δὲ ἐν
αὐτῇ φῶς πνεῦμά ἐστιν ἀρρήτου ἰσχύος πᾶν γὰρ τὸ ἐγγὺς ἐσποιεῖ αὑτῇ (VA III 46)
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de noite faz brilhar um dia como o fogo eacute vermelha e emite raios e se se olha para
ela de dia lanccedila aos seus olhos raios de luz incontaacuteveis A luz de dentro dela eacute um
espiacuterito com forccedila misteriosa pois atraiacute tudo para perto dela mesma
καὶ εἰπὼν ταῦτα ἔδειξε τὴν λίθου αὐτήν τε καὶ ὁπόσα ἐργάζεται (VA III 47)
E tendo ditto estas coisas ele mostrou a proacutepria pedra e tudo o que ela era capaz de
realizar
Balara e Selera
Balara eacute um lugar distinto por seus jardins jaacute Selera eacute uma ilha sagrada onde habita
uma nereida
προσπλεῦσαί φασι καὶ Βαλάροις ἐμπόριον δὲ εἶναι τὰ Βάλαρα μεστὸν μυρρινῶν τε
καὶ φοινίκων καὶ δάφνας ἐν αὐτῷ ἰδεῖν καὶ πηγαῖς διαρρεῖσθαι τὸ χωρίον κῆποι δὲ
ὁπόσοι τρωκτοὶ καὶ ὁπόσοι ἀνθέων κῆποι βρύειν αὐτὸ καὶ λιμένας μεστοὺς
γαλήνης ἐν αὐτῷ εἶναι προκεῖσθαι δὲ τοῦ χωρίου τούτου νῆσον ἱεράν ἣν καλεῖσθαι
Σέληρα καὶ στάδια μὲν ἑκατὸν εἶναι τῷ πορθμῷ νηρηίδα δὲ οἰκεῖν ἐν αὐτῇ δεινὴν
δαίμονα πολλοὺς γὰρ τῶν πλεόντων ἁρπάζειν καὶ μηδὲ ταῖς ναυσὶ ξυγχωρεῖν
πεῖσμα ἐκ τῆς νήσου βάλλεσθαι (VA III 56)
Eles contam que navegaram ateacute Balara que eacute um empoacuterio cheio de mirtos e de
palmeiras e que viram tambeacutem loureiros e fonte que ali fluem E tinha tanto jardins
de plantas comestiacuteveis como jardins de flores cheios de brotos e os portos ali
estavam calmos Defronte deste lugar existe uma ilha sagrada chamada Selera e a
passagem ateacute ela eacute de cem estaacutedios de distacircncia Nesta ilha habita uma nereida um
democircnio terriacutevel pois ela arrebata muitos marinheiros e natildeo deixa que os navios
arremessem um cabo agrave ilha
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Pegadas a terra de bronze
De acordo com a narrativa podemos imaginar esta regiatildeo como monocromaacutetica
tamanha eacute a predominacircncia do bronze que compotildee sua natureza
κατασχεῖν δέ φασι καὶ ἐς Πηγάδας τῆς τῶν Ὠρειτῶν χώρας οἱ δὲ Ὠρεῖται χαλκαῖ
μὲν αὐτοῖς αἱ πέτραι χαλκῆ δὲ ἡ ψάμμος χαλκοῦν δὲ ψῆγμα οἱ ποταμοὶ ἄγουσι
χρυσῖτιν δὲ ἡγοῦνται τὴν γῆν διὰ τὴν εὐγένειαν τοῦ χαλκοῦ (VA III 54)
Eles dizem que tambeacutem passaram por Peacutegada na terra dos oritas e que os oritas tecircm
pedras de bronze e tambeacutem areia de bronze e a poeira que o rio traz tambeacutem eacute de
bronze Mas eles consideram o bronze da sua terra ouro por causa da nobreza dele
A ilha Biblo e os moluscos gigantes
Esta ilha tem como maravilhoso seus frutos do mar que em tamanho satildeo muito
maiores que os gregos
μνημονεύουσι καὶ νήσου μικρᾶς ᾗ ὄνομα εἶναι Βίβλον ἐν ᾗ τὸ τοῦ κογχυλίου
μέγεθος καὶ οἱ μύες ὄστρεά τε καὶ τὰ τοιαῦτα δεκαπλάσια τῶν Ἑλληνικῶν τὸ
μέγεθος ταῖς πέτραις προσπέφυκεν ἁλίσκεται δὲ καὶ λίθος ἐκεῖ μαργαρὶς ἐν
ὀστράκῳ λευκῷ καρδίας τόπον ἔχουσα τῷ ὀστρέῳ (VA III 53)
Eles tambeacutem recordam uma pequena ilha a qual se chama Biblo onde haacute grandes
berbigotildees mexilhotildees e ostras os quais se prendem em pedras e satildeo dez vezes
maiores que os encontrados na Greacutecia Uma pedra tambeacutem eacute capturada ali a peacuterola
a qual ocupa em uma concha branca o lugar do coraccedilatildeo da ostra
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2312 Hidrografia
Filoacutestrato descreve os rios que Apolocircnio atravessou bem como suas extensotildees
navegaacuteveis suas dimensotildees e os animais que havia neles Os rios satildeo o Indo o Hiacutefasis e o
Acesines
O rio Indo
Esse rio eacute o mais importante para a indografia greco-romana por ter simbolizado ateacute a
campanha de Alexandre os confins do mundo Essa crenccedila se encontra presente nas
narrativas de Cteacutesias
Λέγει περὶ τοῦ Ἰνδοῦ ποταμοῦ τὸ μὲν στενὸν αὐτοῦ τὸ εὖρος μʹ σταδίων εἶναι τὸ δὲ
πλατύτατον καὶ διακοσίων Λέγει περὶ αὐτῶν τῶν Ἰνδῶν ὅτι πλείους σχεδὸν
συμπάντων ἀνθρώπων Περὶ τοῦ σκώληκος τοῦ ἐν τῷ ποταμῷ ὃ καὶ μόνον τῶν
ἄλλων θηρίων ἐν αὐτῷ γίνεται Περὶ τοῦ μὴ οἰκεῖν ἐπέκεινα αὐτῶν ἀνθρώπους Ὅτι
οὐχ ὕει ἀλλacute ὑπὸ τοῦ ποταμοῦ ποτίζεται ἡ Ἰνδική (Ind frag I)
Ele fala sobre o rio Indo que em sua passagem mais estreita tem quarenta estaacutedios29
de largura e na mais extensa duzentos Fala que a populaccedilatildeo de hindus eacute mais ou
menos maior que a de todos os homens juntos Fala a respeito de um verme do rio o
qual aliaacutes eacute o uacutenico animal que haacute nele Que homens natildeo habitam aleacutem de laacute Que
natildeo chove mas a terra da Iacutendia eacute irrigada pelo rio
Filoacutestrato tambeacutem fala sobre sua dimensatildeo bem como sobre sua nascente e os animais
que nele vivem
29
Medida de percurso equivalente a 17760 m
46
τὸν μὲν δὴ Ἰνδὸν ὧδε ἐπεραιώθησαν σταδίους μάλιστα τεσσαράκοντα τὸ γὰρ
πλόιμον αὐτοῦ τοσοῦτον περὶ δὲ τοῦ ποταμοῦ τούτου τάδε γράφουσι τὸν Ἰνδὸν
ἄρχεσθαι μὲν ἐκ τοῦ Καυκάσου μείζω αὐτόθεν ἢ οἱ κατὰ τὴν Ἀσίαν ποταμοὶ πάντες
προχωρεῖν δὲ πολλοὺς τῶν ναυσιπόρων ἑαυτοῦ ποιούμενον ἀδελφὰ δὲ τῷ Νείλῳ
πράττοντα τῇ τε Ἰνδικῇ ἐπιχεῖσθαι γῆν τε ἐπάγειν τῇ γῇ καὶ παρέχειν Ἰνδοῖς τὸν
Αἰγυπτίων τρόπον σπείρειν (VA II 18)
E entatildeo eles atravessaram o Indo com mais de quarenta estaacutedios30
pois essa eacute sua
extensatildeo navegaacutevel A respeito do rio eles escrevem estas coisas que o Indo comeccedila
no Caacuteucaso e sua nascente eacute maior que todos os rios da Aacutesia e ao avanccedilar
incorpora muitos [rios] navegaacuteveis e de modo paralelo ao Nilo inunda a Iacutendia
sobrepotildee terra agrave terra e permite aos hindus semear do mesmo modo que os egiacutepcios
κομιζόμενοι δὲ διὰ τοῦ Ἰνδοῦ πολλοῖς μὲν ποταμίοις ἵπποις ἐντυχεῖν φασι πολλοῖς
δὲ κροκοδείλοις ὥσπερ οἱ τὸν Νεῖλον πλέοντες λέγουσι δὲ καὶ ἄνθη τῷ Ἰνδῷ εἶναι
οἷα τοῦ Νείλου ἀναφύεται (VA II 19)
E eles dizem que viajando em direccedilatildeo ao outro lado do Indo encontraram muitos
cavalos de rio e muitos crocodilos como os que nadam no Nilo e que a vegetaccedilatildeo
do Indo eacute como a que brota no Nilo
O rio Hiacutefasis e o oacuteleo nupcial
O rio Hiacutefasis (atual Beaacutes) eacute notaacutevel por sua extensatildeo De acordo com o texto ele nasce
na planiacutecie e perto de sua fonte os riachos satildeo navegaacuteveis mas agrave medida que avanccedilam logo
se tornam inacessiacuteveis para os barcos porque os montes de rocha se alternam Nas redondezas
dessas rochas o vento eacute forte ao ponto de tornar o rio natildeo navegaacutevel (VA III 1) Suas
caracteriacutesicas mais notaacuteveis satildeo
εὖρος δὲ αὐτῷ κατὰ τὸν Ἴστρον ποταμῶν δὲ οὗτος δοκεῖ μέγιστος ὁπόσοι δι᾽
Εὐρώπης ῥέουσι δένδρα δέ οἱ προσόμοια φύει παρὰ τὰς ὄχθας καί τι καὶ μύρον
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ἐκδίδοται τῶν δένδρων ὃ ποιοῦνται Ἰνδοὶ γαμικὸν χρίσμα καὶ εἰ μὴ τῷ μύρῳ τούτῳ
ῥάνωσι τοὺς νυμφίους οἱ ξυνιόντες ἐς τὸν γάμον ἀτελὴς δοκεῖ καὶ οὐκ ἐς χάριν τῇ
Ἀφροδίτῃ ξυναρμοσθείς (VA III 1)
Sua largura eacute equivalente ao do rio Ister este sendo considerado o mais de quantos
rios fluem na Europa Aacutervores semelhantes agraves daquele nascem agraves suas margens e um
baacutelsamo tambeacutem eacute extraiacutedo das aacutervores a partir do qual os hindus fazem um oacuteleo
nupcial e se os presentes ao casamento natildeo borrifam com esse oacuteleo os noivos
parece que a uniatildeo natildeo eacute concluiacuteda nem agraciada por Afrodite
Esse bosque agrave margem do rio eacute consagrado a Afrodite bem como os belos peixes que
existem laacute (VA III 1)
O rio Acesines
A descriccedilatildeo deste rio eacute breve e o conteuacutedo maravilhoso neste trecho se daacute pela
dimensatildeo informada e pelo comprimento das cobras que existem nele
περὶ τοῦ Ἀκεσίνου ποταμοῦ εἰρημένα ὡς ἐσβάλλει μὲν ἐς τὸν Ἰνδὸν οὗτος τρέφει
δὲ ὄφεις ἑβδομήκοντα πηχῶν μῆκος τοιαῦτα εἶναί φασιν (VA II 17)
Sobre o que disseram do rio Acesines que desaacutegua no rio Indo e produz cobras de
setenta cocircvados31
de comprimento ser assim eles dizem
A fonte de ouro
Aleacutem desses rios ao conversar com Iarcas Apolocircnio pergunta sobre a veracidade de
uma fonte de que jorra ouro (ἐρομένου δὲ αὐτοῦ καὶ περὶ τοῦ χρυσοῦ ὕδατος ὅ φασιν ἐκ
πηγῆς βλύζειν - VA III 45) Provavelmente essa fonte eacute uma alusatildeo agrave descrita por Cteacutesias
31
Medida de comprimento equivalente a 44 cm
48
Περὶ τῆς κρήνης πληρουμένης ἀνacute ἔτος ὑγροῦ χρυσίου ἐξ ἧς ἑκατὸν πρόχοι
ὀστράκινοι ἀνacute ἔτος ἀρύονται Ὀστρακίνους δὲ δεῖ εἶναι ἐπεὶ πήγνυται ὁ χρυσὸς
ἀπαρυόμενος καὶ ἀνάγκη τὸ ἀγγεῖον θλᾶν καὶ οὕτως ἐξαγαγεῖν αὐτόν Ἡ δὲ κρήνη
τετράγωνός ἐστιν ἑκκαίδεκα μὲν πηχῶν ἡ περίμετρος τὸ δὲ βάθος ὀργυϊά ἑκάστη
δὲ προχόη τάλαντον ἕλκει Καὶ περὶ τοῦ ἐν τῷ πυθμένι τῆς κρήνης σιδήρου ἐξ οὗ
καὶ δύο ξίφη Κτησίας φησὶν ἐσχηκέναι ἓν παρὰ βασιλέως καὶ τὸ ἄλλο παρὰ τῆς
τοῦ βασιλέως μητρὸς Παρυσάτιδος Φησὶ δὲ περὶ αὐτοῦ ὅτι πηγνύμενος ἐν τῇ γῇ
νέφους καὶ χαλάζης καὶ πρηστήρων ἐστὶν ἀποτρόπαιον καὶ ἰδεῖν αὑτὸν ταῦτά φησι
βασιλέως δὶς ποιήσαντος (Ind frag IV)
Fala sobre uma fonte cheia de liacutequido dourado durante o ano do qual se extraem
cem jarros de ceracircmica anualmente Os jarros precisam ser de ceracircmica jaacute que o
ouro que eacute retirado solidifica eacute necessaacuterio entatildeo quebrar o invoacutelucro e assim retiraacute-
lo A fonte eacute quadrangular com o periacutemetro de dezesseis cocircvados e a profundidade
de uma braccedila32
E cada vaso comporta um talento33
Fala sobre o ferro que haacute no
fundo da nascente a partir do qual Cteacutesias diz que duas espadas foram forjadas uma
por ordem do rei e a outra por ordem da matildee do rei Parisaacutetide Diz sobre ela que se
a espada for fincada na terra eacute capaz de afastar as nuvens granizos e tempestades E
diz ele proacuteprio ter visto isso quando o rei o fez duas vezes
2313 O clima da Iacutendia
Heroacutedoto e Cteacutesias comentaram a respeito do clima indiano
ἀποκλινομένης δὲ τῆς μεσαμβρίης γίνεταί σφι ὁ ἥλιος κατά περ τοῖσι ἄλλοισι ὁ
ἑωθινός καὶ τὸ ἀπὸ τούτου ἀπιὼν ἐπὶ μᾶλλον ψύχει ἐς ὃ ἐπὶ δυσμῇσι ἐὼν καὶ τὸ
κάρτα ψύχει (Hdt Hist III 104 traduccedilatildeo de J Brito Broca)
Nessa regiatildeo o sol eacute mais ardente pela manhatilde do que ao meio-dia ao contraacuterio do
que se verifica nas outras partes e os habitantes conservam a cabeccedila coberta ateacute a
hora em que termina entre noacutes o mercado Ao meio dia a temperatura ali pouco
32
Distacircncia de uma extremidade a outra de um braccedilo estendido horizontalmente medida fixa de quatro cocircvados
ou seis peacutes (aproximadamente 180 m) 33
Medida de peso e de soma de dinheiro equivalente a seis mil dracmas
49
difere da dos demais paiacuteses e daiacute em diante comeccedila a declinar sendo a tarde tatildeo
fresca quanto a manhatilde entre os outros povos Agrave hora de dormir jaacute se goza de um
agradaacutevel frescor
A descriccedilatildeo de Cteacutesias eacute breve
Ὅτι ἀλέα πολλὴ καὶ ὅτι ὁ ἥλιος δεκαπλασίων τὸ μέγεθος ἢ ἐν ταῖς ἄλλαις χώραις
αὐτὸς ἑαυτοῦ φαίνεται καὶ πολλοὶ ἐνταῦθα τῷ πνίγει φθείρονται (Ind frag V)
Que eacute muito o calor e que o sol parece ter dez vezes o tamanho que dos outros
lugares e que laacute muitas pessoas morrem sem ar
Filoacutestrato tambeacutem apresenta a Iacutendia como um lugar muito quente
αἳ περὶ τὴν Ἰνδικήν εἰσι χειμῶνος μὲν ἀλεεινὰς εἶναι θέρους δὲ πνιγηράς πρὸς δὲ
τοῦτο ἄριστα μεμηχανῆσθαι τῷ δαίμονι τὴν γὰρ χώραν αὐτοῖς θαμὰ ὕεσθαι (VA II
19)
Na regiatildeo da Iacutendia o inverno eacute com muito sol e o veratildeo eacute sufocante mas em
compensaccedilatildeo a divindade providenciou algo excelente pois frequentemente chove
no paiacutes deles
2314 Animais
Na VA satildeo descritos muitos animais Aleacutem do detalhamento de seus aspectos fiacutesicos
satildeo narradas as lendas e as estoacuterias que os envolvem Muitos desses animais o autor afirma
que Apolocircnio viu de outros apenas ouviu falar Os animais satildeo leopardos elefantes uma
minhoca flamejante unicoacuternio dragotildees manticora grifos e fecircnix
50
Leopardos
Sobre a conduta dos leopardos na VA eacute narrada a histoacuteria de que eles ficam na regiatildeo
da Panfiacutelia (regiatildeo atual da Turquia) e seu deslocamento de regiatildeo aconteceu da seguinte
forma
χαίρουσι γὰρ τοῖς ἀρώμασι κἀκ πολλοῦ τὰς ὀσμὰς ἕλκουσαι φοιτῶσιν ἐξ Ἀρμενίας
διὰ τῶν ὀρῶν πρὸς τὸ δάκρυον τοῦ στύρακος ἐπειδὰν οἵ τε ἄνεμοι ἀπ᾽ αὐτοῦ
πνεύσωσι καὶ τὰ δένδρα ὀπώδη γένηται (VA II 2)
Se deleitando com os aromas e atraiacutedos de longe pelos odores eles vem
periodicamente da Armeacutenia atraveacutes das montanhas em busca da gota de estoraque
quando os ventos de laacute sopram e as aacutervores se tornam resinosas
Eacute narrado ainda sobre um leopardo que fora apanhado em Panfiacutelia o qual usava uma
corrente de ouro em volto do seu pescoccedilo onde estava inscrito em letras armecircnias ldquoDo rei
Arsaces ao deus Niacutesiordquo (ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΑΡΣΑΚΗΣ ΘΕΩΙ ΝΥΣΙΩΙ - VA II 2) Apolocircnio
deduziu que Arsaces era o rei armecircnio e que ele deixara o animal livre em homenagem a
Dioniso por causa do seu tamanho
Elefantes
Na VA haacute uma descriccedilatildeo dos tipos de elefantes que existem na Iacutendia e de como eles
satildeo treinados e usados em guerras Neste trecho se descrevem trecircs tipos de elefantes os do
pacircntano os da mantanha e os capturados para serem usados na guerra Sobre os elefantes
Cteacutesias menciona apenas que satildeo destruidores de paredes
Περὶ τῶν τειχοκαταλύτων ἐλεφάντων (Ind frag III)
51
Fala sobre elefantes destruidores de paredes
Filoacutestrato por sua vez faz uma descriccedilatildeo muito mais detalhada sobre estes animais
ἐπὶ δὲ τὸν Ἰνδὸν ἐλθόντες ἀγέλην ἐλεφάντων ἰδεῖν φασι περαιουμένους τὸν ποταμὸν
καὶ τάδε ἀκοῦσαι περὶ τοῦ θηρίου ὡς οἱ μὲν αὐτῶν ἕλειοι οἱ δ᾽ αὖ ὄρειοι καὶ
τρίτον ἤδη γένος πεδινοί εἰσιν ἁλίσκονταί τε ἐς τὴν τῶν πολεμικῶν χρείαν
μάχονται γὰρ δὴ ἐπεσκευασμένοι πύργους οἵους κατὰ δέκα καὶ πεντεκαίδεκα ὁμοῦ
τῶν Ἰνδῶν δέξασθαι ἀφ᾽ ὧν τοξεύουσί τε καὶ ἀκοντίζουσιν οἱ Ἰνδοί καθάπερ ἐκ
πυλῶν βάλλοντες καὶ αὐτὸ δὲ τὸ θηρίον χεῖρα τὴν προνομαίαν ἡγεῖται καὶ χρῆται
αὐτῇ ἐς τὸ ἀκοντίζειν ὅσον δὲ ἵππου Νισαίου μείζων ὁ Λιβυκὸς ἐλέφας τοσοῦτον
τῶν ἐκ Λιβύης οἱ Ἰνδοὶ μείζους (VA II 12)
Tendo eles chegado ao Indo viram uma manada de elefantes atravessando o rio e
dizem terem ouvido isto a respeito dos animais como alguns deles satildeo do pacircntano
outros satildeo da montanha e haacute tambeacutem um terceiro tipo da planiacutecie os quais satildeo
capturados para serem usados na guerra Eles vatildeo para a batalha encilhados com
espeacutecies de torres com capacidade de levar de dez a quinze indianos em cada uma
das quais os indianos atiram com o arco e arremessam os dardos como se
estivessem atirando de portotildees O proacuteprio animal tem a tromba como matildeos e a usa
para arremessar dardos Os elefantes da Liacutebia satildeo tatildeo grandes quanto os cavalos de
Nisa assim tambeacutem satildeo os elefantes indianos com relaccedilatildeo aos da Liacutebia
εἰ δὲ καὶ ἤθη ἐλεφάντων χρὴ ἀναγράφειν τοὺς μὲν ἐκ τῶν ἑλῶν ἁλισκομένους
ἀνοήτους ἡγοῦνται καὶ κούφους Ἰνδοί τοὺς δὲ ἐκ τῶν ὀρῶν κακοήθεις τε καὶ
ἐπιβουλευτὰς καὶ ἢν μὴ δέωνταί τινος οὐ βεβαίους τοῖς ἀνθρώποις οἱ πεδινοὶ δὲ
χρηστοί τε εἶναι λέγονται καὶ εὐάγωγοι καὶ μιμήσεως ἐρασταί γράφουσι γοῦν καὶ
ὀρχοῦνται καὶ παρενσαλεύουσι πρὸς αὐλὸν καὶ πηδῶσιν ἀπὸ τῆς γῆς ἐκεῖνοι (VA
II 13)
Se eacute necessaacuterio descrever o caraacuteter dos elefantes os que satildeo capturados nos
pacircntanos os indianos os acham estuacutepidos e inconstantes os das montanhas
maliciosos e traiccediloeiros e caso natildeo precisem de nada natildeo satildeo confiaacuteveis aos
homens mas os elefantes da planiacutecie dizem que satildeo uacuteteis doacuteceis e que gostan de
52
imitar Ao menos escrevem danccedilam balanccedilam ao som da flauta e datildeo saltos sore a
terra
O verme flamejante
Cteacutesias descreve um verme que existe no rio Indo que possui caracteriacutesticas
semelhantes agrave uma descrita na VA
Ὅτι ἐν τῷ ποταμῷ τῶν Ἰνδῶν σκώληξ γίνεται τὸ μὲν εἶδος οἷόν περ ἐν ταῖς συκαῖς
εἴωθε γίνεσθαι τὸ δὲ μῆκος πήχεις ζʹ καὶ μείζους δὲ καὶ ἐλάττους τὸ δὲ πάχος
δεκαετέα παῖδα μόλις φασὶ ταῖς χερσὶ περιλαβεῖν Ἔχουσι δὲ ὀδόντας δύο ἕνα ἄνω
καὶ ἕνα κάτω καὶ ὅ τι ἂν λάβωσι τοῖς ὀδοῦσι κατεσθίουσι Καὶ τὴν μὲν ἡμέραν ἐν
τῇ ἰλύϊ τοῦ ποταμοῦ διαιτῶνται τῇ δὲ νυκτὶ ἐξέρχονται καὶ ἐάν τινι ἐντύχῃ ἐν τῇ γῇ
βοῒ ἢ καμήλῳ καὶ δάκῃ συλλαβὼν ἕλκει εἰς τὸν ποταμὸν καὶ πάντα κατεσθίει πλὴν
τῆς κοιλίας Ἀγρεύεται δὲ ἀγκίστρῳ μεγάλῳ ἔριφον ἢ ἄρνα ἐνδησάντων καὶ
ἁλύσεσι σιδηραῖς ἐναρμοσάντων Ἀγρεύσαντες δὲ τριάκοντα ἡμέρας κρεμῶσιν
αὐτὸν καὶ ἀγγεῖα ὑποτιθέασι καὶ ῥεῖ ἐξ αὐτοῦ ὅσον δέκα κοτύλας ἀττικὰς τὸ
πλῆθος Ὅταν δὲ παρέλθωσιν αἱ τριάκοντα ἡμέραι ἀπορρίπτουσι τὸν σκώληκα καὶ
τὸ ἔλαιον ἀσφαλισάμενοι ἄγουσι τῷ βασιλεῖ μόνῳ τῶν Ἰνδῶν ἄλλῳ δὲ οὐκ ἔξεστιν
ἐξ αὐτοῦ ἔχειν Τοῦτο τὸ ἔλαιον ἐφacute ὃ ἂν ἐπιχυθῇ ἀνάπτει καὶ καταφλέγει ξύλα καὶ
ζῷα καὶ ἄλλως οὐ σβέννυται εἰ μὴ πηλῷ πολλῷ τε καὶ παχεῖ (Ind frag XXVII)
Que no rio do Indo nasce um verme com a aparecircncia tal qual a de um que nasce na
figueira seu comprimento sendo de sete cuacutebitos alguns maiores alguns menores
Quanto agrave largura uma crianccedila de dez anos com dificuldade o envolveria com os
braccedilos Tem dois dentes um em cima e o outro embaixo e o que pegam com os
dentes devoram De dia vivem na lama do rio mas de noite saem e se encontram
algum boi ou camelo na terra tambeacutem os abocanham arrastam consigo para o rio e
comem-no todo exceto o intestino Ele eacute capturado com um grande anzol que
cobrem com um cordeiro ou um carneiro e prendem com uma corrente de ferro
Tendo-o capturado penduram-no por trinta dias e colocam uma jarra embaixo dele
escorre o total de cerca de dez copos aacuteticos Quando se completam os trinta dias
jogam fora o verme e o oacuteleo recolhido levam somente para o rei dos indianos natildeo eacute
permitido que nenhuma outra pessoa o tenha Este oacuteleo sobre o que se derrama
53
incendeia e queima trate-se de madeira ou animal e natildeo se apaga de outro modo
que com muita lama espessa
Na VA por sua vez eacute no rio Hiacutefasis onde existe uma minhoca semelhante agrave retratada
acima
ἔστι δέ τι θηρίον ἐν τῷ ποταμῷ τούτῳ σκώληκι εἰκασμένον λευκῷ τοῦτο οἱ
τήκοντες ἔλαιον ποιοῦνται πῦρ δὲ ἄρα τοῦ ἐλαίου τούτου ἐκδίδοται καὶ στέγει αὐτὸ
πλὴν ὑελοῦ οὐδέν ἁλίσκεται δὲ τῷ βασιλεῖ μόνῳ τὸ θηρίον τοῦτο πρὸς τειχῶν
ἅλωσιν ἐπειδὰν γὰρ θίγῃ τῶν ἐπάλξεων ἡ πιμελή πῦρ ἐκκαλεῖται κρεῖττον
σβεστηρίων ὁπόσα ἀνθρώποις πρὸς τὰ πυρφόρα εὕρηται (VA III 1)
Haacute tambeacutem uma fera nesse rio (Hifaacutesis) que se parece com um verme34
branco Ao
derretecirc-lo eles fazem um oacuteleo e deste oacuteleo parece produz- se uma chama que nada
aleacutem de vidro pode conter E esta criatura pode ser capturada soacute para o rei que o
utiliza para a captura das cidades Quando pois a gordura toca as ameias um fogo
acende-se e desafia todos os meios comuns que vierem a ser inventados pelos
homens contra combustiacuteveis
O unicoacuternio
Nos Indikaacute Cteacutesias retrata um animal com caracteriacutesticas comuns aos unicoacuternios da
VA como por exemplo o fato de os indianos fazerem do chifre do animal uma taccedila e ao
beber dela natildeo adoecerem
Ὅτι εἰσὶν ὄνοι ἄγριοι ἐν τοῖς Ἰνδοῖς ἴσοι ἵπποις καὶ μείζους λευκοὶ δέ εἰσι τὸ σῶμα
τὴν κεφαλὴν πορφυροῖ ὀφθαλμοὺς ἔχουσι κυανέους Κέρας δὲ ἔχει ἐν τῷ μετώπῳ
ἑνὸς πήχεος τὸ μέγεθος καὶ ἔστι τὸ μὲν κάτω τοῦ κέρατος ὅσον ἐπὶ δύο παλαιστὰς
34
Filoacutestrato utiliza a mesma palavra que Cteacutesias para se referir a essa criatura σκώληξ para qual mantivemos
tambeacutem a traduccedilatildeo por ldquovermerdquo nos dois textos
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πρὸς τὸ μέτωπον πάνυ λευκόν τὸ δὲ ἐπάνω ὀξύ ἐστι τοῦ κέρατος τοῦτο δὲ
φοινικοῦν ἐστιν ἐρυθρὸν πάνυ τὸ δὲ ἄλλο τὸ ἐν τῷ μέσῳ μέλαν Ἐκ τούτων οἱ
πιόντες (κατασκευάζουσι γὰρ ἐκπώματα) σπασμῷ φασίν οὐ λαμβάνονται οὔτε τῇ
ἱερᾷ νόσῳ ἀλλacute οὐδὲ φαρμάκοις ἁλίσκονται οὔτacute ἂν προπίωσιν οὔτacute ἂν τοῦ
φαρμάκου ἐπιπίωσιν ἢ οἶνον ἢ ὕδωρ ἢ ἄλλο τι ἐκ τῶν ἐκπωμάτων Οἱ μὲν οὖν
ἄλλοι ὄνοι καὶ ἥμεροι καὶ ἄγριοι καὶ τὰ ἄλλα μώνυχα θηρία πάντα ἀστραγάλους
οὐδὲ χολὴν ἐπὶ τοῦ ἥπατος ἔχουσιν Οὗτοι δὲ καὶ ἀστράγαλον ἔχουσι καὶ χολὴν ἐπὶ
τοῦ ἥπατος τὸν δὲ ἀστράγαλον κάλλιστον ὧν ἐγὼ ἑώρακα οἷόν περ βοὸς καὶ τὸ
εἶδος καὶ τὸ μέγεθος βαρὺς δacute ὡς μόλιβδος τὴν δὲ χρόαν ὥσπερ κιννάβαρι καὶ διὰ
βάθους Ταχύτατον δέ ἐστι τὸ ζῷον τοῦτο καὶ ἀλκιμώτατον οὐδὲν δὲ οὔτε ἵππος
οὔτε ἄλλο τι διωκόμενον καταλαμβάνει (Ind frag XXV)
Que na Iacutendia haacute asnos selvagens iguais a cavalos e maiores Eles tecircm o corpo
branco e a cabeccedila vermelha e tecircm os olhos escuros Tecircm um chifre na testa com o
comprimento de um cuacutebito A parte de baixo do chifre de mais ou menos dois
palmos ateacute a testa eacute completamente branca a parte superior do chifre eacute pontuguda e
inteiramente vermelha escura jaacute a outra parte a do meio eacute preta Os que bebem
nesse chifre (pois os fazem de canecas) dizem natildeo tinham convulsatildeo nem a doenccedila
sagrada nem sucumbem a venenos se bebem antes ou depois do veneno vinho
aacutegua ou qualquer outra bebida nessa caneca Os outros asnos tanto os doacuteceis quanto
os bravos e os outros animais selvagens de uma soacute pata todos natildeo tecircm o astraacutegalo35
nem biacutelis no fiacutegado Poreacutem estes tecircm astraacutegalos e biacutelis no fiacutegado O astraacutegalo eacute o
mais bonito que jaacute vi como o de um boi na forma e no tamanho pesado como
chumbo como que da cor do cinaacutebrio ateacute o fundo Esse animal eacute velociacutessimo e
fortiacutessimo e nenhum cavalo ou outro animal o alcanccedila na corrida
A descriccedilatildeo de Filoacutestrato eacute bem mais breve
καὶ τοὺς ὄνους δὲ τοὺς ἀγρίους ἐν τοῖς ἕλεσι τούτοις ἁλίσκεσθαί φασιν εἶναι δὲ τοῖς
θηρίοις τούτοις ἐπὶ μετώπου κέρας ᾧ ταυρηδόν τε καὶ οὐκ ἀγεννῶς μάχονται καὶ
ἀποφαίνειν τοὺς Ἰνδοὺς ἔκπωμα τὸ κέρας τοῦτο οὐ γὰρ οὔτε νοσῆσαι τὴν ἡμέραν
ἐκείνην ὁ ἀπ᾽ αὐτοῦ πιὼν οὔτε ἂν τρωθεὶς ἀλγῆσαι πυρός τε διεξελθεῖν ἂν καὶ μηδ᾽
ἂν φαρμάκοις ἁλῶναι ὁπόσα ἐπὶ κακῷ πίνεται βασιλέων δὲ τὸ ἔκπωμα εἶναι καὶ
βασιλεῖ μόνῳ ἀνεῖσθαι τὴν θήραν (VA III 2)
35
Nome do osso do tarso substituiacutedo por taacutelus
55
E eles dizem que asnos selvagens tambeacutem satildeo capturados nesses pacircntanos e que
essas criaturas tecircm um chifre na testa com o qual como um touro e natildeo sem
nobreza lutam e que os hindus fazem uma taccedila desse chifre pois algueacutem natildeo
adoeceria durante o dia em que dela bebesse nem tendo sido ferido sentiria dor
mas atravessaria o fogo e nem se bebesse poccedilotildees que fazem mal seria prejudicado
este caacutelice eacute reservado para reis e soacute o rei caccedila essa criatura
Dragotildees
Segundo a narraccedilatildeo da VA por toda a Iacutendia haacute dragotildees enormes tanto nos pacircntanos
quanto nas montanhas Existem diferentes tipos de dragotildees que circulam por esta terra e os
retratados satildeo os do pacircntano os que ficam no sopeacute das montanhas e os que ficam na parte
mais elevada das montanhas Suas principais caracteriacutesticas satildeo
Sobre os dragotildees do pacircntano
οἱ μὲν δὴ ἕλειοι νωθροί τέ εἰσι καὶ τριακοντάπηχυ μῆκος ἔχουσι καὶ κράνος αὐτοῖς
οὐκ ἀνέστηκεν ἀλλ᾽ εἰσὶ ταῖς δρακαίναις ὅμοιοι μέλανες δὲ ἱκανῶς τὸν νῶτον καὶ
ἧττον φολιδωτοὶ τῶν ἄλλων (VA III 6)
Os do pacircntano satildeo pesados e tecircm trinta cuacutebitos de comprimento e natildeo tecircm crista
acima [de suas cabeccedilas] mas satildeo semelhantes aos dragotildees fecircmeas Suas costas satildeo
bem pretas cobertos de menos escamas que as outras espeacutecies
Os dragotildees que sobrevoam o sopeacute e os picos das montanhas satildeo maiores que os
anteriores se movem muito velozmente e satildeo predadores dos dragotildees da planiacutecie Suas outras
caracteriacutesticas satildeo
τούτοις καὶ λοφιὰ φύεται νέοις μὲν ὑπανίσχουσα τὸ μέτριον τελειουμένοις δὲ
συναυξανομένη τε καὶ συνανιοῦσα ἐς πολύ ὅτε δὴ πυρσοί τε καὶ πριόνωτοι
γίγνονται οὗτοι καὶ γενειάσκουσι καὶ τὸν αὐχένα ὑψοῦ αἴρουσι καὶ τὴν φολίδα
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στίλβουσι δίκην ἀργύρου αἱ δὲ τῶν ὀφθαλμῶν κόραι λίθος ἐστὶ διάπυρος ἰσχὺν δ᾽
αὐτῶν ἀμήχανον εἶναί φασιν ἐς πολλὰ τῶν ἀποθέτων (VA III 7)
Estes tecircm crista de extensatildeo e altura moderada quando satildeo jovens mas quando
crescem sua crista aumenta muito e eles se tornam avermelhados e proeminentes
Eles tambeacutem adquirem barba e levantam o pescoccedilo para cima enquanto suas
escamas brilham como prata Seus olhos e suas pupilas satildeo uma pedra ardente e
dizem que guardam uma forccedila irresistiacutevel para muitas coisas escondidas
Sobre os dragotildees das montanhas
οἱ δὲ ὄρειοι δράκοντες τὴν μὲν φολίδα χρυσοῖ φαίνονται τὸ δὲ μῆκος ὑπὲρ τοὺς
πεδινούς γένεια δὲ αὐτοῖς βοστρυχώδη χρυσᾶ κἀκεῖνα καὶ κατωφρύωνται μᾶλλον
ἢ οἱ πεδινοὶ ὄμμα τε ὑποκάθηται τῇ ὀφρύι δεινὸν καὶ ἀνειδὲς δεδορκός ὑπόχαλκόν
τε ἠχὼ φέρουσιν ἐπειδὰν τῇ γῇ ὑποκυμαίνωσιν ἀπὸ δὲ τῶν λόφων πυρσῶν ὄντων
πῦρ αὐτοῖς ἄττει λαμπαδίου πλέον (VA III 8)
Os dragotildees das montanhas tecircm escamas que brilham como ouro e em comprimento
excedem aos da plaacutenicie tecircm barbas espessas tambeacutem dourada suas sobrancelhas
satildeo maiores que as dos da planiacutecie seus olhos se afundam debaixo das sobrancelhas
e emitem um olhar terriacutevel e implacaacutevel Eles produzem um som de bronze quando
se rastejam pela terra e das suas cristas que satildeo vermelhas brota um fogo mais
brilhante do que o de uma tocha
A manticora
A manticora eacute um animal bem descrito por Cteacutesias Na VA a referecircncia que temos
dela se encontra num diaacutelogo com Iarcas quando Apolocircnio lhe pergunta sobre a existecircncia de
tal animal recebendo como resposta do interlocutor nunca ter ouvido nada sobre isso (VA III
45) No entanto a descriccedilatildeo da manticora feita por Apolocircnio eacute semelhante agrave de Cteacutesias
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Καὶ περὶ τοῦ μαρτιχόρα τοῦ ἐν αὐτοῖς ὄντος θηρίου ὡς τὸ πρόσωπον ἐοικὼς
ἀνθρώπῳ μέγεθος μέν ἐστιν ὥσπερ λέων καὶ χροὰν ἐρυθρὸς ὡς κιννάβαρι
Τρίστιχοι δὲ ὀδόντες ὦτα δὲ ὥσπερ ἀνθρώπου καὶ ὀφθαλμοὺς γλαύκους ὁμοίους
ἀνθρώπῳ Τὴν δὲ κέρκον ἔχει οἵανπερ σκορπίος ὁ ἠπειρώτης ἐν ᾗ καὶ τὸ κέντρον
ἔχει μείζω ὑπάρχουσαν πήχεος Ἔχει δὲ καὶ ἐκ πλαγίου τῆς κέρκου ἔνθα καὶ ἔνθα
κέντρα ἔχει δὲ καὶ ἐπacute ἄκρῳ ὥσπερ σκορπίος κέντρον Καὶ τούτῳ μέν ἐὰν
προσέλθῃ τις κεντεῖ τῷ κέντρῳ καὶ πάντως ὁ κεντηθεὶς ἀποθνῄσκει Ἐὰν δέ τις
πόρρωθεν μάχηται πρὸς αὐτόν καὶ ἔμπροσθεν ἱστὰς τὴν οὐράν ὥσπερ ἀπὸ τόξου
βάλλει τοῖς κέντροις καὶ ὄπισθεν ἐπacute εὐθείας ἀποτείνων Βάλλει δὲ ὅσον πλέθρον
εἰς μῆκος καὶ πάντα οἷς ἂν βάλῃ πάντως ἀποκτείνει πλὴν ἐλέφαντος Τὰ δὲ κέντρα
αὐτοῦ ἐστι τὸ μὲν μῆκος ὅσον ποδιαῖα τὸ δὲ πλάτος ὅσον σχοῖνος λεπτότατος
Μαρτιχόρα δὲ ἑλληνιστὶ ἀνθρωποφάγον ὅτι πλεῖστα ἐσθίει ἀναιρῶν ἀνθρώπους
ἐσθίει δὲ καὶ τὰ ἄλλα ζῷα μάχεται δὲ καὶ τοῖς ὄνυξι καὶ τοῖς κέντροις Τὰ δὲ κέντρα
πάλιν φησίν ἐπειδὰν ἐκτοξευθῇ ἀναφύεσθαι Ἔστι δὲ πολλὰ ἐν τῇ Ἰνδικῇ
Ἀποκτείνουσι δὲ αὐτὰ τοῖς ἐλέφασιν ἐποχούμενοι ἄνθρωποι κἀκεῖθεν βάλλοντες
(Ind frag VII)
E sobre a manticora que eacute um animal selvagem e seu rosto parece-se com o
humano Tem o tamanho de um leatildeo e o corpo eacute vermelho assim como do cinaacutebrio
Tem trecircs fileiras de dentes orelhas como a do homem e olhos glaucos semelhantes
ao humano Ele tem a cauda como a do escorpiatildeo continental na qual haacute um ferratildeo
maior que um cocircvado Tambeacutem tem aqui e ali ferrotildees dos lados da cauda aleacutem de
ter tambeacutem um ferratildeo na ponta da cauda como escorpiatildeo Dele se algueacutem se
aproxima ele ferroa com o ferratildeo e todos os ferroados morrem Se algueacutem o
enfrenta de longe e de frente ele levanta a cauda e lanccedila os ferrotildees como de um
arco e se for atacado por traacutes ele o estira reto Ele lanccedila os ferrotildees tatildeo longe quanto
plethron36
e todos aqueles em que ele os lanccedila ele os mata exceto elefantes O
ferratildeo eacute do comprimento de um peacute e da largura de um junco esguio Em grego
manticora significa ldquoantropoacutefagordquo pelo fato de a maioria matar e comer homens
mas devora tambeacutem os outros animais E ela ataca tambeacutem com as garras e com os
ferrotildees e o ferratildeo traseiro diz [Cteacutesias] cada vez que eacute disparado nasce de novo
Haacute muitos deles na Iacutendia E matam-nos homens levados por elefantes e jogando
flechas do alto
lsquoλέγεταιrsquo εἶπε lsquoμεγάλα καὶ ἄπιστα τετράπουν μὲν γὰρ εἶναι αὐτό τὴν κεφαλὴν δὲ
ἀνθρώπῳ εἰκάσθαι λέοντι δὲ ὡμοιῶσθαι τὸ μέγεθος τὴν δὲ οὐρὰν τοῦ θηρίου
36
Medida de comprimento de cem peacutes gregos
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τούτου πηχυαίας ἐκφέρειν καὶ ἀκανθώδεις τὰς τρίχας ἃς βάλλειν ὥσπερ τοξεύματα
ἐς τοὺς θηρῶντας αὐτόrsquo (VA III 45)
Dizem disse [Apolocircnio] coisas grandes e incriacuteveis [sobre essa criatura] que ela tem
quatro patas que sua cabeccedila se assemelha agrave de um homem mas seu tamanho eacute
como o de um leatildeo e que a cauda dessa fera produz pelos de um cuacutebito de
comprimento iguais a um espinho os quais ela lanccedila como flecha naqueles que a
caccedilam
Os grifos
No relato de Cteacutesias os grifos satildeo guardiotildees de ouro
Ἔστι δὲ αὐτόθι ἄργυρος πολὺς καὶ ἀργύρεα μέταλλα οὐ βαθέα ἀλλὰ βαθύτερα
εἶναί φασι τὰ ἐν Βάκτροις Ἔστι δὲ καὶ χρυσὸς ἐν τῇ Ἰνδικῇ χώρᾳ οὐκ ἐν τοῖς
ποταμοῖς εὑρισκόμενος καὶ πλυνόμενος ὥσπερ ἐν τῷ Πακτωλῷ ποταμῷ ἀλλacute ὄρη
πολλὰ καὶ μεγάλα ἐν οἷς οἰκοῦσι γρῦπες ὄρνεα τετράποδα μέγεθος ὅσον λύκος
σκέλη καὶ ὄνυχες οἷά περ λέων τὰ ἐν τῷ ἄλλῳ σώματι πτερὰ μέλανα ἐρυθρὰ δὲ τὰ
ἐν τῷ στήθει Διacute αὐτοὺς δὲ ὁ ἐν τοῖς ὄρεσι χρυσὸς πολὺς ὢν γίνεται δυσπόριστος
(Ind frag XII)
Haacute laacute muita riqueza e minas de prata natildeo profundas mas dizem que as de Baacutectria
satildeo mais profundas Haacute tambeacutem ouro na regiatildeo da Iacutendia mas natildeo satildeo encontrados e
lavados nos rios como no rio Pactolo mas em muitas e grandes montanhas nas
quais vivem grifos aves quadruacutepedes do tamanho de um lobo as patas e garras tais
quais de um leatildeo No resto do corpo tem penas pretas mas no peito satildeo elas
vermelhas Por causa deles torna-se difiacutecil alcanccedilar o abundante ouro que haacute nas
montanhas
Na VA em resposta a Apolocircnio Iarcas confirma a existecircncia deles (VA III 48) Aqui
eacute acrescentada a informaccedilatildeo de que eles satildeo venerados por serem sagrados para o Sol
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μέγεθός τε καὶ ἀλκὴν εἰκάσθαι αὐτοὺς τοῖς λέουσιν ὑπὸ δὲ πλεονεξίας τῶν πτερῶν
αὐτοῖς τε ἐκείνοις ἐπιτίθεσθαι καὶ τῶν ἐλεφάντων δὲ καὶ δρακόντων ὑπερτέρους
εἶναι πέτονται δὲ οὔπω μέγα ἀλλ᾽ ὅσον οἱ βραχύποροι ὄρνιθες μὴ γὰρ ἐπτιλῶσθαι
σφᾶς ὡς ὄρνισι πάτριον ἀλλ᾽ ὑμέσι τοὺς ταρσοὺς ὑφάνθαι πυρσοῖς ὡς εἶναι
κυκλώσαντας πέτεσθαί τε καὶ ἐκ μετεώρου μάχεσθαι τὴν τίγριν δὲ αὐτοῖς ἀνάλωτον
εἶναι μόνην ἐπειδὴ τὸ τάχος αὐτὴν ἐσποιεῖ τοῖς ἀνέμοις (VA III 48)
Em tamanho e em forccedila eles se parecem com os leotildees mas pela vantagem das asas
sobrepotildeem-se agravequeles e satildeo tambeacutem mais poderosos que elefantes e dragotildees Natildeo
voam eles alto mas como as aves de voo curto pois eles natildeo tecircm penas como eacute
normal entre os paacutessaros mas as palmas de suas patas tecircm membranas vermelhas
de modo que girando-as podem voar e do alto lutarem O tigre eacute o uacutenico natildeo
capturado por eles uma vez sua rapidez o faz par dos ventos
A fecircnix
Segundo a narraccedilatildeo de Iarcas a fecircnix eacute uma ave que vai ateacute o Egito a cada quinhentos
anos e no resto do tempo sobrevoa a Iacutendia Sobre ela se diz
εἶναι δὲ ἕνα ἐκδιδόμενον τῶν ἀκτίνων καὶ χρυσῷ λάμποντα μέγεθος ἀετοῦ καὶ
εἶδος ἐς καλιάν τε ἱζάνειν τὴν ἐκ τοῦ ἀρώματος ποιουμένην αὐτῷ πρὸς ταῖς τοῦ
Νείλου πηγαῖς (VA III 49)
haver uma uacutenica produzida pelos raios solares e brilhante de ouro com o tamanho e
a aparecircncia da aacuteguia a qual pousa num ninho que eacute feito por ela mesma com ervas
aromaacuteticas junto das nascentes do Nilo
Os egiacutepcios afirmam que a ave vai ateacute o Egito e os indianos confirmam a informaccedilatildeo
acrescentando ainda que ela ao queimar-se em seu ninho canta hinos fuacutenebres para si mesma
(τῷ λόγῳ τὸ τὸν φοίνικα τὸν ἐν τῇ καλιᾷ τηκόμενον προπεμπτηρίους ὕμνους αὑτῷ ᾄδειν -VA
III 49)
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2315 Seres exoacuteticos
Neste subtoacutepico estatildeo arrolados seres que se diferem por seus haacutebitos como eacute o caso
dos hindus de Taxila e dos comedores de peixes aleacutem de outros seres que possuem
caracteriacutesticas fiacutesicas atiacutepicas como os anotildees a mulher malhada e os pigmeus
Os homens de quatro e cinco cocircvados
Apoacutes passarem do Caacuteucaso eacute narrado que Apolocircnio e seus companheiros
τετραπήχεις ἀνθρώπους ἰδεῖν φασιν οὓς ἤδη μελαίνεσθαι καὶ πενταπήχεις δὲ
ἑτέρους ὑπὲρ τὸν Ἰνδὸν ποταμὸν ἐλθόντες ἐν δὲ τῇ μέχρι τοῦ ποταμοῦ τούτου
ὁδοιπορίᾳ τάδε εὗρον ἀφηγήσεως ἄξια ἐπορεύοντο μὲν γὰρ ἐν σελήνῃ λαμπρᾷ
φάσμα δὲ αὐτοῖς ἐμπούσης ἐνέπεσε τὸ δεῖνα γινομένη καὶ τὸ δεῖνα αὖ καὶ οὐδὲν
εἶναι ὁ δὲ Ἀπολλώνιος ξυνῆκεν ὅ τι εἴη καὶ αὐτός τε ἐλοιδορεῖτο τῇ ἐμπούσῃ τοῖς
τε ἀμφ᾽ οὑτὸν προσέταξε ταὐτὸ πράττειν ταυτὶ γὰρ ἄκος εἶναι τῆς προσβολῆς
ταύτης καὶ τὸ φάσμα φυγῇ ᾤχετο τετριγός ὥσπερ τὰ εἴδωλα (VA II 4)
dizem ter visto homens de quatro cuacutebitos os quais jaacute eram negros e tendo passado
o rio Indo viram outros de cinco cuacutebitos de altura E ateacute alcanccedilar este rio
encontraram isto digno de ser narrado viajavam sob o brilho da lua quando
depararam com a apariccedilatildeo de uma empusa que se transformou de uma coisa em
outra ateacute finalmente se tornar nada Entatildeo Apolocircnio percebeu o que era e ele
mesmo insultou a empusa e mandou que os outros fizessem o mesmo uma vez que
esse era o remeacutedio para aquele ataque E o fantasma voou para longe berrando
como os fantasmas
A mulher malhada
Esta mulher se diz ser consagrada a Afrodite Ao contraacuterio da bela deusa grega esta
mulher multicolor se assemelha a um monstro
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ἐνταῦθα καὶ γυναίῳ φασὶν ἐντετυχηκέναι τὰ μὲν ἐκ κεφαλῆς ἐς μαζοὺς μέλανι τὰ δὲ
ἐκ μαζῶν ἐς πόδας λευκῷ πάντα καὶ αὐτοὶ μὲν ὡς δεῖμα φυγεῖν τὸν δὲ Ἀπολλώνιον
ξυνάψαι τε τῷ γυναίῳ τὴν χεῖρα καὶ ξυνεῖναι ὅ τι εἴη ἱεροῦται δὲ ἄρα τῇ Ἀφροδίτῃ
Ἰνδὴ τοιαύτη καὶ τίκτεται τῇ θεῷ γυνὴ ποικίλη καθάπερ ὁ Ἆπις Αἰγυπτίοις (VA
III 3)
Neste lugar eles dizem que encontraram uma mulher que era negra da cabeccedila aos
seios mas completamente branca do seu peito ateacute os peacutes e fugiram dela como se
fosse um monstro mas Apolocircnio tomou a matildeo da mulher e entendeu o que ela era
de fato na Iacutendia consagra-se a Afrodite algueacutem assim e nasce em homenagem agrave
deusa uma mulher multicolor assim como Aacutepis entre os egiacutepcios
Sobre os hindus de Taxila
Aleacutem de conter templos magniacuteficos e ser a cidade do rei Fraotes a cidade de Taxila eacute
maravilhosa pelo fato de sua populaccedilatildeo se assemelhar a filoacutesofos
στολὴν δὲ εἶναι τοῖς μετὰ τὸν Ἰνδὸν λίνου φασὶν ἐγχωρίου καὶ ὑποδήματα βύβλου
καὶ κυνῆν ὅτε ὕοι καὶ βύσσῳ δὲ τοὺς φανερωτέρους αὐτῶν φασιν ἐστάλθαι τὴν δὲ
βύσσον φύεσθαι δένδρου φασὶν ὁμοίου μὲν τῇ λεύκῃ τὴν βάσιν παραπλησίου δὲ τῇ
ἰτέᾳ τὰ πέταλα καὶ ἡσθῆναι τῇ βύσσῳ φησὶν ὁ Ἀπολλώνιος ἐπειδὴ ἔοικε φαιῷ
τρίβωνι (VA II 20)
Dizem que a vestimenta dos que habitam do outro do outro lado do Indo eacute de linho
da regiatildeo calccedilados de casca de aacutervore e um chapeacuteu quando chove dizem que os
mais distintos deles se vestem com linho finiacutessimo e que o linho finiacutessimo nasce de
uma aacutervore semelhante ao aacutelamo branco e as folhas satildeo quase iguais agraves do
salgueiro E Apolocircnio diz que ficou encantado com o linho fino uma vez que
parecia com seu manto cinza de filoacutesofo
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Os pigmeus
Comparado a Heroacutedoto e a Filoacutestrato Cteacutesias foi o que mais escreveu acerca dos
pigmeus Em sua obra ele descreve caracteriacutesticas fiacutesicas deles como pelos genitais e narizes
(Indikaacute frag XI) Heroacutedoto natildeo usa o termo pigmeu mas Nichols (2011 p 208) afirma que a
descriccedilatildeo em Histoacuterias (II 32) se refere a eles sendo esse termo usado para descrever pessoas
pequenas Na arte e na literatura greco-romana os pigmeus satildeo associados ao nanismo e a
uma desproporccedilatildeo fiacutesica (principalmente com relaccedilatildeo aos genitais) se tornando assim
emblemas de anormalidade Essa anormalidade humana somada agrave caracteriacutestica de eles serem
vinculados ao exotismo representativo dos espaccedilos aleacutem-fronteira reforccedila a imagem da Iacutendia
como uma regiatildeo afastada da Heacutelade ldquocivilizadardquo (RODRIGUES 2016 p 172)
O retrato de Cteacutesias dos pigmeus eacute bem detalhado
Ὅτι μέσῃ τῇ Ἰνδικῇ ἄνθρωποί εἰσι μέλανες (καλοῦνται Πυγμαῖοι) ὁμόγλωσσοι τοῖς
ἄλλοις Ἰνδοῖς Μικροὶ δέ εἰσι λίαν οἱ μακρότατοι αὐτῶν πηχέων δύο οἱ δὲ
πλεῖστοι ἑνὸς ἡμίσεος πήχεος Κόμην δὲ ἔχουσι μακροτάτην μέχρις ἐπὶ τὰ γόνατα
καὶ ἔτι κατώτερον καὶ πώγωνα μέγιστον πάντων ἀνθρώπων Ἐπειδὰν οὖν τὸν
πώγονα μέγα φύσωσιν οὐκέτι ἀμφιέννυνται οὐδὲν ἱμάτιον ἀλλὰ τὰς τρίχας τὰς μὲν
ἐκ τῆς κεφαλῆς ὄπισθεν καθίενται πολὺ κάτω τῶν γονάτων τὰς δὲ ἐκ τοῦ πώγωνος
ἔμπροσθεν μέχρι ποδῶν ἑλκομένας ἔπειτα περιπυκασάμενοι τὰς τρίχας περὶ ἅπαν
τὸ σῶμα ζώννυνται χρώμενοι αὐταῖς ἀντὶ ἱματίου Αἰδοῖον δὲ μέγα ἔχουσιν ὥστε
ψαύειν τῶν σφυρῶν αὐτῶν καὶ παχύ Αὐτοὶ δὲ σιμοί τε καὶ αἰσχροί Τὰ δὲ πρόβατα
αὐτῶν ὡς ἄρνες καὶ οἱ ὄνοι καὶ αἱ βόες σχεδὸν ὅσον κριοί Καὶ οἱ ἵπποι αὐτῶν καὶ
ἡμίονοι καὶ τὰ ἄλλα κτήνη πάντα οὐδὲν μείζω κριῶν Ἕπονται δὲ τῷ βασιλεῖ τῶν
Ἰνδῶν τούτων τῶν Πυγμαίων ἄνδρες τρισχίλιοι σφόδρα γάρ εἰσι τοξόται
Δικαιότατοι δέ εἰσι καὶ νόμοισι χρῶνται ὥσπερ καὶ οἱ Ἰνδοί Λαγοὺς δὲ καὶ
ἀλώπεκας θηρεύουσιν οὐ τοῖς κυσὶν ἀλλὰ κόραξι καὶ ἰκτίσι καὶ κορώναις καὶ ἀετοῖς
Ὅτι λίμνη ἐστὶν ἐν αὐτοῖς (σταδίων ὀκτακοσίων ἡ περίμετρος) ἐν ᾗ ἀνέμου μὴ
πνέοντος ἐπάνω τῆς λίμνης ἔλαιον ἐφίσταται καὶ πλοαρίοις πλέοντες διacute αὐτῆς ἐκ
μέσης αὐτῆς σκαφίοις τοῦ ἐλαίου ἀπαρύονται καὶ χρῶνται Χρῶνται δὲ καὶ
σησαμίνῳ Ἔχει δὲ ἡ λίμνη καὶ ἰχθύας Καὶ τῷ καρυΐνῳ δὲ χρῶνται κρεῖσσον δὲ τὸ
λιμναῖον (Ind frag XI)
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Que no meio da Iacutendia haacute homens negros (chamados pigmeus) que falam a mesma
liacutengua que os outros indianos E satildeo muito pequenos os maiores deles tecircm dois
cocircvados mas a maioria meio cocircvado E tecircm o cabelo comprido ateacute o joelho e ainda
mais abaixo e a barba maior que de todos os homens Uma vez pois que a barba
ficava grande natildeo mais vestiam nenhuma roupa mas dos peacutes uma parte deixam
cair da cabeccedila para traacutes ateacute os joelhos a outra parte puxam da barba para frente ateacute
os peacutes em seguida envolvem os pelos ao redor do corpo todo e cingem-se usando
os pelos em lugar de roupa E eles tecircm o genital grande ao ponto de tocar os joelhos
deles e grosso E eles satildeo de nariz achatado e feios E os carneiros deles satildeo como
os cordeiros e os asnos e bois mais ou menos do tamanho de carneiros E os cavalos
deles as mulas e todas as outras criaccedilotildees natildeo satildeo maiores que carneiros E escoltam
o rei da Iacutendia destes pigmeus trecircs mil homens pois satildeo arqueiros muito bons Satildeo
justos e utilizam de leis como tambeacutem os indianos Caccedilam lebres e raposas natildeo com
catildees mas com corvos fuinhas albatrozes e aacuteguias
Que haacute um lago onde moram (com o periacutemetro de 800 estaacutedios) no qual uma vez
que o vento natildeo sopra sobre o lago boia oacuteleo e em barquinhos navegam pelo lago e
do meio dele colhem o oacuteleo em vasilhas e o usam E tambeacutem abusam do gergelim
O lago tem peixe E usam noz A noz do lago eacute melhor
Na VA (VA III 47) o saacutebio Iarcas confirma a existecircncia dos pigmeus na Iacutendia e diz
ser verdade o que descrevem sobre esses homens poreacutem se refere a eles de forma breve
τοὺς δὲ πυγμαίους οἰκεῖν μὲν ὑπογείους κεῖσθαι δὲ ὑπὲρ τὸν Γάγγην ζῶντας
τρόπον ὃς πᾶσιν εἴρηται (VA III 47)
os pigmeus habitam no subsolo ficam do outro lado do Ganges e vivem da forma
como eacute relatada por todos
Os comedores de peixes e os carianos
Os comedores de peixes provecircm de uma cidade chamada Estobera (Στόβηρα) e satildeo
contrastados com uma outra raccedila de hindus os carianos
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διφθέρας δὲ τούτους ἐνῆφθαι μεγίστων ἰχθύων καὶ τὰ πρόβατα τὰ ἐκείνῃ ἰχθυώδη
εἶναι καὶ φαγεῖν ἄτοπα τοὺς γὰρ ποιμένας βόσκειν αὐτὰ τοῖς ἰχθύσιν ὥσπερ ἐν
Καρίᾳ τοῖς σύκοις (VA III 55)
Eles se vestem com a pele de grandes peixes as suas ovelhas tecircm cheiro de peixe e
comem coisas atiacutepicas pois os pastores as alimentam com peixes como na Caacuteria
satildeo alimentadas com figos
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CAPIacuteTULO III
OS SAacuteBIOS HINDUS
Os saacutebios hindus satildeo personagens essenciais nesta obra Satildeo mencionados desde o
iniacutecio como o alvo principal da viagem de Apolocircnio e satildeo a referecircncia de sabedoria maacutexima
natildeo soacute para Apolocircnio mas tambeacutem para a populaccedilatildeo que os procura para serem curados e
aconselhados bem como para reis que os consultam para tomar decisotildees A essecircncia dessa
sabedoria superior adveacutem do contato deles com os deuses e de seu conhecimento da filosofia
grega Assim os bracircmanes satildeo influentes natildeo apenas filosoficamente mas tambeacutem
politicamente
31 Fraotes o rei exemplar e algumas informaccedilotildees sobre os saacutebios hindus
Como mencionado no primeiro capiacutetulo Apolocircnio se depara com muitas referecircncias agrave
cultura grega aacutetica em sua viagem agrave Iacutendia Nesse sentido o rei Fraotes de Taxila se torna um
siacutembolo uma conexatildeo dessa referecircncia claacutessica com a sabedoria hindu
De acordo com a narrativa Fraotes se assemelha a um filoacutesofo com caracteriacutesticas
pitagoacutericas pois natildeo consome vinho manteacutem uma dieta vegetariana (VA II 26) e se compraz
com a filosofia (VA II 30) Interage tambeacutem com a cultura por outro vieacutes visto que se
exercita agrave maneira grega e oferece um banquete a Apolocircnio (VA II 27) Aleacutem disso possui
habilidades linguiacutesticas notaacuteveis pois fala e tem domiacutenio da literatura e da liacutengua grega (VA
II 27-32) Em um diaacutelogo com Apolocircnio Fraotes narra sua histoacuteria e conta como aprendeu
grego com o seu proacuteprio pai Aos doze anos foi viver com os bracircmanes hindus dos quais
recebeu uma educaccedilatildeo helecircnica (VA II 31) Em virtude dessa educaccedilatildeo junto aos bracircmanes
Fraotes se tornou um soberano que age com moderaccedilatildeo e integridade (VA II 34) Silva
(2017 p 486) considera que por essas caracteriacutesticas Fraotes eacute tido como um modelo de rei
ideal e eacute elogiado por Apolocircnio em vaacuterios momentos
Ao ponderar sobre o contexto em que Filoacutestrato viveu isto eacute o de um grego
submetido a um governo romano e sua proposta de resgatar a cultura helecircnica mediante a
Segunda Sofiacutestica entendemos que o autor acreditava que para um rei agir de forma
moderada e iacutentegra deveria estar imbuiacutedo dos valores e da cultura grega Esse modelo
66
idealizado personificado na figura de Fraotes serviria de criacutetica contra os imperadores
romanos
A partir desse contato com o rei hindu Apolocircnio tem mais notiacutecias sobre os bracircmanes
Sem especificar o nome da cidade Fraotes lhe conta que os saacutebios vivem em um local entre o
rio Hiacutefasis e o Ganges em uma regiatildeo que nunca fora encontrada por Alexandre Mesmo que
Alexandre a tivesse encontrado explica o rei ele natildeo teria sido capaz de tomar posse daquele
local nem que estivesse acompanhado de ldquodez mil Aquiles e trinta mil Aacutejaxrdquo pois os
bracircmanes natildeo lutam contra aqueles que se aproximam de sua torre (τύρσις) mas os repelem
com prodiacutegios e com raios lanccedilados por eles mesmos uma vez que satildeo homens sagrados e
amados pelos deuses (VA II 33) Como exemplo Fraotes cita uma expediccedilatildeo beacutelica
empreendida por Heacuteracles do Egito e Dioniso Apoacutes terem invadido a Iacutendia tentaram tomar a
torre dos saacutebios com um ataque Os bracircmanes ao inveacutes de terem reagido de forma violenta se
mantiveram quietos e passivos Poreacutem quando todos os soldados estavam reunidos para o
ataque final os saacutebios do alto lanccedilaram miacutesseis de fogo e raios sobre eles derrotando os
invasores (VA II 34)
Em outro momento da narrativa Apolocircnio e Iarcas discutem tambeacutem a respeito desse
toacutepico Apolocircnio cita Aquiles como um modelo de heroacutei exemplar que foi celebrado por
Homero tanto por sua coragem quanto por sua beleza superando Aacutejax e Nireu Contudo
Iarcas critica esse modelo defendido por Apolocircnio e sugere uma ruptura desse paradigma de
heroiacutesmo (VA III 19) Assim associamos que a proacutepria histoacuteria dos bracircmanes eacute um exemplo
desse rompimento haja visto que eles foram capazes de repelir os ataques de Dioniso e
Heacuteracles de Alexandre e de todos os outros homens que tiveram intenccedilatildeo de conquistar
aquele local Valorizando a paz e ao mesmo tempo sendo capazes de manter sua
independecircncia os bracircmanes representam a estabilidade e preservam a integridade de seus
valores Ao redor deles impeacuterios nasceram e caiacuteram Poro um dos mais poderosos reis
indianos foi derrotado por Alexandre o qual por sua vez teve o seu proacuteprio impeacuterio
rapidamente desintegrado apoacutes sua morte O contraste entre os dois reis Fraotes e Poro bem
como a forma de seus governos eacute bem marcada quando Fraotes diz a Apolocircnio ldquoPoro amava
a guerra mas eu amo a pazrdquo (Πῶροςrsquo εἶπε lsquoπολέμου ἤρα ἐγὼ δὲ εἰρήνης VA II 26) De
acordo com Abraham (2014 p 478) a veneraccedilatildeo do militarismo e do imperialismo
encontrados em Homero eacute a fonte da decadecircncia da eacutetica grega e essa decadecircncia por sua
vez eacute expressa pela perda do autoconhecimento e em uacuteltima instacircncia da identidade grega
sob o impeacuterio romano
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Dessa forma temos uma imagem da torre dos bracircmanes como uma fortaleza
impossiacutevel de ser invadida e corrompida Recaiacute sobre eles a proteccedilatildeo natural do local e o
favorecimento dos deuses Ao mesmo tempo o local se constituiria em um bastiatildeo de
sabedoria que preservaria os valores gregos idealizados por Filoacutestrato
32 Todos os caminhos levam agrave Greacutecia
Apoacutes uma longa viagem Apolocircnio e seus companheiros finalmente chegam onde a
torre dos bracircmanes estava localizada (VA III 10) Ao se aproximarem curiosamente um
mensageiro hindu vem ateacute eles se comunicando em grego (VA III 12) Segundo a descriccedilatildeo
do texto a torre tem quase a mesma altura da Acroacutepole de Atenas sobe diretamente da
planiacutecie e sua posiccedilatildeo natural a protege de ataques pois eacute rodeada por rochas em todos os
lados (VA III 13) Com essa descriccedilatildeo Filoacutestrato compara explicitamente a topografia da
torre dos bracircmanes com a Acroacutepole de Atenas Desde a referecircncia linguiacutestica ateacute a
topograacutefica o autor permite que o leitor crie um mapa mental de Atenas
68
FIGURA 3 - Apolocircnio encontra o mensageiro dos bracircmanes (VA II 11-13) (imagem superior) Apolocircnio
discursa para a populaccedilatildeo de Eacutefeso sobre a praga (VA IV 10) (imagem inferior) Desenho de Johannes
Stradanus (Bruges I523 - Florenccedila 1605) New York Cooper-Hewitt Museum of Design Smithsonian
Instititution
Fonte YSSELT DVS Stradanus Drawings for the ldquoLife of Apollonius of Tyanardquo Master Drawings n 32 n
04 1994 p 352
Na sequecircncia o autor narra que os viajantes precisam passar por um processo de
purificaccedilatildeo primeiro devem purgar os seus pecados mesmo os involuntaacuterios banhando-se
em um poccedilo para em seguida passarem pelo ldquofogo do perdatildeordquo (πῦρ ξυγγνώμης - VA III
14) Segundo Marciano (2014 p 137-139) manter-se puro tambeacutem eacute um preceito pitagoacuterico
A purificaccedilatildeo eacute nesse sentido uma necessidade para se manter limpo das impurezas
transmitidas pelo contato com as outras pessoas Mesmo fora da esfera estritamente cultual a
pureza individual eacute fundamental para evitar a absorccedilatildeo de energias negativas que manchem
natildeo apenas o plano divino mas tambeacutem o proacuteprio componente divino do homem Por isso
continua a autora a vida diaacuteria pitagoacuterica eacute ritualizada em todos os seus atos gestos e
69
palavras de forma a que o indiviacuteduo possa conscientemente preservar a sua pureza respeitar
a esfera divina e evitar que qualquer accedilatildeo sua possa prejudicar a si mesmo e aos outros
Logo apoacutes terem se purificado Apolocircnio e seus companheiros de viagem se foram
para um local onde se depararam com estaacutetuas de deuses indianos e egiacutepcios Poreacutem a
surpresa maior foi terem encontrado entre as demais estaacutetuas dos deuses gregos mais
antigos
θεῶν δὲ ἀγάλμασιν ἐντυχεῖν φασιν εἰ μὲν Ἰνδοῖς ἢ Αἰγυπτίοις θαῦμα οὐδέν τὰ δέ
γε ἀρχαιότατα τῶν παρrsquo Ἕλλησι τό τε τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Πολιάδος καὶ τὸ τοῦ
Ἀπόλλωνος τοῦ Δηλίου καὶ τὸ τοῦ Διονύσου τοῦ Λιμναίου καὶ τὸ τοῦ Ἀμυκλαίου
καὶ ὁπόσα ὧδε ἀρχαῖα ταῦτα ἱδρύεσθαί τε τοὺς Ἰνδοὺς τούτους καὶ νομίζειν
Ἑλληνικοῖς ἤθεσι φασὶ δ᾽ οἰκεῖν τὰ μέσα τῆς Ἰνδικῆς καὶ τὸν ὄχθον ὀμφαλὸν
ποιοῦνται τοῦ λόφου τούτου πῦρ τε ἐπ᾽ αὐτοῦ ὀργιάζουσιν ὅ φασιν ἐκ τῶν τοῦ
ἡλίου ἀκτίνων αὐτοὶ ἕλκειν τούτῳ καὶ τὸν ὕμνον ἡμέραν ἅπασαν ἐς μεσημβρίαν
ᾄδουσιν (VA III 14)
Eles dizem que se depararam com estaacutetuas de deuses e natildeo seria espantoso se
fossem soacute Indianos ou Egiacutepcios mas viram principalmente de Gregos Haviam
estaacutetuas de Atena Poliacuteade de Apolo de Delos e de Dioniacuteso de Limneu e de Amiclas
dentre outras tambeacutem antigas e os hindus estabeleceram praacuteticas gregas comuns
para cultuaacute-las E eles dizem que eles habitam nas partes centrais da Iacutendia e
consideram este pico como o umbigo desta colina onde os saacutebios cultuam o fogo o
qual dizem extrair dos raios solares e para o sol eles cantam um hino todos os dias
ao meio dia
Como descrito acima as estaacutetuas encontradas satildeo de Atena Poliacuteade de Apolo de
Delos e duas de Dioniacuteso uma do Limneu e a outra de Amiclas Abraham (2014 p 472)
observa que aleacutem dessas estaacutetuas pertencerem a cultos originaacuterios do periacuteodo arcaico estaacute
agregado a esse conjunto o culto das cidades de Atenas (Atena Poliacuteade) de Delos (Apolo) e
de Esparta (Dioniso de Limneu e de Amiclas) criando-se desse modo um mapa mental que
unifica as regiotildees da Aacutetica da Jocircnia e do Peloponeso em uma identidade singular Esse
agrupamento ainda segundo Abraham remete agrave tendecircncia da literatura da Segunda Sofiacutestica
de criar a representaccedilatildeo literaacuteria de um passado grego unificado se natildeo homogeneizado
ocultando as diferenccedilas existentes entre as antigas cidades-estado
Eacute interessante destacar que o estranhamento provocado pelas estaacutetuas dessa vez natildeo
se deve ao exotismo da cultura hindu mas agrave similaridade da proacutepria cultura de Apolocircnio em
um lugar tatildeo distante de sua paacutetria Aleacutem disso ao se referir a torre dos bracircmanes como o
70
coraccedilatildeo Iacutendia e ao mesmo tempo como o centro do mundo (ὀμφαλὸν) desloca-se todo o
referencial geopoliacutetico cultural A noccedilatildeo de periferia e centro eacute invertida a Iacutendia fronteira do
mundo ocupa agora a posiccedilatildeo central no lugar da Greacutecia e de Roma Uma das
consequecircncias disso aponta Abraham (2014 p 475) eacute a implicaccedilatildeo de que o centro do
mundo estaacute de fato em uma regiatildeo baacuterbara e natildeo civilizada Atenas e Roma entatildeo passam a
ser percebidas como regiotildees baacuterbaras e incivilizadas independente de sua localizaccedilatildeo
geograacutefica
Se compararmos as representaccedilotildees de Roma da Greacutecia e de Paraca na VA sugere
Abraham (2014 p 476) Esta uacuteltima corresponderia ao centro do mundo ou ao menos agrave sede
de um helenismo natildeo corrompido Roma agrave periferia corruptora e Greacutecia agrave zona
intermediaacuteria corrompida e baacuterbara pela influecircncia de Roma mas ainda possiacutevel de salvaccedilatildeo
Considerando todas essas caracteriacutesticas percebemos que Filoacutestrato nos indica de
forma metafoacuterica coordenadas que localizam a Greacutecia antiga idealizada pelo autor nas
regiotildees distantes da Iacutendia (ABRAHAM 2004 472 ndash 475) O confim da terra agora passa a ser
o ὀμφαλὸν Nele conseguem se comunicar em liacutengua grega os indianos possuem deuses
gregos em comum e compartilham da mesma educaccedilatildeo grega Estes aspectos servem de ponte
para unir dois lugares tatildeo distantes ou em uacuteltima instacircncia podem ser vistos como o
derradeiro elo entre eles
33 Sobre os confins do mundo e os confins da sabedoria
Se por um lado a Iacutendia foi tida como a fronteira do mundo na literatura grega antiga
por outro lado a VA quebra esse paradigma e amplia os limites desse toacutepos literaacuterio
De acordo com Parker (2008 p 301) os gregos comeccedilaram a imaginar a Iacutendia como
lugar de sabedoria personificada na figura dos homens sagrados a partir de Alexandre
Assim os bracircmanes causaram grande impressatildeo nos gregos e nos romanos por representarem
a junccedilatildeo de duas vertentes a primeira agrave virtude de um povo distante desprovido de riquezas
e individualmente representada por Dandacircmis37
a segunda agrave sabedoria dos saacutebios
especialmente dos povos antigos orientais que reforccedila sua posiccedilatildeo marginal em relaccedilatildeo ao
mundo mediterracircneo Com isso ao caracterizar esses homens saacutebios continua o autor talvez
seja necessaacuterio contrastaacute-los com alguns de seus visitantes mais frequumlentes do oeste os
filoacutesofos Estes diferiam natildeo soacute pela sua identidade eacutetnica mas tambeacutem pela paideia Os
37
O saacutebio com quem Alexandre teve contato como consta no Romance de Alexadre
71
gimnosofistas e os bracircmanes possuiacuteam sabedoria sem terem sofrido o aacuterduo processo de
aprendizagem grego um processo que tambeacutem eacute importante para a formaccedilatildeo do saacutebio estoico
e do homem sagrado pagatildeo da Antiguidade Nesse sentido os gimnosofistas e os bracircmanes
oferecem um tipo alternativo de sabedoria
Desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra que Apolocircnio busca os conhecimentos
orientais como fonte de sabedoria Elsner (1997 p 29-30) mostra que o autor usa as viagens
como um reflexo do progresso espiritual de Apolocircnio Assim a grande variedade de tόpoi
etnograacutefico experimentada por Apolocircnio sugere a profundidade e universalidade da sabedoria
que ele dominou e com a qual estaacute equipado para ensinar Filoacutestrato representa seu saacutebio
visitando as fronteiras do mundo conhecido em todas as direccedilotildees norte no Caacuteucaso (VA II
2) leste no Oriente proacuteximo (VA I 21 II 1) e na Iacutendia (VA II 17 III 50) sul no Egito e
Etioacutepia (VA V43 VI 28) e oeste nas Colunas de Heacuteracles (VA IV 47 V 10)
Depois da Iacutendia Apolocircnio passa por Alexandria e segue viagem rumo agrave cidade dos
gimnosofistas localizada entre o Egito e a Etioacutepia (VA VI 5) Como observa Silva (2014 p
277) os gimnosofistas ora satildeo tratados como egiacutepcios (VA I 2 III 32 VI 10-11 VIII 74)
ora como etiacuteopes (VA VI 6 16 VIII 712) Sobre isso Robiano (1992 p 414-415)
menciona que existe uma proximidade entre gimnosofistas e bracircmanes na literatura grega
antiga A exemplo disso o autor cita uma passagem dos Fugitivos de Luciano de Samoacutesata
na qual a personagem Filosofia marca os estaacutegios de sua chegada aos humanos Em suma
depois dos bracircmanes fui diretamente para a Etioacutepia depois para o Egito (μετὰ δ᾽ οὖν τοὺς
Βραχμᾶνας εἰς Αἰθιοπίαν εὐθύς εἶτα εἰς Αἴγυπτον κατέβην Fugitivi VIII) Tambeacutem na VA
os gimnosofistas satildeo considerados inferiores em sabedoria aos bracircmanes (VA VI 6 11 16)
Como afirma Parker (2008 p 264) as viagens trazem sabedoria em particular
aquelas que rumam para uma antiga terra do leste Os bracircmanes por sua vez natildeo viajam mas
satildeo o motivo de viagem para alguns filoacutesofos como no caso de Apolocircnio Contudo Parker
alega (2008 p 254) que a VA foi a primeira obra a considerar a Iacutendia como referecircncia
maacutexima em sabedoria Ao dialogar com Iarcas Apolocircnio afirma considero que sua
sabedoria eacute mais profunda e muito mais divina do que a nossa e se eu natildeo acrescentar nada ao
meu estoque atual de conhecimento enquanto estou com vocecirc ao menos terei aprendido que
natildeo tenho nada mais para aprender (σοφώτερά τε ἡγοῦμαι τὰ ὑμέτερα καὶ πολλῷ θειότερα
εἰ δὲ μηδὲν πλέον ὧν οἶδα παρ᾽ ὑμῖν εὕροιμι μεμαθηκὼς ἂν εἴην καὶ τὸ μηκέτ᾽ ἔχειν ὅ τι
μάθοιμι VA III 16)
Temos assim segundo Elsner (1997 29-31) a construccedilatildeo da imagem dos bracircmanes
como a fonte maacutexima de sabedoria que Apolocircnio poderia alcanccedilar e o resultado dessa viagem
72
agrave Iacutendia eacute justamente o autoconhecimento e a plena maturidade filosoacutefica Essa viagem ao
leste entatildeo eacute apresentada como parte da trajetoacuteria que transformaraacute Apolocircnio em um θεῖος
ἀνήρ no Impeacuterio Romano Ao mesmo tempo essa viagem estabelece um paralelo entre
Apolocircnio Heacuteracles Dioniso e Alexandre nos quais o saacutebio finalmente supera o conquistador
ao adentrar no leste
Assim foi na Iacutendia a fronteira do mundo o lugar onde Apolocircnio atingiu o extremo da
sabedoria
34 As curas feitas na torre dos bracircmanes
Como mencionado no primeiro capiacutetulo os milagres e as curas de Apolocircnio narrados
na VA satildeo ingredientes que formam a figura de um θεῖος ἀνήρ e compotildeem tambeacutem o
conteuacutedo maravilhoso da obra No terceiro livro enquanto Apolocircnio permanece na torre dos
bracircmanes ele e os saacutebios curam alguns enfermos que para laacute se dirigem
De acordo com Parker (2009 p 89) a literatura antiga valorizava de maneira especial
o conhecimento medicinal hindu Assim os meacutedicos indianos ao contraacuterio de seus
equivalentes gregos eram capazes de curar mordidas de cobras como narrado por Arriano de
Nicomeacutedia (VIII Ind 15 5-11) Segundo Arriano esses meacutedicos (ἰητροί) pertencem a um
subconjunto de filoacutesofos Estrabatildeo tambeacutem fala a respeito da medicina indiana citando Nearco
e Megaacutestenes como fonte (15 145 C706 e 15160 C713)
Na VA algumas das curas realizadas ora por Apolocircnio ora pelos bracircmanes satildeo i) o
exorcismo de um democircnio que possuiacutea um menino haacute dois anos (VA III 38) ii) a
recuperaccedilatildeo de um homem caccedilador de leotildees o qual havia deslocado o quadril por causa do
ataque de um leatildeo iii) o restabelecimento da visatildeo de um homem que teve os olhos
arrancados iv) a restauraccedilatildeo de um outro que tinha uma matildeo paralisada v) e o auxiacutelio ao
parto de uma mulher que jaacute havia sofrido aborto sete vezes (VA III 39)
Em dado momento Iarcas declara que de todos os dons que satildeo concedidos aos
homens o da cura eacute o mais importante (VA III 44) Ao mesmo tempo ele associa o dom da
cura com o da adivinhaccedilatildeo pois este uacuteltimo proporciona o descobrimento de novas curas
Pode-se por exemplo manipular o veneno de certos animais para o tratamento de doenccedilas
Para Iarcas sem uma sabedoria profeacutetica os homens natildeo se arriscariam a misturar venenos
criando medicamentos que salvam vidas Ainda segundo ele os filhos de Ascleacutepio jamais
teriam alcanccedilado esse ramo da ciecircncia se o proacuteprio Ascleacutepio natildeo fosse filho de Apolo Por
73
meio da consulta de oraacuteculos eles prepararam e adaptaram diferentes medicamentos para
diferentes doenccedilas Aleacutem disso teriam aprendido de Ascleacutepio quais ervas devem ser aplicadas
em hemorragias queimaduras e escoriaccedilotildees e quais liacutequidos devem ser administrados para
tratar os pacientes
Essa relaccedilatildeo entre a cura baseada nos ensinamentos de Ascleacutepio e no dom da
adivinhaccedilatildeo estaacute associada agrave sabedoria de Apolocircnio desde o iniacutecio da obra Filoacutestrato narra
que Apolocircnio aos quatorze anos se mudou para Tarso a fim de ser educado por Eutidemo
que era um bom orador e originaacuterio da Feniacutecia Mais tarde se mudou para Egas onde existia
uma escola mais conceituada e um templo de Ascleacutepio no qual o deus aparecia para os
homens Foi tambeacutem nesta cidade que Apolocircnio aos dezesseis anos sentiu um impulso e
passou a se dedicar aos ensinamentos pitagoacutericos (VA I 7) A partir de entatildeo Apolocircnio
passou a seguir os preceitos de Pitaacutegoras e foi morar no templo de Ascleacutepio Com isso as
pessoas que moravam nas redondezas do templo passaram a admiraacute-lo e o proacuteprio deus
manifestou ao sacerdote do templo o seu contentamento por ter Apolocircnio como testemunha de
suas curas Consequentemente a reputaccedilatildeo de Apolocircnio aumentou ao ponto de os povos
vizinhos e ateacute mesmo os mais distantes irem ateacute laacute para vecirc-lo (VA I 8) e dele receber curas
(VA I 9-10)
74
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Podemos rastrear ao longo da VA vaacuterios indiacutecios que nos permitem ler a obra como
um instrumento sofisticado para defender os ideais da Segunda Sofiacutestica De acordo com a
leitura que fazemos do texto Filoacutestrato se apropria do personagem de tal forma que vemos
em Apolocircnio natildeo apenas um filoacutesofo pitagoacuterico um saacutebio um θεῖος ἀνήρ em busca da
sabedoria mas principalmente a figura de um difusor da cultura grega A impressatildeo que
temos eacute agrave grosso modo de que Apolocircnio seria a proacutepria Greacutecia personificada
Como menciona Swain (2009 p 34) Filoacutestrato estava ciente da mudanccedila de seu
mundo Uma de suas reaccedilotildees foi arquitetar um modelo idealizado da cultura helecircnica e
apresentaacute-lo como se esta cultura fosse a natural de seus companheiros de elite Sobre isso
Horster (2014 p 11) afirma que para muitas pessoas a educaccedilatildeo seria a maneira mais
importante de se chegar agrave essecircncia da cultura e da religiatildeo grega Nesse sentido somente a
elite intelectual poderia se envolver com ela Partindo desse ideal Filoacutestrato e outros
escritores da Segunda Sofiacutestica agiam no Impeacuterio Romano
Dentro desse contexto a liacutengua foi um veiacuteculo influente Abraham (2009 p 38)
reforccedila que esta eacute uma das caracteriacutesticas da Segunda Sofiacutestica pois autores e oradores
expressavam sua identidade grega simulando a dicccedilatildeo o estilo e o vocabulaacuterio do aacutetico do
seacuteculo V aC O aticismo prevaleceu de tal forma que lexicoacutegrafos comeccedilaram a catalogar o
grego ldquocorretordquo e o ldquoincorretordquo como fez Frinico Arabio que compocircs a Praeparatio
Sophistica um leacutexico no qual categorizava o uso ldquocorretordquo do aacutetico e menosprezava todos os
outros dialetos Em uacuteltima instacircncia o aticismo foi uma simulaccedilatildeo que permitia a algueacutem
reivindicar uma identidade grega Eacute significativo que Filoacutestrato para exaltar as qualificaccedilotildees
heleniacutesticas de Apolocircnio enfatiza que ele falava perfeitamente o aacutetico sem se deixar afetar
pelo sotaque da sua regiatildeo (VA I 7) Aleacutem da performance linguiacutestica exemplar de Apolocircnio
tambeacutem eacute digno de nota que as pessoas mais influentes da Iacutendia falavam habilmente o grego
como o rei Fraotes e os bracircmanes
Nesse sentido de retomada e afirmaccedilatildeo de uma identidade grega a noccedilatildeo de baacuterbaro
retorna agrave eacutepoca claacutessica A separaccedilatildeo entre a etnia e a cultura de fato teve iniacutecio no mundo
heleniacutestico e continuou em Roma A etnicidade permaneceu importante na imaginaccedilatildeo e teve
certamente consequecircncias poliacuteticas e sociais Dentro desse contexto eacute compreensiacutevel que os
autores da Segunda Sofiacutestica tenham tentado estabelecer um estereoacutetipo do ldquogrego purordquo
(SWAIN 2009 p 35)
75
Dadas essas circunstacircncias Abraham (2014 p 476) entende que a corrupccedilatildeo da
identidade grega apresentada por Filoacutestrato sugere uma criacutetica da cultura grega sob o Impeacuterio
Romano Nas palavras de Iarcas (VA III 19) os gregos deveriam se culpar pela degradaccedilatildeo
de sua identidade jaacute que usam o Aquiles homeacuterico (bem como outros heroacuteis similares) como
um modelo de masculinidade que os levou a venerar o imperialismo de uma forma geral
Swain (2009 p 36- 37) sugere que por meio da VA Filoacutestrato idealiza e propotildee um
modelo que intencionaria uma reforma religiosa e moral baseadas nos preceitos da cultura
grega ao enfatizar os feitos de um θεῖος ἀνήρ e de um filoacutesofo-pitagoacuterico exemplar A cultura
helecircnica eacute tida como superior por um lado sob a perspectiva da saacutebia filosofia helecircnica e por
outro decadente se tomarmos como exemplo outros gregos contemporacircneos de Apolocircnio
Swain ainda considera que as reformas propostas por Filoacutestrato na figura de Apolocircnio
dialogariam diretamente com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato e natildeo da de Apolocircnio
Por isso natildeo eacute de forma involuntaacuteria que
Se Apolocircnio compreende todas as liacutenguas sem as ter aprendido o grego eacute
entretanto a liacutengua que tem mais afinidades com a sabedoria Todos os
interlocutores de qualidade com quem Apolocircnio conversa falam grego comeccedilando
por Iarcas o mais saacutebio dos bracircmanes hindus acolhe-o em grego [] Trata-se de
uma forma de dizer que o grego eacute a liacutengua da filosofia (HARTOG 2004 p 227
228 traduccedilatildeo de Jacyntho Lins Brandatildeo)
Com isso entendemos que na eacutepoca de Filoacutestrato mas principalmente segundo a
oacutetica do autor baacuterbaro jaacute natildeo eacute aquele de quem natildeo se entende a liacutengua tendo em vista a
multiplicidade de liacutenguas faladas no impeacuterio mas eacute baacuterbaro aquele que natildeo tenha
incorporadas em si a filosofia e a erudiccedilatildeo grega claacutessica Tanto eacute que o autor usa como palco
central a Iacutendia um lugar-comum da literatura grega como uma regiatildeo selvagem e incivilizada
Na VA a Iacutendia se torna o local onde a sabedoria a filosofia os conhecimentos de liacutengua e
literatura em suma os valores resgatados pela Segunda Sofiacutestica se conservam intactos e
incorrompidos A Iacutendia seria a projeccedilatildeo de uma Greacutecia unificada e idealizada onde Apolocircnio
alcanccedila o niacutevel maacuteximo de sabedoria junto aos bracircmanes Mas a sabedoria aprendida com os
saacutebios eacute a proacutepria sabedoria grega embasada nos preceitos pitagoacutericos Em uacuteltima instacircncia
Filoacutestrato apresenta a cultura grega como superior agrave cultura de outros povos
A Iacutendia natildeo conserva apenas esses valores mas simula a Greacutecia mais exatamente
Atenas devido agrave comparaccedilatildeo topograacutefica expliacutecita feita entre a torre dos bracircmanes e a
Acroacutepole (VA III 13) Aleacutem disso Filoacutestrato tambeacutem projeta na Iacutendia a figura de um
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governante idealizado personificado em Fraotes Fraotes eacute um rei ideal porque teve junto aos
bracircmanes a formaccedilatildeo grega e portanto essa erudiccedilatildeo norteia suas accedilotildees A Iacutendia eacute entatildeo
como afirma Abraham (2009 p 11) o lugar onde a identidade grega existe em sua forma pura
e inalterada pela avidez imperialista
Parker (2008 p 259) reforccedila que a paideia como um ideal comum e conector das
elites locais foi divulgada mais intensamente por esses filoacutesofos no leste do Impeacuterio Romano
Pode-se dizer que promoveu a criaccedilatildeo de uma comunidade imaginada de homens eruditos
com base em uma visatildeo seletiva da histoacuteria Nesse mundo divergente os filoacutesofos gregos
tornaram-se siacutembolos de uma cultura comum entre os aristocratas em uma ampla aacuterea
geograacutefica Eacute nesse contexto que segundo o autor devemos ponderar com base na VA como
e por que os saacutebios indianos capturaram a imaginaccedilatildeo greco-romana
Em particular a figura dos bracircmanes oferece a oportunidade de construir um ideal ao
mesmo tempo improvaacutevel e desejaacutevel que era o da sabedoria sem a paideia (PARKER 2008
p 304-305) Poreacutem na VA Filoacutestrato se apropria e faz outro uso da figura dos bracircmanes eles
representam o apogeu o limite maacuteximo da sabedoria justamente porque sua sabedoria e seus
ritos dialogam com o modelo claacutessico ateniense
Abraham (2014 p 472-473) infere que Paraca eacute mais uma realizaccedilatildeo da frequente
citaccedilatildeo de Apolocircnio de que ldquopara o homem saacutebio a Greacutecia estaacute em todos os lugares e ele natildeo
considera nem acredita que algum lugar seja deserto ou baacuterbaro se ele estiver vivendo sob a
visatildeo da virtuderdquo (σοφῷ ἀνδρὶ Ἑλλὰς πάντα καὶ οὐδὲν ἔρημον ἢ βάρβαρον χωρίον οὔτε
ἡγήσεται ὁ σοφὸς οὔτε νομιεῖ ζῶν γε ὑπὸ τοῖς τῆς ἀρετῆς ὀφθαλμοῖς ndash VA I 34) Logo
independentemente de onde estiver o homem saacutebio eacute sempre um homem saacutebio na medida em
que ele a todo momento se comporta como um Essa consistecircncia de caraacuteter tem um efeito
transformador em sua localizaccedilatildeo permitindo que ele encontre a Greacutecia em todos os lugares
Em essecircncia estar na Greacutecia equivale a ter autoconhecimento e viver esse
autoconhecimento A realizaccedilatildeo da Greacutecia na Iacutendia assim explicada pela correlaccedilatildeo entre
autoconhecimento e helenismo Iarcas abrindo-se as indaganootildees de Apolocircnio afirma
ldquopergunte o que vocecirc quiser pois vocecirc se encontra entre um povo que sabe tudordquo (VA III
18) Apolocircnio entatildeo pergunta se os bracircmanes conhecem a si proacuteprios pois os gregos
consideram difiacutecil afirmar que se autoconhecem Iarcas curiosamente responde sabemos
todas as coisas uma vez que primeiro nos conhecemos (πάντα γιγνώσκομεν ἐπειδὴ πρώτους
ἑαυτοὺς γιγνώσκομεν - VA III 18) O autoconhecimento continua o autor considerado uma
coisa difiacutecil de se adquirir no pensamento grego se torna o ponto de partida da filosofia dos
bracircmanes
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Finalmente natildeo podemos deixar de ter em mente que escrever eacute um ato poliacutetico Sem
desconsiderar o deleite que uma leitura pode proporcionar uma de nossas surpresas foi
perceber como a VA foi um instrumento poliacutetico Sob o domiacutenio imperial Romano o escritor
grego Flaacutevio Filoacutestrato viveu entre os seacuteculos II e III durante o governo da dinastia dos
Severos (193-225) De forma simplificada entendemos o Impeacuterio Romano como um difusor e
infusor de identidades e culturas e esse foi um periacuteodo de questionamentos para Filoacutestrato e
para os outros escritores da Segunda Sofiacutestica Pertencente agrave elite aleacutem de escritor Filoacutestrato
exerceu uma carreira poliacutetica na Greacutecia e manteve bom relacionamento com os Severos o que
lhe permitiu ter um contato mais proacuteximo com o cenaacuterio poliacutetico imperial em que viveu
Aleacutem de acompanhar o imperador Septiacutemio Severo em viagens Filoacutestrato tambeacutem
interagiu intelectualmente com a imperatriz Juacutelia Domna De acordo com Filoacutestrato foi a
pedido dela que ele escreveu a biografia de Apolocircnio Ao compor a VA o autor se apropriou
da figura de Apolocircnio e personificou nele o modelo idealizado de um homem saacutebio o qual
usou para criticar os governantes do Impeacuterio Romano Poreacutem suas criacuteticas dialogam natildeo
apenas com as necessidades da eacutepoca de Filoacutestrato ou de Apolocircnio elas denotam
principalmente a aspiraccedilatildeo do autor de restaurar e afirmar a identidade e a cultura grega
claacutessica atribuindo-lhes o status de fonte da sabedoria e da cultura do ocidente
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