sociedade civil e (re)construção do espaço público: gestão … · mundo, especialmente na...

27
SOCIEDADE CIVIL E (RE)CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO: GESTÃO DEMOCRÁTICA AMBIENTAL PARA REFLEXÃO NA ESFERA PÚBLICA Erotides Kniphoff Tessmann RESUMO A urgência das questões ambientais na contemporaneidade motiva o presente estudo que tem por objetivo identificar a possibilidade de (re)construção do espaço público a partir de uma gestão ambiental democrática. Requer-se, assim, que esse novo espaço público proporcione espaços dialógicos e participativos entre os diversos atores sociais, no intuito de fazer com que todos se tornem ativos e responsáveis diante da necessidade de garantir a proteção do meio ambiente e a qualidade de vida desta e das futuras gerações. PALAVRAS-CHAVE: ESPAÇO PÚBLICO, GESTÃO AMBIENTAL, DEMOCRACIA, DIREITO AMBIENTAL. ABSTRACT The urgency of the dynamics of environmental questions in the contemporanity motivates the present study that aims to identifying the possibility of (re)constructing the public space from a democratic environmental management. Therefore, it is required that this new public space promotes dialogic and participative spaces among the several social actors, with an intention to make everyone active and responsible due to the need to guarantee protection to the environment and life quality for this and for the future generations. KEYWORDS: PUBLIC SPACE, ENVIRONMENTAL MANAGEMENT, DEMOCRACY, ENVIRONMENTAL LAW. Advogada. Mestranda em Direitos Sociais e Políticas Públicas do programa de Mestrado da UNISC. Coordenadora e Professora do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior Dom Alberto. 1

Upload: truongnguyet

Post on 12-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

SOCIEDADE CIVIL E (RE)CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO: GESTÃO

DEMOCRÁTICA AMBIENTAL PARA REFLEXÃO NA ESFERA PÚBLICA

Erotides Kniphoff Tessmann∗

RESUMO

A urgência das questões ambientais na contemporaneidade motiva o presente estudo que tem por objetivo identificar a possibilidade de (re)construção do espaço público a partir de uma gestão ambiental democrática. Requer-se, assim, que esse novo espaço público proporcione espaços dialógicos e participativos entre os diversos atores sociais, no intuito de fazer com que todos se tornem ativos e responsáveis diante da necessidade de garantir a proteção do meio ambiente e a qualidade de vida desta e das futuras gerações.

PALAVRAS-CHAVE: ESPAÇO PÚBLICO, GESTÃO AMBIENTAL, DEMOCRACIA, DIREITO AMBIENTAL.

ABSTRACT

The urgency of the dynamics of environmental questions in the contemporanity motivates the present study that aims to identifying the possibility of (re)constructing the public space from a democratic environmental management. Therefore, it is required that this new public space promotes dialogic and participative spaces among the several social actors, with an intention to make everyone active and responsible due to the need to guarantee protection to the environment and life quality for this and for the future generations.

KEYWORDS: PUBLIC SPACE, ENVIRONMENTAL MANAGEMENT, DEMOCRACY, ENVIRONMENTAL LAW.

∗ Advogada. Mestranda em Direitos Sociais e Políticas Públicas do programa de Mestrado da UNISC. Coordenadora e Professora

do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior Dom Alberto.

1

Sumário: 1. Apontamentos Iniciais; 2. Sociedade Civil: Ressurgimento contemporâneo do conceito 3. A dicotomia espaço público versus espaço privado; 4. Os impactos ambientais e a necessidade de uma gestão ambiental democrática; 5. A gestão democrática do meio ambiente: a (re) construção do espaço público como alternativa à crise ambiental; 6. Considerações Finais.

1. Apontamentos Iniciais

No presente trabalho, pretendemos abordar alguns temas relacionados à

Sociedade Civil, até chegarmos à Sociedade Civil organizada, identificando algumas

formas de participação nas decisões de assuntos de interesse individual/coletivo, em

especial no que tange ao meio ambiente.

Podemos afirmar inicialmente que "Sociedade civil organizada" é uma parte da

sociedade civil que se organiza, em torno de uma luta por maior inserção na atividade

política, legitimada, principalmente pela ocorrência de duas determinantes: 1) a

impossibilidade de resolução dos grandes problemas, que hoje assolam a humanidade,

através de ações apenas governamentais ou de mecanismos de mercado; 2) pela função

da atual situação de descrédito nos sistemas de representação política.

Neste diapasão, entendemos que tanto o espaço público como o privado, se

constituem de espaços não excludentes, mas integradores, constituindo-se assim, de

espaços tensionais de comunicação e mobilidade política, em direção ao entendimento.

Por outro lado, segundo teóricos do Estado, este, não pode ser simplesmente um

meio para atingir objetivos de um projeto político daqueles que detém o poder, pois este

pertence à sociedade civil.

Nesta direção refere LEAL:1

Bem ou mal entendemos que o Estado não mais pode ser concebido como uma entidade monolítica - ou neutral - a serviço de um projeto político invariável, mas deve ser visualizado como um sistema em permanente fluxo,

1 LEAL, Rogério. Estado, Administração Pública e Sociedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

2

internamente diferenciado, sobre o qual repercutem também, diferencialmente, demandas e contradições da sociedade civil e do mercado.

Segundo esta percepção, o Estado contemporâneo divide-se entre tarefas e

exigências que a primeira vista são inconciliáveis. Decorre daí a crise de legitimação,

pelo intervencionismo exacerbado do Estado, agravada pela ausência de uma

participação política democrática efetiva, como refere JACOB,2 “A crise de legitimação

surge, quando as demandas crescem mais rapidamente do que as recompensas ou

respostas”.

A partir destas abordagens, pretendemos demonstrar que a evolução crescente da

sociedade civil, que, através de seus mecanismos de organização, contribuiu, e vem

contribuindo ao longo da história para reduzir gradativamente esta crise de legitimação,

mediante uma redução crescente da intervenção Estatal e uma maior e mais efetiva

participação política democrática, buscando na linguagem comunicativa sua sustentação

e efetivação.

A sociedade contemporânea, nas últimas décadas, assistiu um estreitamento

das redes de comunicação em todo o planeta, decorrente da revolução tecnológica e do

processo de globalização. Após a perda da experiência coletiva do espaço público, à

medida que se instituiu a esfera política burguesa, as sociedades contemporâneas

perderam o sentido da privacidade e da publicidade, tornando-se cada vez mais difícil

separar estes espaços de forma estritamente delimitada. No que diz respeito

especificamente ao espaço público, esse tomou nova configuração no decorrer do

transcurso histórico, mas, na atualidade, impõe-se um resgate do sentido democrático

das decisões políticas que afetam a todos os cidadãos.

O início do século XXI coloca-nos diante de novas tensões. Um mal-estar

geral e uma corrosiva desesperança existencial espalham-se pelo mundo global, que está

a revelar os sinais de exaustão da natureza. Tal conjuntura impõe a necessidade de

repensar, discutir e renegociar as bases fundamentais da sociedade contemporânea

diante da emergência da crise ambiental. Neste aspecto, vale dizer que esta crise atinge

2 JACOB, Pedro. Movimentos Sociais e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez, 1993.

3

a todos os seres humanos, sendo que todos devem participar das decisões que afetem

diretamente ou indiretamente as condições de vida sobre o planeta Terra.

Tem-se, dessa forma, que a questão ambiental exige uma gestão democrática.

O exercício da democracia, por seu turno, constitui-se na luta permanente dos sujeitos

contra a lógica dominante dos sistemas, mas, na sociedade contemporânea, o espaço de

liberdade do sujeito reduz-se progressivamente, correspondendo cada vez mais a um ato

de consumo. A internacionalização das mídias e o progressivo rompimento do

equilíbrio de fronteiras entre Estado, sociedade civil e indivíduo fizeram a prática dessa

liberdade dissociar-se cada vez mais da idéia de compromisso e responsabilidade dos

diversos atores sociais para com a sua sociedade.

A democracia passa, assim, a ser ameaçada pelo individualismo extremo, que

abandona a vida social aos aparelhos de gestão e aos mecanismos de mercado, e a

desagregação das sociedades política e civil. É preciso, nesse contexto, retomar a idéia

de um espaço público enquanto espaço dialógico e no qual todos possam de alguma

forma se sentir responsáveis pela tomada de decisões.

Considerando a bibliografia pertinente ao tema, objetiva-se apresentar uma

reflexão acerca da possibilidade de (re)construção do espaço público a partir de uma

gestão ambiental democrática. Para tanto, realiza-se um retrospecto histórico da

dicotomia entre espaço público e espaço privado, seguido de uma breve análise dos

mecanismos democráticos previstos na legislação brasileira, em especial no que tange à

realização de audiências públicas, e, por fim, constrói-se a idéia de um novo espaço

público baseado na teoria do agir comunicativo da Jürgen Habermas.

2. Sociedade Civil: Ressurgimento contemporâneo do conceito

O renascimento contemporâneo do conceito de “Sociedade civil” tem sido

interpretado como sendo a expressão teórica da luta dos movimentos sociais contra o

autoritarismo dos regimes comunistas e das ditaduras militares em várias partes do

mundo, especialmente na Europa Oriental e na América Latina.

4

Nesta direção, tem-se que nas democracias liberais do ocidente, este conceito

tem sido considerado insuficiente, pois desprovido de potencial crítico para examinar as

disfunções e injustiças da sociedade, ou como pertencente às formas modernas iniciais

da filosofia política que se tornaram irrelevantes para as sociedades complexas do

mundo contemporâneo. Entretanto, o conceito de “sociedade civil” vem sendo cada vez

mais usado para indicar o território social ameaçado pelos mecanismos politico-

administrativos e econômicos, bem como para apontar o lugar fundamental para a

expansão potencial da democracia nos regimes democrático-liberais do ocidente.

A história da modernidade ocidental mostrou como as forças espontâneas da

economia de mercado capitalista, tanto quanto o poder administrativo do Estado

moderno, ameaçaram a solidariedade social, a justiça social e a autonomia dos cidadãos.

Segundo COHEN e ARATO3, somente um conceito de sociedade civil devidamente

diferenciado da economia – e, portanto, da "sociedade burguesa" - pode tornar-se o

centro de uma teoria social e política crítica nas sociedades, na qual a economia de

mercado vem desenvolvendo a sua própria lógica autônoma.

Em verdade, apenas uma reconstrução desta conceituação, tomando como base

um modelo tripartite, distinguindo sociedade civil tanto do Estado quanto da economia,

tem possibilidade de servir ao papel de oposição democrática desempenhado por este

conceito, nos regimes autoritários, bem como de renovar o seu potencial crítico nas

democracias liberais.

A sociedade civil, segundo essa concepção, é concebida como a esfera da

interação social entre a economia e o Estado, composta principalmente pela esfera

íntima (família), pela esfera associativa (associações), movimentos sociais e formas de

comunicação pública. A sociedade civil moderna, criada por intermédio de formas de

auto-constituição e auto-mobilização, se institucionaliza através de leis e direitos

subjetivos que estabilizam a diferenciação social. As dimensões de autonomia e

institucionalização podem existir separadamente, mas ambas seriam necessárias a longo

prazo para a reprodução da sociedade civil.

3 COHEN, J., ARATO, A. Civil Society in Political Theory. Mit. Press. Cambridge, 1992.

5

Vale lembrar que a sociedade civil não engloba toda a vida social fora do Estado

e da economia. De outro lado, é necessário distinguir a sociedade civil, tanto de uma

sociedade política de partidos, organizações políticas, parlamentos, quanto de uma

sociedade econômica composta de organizações de produção e distribuição, em geral

empresas, cooperativas, firmas etc. As sociedades política e econômica surgem da

sociedade civil, partilham com ela algumas formas de organização e comunicação, e se

institucionalizam através de direitos, em especial direitos políticos e de propriedade,

conjuntamente com o tecido de direitos que asseguram a sociedade civil moderna.

A partir daí, os atores da sociedade política e econômica estão diretamente

envolvidos com o poder do Estado e com a produção econômica que visa

exclusivamente o lucro, com a finalidade de controlar e gerir toda a economia. Aliado a

isto, estes atores não permitem subordinar seus critérios estratégico-instrumentais aos

padrões de integração normativa e comunicação aberta característicos da sociedade

civil. O papel político da sociedade civil não está diretamente relacionado à conquista e

controle do poder, mas à geração de influência na esfera pública cultural. Já o

desempenho mediador da sociedade política entre a sociedade civil e o Estado é

indispensável, assim como o fortalecimento da sociedade política na sociedade civil.

O mesmo pode ser dito no que tange à relação entre sociedade civil e sociedade

econômica, embora, historicamente, sob regime capitalista, esta última, tem sido mais

hermética à influência da sociedade civil que a sociedade política. Apesar disso, a

legalização dos sindicatos e o papel das negociações coletivas testemunham à forte

influência da sociedade civil sobre a econômica que desempenha, assim, um papel

mediador entre a sociedade civil e o sistema de mercado.

Seguindo este raciocínio, a sociedade civil representa apenas uma dimensão do

mundo sociológico de normas, práticas, papéis, relações, competências ou um ângulo

particular de olhar deste mundo sob o ponto de vista da construção de associações

conscientes, vida associativa, auto-organização e comunicação organizada. A sociedade

civil tem desta forma, um âmbito limitado, eis que é parte da categoria mais ampla do

"social" ou do "mundo da vida".4 Ela se refere às estruturas de socialização, associação

4 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

6

e formas organizadas de comunicação do mundo da vida, na medida em que elas estão

sendo institucionalizadas.

Por outro lado, nas democracias liberais, a sociedade civil não está, por

definição, em oposição à economia e ao Estado. As concepções de sociedade econômica

e política, expostas acima se referem às esferas de mera mediação, mediante as quais a

sociedade civil poderá exercer influência sobre os processos politico-administrativos e

econômicos. Uma relação antagonista da sociedade civil, ou de seus atores, com a

economia ou o Estado surge apenas quando fracassam essas mediações, ou quando as

instituições da sociedade econômica e política servem para isolar a tomada de decisões

da influência de iniciativas e organizações sociais, participação e formas diversas de

discussão pública.5

Nesta direção, a categoria de sociedade civil foi resgatada da tradição da teoria

política clássica, reformulada mediante uma concepção que apresenta os valores e

interesses da autonomia social, contrapondo tanto ao Estado moderno quanto à

economia capitalista. Além das antinomias de Estado e mercado, público e privado,

“gesellschaft” e “gemeinschaft”, ou seja, reforma e revolução, a noção de defesa e

democratização da sociedade civil parece ser o melhor caminho para caracterizar as

novas formas contemporâneas de auto-organização e auto-constituição.

Em meio a inúmeras ambiguidades de sentido, relacionadas ao emprego da

expressão sociedade civil, a concepção que adotamos assume uma defesa da sociedade

civil moderna capaz de preservar sua autonomia e formas de solidariedade, diante do

Estado e da economia.

Esse "terceiro caminho" pretende garantir a autonomia da economia e do Estado

moderno ao mesmo tempo em que protege a sociedade civil da inserção destrutiva

realizada por aquelas duas esferas. Ademais, não só protege como também garante a

diferenciação da sociedade civil, daquilo que Habermas chamou de "sistema" - o estado

5 Idem obra cit. nota 4.

7

e o mercado - bem como sua influência reflexiva sobre essas duas esferas através das

instituições da sociedade política e econômica.6

É importante ressaltar que as normas da sociedade civil - direitos individuais,

privacidade, associações voluntárias, legalidade formal, pluralidade, publicidade, livre

iniciativa - foram institucionalizadas de forma heterogênea e contraditória nas

sociedades ocidentais, contrapondo com a lógica econômica do lucro e a lógica política

do poder. Daí a importância dos movimentos sociais que surgiram para defender os

espaços de liberdade ameaçados pela lógica do "sistema".

Na verdade, a política da sociedade civil não se resume à contestação realizada,

entre outras coisas, pelos movimentos sociais, também fazem parte de sua política às

formas institucionais normais de participação - votar, militar em partidos políticos,

formar grupos de interesse ou lobbies.

Neste sentido, a dimensão utópica de uma política radical parece preferir o nível

da ação coletiva. Alias, a relação entre ação coletiva e sociedade civil é deveras

importante para a constituição desse novo paradigma, pois além destes modelos

funcionalistas e pluralistas, a sociedade civil deixa de ser vista apenas de forma passiva,

como um conjunto de instituições, para ser percebida ativamente, ou seja, o contexto e o

produto de atores coletivos que se auto-constituem.

Seguindo este raciocínio, refere LEAL:7

O Estado hodierno (e notadamente no Brasil), em tais condições, passa a ter uma revigorada função de ordenação do caos e da agudizante exclusão social cometida por aquele modelo de organização produtiva e social, agora potencializado pelos termos dos vínculos políticos delimitados pelas diretrizes constitucionais, tendo por tarefa e principal característica revitalizada, a administração dos conflitos perpassam a sociedade multicultural e tensa que o institui.

6 O projeto implícito nesta concepção de sociedade civil critica tanto o paternalismo estatal quanto esta outra forma de colonização

da sociedade baseada na economia de mercado sem regulação. Busca realizar o trabalho de uma política social mediante programas

autônomos e descentralizados baseados na sociedade civil em vez dos programas tradicionais do "welfare state", e o trabalho de uma

política econômica de regulação mediante formas não-burocráticas e menos intrusivas de legislação. Trata-se de combinar a

"continuação reflexiva do welfare state" (Habermas) na democracia liberal com a "continuação reflexiva da revolução democrática"

(Arato) nos regimes autoritários.

7 LEAL, obra cit. nota 3, p. 43

8

Por outro lado, Habermas sustenta que a deliberação pública, realizada fora do

âmbito estatal, constituiria a base de legitimação para a ação política. Este espaço, ao

menos em termos hipotéticos, permitiria à todos os potencialmente envolvidos, poder

opinar e interagir comunicativamente antes de que uma decisão seja adotada. Desta

forma, a livre circulação da informação e do alongamento das oportunidades educativas

erigir-se-iam em elementos nodais que explicariam a aparição desta esfera de

autonomia (...) que possibilitariam a emergência, expansão e transformação de uma

esfera pública que ele chama de burguesa, centrada, que sempre esteve, nas instituições

tradicionais de representação política forjadas no âmago da experiência estatal

moderna.8

3. A dicotomia espaço público versus espaço privado

A dicotomia entre espaço público e espaço privado encontra seu fundamento

no processo histórico, sendo que seus limites e suas interconexões variam no decorrer

do tempo, razão pela qual se faz necessário considerar o contexto no qual ela se inicia e

se transforma até a atualidade.

Nesse sentido, na obra “A condição humana”, ARENDT9, parte do conceito de

vita activa para explicar a distinção entre espaço público e espaço privado. A vita activa

está baseada sobre a constatação da transformação da natureza pelo homem para a

formação do mundo10. Em outros termos, a vida humana pode ser referida na medida

em que o homem se empenha ativamente em fazer algo. A idéia de vita activa, por seu

turno, é desdobrada conforme as atividades humanas na formação do mundo e na

transformação da natureza, podendo-se afirmar a existência de três esferas de vita

activa: o labor, o trabalho e a ação.

O labor, na Antiguidade, situa-se no âmbito exclusivamente do privado,

consistindo numa atividade de subsistência que tem por objetivo a manutenção das

condições vitais do homem. O labor é praticado com o intuito básico de saciar as

necessidades humanas. Assim sendo, não há liberdade no labor, pois o animal laborans

8 HABERMAS, Jurgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988, p. 39.

9 ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

10 Idem, p. 31.

9

está submetido constantemente às condições impostas pela necessidade. Já o trabalho

centra-se na produção de bens duráveis no tempo, que não são produzidos para o

consumo imediato e que visam alcançar a comunidade. Por fim, a ação é apresentada

como o efetivo espaço público, sendo praticada por homens livres e iguais. O espaço da

ação é o espaço da política, a qual se caracteriza pelo diálogo, ou seja, pelo poder da

palavra.

A partir de tais pressupostos, a autora salienta que todas as atividades humanas

são condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos, mas a ação é a única que

não pode ser imaginada fora da sociedade. Por conseguinte, “a ação é prerrogativa

exclusiva do homem; nem um animal nem um Deus é capaz de ação, e só a ação

depende inteiramente da constante presença de outros.”11

Tendo por embasamento os conceitos de ação, trabalho e labor destacados por

Arendt, verifica-se que, na Antiguidade, o espaço público e o espaço privado se

encontram delimitados. O primeiro tem seu espaço no plano da ação e o segundo no

plano do labor, sendo o trabalho o ponto intermediário entre os dois opostos. Porém, o

transcurso histórico revela que, aos poucos, a distinção entre tais espaços foi se

diferenciando e a sua linha divisória foi se tornando cada vez mais tênue.

Na Idade Média, essa distinção entre o privado e o público, embora ainda

existisse, foi perdendo importância e mudando inteiramente de localização. Nesse

sentido, Arendt12 explica que a tensão medieval existente entre a treva da vida diária e o

esplendor do que era sagrado corresponde em muitos aspectos à ascensão do privado ao

plano público da Antiguidade. Essa projeção do privado sobre o público, evidencia o

esvaziamento da esfera política, o que se constata, por exemplo, no conceito de bem

comum na Idade Média, o qual apenas reconhecia que os indivíduos privados tinham

interesses materiais e espirituais em comum, só podendo conservar sua privacidade e

cuidar dos seus próprios interesses quando um deles se encarregasse de zelar por esses

interesses comuns.13

11 Idem obra cit. nota 10, p. 31.

12 Idem, p. 43.

13 Idem, p. 44.

10

Na Modernidade, todavia, é que se nota efetivamente uma profunda mudança

na concepção acerca do espaço público e do espaço privado. Há a perda do sentido da

ação, que, cada vez mais, será confundida com trabalho. Sob a ótica de ARENDT,

exposta anteriormente, é possível afirmar o crescimento do espaço ocupado pelo homo

faber, ou seja, pelo trabalho, e a política, ao invés de ser o lugar dos iguais e do uso da

palavra, passa a ser concebida como domínio, ou seja, como relação de subordinação

sobre os homens.

Vale lembrar que no século XVII surge a escola de pensamento do

contratualismo, cujos autores mostram-se preocupados com a emergência da

sociabilidade, ou seja, com as condições necessárias para a produção da sociedade. A

obra “Leviatã”14, de Thomas Hobbes, por exemplo, ocupa-se de uma investigação sobre

a gênese e as condições de sobrevivência humana através de um Estado, que na obra é

simbolizado pelo deus mortal Leviatã. Esse Estado é que propicia uma vida associativa

pacífica e ordenada aos homens. O estado hobbesiano é, nesse sentido, um artifício da

razão humana, autorizado pelo contrato social, o qual visa dar conta da deficiência

inerente ao estado de natureza.

A partir de então, a sociedade passa a constituir uma esfera pública

homogênea, formada por um conjunto de indivíduos representado pelo ente artificial do

Estado, o qual encarna o social e se opõe à um único elemento – o indivíduo. Assim, na

Modernidade a dicotomia entre o público e o privado passa a consistir no

reconhecimento de uma esfera pública centrada sobre o social, que é representada pelo

Estado, e de uma esfera privada, que é representada pelo indivíduo. Tal mudança

implica em significativa transformação da sociedade, principalmente no que diz respeito

ao reconhecimento do espaço público. É possível afirmar, então, que, no pensamento de

ARENDT, a história do mundo moderno corresponde à história da dissolução do espaço

público15. A respeito desse aspecto, TELLES explica que:

14 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e

Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1974. (Coleção Os Pensadores, v. XIV)

15 TELLES, Vera da Silva. Espaço Público e espaço privado na constituição do social: notas sobre o pensamento de Hannah

Arendt. Tempo Social, São Paulo, v. 2. n. 1, p. 23-28, 1990. p. 28.

11

Nesta formulação, ela está, claramente, tematizando a sociedade moderna – essa sociedade que foi capaz de engendrar o fenômeno totalitário -, construindo as figuras de uma sociedade despolitizada, marcada pela indiferença em relação às questões públicas, pelo individualismo e atomização, pela competição e por uma instrumentalização de tudo que diz respeito ao mundo, de tal forma que nele nada permanece como valor, como limite para uma ação que transforma tudo em meros fins para seus objetivos.16

A dissolução do espaço público corrobora a perda de um ‘mundo comum’ que

articula os homens numa trama visível feita por fatos e eventos tangíveis que se

materializa na comunicação intersubjetiva, por meio da qual, as opiniões se formam e

os julgamentos se constituem.17 A perda deste ‘mundo comum’, por seu turno, constrói

a figura de um sujeito que é desinteressado e desprovido de responsabilidade perante o

mundo. Assim, a dissolução do espaço público corresponde à perda de um espaço

reconhecido de ação e opinião.

No mundo contemporâneo, o advento da sociedade da informação e a

globalização implicaram em novas alterações nessa dicotomia, que ao invés de

representar lados antagônicos passa a representar um entrelaçamento no qual as duas

esferas tendem a se confundir de modo crescente. Desde o final do século passado a

humanidade vivencia um processo de modificação nas relações econômicas, sociais,

políticas e culturais, resultante da emergência de uma sociedade baseada sobre a

revolução tecnológica, assistindo-se, nas últimas décadas, um estreitamento das redes de

comunicação em todo o planeta. Nesse novo contexto, as noções de tempo e espaço já

não são os mesmos e a velocidade das transformações é muito rápida. Por outro lado, a

globalização cria novos sistemas, fortalece forças transnacionais e modifica as

instituições das sociedades.

As principais características da globalização centram-se na extraordinária

inovação tecnológica e na expansão mundial das grandes empresas.18 Esta última se

constrói mediante o desenvolvimento da economia capitalista e a extensão dos

mercados (especialmente o financeiro e o das multinacionais), o que se torna factível em

16 Idem, ibidem.

17 Idem p. 28-29.

18 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo:

Editora Cultrix, 2002. p. 142.

12

virtude da recente revolução tecnológica, a qual permite a esses mercados

desterritorializar a produção e o consumo e anular as distâncias temporais/espaciais.

Todo esse processo é caracterizado pela presença de incertezas, contingências e riscos.

BAUMANN afirma que:

Esta nova e desconfortável percepção das ‘coisas fugindo ao controle’ é que foi articulada (com pouco benefício para a clareza intelectual) num conceito atualmente na moda: o de globalização. O significado mais profundo transmitido pela idéia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo.19

Antes da globalização, a ordem mundial consistia no total das ordens locais, as

quais eram eficientemente mantidas e policiadas por um e apenas um Estado

territorial.20 Atualmente, porém, as grandes corporações privadas e o capital financeiro

apresentam-se cada vez mais saudáveis, enquanto o Estado contemporâneo surge

debilitado. Efetivamente, a força das corporações e sua atuação geográfica mudaram de

modo considerável o enfoque do jogo econômico. Se no passado as grandes decisões

econômicas eram tomadas pelos governos, agora as maiores corporações mundiais

decidem basicamente o quê, como, quando e onde produzir os bens e serviços a serem

utilizados pelos seres humanos. Mas, as corporações vão além da função de direção

geral relativa à economia e ao âmbito financeiro, assumindo sistemas de ação

tecnopolítica.

A globalização, desse modo, vai levando a racionalidade do mercado a

expandir seu poder sobre âmbitos que necessariamente não são econômicos, espraiando-

se sobre questões políticas, tecnológicas e culturais que têm reflexos, inclusive, sobre o

modo como cada ser humano se comporta e vê o mundo ao seu redor. Surge, dessa

maneira, um mundo no qual se sobressai a exaltação desmesurada da individualidade,

pois o desempenho individual passa a constituir o único critério de sucesso, marcado

por um constante medo do encontro com o outro. Assim, o que caracteriza as cidades

contemporâneas é o evitamento e a separação dos indivíduos. Essa fragmentação do

espaço das cidades, por sua vez, é que corrobora o encolhimento e o desaparecimento 19 BAUMANN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

1999. p. 67.

20 Idem p. 70-71.

13

do espaço público, havendo pouca chance de que as normas sejam debatidas e de que os

valores sejam confrontados e negociados.

Por outro lado, o mundo contemporâneo foi transformado pela mídia em

espetáculo, sendo que a regulação social passa a caracterizar-se pela constante produção

de informação, mas não de significados comuns que possam ser compartilhados por

toda a sociedade. O desenvolvimento tecnológico e a obtenção crescente de informações

correspondem de modo contraditório, ao crescimento paralelo da impotência humana

para resolver politicamente os problemas coletivos da humanidade, tais como a

degradação do meio ambiente.

Todas essas transformações vivenciadas pelo mundo contemporâneo, entre as

quais se destacam a mudança do papel Estado e a ausência de espaços públicos para

discussão dos problemas locais, entre outros diversos fatores, fazem com que a

sociedade civil passe a atuar de forma diferenciada, ressaltando-se a importância

adquirida, nos últimos anos, pelo Terceiro Setor na discussão e na realização de

políticas públicas. A emergência e a crescente participação da sociedade civil em

atividades relacionadas ao Estado e, de outra parte, a intervenção do Estado em

atividades privadas, permite que, atualmente, afirme-se a realização de uma

publicização do privado e uma privatização do público. Por conseguinte, a forte

distinção entre público e privado está se tornando cada vez mais obscura, devendo-se

repensá-los dentro do contexto contemporâneo.

Nessa conjuntura, a urgência da questão ambiental constitui-se em

problemática que, para o seu enfrentamento, exige, principalmente, a (re)discussão do

espaço público como meio de se buscar a gestão democrática do meio ambiente.

4. Os impactos ambientais e a necessidade de uma gestão ambiental democrática

As implicações sócio-ambientais das transformações vividas pelo mundo

desde a Modernidade, com o fortalecimento de uma visão antropocêntrico-utilitarista da

natureza, até contemporaneidade, marcada pelo intenso movimento de capitais, são

complexas e graves. Pode-se afirmar que um dos efeitos mais dramáticos do processo

14

de globalização situa-se na problemática ambiental, uma vez que a maior parte dos

idealizadores da globalização ignorou o custo ambiental da expansão econômica.

A escala das atividades econômicas atualmente ultrapassa os limites da

capacidade de carga do ecossistema mundial, pois a integração econômica, permite a

cada país ampliar a escala da sua atividade econômica para além dos limites geográficos

das respectivas bases de recursos naturais. Constata-se, também que a produção está

mais acelerada em virtude das exigências do mercado, o que produz externalidades

negativas com maior velocidade e em escala global.21 Diante de tal conjuntura,

Azevedo afirma que “resulta evidente que o livre mercado não tem condições de

‘responder aos riscos globais que pesam sobre o meio ambiente”.22 No mesmo sentido

é o posicionamento de CAPRA:

A meta central da teoria e da prática econômicas atuais – a busca de um crescimento econômico contínuo e indiferenciado – é claramente insustentável, pois a expansão ilimitada num planeta finito só pode levar à catástrofe. Com efeito, nesta virada de século, já está mais do que evidente que nossas atividades econômicas estão prejudicando a biosfera e a vida humana de tal modo que, em pouco tempo, os danos poderão tornar-se irreversíveis. 23

Diversos estudos científicos têm corroborado a evidência de que a vida sobre o

planeta corre grave perigo. A título exemplificativo cita-se uma reportagem da Revista

Época, de 16 de outubro de 2006, na qual são apresentados dados sobre a crise

ambiental sem precedentes que assola a humanidade. Entre tais dados, a reportagem

refere dez graves ameaças ao meio ambiente, como, por exemplo, a questão do lixo, da

água e do desmatamento. 24

Contudo, as soluções para esses problemas convergem para ações integradas

entre todos os atores sociais. Já não basta a solução isolada de um Estado ou a adoção

de uma política repressora. Isso porque a atual crise ecológica decorre do próprio modo

21 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro.

Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 74.

22 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2005. p. 83.

23 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. p. 157.

24 LEAL, Renata. 10 ameaças e uma esperança. Revista Época, São Paulo, n. 4

24 Idem obra cit. nota 24, p.44-45.

15

de vida contemporâneo, baseado sobre o consumo intenso, que, por sua vez, exige

grande utilização dos recursos naturais. E, em que pese a evidência da hecatombe

ecológica, o capitalismo global segue no seu ímpeto de desenvolver mercados e

consumidores, procurando, sempre que possível, eliminar legislações ambientais com a

desculpa do “livre comércio”, no intuito de que tais legislações não prejudiquem o

desenvolvimento econômico.

Assim, a nova economia provoca a destruição ambiental não só pelo aumento do impacto de suas operações sobre os ecossistemas do mundo, mas também pela eliminação das leis de proteção ao meio ambiente em países e mais países.25

BECK apresenta a crise ambiental contemporânea no contexto da ‘sociedade

de riscos”, 26 na qual os riscos civilizatórios são intensificados na medida em que se

dispersam e tomam dimensões globais. Esses riscos não são externos à sociedade, mas

decorrem de decisões tomadas no seu âmbito interno. Desse modo, todos são, de

alguma forma, responsáveis, mas, efetivamente, o que se verifica é que ninguém parece

ser responsabilizado especificamente pelos danos ambientais.

Isso ocorre porque a crise ambiental, para a sua solução, exige muito mais do

que leis e políticas bem intencionadas. Na sociedade contemporânea, o desejo pelo

desenvolvimento econômico acaba por ser antagônico ao interesse de preservação da

natureza. Alterar os fatores que corroboram a crise ambiental implica na realização de

mudanças radicais na estrutura da sociedade organizada. Dessa forma, a posição isolada

do Estado acerca dos problemas ambientais, por exemplo, é infrutífera, pois é

necessário que a sociedade esteja envolvida nessa transformação. A simples imposição

estatal de normas ou políticas ambientais severas pode resultar numa espécie de tirania

estatal, pois o quê a questão ambiental está a exigir é uma mudança na mentalidade dos

indivíduos.

Trata-se de fortalecer o papel da cidadania no sentido de dotá-la do caráter

solidário e participativo em relação à proteção de um bem de interesse difuso – o meio

ambiente. Nessa perspectiva, exige-se a solidariedade e a participação responsável dos

25 Idem p. 159.

26 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. p. 25.

16

sujeitos políticos na proteção do meio ambiente, a qual deve ser realizada tanto de modo

individual, como coletivo, por meio da atuação das Organizações Não-Governamentais

(ONGs). Essa participação corresponde à um processo gradual que exige a abertura de

novos espaços nos quais a sociedade possa se manifestar e externar suas dúvidas, seus

anseios e suas opiniões.

A legislação ambiental brasileira, de um modo geral, caracteriza-se por

apresentar normas de caráter protetivo e quantitativo, ou seja, determina o quanto é

possível poluir o ambiente. Nessa conjuntura, o reconhecimento de uma gestão

democrática do meio ambiente é tímido e as normas protetivas do ambiente apresentam

poucos mecanismos de participação popular, os quais ainda estão a exigir maior atenção

e cuidado por parte da população e do Poder Público para que efetivamente possam se

mostrar eficazes.

A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispôs sobre a Política Nacional

do Meio Ambiente, trouxe os princípios e as diretrizes norteadoras da proteção

ambiental no Brasil. Entre os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, a

referida lei menciona o licenciamento ambiental (art. 9º, IV) e a garantia da prestação de

informações relativas o meio ambiente (art. 9º, XI). A mesma lei ainda reconhece o

princípio da publicidade ao dispor, no parágrafo primeiro do artigo 9º, a obrigatoriedade

de publicar no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de

grande circulação, os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão.

Não há nesse primeiro marco legal, previsão expressa de participação da comunidade

nas questões ambientais.

Posteriormente, o advento da Constituição Federal de 1988, que recepcionou o

conteúdo da Lei º 6.938/81 fortaleceu a abertura de canais para a participação efetiva da

sociedade na preservação ambiental, seja individual ou coletivamente, ao estabelecer o

dever da coletividade de defender o meio ambiente (artigo 225, "caput", CF/88), bem

como ao reconhecer o direito fundamental de todos os cidadãos brasileiros à proteção

ambiental.

Desse modo, a legislação brasileira passou a se desenvolver baseada sobre o

pressuposto da necessidade de garantir a preservação ambiental e a participação da

17

sociedade nesse processo, a partir de instrumentos com caráter democrático. Entre os

principais instrumentos utilizados na tutela do meio ambiente situa-se a participação da

população interessada na Audiência Pública do Estudo Prévio de Impacto Ambiental,

conforme prevê o artigo 225, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 e a Resolução

CONAMA nº 9, de 3 de dezembro de 1987, bem como a atuação de membros da

comunidade em Conselhos ou Órgãos de defesa do meio ambiente.

No âmbito da presente pesquisa, salienta-se a importância da realização da

audiência pública prevista nos casos em que se constatar a necessidade de realização do

Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Como já relatado anteriormente, o licenciamento

ambiental foi previsto como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente na Lei

nº 6.938/81, mas a tarefa de conceituá-lo e determinar as suas fases, bem como de

especificar quais atividades deveriam se sujeitar ao procedimento, foi postergada, sendo

concluída somente em 1997, com a Resolução CONAMA 237. Tal norma cuidou de

estabelecer quais atividades devem submeter-se ao processo de licenciamento, além de

especificar alguns requisitos necessários para a obtenção das licenças e as competências

dos órgãos expedidores. A Resolução 237 do CONAMA, no artigo 3º, determina que:

Art. 3º A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização da audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.27 [grifo nosso]

Segundo o art. 1º da Resolução CONAMA 09/87, que, anteriormente à

Resolução CONAMA 237/97, já dispunha sobre as audiências públicas, elas têm “a

finalidade de expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido

RIMA, dirimindo as dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a

respeito”. 28 Desse modo, a audiência pública é um instrumento formal de participação

pública no processo de avaliação de impacto ambiental, correspondendo ao momento do

27 BRASIL. Resolução n. 237, de 19 de dezembro de dezembro de 1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. In:

MEDAUAR, Odete (org.). Constituição federal, coletânea de legislação de direito ambiental. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2003. p. 542.

28 BRASIL. Resolução n. 09, de 03 de dezembro de dezembro de 1987, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. In:

MEDAUAR, Odete (org.). Constituição federal, coletânea de legislação de direito ambiental. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2003. p. 540.

18

processo de licenciamento em que o empreendedor compromete-se, perante a sociedade,

com a execução das ações previstas nos programas apresentados nos estudos

ambientais.

Não obstante, é preciso salientar que o Poder Público não está obrigado a

realizar audiência pública, sendo esta uma faculdade do órgão ambiental, conforme se

infere do disposto no art. 2º da Resolução CONAMA 09/87:

Art. 2º - Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública. 29

Portanto, as audiências públicas não são obrigatórias, como etapa do

licenciamento ambiental, mas poderão ter a sua convocação solicitada ao órgão

ambiental por entidade legalmente constituída, governamental ou não, por cinqüenta

pessoas ou pelo Ministério Público Federal ou Estadual, quando sua realização se torna

obrigatória. Quanto a esse aspecto, destaca-se o artigo 85 do Código Estadual de Meio

Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, o qual preceitua que uma vez solicitada a

convocação da Audiência Pública pelos legitimados, a sua realização torna-se

obrigatória para o órgão ambiental e a não observância desta providência eivará de

nulidade o licenciamento ambiental.

A audiência pública, conforme prevista na legislação brasileira, não tem

caráter decisório, já que não há votação quanto ao mérito do empreendimento,

restringindo-se à finalidade de escuta pública e ao momento de controle da

discricionariedade do poder público. 30 As atas das audiências públicas, assim como os

documentos escritos e assinados que forem entregues ao presidente dos trabalhos da

audiência, servirão de base, juntamente com o RIMA, para a análise e parecer final do

órgão licenciador quanto à aprovação ou não do projeto. MACHADO afirma, porém,

que: “a audiência pública – devidamente retratada na ata e seus anexos – não poderá

29 Idem

30 MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. Porto Alegre:

Verbo Jurídico, 2006. p. 82.

19

ser posta de lado pelo órgão licenciador, como o mesmo deverá pesar os argumentos

nela expendidos, como a documentação juntada”. 31

Em que pese a ausência de um reconhecimento maior à importância da

participação da população por meio das audiências públicas, uma vez que não existem

mecanismos ou instrumentos que possam torna-la mais combativa e atuante, é preciso

que sua realização seja desenvolvida de modo a permitir que os interessados tenham

acesso às informações, bem como efetiva participação no procedimento. Conforme

GAVIÃO FILHO:

De nada adiantaria a realização de uma audiência pública formalmente perfeita se, sob o enfoque substancial, por exemplo, não se permitir acesso a todas as informações; não se dispuserem aos interessados todos os documentos; não se divulgar adequadamente a data e local de sua realização; não se designar a audiência pública em prazo razoável; não se permitir manifestação, oral ou por escrito, dos interessados ou não se permitir a juntada de documentos. 32

É preciso considerar que é direito da sociedade participar na formulação e

execução das políticas ambientais, bem como ter acesso a todas as informações

necessárias para que possa se posicionar em relação às questões do meio ambiente. A

temática ambiental implica no reconhecimento de que a sociedade já não pode mais ser

considerada uma simples receptora dos atos e políticas públicas. Ademais, dada a

complexidade da questão ambiental e a natureza difusa dos bens ambientais, não pode a

administração pública pretender tutelá-la sem a gestão participativa da sociedade, o que,

todavia, ocorre de modo freqüente, principalmente quando se trata ajustar interesses

econômicos contrários à preservação do meio ambiente.

Constata-se, assim, que embora a legislação brasileira propicie a participação

da população na gestão ambiental, por meio, por exemplo, da realização de audiências

públicas quando um determinado empreendimento importar em significativo impacto

ambiental, a sua eficácia ainda se mostra de reduzido alcance. Importa, por conseguinte,

buscar estabelecer um espaço no qual a gestão das questões ambientais possa

efetivamente partir de uma participação democrática.

31 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13.ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2005. p. 254.

32 GAVIÃO FILHO, Anízio Pires. Direito Fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 106.

20

5. A gestão democrática do meio ambiente: a (re)construção do espaço público

como alternativa à crise ambiental

Considerando que proteção do ambiente está a exigir uma gestão democrática,

na qual todos os atores envolvidos – Poder Público, sociedade civil, cidadãos, empresas,

etc. - devem participar da tomada das decisões que impliquem em impactos

significativos ao meio ambiente, importando em riscos para a atual e as futuras

gerações, é necessário que a esfera pública seja repensada no sentido de instaurar-se

espaços dialógicos de participação popular. Isso significa afirmar a necessidade de um

espaço público orientado pela renovação da idéia democrática, a qual, diante da

emergência da crise ambiental, impõe o advento de uma cultura democrática instaurada

a partir do reconhecimento do outro.33

Busca-se uma esfera pública na qual seja possível estabelecer a livre interação

e a relação entre todos os atores sociais por meio de um encontro em que todos possam

expressar suas opiniões e construir um espaço dialógico, cujo objetivo deve centrar-se

no debate profícuo e consciente acerca das problemáticas ambientais. Esse espaço não

está mais baseado sobre o distanciamento entre o Estado e os cidadãos, mas na interação

direta entre todos os atores sociais, afirmando-se um novo caminho para a análise

democrática.

Essa nova cultura democrática pode ser construída a partir da concepção

habermasiana acerca do espaço público. Para HABERMAS,

A esfera pública não pode ser entendida como uma instituição, nem como uma organização, pois, ela não constitui uma estrutura normativa capaz de diferenciar entre competências e papéis, nem regula o modo de pertença a uma organização, etc. Tampouco ela constitui um sistema, pois, mesmo que seja possível delinear seus limites internos, exteriormente ela se caracteriza através de horizontes abertos, permeáveis e deslocáveis.34

Segundo o autor, a esfera pública é uma rede adequada para a comunicação de

conteúdos, tomada de posição e opiniões, sendo que, por meio dela, os fluxos

comunicacionais são filtrados e sintetizados, condensando-se em opiniões públicas

33 TOURAINE, Alain. O que é a democracia? Tradução de Guilherme João de Freitas. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 208.

34 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. V. II. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 92.

21

relacionadas a temas específicos. 35 Em outros termos, a esfera pública se reproduz

através do agir comunicativo.

O agir comunicativo constitui-se naquele em que um indivíduo, em sua ação,

procura convencer outra pessoa de suas pretensões, o que só pode ser realizado

mediante a fala. 36 “Trata-se, portanto, de um tipo de ação orientada ao entendimento

ou, em outros termos, à produção de consenso, o que pressupõe, ao contrário da ação

estratégica, transparência no comportamento do agente”. 37 [grifo do autor].

Observa-se, nesse sentido, a necessidade de busca pelo consenso, pois os atores

sociais já não podem mais resolver isoladamente os seus problemas e os seus anseios,

mas, ao contrário, necessitam do outro. E a relação que se dá entre os sujeitos é

possibilitada pela comunicação, a qual permite aos atores negociar interpretações

comuns da sua situação e sintonizar os seus respectivos planos de ação. Não se trata,

dessa maneira, de um conceito simplificado de consenso, mas sim da percepção das

singularidades dentro do conflito e da ambivalência presentes na esfera pública. Para

que o espaço público tenha de fato condições de produzir consensos abrangentes,

inclusivos, todos os mais variados argumentos devem ter sido postos em discussão, para

que possa prevalecer o melhor.

A lógica da racionalidade comunicativa proposta por HABERMAS leva à

conclusão de que o local no qual deverão se operar as relações comunicionais

corresponde a um espaço de conflito e, paradoxalmente, de tomada de decisões, no qual

se dá a interface entre o espaço público e o espaço privado. Esse novo espaço permite a

organização da solidariedade e da identidade no interior do mundo da vida. No

pensamento habermasiano, a esfera pública pode ser entendida:

[...] enquanto ponto de encontro e local de disputa entre os princípios divergentes de organização da sociabilidade. Os movimentos sociais constituiriam os atores que reagem à reificação e burocratização dos domínios de ação estruturados comunicativamente. Eles defendem a

35 Idem, ibidem.

36 GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: Estado Democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas.

Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 125.

37 Idem

22

restauração das formas de solidariedade postas em risco pela racionalização sistêmica. 38

VIEIRA destaca que, no modelo habermasiano, a esfera pública atua como

“instância mediadora entre os impulsos comunicativos gerados na sociedade civil (no

‘mundo da vida’) e as instâncias que articulam, institucionalmente, as decisões

políticas (parlamento, conselhos)”. 39

Nessa perspectiva, o conteúdo normativo a ser considerado no meio social,

não surge de um pretenso "substrato ético" de uma dada comunidade, nem de "direitos

humanos universais", mas da estrutura das ações comunicativas. Valoriza-se a

institucionalização de procedimentos e condições comunicativas aptas a reconhecer a

soberania popular procedimentalizada e um sistema político ligado às redes periféricas

da esfera política. Assim, a legitimidade do direito apóia-se num arranjo comunicativo

enquanto participantes de discursos racionais, nos quais os parceiros do direito devem

poder examinar se uma norma controvertida encontra ou poderia encontrar o

assentimento de todos os possíveis atingidos.

No que tange à questão ambiental, esta vem a configurar possíveis espaços na

estrutura comunicacional do sistema jurídico, os quais irão efetivar a relação deste com

o sistema social. Não se pode conceber um planejamento ambiental isolado da gestão

democrática e dos seus respectivos processos decisórios, uma vez que se trata de uma

crise que está a afetar as condições de vida de todos, indistintamente. Sendo assim, o

ponto de convergência para os conflitos, reflexões e discussões ambientais centra-se na

prática do agir comunicativo, o que, em outros termos, significa democratizar os

processos decisórios ambientais.

Isso importa no reconhecimento de que a simples realização formal de uma

audiência pública ou a simples apresentação de relatórios de impacto ambiental sem a

sua discussão e sem a devida consideração dos atingidos não alcança a perfectibilização

de uma gestão ambiental democrática. Sob a ótica ora apresentada, as informações

38 AVRITZER, Leonardo. Além da dicotomia Estado/Mercado: Habermas, Cohen e Arato. Novos Estudos CEBRAP, nº 36, p. 213-

222, julho 1993. p. 217.

39 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record,

2001. p. 87.

23

relativas aos problemas ambientais não devem ser apenas compartilhadas entre os

cidadãos, mas internalizadas pelos mesmos por meio da ação comunicativa, o que os

permite produzir uma relação direta com as demandas, anseios e pleitos dos diferentes

grupos sociais.

Por isso, as audiências públicas, no que diz respeito ao meio ambiente, mais do

que se prestarem a fornecer informações, esclarecimentos, dados e documentos sobre a

matéria que será objeto de exposição para a comunidade interessada e atingida por um

determinado impacto ambiental, devem permitir o agir comunicativo. Em outros termos,

os cidadãos devem poder manifestar suas opiniões, apresentar propostas, soluções e

alternativas, no intuito de permitir que a administração pública e os entes privados

interessados na questão conheçam as perspectivas e visões das pessoas diretamente

atingidas pelo empreendimento discutido na audiência pública.

O direito, nessa conjuntura, pode ter um papel importante se for capaz de

avançar na sua concepção democrática e deixar de apresentar um caráter meramente

regulatório e quantitativo no que tange ao meio ambiente. Mais do que audiências

públicas e conselhos populares, é preciso reconhecer e fortalecer outros instrumentos de

participação democrática, mediante os quais a população deve ser verdadeiramente

informada e convocada a debater. De outra parte, o princípio democrático prescreve que

só podem pretender validade legítima as leis que puderem contar com o consentimento

de todos os cidadãos perante um processo discursivo de legislação.

Por fim, buscar a gestão democrática das questões ambientais na atual

sociedade do risco implica numa tomada de atitude responsável de todos os atores

sociais perante a vida, pois, de agora em diante, todos serão responsáveis pelas decisões

que dizem respeito às condições de vida sobre o planeta. Trata-se de instaurar uma rede

solidária que considere de maneira séria e consciente os riscos ambientais, o que, com

efeito, resulta num comprometimento da sociedade para com o meio ambiente. Afinal, a

proteção do ecossistema e da possibilidade de vida das gerações futuras converge,

necessariamente, para mudanças radicais nas estruturas da sociedade organizada. E isso

só pode se dar por meio de uma cidadania participativa, que compreenda a ação

conjunta do Estado e da sociedade na proteção ambiental.

24

6. Considerações Finais

A dicotomia entre espaço público e espaço privado se transformou no

transcurso histórico, sendo que, na contemporaneidade, verifica-se um estreitamento do

seu significado. Na atualidade, público e privado tendem a se confundir de modo

crescente ao mesmo tempo em que os significados e anseios comuns compartilhados

pelos membros da sociedade são cada vez mais esquecidos.

Nesse contexto, a necessária discussão em torno da problemática ecológica

está a exigir a retomada dos espaços nos quais esses significados comuns possam ser

analisados e discutidos. Portanto, trata-se de (re)construir um espaço público enquanto

local no qual seja possível estabelecer relações comunicacionais entre os diversos atores

sociais, viabilizando-se os canais de discussão e de tomada de decisões.

Ressalta-se que, ao mesmo tempo em que esta nova esfera pública deverá

corresponder a um local de conflitos, também deverá se constituir num ponto de

encontro organizado entre os atores sociais, no qual se dará o debate e torno das

diferentes opções e a avaliação dos prós e dos contras de cada decisão.

No que tange especificamente à questão ambiental, a (re)construção desse

espaço é fundamental, uma vez que os problemas ecológicos dizem respeito às

condições de vida de toda a comunidade e, por isso, a sua solução exige a realização de

ações integradas entre os sujeitos sociais, os quais devem se sentir responsáveis pelas

suas decisões. Com efeito, a solução isolada sobre essas questões já não é mais eficaz,

pois o quê a crise ecológica está a exigir é uma mudança do próprio modo de vida da

sociedade contemporânea, a qual deve estar ciente acerca das conseqüências de suas

decisões. Tem-se, nesse sentido, que a (re)construção de um espaço público baseado

sobre as relações comunicacionais entre os diversos atores sociais mostra-se como uma

opção necessária para a realização na gestão ambiental democrática.

Nessa perspectiva, ao mesmo tempo em que se constata a abertura do direito

ambiental brasileiro ao reconhecimento de instrumentos democráticos, como, por

exemplo, quando exige a realização de audiências públicas nos casos em que há

significativo impacto ambiental, também se constata o seu reduzido poder decisório e o

25

escasso conhecimento da população a seu respeito. Portanto, tais instrumentos ainda

merecem uma maior atenção tanto por parte do Estado, como da própria sociedade, sob

o entendimento de que o planejamento ambiental não pode ser feito de forma isolada de

uma gestão democrática.

Diante de tal conjuntura, o Direito também deverá tornar-se capaz de orientar a

formação de um espaço público dialógico, fortalecendo seus instrumentos democráticos.

Para isso, deverá reconhecer a importância da participação da sociedade nos processos

decisórios e incentivar a instauração de uma cultura democrática baseada sobre o

reconhecimento do outro.

7. Referências:

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. AVRITZER, Leonardo. Além da dicotomia Estado/Mercado: Habermas, Cohen e Arato. Novos Estudos CEBRAP, nº 36, p. 213-222, julho 1993. AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. BAUMANN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. BRASIL. Resolução n. 237, de 19 de dezembro de dezembro de 1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. In: MEDAUAR, Odete (org.). Constituição Federal, coletânea de legislação de direito ambiental. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. ______. Resolução n. 09, de 03 de dezembro de dezembro de 1987, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. In: MEDAUAR, Odete (org.). Constituição Federal, coletânea de legislação de direito ambiental. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora Cultrix, 2002. COHEN, J.; ARATO A. Civil Society in Political Theory. Mit. Press. Cambridge, 1992. GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: Estado Democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. GAVIÃO FILHO, Anízio Pires. Direito Fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. V. II. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

26

HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988. HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1974. (Coleção Os Pensadores, v. XIV) JACOB, Pedro. Movimentos Sociais e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez, 1993. LEAL, Renata.10 ameaças e uma esperança. Revista Época, São Paulo, n. 439, 16 de outubro de 2006. p. 44-45. LEAL, Rogério. Estado, Administração Pública e Sociedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13.ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2005. MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. TELLES, Vera da Silva. Espaço Público e Espaço Privado na constituição do social: notas sobre o pensamento de Hannah Arendt. Tempo Social, São Paulo, v. 2. n. 1, p. 23-28, 1990. TOURAINE, Alain. O que é a democracia? Tradução de Guilherme João de Freitas. Petrópolis: Vozes, 1996. VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record.

27