subalternidade e objetificaÇÃo sexual da mulher … · 2019-05-20 · no romance jubiabá, de...
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SUBALTERNIDADE E OBJETIFICAÇÃO SEXUAL DA MULHER NEGRA E BRANCA NA OBRA JUBIABÁ DE JORGE AMADO
Jesús Ulloa Lanas (Pontificia Universidad Catolica de Valparaiso - Chile)
Bruna Ercoles da Silva (Universidade Estadual do Paraná)
Resumo Este trabalho se propõe discutir a visão da mulher na literatura a partir da análise de três personagens do romance Jubiabá, de Jorge Amado: Joana, Rosenda Rosedá e Lindinalva. Sendo as duas primeiras negras e a última branca, objetivamos mencionar as particularidades da representação feminina na obra, a partir da relação que elas estabelecem com o protagonista Antônio Balduíno. Por meio da revisão bibliográfica de autores/as como Frantz Fanon, bell hooks1 e Léopold Senghor, percebemos que questões raciais e de gênero se evidenciam nas falas dos personagens no destino final das mulheres que é estabelecido pelo autor, destino marcado pela subalternidade e objetificação sexual das quais foram vítimas ao longo da vida. Palavras-chave: Literatura; Gênero; Subalternidade e objetificação feminina. Introdução
Ao olharmos para a mulher na literatura, percebemos o papel de
subalternidade e de forte opacidade do qual foi vítima ao longo da história, bem
como a dificuldade de serem reconhecidas como cidadãs em uma sociedade onde a
pluma masculina por muitos anos as subjugou.
No romance Jubiabá, de Jorge Amado, entendemos necessário considerar
não somente a questão de gênero, mas também a dimensão racial e abordar a
posição da mulher negra na obra, já que, como menciona bell hooks (2017), a
mulher negra se incrusta em uma dupla subalternidade: de raça e classe, colocando-
a em uma esfera ainda mais marginal que a mulher branca.
1 Pseudônimo de Glória Jean Watkins, autora e teórica feminista que adotou o nome inspirado em sua avó Bell Blair Hooks. hooks, adota as letras iniciais minúsculas para dar ênfase ao conteúdo da sua escrita e não a ela mesma.
A partir da dualidade branca-negra, esse trabalho se propõe a contrapor e
problematizar o lugar da mulher na obra Jubiabá, tendo em conta o contexto baiano
vivido por elas na década de 1930 – quando a obra é escrita – não esquecendo,
também, as percepções e valores amadianos que perpassam a narrativa. Dessa
forma, analisaremos as possíveis relações da cultura de subjugação e objetificação
sexual da mulher que permeiam os diálogos e vivências entre o personagem
protagonista Antônio Balduíno com Joana, Rosenda Rosedá e Lindinalva, bem como
se a obra apresenta diferenças substanciais relacionadas a raça das mulheres em
questão. Para isso, este resumo se estrutura em três partes: A visão da mulher
negra na obra, da mulher branca e considerações finais.
I. A mulher negra Para uma breve análise do tema, utilizamos do termo “ciclos de desvantagens
acumulativas”, que se refere a socióloga Paula Cristina da Silva Barreto (2008).
Esse conceito é um elemento contextual para entender a obra amadiana, mais
particularmente em Jubiabá. Quando o protagonista, Antônio Balduíno, deixou a
Bahia para ser boxeador, após perder uma luta que resultou no final de sua carreira,
escutou: “Es la vida [...] Uno nace para sufrir […] No hay nadie bueno ¿Quién es
bueno en este mundo de mierda? […] Hay gente buena sí…Pero el pobre es
siempre desgraciado. De nacimiento. La pobreza hace mala a la gente” (AMADO,
1982, p. 187).
Este mundo com ciclos de desvantagens acumulativas, é aquele no qual se
insere a mulher de raça na obra, mundo que apresenta uma tripla desvantagem: ser
mulher, negra e pobre. Muitas são as personagens utilizadas por Jorge Amado que
poderíamos mencionar, no entanto, nosso foco recairá sobre Joana e Rosenda
Rosedá.
Joana é um dos primeiros pares românticos de Balduíno. Durante sua
juventude, ostenta a relação que futuramente não prospera. Em um dos diálogos
com o protagonista, afirma:
- No soy virgen - ¿Ah no? - Fue mi tío, un tío que vivía allá en casa... Hace tres años. Estaba sola. Mi mamá había ido a trabajar… - ¿Y tú padre? - Nunca lo conocí. Mi tío se aprovechó. Me forzó…. - ¡Qué desgraciado! - en el fondo Antonio Balduino simpatizaba con el tío (AMADO, 1982, p. 93).
Escolhemos dois elementos que aparecem nessa breve representação do
diálogo entre o casal. O primeiro se relaciona com a violação explícita que transcorre
na cena. Joana é representada como um elemento vulnerável, bruscamente o autor
a insere e a faz partícipe de um mundo no qual sua família não resulta ser um
núcleo digno de confiança, já que seu próprio tio se torna um personagem perigoso.
O segundo elemento que destacamos na cena, refere-se à atitude que toma
Balduíno diante do relato. Não só sua empatia parece ser uma atitude falsa, como
também constitui uma fachada na qual oculta sua afinidade para com as ações do
tio. O autor deixa claro a visão que tanto o tio quanto o protagonista possuíam de
Joana como um objeto sexual para satisfazer suas vontades.
A segunda mulher que destacaremos corresponde a Rosenda Rosedá. Após
fracassar em sua carreira como lutador de boxe, Balduíno é levado por Luigi, seu ex-
empresário, a um circo internacional quase em falência. Ali, umas de suas
integrantes chama sua atenção. É uma mulher que exerce a função de bailarina e
Baldo se sente atraído desde o primeiro momento em que a vê. O texto afirma que
quando os homens a viam, se esqueciam de tudo “[...] para ver solo a la negra
Rosenda Roseda vestida de bahiana, agitando las ancas con aparatosas sacudidas.
Los ojos brillan de lujuria” (AMADO, 1982, p. 210).
Nessa narrativa, percebemos que a caracterização amadiana se entronca na
descrição sexualizada da mulher, assim como outros autores que o fizeram. O poeta
Léopold Sédar Senghor escreveu no poema Black Woman: “Naked woman, dark
woman /Firm-fleshed ripe fruit, sombre raptures /of black wine, mouth making lyrical
my mouth”. Tanto Amado como Senghor recorrem a descrição sexualizada
despojando a mulher de seu intelecto e vendo nela somente um elemento sexual.
No fim do romance, Rosenda termina seus dias trabalhando como dançarina em um
cabaré.
Tanto Joana como Rosenda representam exemplos da dura situação que
vivia a mulher negra. A família não era um lugar confiável e a mulher atrativa era
sexualizada e objetificada. II. A mulher branca Utilizaremos como exemplo Lindinalva, filha do comendador, uma mulher
branca que nasceu em uma situação financeira cômoda. Durante a obra, ela sempre
pareceu estar sobre um pedestal na hierarquia das mulheres. Para ilustrar sua
relação com o protagonista, à associamos a ótica de Frantz Fanon que afirmou: “[…]
en qué medida el amor auténtico continuará siendo un imposible en tanto no sean
expulsados ese sentimiento de inferioridad” (FANON, 1952, p. 65). O psiquiatra
apresenta uma concepção que mostra um preconceito presente nas relações em
que se conjugam duas pessoas de raças diferentes. De acordo com ele, isso não
permite que elas prosperem – pelo menos essa foi sua ótica na década de 1950.
Ao associar as palavras de Fanon (1952) à relação de Balduíno com
Lindinalva, percebemos que, após viver sua infância perto do protagonista, a moça o
despreza. Assim descreve Amado uma das cenas: “Pero Antonio Balduino vió que
era Lindinalva. Un jazz tocaba un blues en la confitería. Lindinalva también miró a
Antonio Balduino y se apretó contra el pecho del muchacho con miedo y asco”
(AMADO, 1982, p. 80). O sentimento de superioridade é patente na mulher, já que,
naquele momento, Balduíno se dedicava a mendigar. Nesse contexto, também
percebemos uma dupla subalternidade mostrada por Lindinalva à Balduíno, a de que
o homem era negro e pobre, enquanto ela era branca e rica.
Embora pareça ser olhada com outros olhos por ser branca e filha do
comendador, no desenrolar do romance o autor mostra Lindinalva sendo arrastada a
um destino similar ao de Joana, pois seu pai perdeu sua fortuna – gastando o
dinheiro com mulheres – e morreu bebendo em um bar. A personagem engravida de
um advogado que a abandona, o que a leva a um prostíbulo, no qual termina seus
dias pedindo a Balduíno que ajudasse sua criada a cuidar de seu filho.
Considerações finais
A partir da análise das personagens de Joana, Rosenda Rosedá e Lindinalva,
entendemos que Jorge Amado unifica, dentro da dimensão do romance, os destinos
da mulher branca e da mulher negra. Consideramos que o fator racial permeou de
maneira inicial a atitude de Lindinalva com Balduíno, situando o sentimento de
inferioridade de sua parte, mas no final da obra, o destino da filha do comendador
parece ser tão ou mais duro que o de Joana ou Rosenda. O universo da obra
Jubiabá arrasta as três a um destino trágico. Embora não especifique, o romance
deixa possibilidades para o/a leitor/a pensar que Joana também poderia terminar
exercendo a prostituição. O autor não abre um leque de outras alternativas para a
vida das mulheres, senão a de servir ao homem.
Referências AMADO, Jorge. Jubiabá. Obis Origen: Barcelona, 1982.
BARRETO, Paula Cristina da Silva. O racismo brasileiro em questão: Temas
relevantes no debate recente. Clacso: Buenos Aires, 2008. FANON, Frantz. Piel negra, máscaras blancas. Akal: Madrid, 2009.
HOOKS, Bell. El femenismo es para todo el mundo. Traficantes de sueños:
Madrid, 2017. SENGHOR, Léopold Sédar. Black Woman. Disponível em:
<https://allpoetry.com/poem/8594637-Black-Woman-by-Leopold-Sedhar-Senghor>
Acesso em: 24 mar 2019.