subirats, j. el papel de la burocracia - tradução 2
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Um debate sobre a importância da discricionariedade na implementação e acompanhamento das Políticas Públicas.TRANSCRIPT
O Papel da Burocracia no processo de determinação e implementação das políticas públicas
Joan Subirats
In: Saravia, Enrique. Ferrarezi, Elisabete. Políticas Públicas: coletânea – Volume 2. Brasílai,
ENAP, 2006.
As burocracias mecânicas e o conceito de discricionalidade
A concepção tradicional da burocracia se identifica com aquilo que mais recentemente
Henry Mintzberg denominou de “burocracia mecânica” (MINTZBERG, 1984, p. 357). Um
conjunto de pessoas organizadas de maneira hierárquica, que realizam um trabalho de natureza
eminentemente rotineira, repetitiva, e que, portanto, suas pautas de trabalho estão fortemente
fixadas ou normatizadas.
Weber considerava que as vantagens dessa ordenação burocrática eram baseadas em sua
precisão, sua falta de ambiguidade, sua unidade, sua estrita subordinação e sua continuidade; o que
evitaria tensões ou custos desequilibrados (que causam desequilíbrio). Como se afirmou
(MAYNTZ, 1987, p. 115) essas vantagens só ocorrem no caso de aquilo que importa seja conseguir
uma combinação sem problemas de diversas atividades para a obtenção de um fim previsível e
invariável.
Nessa estrutura é pretendida uma clara distinção entre cúpula decisória e núcleo de
operações, pela qual a máquina burocrática atuaria de maneira “cega” ou “indiferente”, através do
procedimento formalizado, para conseguir o cumprimento dos objetivos fixados pela linha de
comando ou no âmbito de decisão política. Assim, a formulação das estratégias ficaria claramente
diferenciada de sua aplicação. Essa distinção se basearia em duas suposições chaves: a) que o
decisor ou os decisores dispõem de uma completa informação daquilo que acontece tanto dentro
quanto fora da organização; b) que a situação ou o entorno no qual ele [o decisor] opera é estável o
suficiente para que não seja necessária uma reformulação da decisão no processo de sua
implementação.
Essa combinação ou dupla condição, separação linear decisória de estrutura
implementadora, e entorno estável, nos mostram que a estrutura burocrática assim concebida
efetivamente é muito pouco capaz de se adaptar a mudanças, muito pouco capaz, portanto, de se
adaptar aos novos compromissos que o Estado democrático foi assumindo nos últimos quarenta
anos, e menos capaz ainda de resistir à dinâmica de fragmentação de interesses e de mutação
tecnológica da última década. Se em contextos técnico-reguladores a burocracia mecânica pode
ainda se desenvolver e manter sua operatividade, incorporando a tecnologia necessária para
mecanizar muitos dos seus trâmites, em contextos mais destinados à prestação de serviços, sua
inadequação parece clara.
Este tipo de estruturas burocrático-mecânicas precisam de fortes doses de controle interno e
externo que evite “desvios” ou descumprimentos daquilo que se entende que deve ser de mera
execução. O controle teria como finalidade o exame da coerência entre objetivos, procedimentos e
resultados da ação administrativa. Neste sentido, a doutrina administrativa gerou uma importante
literatura sobre a discricionalidade, para se referir:
- bem às possíveis arbitrariedades ou personalismos que a atuação da administração pode
levar consigo (e daí sua prevenção pela articulação das garantias jurisdicionais necessárias);
- bem à possível liberdade de movimentos que pode todo funcionário pode desenvolver no
exercício de suas funções; ou,
- bem, inclusa, à possível discricionalidade das administrações periféricas na aplicação dos
regulamentados (normas) gerados pelas administrações centrais.
A discricionalidade existiria quando um funcionário tem um âmbito de poder que o permite
escolher entre diferentes alternativas de ação e de não-ação (HAM, HILL, 1984, p. 148). Não há
dúvida de que toda delegação (e qualquer mecanismo de execução comporta certo grau de
delegação a não ser que se assuma pessoalmente a ação de desenvolver) implica a aceitação de um
certo grau de discricionalidade. Quanto mais complexa e extensa for uma organização, e
Administração Pública é, mais “aberturas” discricionárias existirão.
As tentativas da doutrina administrativista para prevenir e reduzir ao máximo os âmbitos de
discricionalidade (entendida como “Cavalo de Troia no Estado de Direito”) (GARCÍA DE
ENTERRÍA; FERNANDEZ, 1980, p. 384) conduziu a exercícios de notável argumentação, com
aqueles que pretendem se distinguir entre poderes regulamentados e poderes discricionários por um
lado, e poderes discricionários e conceitos jurídicos indeterminados por outro. Nesse contexto, e
como é bem sabido, se entende como poder discricionário não um certo espaço de liberdade da
administração ante à norma, senão uma remissão legal que deverá incluir sua extensão, o titular
dessa competência e a finalidade que se persegue. As opções da administração ficam, pois, assim
bem circunscritas, entendendo também que esse âmbito de discricionalidade é um âmbito
juridicamente indiferente (o que distingue essa concepção da discricionalidade com relação aos
chamados conceitos jurídicos indeterminados no qual intervém de maneira decisiva a consideração
de sua finalidade). Fica sempre a posição do juiz que encherá com suas decisões os vazios legais
que pode se dar, o que de fato implica judicialização do controle sobre a prática discricionária da
administração.
É evidente que nesse contexto parte-se de uma consideração eminentemente negativa da
discricionalidade, nas quais os funcionários seriam sempre considerados como suspeitos e portanto
seria necessário um regulamento rígido que limitasse [encorsetara] sua atividade, permitindo uma
hipotética e sempre possível prestação de contas posterior. Mas essa mesma rigidez de
procedimento facilita que o funcionário pouco motivado se refugie na selva normativa e a
complicação burocrática para não atender a certas petições “incômodas”, para desenvolver uma
atividade lenta, rotineira e de fato que boicota (um caso extremo é a chamada greve de zelo [huelga
de celo] em determinadas profissões que significa simplesmente levar o cumprimento estrito dos
regulamentos).
Isso tem provocado o que, desde perspectivas não estritamente jurídicas, tendenciou
ultimamente a distinguir entre capacidade de juizo (entendida como um âmbito de “mobilidade” do
funcionário que pode ajudar a levar à prática de maneira criativa e positiva o regulamento
estabelecido e, para tanto, a finalidades contidas nele) de violação de normas (nos casos em que se
produz uma autêntica deformação [tergiversación] da norma a aplicar) (HAM; HILL, 1984).
Portanto, a partir de uma perspectiva mais centrada no controle da gestão e no controle de
resultados, esse âmbito no qual se desenvolveria essa capacidade de juizo se estenderia como
flexibilidade organizativa, enquanto que a partir de concepções mais tradicionais ou jurídicas,
preocupadas com as garantias, tenderia a limitar ao máximo a liberdade de movimentos daqueles
considerados suspeitos, exercendo um estrito controle hierárquico.
O controle das burocracias
Temos, pois, entrado no espinhoso tema do controle, que neste caso está situado no terreno
da coerência entre objetivos e procedimentos, a conformidade da atuação administrativa com as
regras preestabelecidas e também da capacidade de prestar contas da atuação realizada. Afirmou-se
a que A terá controle sobre B quando tem o “poder” de se fazer aquilo que quer para conseguir seus
objetivos, mas admite-se que B mantenha a capacidade ou o “poder” de resistir às pressões de A
(WIRTH, 1986, PP. 600-601). O poder não está somente em umas mãos, é repartido, ainda que seja
de maneira desigual. Isso quer dizer que o controle, e consequentemente o poder, dependerá da
distribuição desigual de recursos como informação, dinheiro, tempo etc.
Se aplicarmos essas ideias às estruturas administrativas aonde a mesma estrutura
organizativa hierárquica constitua a base formal [“plantilla”] de distribuição de recursos, teremos
um desenho ainda mais complexo que os mecanismos do controle, entendido não como fotografia
estática da realidade, mas sim como equilíbrio dinâmico das forças presentes. A efetividade do
controle burocrático weberiano não deve-se dar, pois, por concessão, dependerá da consideração de
outras variáveis. Não podemos aceitar uma única perspectiva de controle, de cima até embaixo,
exitem além disso outras perspectivas tanto ou mais decisivas: “de baixo pra cima” (em fluxos de
informação, por exemplo), de “dentro” da Administração para “fora” (no controle dos recursos ou
serviços que se distribuem), ou de “fora” para “dentro” (nas pressões dos grupos de clientes ou de
interesses em conseguir mais recursos em troca de certas concessões ou respaldos políticos ou de
outro tipo).
Se examinarmos somente a perspectiva “de cima para baixo”, então poderíamos tender a
considerar que os funcionários do nível mais baixo, aqueles que formam em muitos casos a
epiderme de contato entre administração e sociedade, como os que dentro da estrutura dispõem da
menor quota de poder, se vendo submetidos a um estrito controle desde os diferentes elos
hierárquicos, quando de fato foi demonstrado (LIPSKY, 1980) como a chamada street level
bureaucracy (sobre tudo o que seria a provisão de serviços por parte da administração, não tanto em
âmbitos mais reguladores, concessão de carteira de habilitação, repartições fiscais ou em certos
serviços técnicos, como administração dos correios, o serviço ferroviário etc.) mantém um alto grau
de discricionalidade no exercício de suas funções e a capacidade de controle da estrutura
hierárquica é relativamente reduzida. Na prática, nem sempre coincidem, pois, poder real e poder
formal no seio da Administração Pública e isso complica sem dúvida os procedimentos de controle.
Chegou-se a afirmar que:
[...] as decisões dos ‘burocratas de primeiro nível’, as rotinas queestabelecem e as pautas que vão inventando para afrontar as incertezas e aspressões do ritmo de trabalho que suportam constituem, de fato, as políticaspúblicas que devem implementar. (LIPSKY, 1980, p. 12).
Nessa linha não seria possível entender o processo de desenho, decisão, implementação e
avaliação das diferentes políticas públicas se não se introduzir no marco de estudo esses ‘encontros
na última fase’ que colocam cara a cara “provedores” e “clientes” dos diferentes serviços
(educacionais, sanitários, de ordem pública ou de justiça).
Os recursos da burocracia e as políticas públicas
Assim, se não parece conveniente se limitar a considerar a burocracia como mera executora
indiferente das decisões tomadas por aqueles formalmente legitimados para fazê-la, qual será então
o papel da burocracia no processo de determinação e implementação das políticas públicas?
Primeiro, deveremos distinguir entre as diferentes fases do processo da política pública [policy
process] e levar em conta os recursos específicos da burocracia que a permite exercer um
protagonismo maior do que parecia previsto em esquemas tradicionais.
Os recursos mais importantes que possui a burocracia e que explicam a importância do seu
papel no processo de determinação e implementação das políticas públicas são:
Primeiro, o controle sobre a informação e sua mesma capacidade profissional. A burocracia
é quem conhece melhor o que está realmente acontecendo na aplicação dos programas
públicos, conhece o grau de aceitação que geram e as principais falhas em seu desenho que
deveria ser modificada. De alguma forma podem implicitamente trocar informação por
influência no processo decisório. O tipo de informação fornecida pode conduzir para que
certos tipos de decisões sejam consideradas inevitáveis. (HOGWOOD; PETERS, 1985, p.
68). Logicamente que não tem o monopólio nem da informação nem da capacidade
profissional, de fato cada tema ou problema que a administração se coloca a resolver gera
suas próprias redes de informação e influência, mas o lugar que a burocracia ocupa no
processo de atuação dos poderes públicos confere a esses recursos (informação, expertise)
um papel nada desprezível.
Outro importante recurso é a rede de contatos formais e informais que a partir dos diferentes
serviços da administração se mantém com o exterior da administração e com a mesma
cúpula decisória. Isso lhes confere uma grande acessibilidade e uma notável influência, tudo
isso incrementado pela sua permanência e longevidade na estrutura administrativa;
Com efeito, a permanente posição dos burocratas na estrutura de desenho e implementação
das políticas públicas é um de seus recursos mais eficazes. Seu grau de conhecimento do
terreno os permite “absorver” ou “neutralizar” a políticos demasiadamente audaciosos, ou
simplesmente manter seu grau de influência aproveitando a constante “novidade” dos
decisores políticos.
Se relacionarmos tudo isso com as diversas fases do processo de determinação e
implementação das políticas públicas, veremos como em uma primeira fase, a que relaciona
problemas presentes com a agenda de atuação dos poderes públicos, o papel da burocracia se
concentra em sua capacidade de recolher e processar informação a partir das diferentes clientelas,
grupos de interesses ou organismos sociais em geral com os quais mantém contatos. Se
adicionarmos a isso sua própria especialização profissional, e a incontestável vontade de aumentar
influência e recursos através da expansão de seus programas de atuação, não é de se estranhar que
se considerem aos burocratas como a fonte essencial da agenda de atuação dos poderes públicos
(PETERS, 1984, p. 188).
Não podemos apesar disso, desdenhar da importância dos meios de comunicação e sua
influência direta sobre o âmbito dos decisores políticos no processo de formação da agenda, nem da
crescente influência dos gabinetes nesse primeiro impulso na atuação da Administração Pública
(KINGDON, 1984 p. 32).
Por outro lado, parece evidente que a burocracia encontra seu papel mais relevante na
geração de alternativas que desenvolvam os pontos contidos nas agendas ou programas de atuação
definidos pelo nível político, e o processo de implementação que segue à tomada de decisões.
Nos momentos prévios à tomada de decisões, o papel da burocracia de apoio de concentra
na análise das diferentes alternativas possíveis e as possíveis consequências que podem se
desencadear segundo a decisão adotada. Neste contexto no qual certos setores da administração
exercem sua condição de especialistas, embora devesse ser matizada, às vezes, a objetividade
pretendida ou a cientificidade desse trabalho (no sentido de buscar todas as alternativas possíveis e
avaliar todos os seus efeitos), quando, em linhas gerais e como já assinalado mais acima, o leque de
opções reais sobre as quais o político deve exercer sua capacidade de decisão venha muito
condicionado pelo grau e pela qualidade da informação disponível, os recursos, ou a necessidade de
adotar compromissos que está presente em todo o processo de atuação pública (LINDBLOM,
1959).
Burocracia e implementação
É no processo de implementação dos programas de atuação pública quando fica mais clara a
influência da burocracia sobre o conteúdo e o alcance de tais programas. Como sabemos, aquilo que
se considera o papel fundamental da burocracia é precisamente “executar”(o que dá essa ideia de
automaticidade de resposta à qual aludíamos anteriormente e que parece longe da realidade) as
decisões tomadas previamente no nível de decisão política, tentando tornar realidade os objetivos
fixados previamente.
O primeiro problema, que tem sido exaustivamente mencionado em numerosos estudos, é a
tendência a estabelecer um set de objetivos por parte dos decisores excessivamente genéricos,
ambíguos, múltiplos às vezes e até mesmo contraditórios. A mesma natureza política dos órgãos
decisores acarreta certa tendência a deixar certos objetivos ambíguos, para assim facilitar a adoção
de acordos e o processo de consenso (MAJONE; WILDAVSKY, 1978). Essa situação favorece a
tendência a converter o processo de implementação das decisões em uma casualidade cuja direção
repousa em boa parte dos órgãos implementadores.
É notável como isso pode provocar déficit de execução (quando as normas não são aplicadas
ou quando os objetivos não são totalmente alcançados), ou então descolamento de objetivos
(quando no curso da implementação os objetivos finais são alterados de fato), ou também
seletividades involuntárias (quando a aplicação do programa é discriminada a certos indivíduos ou
coletivos) (MAYNTZ, 1985, p. 232). Mas devemos levar em conta, como já adiantamos
anteriormente, que nem sempre essa indefinição de objetivos tem consequências negativas, já que
essa mesma liberdade de movimentos pode às vezes ser positiva, a partir do ponto de vista da
obtenção de resultados (BLAU, 1973).
Se, ao contrário, em determinados contextos a definição normativa é excessiva, o
funcionário poderá de fato escolher aquela norma que mais convenha em cada momento, ignorando
a que não o interessa ou suprindo uma determinada lacuna com uma interpretação ad hoc, em um
processo (já mencionado) que foi classificada de “ilegalidade útil” (LUHMANN, citado por
MAYNTZ, 1985, p. 126), no qual o que é qualificado como “útil” se refere a sua possível
conveniência, seja para os clientes do serviço, seja para o bom progresso do organismo (essa
“utilidade” passa a ser tolerada pelos que deveriam controlar a aplicação das normas).
Tudo isso demonstra como um bom desenho do plano de ação não é suficiente para levar a
cabo, nem contar com os recursos necessários de todo tipo, mas é preciso considerar a disposição
dos implementadores e suas relações com o resto da estrutura administrativa e com o entorno
(atores, grupos, clientelas) na qual a ação está situada. Dizemos que não basta, pois, formular a
performance do serviço, contando supostamente com a conformance do órgão ou órgãos
implementadores (BARRETT; FUDGE, 1981). No desenho e determinação do programa de ação a
executar deverá incluir necessariamente a obtenção da participação e o consenso da burocracia
implementadora, tendo em conta, logicamente, as diferenças de legitimidade existentes, mas
evitando assim a mencionada “guerrilha” pós-legislativa (HOGWOOD; GUNN, 1984, p. 208). Essa
desconformidade, se existir, pode provocar verdadeiros fenômenos de boicote, com aumento de
absenteísmo, perdas de tempo, desperdício de recursos, ou fenômenos mais gerais de alienação ou
apatia (LIPSKY, 1980, p. 17).
Também não se pode formular o processo de determinação e implementação das políticas
públicas como se apenas afetasse a políticos por um lado e a burocratas por outro. Nem é possível
pensar que somente se deva considerar como participantes nesse processo a político, burocratas e
grupos de interesses (iron triangles). Essa visão é muito estática e excessivamente generalista.
Contribuições recentes da Ciência Política, às quais aludimos, sugerem o conceito de armação ou de
rede como aquele mais capaz de concentrar toda a riqueza de atores (a partir de um professor
universitário, uma profissão, um sindicato ou uma associação de proprietários ou vizinhos),
intercâmbios, pressões e negociação que encerra não somente o processo de elaboração e decisão do
programa de atuação, mas também na fase de implementação, inclusive nos parâmetros de
avaliação que servirá para decidir a continuidade ou não da política em questão (MAYNTZ, 1978;
SCHNEIDER, 1987). Logicamente que este conceito se choca com a tradição mais estritamente
jurídica-administrativa que fragmenta a realidade a acomodando às rigidez do código em vigor,
dando à administração a racionalidade de um ator individual, identificando o objetivo legal com a
prática de implementação e somente aceitando tardiamente (via interesses difusos) a presença de
grupos e atores coletivos não pessoais e individualmente afetados em seus interesses.
O processo de implementação se movimenta, pois, nestes parâmetros, muito diferentes dos
imaginados a partir das perspectivas mais tradicionais ou simplesmente mais idealizadas. Nelas se
pressupõe que se os objetivos estão claros e minuciosamente definidos, os recursos de todo tipo são
suficientes, o entorno não é hostil e a disposição dos implementadores é boa, o rendimento a se
obter da atuação administrativa será ótimo. Na realidade, como já adiantamos, os objetivos são
inconsistentes e difusos, os recursos são sempre insuficientes, o controle é muito superficial e
formalista, e as circunstâncias que rodeiam o trabalho na Administração Pública se acostumaram a
ser desanimadoras. Certos estudos empíricos (LIPSKY, 1980) demonstram que os burocratas
tendem a desenvolver três tipos de resposta para enfrentar a essa indeterminação:
Em primeiro lugar, geram certas pautas de atuação que tendem a limitar a demanda, a
maximizar a utilização dos recursos disponíveis para obter a resposta positiva da clientela do
serviço para reforçar sua própria existência. Em geral, organizam seu trabalho de tal forma
que se moldam nas coordenadas restritivas que a escassez de recursos formula;
Em segundo lugar, tendem a modificar seu trabalho, de tal forma que se ajuste os objetivos
do programa aos recursos disponíveis, reduzindo tais objetivos ou simplesmente os
modulando às condições existentes;
Em terceiro lugar, modificam sua própria definição daquilo que deveria ser o serviço a
prestar, para assim acomodar o salto existente entre objetivos e resultados, e encontrar um
eco positivo de seu trabalho entre a clientela do serviço.
A influência da burocracia
Poderíamos agora nos perguntar se é possível reduzir a influência dos burocratas
(especialmente o setor de serviços em contato direto com a sociedade) nos processos de
determinação e implementação das políticas públicas, para perguntarmos imediatamente se tal
redução seria desejável.
Em primeiro lugar, devemos considerar que surgem situações que costumam ter um alto
grau de complexidade, mas sobretudo variada, que torna quase impossível, senão contraproducente,
tentar “formatar” as pautas de atuação de umas burocracias que poderíamos definir (de acordo com
MINTZBERG) como burocracias profissionais (polícias, juizes, médicos, enfermeiras,
professores...). Cada uma das situações formuladas provavelmente requererá uma certa resposta
específica, apesar de que ninguém coloque em dúvida a necessidade de regulação geral.
Por outro lado, o tipo de trabalho ao qual estamos nos referindo precisa de um tipo de
resposta que assuma a dimensão humana de cada situação (com as grandes diferenças de linguagem
administrativa-coloquial que separam o mundo administrativo do mundo “real”). Existe uma ampla
margem de atuação porque o próprio trabalho que [os burocratas] desempenham requer um tipo de
observação sensível e judiciosa, que dificilmente poderá ser reduzida a umas instituições concretas.
É evidente que a democracia é um valor; e que junto está o tratamento impessoal [no
discriminatorio], mas imparcialidade não pode significar falta de compreensão, ou indiferença ante
circunstâncias pessoais sempre diferentes.
Por outra parte, no contato com a administração, muitos dos cidadãos que recorrem à mesma
veem nos funcionários que os atende a chave que lhes abrirá a porta de acesso às suas demandas. Se
não existe uma reação positiva para o problema pessoal que está colocado, não existe confiança
nem comunicação. E então, não ocorre essa capacidade de legitimação do sistema, especialmente
quando essa legitimação, conforme dito no início desse trabalho, depende cada vez mais das
prestações de serviços e dos resultados da atuação administrativa, e cada vez menos das ideologias
que dirigem essa administração.
A administração e seus reformadores deveriam manter, pois, a tensão entre ir construindo
parâmetros gerais que sirvam de parâmetro para todos os servidores públicos, ao mesmo tempo em
que deveriam distinguir com precisão aqueles serviços que requerem a manutenção de um certo
grau de flexibilidade e liberdade de atuação. Em muitos casos parece necessário, pois, imaginar
determinados parâmetros de controle específicos para cada caso, evitando a tendência a
incrementação de procedimentos desnecessários.
As burocracias profissionais são, nesse sentido, aquelas que a partir de um certo grau de
democracia interna e autonomia de gestão pouco comparáveis com outras estruturas organizativas e
administrativas, veem nas vontades de demarcação do seu trabalho e de controle de sua atuação
uma intolerável intromissão naquilo que consideram ser dúvidas acerca de sua capacidade
profissional. Cabe reconhecer, contudo, que o problema reside também no fato de que nem todos
dos profissionais são igualmente competentes, e que em troca da sua prática admite com dificuldade
esse controle. Por outro lado, não existem boas medidas dos resultados (saúde, educação, justiça...),
e isso complica ainda mais o tema (POLLITT, 1989). Certas experiências gerenciais (em hospitais e
universidades, por exemplo) demonstram as dificuldades desse trabalho de introduzir pautas
normalizadoras e de obtenção de resultados em ambientes muito zelosos de sua liberdade.
Em última análise: é boa ou má? É positiva ou negativa essa influência da burocracia no
processo de determinação e implementação das políticas públicas?
Como já antecipávamos, deveríamos antes de tudo formular um certo problema de
legitimidade, já que os decisores gozam de uma convalidação democrática de seu trabalho através
de eleições das quais não gozam quem “ousa” alterar ou modificar tais decisões (ainda que,
recordemos que se formularmos o tema entre diferentes níveis de governo, então as legitimidades +
são iguais). Em todo caso, não deve ser tomado como um simples dado tal capacidade de influência
no processo das políticas públicas que comentamos.
Deveríamos buscar mecanismos que conseguissem salvaguardar a necessária “leitura” e
aplicação em circunstâncias mutáveis e não previstas na regra por parte das agências
implementadoras do programa, e ao mesmo tempo assegurar a execução dos objetivos
programáticos gerais presentes na formulação da política. E isso pode ser factível, partindo de uma
concepção moderadamente racionalista e que pressupõe a habilidade dos responsáveis da formação
do programa, se se consegue enunciar uns objetivos suficientemente claros, fazendo participar e
gerando interesse em todo o processo nas pessoas consideradas chaves na fase de implementação,
reduzindo o número de organismos e atores com os quais negociar até um número manejável, e
assegurando o maior consenso prévio possível para o mesmo (SABATIER 1986).
Também não podemos esquecer que esse processo de “reimplementação” que alguns
afirmam que ocorre no momento de colocação do programa na prática real (BROWNE;
WILDAVSKY, 1984) aludindo à releitura dos objetivos efetuados pela burocracia implementadora,
pode ajudar em muitos casos nos quais esse programa tenha algum um êxito ou impacto
considerável.
Com efeito, antes aludíamos ao fato de que muitas vezes os dirigentes políticos que
ostentam a capacidade normativa estão obrigados a desenhar as diretrizes em termos gerais, com o
propósito de que possam servir de parâmetros de conduta em um amplo leque de circunstâncias.
Seria preciso manter uma grande capacidade de “feedback” administrativo (Kaufman, 1973)
ou daquilo que outros chamam de capacidade de “aprender a receber notas” (BROWNE.
WILDAVSKY, 1984) para poder melhorar e tornar mais eficaz e eficiente o processo de desenho,
implementação e avaliação de políticas públicas, nesse continuum já mencionado.
Mas, boas intenções à parte, temos que ser conscientes de que os objetivos não são somente
ambíguos, os recursos escassos ou difíceis de avaliar os resultados da ação administrativa, mas
também que a complexidade e ambiguidade forma parte da paisagem. Em algumas ocasiões podem
significar simplesmente a geração de uma maior demanda. Em outros o esforço é enorme sem
chegar a ser significativo (por exemplo, conseguir baixar o número de alunos por classe de 30 para
25, quando a mudança começaria a ser significativa quando se alcançassem os 15 alunos).
O estudo da aplicação prática das políticas públicas, como a análise das mesmas em geral,
pode nos permitir reduzir essa distância, cuja qual mencionamos, entre a “política anunciada” e a
“política efetivamente realizada”, e esta pode ser uma das contribuições desse tipo de estudos.
Tentar trabalhar no espaço existente entre o “dizer” e o “fazer”, entre os “projetos” e as
“realidades”, o que, em última análise, pode favorecer a sempre importante credibilidade da política
e dos poderes públicos.