sumÁrio introduÇÃo8 1 a adoÇÃo como polÍtica...
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................8
1 A ADOÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA....................................................................11
1.1 A POLITICA SOCIAL EM DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.............15
1.1.1 O marco legal da Doutrina de Proteção Integral da criança e do adolescente.........16
1.2 CONTEXTO DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS E SEUS ENCAMINHAMENTOS........23
1.3 ADOÇÃO NA PERSPECTIVA DE DIREITO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE.....................................................................................................................26
2 – ADOÇÃO: A GARANTIA DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR.............31
2.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.......................................................................31
2.2 GRUPO DE APOIO À ADOÇÃO DE TOLEDO (GAAT): UM MOMENTO DE
PREPARAÇÃO.......................................................................................................................32
2.2.1 O GAAT, institucionalização e funcionamento...........................................................33
2.2.2 Adoção: a espera............................................................................................................37
2.2.3 Adoção: da exigência formal ao encontro....................................................................38
2.2.4 Pós Adoção: pais e filhos adotivos................................................................................42
2.2.5 O GAAT: mitos e verdades sobre adoção....................................................................44
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................58
APÊNDICES...........................................................................................................................62
ANEXOS..................................................................................................................................63
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INTRODUÇÃO
Segundo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adoção é uma forma
definitiva e completa de inserir as crianças e os adolescentes que tem seus direitos violados,
em família substituta, assegurando o direito da convivência familiar e comunitária.
A adoção sempre foi vista como uma forma de satisfazer a vontade dos que não podem
ter filhos biologicamente. Foi através da Constituição Federal de 1988 e do ECA, que essa
concepção foi mudada, passa-se a enxergar as crianças e adolescentes, que se encontram em
situação de risco e vulnerabilidade social, como sujeitos de direito, atendendo todos seus
interesses e necessidades.
O processo de adoção sofreu grandes mudanças no decorrer da história, mas a
principal foi com a chamada “Nova Lei de Adoção” (Lei n° 12.010, de 2009) que objetiva
acelerar os processos de adoção tendo como parâmetro que crianças e adolescentes não
permaneçam por mais de dois anos em situação de acolhimento institucional, salvo por
recomendações da justiça. Nesse sentido, a adoção se coloca como a última medida a ser
tomada quando da impossibilidade de permanência da criança ou adolescente com os pais
biológicos, aperfeiçoando a sistemática do direito à convivência familiar a todas as crianças e
adolescentes. Desta forma, aprimora os mecanismos de prevenção do afastamento do convívio
familiar e inclui a chance da criança ou adolescente ficar com parentes próximos como avós,
tios, primos, cunhados com os quais convive ou mantém vínculos de afinidade e/ou
afetividade que é a chamada família extensa ou ampliada.
Outro ponto a considerar na Nova Lei de Adoção, refere-se ao Artigo 50, § 3º, do
ECA, que prevê que todos os postulantes à adoção obrigatoriamente devem passar pelos
Grupos de Apoio à Adoção (GAA’s) para uma preparação psicossocial e jurídica, que será
orientada por uma equipe técnica. Mesmo com um objetivo em comum, que é a adoção, esses
grupos apresentam diversidade entre si, em razão das diferentes realidades, possibilidades e
expectativas de cada indivíduo ou casal. Por isso, se considera de grande importância a
participação dos postulantes à adoção nestes grupos.
A participação dos postulantes à adoção no Grupo de Apoio contribui ativamente
para o processo de adoção, pois facilita o diálogo entre técnicos e postulantes, esclarecendo
dúvidas, incertezas e angústias próprias de um processo tão complexo quanto o da adoção.
Um outro intuito do Grupo de Apoio, ante à situação de acolhimento institucional de crianças
a adolescentes no Brasil, é trabalhar, junto aos participantes a concepção de Adoção
Necessária e Adoção Consciente, na qual o adotante conhece crianças e adolescentes reais,
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que geralmente não são desejados pelos postulantes à adoção, como as crianças e/ou
adolescentes que apresentam idade mais avançada e problemas de saúde.
Em cada município/comarca, a Vara da Infância e da Juventude (VIJ) mantém um
cadastro (ECA, art. 50) de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de
pessoas habilitadas para adotar. Deste modo, a Justiça realiza um trabalho de mediação entre
as crianças ou adolescentes que precisam de família e as famílias que se disponibilizam a
adotá-los. A VIJ também atende as famílias de origem dessas crianças ou adolescentes.
No Município de Toledo, no âmbito da Vara da Infância e Juventude, encontra-se o
Serviço Auxiliar da Infância e Juventude (SAI), que atua diretamente sobre os processos de
adoção nesta comarca, constituído por uma equipe técnica de profissionais da área de Serviço
Social, Psicologia, Pedagogia e do Direito.
Foi pela dimensão da formação profissional, dada pela exigência da graduação em
Serviço Social pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, de atividade de
estágio supervisionado como atividade obrigatória, que o debate sobre a adoção se colocou,
bem como deflagrou muitas outras indagações. Logo, em 2012, esta pesquisadora inseriu-se
como estagiária de Serviço Social no SAI, comarca de Toledo – PR, tendo dentre as diversas
atividades o acompanhamento dos processos de adoção mediados pelo Grupo de Apoio à
Adoção de Toledo – GAAT. Em 2013, a pesquisadora continuou desenvolvendo as atividades
neste mesmo âmbito, acompanhando todo o processo de intervenção sobre a demanda da
adoção operacionalizado pelo GAAT.
Foi, portanto, a aproximação com a realidade, tendo o processo de violação de
direitos da criança e do adolescente no concernente ao direito à convivência familiar como
expressão da questão social, que suscitou o interesse pelo tema, ora a ser explorado neste
estudo.
Desta forma, o trabalho a seguir tem como tema central O processo de adoção no
município de Toledo, com base na Nova Lei de Adoção (LEI Nº 12.010, 03/09/2009). A
problematização se pauta em mostrar “Como se define o processo de adoção no município de
Toledo – PR, a partir do Grupo de Apoio à Adoção de Toledo (GAAT)”. Para tanto,
estabelece-se como objetivo geral: Apreender o processo de adoção no município de Toledo,
tendo o GAAT como referência/facilitador – tanto para o Serviço Auxiliar da Infância (SAI),
como para os postulantes à adoção. Como objetivos específicos, elencamos: referenciar
teoricamente as bases histórico-jurídicas do processo de adoção; identificar como essas bases
foram implantadas no município de Toledo e verificar, junto à equipe técnica do SAI e
postulantes à adoção que participaram do GAAT 2012, o processo de adoção na Comarca de
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Toledo – Paraná: a concepção de adoção - a espera, a adoção propriamente dita e o período
pós-adotivo.
Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizou-se como caminho metodológico a
abordagem qualitativa. Utilizou-se da pesquisa bibliográfica para contextualizar a adoção no
Brasil, seus avanços legais e o histórico dos Grupos de Apoio à Adoção de Toledo. Com a
abordagem qualitativa buscou-se compreender as concepções dos postulantes e equipe técnica
sobre o processo de adoção e as contribuições do GAAT. Esse tipo de pesquisa refere-se às
entrevistas realizadas através da amostra intencional, e dividida em dois grupos, tendo por
critério de seleção da amostra: 1º grupo – atuar na equipe técnica do SAI; 2º grupo –
postulantes à adoção que participaram do GAAT no ano de 2012; postulantes à adoção que
adotaram no primeiro semestre de 2012. Perfazendo uma amostra de 4 profissionais do 1º
grupo e, 2 postulantes à adoção do 2º grupo.
Para apresentar os resultados obtidos através da pesquisa, o presente trabalho divide-se
em dois capítulos. O primeiro capítulo faz uma abordagem sobre a adoção como política
pública, uma vez que só existe quando se tem a violação dos direitos de crianças e
adolescentes, caracterizando-se como uma expressão da “questão social”, aborda também a
implantação e efetivação dos direitos da criança e do adolescente e as medidas protetivas
direcionadas a estes sujeitos, enfatizando, dentre elas, a adoção. Delimitou-se como recorte
temporal para esta discussão o Código Mello de Matos de 1927.
O segundo capítulo discute a especificidade do Grupo de Apoio à Adoção de Toledo,
sua formação e a importância para romper com mitos e preconceitos, atuando para o
desenvolvimento de uma “nova cultura da adoção”. Ainda, são apresentados os resultados da
pesquisa de campo, com a contextualização do GAAT seguida dos resultados da análise dos
dados obtidos através da pesquisa documental e das entrevistas, elencados em 5 eixos: 1- O
GAAT, institucionalização e funcionamento; 2- Adoção: a espera; 3- Adoção: da exigência
formal ao encontro; 4- Pós Adoção: pais e filhos adotivos; e 5- O GAAT: mitos e verdades
sobre adoção.
A pesquisa permitiu entender que o GAAT vem contribuindo de maneira significativa
para a construção de uma “nova cultura da adoção” em Toledo, uma vez que se caracteriza
como um instrumento de repasse de informações, e auxilia os postulantes a compreenderem o
que realmente é a adoção.
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1 A ADOÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA
Para que se entenda a importância do Grupo de Apoio à Adoção de Toledo, é
imprescindível que se tenha a compreensão de que os Grupos de Apoio à Adoção existem
para qualificar a política de proteção integral à criança e adolescente, no que trata da adoção.
Parte-se da análise de que a existência de crianças e adolescentes em situação de
acolhimento institucional se constitui porque há violação de direitos. Tal violação, não se
realiza por si só, na atual conjuntura, como algo eminentemente novo, pelo contrário, está
inscrita no processo de produção e reprodução do modo capitalista e seus desdobramentos,
conformando um conjunto de expressões da “questão social”1.
Tal argumento se explica por situar o tema de estudo – O Grupo de Apoio à Adoção
de Toledo, como um instrumento que contribui para desmistificar diversas idéias que
obstaculizam o processo de adoção, não o relacionando com o modo como as expressões da
“questão social” rebatem nas condições de vida da população.
Nesse sentido, reflete-se sobre a violação de direitos como uma expressão da “questão
social”, portanto, decorrente do modo como a relação entre capital e trabalho se estabelecem
na sociedade capitalista. Para tanto, vislumbra-se a necessidade de “investigar para além da
permanência de manifestações tradicionais da ‘questão social’ e a emergência de novas
expressões da ‘questão social’ que é insuprimível sem a supressão da ordem do capital”.
(NETTO, 2001, p.48).
Conforme Iamamoto (2001), historicamente a “questão social” social foi tratada como
uma ameaça à ordem social vigente, visto que o processo de exploração da força de trabalho
pelo capital deflagrou a luta de classes entre trabalhadores e capitalistas, principalmente pelo
alcance de consciência política da classe trabalhadora quando se mobiliza e organiza contra o
fenômeno da exploração e por melhoria de condições de vida e trabalho.
Nesse sentido, a “questão social” é reconhecida pela relação capital-trabalho, sendo o
capital identificado como aqueles que detêm os meios de produção e o trabalho por aqueles
que detêm a força de trabalho. No modo de produção capitalista, o desejo máximo de lucro se
realiza por meio da apropriação privada da riqueza que é socialmente produzida pelo conjunto
de trabalhadores, sob a intensa exploração do capital. Ou seja, a classe trabalhadora gera a
riqueza (por meio do trabalho), mas não se apropria dela, sendo esta então apropriada pelo
1 Concorda-se com NETTO (2001, p.45) na utilização das aspas ao se referir a expressão “questão social” para
diferenciar do uso da mesma expressão pelo pensamento conservador, portanto as aspas indicam a análise da
“questão social” na perspectiva crítica, conforme aborda-se neste trabalho.
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detentor dos meios de produção e do capital. Nessa relação, o trabalhador fica com o salário,
que é o preço que vende a sua força de trabalho ao capitalista. Essa relação, portanto, gera
interesses antagônicos entre as classes fundamentais da sociedade burguesa, representada por
capital versus trabalho, estabelecendo um processo de disputa, de luta por diferentes projetos
societários. (NETTO, 1996).
Porém, o maior desenvolvimento do capitalismo não possibilitou maior distribuição da
riqueza, pelo contrário, concomitantemente produziu o aumento da pobreza nos mais variados
desdobramentos referidos anteriormente pelas expressões da “questão social”. O capitalismo
para se manter usa de estratégias e em seu estágio monopolista, relaciona-se com o Estado,
chamando-o a intervir na realidade social por conta da mobilização e organização da classe
trabalhadora contra os desdobramentos que o fenômeno da exploração gera em suas
condições de vida, ou seja, ante as expressões da “questão social”: fome, ausência e carência
de saúde, educação, moradia, trabalho, dentre outras manifestações. (NETTO, 1996).
O Estado, sendo então capturado pela lógica do capital, ao mesmo tempo em que
possibilita condições econômicas para a manutenção deste modo de produção, devido ao grau
de mobilização da classe trabalhadora na reivindicação por melhorias de condições de vida,
para legitimar-se socialmente, ele (o Estado) amplia a sua base social incorporando as
demandas dos trabalhadores, respondendo com a implantação de políticas sociais. (KONNO;
CESCONETO, 2013).
[...] enquanto intervenção do estado burguês no capitalismo
monopolista, a política social deve constituir-se em políticas
sociais: as sequelas da questão social são recortadas como
problemáticas particulares (o desemprego, a fome, a carência
habitacional, o acidente de trabalho, a falta de escolas, a
incapacidade física, etc) e assim enfrentadas. (NETTO, 2005,
p.32).
Sendo assim, as políticas sociais assumem a natureza contraditória do processo pelo
qual são instituídas: se colocam como resultado de um consenso entre as classes sociais,
ocultando o antagonismo entre capital e trabalho, mas também são implantadas como resposta
às lutas sociais às expressões da “questão social”. Logo, a cada novo estágio do capitalismo
insere-se na realidade expressões diferenciadas da “questão social”, cada vez mais complexas,
inerentes à intensificação da exploração do trabalho pelo capital. Obviamente, que ainda que o
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capitalismo tenha se consolidado até os dias atuais, tendo um caráter universal e
mundializado, é preciso considerar as particularidades (culturais e geopolíticas) de cada
realidade onde se realiza.
Temos que afirmar que esses traços essenciais continuam
vigentes não significa que a “questão social” no capitalismo é
única e que se expressa de forma idêntica em todas as
sociedades capitalistas e todos os momentos históricos. Pelo
contrário, como já foi dito aqui, a “questão social” assume
expressões particulares dependendo das peculiaridades
específicas de cada formação social (nível de socialização da
política, características históricas, formação econômica,
estágios e estratégias do capitalismo) e da forma de inserção de
cada país na ordem capitalista mundial. PASTORINI (2004, p.
113).
Na contemporaneidade, os rebatimentos do capitalismo, sobretudo no chamado
“mundo do trabalho”, se dão consideravelmente no conjunto da classe trabalhadora, exigindo
deste a polivalência de habilidades inserida num processo de enxugamento das empresas,
abrindo espaço à terceirização de serviços. A concorrência entre capitais acelera o
desenvolvimento científico e tecnológico, enriquecidos pela microeletrônica, robótica e
informática, recaindo sobre a produção de bens e serviços, a organização e gestão do trabalho,
e, principalmente nas condições e relações de trabalho.
Outro determinante da atual conjuntura revela-se pelas mudanças nas relações
Estado/sociedade sob a ordem neoliberal, por medidas de ajuste econômico e social indicados
pelos organismos internacionais. Consequentemente o Estado sofre a intervenção dos
interesses privados que exigem a necessidade de redução de suas ações orientadas à
diminuição dos gastos sociais, em virtude da crise fiscal do Estado. (KONNO; CESCONETO,
2013).
Enfim, nas configurações assumidas pela “questão social” contemporânea,
Uma lógica pragmática e produtivista erige a competitividade, a
rentabilidade, a eficácia e eficiência em critérios para
referenciar as análises sobre a vida em sociedade. Forja-se
assim uma mentalidade utilitária que reforça o individualismo,
segundo a qual cada um é chamado a "se virar" no mercado. Ao
lado da naturalização da sociedade — "é assim mesmo, não há
como mudar"-, ativam-se os apelos morais à solidariedade, na
contraface da crescente degradação das condições de vida das
grandes maiorias. (IAMAMOTO, 2012, p.52)
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Entendendo-se a “questão social”, como o conjunto de desigualdades sociais,
econômicas, políticas, sociais e culturais, inerente à sociedade capitalista; logo, admite-se a
ocorrência de situações de constantes violações de direitos uma vez que a riqueza de poucos
se coloca em detrimento da pobreza de muitos. Segundo Lolis (2004), em relação a
identificação da violência, não se pode defina-la somente como resultado de fatores internos,
mas somados a estes, situa os fatores externos:
Quanto às origens da violência, verifica-se que ela surge nesse
contexto identificada a diferentes causas, que vão desde a
desigualdade social e as suas diferentes manifestações até o
“sangue ruim”, ou seja, a violência apresenta um conjunto de
causas vinculadas a fatores econômicos, políticos, sociais,
históricos, culturais, ético-morais, psicológicos, biológicos,
jurídicos e à mídia. Conjunto de causas aparece entrelaçado
como uma rede, são transversais aos discursos e apresentam
uma historicidade. Entretanto, os determinantes
macroestruturais são predominantes. O Estado é apresentado
como o principal agente da violência que se origina na
desigualdade social. (LOLIS, 2004, p.11)
De acordo com Silva (2009), cujos estudos abordam a violência estrutural, constituída
sob a imposição de regras, valores e normas de modo que sejam incorporadas como naturais e
necessárias ao desenvolvimento da sociedade capitalista.
[...] A principal característica dessa forma de violência é a sua
sutileza e discrição, uma vez que seu circuito reprodutivo supõe
um aliado central: o processo permanente de naturalização de
gestos e de procedimentos, quase sempre considerados
necessários, adequados e normais [...], sustentada na
naturalização da pobreza e da desigualdade social. (SILVA,
2009, p. 10).
Desta forma, segundo o mesmo autor, referenda-se que a violência estrutural é
inerente à sociedade capitalista - não como natural, mas como resultado da constante
necessidade de acumulação de capital, deflagrando condições de extremas desigualdades,
dentre elas, a violação dos direitos de crianças e adolescentes, como decorrentes das
contradições próprias do sistema capitalista. Também é próprio desta sociedade o processo de
luta de classes dado pelos interesses antagônicos em disputa, ou seja, esse mesmo processo
gera também as lutas que movimentam a sociedade em busca de melhoria de condições de
vida e trabalho, pressionando o Estado.
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Esse movimento refere-se as reivindicações em defesa dos direitos sociais
constitucionalmente garantidos, que se materializam através das políticas sociais, enfatizando
a política em defesa dos direitos da criança e adolescente. (KONNO; CESCONETO, 2013).
De acordo com o ECA, em seu artigo 5º. “Nenhuma criança ou adolescente será sujeito de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais”. (BRASIL, 1990).
Nesse sentido, quando identificada qualquer situação de ameaça ou violação dos
direitos fundamentais da criança e do adolescente, exige-se do poder público e demais
autoridades responsáveis que se crie mecanismos de proteção e defesa.
1.1 A POLITICA SOCIAL EM DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Para fazer uma análise dessa violação, é necessário saber quais são esses direitos.
Nesse sentido, será abordado nesse item, a implantação e efetivação dos direitos da criança e
do adolescente e as medidas protetivas direcionadas a estes sujeitos.
Delimita-se o tratamento do assunto a partir dos primeiros códigos relacionados à
criança e ao adolescente, Código Mello de Matos de 1927 e Código de Menores de 1979,
seguidos dos direitos da criança e do adolescente promulgados pela Constituição Federal de
1988, e pela instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei nº 8.069 de 13 de
julho de 1990, que incorporou as modificações ocorridas no instituto da adoção, a partir da
denominada “Nova lei de Adoção”, Lei nº 12.010/2009, que alterou a regulação da adoção no
Brasil ao tratá-la a partir do superior interesse da criança e do adolescente.
Historicamente, crianças e adolescentes não eram considerados sujeitos de direitos, tão
pouco eram protegidos pela lei. Segundo RIZZINI e RIZZINI (2004), as crianças e
adolescentes até recentemente eram tratados pela lei com termos como, “menores
delinqüentes”, “menores em situação irregular”, “menores desajustados”, “infantes expostos”,
“infratores” e “desvalidos”.
Portanto, se faz necessário resgatar historicamente as transformações sociojurídicas,
envolvendo crianças e adolescentes, no contexto brasileiro para o alcance das reflexões que se
fazem presentes sobre o assunto. Nesse sentido, é preciso resgatar o momento em que deixam
de ser considerados “menores em situação irregular” e se tornam “sujeitos de direitos”,
caracterizando-se um avanço para a atualidade.
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1.1.1 O marco legal da Doutrina de Proteção Integral da criança e do adolescente
O contexto que precedeu a criação, em 12 de outubro de 1927, do Código de Menores
(Decreto nº 17.343/A)2, conforme Segundo (2003), foi a “questão do menor”
3 e sua não
inserção no processo do trabalho, que era classificada como um crime, a vadiagem, nesse
momento o Estado foi chamado a intervir sobre esta expressão da “questão social”, então
iniciou-se um amplo debate sobre essa questão, envolvendo diversos profissionais como:
juristas, médicos, industriais, jornalistas. Estes, discutiram aspectos referentes à delinquência,
escolarização, controle do Estado sobre a família e trabalho.
O Código de Menores Mello de Matos foi a primeira lei específica a tratar dos, até
então, denominados “menores”. Para Passetti (2004), foi a partir da criação do Código de
Menores, que o Estado passou a responder com internação, ficando então responsável pela
situação de abandono e propondo-se a aplicar os corretivos necessários para eliminar o
comportamento delinquencial. Os abandonados agora estavam na mira do Estado. Ainda
conforme Passetti (2004), esta foi uma legislação voltada para crianças e adolescente que
representavam perigo à sociedade.
Conforme relata Hermes (2010), historicamente crianças e adolescentes eram
responsabilidade da família e da Igreja, e a partir do Código passaram a ser encargo do
Estado, que buscava corrigir comportamentos impróprios, para o padrão da época, através da
institucionalização. Essas crianças e adolescentes ao serem “internados” não tinham mais
relação com o lado de fora da instituição, pois todas as atividades da vida cotidiana eram
realizadas no mesmo local.
2 O Código de Menores, ficou conhecido também, como Código Mello Mattos, uma homenagem destinada a
José Cândido Albuquerque de Mello Mattos, “[...] primeiro juiz de menores do país e de mais longa
permanência, de 1924 até o ano de seu falecimento, em 1934” (RIZZINI; RIZZINI, 2008, p. 29).
3 “No Brasil, ao final do século XIX, identifica-se a criança filha da pobreza – 'material e moralmente
abandonada' – como um problema social gravíssimo', objeto de uma 'magna causa',a demandar urgente ação.
Do referencial jurídico claramente associado ao problema, constrói-se uma categoria específica – a do menor –
que divide a infância em duas e passa a simbolizar aquela que é pobre e potencialmente perigosa [...]” (
RIZZINI, 2008, p. 26).
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Durante a vigência da doutrina da situação irregular […] as instituições
chamadas 'totais', destinadas a crianças e adolescentes em situação de risco –
como orfanatos, internatos, asilos, reformatórios -, materializavam-se em
construções muito características: prédios enormes; longos corredores;
quartos numerosos que reuniam muitas camas; não-identidade
individualizada dos espaços. Além disso, previam a realização intramuros de
quase todas as atividades atinentes à vida das crianças e dos adolescentes
abrigados: consultórios médicos, gabinetes odontológicos, enfermarias, salas
de aula, capelas, ginásios esportivos. Em síntese, um ambiente tipicamente
institucional voltado à ampla intervenção e “reforma” no modo de ser e viver
dos abrigados, uma vez que as instituições tinham com objetivo transformá-
los em indivíduos mais adequados às exigências da sociedade da época
(MELLO, 2004, p. 139).
Rizzini coloca que essa intervenção do Estado dividiu a infância no Brasil, “[...] de um
lado, a criança mantida sob os cuidados da família, para a qual estava reservada a cidadania; e
do outro, o menor, mantido sob a tutela do Estado, objeto de leis, medidas filantrópicas,
educativas/repressivas e programas assistenciais [...]” (2008, p. 29).
A reformulação do Código Mello de Matos ocorreu em 10 de outubro de 1979, este
novo código instituiu a categoria “[...] de 'menor em situação irregular' que, não muito
diferente da concepção vigente no antigo Código de 1927, expunha as famílias populares à
intervenção do Estado, por sua condição de pobreza” (RIZZINI e RIZZINI, 2004, p. 41).
O artigo 2º do Código de Menores de 1979 definiu expressamente o que
considerava “menor em situação irregular”: eram aqueles privados de
condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória;
vítimas de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsáveis; em perigo moral, pois encontravam, de modo habitual, em
ambiente contrário aos bons costumes; privados de representação ou
assistência legal, pela falta eventual dos pais ou dos responsáveis; com
desvios de conduta, em virtude de inadaptação familiar ou comunitária; ou
autores de infração penal. (BRASIL, apud BIDARRA; OLIVEIRA, 2008, p.
161).
Silva (2005), coloca duas grandes críticas a esse novo Código, a primeira diz respeito
a punição dos menores por estarem em “situação irregular”, sendo que a responsabilidade não
era deles, e sim da falta de políticas públicas a que estavam sujeitos, e a segunda refere-se aos
menores que eram privados de liberdade, pela suspeita do ato infracional, privando-os
também do direito a defesa.
A partir desses fatores, várias instituições que trabalhavam com os então denominados
“menores”,
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[...] denunciaram o falho sistema de intervenção aplicado pelo Estado e
engajaram-se e integraram um movimento que gerou mobilizações de vários
setores da sociedade, empenhados em consolidar uma nova política baseada
na esfera da garantia de direitos para esse segmento populacional. Desse
modo, os movimentos organizados da sociedade tiveram participação direta
na elaboração da Constituição Federal de 1988. (BIDARRA; OLIVEIRA,
2008, p. 163).
Nesse contexto, conforme Segundo (2003), em 1988, com a promulgação da
Constituição Federal se dá o Artigo 2274, primeiro dispositivo presente em uma Constituição
brasileira a incorporar direitos para as crianças e adolescentes, o qual com base na Doutrina
da Proteção Integral5 diz que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Ainda como relata Segundo (2003), com a criação desse artigo deu-se um grande
passo em relação à proteção à infância e a adolescência. Mas ainda faltava algo mais sólido,
pois, o Artigo 227 acolhia as bases teóricas da Doutrina da Proteção Integral, já a legislação
vigente, que era o Código de Menores de 1979, seguia as bases da Doutrina da Situação
Irregular. Então, havia a necessidade e a exigência da elaboração de outra legislação que
abarcasse os preceitos da Constituição.
Nesse sentido, para regulamentar esses princípios constitucionais, promulga-se a Lei
Federal 8.069 de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), que
coloca a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, reforçando o papel da família na
vida deles como elemento imprescindível dentro do processo de proteção integral.
4 De acordo com Fachinetto (2009, p. 44) esse artigo acolheu de forma antecipada as regras da Convenção sobre
os Direitos da Criança das Nações Unidas que foi promulgada em 20 de novembro de 1989.
5 Doutrina da Proteção Integral “[...] orienta-se pela idéia central de que crianças e adolescentes são sujeitos de
direitos em relação ao mundo adulto […] pessoa em fase de desenvolvimento físico, psíquico, emocional, em
processo de desenvolvimento de sua potencialidade humana adulta […]. Contempla, ainda, a noção de que esses
direitos são prioritários, devem receber proteção prioritária e prevalente” E que “[…] todas as crianças e os
adolescentes,[...] merecem igualdade jurídica [...]” (MACHADO, 2003, p. 49-50).
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Com o Estatuto, as crianças e adolescentes brasileiros passaram a ser sujeitos
de direitos, e acolhidos pelo Estado e pela sociedade como cidadãos, sem
distinção de raça, classe social ou qualquer forma de discriminação,
considerados em sua condição, de pessoas em desenvolvimento, como
absoluta prioridade na formulação de políticas públicas de Estado. O
Estatuto representa também a ruptura com velhos paradigmas que
orientavam as ações sobre o tema [...] (BRASIL, 1990, p. 9).
Em seu Artigo 4º, o ECA, institui o direito à convivência familiar e comunitária como
um direito fundamental a ser garantido às crianças e adolescentes, e nesse sentido, em seu
Artigo 19º preconiza:
[...] Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio
da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de
pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. (BRASIL, 1990).
Para enfatizar a importância dos laços familiares e comunitários, principalmente para
crianças e adolescentes, é importante ressaltar que:
O direito a ter uma família é um dos direitos fundamentais de toda pessoa,
especialmente àquelas em pleno desenvolvimento, pois a família é tida como
o núcleo básico de criação e manutenção de laços afetivos. Tal direito não
significa apenas o simples fato de nascer e viver em uma família, mas vai
muito além disso, expressando o direito a ter vínculos afetivos através dos
quais a criança se introduz em uma cultura e em uma sociedade […]
(FACHINETTO, 2009, p.63).
No Brasil, a intervenção do Estado até 1980, era afastar a criança ou o adolescente do
convívio familiar e comunitário, através da internação, porque famílias em situação de
pobreza eram consideradas “incapazes” de cumprir seus deveres para com seus filhos.
A partir de 1980, com a promulgação de alguns documentos que visavam garantir os
direitos6 de crianças e adolescentes, essa realidade passou a ser transformada. O Plano
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária de 2006 (PNCFC), é um desses documentos, esse plano
visa romper com a cultura da institucionalização, fortalecer o paradigma da Doutrina da
Proteção Integral e zelar pela preservação dos vínculos familiares e comunitários
6 Os direitos historicamente conquistados [...], principalmente a partir da Constituição de 1988, não são apenas
um conjunto de princípios sobre os quais a sociedade deve se pautar, mas asseguram direitos individuais e
coletivos que pressupõem ações concretas do Estado. Para isso, esse conjunto de direitos e garantias
fundamentais constitucionais deve se traduzir em normas jurídicas claras e precisas, estabelecidas em leis
ordinárias, cujo objetivo é proteger os interesses fundamentais da pessoa humana. [...]. (BIDARRA, apud
BIDARRA E OLIVEIRA, 2008, p. 165).
20
preconizados pelo ECA. Sobre o PNCFC, se discorre a seguir, onde se objetiva trazer os
pontos principais desse importante documento.
Aprovado em 2006 pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(Conanda) e pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), o Plano Nacional de
Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária (PNCFC), para Fávero (2007, p. 179), fundamentou-se e foi construído “[...] em
virtude da necessidade de uma política de Estado que enfrente a histórica condição de
abandono ao qual muitas crianças, adolescentes e famílias estão submetidas neste país”. E
seus objetivos, diretrizes e estratégias fundamentaram-se “primordialmente na prevenção ao
rompimento dos vínculos familiares, na qualificação do atendimento dos serviços de
acolhimento e no investimento para o retorno ao convívio com a família de origem”
(BRASIL, 2006, p. 13).
Segundo Fávero (2007, p. 180), o PNCFC tem como marco legal:
[…] o art. 226 da Constituição Federal, que estabelece que a “família é a
base da sociedade”, sendo competência dela, juntamente com o Estado, a
sociedade em geral e as comunidades, “assegurar à criança e ao adolescente
o exercício de seus direitos fundamentais” (art. 227), dentre os quais está o
direito à convivência familiar e comunitária.
Para discutir sobre o direito da criança e do adolescente à convivência familiar e
comunitária, antes é necessária a compreensão dos termos “família” e “convivência familiar”
e “convivência comunitária”.
A família é o primeiro espaço de convivência e o principal durante os primeiros anos
de vida e, deve ser o lugar de maior segurança, proteção e afeto. Conforme o PNCFC (2006,
p. 23):
A Constituição Brasileira de 1988 define, no Art. 226, parágrafo 4: “entende-
se como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e
seus descendentes”. Também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
em seu Art. 25, define como família natural “a comunidade formada pelos
pais ou qualquer deles e seus descendentes”.
Essas definições legais são fundamentais e “[...] colocam a ênfase na existência de
vínculos de filiação legal, de origem natural ou adotiva, independentemente do tipo de arranjo
familiar onde esta relação de parentalidade e filiação estiver inserida” (PNCFC, 2006, p. 23).
Dessa forma, ainda segundo o PNCFC:
21
Torna-se necessário desmistificar a idealização de uma dada estrutura
familiar como sendo a “natural”, abrindo-se caminho para o reconhecimento
da diversidade das organizações familiares no contexto histórico, social e
cultural. Ou seja, não se trata mais de conceber um modelo ideal de família,
devendo-se ultrapassar a ênfase na estrutura familiar para enfatizar a
capacidade da família de, em uma diversidade de arranjos, exercer a função
de proteção e socialização de suas crianças e adolescentes. (BRASIL, 2006,
p. 23).
Uma definição mais ampla do termo “família”, é a de que a “[...] família pode ser
pensada como um grupo de pessoas que são unidas por laços de consanguinidade, de aliança e
de afinidade.” (BRASIL, 2006, p. 24) A constituição desses laços referentes às práticas e
relações familiares faz necessárias obrigações mútuas, desse modo, a organização dessas
obrigações deve estar de acordo com a faixa etária, com as relações de gênero e de geração,
que definem o papel do indivíduo nas relações familiares.
Cabe ressaltar que é no âmbito das relações familiares que devem ser “[...] absorvidos
os valores éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de solidariedade”
(KALOUSTIAN, 2000, p.12).
É amplamente reconhecida a importância da família no cuidado e no bem-
estar de seus membros, uma vez que é o âmbito privilegiado e primeiro a
proporcionar a garantia de sobrevivência a seus integrantes, especialmente
aos mais vulneráveis, como crianças, idosos e doentes; o aporte afetivo
fundamental para o desenvolvimento infanto-juvenil e para a saúde mental
dos indivíduos; a absorção de valores éticos e de conduta; bem como a
introdução das crianças na cultura da sociedade em que estão inseridas
(SILVA; MELLO; AQUINO, 2004, p. 211).
Fachinetto (2009, p.65) traz o conceito de família, segundo o texto infraconstitucional
“[...] como sendo um grupo de pessoas, com ou sem laços de consangüinidade e/ou afinidade,
não importando sua forma ou estrutura. O importante mesmo é saber se essa família é capaz
de proteger [...] suas crianças e adolescentes.”
O PNCFC considera a família o ambiente mais apropriado para o desenvolvimento da
criança e do adolescente, dessa forma, ressalta a prioridade pela manutenção e fortalecimento
desses vínculos. Porém, destaca também que não se pode deixar de analisar o contexto no
qual a família se insere e que a mesma deve receber o devido apoio da sociedade e do Estado.
Quando necessário, ter o total acesso aos direitos sociais7 para que possa desempenhar,
adequadamente, o seu papel para com o cuidado e proteção de seus membros. Destaca
7 São considerados como Direitos Sociais conforme o Artigo 6º da Constituição Federal de 1988 “[...] a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).
22
também, que a família deve ter o acesso ao conjunto articulado das políticas sociais,
principalmente, quando esses vínculos encontram-se ameaçados, por condições que se
apresentam como adversas ao cumprimento do seu papel.
Nesse contexto, entende-se que a criança e o adolescente “[...] não podem ser
concebidos de modo dissociado de sua família, do contexto sócio-cultural e de todo seu
contexto de vida” (BRASIL, 2006, p. 29) Assim, a convivência familiar e comunitária, como
já citado anteriormente, se faz parte fundamental no desenvolvimento da criança e do
adolescente como sujeitos de direitos.
Com relação à convivência familiar, Winnicott (apud BRASIL, 2006, p.30) coloca
que:
[...] um ambiente familiar afetivo e continente às necessidades da criança e,
mais tarde do adolescente, constitui a base para o desenvolvimento saudável
ao longo de todo o ciclo vital. Tanto a imposição do limite, da autoridade e
da realidade, quanto o cuidado e a afetividade são fundamentais para a
constituição da subjetividade e desenvolvimento das habilidades necessárias
à vida em comunidade. Assim, as experiências vividas na família tornarão
gradativamente a criança e o adolescente capazes de se sentirem amados, [...]
de se responsabilizar por suas próprias ações e sentimentos.
Fávero (2007) ressalta que, a privação da convivência familiar em relação a criança ou
ao adolescente, pode repercutir de maneira negativa sobre o seu desenvolvimento, quando
não existirem os cuidados apropriados por parte de um adulto com quem possa ter uma
relação afetiva constante.
Já em relação à convivência comunitária, Nasciuti (apud BRASIL, 2006, p.32) traz
que “durante a infância e adolescência o desenvolvimento é continuamente influenciado pelo
contexto no qual a criança e o adolescente estão inseridos.”
Dessa forma, é importante destacar que:
Os espaços e as instituições sociais são, portanto, mediadores das relações
que as crianças e os adolescentes estabelecem, contribuindo para a
construção de relações afetivas e de suas identidades individual e coletiva.
[...] Além de muito importante para o desenvolvimento pessoal, a
convivência comunitária favorável contribui para o fortalecimento dos
vínculos familiares e a inserção social da família. (BRASIL, 2006, p.32)
Com base no que foi relatado, é possível afirmar que os vínculos familiares e
comunitários tem uma dimensão política, porque seu desenvolvimento depende também do
23
investimento do Estado em políticas públicas que atendam à esses segmentos (BRASIL,
2006).
Coloca-se, então, que para o desenvolvimento da criança e do adolescente a
preservação dos vínculos familiares e comunitários, através de um meio em que seus direitos
sejam garantidos e efetivados, é de suma importância. A ausência do fortalecimento desses
vínculos dentro da família e da sociedade, é um dos fatores que leva a violação de seus
direitos. Sobre a qual aprofunda-se a discussão no próximo item.
1.2 CONTEXTO DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS E SEUS ENCAMINHAMENTOS
Como já exposto acima, a família é o espaço fundamental para o desenvolvimento das
crianças e adolescentes, com o dever de lhes suprir os campos afetivo, moral e material.
Entretanto, caso a família não consiga realizar suas responsabilidades, o Estado e a sociedade
tem a função de intervir e garantir que a família efetive suas obrigações.
A família tem uma dinâmica de vida própria que é afetada pelo processo de
desenvolvimento socioeconômico e pelas políticas econômicas e sociais, que são ações do
Estado (KALOUSTIAN, 2000). Portanto, a vida das famílias passa por constantes mudanças
através das alterações que acontecem na esfera pública.
Na medida em que o Estado trabalha apenas em função da economia, os direitos ficam
em segundo plano, o que afeta diretamente as famílias que, privadas de direitos básicos, como
educação, alimentação e trabalho, se encontram em situação de vulnerabilidade social
(WEBER, 2011). Esse contexto, onde as famílias também são “negligenciadas” pelo Estado,
contribui para que estas acabem por negligenciar seus filhos. “Em condições sociais de
escassez, de privação e de falta de perspectiva, as possibilidades de amar, de construir e de
respeitar o outro ficam bastante ameaçadas” (VICENTE, 1994, p.55).
As enormes desigualdades sociais presentes na sociedade brasileira e a
crescente exclusão do mercado formal de trabalho incidem diretamente na
situação econômica das famílias e inviabilizam o provimento de condições
mínimas necessárias à sua sobrevivência. Conseqüentemente, afeta
sobremaneira a inserção social dessa população, o que certamente traz
transtornos importantes a convivência familiar e dificulta a permanência da
criança em sua família de origem, caso não contem com políticas sociais que
garantem o acesso a bens e serviços indispensáveis a cidadania (GUEIROS e
OLIVEIRA, 2005, p.119).
24
Segundo Tierling (2011, p. 17) “na medida em que a sociedade que estes sujeitos estão
inseridos os trata com indiferença, suas atitudes tendem a ser de autoritarismo, intolerância,
rudeza e opressão, para como os mais fracos.” O que leva a violação dos direitos de crianças e
adolescentes. Conforme o PNCFC (2006, p.36), “dentre as situações de risco vividas por
crianças e adolescentes, [...] destacam-se a negligência, o abandono e a violência doméstica.”
Em seu Artigo 98, o ECA dispõe que o Estado deve intervir quando os direitos da
criança e do adolescente forem ameaçados ou violados: “I - por ação ou omissão da sociedade ou
do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta.”
(BRASIL, 1990).
Cabe, então, citar quais são as medidas de proteção promulgadas pelo Artigo 101 do
ECA:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à
criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta. (BRASIL, 1990).
Quando é necessária a aplicação de medidas de proteção, em casos de violação, “todos
os esforços devem ser feitos para que crianças e adolescentes não precisem ser afastados da
família de origem. Porém, nem sempre isso é possível porque algumas famílias não cumprem
com os papéis educativos, formativos e socializantes.” (TIERLING, 2011, p. 18-19) Dessa
forma, devem ser aplicadas as medidas de acolhimento institucional ou acolhimento familiar,
que implicam na suspensão do poder familiar e em um “rompimento” do contato com a
família natural. Cabe ressaltar que estas, conforme o Artigo 101, § 1º, do ECA, são “[...]
medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração
familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta [...]”.(BRASIL,
1990).
O Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede SAC,
realizado em 2003, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em conjunto com a
Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (DISOC), identificou os principais motivos para o
25
ingresso de crianças e adolescentes em abrigo, sendo estes: a pobreza das famílias (24,2%), o
abandono (18,9%), a violência doméstica (11,7%), a dependência química dos pais ou dos
responsáveis, incluindo, alcoolismo (11,4%), a vivência de rua (7,0%) e a orfandade (5,2%).
Quando ocorre o acolhimento institucional ou familiar de uma criança ou adolescente
devem ser realizados todos os esforços para que, conforme estabelece o ECA, no máximo em
dois anos, ocorra o retorno para a família de origem, ou excepcionalmente, a colocação em
família substituta.
Diante da impossibilidade da permanência da criança e/ou do adolescente na
família natural ou extensa e se esgotados todos os recursos para a
manutenção desses vínculos familiares, o ECA prescreve, então, como
Medida de Proteção a colocação em “família substituta”. Para isso, de
acordo com o Art. 28, é preciso que se proceda judicialmente seja para se
obter a guarda, a tutela ou a adoção, as duas primeiras sendo de caráter
temporário e a última de caráter permanente. (HERMES, 2010, p. 27).
Obter a guarda de uma criança ou adolescente, segundo o ECA, artigo 33, “[...] obriga
a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a
seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais”, e em seu § 3º “[...] confere à
criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito,
inclusive previdenciários”. Ainda conforme o artigo 35 do ECA, “[...] a guarda poderá ser
revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público
[...], por ser uma medida de caráter temporário.” (BRASIL, 1990).
Já “[...] a tutela será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até 18 (dezoito) anos
incompletos” (ECA, Artigo 36) E seu “[...] deferimento [...] pressupõe a prévia decretação da
perda ou suspensão do poder familiar e implica necessariamente o dever de guarda” (ECA,
Artigo 36, parágrafo único). (BRASIL, 1990).
Com relação à adoção, segundo artigo 39, § 1º, do ECA, é “[...] medida excepcional e
irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da
criança ou adolescente na família natural ou extensa [...]”, por ser uma medida de caráter
permanente, diferente da guarda e da tutela. Em seu artigo 41, o ECA traz que, por ser
precedida pela destituição do poder familiar “[...] a adoção atribui a condição de filho ao
adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer
vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.” (BRASIL, 1990). Assim,
a adoção, sobre a qual se aprofunda a discussão no próximo item, apresenta-se como um meio
de proteger a criança e/ou adolescente.
26
1.3 ADOÇÃO NA PERSPECTIVA DE DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Como já citado anteriormente, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz que, depois
que são esgotadas todas as possibilidades de permanência da criança ou adolescente em sua
família natural ou extensa, a adoção é a melhor alternativa de efetivação e garantia do direito
à Convivência Familiar e Comunitária.
Conforme Diniz (apud GRANATO, 2010, p.29):
[...] podemos definir a adoção como inserção num ambiente familiar, de
forma definitiva e com aquisição de vínculos jurídicos próprio da filiação,
segundo as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram ou
são desconhecidos, ou, não sendo esse caso, não podem, ou, não querem
assumir o desempenho das suas funções parentais, ou são pela autoridade
competente, considerados indignos para tal.
As primeiras legislações acerca da adoção, só surgiram no Brasil a partir do século
XX, sendo a primeira o Código Civil de 1916. Este, segundo Beltrame, estabelecia “[...]
diferenças entre os filhos naturais e os adotivos, [...] no que diz respeito aos direitos
sucessórios. Este modelo familiar garantia que crianças órfãs e abandonadas sempre tivessem
teto, embora posição de inferioridade frente aos filhos legítimos”. (apud HERMES, 2010, p.
34)
Segundo Schereiner (2004, p.11), mesmo que a partir do Código Civil de 1916 tenham
sido alteradas algumas normas que configuravam a adoção, durante muito tempo o interesse
da criança ou adolescente não era levado em consideração, a adoção era vista “[...]
exclusivamente a partir do olhar de um adulto que, não podendo gerar um filho biológico,
encontrava na filiação adotiva, a oportunidade de transmitir seu legado e seus bens.”
Seja nas ocasiões nas quais era permitida a adoção de uma criança, ou
mesmo quando causava medo, o lugar histórico da criança na adoção nunca
foi o de detentora de direitos. Ela poderia ser aceita para celebrar as
cerimônias fúnebres daqueles incapazes de procriar, ou para assumir um
negócio ou perpetuar uma história, não por ter o direito a ter pais ou por ter
necessidade de ter pertencer a uma família e ter uma história familiar. A
criança poderia ser aceita a partir da necessidade do casal, de uma
impossibilidade, não de suas necessidades ou direitos (SCHEREINER, 2004,
p. 11).
No Brasil é a partir da Constituição Federal de 1988 (CF), e da Lei 8069/90 – Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), onde se reconhece crianças e adolescentes como sujeitos
27
de direito, que a adoção deixa de ser uma alternativa para adultos que não conseguem ter
filhos biologicamente, e passa a ser o direito da criança ou adolescente à convivência familiar
e comunitária.
A CF, em seu Artigo 227, § 6, ainda assegurou igualdade de direitos entre filhos
biológicos e adotivos, “proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
(BRASIL, 1988).
Conforme Becker (apud HERMES, 2010, p. 35), a adoção é a forma definitiva de
colocação em “família substituta”. Pois, seu critério principal é a destituição do poder
familiar, onde se rompe absolutamente os laços entre a criança ou adolescente com a família
natural e extensa.
Podemos definir a adoção como inserção num ambiente familiar, de forma
definitiva e com aquisição de vinculo jurídico próprio de filiação, segundo as
normas legais em vigor, de uma criança [ou adolescente] cujos pais
morreram ou são desconhecidos, ou, não sendo esse o caso, não podem ou
não querem assumir o desempenho de suas funções parentais, ou são pela
autoridade competente, considerados indignos para tal (DINIZ, apud
GUEIROS, 2007, p.23).
Com a promulgação da Lei nº 12.010/09, “Nova Lei de Adoção”, revogaram-se os
artigos que tratavam sobre adoção no Código Civil de 2002, e o Artigo 1.618, que
permaneceu, passou a ter o seguinte texto: “A adoção de crianças e adolescentes será deferida
na forma prevista na Lei nº 8.069, de 13.07.1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente”.
Dessa forma, o ECA estabelece alguns critérios a serem seguidos para que se efetive a
adoção. A idade mínima permitida é de 18 anos, independente do estado civil, porém, se a
adoção for requerida em conjunto, é necessário que os postulantes sejam casados no civil, ou
mantenham união estável, afim de se comprovar a estabilidade familiar. O postulante à
adoção necessita ser 16 anos mais velho que a criança e/ou adolescente e, a adoção por
procuração não é permitida, pois é um ato pessoal e intransferível, não podendo ser realizada
por terceiros.
A adoção anula o registro de origem da criança e/ou adolescente, realizando um novo
registro em nome de seus pais adotivos, onde recebem seus sobrenomes, e lhes é permitido
também a alteração do primeiro nome. A partir do novo registro, a criança e/ou adolescente é,
legalmente, integrado à família. Entretanto, cabe ressaltar, que para que a adoção seja
realmente efetivada é de suma importância a criação de vínculos e afetividade entre as partes.
28
Conforme o ECA, antes de se deferir a adoção, é necessário um tempo, que é definido
pelo juiz, para o estágio de convivência, afim de avaliar-se a construção de vínculos entre
adotante e adotado. Se tratando da adoção de grupos de irmãos, o ECA traz que estes devem
ser inseridos na mesma “família substituta”, salvo em situações específicas, como: família
muito numerosa, idade muito avançada dos adotantes ou adotados, irmãos com deficiência,
entre outros, que justifiquem essa peculiaridade. Já na adoção de maiores de 12 anos, o
Estatuto, prevê em seu Artigo 45, § 2º, que é necessário também o consentimento do
adolescente.
Sendo a adoção uma decisão definitiva, que interfere na forma pessoal e comunitária
de viver, é necessário que os postulantes à adoção, que optaram por constituir e/ou
complementar a família através desta, estejam realmente preparados para assumir e efetivar
essa escolha, e exerçam da melhor forma possível o papel de pai e/ou mãe.
A Adoção Legal é regida de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo ECA, e deve
sempre ser superior o interesse da criança e/ou do adolescente. Existem também, modalidades
de adoção legal, que serão brevemente tratadas a seguir.
Uma delas é a adoção unilateral, que segundo o ECA, em seu Artigo 41, § 1º, acontece
quando “[...] um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos
de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes.”
As hipóteses para a referida adoção também se encontram no ECA, que são:
a) A destituição do poder familiar de uma das partes (art. 45, 1º ECA);
b) Pai desconhecido (art. 45, 1º do ECA);
c) A concordância de ambas as partes ou por meio de ação para destituição
do poder de família (art. 45 do ECA); [...] (ABUD, s/a, s/p).
Outra modalidade é a adoção por casais que não residem mais juntos, e de acordo com
o Artigo 42, § 4º, do ECA, estes podem adotar conjuntamente contanto que:
[...] acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de
convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e
que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com
aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da
concessão. (BRASIL, 1990).
A adoção post mortem é outra modalidade, que segundo o artigo 42, § 6º do ECA,
pode ser deferida “[...] ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a
falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.” (BRASIL, 1990).
29
A última modalidade a ser tratada, é a adoção internacional, que conforme prescreve o
Art. 50, § 10, do ECA, só será deferida depois de analisados os cadastros de pessoas ou casais
habilitados, da comarca de domicilio, estadual e nacional e assim verificado que não existe
nenhum postulante residente no Brasil que esteja interessado. Dessa forma, segundo o artigo
52, § 1º do ECA, esta maneira de adoção será efetivada quando:
I - que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso
concreto;
II - que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou
adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros
mencionados [...];
III - que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por
meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra
preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe
interprofissional [...] (BRASIL, 1990).
Nesse contexto, é importante ressaltar que após deferida a adoção legal, ela é
definitiva, porque confere à criança e/ou adolescente adotado a condição de filho, só podendo
então ser revogada através de uma ação de destituição do poder familiar.
Apesar de todos esses avanços no que diz respeito à adoção, encontram-se ainda
inúmeros casos onde, pela vontade imediata de se tornarem pais ou por falta de informações,
pessoas acabam “optando” pela Adoção Ilegal, também chamada de “Adoção à Brasileira”,
que segundo Schreiner (2004, p. 13), é aquela “[...] feita às margens da lei ou, registrar o filho
gerado por outrem como sendo seu filho biológico.”
Esta atitude não é uma adoção. [...] Apropriar-se de uma criança prestando
um falso testemunho dizendo ser fruto de uma gestação biológica, é infringir
a lei. [...] Tanto é assim que a falsidade do documento não deixa nunca de
existir e, com o advento do exame de DNA, esta falsidade pode ser atestada
sem chances de erro em qualquer momento da história de vida da criança,
adolescente ou já adulto [...] (SCHREINER, 2004, p. 13).
É importante esclarecer que esse ato não é considerado adoção, por não cumprir os
requisitos legais. E por mais que esse tipo de “adoção” torne o processo mais rápido, não traz
segurança alguma, porque tanto os “adotantes” quanto os “adotados” ficam sem proteção
legal, e isso pode acarretar consequências para o desenvolvimento dos filhos, principais
personagens desse processo.
30
Com o objetivo de divulgação da adoção legal, desenvolvem-se os grupos de apoio à
adoção, no próximo será abordada a especificidade do grupo de Toledo – PR, objeto deste
estudo.
31
2 – ADOÇÃO: A GARANTIA DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR
2.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa é a maneira que o pesquisador utiliza para chegar às respostas dos
questionamentos que tem sobre a realidade. Segundo Gil (2007, p.17), a “[...] pesquisa é
procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos
problemas que são propostos.” Dessa forma, para aproximação com o objeto estudado foram
utilizados instrumentos metodológicos. A metodologia é
[...] o caminho e o instrumental próprios da abordagem da realidade. [...] a
metodologia ocupa lugar central no interior das teorias sociais, pois ela faz
parte intrínseca da visão social de mundo veiculada na teoria. (MINAYO,
1994, p.22).
Esta pesquisa se coloca a partir da abordagem qualitativa, a qual “trabalha com o
universo dos significados, motivos, aspirações, valores e atitudes [...]”, que faz parte da
realidade dos sujeitos da pesquisa e que “[...] respondem a um espaço mais profundo das
relações, processos e fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis.” (MINAYO, 1994, p.21-22).
Em busca de responder à questão norteadora desse estudo: “Como se define o
processo de adoção no município de Toledo – PR, a partir do Grupo de Apoio à Adoção de
Toledo (GAAT)”? – primeiramente fez-se o uso da pesquisa bibliográfica. Pesquisa esta que
implica em “[...] um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao
objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório.” (LIMA; MIOTO, 2007, p.38). Desta
maneira, o pesquisador pode fundamentar-se em referências bibliográficas, que o auxiliam
durante o estudo.
Para responder ao estudo, partiu-se para a coleta de dados utilizando da técnica de
entrevista, gravadas ou escritas, e a pesquisa documental foi utilizada para obtenção dos dados
analisados na investigação. A partir da pesquisa documental fundamentaram-se as afirmações
feitas no decorrer da pesquisa, baseadas em documentos específicos do Serviço Auxiliar da
Infância (SAI) da Comarca de Toledo – PR8, como o projeto de criação do Grupo de Apoio à
Adoção de Toledo (GAAT), entre outros.
8 Jurisdição: Toledo, Novo Sarandi, Vila Nova, Ouro Verde do Oeste e São Pedro do Iguaçu.
32
Outra técnica utilizada foi a entrevista, que:
[...] não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se
insere como meio de coleta de dados dos fatos relatados pelos atores
enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada
realidade que está sendo focalizada. (DESLANDES apud MINAYO, 2002,
p. 57).
A entrevista utilizada nessa investigação, realizou-se a partir de um formulário
semiestruturado, que para responder aos objetivos da pesquisa, permite acrescentar ou excluir
questões.
Esta pesquisa contou com um universo constituído pela equipe técnica
interprofissional que atua no processo de adoção, 4 profissionais, sendo estes: o juiz, a
psicóloga, a assistente social e a pedagoga, assim como os postulantes à adoção participantes
do Grupo de Apoio à Adoção (GAAT) de 2012, que foram selecionados pela ordem de
adoções ocorridas no 1º semestre de 2012 e que possuem a experiência de como funciona
este processo, contabilizando assim um número de 2 casais. Totalizando assim uma amostra
de 6 sujeitos, considerando que foi entrevistada apenas uma pessoa do casal, ficando a escolha
a critério dos mesmos. A proposição de gravar as entrevistas não foi aceita por todos os
sujeitos, sendo esta escolha respeitada pela investigadora, a qual realizou o registro de forma
escrita. A entrevista com a pedagoga não pode ser efetivada, pois esta se encontrava em
período de licença especial durante o tempo hábil para realização das entrevistas. Deste modo,
obtivemos um total de 5 sujeitos de pesquisa.
A partir das entrevistas foram realizadas as transcrições das mesmas, analisadas,
interpretadas, e posteriormente organizadas de acordo com os seguintes eixos: 1- O GAAT,
institucionalização e funcionamento; 2- Adoção: a espera; 3- Adoção: da exigência formal ao
encontro; 4- Pós Adoção: pais e filhos adotivos; e 5- O GAAT: mitos e verdades sobre
adoção. As respostas serão apresentadas, nos itens seguintes, de maneira que possibilite
maior compreensão tanto das indagações da pesquisa como dos resultados da mesma.
2.2 GRUPO DE APOIO À ADOÇÃO DE TOLEDO (GAAT): UM MOMENTO DE
PREPARAÇÃO
A seguir, apresentam-se os dados da pesquisa, onde são apresentados os resultados,
obtidos através da entrevista semi-estruturada, com os sujeitos da pesquisa, relacionadas à
contribuição do Grupo de Apoio à Adoção de Toledo para o processo de adoção.
33
2.2.1 O GAAT, institucionalização e funcionamento
Este eixo tem como proposição apresentar o histórico do grupo, seus objetivos,
finalidades, e sua particularidade no município de Toledo – PR. Para tanto, aborda-se a
criação e a execução das atividades do Grupo de Apoio à Adoção de Toledo (GAAT). A
aproximação com o tema em estudo, bem como dos procedimentos metodológicos para a
realização das atividades do GAAT, se deve a realização do Estágio Curricular Obrigatório I e
II em Serviço Social, como parte constitutiva da formação profissional em Serviço Social. Tal
atividade foi desenvolvida no Serviço Auxiliar da Infância (SAI – Toledo), onde o GAAT é
executado a partir de um projeto de intervenção, elaborado pela equipe técnica do SAI.
Dessa forma, o Estágio Supervisionado se caracteriza como:
[...] uma disciplina obrigatória na grade curricular do curso de Serviço Social
na UNIOESTE. Por meio dessa disciplina tem-se o contato direto, muitas
vezes o primeiro, do acadêmico com um dos campos de exercício
profissional. O Estágio configura-se como um processo educativo e
formativo que possibilita o desenvolvimento da capacidade investigativa,
reflexiva e crítica do futuro profissional, também permite a articulação
teoria–prática. (TIERLING, 2011, p. 40).
No SAI, a equipe técnica interprofissional9 é composta pelos profissionais de Serviço
Social10
, Pedagogia, Psicologia e pelo Juiz de Direito, equipe esta, segundo artigo 151 do
ECA, que também é responsável por:
9 Cabe, neste contexto, especificar o porquê de equipe interprofissional e não multiprofissional. Primeiramente, o
sufixo “profissional” é utilizado, pois corresponde a práticas concretas e não epistemológicas como no caso do
sufixo “disciplinar”. Assim, em poucas palavras, o sufixo “disciplinar” será sempre relativo ao campo dos
saberes, e “profissional” ao das equipes e seus serviços. O trabalho multiprofissional é quando vários
profissionais atuam em prol de um mesmo benefício, porém sem o trabalho conjunto. Já o interprofissional surge
como resposta “à necessidade de reagrupamento de conhecimentos espalhados, como forma de diminuir a
alienação do trabalhador” (Furtado, 2007, p. 246). Assim, o trabalho é desenvolvido por mais de um profissional
e, em conjunto, atuando em um mesmo trabalho. (FURTADO, apud TIBOLA; KEMMELMEIER, 2010, p. 693). 10 [...] o assistente social [...] deve atender as determinações judiciais relacionadas à prática do Serviço Social;
realiza a avaliação dos casos elaborando estudo social com a finalidade de contribuir com a autoridade judicial
detalhando aspectos socioeconômicos, culturais, interpessoais, familiares, institucionais, comunitários e outros;
desenvolver, durante o estudo social, aconselhamento, orientação, encaminhamento e prevenção; aplicar
procedimentos técnicos com a família em situação de conflito; acompanhar visita de pais às crianças quando
determinado pela justiça; realizar trabalhos em conjunto com a equipe interprofissional da Vara da Infância e da
Juventude para acrescentar os trabalhos de solicitação de estudo psicossocial. (TIBOLA; KEMMELMEIER,
2010, p. 693).
34
[...] fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na
audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento,
orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata
subordinação a autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do
ponto de vista técnico (BRASIL, 1990).
A partir da “Nova Lei de Adoção” (Lei nº 12.010/2009), estabeleceu-se uma série de
mudanças no ECA, tendo como destaque o Artigo 197-C11
, especificamente o inciso 1º que
diz o seguinte:
[...] é obrigatória a participação dos postulantes em programa oferecido pela
Justiça da Infância e da Juventude preferencialmente com apoio dos técnicos
responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à
convivência familiar, que inclua preparação psicológica, orientação e
estimulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com
necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos
[...] (BRASIL, 1990).
Segundo Luchi (2003), as primeiras iniciativas dos Grupos e Associações de Apoio à
Adoção ocorreram entre os anos 1960 e 1980. Eram formados por pais que se associaram com
o objetivo de apoio mútuo e troca de experiências em um espaço ainda tão desconhecido
como a experiência da adoção. Se reuniam para discutirem as dificuldades e preconceitos
encontrados na adoção. A principal finalidade desses grupos era a disseminação de uma “nova
cultura da adoção” e as ações desenvolvidas estavam voltadas a produção de informações para
serem divulgadas, a fim de motivar a criação de mais grupos.
Schreiner (2004) define os Grupos de Apoio à Adoção como:
São organizações da sociedade civil, formadas por pessoas das mais
diferentes frentes de atuação, em sua grande maioria voluntários, que
trabalham para promover o direito a viver em família, de criança e
adolescentes brasileiros, em especial através da adoção e para aquelas
crianças que já perderam a proteção e o afeto de suas famílias [...]. Em geral
nascem pela iniciativa de pais por adoção ou profissionais na área, sejam
trabalhadores das equipes multidisciplinares dos Tribunais de Justiça, sejam
de Clínicas psicológicas ou Universidades e Centros de Estudos. [...]. (2004,
p. 32-33).
11 ECA, Art. 197-C. Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da
Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a
capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz
dos requisitos e princípios desta Lei.
35
Nesse sentido, no município de Toledo - PR, a partir da Portaria nº 017 de 26 de Junho
de 2008 (ANEXO C), instituída pelo então Juiz de Direito da Vara da Infância12
, Juventude e
Anexos (VIJ), foi criado o Grupo de Apoio à Adoção de Toledo (GAAT). Esta ação foi
consequência da elaboração e aprovação do Cadastro Nacional de Adoção do ano de 2008,
cujo objetivo era regulamentar os novos procedimentos para a adoção no Brasil.
Segundo Hermes (2010), a partir da publicação dessa portaria buscou-se a condição
para a efetivação do GAAT, para isso contou-se com a adesão da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE), Curso de Serviço Social, através da docente13
e das
acadêmicas do Núcleo Temático Política da Criança/Adolescente e Política da Juventude, no
ano de 2008, que elaboraram o “Projeto de Intervenção: Criação e Funcionamento do Grupo
de Apoio à Adoção de Toledo/PR - GAAT (PR)”.
O GAAT foi pensado a fim de evitar as adoções realizadas “as margens da lei, ou seja,
registrar o filho gerado por outro como sendo filho biológico” (SCHREINER, 2004, p.13), e
disseminar a adoção legal.
O Grupo de Apoio à Adoção de Toledo (GAAT), visa dar o devido apoio e
suporte aos interessados em realizarem o processo de adoção na Comarca. O
Grupo auxilia os futuros pais a lidarem com as incertezas, medos e a
ansiedade da espera; sentimentos que perpassam o intervalo de tempo entre a
decisão pela adoção e a sua efetivação. Também, com as ações do GAAT
apoia-se a consolidação da adoção, através de iniciativas que possam
disseminar pontos de vistas que colaborem para ampliar a adesão a esse
processo em Toledo, principalmente que favoreçam a uma percepção
diferenciada sobre a intitulada “adoção tardia” (crianças que ultrapassaram
os cinco anos). O GAAT deve ser um amplo espaço para a troca de
experiências e de conhecimentos entre os diversos sujeitos que interagem no
processo da adoção. (TOLEDO, 2012, p.3-4).
Segundo o Projeto de Intervenção, Criação e Funcionamento do Grupo de Apoio à
Adoção de Toledo/PR – GAAT (PR) (2012) (ANEXO B), a equipe técnica interdisciplinar do
SAI, e o Juiz Titular da Vara da Infância e Juventude, antes mesmo da criação do GAAT, já
sentiam a necessidade de um projeto que possibilitasse maior aproximação com os postulantes
à adoção. Pois, era preciso que os mesmos passassem por um processo de preparação durante
a espera pela adoção. Pretendiam também criar uma relação de confiança entre equipe, juiz e
12
Dr. Rodrigo Rodrigues Dias.
13 Professora Dra. Zelimar Bidarra que na época tinha contato com os profissionais da VIJ e do SAI em razão da
Supervisão de Estágio Curricular e da coordenação da Pesquisa sobre as violências contra crianças e
adolescentes.
36
os postulantes, que muitas vezes não ultrapassava os limites dos tramites do proceso jurídico
de adoção. A criação do GAAT possibilitou que essas expectativas fossem realizadas.
O GAAT existe para que as adoções realmente tenham êxito, para que os direitos de
crianças e adolescentes, que antes eram violados, agora sejam garantidos, dentro de uma
família preparada para garantir e efetivar esses direitos.
No grupo, os postulantes refletem frente sua real situação, suas
possibilidades diante as escolhas e seus limites, tomam consciência que não
existe um perfil ideal de pais adotivos e nem de crianças adotáveis. O grupo
não obriga os postulantes a mudarem seu perfil, mas os fazem refletir sobre a
situação posta, de que muitas vezes o êxito de uma adoção está em evitar
grandes idealizações acerca do outro; possibilita-os enxergarem que uma
criança mais velha ou um adolescente também podem ser adotados.
(TOLEDO, 2012, p.7-8).
A fim de disseminar essas informações acerca dos objetivos do grupo, o GAAT foi
lançado oficialmente no dia 20 de novembro de 2008, nas dependências do Fórum Doutor
Vilson Balão, sala do Tribunal do Júri. (HERMES, 2010)
Em 2009, as atividades da 1ª Edição do GAAT, ocorreram sob a orientação de uma
docente do curso de Serviço Social da UNIOESTE – Campus de Toledo, professora Zelimar
Soares Bidarra, que ministrava a disciplina de Núcleo Temático Política da
Criança/Adolescente e Política da Juventude, incluindo, portanto nesse debate as discentes
matriculadas nesta disciplina do curso de Serviço Social acima mencionado.
Sendo assim, dentre o conteúdo programático estudou-se a metodologia dos “Seis
Passos da Adoção”. Segundo Dias (2013, p. 173), os passos normalmente contemplam
assuntos como: “1) Legislação previdenciária e vínculo, 2) Adoção: o que é legal?, 3) A
criança e sua história, 4) A família, 5) Receber, amar e educar filhos I, 6) Receber, amar e
educar filhos II.” Mas cabe frisar que os temas podem mudar de acordo com as características
de cada grupo.
Já no ano de 2010:
[...] o desenvolvimento do GAAT desvinculou-se da disciplina de
Núcleo Temático, passando a ser de responsabilidade direta da Equipe
Técnica do SAI, o qual integrou-se as atividades do Estágio
Supervisionado em Serviço Social. Neste ano a Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUC) – campus Toledo-PR, através
do Curso de Psicologia, integrou-se ao Projeto do GAAT, por meio da
atuação de três estagiários do curso e da docente Adriana.
(TIERLING, 2011, p. 44).
37
Nos anos de 2010, 2011 e 2012, mesmo desvinculado da disciplina de Núcleo
Temático, o GAAT seguiu a mesma metodologia dos “Seis Passos da Adoção”, sendo então
executado pela equipe técnica interprofissional em conjunto com as estagiárias, acadêmicas
do curso de Serviço Social da Unioeste, e do curso de Psicologia da PUC Oeste.
2.2.2 Adoção: a espera
Este eixo tem como objetivo apresentar o processo que antecede a efetivação da
adoção, a partir do momento em que os postulantes à adoção decidem tornarem-se pais por
meio desta. Para tal, é necessário apresentar as etapas do processo de habilitação para adoção
na Comarca de Toledo – PR. Segundo E2 (2013), o processo se inicia com a:
[...] habilitação para adoção, em que os pretendentes fazem um
requerimento para se habilitar e entregam na Vara da Infância e Juventude,
junto dos documentos necessários e exigidos no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Posteriormente, é realizada a visita da equipe técnica, com
elaboração do estudo sobre as condições psicológicas e sociais dos
pretendentes para adotar. Depois é necessária a participação no Grande
Encontro do GAAT, que acontece uma vez por ano em Fevereiro. A partir
daí os pretendentes são habilitados. Em seguida são selecionados de 13 a 15
casais ou pessoas para participarem dos 7 passos para adoção no GAAT,
sendo um encontro a cada mês. Alguns pretendentes podem adotar apenas
com a participação no Grande Encontro, sem participar dos sete passos,
mas isso ocorre em casos esporádicos em que o interesse da criança é
colocado em primeiro lugar, como nas situações em que nenhum dos casais
que já participaram do grupo aceita adotar aquela criança.
Para E1 (2013), como a Lei define todos os “passos”, a única coisa que difere esse
processo de uma Comarca para outra é “[...] o tipo de trabalho desenvolvido pelo grupo de
apoio à adoção, porque não há na lei uma fórmula fixa, quer dizer, como que vai funcionar
este grupo de apoio [...]”. (Ver Eixo 01)
Ainda em relação à habilitação, é importante ressaltar a compreensão dos postulantes
quanto a esse processo. Na visão de P1 (2013), a “[...] espera não foi longa, então não teve
muita expectativa, a gente acabou não tendo tempo de ficar nem sonhando o que vinha, o que
podia vir [...]”. Já P2 (2013), considerou esse processo “[...] meio sofrido, meio complicado,
porque até você entrar no grupo, você fica as vezes um ano, um ano e pouco, [...] eu acho
que tinha que ser mais rápido o processo, porque esse tempo que demora é prejudicial as
crianças [...]”.
38
Conforme as falas, identifica-se a diferença entre o processo de cada sujeito, é
importante frisar que o tempo de “espera” para cada um diverge a partir dos critérios que os
casais ou pessoas colocam no momento em que definem o perfil da criança ou adolescente
que irão adotar. Um outro elemento a ser considerado, é a análise que a equipe técnica realiza
durante a participação dos postulantes no GAAT em relação ao perfil destes, associado ao
perfil da criança e/ou adolescente a ser adotado. Ou seja, realiza-se uma tentativa de
aproximar o máximo possível o perfil de ambos para garantia da convivência familiar
saudável.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a partir do momento que se decide adotar, o
primeiro passo é procurar a Vara da Infância e Juventude, e levar os documentos necessários,
que conforme o ECA, são: identidade; CPF; certidão de casamento ou nascimento;
comprovante de residência; comprovante de rendimentos ou declaração equivalente; atestado
ou declaração médica de sanidade física e mental; certidões cível e criminal. Em seguida, é
feito um requerimento de habilitação, que dá inicio ao processo de inscrição para adoção,
depois que o requerimento for aprovado, conforme prevê a Lei 12.010/09 (Nova Lei de
Adoção), o casal ou pessoa é convocado para participar do curso de preparação psicossocial e
jurídica para adoção, na Comarca de Toledo se realiza o GAAT, como já citado
anteriormente. (CNJ, 2012)
Nesse curso, a equipe avalia os postulantes, e essa avaliação é encaminhada ao
Ministério Público e ao juiz da Vara de Infância e Juventude. “Após comprovada a
participação no curso, o candidato é submetido à avaliação psicossocial com entrevistas e
visita domiciliar feitas pela equipe técnica [...].” (CNJ, 2012, s/p). Depois da entrevista, o
estudo psicossocial emitido pela equipe técnica é enviado ao juiz da Vara da Infância e
Juventude, que dará sua sentença, habilitando ou não, o casal ou pessoa, que passará a constar
nos cadastros local e nacional de postulantes à adoção. (CNJ, 2012).
2.2.3 Adoção: da exigência formal ao encontro
Entendem-se como exigência formal todas as exigências legais, incluindo a
participação dos postulantes em grupos de apoio, até o momento em que a adoção foi
constituída legalmente. Sendo assim, trata-se aqui dos resultados apresentados pelos sujeitos
da pesquisa referentes à concepção de adoção, bem como as dificuldades e avanços
encontradas durante esse processo. Há a necessidade de esclarecer que esse processo exige
39
dois momentos distintos. O primeiro momento é a habilitação para adoção, parte mais
burocrática, e o segundo é a concretização da adoção.
Para tanto, pontua-se, primeiramente, a concepção de adoção para os sujeitos. Para P1,
a adoção:
Foi a constituição da família, e não tinha outra forma no nosso caso. [...]
Mas no primeiro momento eu acho que era mais por pena das crianças, do
que hoje a gente vê a adoção. A adoção hoje a gente já vê, não com pena
das crianças, mas com o que elas podem trazer pra gente de família, de
felicidade, de união. (2013).
Já P2, considera a adoção “[...] na vida minha e da minha esposa, a melhor coisa que
aconteceu. A gente tem mãe, tem pai, tem irmão, mas o dia que você tem o teu filho, é
diferente.” (2013). Ainda segundo P2 (2013), “A gente tenta [...] pela via natural, mas o
amor, o afeto, o carinho [...] você fala adoção enquanto ta adotando, depois é teu filho, não é
mais adoção, é filho, pai, mãe.”
Conforme as falas acima descritas, pode-se analisar, que o principal motivo que leva a
adoção, ainda é, a impossibilidade dos casais ou pessoas de gerar uma criança
biologicamente. Dessa forma, é importante ressaltar que, a participação no GAAT é uma
importante ferramenta para que essa visão seja superada, e para que a adoção seja entendida
como um direito da criança e do adolescente, e como uma outra forma de se constituir família,
como também relataram os sujeitos.
Segundo Morales (apud SILVA, 2009, p. 43)
As pessoas que procuram a adoção como método de solução à infertilidade
não estão aptos para exercer a parentalidade. A criança está sendo
unicamente desejada para resolver um problema do casal, o que certamente
desembocará em dificuldades ao longo do seu processo educativo.
Hamad (apud SILVA, 2009, p. 43), coloca que o ato de adotar uma criança "[...] deve
ser relacionado a uma maturidade e disponibilidade psíquica que permite ao casal abrir-se
para acolher em seu seio uma criança que não viria mais reparar uma injustiça ou suprir uma
falta, mas, antes, o seu lugar no desejo de um casal".
Já Weber (apud SILVA, 2009, p. 43), afirma que mesmo as adoções realizadas por
motivações chamadas de inadequadas, como a solução para a infertilidade, podem dar certo.
Para ela, o sucesso depende da preparação feita para com os postulantes, uma vez que não
existe família perfeita e que famílias com filhos biológicos, muitas vezes, também os tem por
40
interesses próprios, mas com a convivência as motivações mudam e os vínculos afetivos são
construídos.
Outro ponto importante a considerar, são as dificuldades encontradas durante o
processo. De forma geral, na visão dos postulantes à adoção, o maior obstáculo é o tempo
(prazos) da parte burocrática. Na visão de P1 e P2,
A burocracia foi a parte mais difícil, a quantidade de documentos que você
precisa entregar, de atestados [...] Então, a maior dificuldade acho que foi
essa, porque pra gente foi diferente, o tempo foi curto, foi tudo muito rápido,
então a maior dificuldade mesmo foi a entrega da documentação. A gente
achou que ia ser difícil ir participar das reuniões do GAAT, porque a gente
é muito prático, mas a gente se surpreendeu, e quando demorava muito de
acontecer a outra reunião seguinte a gente já sentia falta, porque a gente
realmente gostou, então não era a dificuldade ir ao GAAT, não foi
dificuldade esperar os filhos, a dificuldade acho que principal foi a
documentação. (P1, 2013).
[...] isso que o nosso caso ainda não foi tão demorado, porque se for vê a
gente ficou na fila mesmo acho que dois anos, por aí, com grupo de adoção
e tudo. [...] Então eu falo assim, [...] a parte burocrática da coisa ainda é
muito demorada. É, porque não envolve só a gente que ta adotando e as
crianças, envolve os ex pais, ex mães, então assim é bem complicado, a
parte burocrática eu acho que é parte pior ainda da adoção. (P2, 2013).
Já a equipe interdisciplinar, quando indagada em relação às dificuldades, coloca que:
Tem algo que é intrínseco ao processo que é o tempo, qualquer processo
judicial, por mais ágil que seja, ele vai ter sempre um tempo. [...] Prazos
pra que se prepare a ação, prazos pra que as pessoas se defendam, prazos
pra se faça a prova. Então, essa eu acho que é a maior complicação. Então
você tem também um prazo no processo, quando a gente vai decidir se volta
pra família ou vai pra destituição, se volta pra família, mais ou menos a
questão acaba sendo resolvida, mas quando vai pra destituição a gente
ainda tem todo um processo judicial pra enfrentar, com citação, com
contestação, com advogado, com audiências, com expedientes como carta
precatória que acaba nos atrapalhando porque demora muito pra cumprir
fora da comarca e sai do controle do magistrado, dai tem um outro juiz, que
as vezes é mais sensível, as vezes é menos sensível. [...] Então assim, acho
que o mais difícil é o tempo, é uma variável que vai ser muito difícil a gente
se livrar dela, porque por mais rápido que se faça o processo ele demanda
tempo. [...]. (E1, 2013).
Na visão de E2, a maior dificuldade também é relacionada ao tempo, mas com alguns
outros aspectos, segundo o sujeito:
41
A maior dificuldade não está no processo de adoção ou de habilitação para
adoção. Está na demora do processo de destituição do poder familiar.
Desde a demora em se ter denúncias da situação de risco que a criança vive
com a família, até as tentativas frustradas de reinserção familiar. Aí,
quando todo o processo de Destituição do Poder Familiar termina, a
criança já está com a idade avançada, com dificuldades comportamentais,
psicológicas e sociais, o que dificulta a inserção delas em famílias através
da adoção. Não podemos exigir dos pretendentes à adoção que aceitem uma
criança maior de 10 anos, com várias problemáticas. Podemos tentar
modificar alguns mitos, mostrar algumas possibilidades, mas não podemos
culpá-los por desejarem uma criança dentro de seus ideais. (E2, 2013).
Ressalta-se que o tempo do sujeito postulante à adoção não corresponde ao tempo do
processo, ou seja, os anseios dos futuros pais não mudam os prazos que todo processo tem,
nesse caso os prazos do processo de destituição do poder familiar. Conforme o ECA, a criança
e/ou adolescente só é encaminhada à família substituta, depois de realizadas todas as
tentativas de permanência em sua família natural ou extensa. Segundo Cuneo esse é o
principal motivo que leva crianças e adolescentes a ficarem longos períodos em acolhimento
institucional, “tornando-as vítimas da burocracia judiciária ou mesmo do caos familiar que
impede o desfecho final da destituição do poder familiar.” (CUNEO, s/a, p.429).
Em contrapartida, consegue-se destacar também, segundo a equipe, vários avanços
relativos ao processo de adoção. Para os sujeitos, as mudanças mais significativas tem relação
com o grupo de apoio, com as melhorias que este trouxe ao processo como um todo. Para E1:
Mais do que a Nova Lei de Adoção, eu acho que é a implementação do
GAAT. Fico pensando como que a gente fazia adoção antes, parece que até
quase que esqueço, de tão importante que é, pra que eu tome uma decisão, o
Grupo de Apoio à Adoção. A gente tem uma visão do casal ou da pessoa
muito mais ampla, e a gente consegue fazer um trabalho efetivo de garantir
direitos da criança e do adolescente, [...] todo esse trabalho é pra analisar
se elas vão ter efetivamente condições emocionais, sociais, psicológicas,
enfim, jurídicas, de serem pais, para que essas crianças tenham a melhor
família possível, já que elas vão sair de uma estrutura de violação de
direitos. O que ocorre com o GAAT, é a possibilidade da gente fazer melhor,
não só essa junção criança e adolescente e a família e garantir o direito a
convivência, a gente tentar fazer isso da melhor forma possível, como
também trabalhar as questões de adoção legal, trabalhar com a ansiedade
dessas pessoas, evitando que elas vão para outro caminho, e também
despertar nessas pessoas uma consciência sobre o processo de adoção e
sobre a realidade da adoção [...]. (2013).
42
[...] é notório perceber o avanço [...] no que se refere à mudança de perfil,
olhar sobre a criança, quebra de mitos e medos acerca do processo e da
criança, entre outros aspectos que mostram que o GAAT é uma
oportunidade para preparar os casais, mas principalmente para garantir a
possibilidade de adoções tardias, inter-raciais e de grupos de irmãos. (E2,
2013).
[...] não havia nenhum tipo de preparação dos interessados, além da visita
domiciliar e das informações repassadas aos postulantes. [...] A adoção se
resumia a nível individual, não havia sentimento de grupo, troca de
informações, luta pela causa, participação, conhecimento e o mais
importante, uma preparação mais detalhada. Com isso, temas como adoção
tardia, inter-racial e de grupos de irmãos, não eram expostos, discutidos e
as coisas não aconteciam. [...] Com a chegada do GAAT tudo mudou, a
adoção passou a ser vista de forma coletiva, natural e livre de preconceitos.
O sentimento de grupo, de pertencimento passou a existir, a aproximação
com a equipe do SAI e com o juiz e promotor da infância aconteceu de uma
forma próxima e afetiva. Enfim, após o GAAT as adoções tardias, de grupo
de irmãos, inter-raciais começaram a acontecer e muitas crianças e
adolescentes sem perspectivas, tiveram enfim uma família. Hoje temos
segurança em entregar uma criança aos postulantes à pais. O GAAT se
transformou numa grande família [...]. (E3, 2013).
É notório que um dos maiores avanços para a adoção foi a criação da chamada Nova
Lei de Adoção, Lei 12.010/09, lei esta que instituiu os grupos de apoio à adoção, que segundo
Dias (2013, p. 167) tem o objetivo de “contribuir para a reflexão acerca da adoção,
principalmente dos perfis, buscando, [...] o esclarecimento e a orientação [...]” dos
postulantes, saindo então de seus interesses para buscar a defesa dos direitos da criança e do
adolescente.
Dessa forma, conforme a visão da equipe, o GAAT permite efetivar os direitos da
criança e do adolescente quanto a colocação em família substituta, e a partir dele possibilitou-
se que se concretizassem adoções tardias14
, de grupos de irmãos, inter-raciais, entre outras. É
também um instrumento importante de conscientização dos postulantes sobre a realidade da
adoção, e de construção de valores condizentes com os direitos das crianças e/ou
adolescentes.
2.2.4 Pós Adoção: pais e filhos adotivos
14
É considerada tardia a adoção de crianças que: [...] ou foram abandonadas tardiamente pelas mães, que por
circunstâncias pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando delas ou foram retiradas
dos pais pelo Poder Judiciário, que os julgou incapazes de mantê-las em seu pátrio poder, ou, ainda, foram
esquecidas pelo Estado desde muito pequenas em orfanatos que, na realidade, abrigam uma minoria de órfãos.
(VARGAS, 1997, p. 35).
43
Neste eixo apresenta-se a visão dos postulantes sobre suas expectativas anteriores à
adoção e após sua concretização, em relação à criança e/ou adolescente.
Ao fazer uma reflexão sobre “a criança”, P1 ressalta que:
[...] A gente não estipulou como deveria ser, só sabia que ia ser uma
criança, que ia ter tudo que ta envolvido quando tem uma criança. Tanto
que a gente não estipulou nada sobre questão de raça, de problemas físicos,
talvez uma restrição a gente tenha colocado, de problema de saúde grave. E
sei lá, eu acho que acabou vindo duas crianças que pessoas não sabem que
são adotados, quando a gente fala, dizem “não, não pode ser, porque um é a
cara do outro, um é a cara da mãe e o outro é a cara do pai”. Então no fim
acabou melhor do que se a gente tivesse escolhido. Eu acho que foi isso que
fez a gente não ter expectativa, a gente não idolatrava um perfil de criança,
um tipo de criança, um comportamento de criança. Então, acho que a única
restrição que a gente botou era a questão da idade, que era no máximo até 4
anos, ai nisso o GAAT foi importante, conseguiu mudar um pouco essa
forma de pensar [...] porque se olhar, dois anos é um bebê, o (cita o nome
do filho mais novo) hoje ainda é um bebezinho, só estica, porque continua
bebê, tem comportamento de bebê, ainda tem todo perfilzinho de bebê, tem
as manhas de bebê [...]. (2013).
A fala acima expressa que para este sujeito, foi importante não estipular um
determinado perfil, para que não tivessem uma visão previamente estabelecida da criança à
ser adotada, uma vez que esta, poderia não corresponder ao que haviam desejado, levando a
sua frustração. A única questão em relação ao perfil, era a idade, neste ponto, o GAAT foi
relevante para a alteração dessa visão.
Já P2, quando indagado em relação à criança, coloca que:
Eu acho que criança é criança, independente de onde ela venha, se ela é
adotada, se ela é biológica, [...]. Eles são puros, totalmente puros. [...]
criança é tudo igual, vai de como você trabalha com ela. As expectativas
foram totalmente superadas, [...] quando você planeja um filho, você tem
uma ideia de cabelo tal, olhinho tal, depois que você tem as crianças você
não liga mais pra isso. Ah, o olho dele é mais escuro que o teu, mas e dai?
Você não liga mais isso. Quando eles te abraçam, papai, mamãe e te beijam
você não fica olhando o olho, nariz, cabelo, nada disso. É abraço, beijo e
carinho e só, e acabou. (2013).
Segundo P2, suas expectativas em relação às crianças foram superadas, na medida em
que o perfil estipulado foi alterado durante o processo de adoção. Dessa forma, após sua
concretização, P2 ressalta que as características físicas não são relevantes para a construção
de vínculos.
44
Cabe ressaltar que segundo o CNJ, o perfil é definido pelos postulantes durante a
entrevista com a equipe técnica, onde “[...] o pretendente descreverá o perfil da criança
desejada. É possível escolher o sexo, a faixa etária, o estado de saúde, os irmãos, etc.” (2012).
Outro ponto importante a ser analisado é a influência do GAAT sobre a mudança dos
postulantes em relação ao perfil do filho esperado, observa-se que participar do grupo os
deixou mais flexíveis e abertos para refletirem sobre possíveis alterações. Assim, durante o
grupo, os postulantes entendem que “[...] não existe um ‘perfil’ ideal de pais ‘adotivos’, nem
de crianças ou adolescentes ‘adotáveis’, pois o êxito de uma adoção está em evitar grandes
idealizações acerca do outro; [...]”. (DIAS, 2013, p. 174). É necessário que os futuros pais
estejam cientes sobre seus limites e os limites de seus filhos.
2.2.5 O GAAT: mitos e verdades sobre adoção
A proposição do 5º eixo é a de expor os mitos em relação à adoção e a forma como
superá-los, ressaltando a importância da equipe técnica interprofissional e do GAAT nesse
processo.
Ao se referir a equipe inteprofissional, cabe ressaltar sua importância no processo de
adoção. Segundo Silva (apud TIBOLA; KEMMELMEIER, 2010, p. 693), o trabalho da
equipe interprofissional no Serviço Auxiliar da Infância (SAI), tem o objetivo “de prestar
atendimento de orientação às pessoas que buscam o Judiciário e auxiliar o juiz nas questões
relacionadas aos processos de adoção e outras questões judiciais.”
E1 esclarece:
45
Na VIJ (Vara da Infância e Juventude) como um todo, o trabalho da equipe
interprofissional é absolutamente essencial, eu costumo dizer que de nada
adianta você criar uma VIJ, colocar um juiz, um promotor e um cartório que
o trabalho não vai funcionar. Decorre da própria teoria da proteção
integral. A gente, pra aplicar qualquer norma relativa à criança e ao
adolescente que possa ser eficaz do ponto de vista da teoria da proteção
integral, depende de uma análise não só jurídica do magistrado, mas
também social, da assistente social, psicológica, da psicóloga, pedagógica,
da pedagoga, e quando o caso, médico, antropológico, enfim o que venha a
lidar com o caso, e no processo de adoção não é diferente. Desde a criança
aparecer para adoção, ou seja, da criança ser incluída na família substituta,
quer seja por um processo de destituição ou de renúncia, [...] os dois
processos dependem da participação por expressa disposição legal da
equipe interprofissional, quer dizer, tanto na destituição, quanto na
renúncia, a mãe é entrevistada, a mãe é orientada por essa equipe, e o juiz
também o é, [...] e isso se faz com o relatório, [...] como no processo de
adoção em si, tanto para fundamentação da decisão de cadastrar um casal,
uma pessoa pra adoção, como depois no terceiro momento de conjugar as
duas coisas, ou seja, a criança e o casal ou a pessoa. Então nesses três
momentos a equipe é realmente essencial, só o conhecimento jurídico não
resolve. (2013).
Para E1 o trabalho interprofissional no processo de adoção deve compreender a teoria
da proteção integral, tendo como prioridade garantir o direito da criança e do adolescente à
convivência familiar e comunitária e de desenvolver-se fisicamente, psicologicamente e
emocionalmente em um ambiente seguro e saudável.
Ainda em relação a equipe interprofissional, E2 e E3 reafirmam sua importância,
colocando que está atrelada aos diversos saberes acerca da questão da adoção,
A Psicologia tende a observar certos aspectos, enquanto o Serviço Social
abrange outras diretrizes, por exemplo. Assim, a somatória dos saberes é
fundamental para cada momento do processo de adoção, desde a
habilitação, avaliando os pretendentes e auxiliando na elaboração e
retirada de mitos e medos, passando pela parte da preparação dos casais ou
pessoas habilitadas, até a fase da concretização da adoção em que a equipe
[...] faz as orientações e apresenta a criança real – diferente da idealizada
pelos casais. Sem a equipe a adoção estaria restrita ao olhar do Direito, o
que limitaria e com certeza inviabilizaria os processos de adoção de forma
efetiva e pensando principalmente no melhor interesse da criança. (E2,
2013).
A equipe interprofissional possibilita ao processo de adoção um olhar mais
amplo e profundo, pois permite que várias áreas sejam observadas e
trabalhadas, possibilitando maior sucesso dentro do processo e melhorando
a qualidade. (E3, 2013).
46
Conforme afirma E2, as diferentes formações que compõem a equipe técnica
interprofissional permitem a melhor preparação dos casais ou pessoas habilitadas. Neste
sentido, P1 compreende essa equipe como transmissora de informações, ressaltando que:
[...] a importância deles foi de colocar situações que já tinham acontecido,
situações que poderiam acontecer, e a gente foi entendendo e aprendendo
como que a coisa ia acontecer, poderia estar acontecendo. [...] Porque tudo
foi usado pra aprendizado. Ensinou a criar? Não, mas ensinou a gente a
como ver a situação. (P1, 2013).
Ainda enfatiza P2:
[...] eles vão colocando você num trajeto assim que você não imaginava
estar. Então assim, aquela parte de você [...] ver a realidade, tudo isso
ajuda, e na verdade assim, a parte ali da assistente social, do juiz
participando do processo ali junto do GAAT é muito importante, porque é
que nem a gente fala, eles veem a realidade da gente e a gente vê a
realidade de como funciona um grupo de adoção e realidade das crianças.
Antes de você entrar no grupo você não liga essas coisas, você quer uma
criança e você acha que vai vim qualquer hora, então é importantíssimo,
isso ai na verdade tinha que ser feito no Brasil inteiro. (2013).
Pode-se inferir a partir das falas que, a equipe, através do GAAT, permite esclarecer
como se dá o processo de adoção, expondo as dificuldades que os postulantes podem
encontrar. Dessa forma, é importante frisar que os “temas” tratados durante os 6 passos do
GAAT, são definidos de acordo “[...] com as características e as especificidades de cada
grupo formado.” (DIAS, 2013, p. 173).
Para os postulantes, a importância da equipe demonstra-se principalmente na execução
do GAAT. Sobre este, P1 e P2 revelam:
[...] Foi bem esclarecedor em algumas coisas. A forma de lidar com essa
questão da história da criança, que não se deve descartar a história. [...]
Uma coisa que eu acho que eu aprendi muito com as reuniões do GAAT, foi
a não sentir pena das crianças, porque é a tendência, ainda mais quando
conhece o histórico o que que aconteceu, a tendência é sentir pena, permitir
que faça tudo. [...] Então eu acho que isso foi um ensinamento muito
importante que eu tive durante as reuniões, a criar sem sentir pena, criar
como se fosse, e é, uma criança como outra qualquer, até porque você não
ta adotando por pena. [...]. (P1, 2013).
47
[...] o GAAT faz você pensar, o grupo faz você pensar, e faz você mudar os
conceitos, hoje por exemplo, quando a gente entrou na fila lá, quando a
gente entrou pra adotar e se inscreveu e tal a ideia era uma, e hoje [...] eu
falo sempre, participe do GAAT, porque assim, você vai mudar o seu
conceito, vai abrir a sua cabeça, você vai pensar diferente. Você esclarece
um monte de dúvida que você tinha, então o GAAT é importantíssimo, [...] é
um projeto que tem que ser levado muito em conta. (P2, 2013).
Para P1, o GAAT proporcionou a aquisição de novos conhecimentos, permitindo
compreender a importância de não desconsiderar o histórico da criança e/ou adolescente
adotado, nem “sentir pena” em decorrência das situações de violência enfrentadas por ele. Já
P2 considera que o GAAT, permitiu mudar os conceitos pré-estabelecidos.
Dias relata que é importante o trabalho da equipe, dentro do GAAT, no sentido de que
os pretendentes compreendam “[...] que as crianças e os adolescentes não são uma página em
branco, que eles têm uma história que não pode ser ignorada. Entretanto, essa história não é
marca indelével impressa em suas personalidades.” (2013, p. 171). A orientação por parte da
equipe, deve ser, como relatou P1 de não desconsiderar esse histórico, mas sim, sobre como
superá-lo, através dos laços afetivos que são construídos.
Dessa forma, P1 e P2 relatam a importância e as principais contribuições do GAAT
em seus processos de adoção:
[...] o grupo, ele deu uma concepção maior pra gente do que que era
adoção, principalmente nessa faixa etária, que eram as crianças mais
velhas, pode se dizer assim, mais velhas. Então, as conversas todas,
ensinaram pra gente e mostraram pra gente o que que era adotar, o que que
era ter um filho por adoção, e isso foi uma coisa que ajudou, ajudou muito.
Fez a gente até passar a gostar de ir ao grupo, coisa que a gente achava que
não ia gostar e que depois a gente sentia até falta quando ficava muito
tempo sem ir ao grupo. A percepção inicial foi de rejeição, de ter que
assistir sete reuniões e depois mudou, depois a gente ficava se perguntando
quando vai ser a próxima. Então isso que eu acho que facilitou, facilitou
porque não é que a gente aprendeu a como lidar com as crianças, mas a
gente entendeu o que era a adoção. Porque muita gente acha que a adoção é
só ir lá, pegar a criança e levar pra casa e ta tudo resolvido, mas a coisa
não é bem assim, e hoje depois de um ano, a gente comprova que é
diferente. (P1, 2013).
48
[...] contribuiu bastante, é na verdade assim, quando você vai pra adotar,
você entra na fila e tem uma ideia fixa, você quer aquela criança tal, jeito
tal, quer um, quer um bebê, então assim o GAAT, eu sempre falo, [...] ele faz
você mudar, te faz abrir a cabeça. Você vai lá, começa a participar das
reuniões, você vê o outro lado, outras crianças, outra realidade, na verdade
antes de você participar do grupo de adoção você tem uma ideia fixa, aquilo
que ta na tua cabeça [...], depois que você vai lá, você começa a participar
das palestras, ver os vídeos, ver os negócios, você começa a mudar o
conceito. Então assim, ajuda muito, muito mesmo. E também as vezes é
aquela outra história, ajuda você a adotar, e também quem não tem a
certeza absoluta acho que ajuda a esclarecer também. (P2, 2013).
Os dois sujeitos afirmam que o GAAT contribuiu para a mudança de visão a respeito
do que é realmente a adoção, colaborou também com a mudança de alguns pré-conceitos,
como a quebra da idealização, e dos mitos que envolvem as crianças maiores, grupos de
irmãos, crianças com deficiência, entre outros. Segundo Schereiner, o trabalho dos grupos de
apoio à adoção é de “[...] fundamental importância para o desenvolvimento de uma nova
cultura da adoção [...], a preparação de famílias e crianças [...] pelo tempo necessário para ter-
se a garantia de sucesso.” (2004, p.34).
Para além destas contribuições, os postulantes foram indagados também quanto a
sugestões de melhoria para o andamento do grupo. Segundo P1,
Eu acho que podia ter mais ensinamentos sobre como cuidar das crianças,
como se cuida de crianças. Como se comportar com as crianças depois que
elas chegam, porque o GAAT preparou a gente pra entender o que é adoção,
a gente entendeu o que que era adoção, a gente entendeu que que ia
acontecer, a gente aprendeu sobre o processo, mas o depois? Hoje é o que
eu vejo que estaria faltando. Como lidar com as crianças, principalmente as
crianças maiores, quando você adota criança maior. Como proceder com
pelo menos os primeiros 15 dias com a criança dentro de casa.
Principalmente os maiores, que eles ainda ficam muito grudados ao abrigo,
então como se comportar? [...] Então, talvez um apoio depois seria
interessante, nessa questão, como lidar com as crianças depois que elas
chegam, principalmente a questão das crianças maiores. Eu acho que a
partir de três anos já começa, eles já entendem mais as situações, eles tem a
lembrança do abrigo, das coisas, [...] e essa eu acho que foi a maior falta
assim do trabalho, do GAAT, ou pós GAAT, que poderia ter. Acho que [...]
um trabalho mais prático, mais direto e talvez um pouco mais especifico,
bem objetivo. Do que especifico? Especifico das crianças né, [...] então eu
acho que faltou um pouco desse trabalho. (P1, 2013).
49
Assim é que eu não vivo o dia a dia do GAAT, eu não sei como é que
funciona, a gente vive só o dia da reunião, mas a parte que eu participei foi
uma parte muito boa, as palestras boas, bem organizadas, bem
esclarecedoras assim, faz a gente pensar, que nem a gente participou
daqueles treinamentos, faz a gente pensar muito. Então acho que eu não
tenho nada pra falar que teria que melhorar, eu gostei muito, não colocaria
alguma coisa pra melhorar, porque eu não conheço a fundo assim o dia a
dia do GAAT, mas as palestras, as reuniões, esse tipo de coisa, eu gostei
muito. (P2, 2013).
P1 coloca como sugestão para a intervenção do GAAT, que também exista um
trabalho “pós-adoção”, de um modo mais específico, apontando como proceder com as
crianças e/ou adolescentes adotados. Já P2 não sugere melhorias, porque de acordo com sua
experiência dentro do grupo as atividades foram satisfatórias.
Com relação aos mitos que obstaculizam o processo de adoção, a equipe apresenta os
principais e mais recorrentes entre os postulantes:
Enunciar numa frase: a personalidade se forma até os seis anos de idade. É
o pior, quer dizer, por que que não faz adoção? Porque todo mundo acha
que a partir dos seis anos não da, não posso mais, é impossível. E outra
questão é que a maior parte das pessoas que vão pra adoção, [...] é um
sucedâneo da filiação biológica, então muitas querem imitar, querem passar
pelo bebezinho, etc, etc. E não vou censura-las, não to dizendo que a culpa é
delas, mas cabe a nós mostrarmos que a adoção é outra coisa, uma forma
de garantir o direito dessa criança e adolescente por meio também desse
amor que eles tem, óbvio, mas e que isso é possível com crianças mais
velhas, de cor diferente, com irmãos, enfim, com outras situações, mesmo
porque as crianças que estão em adoção, elas vem de uma realidade de
violação de direitos, e ta ai também a importância do GAAT, fazer com que
as pessoas saiam da idealização e ponham o pé no chão, olha é uma criança
que tem uma história, uma história que na maior parte das vezes é uma
história de violação de direitos, mesmo aquela mãe que entrega essa
criança, ela ta entregando porque ela não tem condição. (E1, 2013).
Mito de que uma criança maior já tem o caráter e a personalidade formada,
de que esta criança obrigatoriamente dará problemas por ter vivenciado
situações difíceis, de que a genética influencia mais que o meio na educação
e no caráter da criança, enfim, muitos outros, porque trabalhar com o ser
humano é estar em contato constante com diferentes formas de pensar,
sentir e se comportar. (E2, 2013).
Filho adotado dá problema, adotar uma criança de outra cor gera
problemas e discriminação, crianças maiores já vêm com uma história e são
difíceis de lidar, quero adotar um bebê para ensinar do meu jeito, filhos de
pais viciados poderão ser viciados também, medo da família biológica, e
medo de não ser aceito pela criança. (E3, 2013).
50
As falas da equipe técnica convergem no que diz respeito ao mito de que a criança
maior está com a personalidade já formada, tendo como consequência problemas posteriores.
O que leva os postulantes à preferirem a adoção de recém-nascidos e crianças menores de dois
anos.
Pautando-se neste cenário, Silva coloca que
[...] as crianças e os adolescentes brasileiros, primeiramente vitimados por
questões socioeconômicas que historicamente vêm sendo responsáveis pelo
crescimento das desigualdades de toda ordem, são também vitimados por um
processo de estigmatização, marginalização e exclusão quando são alijados
do direito à família por consequência de uma cultura da adoção que
privilegia crianças recém-nascidas em detrimento de crianças maiores e/ou
adolescentes. (2009, p. 32).
Conforme Dias:
existem muitos mitos e preconceitos em relação à adoção; um deles diz
respeito aos problemas que surgem com os filhos, por serem adotivos, [...].
A questão envolve complexas relações sociais e afetivas, que têm que ser
trabalhadas por profissionais e pela sociedade para garantir à criança e ao
adolescente o direito à convivência familiar. Tudo isso deve ser inserido nas
discussões com os postulantes [...] (2013, p. 174).
Dessa forma, um importante instrumento na quebra desses mitos é o GAAT, que
conforme expõe a equipe técnica, intervém junto à sociedade e postulantes:
[...] Mostrando com diversas atividades, diversos recursos metodológicos
que mudam de ano em ano, com base no grupo que a gente tem e nas
próximas crianças que tão indo pra adoção, porque esse trabalho no fim das
contas é em função delas, e a gente trabalhar, principalmente, a quebra de
perfil. São duas grandes questões, acho que a quebra do perfil, “eu quero
criança até um ano, a todo custo”, [...] e o choque de realidade, ou seja,
tirar essas pessoas do mundo da lua, do tudo muito idealizado, tudo é
perfeitinho, tudo é bonitinho, eu vou por lacinho, brinquinho, [...] então eu
acho que você mostrar qual que é a realidade da adoção, acho que isso é
importante. E acho que em termos sociais e conjunturais, a gente conseguir
fazer com que as pessoas que estão dentro do GAAT sejam pessoas que vão
divulgar e reproduzir, enfim, a adoção. E a adoção ser falada e ser vista,
porque pessoas vão se comunicar sobre adoção, e os trabalhos que a gente
faz, que o próprio GAAT faz, em relação ao público em geral, com reuniões
abertas, entrevistas que os técnicos [...] dão, a abertura do GAAT para fins
de trabalhos acadêmicos, como o seu [...], que permite em cima desses
trabalhos a gente naturalizar a adoção, e se a gente conseguir esse passo de
naturalização da adoção no âmbito social as coisas no âmbito individual
vão ficar mais fáceis, acho que a questão do mito, da quebra do perfil.
Quando for natural você estar com uma criança que foi adotada, acho que
muita coisa resolve. [...] (E1, 2013).
51
O GAAT é visto também como um meio de divulgar a adoção legal, como expressam
as falas de E2 e E3:
Divulgando a adoção legal, através do Grande Encontro que é aberto para
a sociedade. Além disso, cada pretendente que passa pela preparação do
GAAT se torna um colaborador e propagador do trabalho, mudando assim a
forma de entender o processo de adoção e os mitos que o envolvem. (E2,
2013).
Divulgação da adoção legal através de palestras, entrevistas em rádios,
jornais, universidades, nos eventos do GAAT, internet. (E3, 2013).
Para romper com os mitos acima expostos, é necessário esclarecer os conceitos que
envolvem a adoção, primeiramente a equipe se posiciona em relação a adoção necessária,
conforme E1 e E2:
A adoção necessária não é bem um termo jurídico, [...] no sentido que não é
um termo construído nem pela lei, nem pelo jurista, é que as pessoas que
trabalham a adoção começaram a usar a adoção necessária, ou seja,
aquelas adoções que precisam acontecer. E eu tenho minhas duvidas quanto
a esse, por que é necessária só [...] as adoções que são difíceis, de grupos
grandes de irmãos, inter-racial, criança ou adolescente com deficiência
física, tardia. É necessário, você precisa tirar do abrigo, não tem jeito, só a
adoção vai resolver. Mas, a do bebê não é necessária? Eu não gosto do
termo adoção necessária, acho que todas as adoções são necessárias. A
partir do momento que a criança ou adolescente não está com seu direito a
convivência familiar garantido, toda adoção é necessária, porque eles
precisam estar dentro de uma família. Então, eu não gosto quando se fala
em adoção necessária, porque da a impressão de que a outra não é, que
pode voltar pra casa e apanhar de qualquer um. Não gosto do termo, mas
enfim, ele tem o mérito de você separar algumas adoções que são difíceis,
por força de todos esses problemas que a gente já lidou e que faz com que as
pessoas que trabalham nessa área se antenem à cuidar dessas crianças que
são difíceis também. Então ele tem o mérito de categorizar algumas adoções
pela dificuldade e a gente poder trabalhar essas dificuldades, e o trabalho
do grupo tem que ser em cima basicamente dessas dificuldades na adoção.
(E1, 2013).
As adoções necessárias são aquelas pelas quais precisamos nos dedicar
ainda mais. São as adoções mais difíceis de acontecer, por assim dizer,
como nos casos de adoções tardias, de crianças com deficiências ou
problemas de saúde não tratáveis, vírus do HIV e grupos de irmãos. E o
trabalho para com essas adoções deve ser priorizado em todos os aspectos,
sendo que na preparação dos pretendentes, é necessário que se evidencie a
existência dessas crianças reais, que têm o direito à convivência familiar
assegurado. Os postulantes à adoção precisam ser conscientizados de que o
direito que deve ser levado em consideração é o da criança. (E2, 2013).
52
Cabe colocar aqui que, a existência dessas adoções chamadas “difíceis”, se dá pelos
inúmeros fatores já citados anteriormente, por exemplo, crianças que só são encaminhadas
para família substituta com uma idade avançada, ou grupos de irmãos, o que dificulta essa
colocação.
Para incentivar estas adoções, de crianças com históricos de abandono, de
abuso, de negligência, é preciso antes de tudo, acreditar que essas adoções
são possíveis. Todas as crianças e adolescentes têm qualidades, sonhos e
virtudes. É preciso descobrir as potencialidades destas crianças e não
centrar-se apenas em suas carências. Desta forma teremos recursos válidos
para apresentação a futuros pais adotivos. (SCHREINER, 2004, p. 54).
Para E1, a adoção necessária apresenta um ponto negativo e um positivo. O primeiro
se refere ao fato de que todas as adoções são necessárias, porque todas as crianças e/ou
adolescentes devem ter seu direito à convivência familiar garantido. Já o segundo diz respeito
a divisão das adoções pela dificuldade, o que possibilita que a equipe trabalhe em cima delas e
as supere. E2, ainda ressalta que deve existir um trabalho com os postulantes, para que eles se
conscientizem quanto à existência dessas crianças “reais”, e efetivem com elas a constituição
de sua família. Outro conceito relevante, sobre o qual a equipe também se posiciona, é o de
adoção consciente.
Adoção consciente é você estar bem esclarecido a respeito do que é adoção,
do que é o trabalho do grupo de adoção. Fazer uma adoção consciente, de
ela ser dentro da legalidade, de ela ser uma adoção com base na realidade,
não na idealização, acho que é o mais importante. E uma adoção é um ato
que se presta a garantir o direito de uma criança e de um adolescente. (E1,
2013).
A adoção consciente deve ser aquela pensada, preparada, refletida em
família e principalmente aquela ligada à legalidade, em que o pretendente
passa por todo o processo jurídico de habilitação, de preparação e enfim de
adoção de uma criança real, diferente daquela idealizada, mas que possui o
direito de ter uma família. (E2, 2013).
[...] A luta pela divulgação da adoção legal e o compromisso que a equipe
do GAAT tem em dar uma família para cada criança e adolescente, e a
melhor família. Bem, os avanços estão acontecendo, são visíveis e só com
esse trabalho podemos mudar a visão da adoção dentro da sociedade.
Faltam recursos, estudos e investimentos nessa área. Só quando a adoção
for vista como política pública, como um direito da criança e do adolescente
à convivência familiar é que as coisas poderão avançar a nível de Brasil.
Há muito preconceito contra a adoção dentro das políticas públicas e de
algumas atuações profissionais. A adoção é um direito da criança e do
adolescente e não uma caridade ou uma punição. (E3, 2013).
53
Conforme as falas expostas acima, pode-se identificar os pontos convergentes entre a
equipe. O primeiro, é a questão da importância da adoção legal, como já citado no primeiro
capítulo, a adoção feita de acordo com a lei. Já o segundo ponto, ressalta que a adoção deve se
concretizar com base na realidade, em crianças reais, sem a projeção de um modelo ideal. O
terceiro ponto visa esclarecer que a colocação em família substituta é exclusivamente um
direito da criança e/ou adolescente à pertencer a uma família. Cabe ressaltar também, a
preocupação que E3 traz em reconhecer a adoção como política pública, visto que a violação
de direitos que leva a criança e/ou adolescente a colocação em família substituta, é uma
expressão da questão social.
Tendo como referência a criança e o adolescente como prioridade absoluta, e sendo
este um principio que rege a adoção, cabe trazer o que infere o ECA, em seu Artigo 4º à
respeito:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder
Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos e ou de relevância
familiar e comunitária;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção à infância e à juventude. (BRASIL, 1990).
Nesse sentido, considera-se a violação dos direitos da criança e do adolescente como
expressão da “questão social”, e situa-se a complexidade dos níveis de violência que
circundam as condições de vida destes como sujeitos de direitos. Uma vez que explicita a
realidade social, a violação torna-se uma questão pública, portanto, de responsabilidade do
Estado. Conforme abordado no início deste trabalho, o Estado responde as situações de
ameaça à ordem social vigente, bem como aos reclamos e reivindicações da sociedade por
meio da implantação e implementação de políticas sociais. Neste caso específico, após o
processo de mobilização e reivindicação obteve-se a defesa dos direitos humanos ao público
infanto-juvenil através da Constituição Federal de 1988, artigo 227, regulamentado em 1990
pelo ECA. Assim, para além dos direitos fundamentais da criança e do adolescente como
seres em desenvolvimento, remete-se à responsabilidade de prioridade absoluta na proteção
54
social, atendimento e na destinação privilegiada de recursos públicos a este público –
compromisso este de todas as políticas sociais públicas.
Neste contexto, a equipe técnica ressalta,
A gente tem todo um trabalho, tem todo um ordenamento jurídico que se
baseia na criança e adolescente como prioridade absoluta, ou seja, a
adoção também está dentro desse aspecto, quer dizer, a gente faz todo um
trabalho pra garantir que a criança e o adolescente tenham direito à
convivência familiar e comunitária garantido, e não pra que pessoas como
um todo, adotem. Não que a gente também, automaticamente não esteja
fazendo esse trabalho, mas o foco não tem de ser neles, tanto que eu sempre
falo em todas as reuniões, que não existe em nenhum lugar escrito que
qualquer pessoa no mundo tem direito a adotar. (E1, 2013).
No Brasil, com a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, a
criança e/ou adolescente passa a ter o que se chama de prioridade absoluta.
Tal prioridade deve ser observada tanto nas políticas públicas, no
orçamento público, como na justiça também. A criança precisa ser vista e
compreendida como sendo prioridade absoluta, ou seja, acima de qualquer
outra prioridade. E assim deve ser entendida justamente por ser a infância e
adolescência um estado peculiar do desenvolvimento, isto é, um momento
especial do desenvolvimento humano em que qualquer demora, omissão ou
erro pode trazer graves consequências. Na adoção a prioridade absoluta é
atendida, por exemplo, quando os processos de crianças aptas à adoção são
priorizados com a finalidade de garantir o direito à convivência familiar.
(E2, 2013).
É importante destacar que E2 situa a criança e o adolescente como prioridade absoluta
a partir do ECA, enfatizando-a como um direito. Ainda acrescenta a importância da prioridade
absoluta, a partir do momento em que toda e qualquer “espera” ou omissão em relação a
criança e o adolescente, pode gerar graves consequências ao seu desenvolvimento.
Segundo Silva,
Essa situação se trata de abandono não regularizado, que impede que a
criança seja colocada em família adotante. Na ausência de investimento na
família biológica de modo a alterar as condições que levaram a criança ao
acolhimento institucional, bem como a demora na destituição do poder
familiar, o que deveria ser provisório arrasta-se por anos e as instituições
acabam assumindo um lugar central na vida destas crianças/adolescentes.
(2009, p. 30).
Como decorrência do direito acima exposto, constitui-se outro princípio que rege a
adoção, o direito de superior interesse da criança. Que segundo Bochnia “[...] é parâmetro a
ser respeitado necessariamente por todos, Estado, família e comunidade.” (2008, p. 71). Sobre
o qual se posiciona a equipe:
55
Que também é o trabalho do grupo, quer dizer, você consegue enxergar o
superior interesse da criança, porque assim, a partir do momento que você
ta em um grupo e você consegue conhecer mais a fundo a realidade
daqueles casais ou daquelas pessoas, você consegue indicar a criança certa
para o casal certo. É obvio que a gente está sujeito a riscos, mas o risco é
muito mais bem calculado do que quando antes, a gente não tinha nada, a
pessoa vinha se cadastrava, 5 anos depois fazia um estudo de caso, 5 anos
depois porque você é o primeiro da fila, você chama a pessoa para a
criança, então a gente consegue trabalhar melhor não com a rigidez da
ordem cronológica, mas sim com o superior interesse da criança, que tem
que vir a frente inclusive da ordem cronológica. (E1, 2013).
Este princípio postula basicamente que o interesse da criança está acima de
qualquer outro interesse, de outra pessoa ou instituição. Na adoção o
princípio do melhor interesse da criança se manifesta, por exemplo, no
entendimento de que a adoção é uma forma de garantir o direito à
convivência familiar para a criança e não um direito dos pretendentes em
ter filhos. A adoção sempre vai priorizar o melhor para a criança, sendo que
se os pretendentes adotam e são pais é uma consequência da garantia do
direito da criança. (E2, 2013).
O mais importante a ser falado é que a adoção deve se ater aos reais
interesses das crianças e adolescentes e não dos candidatos a pais. Então na
escolha do candidato para determinada criança, o mais importante não é a
ordem cronológica de habilitação, mas o melhor perfil do postulante à
adoção para aquela criança e adolescente. [...]. (E3, 2013).
De acordo com Leite, no geral, o interesse da criança é entendido como:
[...] a melhoria de suas condições de vida em relação à sua situação anterior,
à sua segurança, à sua proteção, aos seus cuidados, educação, afeição,
integração em família com a qual a criança adotada desenvolva laços
afetivos, o respeito de sua origem étnica, religiosa, cultural, enfim, todas as
condições de desenvolvimento de sua personalidade, as vantagens de ordem
moral sendo unanimemente privilegiadas em relação às vantagens de ordem
econômica. (2005, p. 117).
Conforme as falas, entende-se que o direito de superior interesse da criança vem a
frente da ordem cronológica de habilitação dos postulantes, com a intenção de “dar” à criança
e/ou adolescente o casal ou pessoa com o melhor preparo para o seu perfil.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No desenvolvimento desta pesquisa entendeu-se que a partir da Constituição Federal e
do Estatuto da Criança e do Adolescente passou-se a construir uma consciência social de que
a adoção é a forma mais segura de colocação de crianças e adolescentes em família substituta,
entende-se também que ela só deve ser efetivada a partir dos melhores interesses da criança e
do adolescente.
Compreende-se então a importância do trabalho realizado pelo Grupo de Apoio à
Adoção de Toledo para a constituição de uma nova cultura de adoção, que trabalhe com a
mudança de mentalidade dos postulantes à adoção relativa ao perfil da criança e/ou
adolescente esperado. O GAAT constitui-se então como um momento de troca de
informações e experiências entre seus participantes, tanto postulantes, como equipe técnica. A
partir dos objetivos elencados nesta pesquisa, foi possível constatar nas entrevistas que o
GAAT é, para os postulantes, um momento de preparação e espera para a filiação adotiva.
Dessa forma, esta espera é um momento que demanda paciência e planejamento, aspectos que
os postulantes passam a entender através do GAAT.
No decorrer do grupo, os postulantes são orientados a como lidar com possíveis
dificuldades que podem ocorrer com a chegada do novo membro da família, dificuldades
estas que não são diferentes das que ocorrem na filiação biológica devido a faixa etária das
crianças e/ou adolescentes. Nesse sentido, entendeu-se a importância do GAAT para a
concretização da adoção, e para que a família aprenda a enfrentar os preconceitos ainda
existentes na sociedade em relação à adoção.
Outro ponto que se destacou, foi a importância da equipe técnica interprofissional
dentro do GAAT, no sentido de levar informações aos postulantes e esclarecer dúvidas em
relação ao processo de adoção. Dentre os membros da equipe técnica, destaca-se também a
importância do profissional de Serviço Social no processo de adoção, cuja intervenção centra-
se em torno da eliminação dos mitos que obstaculizam esse processo, e na realização do
estudo do caso das situações de violação de direitos para encaminhar ao juiz responsável pela
Vara da Infância e da Juventude. Cabe ressaltar que esse estudo é um dos principais subsídios
para respaldar a decisão do juiz, por isso, infere-se a importância do profissional sempre atuar
de acordo com o Código de Ética da profissão.
Assim, entende-se que o trabalho do GAAT é essencial, e vem contribuindo para a
construção de uma nova cultura de adoção no município de Toledo – PR, uma vez que as
discussões durante o grupo levam os postulantes a conhecer a realidade da adoção,
57
possibilitando assim a alteração do perfil inicialmente desejado para o perfil de crianças e/ou
adolescentes “reais”, ou seja, os que estão aptos para colocação em família substituta.
Por fim, através das informações coletadas, entende-se que o GAAT contribui de
forma expressiva para o processo de construção do direito de crianças e adolescentes à
convivência familiar e comunitária. Dessa forma, o grupo contribui tanto para os postulantes e
equipe técnica, quanto para crianças e adolescentes que através dele tiveram seu direito a ter
uma família, garantido.
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Curitiba: Juruá, 2011.
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APÊNDICES
APÊNDICE A – Formulário de entrevista com a equipe técnica
APÊNDICE B – Formulário de entrevista com os postulantes à adoção
APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido da equipe técnica
APÊNDICE D – Termo de consentimento livre e esclarecido dos postulantes à adoção