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I Simpósio Políticas Públicas e Vulnerabilidade Socioespacial
Reflexões Interdisciplinares dos Direitos da Juventude
Universidade Estadual de Londrina - I Simpósio Políticas Públicas e Vulnerabilidade Socioespacial
Londrina – Paraná – 2 a 3 de Julho 2018 – Edição1: 2018. p.214 - ISBN: 978-85-7846-503-2
anais
SUMÁRIO
EIXO 1 –Juventude, Territorialidade e Direito à Cidade ............................................. 1
PSICANÁLISE, ACESSIBILIDADE URBANA E POLÍTICAS PÚBLICAS – UMA POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO
Francis Willian Bueno Lourenço ..................................................................................................................................................................................... 2
CARACTERIZAÇÃO SOCIOGEOGRÁFICA DOS ADOLESCENTES AUTUADOS PELOS ART.157 E ART.33 NO MUNICÍPIO DE LONDRINA/PR EM 2013
Hugo Henrique Cristiano; Lucas da Silva Marques Luiz............................................................................................................................................ 7
O PAPEL DA BIBLIOTECA NO SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS
Tamires Cassia Rodrigues Okada. ...................................................................................................................................................................................... 23
EIXO 2 – Comunicação e Juventude .............................................................................. 30
REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE JUVENTUDES
Angélica Lyra de Araújo. .................................................................................................................................................................................................... 31
JUVENTUDE E A COMUNICAÇÃO COMO UM DIREITO HUMANO DE PARTICIPAÇÃO
Claudiana Tavares da Silva Sgorlon; Vanessa Rombola ....................................................................................................................................... 46
VISÃO DO ADOLESCENTE REPRESENTADO PELA MÍDIA BRASILEIRA COM UMA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA
MARIA CLARA SÁ RODRIGUES ALVES ZANOTTO ................................................................................................................................................................... 59
A ESTIGMATIZAÇÃO DA JUVENTUDE PERIFÉRICA: UM ENSAIO SOBRE DEMOCRACIA, DIREITO E MÍDIA
Matheus Henrique de Oliveira; Tales Leon Biazão Sanches; Vera Lucia Tieko Suguihiro .......................................................................... 65
EIXO 3 – Políticas Sociais Públicas para os Jovens ............................................ 81 LEI Nº 13.415/2017 E RETROCESSOS AOS DIREITOS EDUCACIONAIS DAS JUVENTUDES: REFLEXÕES INTERDISCIPLINARES Ângela Maria de Sousa Lima; Angélica Lyra de Araújo; Marina Sousa Lima; José Eduardo Rodrigues Antônio; Giovana do
Amaral Silva ........................................................................................................................................................................................................................... 82
O DIREITO DAS JUVENTUDES AO ENSINO SUPERIOR: ENEM E SISU COMO POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS INCLUSIVAS
Ângela Maria de Sousa Lima; Carolina Cunha Manhezzo ..................................................................................................................................... 98
A POLÍTICA PÚBLICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO NO BRASIL
Eliane Marcheski; Valéria Cristina da Costa ............................................................................................................................................................ 113
A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COMO PROCESSO DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL DA JUVENTUDE: UM OLHAR A PARTIR DA ASSOCIAÇÃO GUARDA MIRIM DE LONDRINA –PR
Jéssica Aiolfe da Silva ....................................................................................................................................................................................................... 129
POLÍTICAS PÚBLICAS, DIREITOS E DEVERES: reflexões a partir de um trabalho com crianças e adolescentes do SCFV
Leonardo Carvalho de Souza; Lucas Alves da Silva ............................................................................................................................................... 144
A CONDIOCIONALIDADE EM EDUCAÇÃO NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: SITUANDO O/A JOVEM BENEFICIÁRIO/A NO ENSINO MÉDIO EM LONDRINA-PR
Luís Gabriel Ramiro Costa.................................................................................................................................................................................................150
ESPAÇOS QUE (IM)POSSIBILITAM O ATENDIMENDO PSICOLÓGICO PARA JOVENS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Luísa Maiola de Araujo; Rafael Bianchi Silva .......................................................................................................................................................... 167
Delinquência juvenil: uma problematizarão em torno da aplicação de medidas socioeducativas e um estudo sobre as falhas no desenvolvimento humano
Raphael Augusto Nunes; Giovana Ellen Momente; Clodoaldo Porto Filho................................................................................................ 173
ENTRELINHAS: arte educação em direitos humanos
Sérgio Kazuyoshi Fuji; Juliana Camargo Matta; Everton Luís Bonfim; Gabrielle Fortunato; Juliana Rodrigues da Cruz ... 185
SEMEAR A AÇÃO INTERSETORIAL - Relato de experiência em Estágio Curricular Obrigatório - Psicologia na Assistência Social
Thiago Vitor de Oliveira; Valéria Mendonça Barreiros ...................................................................................................................................... 201
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Resumo Expandido
PSICANÁLISE, ACESSIBILIDADE URBANA E POLÍTICAS PÚBLICAS – UMA POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO.
*Francis Willian Bueno Lourenço – Psicólogo (NASF – Assaí - PR), Especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho (UEL) e aluno do curso de Especialização em Clínica Psicanalítica (UEL), Londrina - PR.
contato: [email protected]
Palavras-chave: Território. Acessibilidade. Políticas Públicas.
INTRODUÇÃO
O direito de ir e vir e a circulação pela cidade são elementos fundamentais da
experiência do sujeito contemporâneo, pois é também nos espaços públicos em que
ocorre o encontro concreto e simbólico do “Eu” com o “outro”. Poderíamos dizer que
nesse tipo de relação ou de encontro se articula a dinâmica de uma rede de trocas
afetivas, sejam essas relações alegres ou tristes. Para Spinoza (1677/2011), esses
encontros podem se estabelecer de modo favorável ou desfavorável para o sujeito,
porém, é importante lembrarmos que essa relação pode se dar através de seu contrário –
o desencontro –, ou seja, a impossibilidade de se estabelecer o encontro seja por
condições físicas, psíquicas, temporais ou espaciais. Considerando-se a influência que o
espaço físico pode ter sobre as relações interpessoais e a sua posição de palco para tais
encontros, propomos, neste trabalho, discutir as Políticas Públicas de acessibilidade para
Pessoas com Deficiência a partir de uma perspectiva psicanalítica.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Essa forma de Governo de Si e dos outros, como retrata Foucault (2010), passa a
ter uma ligação direta com a rua, pois a rua se transforma num espaço
institucionalizado, ou seja, um espaço governado na maioria das vezes pelo
Estado/Organização que é dotado com estratégias de biopoder, definindo quem pode ou
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não circular pelos espaços urbanos, ou, em qual espaço pode ou não o sujeito andar.
Essa sujeição ao domínio do outro, pode levar, em alguns casos o adoecimento psíquico
do sujeito, tendo em vista a condição de isolamento, exclusão social, confinamento e a
desumanização que pode ser propiciada pela configuração do espaço social.
Conforme podemos verificar no art. 4° do ECA (BRASIL, 1990) é
Dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária.
Desta forma, devemos tomar como responsabilidade social possibilitar meios
para viabilizar a inserção do cadeirante, seja através de iniciativas privadas ou de
políticas públicas que pensem especificamente no jovem. Conclui-se que a inserção do
mesmo em espaços públicos, de forma, que esta inclusão gere bem estar social,
emocional e psicológico. Pois, a convivência comunitária faz parte do desenvolvimento
psicossocial do sujeito. Quando esses instrumentos falham, o sujeito pode vir a adoecer,
fazendo-se necessário a intervenção especializada, como o serviço do psicólogo. É
justamente neste ponto, que passamos a pensar um modelo de intervenção, pois, a ida
até um profissional especializado pode se torna um impedimento.
Quando nenhum caminho leva ao consultório
Nesse sentido, não queremos discutir sobre a prática psicanalítica nem pensar
nas limitações desta, mas sim articular caminhos possíveis dentro de uma prática.
Pensamos aqui na possibilidade de erguer pontes que transpassem a barreira espacial.
Desse modo, a inserção do sujeito cadeirante no espaço público assume um caráter de
resistência, pois, conforme Sawaia (2011), resistir às artimanhas da exclusão é da ordem
da luta, da resistência e de possibilidades inventadas pelo próprio sujeito.
Para Gonçalves (2010), todavia, é necessário estabelecer algumas linhas de
reflexão crítica sobre o tema, já que a acessibilidade é um direito previsto em lei e
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fundamentado na Carta Magna (artigo 5°, XV) proporcionando a Garantia dos Direitos
da Pessoa com Deficiência.
Um caminho possível – o consultório de rua
Em um artigo de 1919, intitulado Caminhos da terapia psicanalítica - Freud
(2017, p. 202) diz que “resultará daí para nós, então, a tarefa de adequar a nossa técnica
às novas condições”. Aqui, temos uma clara evidência, de que, o fundador da
psicanálise coloca-se a questionar sobre o futuro da prática psicanalítica, antevendo que
a mesma obrigatoriamente deveria estar aberta a novas formas de se fazer a psicanálise,
ou seja, a sua própria técnica. É com base nesse discurso de permissividade que
passamos a atuar dentro de uma perspectiva do possível, no campo psicanalítico.
Sendo assim, devemos tratar a questão espacial juntamente com o fator tempo.
Para Kehl (2015) o que ocorre na atualidade das depressões, é um achatamento do
tempo e do espaço. Imaginar um contexto de inclusão e acessibilidade talvez nos faça
pensar no campo atuação de um psicólogo/psicanalista clínico e os limites de um
consultório e pensar que os componentes fundamentais para a dinâmica terapêutica
consistem no encontro dos sujeitos analista/paciente, da fala, do olhar e da escuta. E, de
modo geral, encontramos esses elementos na rua, pois, nela se vê, se ouve e falam os
corpos, assim como no consultório, o que talvez nos possibilite propor um consultório
de rua.
JUSTIFICATIVA
O não cumprimento de Políticas Públicas de acessibilidade remete o paciente
cadeirante, que busca atendimento psicoterapêutico, a questionar seu sofrimento como
sendo algo originado pelo social e a trazer para seu psicanalista os questionamentos
referentes à ineficácia das políticas de inclusão. Nesse caso, a atuação do psicólogo
clínico passa a ser, juntamente com o paciente, o de criticar a realidade e buscar
reivindicar uma transformação do seu cotidiano.
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OBJETIVOS
Este trabalho tem por objetivo discutir a prática clínica inclusiva com paciente
com diversidade funcional, levando-se em consideração a dimensão e o potencial
psíquico e político da psicanálise.
METODOLOGIA
Este trabalho foi desenvolvido a partir de um caso clínico com paciente do sexo
masculino tem 20 anos e é portador de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). O paciente
está em psicoterapia de base psicanalítica há quatro anos, com sessões semanais. O
encaminhamento para psicoterapia foi realizado após o diagnóstico de depressão feito
pela psiquiatria. A discussão apresentada neste trabalho refere-se a recortes do início do
tratamento e de episódios ao longo do tratamento nos quais o deslocamento não era
possível para o paciente. Diante desse cenário, os atendimentos ocorreram inicialmente
na residência do paciente e, em seguida, passaram a acontecer nos espaços públicos,
como: praças, lagos, centro de eventos públicos do município que reside.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora o paciente ainda continue sendo acompanhado, sua melhora se mostrou
indelevelmente positiva, não apenas no tocante a sua psicopatologia. Mas também sua
melhora se deu no âmbito social e político, pois ele passou a promover um debate
público sobre políticas de inclusão e acessibilidade através de uma rede social, assim
como, reivindicar de modo formal junto às autoridades governamentais competentes a
criação de estruturas e a manutenção nas vias públicas que contemplem as normas
técnicas de acessibilidade. Apesar de ainda haver muito a se fazer no âmbito social e
psicoterapêutico, a proposta de estabelecer esta relação fora do setting, se mostrou
positiva nesse caso. Porém, é necessário continuar pensando e discutindo diferentes
possibilidades da clínica psicológica, considerando-se a sua acessibilidade e seu papel
social e político, buscando adaptar seu espaço físico às possibilidades do sujeito que
vem ao seu encontro.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências.
COSTA, G. P. C. (cols.) A clínica das psicopatologias contemporâneas. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2015.
FOUCAULT, M. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_____________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 16. ed. Petrópolis: Vozes,
1997.
FREUD, S. Caminhos da terapia psicanalítica. In:___. Fundamentos da técnica
psicanalítica. Trad. Claudia Dornbusch. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1919/2017.
GONÇALVEZ, M. G. M. Psicologia, subjetividade e políticas públicas. São Paulo:
Cortez, 2010.
KEHL, M. R. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. 2. ed. São Paulo:
Boitempo, 2015.
SAWAIA, B. (org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da
desigualdade social. 11. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
SPINOZA, B. Ética. Trad. Tomaz Tadeu. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1677/2011.
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Trabalho completo
CARACTERIZAÇÃO SOCIOGEOGRÁFICA DOS ADOLESCENTES AUTUADOS PELOS ART.157 E ART.33 NO MUNICÍPIO DE LONDRINA/PR
EM 2013
Hugo Henrique Cristiano* (Graduando em Geografia bacharelado na Universidade Estadual de Londrina - PR); Lucas da Silva Marques Luiz* (Graduando em Geografia Licenciatura na Universidade Estadual de Londrina- PR).
contatos: [email protected] [email protected]
RESUMO A presente pesquisa busca traçar o perfil dos adolescentes em conflito com a lei autuados pelo art. 103 da Lei 8.069/90 (ato infracional) do Estatuto da Criança e do Adolescente relacionado com o art. 157 do Código Penal (roubo associado ao art. 14 tentativa) e o art.33 da Lei 11.343/06 (tráfico) intitulada Lei de Drogas. Para a delimitação e análise do perfil, consideramos os aspectos relativos à faixa etária; sexo; local de residência do adolescente e local onde foi praticado o ato infracional no ano de 2013. Nosso intuito é compreender qual a relação desses adolescentes e dos atos praticados com o espaço urbano do município de Londrina/PR, partimos do pressuposto que a violência praticada pelos adolescentes é consequência de um conjunto de fatores (e violências sofridas) que os levaram a cometer determinados atos. Acreditamos que nossa pesquisa pode contribuir para a compreensão da dinâmica sócio-espacial pelo prisma dos atos infracionais praticados pelos jovens no município de Londrina/Pr. Palavras-chave: Adolescente. Violência. Ato Infracional.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa busca traçar o perfil dos adolescentes em conflito com a
lei que praticaram atos infracionais associados aos art. 157 (roubo) do Código Penal e
art. 33 (tráfico) da Lei 11.343/06 Lei de Drogas, com o intuito de compreender qual a
relação desses adolescentes e dos atos praticados com o espaço urbano do município de
Londrina/PR, pois acredita-se que suas ações estão associadas ao próprio espaço que
esses indivíduos estão inseridos, traçando assim, um paralelo entre os índices de
apreensões com os bairros onde habitam os envolvidos com a prática infracional. Desse
modo, a violência se mostra como consequência derivada de um conjunto de violências
de outras espécies sofridas por esses jovens, sobretudo a chamada violência estrutural
que se define pela ineficiência e negligência por parte do Estado em não fornecer o
acesso aos equipamentos básicos para garantia dos direitos do adolescente. Para tal, a
pesquisa conta com as informações contidas nos Boletins de Ocorrência da Delegacia
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do Adolescente do município de Londrina/PR do ano de 2013, tabulados organizados
pelo Projeto "Juventude e Violência: da violação à garantia de direitos" do
Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina.
Com base nas referências sócio-espaciais e no perfil dos adolescentes em
conflito com a lei espera-se a falta de compromisso dos órgãos públicos associada ao
contexto territorial influencia a atividade infracional presente, favorecendo as
contradições que podem tencionar as relações à ponto de servir como agravante da
violência.
A POLISSÊMIA DO CONCEITO DE VIOLÊNCIA: UM ESFORÇO DE
COMPREENSÃO
A violência se apresenta como um conceito de difícil definição e que merece
atenção por se tratar de um fenômeno complexo e considerado polissêmico, que
permeia o campo das relações sociais desde os primórdios. A grande dificuldade em
conceituar violência se encontra na delimitação do objeto de pesquisa em questão, pois
ela [a violência] possui um caráter multiforme podendo envolver vários fatores como a
força física, o abuso de poder nas relações entre grupos sociais, as opressões, a
negligência, o abandono de segmentos da população tanto por parte do Estado quanto
pela sociedade, dentre outras (PRIOTTI; SILVA, 2016; MINAYO, 1994).
Sua compreensão também parte da noção de ser um fenômeno
multideterminado, onde devemos considerar os diversos aspectos do universo social e
cognitivo dos seres humanos como determinante nas ações e interações entre
indivíduos, manifestando-se por meio dos aspectos históricos, econômicos, sociais,
culturais, psicossociais, religiosos, demográficos etc. (MALVASI; TRASSI, 2010).
Johan Galtung (1969) acredita que é possível distinguir a violência entre duas
variáveis, visíveis e invisíveis, que podem se manifestar de três formas: violência direta,
violência cultural e violência estrutural. Entende-se por violência estrutural toda forma
de negligência das estruturas políticas, econômicas e sociais, normalmente por parte do
Estado que institui situações de opressão, de exploração ou de alienação (como a falta
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de serviços básicos como linha de ônibus, escolas, unidades básica de saúde, creches,
redes de esgoto, sinalização de trânsito, etc.), principalmente da população pobre e
periférica presente nas aglomerações urbanas.
A violência estrutural (ou institucional) pode estar associada ao
desencadeamento de outros tipos de violências, provocando um efeito bola de neve, de
maneira crescente, alimentando-a conforme seu movimento. Deste modo, podemos
entender que a violência não é um fenômeno isolado, a violência é fruto de uma rede
multicausal, permeando sobretudo, o espaço urbano (PEDRAZZINI, 2006).
A CIDADE HOSTIL: O URBANO COMO CENÁRIO E O ADOLESCENTE
COMO SUJEITO VIOLENTO
A exemplo de Londrina-PR, tomando o território urbano como ambiente de
disputa de classes por acesso à direitos, fica evidente que as cidades (em especial no
caso latino-americano), de modo geral, não tenham conseguido superar as rivalidades
que se multiplicam em seus distintos territórios. Pelo contrário, seja por meio da
violência ou pelo controle ideológico tais disputas, que se manifestam diretamente pelos
índices de violência, parecem ter se acirrado com o passar do tempo. Para Lefebvre
(2001), tal circunstância se deve ao fato de ter se estabelecido certa divisão territorial do
trabalho, orientada principalmente por suas características técnicas, sociais e políticas
que, por sua vez, se consolidou com a articulação de redes, que possibilitaram a
interligação dessas cidades (e seus territórios) através de estradas, vias marítimas ou
fluviais, bem como por meio de relações comerciais e bancarias. Com isso, o poder
centraliza-se a administração estatal. O tecido urbano passa então, a exprimir um
interesse que não se limita à sua morfologia, uma vez que ele é o “suporte de um ‘modo
de viver’ mais ou menos intenso ou degradado: a sociedade urbana” (LEFEBVRE,
2001 p.11).
Nesse cenário, o planejamento urbano vem sendo relegado majoritariamente à
Geografia, Arquitetura e Urbanismo. Para Marcelo Lopes de Souza (2006), a
Arquitetura estaria associada mais intensamente ao domínio de saberes e técnicas que
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abarca a organização funcional e criatividade estética das cidades, enquanto a
Geografia, mesmo que tardiamente, se enquadra como ciência social. Essa tendência,
geralmente pautada no tecnicismo metodológico limita o necessário debate intrínseco
aos comumente chamados "especialistas" da área, exclusividade contribuiu
negativamente para o surgimento de uma “teoria do planejamento urbano”. Essa
exclusividade, de acordo com o autor, contribui negativamente para o surgimento de
uma "teoria do planejamento urbano" que atenda as necessidades dos diferentes grupos
sociais, pois trata-se (na maioria das vezes) de discursos com ênfase na mudança física e
espacial dos elementos urbanísticos que não passam de visões normativas, definidas por
urbanistas que não geram relevância teórica sobre as mudanças sócio-espaciais1
(SOUZA, 2002).
Nessa perspectiva, no anseio de superar os desafios que se manifestam no tecido
urbano, intensificam-se as formas de totalitarismos e o uso da violência passa a ser
banalizado de modo que, influenciados por "Estados débeis e altas concentrações de
pobres urbanos, os mecanismos biopolíticos se configuram como parte do processo de
militarização da sociedade" (ZIBECHI, 2015 p. 21).
Como consequência, surgem associações tendenciosas e preconceituosas que
mascaram as diversas violências existentes, como a criminalização da pobreza e dos
adolescentes que residem nos bairros periféricos, categorizando-os como sujeitos
violentos (MALVASI; TRASSI, 2010).
Carmona (2014) atribui à mídia um papel fundamental para reforçar estes
estereótipos, pois utiliza a violência e a criminalidade como matéria-prima para
disseminar rótulos sociais e espaciais com o intuito de aumentar a audiência, noticiando
incansavelmente o cotidiano violento dos centros urbanos, proporcionando uma
1 “Sócio-espacial”, sem hífen, se refere somente ao espaço social (por exemplo, tomando-o do
ponto de vista do resultado de sua produção em determinado momento histórico, real ou potencial, como em um plano de remodelação urbanística); de sua parte, “sócio-espacial”, com hífen, diz respeito às relações sociais e ao espaço, simultaneamente (abrangendo, diretamente, a dinâmica da produção do próprio espaço, no contexto da sociedade concreta como totalidade) (grifos do autor). (SOUZA, 2009 p.24-25)
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sensação de insegurança para a população. O autor ainda ressalta que o sensacionalismo
presente no jornalismo brasileiro naturalizou a violência nas cidades, reforçando a
imagem do adolescente como o sujeito que pratica a violência.
Vicente Del Rio (1990) sugere que o ambiente espacial tem influência no
comportamento dos sujeitos, bem como Hermes Ferraz (1996, p.116) infere que "[...]o
ser vivo sente e reage ao meio no qual esta inserido". Sendo assim, a "natureza" hostil
de um ambiente produzido pela sociedade e as relações conflituosas misturadas à um
elevado índice de desigualdade econômica, social, espacial e cultural, desencadeia uma
reação agressiva e múltipla que gera vítimas através de outros sujeitos ou mesmo
objetos dotados de valor simbólico. Cria-se, portanto, uma sensação de medo e
insegurança na cidade. Deste modo, concebemos que na escala do espaço intra-urbano a
violência estrutural se configura num contexto de segregação sócio-espacial da
população residente nas periferias pobres, podendo ser um dos agravantes para a
reprodução de outros tipos de violência.
METODOLOGIA
Esta pesquisa possui uma abordagem qualitativa-quantitativa, que tem como
base teórica o levantamento bibliográfico entre diversas áreas do conhecimento sobre o
tema em questão e como base empírica o levantamento do perfil dos adolescentes
autuados pelo art. 103 da Lei 8.069/90 (ato infracional) do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Tais atos estão relacionados a autuação pela prática dos art. 157 do Código
Penal (roubo associado ao art. 14 tentativa) e ao art.33 da Lei 11.343/06 (tráfico)
intitulada Lei de Drogas.
Para a análise do perfil, consideramos os aspectos relativos à faixa etária; sexo;
local de residência do adolescente e local onde foi praticado o ato infracional no ano de
20132. Os dados foram coletados por meio do acesso aos Boletins de Ocorrência (BOC)
da Delegacia do Adolescente de Londrina/PR, sendo autorizado pelo Delegado em
2 Por conta de um déficit de informações na elaboração dos Boletins de Ocorrência que corresponde à
mais de 40% em ambas as categorias de ato infracional, a escolaridade dos jovens envolvidos não será
considerada na formulação dos perfis.
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exercício de sua função mediante solicitação via ofício. Posteriormente, os dados foram
sistematizados por meio de uma Planilha do Microsoft Excel, uma vez que, não existe
um sistema de informações organizado dos dados constantes nos Boletins de Ocorrência
(B.O.), registrados na Delegacia do Adolescente de Londrina/PR.
Para a confecção dos mapas utilizamos o software ArcGis 10.3, a base
cartográfica dos bairros da área urbana de Londrina foi adquirida pelo Sistema de
Informações Geográficas da Prefeitura de Londrina (SIGLON). Posteriormente
cruzamos os dados dos B.O. da Delegacia do Adolescente do ano de 2013 com a base
cartográfica possibilitando entender a espacialização dos atos infracionais que foram
praticados com maior intensidade (art.157 e art.33) dentre os adolescentes de Londrina
no ano de 2013. A partir da tabulação e espacialização dos dados foi possível traçar o
perfil dos adolescentes de acordo com cada ato infracional.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No levantamento realizado sobre as apreensões dos adolescentes que praticaram
atos infracionais no ano de 2013, houveram 1.045 Boletins de Ocorrência registrados
envolvendo um total de 1.307 adolescentes. Dentre os atos mais decorrentes encontram-
se os relacionados ao art. 33 (tráfico de drogas) da Lei 11.343/06 envolvendo 400
adolescentes e os atos relacionados ao art. 157 (roubo, também associado ao art. 14
tentativa) do Código Penal envolvendo 192 adolescentes, vale ressaltar que não levamos
em consideração a reincidência dos adolescentes apreendidos. Para melhor compreensão
da proposta, a discussão dos resultados será dividida em duas etapas, caracterizada pela
natureza do Ato Infracional.
Do total dos atos infracionais registrados como tráfico de drogas no ano de
2013 em Londrina (400) correspondentes ao bairro onde moram os adolescentes, 7%
(28) deles não estão representados no mapa por se tratarem de adolescentes que moram
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em outras cidades, fora do território urbano ou por faltarem informações3. Enquanto nos
indicadores do bairro onde ocorreram os atos infracionais, pelas mesmas razões, 3%
(12) do total não foram considerados no mapeamento4.
Gráfico 1
Fonte - Projeto Juventude e Violência 2015.
Pelo perfil levantado, constata-se que, dentre os atos infracionais qualificados
no artigo 33, a predominância está entre os adolescentes que já tinham entre 16 e 17
anos completos, representando essa faixa etária 59% (234 autuações), enquanto 14%
(57 autuações) entre os que tinham 14 anos completos e 7% (30 autuações) dos que
tinham entre 12 e 13 anos completos.
3 Dentre os dados que não foram considerados nos mapas estão: Cambé-PR (8); Tamarana-PR (6);
Ibiporã-PR (3); Cachoeirinha-SP (1); Cornélio Procópio-PR (1); Guaravera-PR (1); Irerê-PR (1); Santa
Terezinha do Itaipú-PR (1); Uraí-PR (1); Não Consta (5). 4 Tamarana-PR (5); Cambé-PR; (1); Guaravera-PR (1); Irere-PR (1); Não consta (4).
6
1% 24
6%
57
14%
79
20% 120
30%
114
29%
IDADE DOS ADOLESCENTES AUTUADOS PELO
ART. 33
12
13
14
15
16
17
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Gráfico 2
Fonte - Projeto Juventude e Violência 2015.
A respeito do sexo, nota-se um grande contraste, evidenciando que maioria dos
atos infracionais foram cometidos pelos adolescentes do sexo masculino, representando
89% (358 autuações) do total reforçando o que observa-se entre os adolescentes
apreendidos pelo artigo 157. No entanto, um aumento considerável entre jovens do sexo
feminino enquadradas por tráfico é percebido, totalizando uma diferença de 38
apreensões em comparação com o que foi registrado na categoria de roubo.
Dentre os adolescentes que residiam em Londrina no período em questão, é
possível perceber uma discrepância dos jovens que foram autuados por tráfico, se
comparado com os casos de roubo, por ser uma prática que se ramifica abrangendo o
território de modo que todas as regiões sejam afetadas de maneira mais homogênea.
Ressalta-se também que, apesar de algumas exceções (a exemplo do que ocorre no
Centro Histórico e no Jardim Leonor), geralmente a prática do ato ocorre no próprio
bairro em que o jovem reside. Dentre os bairros que se destacam pela proporção das
ocorrências estão: Cinco Conjuntos com 10% (40) do total; Jardim Olímpico com
8,25% (33) e; Fraternidade com 7,5% (30).
358
89%
42
11%
SEXO DOS ADOLESCENTES AUTUADOS PELO
ART. 33
MASCULINO
FEMININO
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Mapa 1
Fonte: Projeto Juventude e Violência, organizado pelos autores.
No caso do art. 33, cabe salientar a exceção diagnosticada pelo exemplo do
bairro Centro Histórico. O referido bairro situa-se na quarta posição dos bairros com
grande incidência de tráfico apresentando 7% (28) do total de casos analisados. No
entanto, se destaca pela característica de ter elevado número de autuações em contraste
com a baixa concentração de jovens que ali residem e foram apreendidos. Tal fator se
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explica pela alta concentração de edificações que compõe a malha urbana do ponto de
vista político-administrativo, cultural e econômico (como bancos, shoppings, bares e
restaurantes), que se reflete no intenso fluxo de bens e pessoas e induz os adolescentes a
se deslocarem dos bairros onde estão suas moradias para se inserirem nessa dinâmica
que se estrutura. Atrelado à isso, surge como “solução” o truculento aparato de controle
do Estado, que se manifesta na forma de um intenso policiamento que visa combater
essa atividade ilícita.
Em relação aos atos associados ao art. 157 (roubo) tivemos 192 adolescentes
envolvidos, sendo 166 indivíduos autuados como roubo consumado e 26 adolescentes
autuados como roubo tentado (art. 157 associado com art. 14). No gráfico abaixo é
possível identificar que a maioria dos adolescentes apreendidos possuem 17 anos,
correspondendo 71 indivíduos que equivale a 31% do total. Na sequência temos 49
adolescentes com 16 anos correspondendo a 25% do total e 46 adolescentes com 15
anos, sendo 24% do total.
Gráfico 3
Fonte - Projeto Juventude e Violência 2015.
Outro dado que consideramos nesta pesquisa é o sexo, dentre os adolescentes
que praticaram roubo no ano de 2013, 187 são do sexo masculino (correspondendo 97%
do total) e 5 são do sexo feminino (correspondendo apenas 3% do total). Cabe aqui
ressaltar que esta discrepância entre os sexos parte de uma construção sociocultural
4
2% 3
2% 19
10%
46
24%
49
25%
71
37%
IDADE DOS ADOLESCENTES AUTUADOS PELO ART.
157
12
13
14
15
16
17
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imposta por um modelo político, social e jurídico vigente no Brasil, que possui seus
alicerces fundamentados por uma racionalidade capitalista, patriarcal e neoliberal
(PRIOTTO; SILVA, 2016). Sendo assim, os adolescentes são condicionados a atribuir
valores socioculturais simbólicos, onde o ser masculino é representado pela figura do
poder, como o detentor da força, o que comanda agressivamente, quem possui
iniciativa, em contraposição do ser feminino como passiva, submissa e frágil
(SAFFIOTI, 1987; INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2004).
Gráfico 4
Fonte - Projeto Juventude e Violência 2015.
Para a espacialização dos dados utilizamos dois critérios, os bairros onde os
adolescentes foram autuados pelo art. 157 roubo (associado também ao art. 14 tentativa)
e os bairros onde os adolescentes residem. No total foram autuados 192 adolescentes
que praticaram o roubo ou tentaram roubar.
Iniciamos a análise pelos dados referentes aos bairros onde os adolescentes
residem, pelo mapa abaixo notamos que a grande maioria dos adolescentes residem nos
bairros periféricos de Londrina, principalmente os que fazem parte dos limites da malha
urbana da cidade. Temos como destaques a zona norte da cidade, representada pelos
bairros Parigot de Souza, correspondendo a 12,5% do total (24 indivíduos), o Cinco
Conjuntos, correspondendo a 10,4% do total (20 indivíduos) e o bairro Vivi Xavier,
correspondendo a 6,2% do total (12 indivíduos); dois bairros da zona sul, representados
pelo União da Vitória e o Parque das Indústrias, ambos representando 5,7% do total (11
187
97%
5
3%
SEXO DOS ADOLESCENTES
AUTUADOS PELO ART. 157
MASCULINO
FEMININO
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indivíduos cada bairro); e por fim, um bairro da zona oeste, o Leonor corresponde a
5,7% do total (11 indivíduos).
Mapa 2
Fonte: Projeto Juventude e Violência, organizado pelos autores.
Também espacializamos o ato infracional (art. 157 e 14) de acordo com os
bairros onde foram praticados, como exposto no mapa acima os bairros onde mais
ocorreram roubo (ou tentativa de roubo) são aqueles localizados em áreas que
concentram a maior parte dos comércios e serviços da cidade, englobando um alto fluxo
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de pessoas, capital e mercadorias. Podemos notar no mapa acima que os bairros onde
mais apresentaram registros de roubos (e tentativas de roubos) foram o Centro
Histórico, representando 28,1% do total (54 indivíduos); o Vivi Xavier, representando
7,8% (15 indivíduos) e o Parigot de Souza, representando 6,7% (13 indivíduos).
Mesmo Londrina sofrendo um processo de descentralização ao longo do tempo,
o Centro Histórico ainda é o principal centro econômico da cidade, movimentando
grande parte da economia local e regional. Já Avenida Saul Elkind é considerada um
centro econômico importante para Londrina, um subcentro que poupa a população da
Zona Norte de ter que se locomover até o Centro Histórico da cidade. Por se tratar de
um avenida extensa que corta a região Norte de Leste a Oeste, ela passa por alguns
bairros, dentre eles o Vivi Xavier e Parigot de Souza, onde se concentra a maior parte
das atividades econômicas da região Norte da cidade. Deste modo, podemos associar
que a maioria dos atos infracionais associados ao roubos praticados em 2013 pelos
adolescentes ocorrem nas áreas de maior concentração econômica, que
consequentemente envolvem aglomerações e fluxos, tanto de pessoas, como de
mercadorias.
Outra relação importante exportada do mapa é o deslocamento praticado
pelos adolescentes envolvidos com a prática infracional. É possível notar que no Centro
Histórico ocorreu maior incidência de atos (54), índice importante se comparado com o
número de adolescentes que foram autuados praticando atos infracionais e que lá
residem (2). Podemos associar outros bairros com essa relação como os bairros
pericentrais como o Quebec (7 atos) e a Vila Brasil (4 atos) que ocorreram apenas os
registros do ato e nenhum autuado residente no bairro. Já na Vila Nova (6 atos e 2
autuados) e no Ideal (8 atos e 2 autuados), os adolescentes residentes foram pegos
praticando roubo em outros bairros, ou seja, se deslocaram para praticar o ato.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Após a realização da pesquisa identificamos dois perfis para os adolescentes que
praticaram atos relacionados ao art. 33 da Lei 11.343/06 e para os adolescentes que
praticaram atos relacionados ao art. 157 (roubo e associados ao art.14 tentativa).
Referente aos dois perfis identificados, tanto o dos adolescentes que foram
autuados praticando tráfico, quanto os adolescentes que foram detidos por roubo,
possuem três fatores em comum, possuem idade entre 15 e 17 anos, são
predominantemente adolescentes do sexo masculino e residentes de bairros periféricos.
Em relação aos bairros onde ocorreram os atos, identificamos que existe
distinção entre a dinâmica espacial relacionada aos bairros onde os adolescentes foram
autuados de acordo com o tipo de ato realizado, por exemplo, dentre os adolescentes
que praticaram roubo, a grande maioria se desloca para outros bairros para praticar o
delito, preferencialmente são os bairros onde se concentram as áreas de comércios, bens
e serviços, bem como o maior fluxo de pessoas, capitais e mercadorias. Basicamente os
adolescentes preferem o Centro Histórico, alguns bairros pericentrais como a Vila Nova
e o Quebec e ao longo da Avenida Saul Elkind, considerado um subcentro importante
para a Zona Norte da cidade.
Já os bairros onde os adolescentes foram pegos traficado notamos que existe
dois movimentos distintos por parte dos jovens, temos os adolescentes que praticam o
tráfico no próprio bairro que reside, onde o usuário precisa se deslocar até a biqueira
(boca de fumo), é possível relacionar essa dinâmica com à construção de
territorialidades por parte do indivíduo que comete o ato já que ele se apropria do
espaço em que ele esta inserido, exercendo seu poder sobre ele. Vale ressaltar que esse
tipo foi o mais recorrente em Londrina.
O outro movimento relacionado aos adolescentes que foram pegos traficando na
cidade é o deslocamento dos indivíduos à outros bairros, buscando lugares onde se
concentram usuários. Dentre os bairros onde mais ocorreram esse tipo de tráfico se
destacam as regiões centrais como o Centro Histórico, o Fraternidade e a Vila Casoni.
Vale ressaltar, que estes bairros, por se localizarem na região central do município de
Londrina, atraem muitos usuários de crack e pessoas em condição de rua (como é o caso
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dos arredores da avenida Leste-Oeste, área que se localiza entre os três bairros citados,
conhecida como cracolândia de Londrina), além de algumas áreas que ocorrem eventos
culturais e aglomerações de adolescentes como o Zerão (área de lazer onde ocorre
batalha de rima nas sextas-feiras), a concha acústica (anfiteatro na região central que
ocorre vários eventos culturais) e aos arredores do Posto do Kutuvelo´s no bairro
Higienópolis (conhecido por reunir todo tipo de tribo urbana, onde é possível se
relacionar com diversas pessoas pagando barato em bebidas alcoólicas sentado na
sarjeta, conhecido ponto da noite londrinense).
Acreditamos que o espaço pode nos revelar muito sobre a ação dos adolescentes
que praticam atos infracionais, por isso pretendemos dar prosseguimento neste pesquisa
com o intuito de entender o papel do poder público mediante estas situações, buscar as
políticas públicas destinadas aos adolescentes, pois entendemos que uma pesquisa desse
porte deve auxiliar a formulação de políticas efetivas que se utilize medidas que
contemple a prevenção desses atos e não servir como suporte para a segurança pública,
que segue a lógica da repressão por meio da ampliação do aparato policial em
determinados bairros.
Entendemos que não se combate violência com mais violência, parafraseando a
banda Mato Seco em um trecho da música "Guerra, a marcha para o povo" que diz que
"não se busca a paz com guerra, não se chega a luz pela escuridão", devemos nos
esforçar para compreender toda a complexidade que motiva a prática infracional por
parte dos adolescentes e só vamos conseguir contornar esta situação pensando em
medidas preventivas e não punitivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Violência x cidade: o papel do direito urbanístico na violência urbana. Brasília, DF: Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, 2014.
COSTA, Rogério Haesbaert da. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
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GALTUNG, Johan. Violence, peace and peace research. Journal of PeaceResearch. Oslo, v.6, n.3, p.167-191, set. 1969.
INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO. Campanha: onde tem violência, todo mundo perde. São Paulo, 2004.
LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade; tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.
MINAYO, Maria C. S. A violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 10, supl. 1, p. 07-18, 1994.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e história no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2002.
PEDRAZZINI, Yves. A violência das cidades. Petrópolis: Vozes, 2006.
PRIOTTO, Elis P.; SILVA, Marta A. I. Violências envolvendo adolescentes na tríplice fronteira: Brasil, Argentina e Paraguai. Curitiba: CRV, 2016.
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SAFFIOTI, Heleieth. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade. Uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
_______ A prisão e a ágora: reflexões em torno da democratização do planejamento e da gestão das cidades. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
_______ Introdução: a “nova geração” de movimentos sociais urbanos − e a nova onda de interesse acadêmico pelo assunto. Cidades, Presidente Prudente, v. 6, n. 9, p. 9-26, jan./jun., 2009.
TRASSI, Maria de Lourdes; MALVASI, Paulo Artur. Violentamente pacíficos: desconstruindo a associação juventude e violência. São Paulo: Cortez, 2010.
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Resumo Expandido
O PAPEL DA BIBLIOTECA NO SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS
Tamires Cassia Rodrigues Okada* (Discente de graduação em Biblioteconomia da Universidade Estadual de Londrina-PR).
contato: [email protected]
INTRODUÇÃO
Toda criança e adolescente tem direito à informação e cultura, segundo o Estatuto
da criança e do adolescente (2012) Art. 58. “ no processo educacional respeitar-se-ão os
valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do
adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de
cultura.”
Dentro deste contexto, a biblioteca possui papel fundamental no que diz respeito
ao incentivo e desenvolvimento das capacidades intelectuais, colaborando de forma
significativa na vida de crianças e adolescentes, promovendo o acesso à informação,
cultura e literatura.
Deste modo, o presente estudo visa elucidar o papel exercido pela biblioteca em
espaços que oferecem o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, e que
ainda é pouco conhecido e discutido na sociedade. Necessitando assim de estudos
fomentadores de reflexões que visam contribuir para o desenvolvimento deste serviço.
O local a ser discutido, se trata da Biblioteca Interativa, que é parte do Centro
Educacional Marista Irmão Acácio em Londrina, unidade que pertence à Rede de
Solidariedade do Grupo Marista, e oferta o serviço de convivência e fortalecimento de
vínculos, além de cursos técnicos concomitantes ao ensino médio.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Biblioteca em que foi realizado o presente estudo, está situada no Centro
Educacional Marista Irmão Acácio, que fica localizado na região norte de Londrina. A
Biblioteca Interativa, tem como objetivo “[...] contribuir na formação de leitores
autônomos, críticos e reflexivos, ampliando a visão de mundo e o repertório de ideias
que auxiliem na capacidade de expressão verbal e escrita dessas pessoas”
(BIBLIOTECA INTERATIVA, 2014). De modo que através de ações interdisciplinares
entre a equipe, desenvolve projetos, e atividades que envolvem os educandos.
Possibilitando assim, práticas que estão relacionadas ao cotidiano das interações sociais
e aos processos de formação de grupos e identidades (CASTRO; AQUINO;
ANDRADE, 2009, p. 224).
Além das atividades cotidianas à biblioteca como, empréstimos de livros e
orientações, a Biblioteca Interativa coordena um projeto de contação de histórias, de um
grupo formado somente por educandas voluntárias do curso técnico de teatro. Participa
ainda de todas as atividades propostas em parceria com outros educadores, como jogos
de Role-playing game (RPG), fóruns, rodas de conversa sobre temática variada,
interação com materiais em diferentes linguagens (teatro, artes visuais, música, cinema),
mesa temática, atividades lúdicas e de entretenimento, entre outras ações.
A Biblioteca Interativa visa a garantia de direitos e acesso público a toda
comunidade, para isso, “[...] da significado à informação oferecida por meio de ações
que propiciam a reflexão e a criação de novas informações e conhecimentos. Deixando
de ser um espaço apenas de recebimento de leitores e se tornando um espaço ativo de
partilha e de ação cultural” (BIBLIOTECA INTERATIVA, 2014, p.10). Geralmente a
biblioteca é vista como local silencioso, de guarda-livros, metódico, com profissionais
mau-humorados e que poucos foram estimulados a frequentar, havendo assim uma
segregação de público e aversão ao espaço. O que difere a Biblioteca Interativa das
demais bibliotecas, são as ações realizadas e a aproximação que se tem com os
educadores e educandos. Por meio da interdisciplinaridade, um bom relacionamento é
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construído com os educadores, estabelecendo parcerias que alcançam uma proximidade
efetiva com os educandos. Proporcionando um sentimento de pertencimento, ao qual
eles se reconhecem no espaço e desejam retornar.
O Centro Educacional, oferece o serviço de convivência e fortalecimento de
vínculos (SCFV), para jovens e crianças em situação de vulnerabilidade social, além de
ofertar cursos técnicos nas áreas de tecnologia, teatro e artes circenses.
De acordo com a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), (2017, p. 8) o
SCFV é um serviço ofertado de forma complementar ao trabalho social com famílias,
que tem a função de garantir as seguranças de acolhida e de convívio familiar e
comunitário, além de estimular o desenvolvimento da autonomia dos usuários. “ [...]
possui um caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e afirmação de direitos e no
desenvolvimento de capacidades e potencialidades dos usuários, com vistas ao alcance
de alternativas emancipatórias para o enfrentamento das vulnerabilidades sociais”
(SNAS, 2017).
A vulnerabilidade social pode ser atribuída a fatores como, conflitos familiares
nos quais estão inclusos: abuso e vícios; deficiências; lugar de moradia, contato com a
criminalidade; exploração sexual e até mesmo um comportamento pessoal que é
influenciado pelas experiências cotidianas (SIERRA; MESQUITA, 2006).
A partir desta demanda, se faz necessário um olhar diferenciado do bibliotecário e
sua equipe, que além de mediador da informação se torna um transformador social
(CUNHA, 2002). O compromisso social da biblioteca neste sentido atua como apoio a
esses indivíduos, através da construção da cidadania que visa priorizar o direito à
informação, se tratando de uma condição essencial na formação do cidadão
(FRANCISCO, 2007). De acordo com Campello (2006, p. 4) “As pessoas querem ter
acesso à informação por vários motivos e a função do bibliotecário é possibilitar esse
acesso”.
Estar sensível às necessidades desses sujeitos, objetivando a inclusão, ao oferecer
serviços que os orientem a buscar seus direitos, a solucionar lacunas informacionais
para além da cultura e literatura, também é parte do papel do bibliotecário. Profissional
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este que deve se pautar em políticas que promovam a conquista territorial, e sua
ressignificação. Segundo Castro; Aquino e Andrade (2009, p. 224), para além do acesso
à cultura, o reconhecimento da pluralidade cultural bem como a proteção e promoção de
sua diversidade devem ser reconhecidas.
JUSTIFICATIVA
Entende-se que se faz necessário abordar questões que venham elucidar às
atribuições exercidas acerca de uma biblioteca interativa e interdisciplinar em um
ambiente de serviço social. Explanar seus conceitos e deveres para além da mediação da
leitura, e refletir sobre o espaço da biblioteca como potencial agente influenciador na
formação dos sujeitos.
Quais os conceitos de uma biblioteca interativa que atua no SCFV, como se dá
suas relações para com os usuários e como ela se diferencia das demais bibliotecas.
OBJETIVOS
Possibilitar reflexões acerca do papel da biblioteca em um espaço pouco
conhecido, que torna o trabalho exercido pouco discutido dentro do serviço da
assistência social, da academia e principalmente da comunidade. Qual sua importância e
impactos na vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
METODOLOGIA
Acerca de uma pesquisa descritiva, qualitativa visando contribuir com relatos
através de experiências vivenciadas durante período de estágio curricular não
obrigatório, foi observada a biblioteca do Centro Educacional em questão. Ressaltando
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que, uma pesquisa descritiva “[...] têm como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de
relações entre as variáveis.” (GIL, 2002, p.42).
A análise realizada ocorreu entre o período de outubro de 2017 à maio de 2018,
teve como público alvo os educandos da unidade cuja faixa etária varia entre 13 à 17
anos, de todos os gêneros. Como método de pesquisa, a observação e levantamento
bibliográfico guiaram o estudo.
Foi analisado ainda, as ações culturais promovidas, práticas de leitura e letramento
realizadas, mediações de conflitos e disseminação da informação, em seus mais
variados suportes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O reconhecimento da biblioteca como espaço transformador social, especialmente
em comunidades carentes ainda se faz necessário. Estar inserida em um centro que
realiza atividades multidisciplinares, colabora para que a biblioteca seja de fato
interativa, participando de modo mais próximo da vida desses jovens. Possibilitando o
acompanhamento das necessidades desses usuários, e agindo de forma a propiciar a
criação de vínculos.
Uma vez familiarizados com o ambiente e estreitado os vínculos com os
profissionais atuantes na biblioteca, os educandos tendem a retornar, trazer relatos
cotidianos, compartilhar experiências e conflitos. A partir desse relacionamento que é
construído e muitas vezes demanda tempo, a contribuição da biblioteca na vida desses
indivíduos é positiva e se torna mais recorrente.
A boa comunicação entre a biblioteca e os outros equipamentos do serviço é
indispensável e torna o trabalho interdisciplinar de fato efetivo. Impactando nos hábitos
dos educandos, havendo transformações gradativas de postura, pensamento crítico e
comportamento desses jovens.
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As demandas ocorridas durante todo o atendimento ficam subjetivas aos
acontecimentos cotidianos, havendo uma flexibilidade maior na realização de todas as
atividades se comparado às bibliotecas públicas ou escolares. Ainda sob o olhar
interdisciplinar todos os serviços prestados em unidades como esta devem estar
engajados em uma mesma missão, para que assim haja um impacto significativo na vida
desses indivíduos, e os mesmos possam se sentir pertencentes em seu próprio território.
REFERÊNCIAS BIBLIOTECA INTERATIVA. Biblioteca Interativa como espaço cultural: sistematização das experiências de Londrina e Maringá / Rede Marista de Solidariedade. Curitiba: Champagnat, 2014. CAMPELLO, B. Introdução ao controle bibliográfico. 2.ed. Brasília: Briquet de Lemos, 2006. CANÇADO, T.C.L. et al. Trabalhando o conceito de vulnerabilidade social. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 19., 2014, São Pedro. Anais ... São Pedro ABEP, 2014. Disponível em: <http://www.abep.org.br/~abeporgb/abep.info/files/trabalhos/trabalho_completo/TC-10-45-49 9-410.pdf >. Acesso em: 10 jun. 2018. CASTRO, J. A. de.; AQUINO, L. M. C. de.; ANDRADE, C. C. de. Juventude e Políticas Sociais no Brasil. Brasília: Ipea, 2009. 303 p. CUNHA, M. F. V. da. O papel social do bibliotecário. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 8, n. 15, p. 41-46, jan. 2003. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/view/1518-2924.2003v8n15p41/5234>. Acesso em: 10 jun. 2018. FRANCISCO, A. R. O papel social do bibliotecário na construção da cidadania em comunidades carentes. 2007. 47 f. Trabalho de conclusão de graduação (Curso de biblioteconomia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/67780>. Acesso em: 10 jun. 2018. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas S/A, 2002.
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Trabalho completo
REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE JUVENTUDES
*Angélica Lyra de Araújo (Doutora em C. Sociais pela UNESP; Profª. Depart.C.Sociais/UEL; Colaboradora do Projeto de Pesquisa “Juventudes no Ensino Médio: Um Estudo Sociológico em Escolas Públicas da Região de Londrina”).
Contatos: [email protected]
RESUMO: A intenção deste estudo é apresentar uma reflexão sobre o conceito de juventudes. Observamos que não é fácil definir o que é ser jovem. Através de uma pesquisa bibliográfica, identificamos uma pluralidade de formas de abordagem do jovem, já que os jovens mesmos são diversos entre si, sobretudo em termos de comportamentos e visão de mundo. Assim, a juventude precisa ser compreendida como uma categoria social e histórica, inserida num contexto sócio-econômico-político, ou seja, cada período histórico tem suas particularidades, interferindo e produzindo uma diversidade de “realidades juvenis”. Palavras-chave: Juventudes. Categoria Social. Sociologia.
Ao fazermos uma retrospectiva histórica sobre juventude, percebemos que os
jovens tendem a se agrupar para partilhar expectativas, vivências e, conseqüentemente,
acabam organizando sua vida e moldando a sua identidade a partir de muitas
experiências vividas nos mais diversos grupos que participam.
Desde a antiguidade clássica e primórdios da civilização moderna há referências
sobre os jovens e suas particularidades, suas diferenças e conflitos com os adultos, seu
estilo próprio de vida. Na Filosofia, por exemplo, encontramos reflexões variadas a
respeito dos jovens, seja no campo moral como também no pedagógico5, por exemplo, a
existência de grupos juvenis pode ser encontrada desde a cultura greco-romana, com a
formação de associações juvenis. Na Grécia Antiga, as atividades se davam em torno da
5 No aspecto da moral e da educação, citamos a obra e Emilio, de Jean-Jacques Rousseau, século XVIII como
marco na teoria educacional moderna. Outro exemplo seria o teórico Johann Pestalozzi que, ao estudar os
problemas sociológicos do abandono e da criminalidade juvenil, propôs uma teoria da influência do meio
sobre os processos educacionais.
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pólis e da paidéia. Eram atividades sociais, culturais e desportivas, cujo objetivo era
estabelecer laços de solidariedade entre os jovens, preparando-os para a vida pública.
Em Roma, as associações juvenis foram estimuladas pelas autoridades políticas,
com finalidade exclusivamente militar. Por meio das organizações juvenis ocorria na
Itália o ‘espetáculo dos jovens’, pelo qual se demonstravam os vários tipos de
competências dos jovens. Era a partir dessas organizações que eles participavam
ativamente da política na sociedade romana.
Na obra História Social da Criança, Philippe Áries (1978) data a Europa a partir
do século XVIII como o marco da estruturação de um sistema escolar. Sua característica
foi à separação entre crianças e adultos, criando uma faixa etária intermediária, já que
até então, desde a Idade Média européia, não havia uma distinção entre essas três fases
da vida. Essa separação acabou por impulsionar a definição da juventude como um
grupo com características peculiares e próprias.
Em 1920, quando os jovens começam a se definir como um estrato social estável
e identificável, justamente pelas suas características diferenciadas dos adultos, ele passa
a ser objeto de investigação também no campo da Sociologia e da Psicologia Social.
A sociologia funcionalista norte-americana, mais especificamente com a Escola
de Chicago, em 1940, foi precursora na pesquisa empírica a respeito dos jovens. Os
dados apresentados enfatizavam e relacionavam os jovens com a marginalidade e a
delinqüência, sendo um fator de instabilidade social. Segundo Schmidt (2001), a partir
desses estudos, “a delinqüência juvenil foi entendida como um defeito no processo de
socialização, uma disfunção no sistema social, a ser corrigida por medidas
sóciopolíticas corretivas”. (2001, p.180) E, assim, as produções realizadas na sociologia
da juventude traziam a marca de uma “sociologia do desvio”, isto é, “jovem é aquele
que se integra mal, que resiste à ação socializadora, que se desvia do padrão”
(ABRAMO, 1997, p.05). Foi logo após a Segunda Guerra Mundial que as produções
sociológicas sobre juventude deixaram de ter conotações de delinqüência para serem,
então, de mudança social, com o ápice na década de 1960. Sabemos que esse período foi
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marcado por grandes mobilizações juvenis de protesto6. Assim, a Ciência Política,
através de estudos de cultura e de socialização política, começou a debruçar-se sobre
fenômeno da juventude.
De modo geral, segundo Schmidt (2001), pode-se constatar que as produções
teóricas apresentam características acerca dos jovens que, embora não possam valer do
mesmo modo para diferentes países e meios sociais, podem aparecer insistentemente em
diferentes espaços. Portanto, a juventude, para Schmidt, apresenta as seguintes
características:
· Transitoriedade: consiste no fato de que os jovens, por passar por
mudanças psico-físico-sociais, “encontram-se em estado de desequilíbrio interno e
externo, o que faz com que nada seja permanente em sua vida”. (2001, p. 187) Trata-se
de uma situação que certamente influencia o modo de ele perceber a realidade que o
cerca;
· Marginalidade: baseia-se na questão de que o jovem está ‘a margem’, ou
‘por fora’ das diversas dimensões da vida social, como “ao mundo do trabalho, ao
acesso ao consumo, à inserção nas instituições, ao aceso aos postos de decisão, dos
valores e hábitos sociais”. (2001, p.187) Isso oportuniza o descompromisso da
juventude com o sistema social e mesmo com a política convencional:
· Adaptabilidade: caracteriza-se no fato de que os jovens, assim como as
crianças quando colocadas em um novo meio social, são sempre abertos às suas
influências assimilando novos hábitos e atitudes inconscientes;
· Potencialidade de mudança: é marcada pelo fato de que os jovens não
são progressistas, nem conservadores por natureza. O jovem é, portanto, “uma
potencialidade pronta a solidarizar-se com movimentos sociais dinâmicos, que pode
6 Acerca das ações políticas juvenis nos anos 60, Zaneti diz que “um dos exemplos mais marcantes desse
fenômeno foram os acontecimentos de maio de 1968 na França, cujos efeitos têm servido como
inspiração dos jovens para muitas manifestações políticas em diferentes países do mundo”. (2001, p.
21). Tal movimento se expandiu por toda a Europa, assim, como nos Estados Unidos, Tchecoslováquia,
entre outros.
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levá-lo a apoiar desde movimentos totalitários ou conservadores até iniciativas
democráticas ou de transformação social” (2001, p.188);
· Reação contra o mundo adulto: caracteriza-se pela busca da
independência iniciada da adolescência e que prossegue na sua juventude. É “o que
impulsiona a questionar o conjunto da realidade social, identificada com os adultos”.
(2001, p.188) Trata-se de uma característica que indica que as mudanças não são apenas
em nível de personalidade, mas afeta a própria sociedade, que se renova no confronto
que a juventude tem com a tradição.
Todas essas características nos levam a compreender que a juventude é
condicionada por fatores estruturais e conjunturais, isto é, “a juventude não existe como
fenômeno universal supra-histórico. O que existe em cada período é um conjunto
multifacetado de jovens, condicionados e interagindo com o meio social em que vivem”
(SCHMIDT, 2001, p.188).
Com efeito, essa temática nos leva também a elaborar uma reflexão a partir do
que se entende por juventude. Embora não haja uma classificação rígida da categoria
juventude, podemos identificar três idéias básicas a respeito do que se entende por
juventude, a saber:
· A primeira diz respeito a uma fase de passagem no ciclo da vida, situada
entre o período de dependência, que caracterizaria a infância, e a
posterior autonomia adulta;
· A segunda é a que atribui aos jovens uma predisposição natural para a
rebeldia, como se fossem portadores de uma essência revolucionária;
· E a terceira é aquela que constitui um estilo próprio de existência e de
realização do destino pessoal (FORACCHI, 1972, p. 302-4).
Na primeira visão, referimo-nos à questão da juventude como um ciclo natural e
universal da vida. Identificamos em todas as sociedades de forma bem demarcadas as
etapas da vida: como infância, adolescência, juventude, maturidade. Entretanto,
sabemos que a idéia de etapas de vida é um processo histórico, ou seja, existem
diferenças entre os jovens que são contemporâneos e vivem em uma mesma sociedade.
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Segundo Maria Helena Oliva Augusto (2005), essa primeira concepção vê a
juventude como uma fase que traz em si marcas de uma “etapa que antecede a
maturidade, fase dramática da revelação do eu, essencial para a formação da pessoa, a
juventude corresponderia a um momento definitivo de descoberta da vida e da história”
(2005, p. 5).
De acordo com o sociólogo Gustavo Venturi (2000), quando consideramos a
juventude como passagem de uma das etapas da vida, partimos do pressuposto de que se
trata de “um período de transformações e, por isso, de buscas e definições de identidade,
de valores e idéias, de modos de se comportar e agir” (2000, p. 1).
Com efeito, a percepção da juventude passa por um momento de instabilidade,
ora intensa e arrojada, ora por turbulência e descaminhos. Para o mesmo sociólogo, a
resposta recomendável a essa percepção é a idéia de que tal momento de transição deve
ser centrado na preparação para a vida futura, principalmente através da “formação
escolar, de modo a garantir uma adequada inserção na vida social – sob rígido controle
dos adultos, é claro, para que as buscas e inquietações não levem a ‘desvios’ ”(2000, p.
1).
Nesse sentido, essa preparação para a vida futura supõe uma suspensão ou
retardamento da entrada em vários âmbitos e funções da vida social, como, por
exemplo, o trabalho, as obrigações e compromissos familiares, econômicos e civis. Por
isso, dentro dessa visão, durante muito tempo só foram considerados efetivamente
jovens, sob condição social, aqueles que podiam viver tal suspensão, proteção e
preparação. E não foi difícil, portanto, identificar tal conceito de juventude com os
jovens das classes médias e altas, caracterizados principalmente por sua condição de
estudante. Isso se explica na medida em que a figura juvenil era por excelência o
estudante7. Enquanto isso, os jovens das classes populares se caracterizam por terem de
trabalhar, interrompendo os estudos muito cedo, ou, muitas vezes, nem sequer ter
7 De acordo com a socióloga Helena Wendel Abramo, os estudantes foram figuras sempre muito visíveis
na história brasileira, isto é, “participaram de todos os principais momentos de transformações política,
cultural e moral, sempre num sentido de busca de democratização e modernização da sociedade”.
(2000, p. 16)
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acesso a eles. Essa parcela da juventude ficava excluída dessa construção, como se
vivessem à juventude em negativo, isto é, não fossem, de fato, jovens.
Há, portanto, diferenças muito importantes em conseqüência do pertencimento a
classes sociais distintas, das relações de gênero, de estilos de vida, de local em que se
habita, e outras diferenças tantas que nos levam a pensar até que a idéia de juventude,
nesse viés, corre o risco de se tornar um conceito vazio.
Lembremos também que as trajetórias possíveis para os jovens são estabelecidas
socialmente. “Cada sociedade constitui o jovem à sua imagem" (FORACCHI, 1965, p.
302), ou, utilizando outra formulação, impõe-lhe um modo de ser, que jamais poderia
surgir a partir dele próprio – cria-o (fabrica-o) como indivíduo social (CASTORIADIS,
1982, p. 343). Em outros termos, a mesma sociedade pode produzir tipos de jovens
bastante diversos, pois, originados de diferentes estratos sociais, inserindo-se em
posições distintas e apropriando-se de hábitos e valores específicos de acordo com essa
inserção, as "maneiras de ser" que lhes são impostas – ou que têm possibilidade de
constituir – não são as mesmas para todos. Na distribuição diferencial que forçosamente
ocorre, uns são mais privilegiados do que outros.
Desse modo, fica claro que a juventude não é una, e que a diferenciação social e
a diversidade econômica têm peso importante na configuração das distintas "maneiras
de ser" impostas aos jovens.
Na segunda concepção, isto é, que a juventude é rebelde e revolucionária,
compreendemos que o jovem é aquele que, cronologicamente, está mais longe da morte
e tem mais predisposição à vida, tem certo gosto pela aventura e maior curiosidade pelo
novo. Ora, se assim for, poderíamos dizer que existe um lado mais propenso ao
revolucionário. Também, se olharmos os aspectos históricos e temporais das sociedades,
perceberemos que existem várias juventudes que convivem num mesmo espaço e
tempo.
Por sua vez, no pensamento da esquerda, houve uma forte relação entre a
ausência de compromissos sociais já estabelecidos, que pode ser direcionada pela
suspensão temporária das funções e responsabilidades, com uma maior disponibilidade
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dos jovens às mudanças culturais e políticas. Assim, para Venturi (2000), “a juventude
passou a ser definida como sendo por essência ser rebelde, revolucionária, sempre
pronta a propor utopias transformadoras” (2000, p. 1).
A juventude, segundo Foracchi (1965), é também identificada como força
dinamizadora da vida social, atuante em sua transformação, para a qual se une a outras
forças operantes na sociedade. De um lado, sua busca por uma sociedade mais justa
leva-a a emergir como porta-voz dos desfavorecidos, revelando as formas de opressão
existentes; de outro, sua flexibilidade permite-lhe experimentar novas alternativas e se
adaptar com relativa facilidade a modos de conduta e padrões de vida anteriormente
desconhecidos. Entretanto, as mesmas características que fazem o jovem ser percebido
como forjador do futuro podem, igualmente, aparecer com cores negativas. Ou melhor,
há sempre "outro lado", outra maneira de avaliar, a partir da qual suas qualidades são
julgadas de forma ambivalente: o jovem é sério, mas imaturo; é audacioso, mas
inexperiente; impulsivo, mas indeciso. Isso faz com que suas manifestações com
freqüência sejam vistas somente como manifestações de espíritos rebeldes, avessos à
ordem e propícios a promover distúrbios e atitudes inconseqüentes.
Trata-se de uma visão já encontrada no século XVIII, nos primórdios da
Revolução Francesa. Ela seria renovada e se consolidou nos anos 60 do século passado,
com a mobilização juvenil, de dimensão internacional, em questionamento a padrões
culturais e comportamentais da sociedade capitalista. Esse processo se deu, de modo
especial, através da imagem do hippie em comunidades alternativas ou ainda de
estudantes em passeata pelas ruas das grandes cidades.
Assim sendo, o termo juventude por si só não designa uma problemática comum
a todos que se encontram com a mesma idade biológica. É o lugar social que os jovens
ocupam na sociedade que influi no modo como a idade é tomada para definir como essa
faixa etária é ou não definida como jovens. Há sempre interesses econômicos e políticos
na delimitação das etapas da juventude.
De fato, essas duas concepções apresentadas anteriormente, ou seja, da
juventude como fase de transição para vida adulta e como fase de rebeldia
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revolucionária, vistas em separado ou tomadas como complementares, são, segundo
Venturi (2000), insuficientes para se fazer qualquer análise ou caracterizar os jovens na
atualidade brasileira. Deparamos com jovens que não têm condições de se ver livre de
obrigações e compromissos de ordem econômica e familiar. Muitos estão longe de ter
sua vida centrada no estudo e de tentar levantar questões relacionadas à sua própria
condição de jovem, como os dramas, os riscos e desvios. São situações que contribuem
para a caracterização do protótipo de um jovem ora como vítima, ora como produtor de
gravíssimos problemas sociais. De outro modo, é possível encontrar altos índices de
envolvimento de jovens com drogas, crimes, roubos, consumismo e tudo o que torne a
juventude refém de um modelo de sociedade fundado na desigualdade.
Encontramos também reflexões afirmando que os jovens, de hoje, se apresentam
como a negação da essência juvenil, concebida como rebeldia, se comparados com as
gerações anteriores dos anos 60 e 70, mais especificamente com o movimento
estudantil. Essas gerações são lembradas miticamente, como se em sua totalidade
tivessem se envolvido nas mobilizações por mudanças na ordem política nacional.
Todavia, não podemos deixar de lembrar que o comportamento do jovem dos
anos 60 e 70, por estar inserido num ambiente com fortes sentimentos libertários,
apresentava um comportamento reformador e a participação era vista como meio de
mudança na estrutura do sistema. Já Keil (2004) observa que, para o jovem dos anos 90,
o contexto é marcado pela presença do capitalismo globalizado, num ambiente
democrático. Daí, esse jovem apresentar um comportamento consumista, e ver a
participação política de forma desinteressada. Porém, é possível também observamos
uma propensão da juventude brasileira dos anos 90 em realizar atividades voluntárias e
desvinculadas de partidos políticos. Com efeito, tem-se a impressão de que os jovens de
hoje parecem estar no pólo oposto do compromisso político e da postura rebelde e
revolucionária.
Entretanto, segundo Abramo (2000), em meados da década de 80, novas
questões redefiniram a condição dos jovens. Isso ocorreu devido ao surgimento de
novos espaços de vivência juvenil, como lugares de diversão e fruição cultural, nos mais
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diversos níveis correspondentes às diferentes faixas de poder aquisitivo, inclusive a rua,
alterando a condição vista sob o aspecto de preparação para uma vida futura.
Evidenciam-se, nesse período, as culturas juvenis das periferias urbanas, abrangendo
desde os punks, no final dos anos 70, até os grupos de hip-hop em São Paulo, Brasília e
outras metrópoles, e mesmo o reggae, no Maranhão, entre outros.
A respeito desse novo fenômeno, envolvendo a juventude brasileira, a socióloga
Helena Wendel Abramo faz a seguinte observação:
esses diferentes grupos juvenis, marcados por diferenças sociais, econômicas, culturais, étnicas, regionais, etc, mostram que existem inúmeras questões que os jovens de hoje enfrentam, que não são idênticas às questões colocadas pela condição estudantil, e que são também diferentes das questões vividas pelas crianças, assim como pelas dos adultos. (ABRAMO, 2000, p.16)
Questões como quem fala pelos jovens no espaço da política institucionalizada
ou quem tem reivindicado políticas públicas de promoção da juventude reforçam a idéia
de uma invisibilidade dos jovens no que tange à participação política, e uma visibilidade
na mídia, seja como protagonista de uma nova juventude ou como alvo de consumo. O
que se observa de órgãos públicos ou de ONGs que trabalham com a juventude são
medidas paliativas, isto é, a política adotada tem como características ações de caráter
de correção emergencial, desarticulado e descontínuo, com baixa eficácia.
E, então, como se encontram e onde estão os jovens atuando politicamente?
Podemos encontrar, no Brasil, inúmeras e variadas formas de grupos juvenis e
organizações expressas através das Pastorais da Juventude, de grupos de convivência
que se articulam em torno da cultura, como rock, hip-hop e reggae, do meio ambiente,
da sexualidade e prevenção de DST, de esportes, como skatistas, ciclistas, times de
futebol, entre outros.
Sendo assim, de antemão, compartilharmos da seguinte análise:
não há, portanto, apatia e desmobilização entre os jovens. O que há é um grande número de atores coletivos juvenis, muito diferentes entre si, quanto ao setor social de que se originam, aos temas de que tratam, à forma de se organizar, o tipo de atuação, o caráter mais explicita ou
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implicitamente político, o tamanho e quantidade de seus integrantes, a pretensão de representatividade, a formalidade ou informalidade de suas estruturas. Mas todos eles com questões, reivindicações, propostas para transformar a vida dos jovens e a do próprio país (ABRAMO, 2000, p.16).
A partir dessa perspectiva, podemos perceber que o conceito de participação
política sofreu profundas mudanças. Nas décadas de 1950 e 1960, a participação estava
mais restrita aos processos democráticos e parlamentares de decisão, especificamente no
voto e na cooperação em partidos políticos.
Já, nas últimas décadas, houve uma ampliação do conceito, dividindo-o em
atividades convencionais (participação política partidária) e não-convencionais
(protestos). Sobre isso, Marcello Baquero comenta a respeito dos movimentos políticos
da América Latina:
Bajo esos factores podemos estar asistiendo a la ‘muerte de la política’ en su sentido formal convencional, dando lugar al surgimiento de formas no convencionales que incentivan la participación política por medio de organizaciones informales, asociaciones voluntarias, organizaciones no gubernamentales, las cuales generalmente no son vistas como entidades legítimas por los gobernantes, pero que proliferan cada vez más, asumiendo inclusive un papel protagónico en la política de la región (AVRITZER apud BAQUERO, 2005, p.139). Como ejemplo podemos citar el movimiento de los sin tierra en Brasil; el papel Del Ejército Zapatista en Chiapas México; el movimiento indigenista en varios países de América Latina, así como los milhares de asociaciones informales, que surgen cotidianamente para ocupar espacios que tradicionalmente eran monopolio de los partidos políticos (ibidem).
No que tange ao estilo próprio do jovem como existência, é possível contrastar
estilos de vida peculiares aos jovens com aqueles da maturidade, vivenciados pelos
adultos. Enquanto as características juvenis referem-se principalmente a essa capacidade
de vivenciar e dar origem ao novo, a condição social de adulto caracteriza-se pela
independência econômica e emocional, e pela legitimação da atividade sexual,
manifesta pelo casamento e pelo direito de estabelecer família.
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Assim, num contexto diverso daquele em que Foracchi (1965) sustentou a idéia
de a juventude forjar um estilo próprio de existência, seu registro pode ser utilizado de
outra forma, para pensar o momento contemporâneo. Na sociedade atual, em que a
longevidade torna-se uma marca fundamental, o que possibilita a coexistência de várias
gerações, "o envelhecimento postergado transform[ou] o jovem, de promessa de futuro
que era, em modelo cultural do presente" (PERALVA, 1997, p. 230). Em outros termos:
[...] A imagem da juventude [passou a] representa[r] o ideal de todas as idades. As pessoas desejariam permanecer jovens e conservar os atributos da juventude: a beleza do corpo, a vivacidade do espírito, a liberdade de escolha na ocupação do tempo, a capacidade de renovar-se constantemente [...] Em virtude disso, a idade adulta perdeu seu poder de sedução e não mais constitui a norma a atingir (GAUTHIER, apud AUGUSTO, 2005, p. 24).
Portanto, ser jovem passou a ser um imperativo categórico para cada geração
(FINKIELKRAUT, apud AUGUSTO, 2005, p. 130). Em virtude disso, a ansiedade em
relação à "como permanecer jovem" se estende para muito além das idades consideradas
juvenis, tendo se tornado um objetivo aspirado por muitas pessoas e cuja busca é
incessante.
De qualquer modo, o que observamos atualmente é que os mais jovens parecem
desinteressados de incorporar à sua vida o trajeto percorrido e o legado das gerações
anteriores. Ao mesmo tempo, os mecanismos sociais capazes de vincular a experiência
pessoal dos que agora são jovens àquela que sustentava a conduta e as maneiras de ver o
mundo das gerações que vieram antes já não podem ser facilmente ativados. Afinal,
com as alterações significativas que ocorreram nos padrões de sociabilidade e nas
formas de ser, essa experiência não tem validade para aqueles que estão no início de sua
vida. Podemos perceber, então, que o tempo decorrido é realmente passado, não faz
mais sentido para a vida atual.
Assim sendo, ser adulto, além de ter deixado de ser objetivo prioritário aspirado
pelos mais jovens, nem sempre é valorizado positivamente. Na verdade, o que existe
hoje é uma recusa generalizada ao "crescer" e ao "amadurecer", que adquiriram a
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conotação de "envelhecer" (AHMADI, apud AUGUSTO, 2005, p. 192). Supomos
então, que não só privilegiar o presente (viver o agora) tornou-se característica comum
a todas as faixas etárias, como também buscar a juventude extrapola os estratos juvenis,
já que (quase) todos querem ser, manter-se ou parecer jovens8.
Ao mesmo tempo, a juventude é considerada condição indispensável para que
ocorra uma verdadeira experiência, o que promove clara inversão na maneira como a
questão era proposta anteriormente. A experiência parece ter deixado de significar
conhecimento ancorado na sabedoria do saber fazer, acervo de uma vida que pode ser
transmitido, para resumir-se à vivência sem lastros do momento.
Entretanto, como lembra Singly (apud AUGUSTO, 2005), tudo depende do
significado atribuído à formulação "ser adulto". Se fizer referência à aptidão para
assumir responsabilidades, é identificado por pessoas mais jovens e mais velhas como
característica sua; porém, se denotar "um ser acabado que não tem mais nada a
descobrir no mundo e, sobretudo, nele próprio" (SINGLY, apud AUGUSTO, 2005, p.
10), é igualmente rechaçado por ambas as categorias.
Parece interessante articular a ênfase no presente com as características
manifestas pelas pessoas mais jovens. A juventude aparece como o futuro da sociedade,
segundo valores e critérios das gerações que a precederam, as quais viveram suas
próprias juventudes num tempo passado (o seu presente), que foi crucial para a
definição de sua identidade. Para os jovens de agora, entretanto, é possível supor que
esse passado – o "tempo" de seus pais e avós – pareça muito distante e se revista de
pouco conteúdo valorativo e simbólico. Afinal, o sentimento de pertença, o
enraizamento, que configura a participação em um destino comum, é distintamente
vivenciado por diferentes gerações que compartilham acontecimentos e situações em
8 Acerca da associação entre juventude e qualidade de vida, segue a análise de Carrano sobre a questão
do modelo cultural dos grupos de terceira idade de mulheres: “Elas vestem, diária e obrigatoriamente
camisetas com o nome do projeto: Sempre Jovem .[...] numa rápida observação, podemos apontar que,
em grande medida, algumas propostas buscam reproduzir artificialmente um ambiente de juvenilidade,
chegando mesmo a mais crassa infantilidade. Não estamos condenando aqui a ludicidade dos idosos,
uma vez que a consideramos um processo social que deve estar vivificado em todos os momentos da
vida social. Criticamos sim, o fetiche da juventude em suas diferentes formas e conteúdos” (CARRANO,
2000, p. 22).
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um mesmo período de tempo. Para algumas formulações, os jovens percebem a vida
cada vez menos "como uma janela aberta para o futuro; [antes, ela] fascina pela ilusão
de um eterno presente" (FURTER, apud AUGUSTO, 2005, p. 15).
É dentro do processo de constantes mudanças sócio-econômicas e culturais que
percebemos um novo despontar nas discussões acerca da participação política da
juventude, e o quanto ela é vulnerável a todos as metamorfoses sociais. Assim, neste
trabalho, a juventude é retratada como categoria social e histórica, situadas num
contexto de transição sócio-econômicas, políticas ou culturais que marca o fim da
infância e o início da vida adulta. Dessa forma, ao enfocar a juventude como objeto da
Ciência Política, é preciso inseri-lo nas diversas realidades, ou seja, “há muitas maneiras
de ser jovem e de viver a juventude e estas também se expressam em termos de classe
social, raça/etnia, idade e gênero” (PRÁ, 2004, p.97).
Em outros termos, dizemos que novos elementos foram e estão sendo
introduzidos nessa discussão. E isso tem sido provocado principalmente pelo índice de
crescimento da população juvenil e, sobretudo, a partir dos problemas surgidos
aparentemente sem solução (por exemplo, a relação entre juventude e violência, tráfico
de drogas, gangues, prostituição, neonazismo). Trata-se de um fenômeno que demonstra
o quanto a nossa sociedade deve se ocupar dessa reflexão no sentido de situar e re-
propor os espaços sociais e políticos da juventude.
Em síntese, observamos que não é fácil definir o que é ser jovem. O que há,
de fato, é uma pluralidade de formas de abordagem do jovem, já que os jovens mesmos
são diversos entre si, sobretudo em termos de comportamentos e visão de mundo.
Assim, para se falar de juventude faz-se mister analisá-la a partir de um contexto sócio-
econômico-político, já que cada período histórico tem suas particularidades, interferindo
e produzindo uma diversidade de “realidades juvenis”. Com efeito, podemos
compreender a juventude como uma categoria social e histórica, em que a dinamicidade
da própria história e da sociedade não nos permite estabelecer uma única definição de
juventude.
Referências
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Trabalho completo
JUVENTUDE E A COMUNICAÇÃO COMO UM DIREITO HUMANO DE PARTICIPAÇÃO
Claudiana Tavares da Silva Sgorlon (Doutoranda em Serviço Social e Política Social), Universidade Estadual de Maringá (UEM) Maringá-PR*; Vanessa Rombola (Doutoranda em Serviço Social), Universidade Estadual de Maringá (UEM) Maringá-PR*.
Palavras-chave: Juventude. Comunicação. Direito. RESUMO A comunicação se apresenta como ferramenta para o alcance da cidadania e garantia de direitos de jovens. Assim, a comunicação enquanto direito humano deve envolver a participação ativa destes. A importância do estudo sobre o tema está na possibilidade de utilizar as Rádios Comunitárias para contribuir para o fortalecimento da cidadania desta população etária. Constitui-se assim em um processo democrático que exige ações concretas, destinadas a fazer com que as disposições da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Juventude (Lei 12.852/13) se referenciem como instrumentos de materialização dos direitos e da cidadania plena dos jovens do país. Introdução
Estamos vivendo uma época de grande circulação de informações em que os
jovens são constantemente bombardeados por propagandas e notícias. Significa dizer
que o mercado percebe que o jovem é parte vulnerável ao consumo, pela necessidade de
sentimento de pertencimento. Desta maneira, é preciso discutir sobre os direitos
humanos à comunicação, sua influência sobre a vida dos jovens, e sua inserção no
contexto da produção midiática.
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Na perspectiva dos direitos de crianças e adolescentes à comunicação, e
consequentemente aos jovens, de acordo com a Constituição Federal de 1988, no
capítulo II, Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade, art. 15:
“A criança e o adolescente tem direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”. E ainda, no art. 16, sobre o direito à liberdade, assegura os seguintes aspectos: [...] II - opinião e expressão; V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação, e no art. 71 trata que: “A criança e o adolescente tem direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.
Neste sentindo convém destacar o papel da comunicação alternativa como uma
das principais formas de prática da inclusão social. É na comunicação comunitária,
alternativa e popular que é possibilitado a defesa do direito básico de cada cidadão,
enquanto espaço de expressão de angústias, alegrias, e um campo de luta em defesa dos
direitos sociais e políticos. Neste aspecto, servimo-nos de Moraes, ao definir o papel da
comunicação alternativa:
Significa concentrar o olhar em práticas comunicacionais que se encontram na contramão da midiatização e do consumismo, os quais exaltam o exibicionismo e incutem o inconformismo. Práticas que se definem ideologicamente na direção de uma contra-hegemonia – isto é, comprometidas com a contestação ao neoliberalismo e à ideologia mercantilista da globalização, ao mesmo tempo em que propõem e discutem alternativas sociopolíticas humanizadoras. (2008, p. 39)
Nesse contexto, acredita-se que, além da comunicação como direito humano, o
jovem também deve ter o direito de saber se comunicar, o que significa ter a educação
aliada à comunicação, proporcionando espaço de participação comunitária, de modo a
abrir a possibilidade de fazer parte do conhecimento e do debate público, em relações
dialógicas, vencendo o que Paulo Freire chamaria de “cultura do silêncio ”.
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Destaca-se que o direito à comunicação é o direito de cada um expressar
opiniões e valores. Neste sentido, cabe ao jovem deter um saber capaz de dialogar com
eficiência e responder criticamente aos planos de interesse do capital. É preciso que ele
se sinta pertencente a uma sociedade que mercantiliza, não só as relações humanas, mas
a própria humanidade. É importante desenvolver nos jovens o conhecimento para
romper com o paradigma do consumo para serem protagonistas de suas vidas e da
própria história da sociedade da qual fazem parte, participando ativamente de sua
estruturação.
Este artigo objetiva, portanto, identificar e analisar a participação de jovens do
município de São Pedro do Ivaí, cidade do norte do Paraná/Brasil, por meio de
programação na Rádio Comunitária. Para tanto, é importante que os jovens entendam os
processos comunicacionais dos dias atuais, bem como o significado da participação
social e suas repercussões frente à formação de cidadãos.
Para materializar os conhecimentos sobre a temática, faz-se necessário
compreender em que medida a participação de jovens na Rádio Comunitária, por meio
da estruturação e apresentação de programa tem manifestado o sentimento de inclusão
social e qual tem sido a função da Rádio Comunitária na efetivação de seus direitos.
Sobre isto, Arthur Willian (2012, p. 100) no 18º curso anual do Núcleo Piratininga de
Comunicação, apresentou:
Há pessoas que reservam algumas horas do seu dia ou de sua semana para prestar um dos mais importantes serviços de utilidade pública existentes: a Rádio Comunitária. Esses pais de família, jovens e mulheres, ajudam na educação de crianças, na construção de identidades, na manutenção de sotaques, na valorização da cultura popular [...].
Nesta perspectiva, as Rádios Comunitárias possibilitam uma significativa
contribuição para o fortalecimento e a consolidação do processo democrático enquanto
garantidor de direitos. Trata-se de um processo que demanda ações concretas,
destinadas a fazer com que as disposições da Constituição Federal e do Estatuto da
Juventude deixem de ser tratadas como singelas declarações retóricas ou meras
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exortações morais e, assim, postergadas em sua efetivação ou relegadas ao abandono,
para se constituírem em instrumentos de materialização da cidadania.
Juventude, participação e o direito à comunicação
O Estatuto da Juventude, Lei nº. 12.852 de 5 de agosto de 2013 é a primeira
legislação brasileira a assegurar ao jovem o direito à comunicação, informação e
expressão. Tal legislação destaca ainda a competência do poder público em criar
programas educativos e culturais nos mais diversificados mecanismos de comunicação,
com o objetivo de promover o acesso à comunicação. Ter uma seção neste documento
referente à comunicação diz respeito a liberdade de expressão ampliada, garantido ao
jovem fazer comunicação, discutir comunicação e articular comunicação. A inclusão
desta seção no Estatuto ocorre após as discussões e debates sobre a temática que
aconteceram durante a 2a Conferência Nacional da Juventude que aconteceu em
dezembro de 2011.
O Estatuto é promulgado num momento em que as novas Tecnologias de
Informação e Comunicação começam a influenciar a sociabilidade e as formas de
expressão.
O artigo 1º da referida legislação define que para efeitos desta Lei “apresenta o
“são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove)
anos de idade.”(BRASIL, 2013)
Já o artigo 4 versa sobre a participação social dos jovens nas políticas públicas,
definindo que:
Art. 4o O jovem tem direito à participação social e política e na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude. Parágrafo único. Entende-se por participação juvenil: I - a inclusão do jovem nos espaços públicos e comunitários a partir da sua concepção como pessoa ativa, livre, responsável e digna de ocupar uma posição central nos processos políticos e sociais;
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II - o envolvimento ativo dos jovens em ações de políticas públicas que tenham por objetivo o próprio benefício, o de suas comunidades, cidades e regiões e o do País; III - a participação individual e coletiva do jovem em ações que contemplem a defesa dos direitos da juventude ou de temas afetos aos jovens e IV - a efetiva inclusão dos jovens nos espaços públicos de decisão com direito a voz e voto. (BRASIL, 2013)
A seção VII do segundo capítulo do referido documento, intitulada “Dos
Direitos Culturais e à Comunicação e à Liberdade de Expressão”, trás em seu artigo 26
a comunicação e a capacidade criativa da juventude em destaque, assegurando a
liberdade de expressão, e garantindo o acesso às tecnologias de comunicação e
informação.
Art. 26. O jovem tem direito à comunicação e à livre expressão, à produção de conteúdo, individual e colaborativo, e ao acesso às tecnologias de informação e comunicação. (BRASIL, 2013)
Destaca ainda no artigo 27 que tanto as emissoras de rádio e televisão deverão
destinar espaços voltados à realidade social do jovem. Estabelece um conjunto de
medidas que devem ser adotadas pelo poder público para a efetivação desse direito, que
incluem “incentivar programas educativos e culturais voltados para os jovens nas
emissoras de rádio e televisão e nos demais meios de comunicação de massa”;
“promover a inclusão digital dos jovens, por meio do acesso às novas tecnologias de
informação e comunicação”; “promover as redes e plataformas de comunicação dos
jovens”, “incentivar a criação e manutenção de equipamentos públicos voltados para a
promoção do direito do jovem à comunicação” e “garantir a acessibilidade à
comunicação para os jovens com deficiência”.
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Rádio Comunitária São Pedro: análise de uma experiência
O ensino aos jovens dos processos da comunicação e a reivindicação pelo direito
à expressão devem ser realizados em conjunto com os diversos segmentos, integrando
uma luta social pela garantia da cidadania e dos direitos humanos, rompendo com
práticas midiáticas que buscam estabelecer o consenso como condição indispensável à
manutenção dos padrões de dominação.
Os canais digitais de comunicação se tornaram o suporte para uma experiência social menos hierarquizada, mais horizontal. Possibilitam uma convivência coletiva sem que os corpos precisem compartilhar os espaços e facilitam a anulação das diferenças individuais em identidades que se multiplicam sem o compromisso da fixidez. Neste ambiente, grupos se criam, se transmutam e se dissolvem em velocidade inédita. (BRASIL, 2015, p. 6)
Assim, este trabalho trata de uma experiência vivenciada por jovens na Rádio
Comunitária São Pedro FM, localizada no município de São Pedro do Ivaí, situado no
Vale do Ivaí, ao norte do Estado do Paraná. Segundo dados do IBGE/20109, o
município possui 10.167 habitantes, sendo homens 5.115 e mulheres 5.052, destes 7.492
são eleitores, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (2012) e seu IDH é de 0,71
(IPARDES 2012)10.
Grande parte da população são trabalhadores rurais que possuem filhos
pequenos. Na economia predomina a agricultura, notadamente o cultivo de cana-de-
açúcar que gera no plantio e corte, constituindo-se no maior número de empregos
temporários da região. A renda familiar é baixa, com grau significativo de
vulnerabilidade social, e com baixo grau de escolaridade.
9 Informação coletada em: http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/populacao.php?lang=&codmun=412580&search=parana|sao-pedro-do-ivai|infogr%E1ficos:-evolu%E7%E3o-populacional-e-pir%E2mide-et%E1ria 10 Informação coletada em: http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.php?Municipio=86945&btOk=ok
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A Rádio Comunitária de São Pedro do Ivaí – Pr. fundada em 2007, vem
incentivando a participação de jovens em sua programação. Desde o início do processo
a sociedade civil se organizou em uma entidade reconhecida legalmente como
'Associação Cultural São Pedro Apóstolo'. Durante doze anos houve grande
envolvimento da comunidade na discussão e apoio à iniciativa. Um abaixo-assinado foi
anexado ao processo contendo várias centenas de signatários, muitos deles jovens, além
de cartas de apoio das entidades locais.
Buscando uma vinculação direta com a população e evitando seu uso
inadequado, foi aprovado regimento interno impedindo a autopromoção, indução ao
consumo, manipulação política e econômica, sensacionalismo e vinculação de noticiário
que contrarie princípios de promoção humana.
A Associação tem como objetivo congregar a sociedade em torno da busca de
solução para os seus problemas sociais, econômicos, culturais, ecológicos e de
planejamento estratégico. Tem investido em campanhas intensivas de combate à
violência, ao preconceito, exploração sexual e prostituição e à corrupção, além de
incentivo à participação na vida social, melhoria da qualidade de vida, saúde e
educação. E a São Pedro FM tornou-se uma importante ferramenta na obtenção de seus
intentos. Em 2014, pelo terceiro ano consecutivo, foi reconhecida como entidade
parceria no alcance dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) e,
atualmente, conta com 89 (oitenta e nove) voluntários.
A Rádio Comunitária São Pedro FM atinge o seu objetivo de fortalecimento da
convivência familiar e comunitária e contribui para a garantia de direitos por meio da
divulgação de informações que estimulam a convivência social, a participação cidadã e
a formação geral para a garantia de direitos. A ação aborda questões relevantes sobre a
infância, a juventude, a velhice e aspectos de uma vida saudável, contribuindo para a
construção de novos conhecimentos e formação de atitudes e valores que reflitam no
desenvolvimento integral destes e da comunidade. As atividades também são
desenvolvidas sobre habilidades gerais, tais como a capacidade comunicativa e a
inclusão social de modo a orientar a população para a prevenção de situações de riscos
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sociais e pessoais, bem como difundir ações com foco na convivência social por meio
da arte-cultura e esporte-lazer. As informações expressas são para valorização da
pluralidade e a singularidade da condição atual e suas formas particulares de
sociabilidade para sensibilização dos desafios da realidade social, cultural, ambiental e
política de seu meio social, criando oportunidades de acesso a direitos, estimulando
práticas cooperativas e as diferentes formas de expressão dos interesses,
posicionamentos e visões de mundo no espaço particular e público.
A Rádio Comunitária de São Pedro do Ivaí-Pr. tornou-se constituição de espaço
de convivência, formação para a participação e cidadania, desenvolvimento do
protagonismo e da autonomia de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, a
partir dos interesses, demandas e potencialidades de cada faixa etária.
Após o levantamento dos dados dos jovens participantes deste estudo, optou-se
pela análise de conteúdo para tratamento das informações coletadas. A mesma se deu
por meio de estudo sobre o tema, levando em conta as peculiaridades de cada
entrevistado. Como instrumento, utilizou-se da entrevista com questões abertas e, a
partir das respostas, foi realizada a análise propriamente dita.
De início realizou-se a caracterização dos entrevistados para identificação dos
participantes deste estudo. Levantou-se a idade e tempo de apresentação do programa na
Rádio Comunitária, bem como gênero do programa que apresenta na rádio, horário e
dias da semana, sendo que sete jovens se dispuseram a participar deste estudo, sendo
duas mulheres e cinco homens.
A idade dos jovens entrevistados oscila entre 15 e 25 anos. Já o tempo de
apresentação de programas na rádio variam entre 1 ano e meio a 10 anos, o que
demonstra que a abertura para participação de jovens nesta Rádio Comunitária já é uma
prática estabelecida, garantindo a representação deste público em um meio de
comunicação.
Os gêneros dos programas apresentados pelos jovens na Rádio Comunitária São
Pedro FM atendem a todos os públicos, tocando músicas diversas, levando
entretenimento e informação. Observou-se que os horários e dias da semana dos
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programas são distribuídos de forma que jovens que estudam não fossem prejudicados
em seu rendimento acadêmico, sendo que uma das voluntárias não estuda atualmente,
mas já concluiu pós graduação em Psicologia, o que convém destacar que já apresenta
seu programa nesta rádio a 10 anos, ou seja, estudando o terceiro grau, prestou trabalho
voluntário neste mesmo local. O segundo jovem está cursando a segunda graduação,
sendo a primeira em Matemática e a segunda em Física. O terceiro voluntário cursa
atualmente o curso de Técnico em Química e pretende futuramente, cursar Jornalismo.
A quarta voluntária, o quinto e o sexto voluntário cursam o 2º Grau, já o sétimo
voluntário já finalizou seus estudos na área de exatas. Ressalta-se que os jovens
envolvidos neste meio alternativo de comunicação, guiados pelo espírito de
colaboração, participação e direitos apresentam bom rendimento acadêmico, inclusive
registrando a inserção da maioria no Ensino Superior.
Observou-se também neste levantamento, que dos sete jovens, cinco prestam
serviço voluntário em outras organizações e espaços da cidade.
Perguntados sobre o que os motivou a participar da programação da rádio, a
primeira voluntária relatou que iniciou o trabalho voluntário na Rádio pela vontade de
viver uma experiência nova. O segundo voluntário apresentou que sempre gostou de
música, comunicação, trabalhar com som, e viu na rádio uma oportunidade de fazer o
que gosta e também de aprimorar cada vez mais o conhecimento. O terceiro voluntário
relatou que o que o motivou a participar foi o convite de um amigo. Já a quarta
voluntária disse que sua inserção na programação da Rádio aos 5 anos de idade se deu
através de sua irmã, que já participava da programação, algo também relatado pelo
quinto voluntário, que disse ter iniciado sua participação, acompanhando a irmã mais
velha e a mãe, que também prestavam trabalho voluntário na Rádio. Já o sexto
voluntário contou que sua participação foi motivada pela oportunidade de ter um
programa na Rádio. O sétimo voluntário relatou que sua inserção se deu pelo clima de
uma rádio comunitária movida por doações de recursos financeiros, materiais e
humanos, o despertou o interesse em também contribuir e aprender.
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Nota-se, neste sentido, a importância do sentimento de valorização dos jovens e
abertura de espaço de participação como agentes ativos. Percebe-se que os jovens
sentem-se entusiasmados em poder ser úteis para a comunidade, além de apreenderem
conhecimentos e criação de novos laços de amizades, bem como a prestação de trabalho
voluntário como forma de aprendizagem. Sobre isto, Justo (1997, p. 71) coloca que,
Em virtude dos desafios enfrentados na adolescência, a privação da convivência familiar e comunitária nesse período pode tornar particularmente doloroso o processo de amadurecimento, frente à falta de referenciais seguros para a construção de sua identidade, desenvolvimento da autonomia e elaboração de projetos futuros, acompanhados ainda de rebaixamento da autoestima.
No que se refere ao que aprenderam participando da Rádio Comunitária,
percebeu-se diferentes opiniões entre os jovens, mas todos revelaram que esta
experiência contribuiu positivamente para seu desenvolvimento pessoal e profissional, o
que reforça a importância desses espaços para os jovens. Entre os pontos positivos
descritos, encontram-se: facilidade para falar para grande número de pessoas;
desenvolvimento no vocabulário; partilha; trabalho em equipe; conhecimento técnico
sobre rádio difusão; aprender a lidar com críticas e elogios; oratória; a importância do
trabalho voluntário; liderança.
A partir das respostas dos jovens, observa-se que a Rádio Comunitária atingiu
concretamente o seu objetivo, no sentido de incentivar a participação de jovens na
comunidade.
Conclusão
Este trabalho evidencia que iniciativas independentes de jovens como esta ora
apresentada ganham relevância por serem um mecanismo de consolidação de direitos
sociais e de denúncia a violação destes direitos, tornando-se um elemento fundamental
na transformação do território.
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Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio (2014), 97.2% dos
domicílios brasileiros possuem TV, 92.5% possuem telefone (fixo ou móvel), 75.7%
possuem rádio e 42.5% possuem computador com internet. Ou seja, os meios de
comunicação e de difusão de conhecimento estão em grande parte dos lares brasileiros.
Assim, iniciativas como esta da Rádio Comunitária de São Pedro do Ivaí
demonstram a necessidade de auto representação e divulgação das ações culturais
ignoradas pelos grandes veículos de comunicação.
Apresenta ainda uma grande capacidade de reinvenção dos modelos de
organização e atuação política. Os jovens atuantes nessas iniciativas compreendem que
a partir da produção de conteúdo nas mídias e redes pode-se criar uma alternativa para
influenciar os destinos políticos de seus territórios, a partir da lógica de participação e
cidadania.
A realidade vivenciada pela Rádio São Pedro FM vai ao encontro com os dados
apontados no Relatório Geral da 2a Conferência Nacional de Juventude, em que aponta:
[...] no campo da comunicação, a demanda mais recorrente foi a criação ou a legalização das rádios comunitárias e de canais de TV, e também de criação de novas emissoras de rádio, de canais de TV aberta e de emissoras de rádio web e mídias alternativas. Os jovens assinalaram a necessidade de que estas mídias comunitárias tenham um sinal de qualidade; reivindicaram a descentralização e a desburocratização da concessão das TVs e rádios comunitárias; e reivindicaram a garantia de maior agilidade e transparência no processo de concessão de rádios e TVs. Merecem destaque, ainda, demandas referentes à programação dos meios de comunicação, já assinaladas no tema da cultura: inclusão de programas culturais e educativos, criação de mecanismos (cotas) que garantam a circulação de cultura nacional e da produção independente nas TVs, rádios e internet e de cotas para produções juvenis nas TVs e rádios públicas. As etapas estaduais da 2ª Conferência assinalaram a importância do controle social deste campo, propondo a criação de conselhos de comunicação em níveis municipal, estadual e nacional, com garantia de participação juvenil. (BRASIL, 2015, p. 8)
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É preciso olhar para além do que é apresentado no horário nobre e nas
telenovelas. É preciso ficar atento às possibilidades de transformações apresentados
pelos jovens comunicadores, ao demonstrar um Brasil diferente.
A juventude brasileira de hoje, tal como a de ontem, ainda colhe na teledramaturgia produzida no eixo Rio-São Paulo matrizes identitárias e modelos comportamentais, e ainda assiste em telejornais a interpretação “oficial” dos fatos e da realidade. No entanto, diferentemente das gerações passadas, a juventude, agora, encontra, nos meios de comunicação digital, canais efetivos de autoexpressão e intercâmbio de informações. (BRASIL, 2015, p. 6)
Desta forma, é fundamental discutir a importância da democratização da mídia
para fortalecimento da participação dos jovens, para que se tornem protagonistas de um
processo de controle social, no sentido de desenhar e desempenhar o papel de atores
principais de uma ação capaz de promover as mudanças necessárias na realidade social.
Referências
BRASIL, Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
Lei n.12.852, de 05 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude – SINAJUVE. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12852.htm. Acesso em: 13 jun. 2018.
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD -. 2014. Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Brasília, 2014. Disponível em: http://www.teleco.com.br/pnad.asp. Acesso em: 13 jun. 2018.
3ª Conferência Nacional de Juventude. As várias formas de mudar o Brasil. Texto Orientador. Brasília, 2015.
JUSTO, J. S. A institucionalização vivida pela criança de orfanato. In: A. Merisse, J. S. Justo & L. C. da Rocha (Orgs.). Lugares da infância: Reflexões sobre a história da criança na fábrica, creche e orfanato. São Paulo: Arte e Ciência, 1997.
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MORAES, Dênis. Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação. Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2011.
WILLIAN, Arthur. Rádios Comunitárias: sem lenço, mesmo com documento. 18º Curso anual do Núcleo Piratininga de Comunicação. 2012.
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Resumo Expandido
VISÃO DO ADOLESCENTE REPRESENTADO PELA MÍDIA BRASILEIRA
COM UMA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA
MARIA CLARA SÁ RODRIGUES ALVES ZANOTTO* (3 SEMESTRE GRADUAÇÃO DE PSICOLOGIA NA PUCPR LONDRINA – PR).
contatos: [email protected]
Palavras-chave: Psicologia do Adolescente. Identificação. Meios de Comunicação. Introdução:
O adolescente está sempre presente na mídia brasileira, aparecendo, na maioria
das vezes, como autor de ato infracional. Porém estas imagens apresentam-se
distorcidas e não contribuem para o enfrentamento da problemática associada ao
adolescente. (ANDI, 2012). Além dessas imagens distorcidas, é presente nas mídias a
utilização do termo “menor” empregado somente para jovens negros e pobres,
inferiorizando-os ao considerar que eles possuem uma “tendência à desordem”.
(MENDES; SUGUIHIRO, 2017)
Essa representação feita pela mídia produz discursos específicos sobre esse
fenômeno, construindo um modo de pensar sobre os adolescentes em conflito com a lei,
mostrando isso como uma verdade absoluta. Essa temática está em alta nos programas
de televisão por causa da audiência dos telespectadores, mostrando uso e tráfico de
drogas, roubos, assassinatos e outros crimes, apresentados com uma temática
sensacionalista, além de produzir em seus telespectadores a ambivalência de sentimento
que vai do ódio à compaixão das mazelas sociais. (FIGUEIRÓ; MINCHONI;
FIGUEIRÓ 2013).
Fundamentação Teórica:
A mídia mostra que adolescentes entre 12 e 17 anos cometem, em primeiro lugar
homicídios, em segundo lugar latrocínio, em terceiro tráfico, em quarto roubo e em
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quinto dirigir sem CNH. Enquanto nos boletins de ocorrência são registrados em ordem
decrescente: tráfico, posse de drogas, receptação, roubo majorado, roubo e ameaça
(MENDES; SUGUIHIRO, 2017). O roubo e furto aparecerem com 34,7% e 22%,
respectivamente, sendo uns dos maiores atos infracionais praticados pelos adolescentes,
assim como o tráfico, para conseguir formas de se sustentar, pela falta de infraestrutura
e atenção do Estado. Entre os indicadores relacionados no estudo, está a situação de
extrema pobreza em que vivem milhões de garotas e garotos com idades entre 12 e 17
anos, porém menos de 4% desses adolescentes estão em conflito com a lei, desse modo,
podemos dizer que não há uma relação direta entre pobreza e criminalidade, já que
17,6% e 7,6% de adolescentes estão em situação de miséria, contrapondo aos 4% que
estão em conflito com a lei. (ANDI, 2012)
A adolescência é vista pela modernidade como um sujeito capaz, instruído e
treinado por vários caminhos (escola, pais, mídia) para adotar os ideais da sociedade
durante anos, porém apesar de estarem prontos ainda não são considerados como
adultos porque não possuem maturidade. Pode-se ver nessa fase um tempo de suspensão
ficando ainda sob tutela dos adultos, gerando um período de contestação aguda.
(CALLIGARIS, 2009).
Justificativa:
Na nossa cultura um sujeito será reconhecido como adulto e responsável quando
tiver independência, autonomia. Porém essa espera do adolescente em se tornar adulto,
que lhe é imposta é o que o mantem imaturo e inadaptado, já que em sociedades antigas
adolescentes com 15 anos de idade já eram colocados para trabalhar e possuíam vida
adulta, portanto, fica claro que a adolescência é uma construção do século XX. Além
dessa contradição, a cultura parece idealizar a adolescência como se fosse sempre feliz,
pois estará fazendo tudo o que quiser já que não tem a maturidade necessária para
tornar-se adulto. (CALLIGARIS, 2009).
Essa idealização é imposta e vista pelos adultos que induzem que esses
adolescentes sejam sempre felizes ou façam barulhentamente de conta. Portanto, a
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adolescência é assumida como a tarefa de interpretar o desejo inconsciente dos adultos
(projeção). Segundo Calligaris (2009; p 27):
O adolescente acaba eventualmente atuando, realizando um ideal que é mesmo algum desejo reprimido do adulto. Mas acontece que esse desejo não era reprimido pelo adulto por acaso. Se reprimiu, é porque queria esquecê-lo. Por consequência, o adulto só pode negar a paternidade desse desejo e se aproveitar da situação para reprimi-lo ainda mais no adolescente.
A projeção do desejo inconsciente dos adultos em não ter tanta
responsabilidade, poder ter crises, ser imprudente quando necessitar, e ainda, a cultura
idealizar o que está fora da lei, os gângsteres, malandros literários que seguem
entretendo nossos sonhos, são formas da cultura compensar a excessiva dose de
conformismo imposta pela convivência social. Por esses motivos “(justamente quando
apareceu e vingou a adolescência) a marginalidade e delinquência são cada vez mais
glorificados pela cultura popular. Prova de um sonho adulto bem presente e bem
reprimido.” (CALLIGARIS 2009)
Um exemplo sobre essa glorificação são os programas de televisão, policiais e
noticiários que trazem a violência como um produto ofertado ao consumo dos
telespectadores, colocando os adolescentes e as crianças como principais sujeitos das
atuações criminosas. Muitos dos fatos noticiados por esses programas são tidos como
verdades absolutas, por causa da construção de realidade vindo da percepção da notícia,
criando nos telespectadores sensação de angustia, medo e insegurança. (BARROS;
PEREIRA, 2014).
Uma justificação psicanalítica sobre a maior audiência relacionada a violência
está na identificação do sujeito com essas atuações criminosas. Entendemos que os
sujeitos possuem tudo dentro deles, tanto coisas socialmente aceitas pelas sociedade
como coisas não aceitas, por exemplo, temos amor e ódio pelas pessoas, que seria a
ambivalência de sentimento. Freud explica que os sujeitos são impulsionados para viver
a partir de duas pulsões: a pulsão de vida e a pulsão de morte, esta relacionada à
violência, em cometer atos infracionais, entre outros aspectos não aceitos socialmente.
As pessoas tem vontade de matar, mas não o fazem por causa da cultura internalizada
no superego e quando vêem esses programas criminais elas se identificam com o
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criminoso, ou seja, se projeta nele e inconscientemente ela está se satisfazendo. Isso
também explica sobre a adoração de malandros literários e a idealização dos fora-da-lei,
como já foi dito. Já as pessoas que praticam atos não aceitos pela sociedade, estão
trazendo, por exemplo, a vontade de matar para o concreto (real), elas perdem essa
cultura internalizada no eu, e se satisfazem não só inconscientemente.
Segundo Freud (1908/1979 apud Canavéz, 2014) a:
Incontornável constatação de que as pulsões e o processo civilizatório tomam caminhos opostos, sendo indispensável ao último que o sujeito renuncie ao seu quinhão de satisfação para não se tornar um "outlaw" (Freud, 1908/1976a, p. 192, grifo do autor) apartado da comunidade.
A psicologia presente neste artigo vem mostrar que a mídia cria uma cultura na
sociedade de que os adolescentes estão em crises, são impulsivos, delinquentes, entre
outros, passando uma imagem de verdade absoluta, ou seja, de que todos os
adolescentes passam por isso. Conforme diz Maria Rita Cesar (1998):
A partir dos anos cinqüenta, os meios de comunicação de massa auxiliaram decisivamente na expansão e homogeneização da idéia científica de “adolescência”, principalmente por meio da veiculação dos ícones juvenis no cinema e na música: a antiga figura do “adolescente delinqüente” passou a ser compreendida segundo a imagem do “rebelde sem causa”, traduzida no Brasil em termos da “juventude transviada.
Mas, na verdade, adolescentes atuam em sociedade conforme os desejos
inconscientes dos adultos, não só facilitada pela cultura popular que oferece à leitura
dos sonhos e dos ideais, mas pela exaltação de uma autonomia e independência nos
indivíduos, sendo contraditória porque por mais que estes falem que preferem um filho
obediente sua projeção e a cultura constroem um desobediente. “Faça o que eu desejo,
não o que eu peço”, portanto, obedecer é desobedecer. Além da cultura e da projeção, os
adultos transmitem aos adolescentes a não repetir a vida e o status que os engendram,
“Ou seja, de desrespeitar suas origens, de não se conformar, de se destacar.” Ainda
transmitem as regras da conformidade social fazendo parecer para o adolescente
covardia e fracasso dos adultos, já que estes prezam a exceção. Por esses motivos o
adulto é visto como hipócrita (já que ele e a cultura tem como ideal a exceção à norma)
e sua autoridade está danificada. Portanto, o adolescente conclui que o adulto quer dele
revolta (CALLIGARIS, 2009).
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Considerações Finais:
Entretanto, não podemos impor uma verdade absoluta, como a mídia faz, de que
todos os adolescentes são irresponsáveis, tem conflitos com a lei, tem crises, entre
outros aspectos relacionados à eles. Essa difusão massiva é totalmente engendrada pelas
práticas sociais. Margaret Mead (1951) já apontava que a adolescência é um “fenômeno
cultural”, produzido pela prática social em determinados momentos históricos,
expressado de formas diferentes ou até mesmo não existindo em alguns lugares. “No
século XX, embasado em pressupostos científicos, o adolescente moderno típico
estabeleceu-se como um objeto natural com características e atributos psicológicos bem
demarcados.” (COIMBRA; BOCCO; NASCIMENTO; 2005):
A partir das idéias de Foucault e da Filosofia da Diferença, defendemos que os sujeitos não possuem identidades fixas e impermeáveis, mas são atravessados por uma multiplicidade de forças que os subjetivam incessantemente. Dentro disso, a noção de desenvolvimento é uma construção, pois não há um conjunto de características a serem obtidas. Preferimos pensar em termos de processo, apostando que a vida se constrói a cada momento e não pode ser reduzida a qualquer modelo ou norma.
Referências Bibliográficas:
ANDI- COMUNICAÇÃO E DIREITOS. Adolescentes em conflito com a lei: guia de referência para a cobertura jornalística. Brasília, 2012. (Série Jornalista Amigo da Criança). Disponível em: <http://www.andi.org.br/file/50239/download?token=b5LXIFiu> Acesso em: 12 jun. 2017.
BARROS, Bruno Mello Corrêa de. PEREIRA, Marília do Nascimento. O direito fundamental à informação: do paradigma da cidadania à consolidação demográfica. XII Seminário Internacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea, 2015. Disponível em: <http://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/view/13156> Acesso em: 16 jun. 2018.
CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. 2. ed. São Paulo: Editora Publifolha, 2009.
CANAVEZ, Fernanda. A violência a partir das teorias freudianas do social. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro, v. 66, n. 1, p. 33-48, 2014 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672014000100004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 16 jun. 2018.
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CESAR, Maria Rita de Assis. A Invenção da “Adolescência” no Discurso Psicopedagógico. 1998. 145 f. Trabalho de conclusão de curso (Dissertação) - Título de MESTRE em EDUCAÇÃO na Àrea de Concentração: Metodologia de Ensino, à Comissão Julgadora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
COIMBRA, Cecília; BOCCO, Fernanda; NASCIMENTO, Maria Livia do. Subvertendo o conceito de adolescência. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro, v. 57, n. 1, p. 2-11, jun. 2005 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672005000100002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 16 jun. 2018.
FIGUEIRÓ, Rafael de Albuquerque. MINCHONI, Tatiana. FIGUEIRÓ, Martha Emanuela Soares da Silva. A Produção do Adolescente “Infrator” na Mídia Brasileira. 2º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade, 2013. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2013/2-5.pdf> Acesso em: 16 jun. 2018.
MENDES, Barbará Paiva Borowski. SUGUIHIRO, Vera Lúcia Tieko. A veiculação nos principais jornais impressos de Londrina sobre o jovem autor de ato infracional. Anais 26º Encontro Anual de Iniciação Cientifica, 2017. Disponível em: <www.uel.br/eventos/eaic/anais/?content=2017/artigo.php&cod=1033> Acesso em: 16 jun. 2018.
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Trabalho completo
A ESTIGMATIZAÇÃO DA JUVENTUDE PERIFÉRICA: UM ENSAIO SOBRE DEMOCRACIA, DIREITO E MÍDIA
Matheus Henrique de Oliveira (Graduando em Direito, Universidade Estadual de Londrina; Londrina – PR), Tales Leon Biazão Sanches (Graduado em Comunicação Social, Universidade Estadual de Londrina, Londrina – PR), Vera Lucia Tieko Suguihiro (Docente vinculada ao Departamento do Serviço Social, Universidade Estadual de Londrina).
Contatos: [email protected] [email protected]
[email protected] RESUMO A mídia tem potencial para ser instrumento para efetivação da democracia em uma sociedade livre, porém, só se alcança uma sociedade realmente democrática quando os meios de comunicação são democráticos e democratizantes. Neste sentido o artigo apresenta a realidade da mídia no Brasil, como a concentração deste segmento do mercado se intensifica na história nacional, e por fim, propõe-se a democratização dos meios de comunicação como ferramenta para tornar a comunicação social mais democrática e democratizante, e que desta forma atinja comunidades periféricas de forma mais ampla. Essa proposta se guia pelas oficinas que serão ministradas pelos integrantes do Programa de Pesquisa e Extensão: “Juventude e Violência: da violação à garantia de direitos”, durante o ano de 2018.
Palavras-chave: Juventude. Comunicação Social. Regulação da Mídia.
INTRODUÇÃO
A ordem social democrática é inaugurada ainda na antiguidade, quando o
cidadão era o principal articulador político da esfera pública. Neste sentido, Toro e
Werneck (1996, p.7), definem a democracia como auto-fundada, feita de normas e
regras elaboradas pela população, a mesma que deve cumprir com o que foi definido.
Porém, este conceito, como colocam Silva e Silva, não é um conceito estático:
Democracia é uma forma de governo que tem como característica básica a escolha dos governantes pelo povo. A democracia moderna nasceu na Europa do século XVIII, em oposição ao Absolutismo então vigente. Mas não estamos tratando de um conceito estático. Nesse
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sentido, o Estado Moderno não tem o mesmo projeto democrático da polis grega do século v. a.C. Sob certos aspectos, a polis era amplamente mais democrática que o Estado Moderno, pela simples razão de que a democracia ateniense era direta, ou seja, um corpo de cidadãos reunidos em praça pública decidia diretamente acerca dos assuntos relativos ao Estado (2009, p. 89)
O termo democracia foi se complexificando e gerando linhas teóricas e
interpretações distintas de como se deveria aplicar esse modo de estado. Neste sentido,
dentre as possíveis linhas teóricas que dialogam sobre a democracia o presente artigo irá
focalizar esforços para discorrer sobre apenas duas. Uma delas está fundamentada na
vontade da maioria para efetivar determinada decisão, enquanto a outra linha, defende
que para se efetivar uma sociedade democrática é necessário o diálogo e articulação
comunicativa.
Rousseau é o grande nome da teoria democrática que possui a decisão “como o
elemento central do processo deliberativo [e] a idéia de que, uma vez aferida a vontade
da maioria, a posição perdedora nada mais representa do que um erro” (AVRITZER,
2000, p.26). Habermas, no entanto, vai na contramão do pensamento de Rousseau e dá
ênfase no “elemento argumentativo no interior do processo deliberativo” (AVRITZER,
2000, p.26).
O sociólogo Max Weber é um dos teóricos do início do século XX que segue a
“concepção decisionística de deliberação” devido ao ceticismo relacionado aos debates
envolvendo discussões culturais e a complexidade administrativa para que estas
divergências culturais fossem resolvidas (AVRITZER, 2000, p.28). Outro defensor da
linha teórica decisionística, Joseph Schumpeter, acredita que os meios de comunicação
de massa e a integração do homem comum à política fizeram desaparecer a
argumentação no processo democrático, para Schumpeter as vontades individuais ou de
agrupamentos eram “impulsos vagos operando em relação a slogans disponíveis e
impressões falsas” (SCHUMPETER, 1942, p. 253, apud AVRITZER, 2000, p.30).
Para Avritzer (2000), portanto,
a teoria democrática que se tornou hegemônica na primeira metade do século XX possui três elementos decisionísticos e anti-
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argumentativos: 1) O primeiro desses elementos consiste na noção de que as diferenças culturais não podem ser resolvidas por meio de argumentação [...]. Desse modo, a argumentação de uma condição pluralista seria deixada de fora da política. 2) O segundo elemento [...] está relacionado à defesa de uma inter-relação estreita entre administração não participativa e preservação da complexidade. De acordo com tal concepção, é a redução das demandas e a capacidade da burocracia de segui-las racionalmente que determina a eficiência [...]. 3) O terceiro elemento da afirmação de uma concepção decisionística de deliberação é a idéia de que o processo eleitoral consiste na aferição de preferências individuais pré-formadas (p. 31).
Em contraposição ao enfoque de decisão democrática, o teórico Jurgen
Habermas se fundamenta no diálogo para o alcance do consenso. O enfoque vai contra a
máxima anteriormente apresentada de que a vontade da maioria é definitiva, mesmo
porque Habermas acredita que as decisões tomadas em sociedade são extremamente
políticas, e portanto, nem sempre a decisão da maioria dos representantes significa a
escolha correta. É por este motivo que se faz necessário que todo e qualquer assunto que
envolva um grande número de pessoas seja discutido amplamente com os atores que
serão atingidos. A esfera pública onde ecoa a opinião do povo deve ser um item
importante na deliberação democrática.
A imagem que Habermas nos oferece para explicitar os processos de comunicação e de decisão do sistema político é aquela que retrata uma relação do tipo centro-periferia. No centro localiza-se a administração, o judiciário e a formação democrática da opinião e da vontade (parlamento, eleições políticas, partidos) que formam o núcleo do sistema político; na periferia, encontra-se a esfera pública composta por associações formadoras de opinião, especializadas em temas e em exercer influência pública (grupos de interesse, sindicatos, associações culturais, igrejas, etc) (FARIA, 2000, p. 49).
Habermas sugere a participação argumentativa, porém, não aponta de forma
clara como que essas deliberações seriam, institucionalmente, acatadas pelo poder
constituído, é quando Joshua Cohen e James Bohman, sugerem, baseados na teoria
habermasiana, maneiras de se efetivar a participação popular e argumentativa. Isso se
daria por meio de fóruns, conselhos e instituições que representam os diversos setores
de uma determinada sociedade.
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Neste sentido, não existem dúvidas de que muitos dos arranjos deliberativos, especialmente aqueles que lidam com decisões sobre questões materiais, como é o caso do orçamento participativo no Brasil, trabalham fundamentalmente com a argumentação em torno de interesses distintos. O que os torna mais democráticos que os arranjos estatais baseados na aferição de interesses, via formação de maiorias eleitorais, é a presença permanente de um espaço para manifestação de interesses minoritários ou para justificação de uma ação estatal em favor de um interesse determinado (AVRITZER, 2000, p.43)
Em concordância com a lógica do diálogo democrático, no qual Habermas se
baseia, acredita-se que uma importante característica na definição de democracia é o
embate. Em uma sociedade democrática serão as diferenças entre os cidadãos que farão
com que o desenvolvimento aconteça, é a partir dos conflitos que as questões privadas
passam a serem públicas, pois estão emergindo de ideologias distintas para que se
apresente uma terceira que abranja a vontade geral.
O conflito é constitutivo da convivência democrática. Na democracia não existem os inimigos, mas os opositores: pessoas que pensam diferente, querem buscar os objetivos de outra forma, têm interesses distintos dos meus, que muitas vezes conflitam com eles, mas com as quais posso discutir e consensuar metas comuns, colocadas acima das divergências. Para a democracia, a paz não é a ausência de conflito. A paz é o resultado de uma sociedade que é capaz de criar e aceitar regras para dirimir conflitos sem eliminar o outro nem física, nem social, nem psicologicamente. (TORO, WERNECK, 1996, p. 9)
Este artigo se aproximar da conceituação teórica de democracia defendida por
Habermas, onde a comunicação se torna um dos pilares de sustentação das interações
entre os indivíduos para o fim comum da democracia. A pretensão deste artigo é,
portanto, sugerir, além dos instrumentos de participação como os fóruns e os conselhos,
propostos por contemporâneos de Habermas, a mídia como um dos meios de se alcançar
o ponto alto do processo argumentativo e, por conseguinte, a democracia. Nessa
perspectiva, é possível compreender a mídia como um dos grandes articuladores em
uma sociedade democrática. Os meios de comunicação têm o potencial de fornecer
instrumentos capazes de fortalecer a criticidade individual (ANDI, 2009, p.7).
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Dessa forma, a mídia, ao participar da esfera pública como “prestadora de serviços”, isto é, como entidades de “comunicação social”, teria uma função imprescindível nas democracias: informar sobre os acontecimentos levando às pessoas uma gama de dados que, sem esse serviço, não teriam condição de conhecer outras realidades que não as vivenciadas ou relatadas por pessoas próximas. Mais importante, os órgãos da mídia fariam a fiscalização do Estado, exercendo assim a forma mais bem acabada de “controle social”: em relação ao dinheiro público, às ações públicas, numa palavra, aos negócios públicos. (FONSECA, 2011, p. 42)
A comunicação é, portanto, o objeto deste artigo, que objetiva destacar
característica democratizante desta comunicação. Para tanto, o trabalho irá apresentar a
realidade da mídia no Brasil, como esta é concentrada e como isso se intensifica na
história nacional, e por fim, propor soluções para alterações na legislação vigente a fim
de tornar a comunicação social mais democrática e democratizante, e que atinja
comunidades periféricas de forma mais ampla chegando a propor soluções para
utilização de uma mídia alternativa junto ao público jovem morador da periferia de
Londrina. Essa proposta se guia pelas oficinas que serão ministradas pelos integrantes
do Programa de Pesquisa e Extensão: “Juventude e Violência: da violação à garantia de
direitos”, durante o ano de 2018.
1. A CONCENTRAÇÃO DA MÍDIA E SUA NOCIVIDADE PARA A
DEMOCRACIA
A mídia, portanto, tem potencial para ser um instrumento de efetivação da
democracia em uma sociedade livre, porém, só se alcança uma sociedade realmente
democrática quando os meios de comunicação são democráticos e democratizantes. O
fluxo informativo não deve estar limitado a poucos emissores e a poucas ‘vozes’, se faz
necessário a diversidade de opiniões e visões de mundo.
O que se percebe, no entanto, é que a realidade brasileira se configura de
maneira contrária ao que se pode chamar de uma esfera pública midiática democrática,
isso porque os meios de comunicação nacionais estão concentrados em poder de poucos
grupos, e, majoritariamente, associados a empresários que, devido à lógica econômica
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do sistema capitalista, buscam como objetivo principal a lucratividade, distanciando
estes da sua potência no controle social.
Assim sendo, a imprensa brasileira que se apresenta como defensora dos
interesses públicos em função da especificidade da mercadoria que produz - a notícia -
está vinculada à esfera privada, e age, meticulosamente, em congruência à ideologia do
capital privado. A complexidade que envolve a associação entre notícia e mercadoria,
faz com que este setor do mercado seja negligenciado, tanto pela sociedade civil, que
confia demasiadamente no que é veiculado pela mídia11, quanto pelo Estado que não
dedica a devida atenção às empresas de mídia, haja vista seu potencial de dano às
“pessoas, instituições, grupos sociais e às sociedades, na medida em que possui o poder
de, no limite: fabricar e distorcer imagens e versões a respeito de acontecimentos e
fenômenos, simultaneamente à sua função de informar.” (FONSECA, 2011, p. 47). Essa
falta de ‘controle’ da mídia por parte do Estado, sempre fundamentada na “liberdade de
expressão”, privilegia estas empresas que não respondem a instituições de controle
direto.
Note-se que num mercado tão pouco competitivo como o brasileiro, sobretudo no setor de periódicos e de emissoras de tv, este (o mercado) certamente não é o lócus central com vistas à maior democratização do acesso à informação. Aliás, dificilmente o mercado per se possui esta função. Quanto ao poder Judiciário, dado que inexiste lei de imprensa no Brasil, à Justiça cabe julgar os crimes específicos da imprensa através das leis gerais dos crimes contra a honra, o que faz que, por exemplo, o direito de resposta, crucial à democracia e à própria honra dos atingidos, seja extremamente frágil no Brasil. Nesse sentido, o julgamento dos “crimes de opinião” submetem-se aos códigos civil e penal, reconhecidamente insuficientes quanto à punição dos “abusos da opinião”, sobretudo dos proprietários dos meios de comunicação. Não bastasse isso, a lei e o aparato judiciário são condições necessárias, mas jamais suficientes para a democratização dos meios de comunicação, dada a necessidade de controles sociais dos mesmos. (FONSECA, 2011, p.49)
11 Em pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), foi constatado que 59,1% dos entrevistados confiam na imprensa como instituição. O índice de confiança só não é maior que a porcentagem de confiança do “Juizado de pequenas causas” (71,8%).
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A preocupação relacionada à restrição do livre pensamento se justifica devido
aos anos de censura durante o regime militar no Brasil, e na América Latina. Os meios
de comunicação à época não possuíam liberdade para produção das pautas as quais
necessitavam da aprovação federal para sua divulgação, essa conjuntura, evidenciava a
falta de um espaço democrático para debate crítico sobre o Brasil. Esse espaço de fala
segregado, e o distanciamento de um ambiente socialmente democrático fez com que
movimentos sociais emancipatórios iniciassem um novo campo da comunicação, a
comunicação popular, que tinham como objetivo a emancipação social.
2. A DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO
A comunicação popular, inicia suas articulações, como colocado acima,
durante as décadas de 1970 e 1980 no Brasil e na América Latina. Esse fenômeno surge
como forma de enfrentamento ao poder constituído. Essa “nova” modalidade de
comunicação, ganha espaço em meio aos movimentos populares, modificando,
inclusive, o campo de estudos da comunicação. O que antes era visto como o campo
para se debater sobre o meio, canal e mensagem, se amplia alcançando termos como
cultura, sociedade, relações, antagonismos, e etc. (BERGER, apud PERUZZO, 1998, p.
113). A comunicação popular, foi, portanto, além de um instrumento para a conquista
da democracia, uma oportunidade de ampliar a discussão que cerca a comunicação e a
sua influência na sociedade.
Realizada por movimentos sociais, este modelo de comunicação buscava
alcançar mobilização em prol da democracia e, para Peruzzo (1998), se caracterizavam
como espaço para evidenciar um contexto de embate entre segmentos sociais; seu
conteúdo, via de regra, se caracterizava por possuir um caráter emancipador e crítico;
significava espaço para expressão democrática; buscava ampliação de canais para
expressão das opiniões, e trazia o povo como protagonista. Estes canais se caracterizam,
“sobretudo, como instrumentos simples e de baixo custo, em flagrante contraste com o
progresso tecnológico já ao dispor da sociedade, mas inacessível, sob o ponto de vista
da emissão de mensagens, para a maioria dos segmentos organizados das classes
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subalternas” (PERUZZO, 1998, p. 148), dada as devidas ressalvas em relação a época
que Peruzzo escreve, é possível perceber um avanço tecnológico que modifica os fluxos
comunicativos, inclusive dentro dos movimentos sociais. “Essa crescente evolução dos
elementos tecnológicos na sociedade capitalista tem revolucionado significativamente o
modo de viver, pensar, agir e comunicar” (SILVA; CORREIA; LIMA. 2010, p.215). No
entanto, ainda assim a comunicação popular está distante dos grandes instrumentos
tecnológicos de produção da informação.
Esse fluxo anti hegemônico, encampado pela comunicação popular, passa a ser
conhecido com diferentes nomenclaturas, dentre elas: comunicação alternativa, a qual
surge da imprensa alternativa, produzida por jornalistas e profissionais de comunicação
dentro de pequenos veículos de comunicação (PERUZZO, 2009, p. 373); e a
comunicação comunitária ligada diretamente à comunidade que como afirma Peruzzo
(2009, p. 376), “se funda em identidades, ação conjugada, reciprocidade de interesses,
cooperação, sentimento de pertença, vínculos duradouros e relações estreitas entre seus
membros”.
Com o tempo as nomenclaturas e suas especificidades foram se modificando e
se complementando. Atualmente a comunicação popular pode surgir de uma
comunidade e também ser produzida pela imprensa alternativa. Assim sendo, muitos
teóricos passam a utilizar somente um dos termos ou os três como sinônimos. Assim
como coloca Peruzzo:
[...] a comunicação comunitária – que por vezes é denominada popular, alternativa ou participativa – se caracteriza por processos de comunicação baseados em princípios públicos, como não ter fins lucrativos, propiciar a participação ativa da população, ter – preferencialmente – propriedade coletiva e difundir conteúdos com a finalidade de desenvolver a educação, a cultura e ampliar a cidadania. Engloba os meios tecnológicos e outras modalidades de canais de expressão sob controle de associações comunitárias, movimentos e organizações sociais sem fins lucrativos. Por meio dela, em última instância, realiza-se o direito de comunicar ao garantir o acesso aos canais de comunicação. Trata-se não apenas do direito do cidadão à informação, enquanto receptor – tão presente quando se fala em grande mídia –, mas do direito ao acesso aos meios de comunicação na condição de produtor e difusor de conteúdos. (2009, p. 375 - 376)
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O que se pode evidenciar é que a participação do indivíduo e de seus coletivos,
envolve todo um processo de satisfação de interesses e necessidades de consumo de
bens de uso coletivo e individual, as quais podem ser aprimoradas por meio da
comunicação alternativa. “Ao tratarmos da participação na perspectiva da democracia
da comunicação, é recomendável percorrer um caminho que nos favoreça captar o
processo com mais profundidade, penetrando na radicalidade do contexto onde ele se
concretiza” (PERUZZO, 1998, p. 143), a sugestão feita por Peruzzo é a de superar o
‘superficialismo’ opinativo e da denúncia. A participação deve abranger todos os passos
a serem dados pelos instrumentos de comunicação, “é premente tentarmos compreender
o envolvimento popular na produção, no planejamento e na gestão da comunicação
comunitária, como forma até de contribuir para o avanço em qualidade participativa e
na conquista da cidadania”. (PERUZZO, 1998, p. 143-144).
2.1 A comunicação no Brasil: história, problemática e obstáculos jurídicos
A concentração oligopólica dos meios de comunicação no Brasil reflete a
incapacidade do Estado em limitar o ímpeto privado da grande mídia, que tem seus
procuradores em todos os níveis do Poder Público. A concentração é de interesse de
quem possui os meios de comunicação, já que através do controle da mídia é possível
manipular a informação e formar a opinião das massas de acordo com seus interesses
próprios.
A distribuição política de concessões de radiodifusão no Brasil é ostensiva
desde os anos 50, se intensificando durante a ditadura militar, a qual distribuiu um
grande número de outorgas nos últimos anos do regime. O ápice foi no governo do
General Figueiredo (1979-1985). Conta-se que enquanto em todo o ano de 1983 foram
outorgadas 80 concessões, em 1984, foram 99, mas apenas nos últimos 74 dias de
governo foram editados 91 decretos de concessões de canais de radiodifusão. Entre os
beneficiários dessas concessões, estavam desde figurões da grande mídia, como o
Sistema Brasileiro de Telecomunicações (SBT) e Bandeirantes, até emissoras
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completamente desconhecidas, que ali se encontravam por pertencer a aliados políticos
do presidente da República e até mesmo amigos de sua esposa. (LIMA, 2011). Este
momento pode ser caracterizado como o de maior concentração dos emissores da
informação.
A escancarada distribuição das concessões a aliados políticos e amigos do
presidente da República provocaram a mídia, como no caso da Revista Veja, que em
sua edição de 27 de março de 1985, no artigo “Concessões em exame”, citado por Lima
(2011, p. 53) publicou:
No Paraná, duas emissoras de TV foram concedidas a um grupo estreitamente ligado ao deputado José Carlos Martinez, também do PDS, que já possui outros dois canais de televisão. Num dos casos [...] o decreto de outorga à empresa de televisão Carimã foi publicado no Diário Oficial da União em 5 de dezembro do ano passado, e o resumo do contrato saiu na véspera do Natal, mas surgiu um problema – não havia canal disponível para Cascavel. Solução: no dia 4 de fevereiro – depois, portanto da concessão – publicou-se uma portaria mexendo no Plano Básico de Distribuição para nele incluir a cidade paranaense.
Tamanha a repercussão das novas concessões que o então candidato – que viria
a ser eleito presidente da República – Tancredo Neves, prometeu, durante uma reunião,
que se eleito, viria a estudar detidamente os critérios de distribuição dos canais de
radiodifusão ocorrida no governo Figueiredo. Depois de eleito, relata-se que Tancredo
mencionou a democratização dos meios de comunicação durante uma entrevista,
citando que, na área, prevalecia o "espírito autoritário" e a distribuição das concessões
por critérios "exclusivamente políticos, partidários e até personalistas". (LIMA, 2011).
Há parca regulação do sistema midiático no Brasil ainda que a Constituição
Federal, no caput de seu art. 223, preveja: “Art. 223. Compete ao Poder Executivo
outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão
sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas
privado, público e estatal.”
Há um diploma normativo datado de 1962, qual seja a Lei n. 4.117/1962,
chamado de Código Brasileiro de Telecomunicações. Trata-se de uma lei extremamente
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ultrapassada frente às novas formas de operação da mídia, novas tecnologias e que se
encontra fragmentada por normas avulsas e posteriores. (BARROS, 2017).
É fato que o legislador tem sido extremamente generoso com o seleto grupo de
detentores das autorizações do Poder Público para gerir e operar a radiodifusão no
Brasil. Prova disso é que no ano em que a Carta Constitucional completa 30 anos, o
Poder Legislativo continua em mora com tal determinação. Como demonstrado, a
Constituição Federal estabeleceu a observação de um critério (ou princípio) de
complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal no uso do sistema de
radiodifusão, ou seja, a Constituição Federal de 1988 determinou a edição de lei que
regulamentasse tal artigo, pois a simples interpretação do art. 223 não é suficiente para
estabelecer sua aplicação em situações concretas.
Para Barros (2017), a concentração dos grandes meios de comunicação em
monopólios ou oligopólios (Grupo Globo, Bandeirantes, Folha, etc.) importa em
desrespeito ao ditame constitucional previsto no §5º do art. 220 da Constituição Federal,
que preceitua: "Art. 220 [...]§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.". Desta feita, as disposições
mandamentais da Constituição não têm sido respeitadas, levando em consideração os
grandes conglomerados existentes no setor da mídia.
Nesta feita, afirma Lima (apud BARROS, 2017):
O resultado dessa interpretação é a formação e a consolidação no Brasil de um sistema de mídia, protagonizado pela iniciativa privada comercial, que tem, desde as suas origens, a propriedade cruzada e a concentração como uma de suas principais características. Não há melhor exemplo que os Diários e Emissores Associados e as Organizações Globo, os dois maiores grupos de mídia historicamente já existentes no país.
As concessões, como se observa desde o governo do presidente Figueiredo,
têm origem, basicamente, a partir de relações espúrias com políticos. Sobre o assunto,
comentam Girardi e Jacobus (2009, p. 28): "Na média, um em cada três congressistas
(deputados e senadores) é dono ou testa de ferro de emissora de rádio e/ou TV. [...] na
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mídia comercial [...] todas as rádios e TVs comerciais conseguem suas licenças com a
intermediação de algum político."
Barros (2017) alude a respeito da situação existente no Congresso Nacional.
Segundo ele, há um vínculo histórico entre deputados federais e senadores com as
concessões de rádio e TV, geradoras de um fenômeno que Lima (2011 p. 81) denomina
"coronelismo eletrônico", criando assim uma situação extremamente contraditória, onde
o poder concedente (o Congresso Nacional) se confunde com o próprio concessionário.
A lei, por refletir o interesse do legislador, também é manipulada pelos grandes
interesses desde que se há registro. A Constituição Federal, apesar de representar
avanços em inúmeras áreas e situações, apresenta em algum de seus artigos nítida
intervenção dos interesses do status quo midiático.
Neste sentido, Lima (2011) elenca inúmeros problemas no ordenamento jurídico
que rege a televisão no Brasil. A primeira delas seria o fato de que televisão aberta e
televisão "a cabo" são tratadas diferentemente. Enquanto a Lei 4.117/1962 trata a
televisão aberta como radiodifusão, a Lei 8.977/1995 define a televisão "a cabo" como
telecomunicação. Assim, o mesmo programa, transmitido por um canal de televisão
aberta e por um canal de televisão à cabo seria submetido a diferentes normas
reguladoras e seria, num canal, radiodifusão, e no outro, telecomunicação. (LIMA,
2011).
O segundo problema é o prazo de concessão. Regulado atualmente pela Lei n.
13.424/2017 e pelo art. 223, §5º12, a concessão dura dez anos para o rádio e quinze para
a televisão, o que deturpa a lógica de concessão e leva os concessionários a terem a
equivocada percepção de serem proprietários daquilo que na realidade é uma concessão
temporária de um serviço público outorgado pela União com participação do Congresso
Nacional. Dessa forma, o prazo da concessão deveria ser reduzido, também como forma
de pressionar os concessionários a observarem fielmente a normatização do meio, em
12 Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização
para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. [...]§ 5º O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão.
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especial o art. 221 da Constituição Federal, que estabelece princípios básicos a serem
observados pelos operadores da radiodifusão em solo brasileiro. (LIMA, 2011).
Outra situação emblemática e extremamente criticada é a previsão do art. 223
da Constituição, em seu parágrafo segundo13, onde há uma regra inversa para a
prorrogação da concessão. Ao invés do Congresso Nacional ter de aprovar a renovação
da concessão de radiodifusão, ela propõe um quórum necessário e votação para a não
renovação da concessão. Conhecido pela sua relação com a mídia, o General João
Baptista Figueiredo determinou, via Decreto n. 88.066/1983 que se o concessionário
requerer a renovação e não houver decisão dos órgãos competentes até a data prevista
para término da concessão, esta será automaticamente renovada. Trata-se de verdadeiro
obstáculo à perda das concessões por aqueles que já as detém há muitos anos e
passaram, visivelmente, a ostentar o status de proprietários daquilo que na realidade é
público. Isso, é claro, com o nítido apoio do governo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mídia e a comunicação foram aqui apresentadas possuindo papel importante
na formação de opinião pública em uma sociedade. No entanto, os meios de
comunicação na realidade brasileira estão sob controle de empresários que atuam pela
lógica do sistema econômico, fazendo deste ofício um empreendimento lucrativo.
Priorizam matérias que instigam o prazer, o poder e o consumismo, privilegiando as
informações de cunho sensacionalistas e por vezes discriminatórias. Essa realidade,
quando correlacionada aos adolescentes e, principalmente, os moradores das regiões
periféricas e em situação de vulnerabilidade, via de regra, possuem um enfoque editorial
que legitima uma pauta ideológica conservadora e higienista, situando-se no âmbito do
senso comum, da criminalização da pobreza, perdendo a capacidade de promover uma
análise crítica sobre os fatos decorrentes da realidade social. Nesta perspectiva, a
juventude passa a ser a causadora primeira da violência em nossa sociedade e não
vítima do sistema.
13 Art. 223 [...] § 2º A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.
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Por meio de seus diferentes canais televisivos, estações de rádio, as empresas
de mídia têm criado, no imaginário da sociedade, a ideia de que a juventude pobre e
moradora da periferia representa uma ameaça, principalmente quando estes estão com
contato com os atos infracionais. Este contexto de contradição entre mídia e a
necessidade de defesa de políticas públicas para a juventude, ratificado pela Agência de
Notícias dos Direitos da Infância - ANDI (2012) em seu relatório sobre a cobertura
midiática envolvendo os jovens, sugere a necessidade de modificações legais e
burocráticas envolvendo a comunicação social no Brasil.
Neste cenário, o Direito, que deveria ser útil ferramenta da democratização e
fiscalização da forma como a qual os concessionários vêm utilizando os meios de
radiodifusão, se tornou, na realidade, instrumento de manutenção do status quo, de
limitação do poder discricionário da Administração Pública, como por exemplo, em
cassar a concessão ou impedir a renovação desta. Este Direito, que deveria ser
instrumento de justiça social, de limitação da autonomia privada destas concessionárias,
tem servido única e tão somente para legitimar os interesses políticos e econômicos dos
detentores da grande mídia, que a utilizam, sem pudor e ao revés da Constituição
Federal, como ferramenta de alienação e de incentivo ao consumo das massas.
A regulação da mídia tem se mostrado importante ferramenta de limitação do
poder da mídia no contexto social de inúmeros países que a tem adotado, como Reino
Unido, Estados Unidos da América do Norte, França, Suécia, entre outros. No Brasil a
democratização e regulação da mídia poderia se tornar importante ferramenta da
democratização do acesso à informação, principalmente como instrumento jurídico para
impedir o monopólio, oligopólio e propriedade cruzada nos meios de comunicação,
porém vem esbarrando na influência política que os meios de comunicação exercem
sobre o Poder Público como um todo.
Desta forma, para que no Brasil debate atinja a relevância social necessária
para provocar o Legislativo, ainda há um grande caminho a ser percorrido. Como se
sabe, durante as eleições de 2014, Dilma Rousseff pautou o tema em sua agenda política
para o caso de reeleição e o assunto tornou-se iminente. Rapidamente os grandes
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veículos midiáticos e seus arautos se mobilizaram para promover ataques à ideia de
regulação e democratização da mídia, classificando-a como uma tentativa do governo de
censurar e amordaçar a imprensa.14
Este contexto sinuoso entre a sociedade brasileira e o público marginalizado
moradores das periferias, muitas vezes criado pela mídia de massa, foi o que estimulou
a elaboração deste artigo, que teve como objetivo a promoção de reflexões em relação
ao à juventude marginalizada, e as possibilidades de se trabalhar com a comunidade
através de meios de comunicação alternativos, criados e mantidos pelos próprios
moradores. Esta proposta se originou no programa de pesquisa/extensão “Juventude e
Violência: da violação à garantia de direitos”, do Departamento de Serviço Social, que
tem apoio financeiro do PROEXT/MEC/SESu/2015 e busca compreender as diferentes
determinações que levam os jovens a cometerem a violência.
REFERÊNCIAS
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SILVA, Alzira Karla Araujo da ; CORREIA, Anna Elizabeth Galvao Coutinho; LIMA, Izabel Franca de. O conhecimento e as tecnologias na sociedade da informação. Rev. Interam. Bibliot, Medellín , v. 33, n. 1, p. 213-239, June 2010 . Available from <http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-09762010000100009&lng=en&nrm=iso>. access on 14 June 2018.
AVRITZER, Leonardo. Teoria democrática e deliberação pública. Lua Nova, São Paulo , n. 50, p. 25-46, 2000 . Disponível em: <https://goo.gl/6mVWGf>. Acesso em: 06 Jan. 2017.
BARROS, Bruno Mello Correa de. O direito à comunicação e à informação na sociedade em rede: a utilização das tic pelo movimento social FNDC como estratégia
14 Cf.”Jornal da Massa: CENSURA! Dilma confirma que vai controlar a mídia”. Disponível em:
<https://youtu.be/rdVkHuIS0-8>. Acesso em: 16 jun. 2018; “MBL: Lula ameaça jornalistas e promete censurar a imprensa se for eleito”. Disponível em: <https://youtu.be/bFv51IrCkNE>. Acesso em: 16 jun. 2018.
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de visibilidade do tema da democratização da mídia no Brasil. 2017. 190 f. Dissertação (Mestrado em Direito) -- Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
GIRARDI, Ilza; JACOBUS, Rodrigo. (orgs.) Para fazer rádio comunitária com "C" maiúsculo. Porto Alegre: Revolução de Ideias, 2009.
LIMA, Venício Artur de. Regulação das comunicações: história, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011.
PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania, Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
_________. Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor. Palabra Clave, Norteamérica, 11, jul. 2009. Disponível em: <http://palabraclave.unisabana.edu.co/index.php/palabraclave/article/view/1503>. Acesso em 13 de dez. 2016.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2.ed., São Paulo: Contexto, 2009.
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Trabalho completo
“LEI Nº 13.415/2017 E RETROCESSOS AOS DIREITOS EDUCACIONAIS DAS JUVENTUDES: REFLEXÕES INTERDISCIPLINARES”
*Ângela Maria de Sousa Lima (Pós-doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da UEM; Profª do Depart.C.Sociais/UEL; Coord. do Projeto de Pesquisa “Juventudes no Ensino Médio: Um Estudo Sociológico em Escolas Públicas da Região de Londrina”). *Angélica Lyra de Araújo (Doutora em C.Sociais pela UNESP; Profª. Depart.C.Sociais/UEL; Colaboradora do Projeto de Pesquisa “Juventudes no Ensino Médio: Um Estudo Sociológico em Escolas Públicas da Região de Londrina”) *Marina Sousa Lima (Graduanda em Artes Visuais pela UEL) José Eduardo Rodrigues Antônio (Graduando em Artes Visuais pela UEL) Giovana do Amaral Silva (Graduanda em Artes Visuais pela UEL)
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RESUMO:
Neste artigo problematizaremos alguns retrocessos provocados pela Lei nº 13.415/17 aos direitos educacionais das juventudes, por meio de uma reflexão interdisciplinar que envolverá saberes das Artes Visuais e da Sociologia, defendendo tais saberes como direitos imprescindíveis ao exercício da criticidade dos estudantes do Ensino Médio. Diferente da pretensa autonomia com a flexibilização dos itinerários educativos, como propaga a mídia, a referida lei acirrará a dualidade estrutural entre trabalho e educação, especialmente àqueles jovens que já sofrem os efeitos da violação de direitos, diante da vulnerabilidade socioeconômica e socioespacial.
Palavras-chave: Juventudes. Sociologia. Artes. Ensino Médio.
INTRODUÇÃO
Como mostra Lahire (2013, p. 20), “na falta de Ciências Sociais fortes [...] os
cidadãos ficariam totalmente desprovidos face a todos os providos (produtores ou
difusores) de ideologia, multiplicados ao longo das últimas décadas [...]. O papel dos
especialistas da comunicação política (melhor, porém, seria falar da “manipulação
política”) ou do marketing, dos jornalistas, dos sondadores, quase cientistas [...] não
parou de crescer, e é, portanto, imprescindível transmitir, o mais racionalmente possível
e ao máximo, os meios de decifrar e de contestar os discursos de ilusão sobre o mundo
social”. Algo que hipotetizamos estar no domínio da Sociologia e das Artes Visuais,
dentre outras áreas do conhecimento que contribuem para a ampliação da criticidade das
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juventudes, para o olhar/pensar o mundo social de maneira mais questionadora,
inclusive empoderando-os para o exercício de seus direitos. Porém, parte das conquistas
dos movimentos sociais, das entidades representativas, dos estudantes, dos sindicatos e
das associações científicas pela obrigatoriedade do ensino de Sociologia e de Artes no
currículo do Ensino Médio se esvai com a publicação da Lei nº 13.415/2017. Dentre
outras variáveis, é esse contexto que problematizaremos nesse artigo, de modo
interdisciplinar, apoiando-nos na pesquisa documental e na revisão bibliográfica.
SOCIOLOGIA COMO DIREITO EDUCACIONAL DAS JUVENTUDES
Desde a década de 1930, a trajetória da Sociologia como disciplina escolar é
marcada pela intermitência, mas após muita luta dos estudantes, dos movimentos
sociais, do sindicato dos sociólogos, das associações científicas e das entidades
representativas dos professores, com a Lei nº 11.684/08, consegue-se alterar o artigo 36
da Lei nº 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para
inclui-la, assim como a Filosofia, como disciplina obrigatória em todas as séries do
Ensino Médio. Suas entradas/saídas das diferentes reformas educacionais no âmbito
federal, assim como de diferentes LDBs (Lei de Diretrizes e Bases) acendeu muitos
debates. Porém, mesmo que nas primeiras décadas do século XX ela tenha integrado os
currículos das chamadas Escolas Normais e dos Cursos Preparatórios, chegando a ser
exigida até em alguns vestibulares de universidades importantes, as reflexões em torno
de sua relevância tornam-se mais significativas quando aparecem os primeiros cursos
superiores de Ciências Sociais, em São Paulo, no Paraná, no Rio Janeiro e no Distrito
Federal. Desde então, há inúmeros pensadores brasileiros e não brasileiros preocupados
em registrar a relevância de sua inserção como disciplina no currículo da Educação
Básica. Uma das suas contribuições centra-se na ampliação do pensamento crítico das
juventudes, mas é algo que a Sociologia não exerce sozinha no Ensino Médio.
Muito se tem falado do poder de formação dessa disciplina, em especial na formação política, conforme consagra o dispositivo legal (LDB nº 9.394/96, Art. 36) quando relaciona “conhecimentos de
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Sociologia” e “exercício da cidadania”. Entende-se que essa relação não é imediata, nem é exclusiva da Sociologia a prerrogativa de preparar o cidadão. [...] Talvez o que se tenha em Sociologia é que essa expectativa – preparar para a cidadania – ganhe contornos mais objetivos a partir dos conteúdos clássicos ou contemporâneos – temas e autores. (BRASIL, OCNs-Sociologia, 2006, p.104).
O livro clássico “A imaginação sociológica”, publicado em 1959 por Wright
Mills, continua sendo um referencial acerca da importância da Sociologia. Embora não
trate de sua relevância como disciplina escolar, apoia-nos no que perseguimos exercitar
pedagogicamente com as juventudes no Ensino Médio, ou seja, ensinar a
imaginar/pensar sociologicamente. A Sociologia produz um sentido de entendimento
que podemos chamar de relacional-interpretativo. Ela não se satisfaz em ver as coisas de
modo isolado. Ela não se encaixa bem nas reivindicações de “encerramento das
atividades” daquilo que não é nem poderia ser hermeticamente selado como proteção
contra influências externas. (BAUMAN; MAY, 2010, p. 285). Um dos papéis centrais
da disciplina de Sociologia foi bem resumido por Florestan Fernandes em um artigo
publicado nos anos 1950, tratando justamente do ensino de Sociologia na escola
secundária brasileira (Atas do 1º Congresso Brasileiro de Sociologia, São Paulo, 1954).
Citando Mannheim, ele diz “enquanto o costume e a tradição operam, a ciência da
sociedade é desnecessária. A ciência da sociedade emerge quando e onde o
funcionamento automático da sociedade deixa de proporcionar ajustamento. A análise
consciente e a coordenação consciente dos processos sociais então se tornam
necessárias”. (apud BRASIL, OCNs-Sociologia, 2006, p.110-111). Para Zygmunt
Bauman e Tim May (2010, p.265) ela oferece algo fundamental à vida social em geral,
ou seja, “uma interpretação das experiências por meio dos processos de entendimento e
de explicação”. Para eles, a Sociologia é um olhar disciplinado:
[...] que analisa como procedemos no cotidiano e aloca detalhes dessa análise em um mapa, que se estende para além de nossas experiências imediatas. Podemos ver como os territórios que habitamos se encaixam e se relacionam com um mundo que não temos oportunidade de explorar sozinhos, mas que pode conformar e estruturar nossa vida. (BAUMAN; MAY, 2010, p. 265).
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Segundo os mesmos autores, a Sociologia “ilumina os meios pelos quais
conduzimos nossa vida; questiona tal adequação com a produção de pesquisas que
incitam e desafiam a imaginação”. Mais do que isso, ela “aborda as coisas com as quais
as pessoas estão familiarizadas, por ângulos inesperados e inexplorados, despertando
um eventual sentimento de confusão, por conta de nossas crenças a respeito de formas
de conhecimento”. (BAUMAN; MAY, 2010, p. 266). Mesmo porque, “aprender a
pensar sociologicamente amplia nossos horizontes de compreensão porque essa ação
não se contenta com a exclusividade e a necessidade de ser definitiva.” (Idem, p. 285).
Bernard Lahire também fala dessa capacidade da Sociologia, especialmente no texto
“Viver e interpretar o mundo social: para que serve o ensino de Sociologia? (2013,
p.17). Segundo ele, “a Sociologia é uma ciência frequentemente forçada a passar tanto
tempo a explicar e a justificar seu procedimento e sua existência quanto a entregar os
resultados de suas análises”. Como mostra Lahire (2013, p. 20-21), “o ensino de
Sociologia, que eu desejaria pessoalmente, o mais precoce possível, desde a escola
primária, tem, a meu ver, um papel crucial para a vida coletiva e para a formação dos
cidadãos nas sociedades democráticas”.
Para Lahire (2013, p. 30), “as Ciências Sociais têm por objetivo ascender a
realidades que permanecem invisíveis frente à realidade social”. Diz ainda que “por seu
trabalho coletivo de reconstrução paciente, elas oferecem imagens particulares do
mundo social, de suas estruturas, das grandes regularidades ou dos principais
mecanismos sociais que os regem. São capazes de elaborar um “conhecimento mediato”
da realidade”. Por esse “conhecimento mediato”, Lahire (2013, p.30), entende
“conhecer o mundo fora da percepção direta ou imediata deste, por reconstrução da
realidade a partir de um conjunto de dados coletados, criticados, organizados, agregados
e postos em forma de diferentes maneiras”. Hoje, as OCNs (Orientações Curriculares
Nacionais) de Sociologia, como um dos documentos nacionais mais referendados nos
currículos, resumem bem não só o sentido e relevância, mas também o papel da
disciplina no Ensino Médio, centrado principalmente nos processos de desnaturalização
e de estranhamento dos fenômenos sociais. Ou seja, “entende-se que esse duplo papel
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da Sociologia como ciência – desnaturalização e estranhamento dos fenômenos sociais
– pode ser traduzido na escola básica por recortes, a que se dá o nome de disciplina
escolar”. (BRASIL, OCNs-Sociologia, 2006, p.107).
Como diz Ileizi L.Fiorelli Silva (2009, p.16), a consolidação da Sociologia
depende de como o sistema de ensino está organizado, das condições de trabalho
pedagógico, da concepção de escola e de currículo, de “como esses docentes
compreendem a função da escola, como pensam a infância e juventude no contexto
atual e como estruturam suas aulas”. Segundo Silva (2009), um dos desafios é pensar os
conteúdos da Sociologia interrelacionados, compreendê-los em suas múltiplas
interrelações e complexidades, com um raciocínio tipicamente sociológico, a partir das
mediações com a realidade. Mas, pelo enfoque metodológico da interdisciplinaridade e
da contextualização, porém isso não significa que a disciplina deixe de ser a referência,
a interdisciplinaridade pressupõe a existência das disciplinas escolares; as disciplinas são constructos históricos, produto da maneira pela qual o conhecimento é produzido; as disciplinas constituem-se como campos do conhecimento – científico, artístico e filosófico. E, por isso, ela busca a integração entre os saberes a partir de novas maneiras de se trabalhar os conteúdos curriculares; quer a aproximação das disciplinas e seus referenciais conceituais para a explicação de um determinado conteúdo; quer ampliar o conhecimento do aluno sobre aquele conteúdo e lança um olhar político sobre a sociedade, sobre a educação, sobre o currículo e sobre as disciplinas. (SILVA, 2009, p.25).
Porém, depois de mais de dez anos com sua presença garantida nos currículos do
Ensino Médio, a Lei nº 13415/17 representa um retrocesso aos direitos educacionais das
juventudes e aos direitos dos profissionais da educação. No lugar do status de
disciplina, tem-se agora “estudos e práticas de...”. Ou seja, segundo a referida lei, “a
Base Nacional Comum Curricular referente ao Ensino Médio incluirá obrigatoriamente
estudos e práticas de Educação Física, Arte, Sociologia e Filosofia (Art.3º, § 2º).
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ARTE COMO DIREITO EDUCACIONAL DAS JUVENTUDES
Nas OCNs-Ensino Médio (2006), os conhecimentos de Artes contemplam
pressupostos teóricos e propostas didáticas relativos às diversas linguagens artísticas –
Música, Teatro, Dança, Artes Visuais e suas repercussões nas artes audiovisuais e
midiáticas. Por ocasião do recorte, nos atemos às Artes Visuais. Iniciamos lembrando
que com a Lei nº.5.692/71, o ensino da Arte passa a fazer parte da área da linguagem,
denominada de “Comunicação e Expressão”. Porém, a LDB/71 implementou o viés da
polivalência no ensino de Arte, pensado na perspectiva tecnicista e descontextualizada
das realidades das juventudes. Não muito diferente da Sociologia, ela nasce como
disciplina no Ensino Médio de modo positivista, hierarquizado e tradicional.
A arte era estudada nas academias de belas-artes e conservatórios de música. Na escola regular, encontravam-se as cadeiras de Desenho, Ginástica e Música. O ensino do Desenho orientava-se pela cópia e pela vertente geométrica. Esta representava uma simbiose entre as correntes positivista e liberal, ora voltada para a qualificação industrial, ora para o desenvolvimento do raciocínio. (BRASIL, OCNs-Artes, 2006, p.170).
A chamada “pedagogização da arte” na escola surge com o Estado Novo. Porém,
como bem mostram as OCNs-Artes (2006, p.171), “a pedagogia tradicional é uma
tendência que atravessou um vasto período, marcado pela coexistência de várias
dimensões do ensino”. Na Escola Nova, o ensino centrava-se no estudante, “sendo a arte
utilizada para a liberação emocional, o desenvolvimento da criatividade e do espírito
experimental na livre solução de problemas”. Porém, “se a proposta da Escola Nova é
reconhecida pela ênfase nos aspectos afetivo e psicológico do aluno, é criticada por
desconsiderar o contexto sociocultural e político”. Mais adiante, no ensino da Arte, “a
pedagogia crítica vincula-se mais diretamente aos movimentos sociais, culturais e
artísticos de resistência à ditadura militar”. (BRASIL, OCNs-Artes, 2006, p.172-173).
Fundamentada na teoria crítica e nas ideias freireanas, buscou-se dar ênfase aos conteúdos histórico-sociais, valorizando os conhecimentos e os processos de aprendizagem pautados na cultura local (popular) e o repertório de saberes do estudante. Porém, à revelia de suas
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principais proposições teóricas e práticas, são apontados certos reducionismos, tais como a recusa das formas eruditas de arte e cultura – consideradas elitistas – e das manifestações da cultura de massa, tidas apenas como meios de alienação. (BRASIL, OCNs-Artes, 2006, p.173).
Segundo as OCNs-Artes (2006), os “anos 1980 e 1990 testemunharam uma
intensa produção de pesquisa e de propostas metodológicas nas várias dimensões do
ensino de Arte”, iniciando pela organização política dos arte-educadores, pela criação
de uma linha de pesquisa em arte-educação na ECA-USP e pelo fortalecimento de
associações da área no Brasil. O marco dessa mobilização se materializa na LDB/1996,
quando;
Defendendo a posição de que “arte tem conteúdo, história, várias gramáticas e múltiplos sistemas de interpretação que devem ser ensinados” (BARBOSA, 2003), os arte-educadores, em um intenso esforço de mobilização, garantem não apenas a inserção da obrigatoriedade de oferta da disciplina, mas também a superação da polivalência. A nova legislação prevê, tanto na educação básica como na formação do professor, o ensino das linguagens – artes visuais, música, dança e teatro. (BRASIL, OCNs-Artes, 2006, p.177).
Desde a década de 1980, há um debate significativo no ensino de Artes, com o
questionamento dos próprios conteúdos a serem trabalhados, denunciando a ênfase às
artes europeia e norte-americana, ou seja, uma arte branca e masculina. (BRASIL,
OCNs-Artes, 2006). Percebe-se que esta perspectiva crítica, de desnaturalização da
realidade é perseguida pelo referido documento. Segundo o mesmo (2006, p.183), “o
objetivo último e fundamental da educação e da presença da arte nos currículos [...] é
capacitar o aluno a interpretar/representar o mundo à sua volta, fortalecendo processos
de identidade e cidadania”. Compreendendo que este mundo é marcado por múltiplas
dimensões culturais, sociais, políticas, ideológicas e econômicas, o trabalho desse
profissional precisa ser contextualizado para conseguir valorizar a multiplicidade das
diferenças/diversidades, com foco na redução das diversas desigualdades. Pois, “a
valorização da pluralidade/diversidade cultural em todos os âmbitos e manifestações da
arte contempla conceitos/princípios básicos da disciplina Arte” (BRASIL, OCNs-Artes,
2006, p.203). É necessário valorizar os diversos repertórios culturais presentes nas
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diversas linguagens (verbal, visual, musical, corporal e suas mixagens) dos diferentes
sujeitos e seus diversos quadros de referências culturais, que estão inscritos no tempo
histórico e no seu contexto social. Nesse sentido, “o objetivo da escola é ampliar e
aprofundar esse olhar, alimentando-o com outras referências, em um processo de
aprendizagem significativa”. (BRASIL, OCNs-Artes, 2006, p.187). Com as juventudes,
essa ampliação pode ser alcançada cotidianamente na escola, possibilitando-os
pesquisar, criar, ousar e participar ativamente no processo ensino-aprendizagem da
Arte. Aqui a relevância das Diretrizes Curriculares Nacionais (2013) quando
recomendam para todas as disciplinas a ênfase na pesquisa como princípio pedagógico,
no trabalho como princípio educativo e nos direitos humanos como princípio social.
Já, segundo as DCE/PR-Artes (2008, p. 54), “o enfoque dado ao ensino de Arte
na Educação Básica funda-se nos nexos históricos entre arte e sociedade”. De antemão,
pensa-se que a maneira de ver/sentir, significar/ressignificar e representar o mundo
social, por meio do que cada grupo social compreende como arte, só pode ser
problematizada levando-se em conta o tempo histórico e os diferentes contextos sociais,
culturais, econômicos e políticos que marcam as múltiplas relações entre os seres
humanos. No mesmo documento são abordadas as concepções “arte como ideologia,
arte como forma de conhecimento e arte como trabalho criador”, tendo como referência
o fato de serem as três principais concepções de arte no campo das teorias críticas.
Assim como as demais propostas curriculares das disciplinas que compõem as DCE/PR,
o trabalho é tido como “categoria fundante”, ou seja, como princípio educativo no
processo de ensinar/aprender. O mundo da cultura, pensado na perspectiva histórico-
crítica, é problematizado pela compreensão de que a arte é um trabalho criador.
Significa dizer que o ser humano “transformou o mundo e a si próprio pelo trabalho e,
por ele, tornou-se capaz de abstrair, simbolizar e criar arte. Assim, em todas as culturas,
constata-se a presença de maneiras diferentes daquilo que hoje se denomina arte.”
(PARANÁ, DCE/PR-Artes, 2008, p.54). Segundo tais Diretrizes (2008, p. 55), “a
história social da arte demonstra que as formas artísticas exprimem sua
contemporaneidade por serem produção do homem, um ser que é simultaneamente
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constituído/constituinte do social”. Aqui lembramos Bauman e May (2010, p. 282)
quando afirmam que “somos coautores e atores da vida social. Ingressamos em formas
de vida, ao mesmo tempo as utilizamos e modificamos, por trazer conosco outras
formas. Cada ato de entrada é criativo e transformacional”. Assim como as ações do ser
social é determinado pelo meio e pode determinar modificações nos demais seres
sociais, as expressões artísticas são determinadas socialmente, “mas também
determinam o contexto histórico, social, econômico e político, isto é, as transformações
da sociedade implicam condições para uma nova atitude estética e são por elas
modificadas”. (PARANÁ, DCE/PR-Artes, 2008, p.55). Há, portanto, uma relação
indissociável entre homem/sociedade/cultura. Essa última compreendida aqui como
produção criativa e direito de todos os grupos humanos, algo que não se pode
hierarquizar, quantificar ou perceber sob o ponto de vista evolutivo. É nesse contexto,
que a arte é entendida como “fonte de humanização”.
por meio dela o ser humano se torna consciente da sua existência individual e social; percebe-se e se interroga, é levado a interpretar o mundo e a si mesmo. A Arte ensina a desaprender os princípios das obviedades atribuídas aos objetos e às coisas, é desafiadora, expõe contradições, emoções e os sentidos de suas construções. Por isso, o ensino da Arte deve interferir e expandir os sentidos, a visão de mundo, aguçar o espírito crítico, para que o aluno possa situar-se como sujeito de sua realidade histórica. (PARANÁ, DCE/PR-Artes, 2008, p.56).
Na perspectiva das DCE/PR-Artes (2008, p.56), “educar os alunos em arte é
possibilitar-lhes um novo olhar, um ouvir mais crítico, um interpretar da realidade além
das aparências, com a criação de uma nova realidade, bem como a ampliação das
possibilidades de fruição”. Neste contexto, as OCNs-Artes (2006, p.201-202) defendem
uma agenda afirmativa na escola, “com implementação de ações propositivas, pautadas
na reflexão sobre a experiência teórica e metodológica que se concretiza nas práticas
escolares e comunitárias”, de modo que o trabalho do profissional de Arte propicie um
“diálogo polifônico entre os diferentes atores do processo educacional, tendo em vista
contemplar, no contexto do cotidiano escolar, uma perspectiva avaliativa/crítica da
realidade”. Portanto, retomando seus pressupostos, três interpretações fundamentais da
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Arte consideradas por Vázquez são enfatizadas pela referidas DCE/PR como elementos
fundamentais que norteiam/organizam a metodologia, a seleção dos conteúdos e a
avaliação de Arte na Educação Básica, ou seja, “Arte como forma de conhecimento;
Arte como ideologia; Arte como trabalho criador”. Como forma de conhecimento, o
documento diz que a arte é um conhecimento sensível de um aspecto específico da
realidade do homem como ser vivo e concreto, na unidade e riqueza de suas
determinações [...]” (PARANÁ, DCE/PR-Artes, 2008, p.57). Ao demonstrar que “arte
não é, nem poderia ser neutra em relação ao contexto socioeconômico-político e cultural
em que é criada”, as Diretrizes apresentam-na como ideologia, ou seja:
A Arte desempenha também, uma função ideológica e pode se tornar elemento de imposição de modos de ser, pensar e agir hegemônicos, pois pela mídia em geral [...] alcança quase toda população do país. Por isso, é fundamental levar ao conhecimento dos alunos as três principais formas de como a arte é produzida e disseminada na sociedade contemporânea. (PARANÁ, DCE/PR-Artes, 2008, p.59).
Neste ponto, o documento explica as diferenças entre arte erudita, arte popular e
indústria cultural, afirmando que “a arte erudita, a arte popular e a indústria cultural são
três formas de contato com a arte na sociedade em que se vive. Todas se relacionam
entre si e estão permeadas por discursos ideológicos”. (PARANÁ, DCE/PR-Artes,
2008, p.60). Aqui, mais uma vez, compreende-se a relevância dessa disciplina na
Ed.Básica e a importância da mediação dialética/crítica/criativa do professor como
profissional conhecedor de sua ciência e da realidade social que instigará as juventudes
a pensar de maneira mais alargada os fenômenos sociais. Para compreender a arte como
trabalho criador ou criação artística, o documento parte do fato “do trabalho configurar
toda a ação histórica e socialmente desenvolvida pelo homem sobre a natureza (ou sobre
o mundo humanizado). Assim, o ser humano vem produzindo sua existência e se
constituindo como ser histórico e social”. (PARANÁ, DCE/PR-Artes, 2008, p.60). No
nosso entendimento, trata-se, recorrendo a Antônio Cândido, de ‘humanizar o homem’
(CÂNDIDO, 1995). O acesso às ciências e às artes deve ser entendido nesse projeto: a
escolha pelo homem de ser mais humano”. (apud BRASIL, OCNs-Sociologia, 2006,
p.109).
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[...] a criação artística é uma ação intencional complexa (ou seja, é um ato simultâneo e conjunto de inteligência, emoção, sensibilidade e poder de decisão) do homem sobre a matéria com o objetivo de nela e/ou com ela criar uma forma/significado que antes dessa ação não existia. Isso implica que na obra de arte o artista objetiva-se no mundo, exterioriza-se (numa matéria concretiza, dá uma forma concreta à sua visão de mundo, apreendida do meio em que vive, suas percepções da realidade dos fatos, etc.) de forma unificada. (PARANÁ, DCE/PR-Artes, 2008, p.60).
Por tudo isso, “a disciplina Arte tem uma forte característica interdisciplinar que
possibilita a recuperação da unidade do trabalho pedagógico”. Ela consegue dialogar
com várias outras ciências na escola e expande esse direito aos jovens. Também
concordamos com o referido documento quando defende;
A concepção de arte como fonte de humanização incorpora as três vertentes das teorias críticas em arte: arte como forma de conhecimento, arte como ideologia e arte como trabalho criador, por reconhecê-las como aspectos essenciais da arte na sua complexidade de produto da criação humana. (PARANÁ, DCE/PR-Artes, 2008, p.62).
No entanto, desconsiderando todas estas contribuições legitimadas nas OCNs e
nas DCE/PR, que coincidem com a consciência/exercício dos direitos das juventudes, a
Lei nº13415/17, por um lado diz que “o ensino da arte, especialmente em suas
expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da Educação
Básica” (Art.3º, § 2º), e por outro torna-a “estudos e práticas de...”. (Art.3º, § 2º).
CONSIDERAÇÕES FINAIS: RETROCESSOS AOS DIREITOS EDUCACIONAIS COM A LEI Nº 13.415/2017
Ao contrário do que propaga a mídia, especialmente as redes de televisão com
propagandas pagas pelo governo federal com o dinheiro dos impostos públicos, a Lei nº
13.415/2017 só representa retrocessos para os direitos das juventudes, arduamente
conquistados com a CF/1988, a LDB/1996 e o PNE (2014-2024), principalmente para
os jovens filhos da classe trabalhadora. Dentre outras perdas, como bem explicita seu
próprio título, ela altera significativamente a Lei nº 9.394/96, o FUNDEB, a CLT já
vitimada pela atual Reforma Trabalhista e revoga a obrigatoriedade do ensino de
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espanhol nas escolas. O fato dessa Reforma ter sido sancionada por Medida Provisória
n° 746, de forma autoritária, desvalorizando a participação das juventudes e o acúmulo
das discussões efetuadas pelos movimentos sociais, com foco apenas em alterações
curriculares justificando excesso de disciplinas, sem propor mudanças estruturais nos
espaços físicos das escolas e nas condições de trabalho dos professores, já causou-lhes
muitas preocupações.
O argumento de que há excesso de disciplinas esconde o que querem tirar do currículo [...]. E o medíocre e fetichista argumento que hoje o aluno é digital e não aguenta uma escola conteudista mascara o que realmente o aluno desta, uma escola degradada em seus espaços, sem laboratórios, sem auditórios de arte e cultura, sem espaços de esporte e lazer e com professores esfacelados em seus tempos trabalhando em duas ou três escolas em três turnos para comporem um salário que não lhes permite ter satisfeitas as suas necessidades básicas. (FRIGOTTO, 2016c, s/p).
Mas as juventudes, como sujeitos socioculturais críticos e preocupados com os
rumos do Ensino Médio, não ficaram calados diante de tais mudanças autoritárias
promulgadas pelo MEC em forma de Medida Provisória.
Trata-se de medida impositiva e autoritária, que ensejou “ocupações” de escolas, universidades públicas e demais instituições de ensino por milhares de alunos em todo Brasil, e principalmente no Paraná, que ficaram conhecidas como “Primavera Secundarista”. Infelizmente tais protestos não conseguiram barrar o caminho de aprovações da MP e também não resultaram em mudanças significativas no referido Projeto de Lei. Por outro lado, as ocupações dos estudantes nas escolas e nas universidades, demarcaram a oposição crítica dos mesmos em relação à esta proposta de reformulação curricular instituída por Medida Pedida Provisória, o que destoa de todo e qualquer caminho democrático de elaboração de políticas públicas de educação. (SOUZA, 2017, p.106).
Prova mais recente da conscientização de seus direitos, professores e juventudes
demonstraram cancelando a segunda audiência pública e suspendendo o processo de
aprovação da Base Nacional Curricular Comum do Ensino Médio que ocorreria no
auditório no Memorial da América Latina, em São Paulo em 08/06/18, conforme
interpreta-se pela reportagem da Revista Nova Escola (PERES; SEMIS, 2008, p.1).
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Esses sujeitos já sabiam que a Lei n°13.415/17, advinda do Projeto de Lei n°34/16 e da
MP n°746/16, ao contrário do que propagavam a mídia e as propagandas do MEC,
ameaçava a efetividade das metas educacionais do PNE (2014-2024), outros direitos
duramente conquistados, sem resolver os altos índices de evasão, de distorção
idade/série e de outros “fracassos escolares”. Ao mesmo tempo em que a nova Reforma
não altera as condições socioeducacionais desiguais a que estão submetidas as
juventudes da classe trabalhadora, antecipa a obrigação do estudante escolher a área de
especialidade já na Educação Básica, retirando-lhes o direito de aprofundar seus
conhecimentos em todas as disciplinas que outrora compunham o currículo e que
continuam configurando os cursos de nível superior, especialmente nas licenciaturas.
Como mostra Ferreti, “a obrigatoriedade da opção na 3ªsérie promove a fragmentação
do processo formativo que antecipa para a Educação Básica (portanto para todos)
processos de especialização que a comprometem e ferem a proposta de integração
constante nas atuais DCNs-Ensino Médio” (2016, p. 86). Além da explícita adoção da
educação a distância como forma de complementação da carga horária, a ausência de
conteúdos essenciais, antes garantidos especialmente pelas Artes, Língua Espanhola e
disciplinas das Ciências Humanas, agora compromete ainda mais a objetivação do tripé,
que já não conseguia formar com qualidade para a vida, o trabalho e a continuidade nos
estudos, como já exigia-se na CF/1988 e na LDB/1996. Em uma entrevista concedida à
Marise Ramos, vinculada a Fiocruz, em 30/09/2016, Gaudêncio Frigotto explicita bem
essa problemática;
[...] o Ensino Médio reduz a formação básica a um mínimo e sonega aos estudantes o direito de ter acesso ao conhecimento em suas mais diversas áreas, o que lhes proporcionaria a compreensão dos fundamentos da realidade produtiva, social, econômica, política, ética e estética da vida, para estreitar sua formação desde muito cedo. (FRIGOTTO, 2016b, p.02).
Erroneamente, o ensino integral é veiculado pela mídia como formação integral.
Há ainda o ataque aos direitos já conquistados com o FUNDEB, através da nova
Política de Fomento que repassará recursos para a readequação de infraestrutura
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somente após a implantação do Ensino Médio Integral pela escola, ou seja, “primeiro
organiza o currículo para o tempo integral da qual os adolescentes permaneceram na
escola com tempo estendido e sem adequação para recebê-los e somente depois o
financiamento será concedido gradualmente por um período extenso de 10 anos”.
(SOUZA, 2017, p.110). Há ainda a questão da vulnerabilidade socioespacial que não foi
considerada, pois o estudante não poderá realizar escolhas de itinerários formativos por
áreas de conhecimento (Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas
Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas; Formação Técnica e Profissional) de forma tão livre como propagam as
mídias e o MEC. A “escolha” dependerá do que a escola ofertará, visto que, se deslocar
do bairro ou município para cursar o itinerário formativo que pretende não será possível
a todos, pois as dificuldades financeiras e de transporte, entre outros fatores podem
restringir tal autonomia. Mais de 45% dos municípios no Brasil só possuem uma escola
estadual. Deste modo, como ficarão estas “escolhas” das juventudes?
[...] muitos jovens das camadas mais pobres, já sem condições de poder usufruir da escola integral, serão empurrados para o ensino técnico para ter acesso mais cedo ao mercado de trabalho e obter alguma renda para eles e suas famílias empobrecidas. Por trás de uma linguagem velada e uma formulação capciosa, temos, assim, um coquetel nefasto de empobrecimento do currículo, agravamento da precarização dos professores e mercantilização do ensino (SEMERARO, 2017, p. 159).
Esta urgência nas mudanças curriculares não considerou essas desigualdades
estruturais. O tempo médio de permanência dos estudantes na escola passará para 4.200
horas, ignorando o fato de que grande parcela das juventudes conciliam a escola e o
trabalho. Sem contar a abertura para contratação de pessoas sem licenciatura, de notório
saber, para atuar no nível técnico profissional, desqualificando a profissão docente, pois
“subentende-se que para ser professor necessita-se, tão somente, do saber tácito e não
do conhecimento científico que envolve os processos de ensino e aprendizagem.
(GOMES, 2017, p. 47).
[...] eles regulamentam a certificação da profissionalização precoce para os jovens e as experiências nos setores produtivos, como práticas
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pedagógicas sem determinar remuneração ou vínculos trabalhistas, legitimando uma forma de escravidão moderna disfarçada de estágio curricular ou posto de aprendiz. Em tempos de desemprego estrutural, os jovens serão lançados cada vez mais cedo ao mercado de trabalho e em condições ainda mais precárias. (GOMES, 2017, p.45).
Como bem mostra Frigotto, isso significa um “[...] fatiamento do Ensino
Médio, com violenta redução de suas finalidades e da formação que deveria ser básica,
unitária e comum a todos os estudantes.” (FRIGOTTO, 2016b, p. 02).
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FRIGOTTO, Gaudêncio. Gaudêncio Frigotto. Rio de Janeiro: EPSJV/FIOCRUZ, 30 set. 2016b. Entrevista concedida a Marise Ramos. Disponível em: <http://periodicos.fiocruz.br/pt-br/content/gaudencio-frigotto>. Acesso em 02/02/2017.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Reforma de Ensino Médio do (des) governo de turno: decreta-se
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FRIGOTTO, Gaudêncio. Reforma de ensino médio do (des) governo de turno: decreta-se uma
escola para os ricos e outra para os pobres. Entrevista em: 22/09/2016c. Disponível em: http://www.anped.org.br/news/reforma-de-ensino-medio-do-des-governo-de-turno-decreta-se-uma-escola-para-os-ricos-e-outra. Acesso em: 21/05/2017.
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FRIGOTTO, Gaudêncio. Reforma de Temer legaliza o “apartheid educacional” no Brasil. Gazeta Santarém. 24/09/2016a. Disponível em: http://www.gazetadesantarem.com.br/opiniao/reforma-de-temer-legaliza-o-%E2%80%9Capartheid-educacional%E2%80%9D-no-brasil-por-gaudencio-frigotto/ Acesso em 01/06/2018.
GOMES, Tainan Rotter Begara. Encontros com a escola e o mundo do trabalho: uma
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SEMERARO, Giovanni. Educação: formar cidadãos conscientes do mundo e dirigentes do
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Trabalho completo
O DIREITO DAS JUVENTUDES AO ENSINO SUPERIOR: ENEM E SISU COMO POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS INCLUSIVAS
Ângela Maria de Sousa Lima (Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP, Pós-doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da UEM/PR, professora do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina, Londrina – PR). Coordenadora do Projeto de Pesquisa “Juventudes no Ensino Médio: Um Estudo Sociológico em Escolas Públicas da Região de Londrina”. Carolina Cunha Manhezzo (Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Uberlândia; Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina; Londrina – PR).
contatos: [email protected] [email protected]
RESUMO:
As desigualdades de acesso ao Ensino Superior (ES) têm sido pautadas ao longo dos últimos anos, de modo que a luta pela universalização, gratuidade e obrigatoriedade do ES tem ganhado força e legitimidade no debate civil e em ações do Estado. Assim, este artigo tem como objetivo perpassar as Constituições Federais, com ênfase na Constituição de 1988, no que se refere à garantia do direito à educação às juventudes, relacionando-as com as Diretrizes Curriculares Nacionais, para compreender o acesso e a permanência ao Ensino Superior, problematizando sociologicamente a relevância do ENEM e do SISU como políticas sociais públicas inclusivas.
Palavras-chave: Direito à educação. ENEM. SISU. Acesso ao ensino superior.
INTRODUÇÃO
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Básica (2013), para
além de ser um direito universal, a Educação Básica é essencial para garantir o exercício
da cidadania em sua plenitude. Para uma sociedade democrática, é necessário a garantia
à educação universal, obrigatória e gratuita. Deste modo, em 2009, o Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM), atrelado à criação da plataforma de Sistema de Seleção
Unificada (SISU), assumiu um novo caráter social e cultural, objetivando democratizar
as oportunidades de acesso às vagas no ensino superior, possibilitando a mobilidade
acadêmica e conduzindo uma reestruturação dos currículos do Ensino Médio.
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Assim, este artigo objetiva analisar as Constituições Federais, com ênfase na
Constituição de 1988, no que se refere à garantia a educação as juventudes,
relacionando-as com as Diretrizes Curriculares Nacionais, a fim de compreender o os
processos de acesso e de permanência ao Ensino Superior, problematizando a relevância
do ENEM e do SISU neste direito. Posto isto, demonstramos como tem persistido as
desigualdades socioeducacionais no Brasil e como o ENEM e o SISU tem se
apresentado como alternativas de políticas sociais públicas mais inclusivas no sentido
de promover ações assertivas que objetivam romper com tais processos.
A EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO CONSTITUCIONAL
Atualmente, há uma concordância de que a educação é um preceito essencial
para a liberdade e autonomia do indivíduo (CURY, 2002). Sendo assim, educação e
democracia são conceitos imprescindíveis e indissociáveis. Não ao acaso, a educação
apenas tomou um lugar notório na Constituição brasileira após um longo período de
ditadura, quando o Brasil dava seus pequenos passos em direção à democracia.
Para Alves Dias (2007), o direito de todos à educação foi aludido tanto na
Constituição de 1824, quando o Brasil ainda era Império, quanto na Constituição
republicana de 1891. Porém, tal direito apenas ganhou ênfase no Artigo 140 da
Constituição de 1934, onde se declara pela primeira vez que “a educação é direito de
todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos”. Quanto a este artigo,
chama-nos a atenção o fato de a responsabilidade de garantir a educação ser dividida
entre família e Estado, amenizando a obrigação do Estado em oferecer educação pública
e de qualidade.
Destaca-se, o caráter restritivo da educação, uma vez que essa não era garantida
a todas as crianças. O Estado só assume o dever para com a educação, apenas entre sete
e quatorze anos, a partir de 1969 por meio de Emenda Constitucional, como exposto no
Artigo 176, § 3° Inciso I e II.
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Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola. § 3º A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: II - o ensino primário é obrigatório para todos, dos sete aos quatorze anos, e gratuito nos estabelecimentos oficiais. (BRASIL, Emenda Constitucional n°1 de 17/10/1969, Art. 176).
De tal emenda, três particularidades devem ser apontadas. Primeiro, como
afirmamos anteriormente, a educação torna-se um dever do Estado. Segundo, apresenta-
se a obrigatoriedade do ensino. Porém, e como terceira particularidade, a
obrigatoriedade é vinculada apenas ao ensino primário, ou seja, a uma parcela ainda
muito restrita da população. Desde a década de 1950 um debate emergia entre os
educadores no Brasil. Discutia-se a necessidade de três elementos para a educação no
país: universalidade, obrigatoriedade e gratuidade (DIAS, 2007). Mas, tal debate apenas
tomou forma com a Constituição Federal de 1988. Nesta, a educação apresenta-se como
um direito fundamental de natureza social.
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90 de 2015, Art. 6º).
Assim, ao tornar a educação um direito social esta converte-se em um bem
comum, “já que representa a busca pela continuidade de um modo de vida que,
deliberadamente, se escolhe preservar” (DUARTE, 2007). O Artigo 205 assegura o
dever do Estado em viabilizar o direito à educação, fazendo com que as demais normas
do sistema constitucional procurem promover plenamente o direito à ela (DIAS, 2007).
Afinal, “o desafio posto pela contemporaneidade à educação é o de garantir,
contextualizadamente, o direito humano universal e social inalienável à educação”
(BRASIL, DCNs-Ed.Básica, 2013, p.16).
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, Constituição Federal de 1988, Art. 205).
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Também podemos observar no Art. 205 da CF/1988 que assim como na
Constituição de 1934, a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família”.
Porém, ao observarmos tal artigo acrescido de todos os outros que discorrem sobre
educação, veremos que na Constituição de 1988 o Estado assume a responsabilidade de
ofertar e garantir o acesso à educação gratuita a todos os cidadãos. Nas DCNs-
Ed.Básica (2013, p.17), a Educação Básica é registrada como “direito universal e
alicerce indispensável para a capacidade de exercer em plenitude o direto à cidadania”.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União; V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; (BRASIL, Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998, Art. 206)
Nos textos explicitados, vemos a garantia de direitos trabalhistas fundamentais
aos profissionais do magistério, conquistados pelas lutas persistentes dos movimentos
sociais, dos sindicatos e das diferentes entidades representativas. O direito das
juventudes à uma Educação Básica de qualidade, que lhes possibilite acesso e
permanência no Ensino Superior traça interfaces com a garantia desses direitos que
viabilizam relações e condições mais dignas de trabalho aos professores.
Importante lembrar que “considerando a importância do profissional do
magistério e de sua valorização profissional, assegurada pela garantia de formação
inicial e continuada, plano de carreira, salário e condições dignas de trabalho”, as mais
recentes diretrizes curriculares nacionais que orientam a formação inicial e continuada
de professores, reforçam esses direitos. (BRASIL, Resol.CNE/CP nº 02/2015).
Compete aos sistemas de ensino, às redes e às instituições educativas a responsabilidade pela garantia de políticas de valorização dos profissionais do magistério da educação básica, que devem ter assegurada sua formação, além de plano de carreira, de acordo com a legislação vigente, e preparação
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para atuar nas etapas e modalidades da educação básica e seus projetos de gestão, conforme definido na base comum nacional e nas diretrizes de formação, segundo o PDI, PPI e PPC da instituição de educação superior, em articulação com os sistemas e redes de ensino de educação básica. (BRASIL, Resol.CNE/CP nº 02/2015, Art.18).
Este documento referencial na orientação das reformulações curriculares dos
cursos de formação de professores trata da valorização desses profissionais e registra
como que tal valorização se concretiza em direitos;
A valorização do magistério e dos demais profissionais da educação deve ser entendida como uma dimensão constitutiva e constituinte de sua formação inicial e continuada, incluindo, entre outros, a garantia de construção, definição coletiva e aprovação de planos de carreira e salário, com condições que assegurem jornada de trabalho com dedicação exclusiva ou tempo integral a ser cumprida em um único estabelecimento de ensino e destinação de 1/3 (um terço) da carga horária de trabalho a outras atividades pedagógicas inerentes ao exercício do magistério. (BRASIL, Resol.CNE/CP nº 02/2015, Art.18, § 3º).
Já o trecho do Artigo 208 da CF/1988 recorda bem um dos preceitos enfatizados
nas DCNs-Educação Básica (2013, p.16), ou seja, “compreender e realizar a educação,
entendida como um direito individual humano e coletivo, implica considerar o seu
poder de habilitar para o exercício de outros direitos”. Mesmo porque “a educação é
processo e prática que se concretizam nas relações sociais que transcendem o espaço e o
tempo escolares, tendo em vista os diferentes sujeitos que a demandam”.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996).I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009). II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (BRASIL, Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14 de 1996, Art. 208).
Cabe enfatizar ainda que “para que se conquiste a inclusão social, a educação
escolar deve fundamentar-se na ética e nos valores da liberdade, na justiça social, na
pluralidade [...]”. Pensando por esse prisma, “escola é uma organização temporal, que
deve ser menos rígida, segmentada e uniforme, a fim de que os estudantes,
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indistintamente, possam adequar seus tempos de aprendizagens de modo menos
homogêneo e idealizado” (BRASIL, DCNs-Ed.Básica, 2013, p.16).
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; [...] VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; [...] VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (BRASIL, Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59 de 2009, Art. 2008).
Deste modo, identificamos êxitos nas lutas por uma educação obrigatória,
gratuita e universal. O Art. 205 e o Art. 214 da CF/88 garantem a universalidade da
Educação Básica, sendo também previsto no Art. 208 “progressiva universalização do
Ensino Médio gratuito”. Ainda, é garantido o acesso ao ensino àqueles que não estão
mais em idade escolar, através da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Igualmente, a
gratuidade foi garantida nos estabelecimentos oficiais e a qualidade atestada pelo Art.
206. No Art.206, o Estado garante “igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola”. Deste modo, cabe ao Estado promover políticas públicas voltadas para o
acesso de todos, independentemente de gênero, cor, credo, etnia, idade, etc., e ainda,
garantir a permanência destes estudantes na instituição de ensino. Como nos mostram as
DCNs-Educação Básica (2013);
A educação destina-se a múltiplos sujeitos e tem como objetivo a troca de saberes, a socialização e o confronto do conhecimento, segundo diferentes abordagens, exercidas por pessoas de diferentes condições físicas, sensoriais, intelectuais e emocionais, classes sociais, crenças, etnias, gêneros, origens, contextos socioculturais, e da cidade, do campo e de aldeias. Por isso, é preciso fazer da escola a instituição acolhedora, inclusiva, pois essa é uma opção “transgressora”, porque rompe com a ilusão da homogeneidade e provoca, quase sempre, uma espécie de crise de identidade institucional. (BRASIL, DCNs-Ed.Básica, 2013, p.25).
Além do exposto, citamos o Art. 209, que garante à iniciativa privada o direito
de proporcionar o ensino desde que cumpra as orientações da legislação: “o ensino é
livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas
gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder
Público”. (BRASIL, CF/1988, Art.209). Até o momento, não houve nenhum ponto em
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que a CF/1988 se referiu especificamente ao Ensino Superior. Porém, tais garantias
referentes à Educação básica são necessárias para que se assegure o direito ao acesso e
permanência ao Ensino Superior. Para as Universidades é certificado a autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, como explicita o Art. 207: “as
universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão. (BRASIL, Incluído pela Emenda Constitucional nº 11 de 1996).
Referindo-se a um projeto de nação, embasado na CF/1988 e na LDB/1996, as
DCNs-Educação Básica (2013), assim se pronunciam a respeito da continuidade dos
estudos para os estudantes da Educação Básica;
A qualidade da educação para todos exige compromisso e responsabilidade de todos os envolvidos no processo político, que o Projeto de Nação traçou, por meio da Constituição Federal e da LDB, cujos princípios e finalidades educacionais são desafiadores: em síntese, assegurando o direito inalienável de cada brasileiro conquistar uma formação sustentada na continuidade de estudos, ou seja, como temporalização de aprendizagens. (BRASIL, DCNs-Ed. Básica, 2013, p. 14).
Desse modo, ao garantir a obrigatoriedade, a universalidade e a gratuidade da
educação, ainda que apenas da Educação Básica, a legislação se contrapõe ao caráter
excludente e de favorecimento que a educação assumia até então no Brasil. Porém, para
que tal cunho se desfaça são necessárias Políticas Públicas que garantam o acesso e a
permanência àqueles a quem por décadas foi negado este direito, principalmente nas
universidades. Nesse sentido, seguiremos a analisar algumas políticas surgiram após a
Constituição Federal de 1988, com o objetivo de ampliar o acesso as instituições de
Ensino Superior.
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: ENEM E SISU
Na CF/1988, as políticas sociais receberam um acolhimento que até então não se
tinha dado. Esse feito não se atestou imediatamente na prática como se esperava.
Portanto, se faz necessário medidas específicas do governo que busquem garantir e
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cumprir o que está previsto na CF/88. Tais medidas ou ações podem ser denominadas
como políticas públicas.
Algumas políticas públicas, após anos 2000, despontam-se buscando equidade
no acesso e permanência de todos os alunos, independentemente de renda, cor, gênero,
etnia, etc., nas instituições de Ensino Superior. Tais políticas se fazem necessárias uma
vez que, historicamente, a educação sempre teve uma função restritiva na sociedade
brasileira. Porém, ao se garantir esse direito legalmente, a lógica excludente da
educação não se rompe, mas buscam-se novas formas de mantê-la. Se a Educação
Básica tornou-se mais acessível ao Ensino Superior o caráter excludente se mantém com
exames vestibulares, cobrança de taxas, limite de vagas, cobrança de mensalidades no
caso de universidades privadas, entre outros.
Deste modo, tornou-se necessário o surgimento dessas políticas públicas
educacionais que se empenham em romper com esse cunho excludente. Nelas se
inserem: ENEM; Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI); Lei nº 12.711/2012 - Lei de Cotas Sociais; Instituição
da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, Lei nº
11.892/2008; e políticas e ações voltadas para a iniciativa privada, como o caso do
Programa Universidades para Todos (PROUNI).
Apesar de alguns desses programas surgirem antes, foi a partir de 2003 que
houve um grande investimento no Ensino Superior. Podemos atestar isso
quantitativamente, uma vez que em 2001 havia pouco mais de três milhões de
estudantes no Ensino Superior. Já em 2010 este número subiu para pouco mais de seis
milhões e 300 mil (CARMO et. al, 2014). Em 2015, segundo o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Brasil encontrava-se com
8.027.297 estudantes matriculados em instituições de Ensino Superior, quase triplicando
o número de estudantes universitários em quinze anos.
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O Exame Nacional do Ensino Médio foi criado em 1998 pela Portaria nº 438,
com o objetivo de ser um instrumento de avaliação do Ensino Médio brasileiro, sendo
que, para tal, egressos e concluintes do Ensino Médio deveriam/poderiam realizar o
exame com o intuito de se inserir, de maneira qualificada, no mercado de trabalho.
(QUINALIA, 2014).
Neste primeiro formato, o ENEM deveria avaliar o estudante para além das
disciplinas aprendidas na Educação Básica, pois o intuito era também averiguar sua
formação enquanto cidadão e futuro profissional. Segundo Quinalia, o exame era “um
instrumento de formulação de políticas e discussão de financiamento a partir dos
resultados de desempenho dos examinados” (2014, p.69). Contudo, o ENEM sofreria
grandes mudanças, desde seu formato até seus objetivos. A primeira transformação
significativa ocorreu em 2007, quando este tornou-se a forma de seleção para acesso ao
PROUNI. Assim, a quantidade de inscritos para o ENEM passou por um aumento
substancial, mas os estudantes se inscreviam apenas com o objetivo de ingressarem no
Ensino Superior. Em 2009, o MEC publicou novas orientações para o ENEM,
chamando-o de “Novo ENEM”. Com essa reformulação, acompanhado da criação do
SISU, o ENEM tornou-se uma ferramenta de seleção unificada de processos seletivos
das universidades federais e depois de muitas estaduais e privadas.
As universidades possuem autonomia e poderão optar entre quatro possibilidades de utilização do novo exame como processo seletivo: como fase única, com o sistema de seleção unificada, informatizado e online; como primeira fase; combinado com o Vestibular da instituição; como fase única para as vagas remanescentes do vestibular. (Ministério da Educação, acessado em 11/01/ 2017).
O novo ENEM tinha como objetivo “democratizar as oportunidades de acesso às
vagas federais de ensino superior; possibilitar a mobilidade acadêmica e induzira
reestruturação dos currículos do Ensino Médio” (QUINALIA, 2014). Deste modo, a
partir de 2009 os egressos e concluintes do Ensino Médio poderiam realizar a prova,
serem isentos de taxa de inscrição mediante a comprovação de carência, e após o
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resultado inscreverem-se na plataforma do SISU em qualquer uma das universidades
que utilizavam o sistema como forma de ingresso.
Para aquelas universidades que aderissem ao SISU, havia cinco categorias de
vagas: 1) ampla concorrência, dedicando 50% das vagas para essa categoria; 2)
candidatos com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo,
que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas (Lei nº
12.711/2012), dedicando 10% das vagas para essa categoria; 3) candidatos
autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou
inferior a 1,5 salário mínimo e que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em
escolas públicas (Lei nº 12.711/2012), dedicando 15% das vagas para essa categoria; 4)
candidatos que, independentemente da renda (Art. 14, II, Portaria Normativa nº
18/2012), tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas (Lei nº
12.711/2012), dedicando 10% das vagas para essa categoria; 5) candidatos
autodeclarados pretos, pardos ou indígenas que, independentemente da renda (art. 14, II,
Portaria Normativa nº 18/2012), tenham cursado integralmente o ensino médio em
escolas públicas (Lei nº 12.711/2012), dedicando 15% das vagas para essa categoria.
Esta política social, dentro da política pública do SISU, já considerada aqui
como uma política inclusiva, se faz importante uma vez que ainda estamos distantes de
equipar números que demonstrem igualdade de acesso e permanência na Educação
Básica e no Ensino Superior para todos os grupos sociais indistintamente. Segundo
Oliveira (2014), dos 51 mil adolescentes brasileiros que nunca foram a escola, 29 mil
(56,87%) são negros. Os adolescentes de 15 a 17 anos representam 42% das crianças e
jovens que estão fora da escola. O perfil destes excluídos da educação bate com o do
cadastro único: famílias com renda inferior a 1,5 salários mínimos e chefiadas por
mulheres negras e jovens. (OLIVEIRA, 2014, s/p). Outros estudos mostram também
que a cor da pele é componente central na estruturação das desigualdades no Brasil,
afetando o acesso ao emprego e a maiores níveis de desenvolvimento. No país, negros
vivem, estudam e ganham menos do que brancos. Segundo a Pesquisa Nacional por
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Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), o número de desempregados no
terceiro trimestre de 2017 estava em 13 milhões sendo que, desse total, quase 64% eram
negros. (Nações Unidas no Brasil, 07/05/2018, s/p).
CONSIDERAÇÕES FINAIS: RELEVÂNCIA DO ENEM E DO SISU NO ACESSO DAS JUVENTUDES AO ENSINO SUPERIOR
As DCNs-Educação Básica (2013), quando se referem ao Ensino Médio,
mostram como principais pressupostos para um Ensino Médio de qualidade social, a
indissociabilidade entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura, entendidos como fatores
significativos das dimensões da formação humana. A articulação das dimensões
orgânica e sequencial das etapas e modalidades da Educação Básica e destas com a
Educação Superior, segundo as DCNs-Ed.Básica (2013), implica a ação coordenada e
integradora do seu conjunto.
[...] Isso pressupõe o estabelecimento de regras de equivalência entre as funções distributiva, supletiva, de regulação normativa, de supervisão e avaliação da educação nacional, respeitada a autonomia dos sistemas e valorizadas as diferenças regionais. Sem essa articulação, o projeto educacional – e, por conseguinte, o projeto nacional – corre o perigo de comprometer a unidade e a qualidade pretendida, inclusive quanto ao disposto no artigo 22 da LDB: desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. (BRASIL, DCNs-Ed.Básica, 2013, p.20).
Mas, as persistentes desigualdades de acesso têm nos mostrado que só com
muita luta dos movimentos sociais essa ação coordenada do Estado pode se efetivar. Por
exemplo, estamos muito distantes ainda de concretizar uma das metas do PNE (2014-
2024) de “elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para cinquenta por
cento e a taxa líquida para trinta e três por cento da população de dezoito a vinte e
quatro anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, quarenta por
cento das novas matrículas, no segmento público”. Neste percurso, vale enfatizar a
relevância da inserção dos direitos humanos e demais conteúdos relacionados à
perspectiva inclusiva e democrática da educação, exigidos pela Resolução CNE/CP nº
02/2015, no processo de criticidade, reconhecimento sociocultural e de empoderamento
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dos estudantes, tanto nos cursos de licenciatura, quanto (e, por consequência) na
Educação Básica.
Os cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento ou interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras), educação especial e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. (BRASIL, Resol. CNE/CP nº 02/2015, Art.13, § 2º).
Porém, seguindo os preceitos das DCNs-Direitos Humanos (2013), esta
educação precisa ter por escopo principal uma formação ética, crítica e política, se
pretendemos formar sujeitos que conheçam todos estes direitos aqui problematizados e
vislumbrem formas coletivas de defendê-los politicamente e exercitá-los no cotidiano;
A primeira [formação ética] se refere à formação de atitudes orientadas por valores humanizadores, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a igualdade, a justiça, a paz, a reciprocidade entre povos e culturas, servindo de parâmetro ético-político para a reflexão dos modos de ser e agir individual, coletivo e institucional. A formação crítica diz respeito ao exercício de juízos reflexivos sobre as relações entre os contextos sociais, culturais, econômicos e políticos, promovendo práticas institucionais coerentes com os Direitos Humanos. A formação política deve estar pautada numa perspectiva emancipatória e transformadora dos sujeitos de direitos. Sob esta perspectiva promover-se-á o empoderamento de grupos e indivíduos, situados à margem de processos decisórios e de construção de direitos, favorecendo a sua organização e participação na sociedade civil. (BRASIL, DCNS-Direitos Humanos, 2013, p. 522).
Tal debate nos remete à escolha dos conteúdos que são cobrados no ENEM, uma
vez que esse tem também por objetivo induzir a estruturação curricular do Ensino
Médio. Deste modo, ao valorizar disciplinas como Sociologia, Filosofia e Artes, o
ENEM está incentivando a permanência destas no currículo da escola básica. Da mesma
forma, ao exigir conhecimento sobre os Direitos Humanos, Estatuto da Criança e do
Adolescente, não só na estrutura das questões fechadas, mas principalmente na
elaboração da redação, o ENEM está colocando em prática os conhecimentos dos
estudantes a respeito destes temas, forçando as escolas a adequarem seus conteúdos e
disciplinas nessas perspectivas. Um exemplo prático deste fato se deu no tema de
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redação de 2015, quando o Exame pediu um texto dissertativo-argumentativo sobre “a
persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, apresentando
proposta de intervenção que respeitasse os direitos humanos. Não foi por acaso que
naquele domingo e nos dias/semanas que se sucederam, o debate na sociedade civil
acerca do tema se inflamou.
Contudo, também devemos considerar que, igualmente aos outros vestibulares, o
ENEM é uma prova árdua, com 180 questões, mais do que a maioria dos outros
vestibulares, para serem realizadas em apenas dois dias, mais uma redação. Não é
irrelevante considerar que tal modelo pode apresentar distorções quanto às condições
dos participantes, considerando que há aqueles que, em virtude da significativa
desigualdade social, reúne condições mais favoráveis à preparação para realização do
ENEM.
Ao mesmo tempo, o ENEM traz uma série de singularidades em sua estrutura,
que buscam minimizar os privilégios de determinados grupos. Primeiramente, sua
correção é feita pela Teoria de Resposta ao Item (TRI), avaliando o candidato de forma
qualitativa e não apenas quantitativa. O TRI avalia o estudante não só pela resposta
escolhida, mas por todo o desempenho daquele candidato ao longo da prova e das
características de cada item. Ainda, o fato de o resultado poder ser aplicado a qualquer
instituição que participe do SISU, independentemente da região ou cidade do candidato,
aumenta as possibilidades que eram muito mais restritas àqueles que não tinham
condições de realizar várias provas, em diferentes cidades, em um ano. Além de garantir
o direito de realizar a prova sem pagar as taxas de inscrição a todos àqueles que não têm
condições econômicas, se as comprovarem. Assim, em um primeiro momento, o fator
financeiro deixa de ser uma condição de exclusão para o ingresso nas universidades.
Por fim, devemos dar considerável destaque a um elemento que, talvez, traga ao
ENEM e ao SISU sua maior contribuição e relevância como política social pública mais
inclusiva, ou seja, a sua indissociação ao sistema de cotas sociais. Apesar do sistema de
cotas poder se aplicar a qualquer processo seletivo, ao exigir o ENEM como processo
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seletivo unificado de todas as Universidades Federais, e facultativo para as estaduais, o
Estado garante 50% das vagas do Ensino Superior público a cotitas, proporcionando
assim às juventudes uma maior equidade no acesso as universidades.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. PARECER CNE/CP nº 8/2012. Diretrizes Nacionais para a Educação em
Direitos Humanos. Brasília: DF, 2013.
BRASIL. Resol. CNE/CP nº 02/2015, de 01/07/2015. Define as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos
de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a
formação continuada. MEC. CNE. Brasília. 2015.
BRASIL. Constituições do Brasil: de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas
alterações. Brasília, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1986.
BRASIL. Lei nº 13.005/2014. Plano Nacional de Educação 2014-2024. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. Paraná. Documento-base do Plano Estadual de Educação do Paraná 2015-2015. Curitiba: 2015.
BRASIL. Resol. CNE/CP nº 02/2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação
pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação
continuada. MEC. CNE. Brasília. 2015.
CARMO, Erinaldo Ferreira et al. Políticas públicas de democratização do acesso ao ensino superior e estrutura básica de formação no ensino médio regular. Rev. Bras. Estud. Pedagog. (online), Brasília, v. 95, nº. 240, p.304-327, maio/ago 2014.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, Jul/2002, nº.116, p.245-262.
DIAS, Adelaide Alves. Da educação como direito humano aos direitos humanos
como princípio educativo. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy; DIAS, Adelaide Alves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; FEITOSA, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer; ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares. (org.). Educação em Direitos Humanos: fundamentos teóricos metodológicos. 1ªed.João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2007, v. 1, p. 441-456.
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Nações Unidas no Brasil. Desigualdades raciais no Brasil comprometem
oportunidades de trabalho e desenvolvimento humano. Em 07/05/2018. Disponível em:https://nacoesunidas.org/desigualdades-raciais-no-brasil-comprometem-oportunidades-de-trabalho-e-desenvolvimento-humano/ Acesso em: 14/05/2018.
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Trabalho completo
A POLÍTICA PÚBLICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO NO BRASIL
Eliane Marcheski, advogada, UNESPAR, Campo Mourão-PR. Valéria Cristina da Costa (*), assistente social, UNESPAR, Campo Mourão-PR.
contatos: [email protected] [email protected]
RESUMO:
Esse trabalho tem como propósito realizar um resgate histórico das legislações e de como as políticas públicas trataram em diferentes contextos históricos adolescentes em conflito com a lei, tendo como base de análise a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. A pesquisa bibliográfica sobre a política de atendimento socioeducativo no Brasil, considerando os fatores sociais, políticos e jurídicos, nos aponta a conclusão de que o sistema de garantia de direitos deve trabalhar na perspectiva intersetorial e integral, promovendo a articulação de saberes e experiências para a proteção integral aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.
Palavras Chave: Criança. Adolescente. Socioeducativo.
Esse artigo faz uma descrição da Política de Atendimento Socioeducativo no
Brasil partindo do contexto histórico que após culmina em uma produção legislativa que
embasa o sistema em comento, pois em que pese a construção desta política tenha se
dado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, os fatores sociais e
jurídicos que desencadearam a sua discussão e formação remontam há séculos. Desta
forma, nosso objetivo é estudar os avanços nas políticas públicas destinadas a
adolescentes enquanto autores de atos infracionais, sob uma perspectiva interdisciplinar,
para tanto consideramos o panorama histórico, econômico, social, político e jurídico
com a finalidade de apresentar os fatores que de influência no condicionamento do
processo de formação, implementação e execução da Política de Atendimento
Socioeducativo no Brasil na atualidade à luz do Estatuto da Criança e Adolescente de
1990 e da Constituição Federal de 1988.
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A metodologia é de natureza bibliográfica conceitual, a qual consta com
levantamento documental a respeito das temáticas da socioeducação, da violência
juvenil, da infância e juventude me condições de vulnerabilidade social e da
ressocialização. Foram utilizados como fonte de pesquisas textos de livros, artigos,
jornais, revistas, códigos entre outros. Para além destaca-se que a análises dos
documentos deu-se sob uma perspectiva interdisciplinar pois consideramos a
complexidade do objeto em análise.
Neste cenário, necessário se faz transitar pelo percurso que trouxe esses
adolescentes até a criminalidade, na tentativa de entender quais são os meandros que
permeiam essas trajetórias. Isso porque o que, em que pese ordenamento jurídico em
vigor esteja abarrotado de direitos e garantias fundamentais que visam proteger a
criança e adolescente, em contrapartida, esses direitos não são autoaplicáveis, não foram
criadas condições para que eles sejam exercidos por esses sujeitos de forma igualitária.
São trajetórias marcadas pelo abandono, pela exploração do trabalho infantil, inclusive
para prostituição e trabalhos forçados associado ao descaso do Estado em relação a
essas vivências.
O descaso com a infância e adolescência no Brasil, seja em condição de
vulnerabilidade social, seja na condição de sujeito que incorreu em ato infracional é
histórico. Observamos que até o século XV, não havia um planejamento de projetos
para estabelecimentos de internação de crianças e adolescentes, que cometiam crimes, a
legislação sequer previa a diferenciação de tratamento entre jovens e adultos, e as
prisões não eram pensadas para garantir sequer as condições de higiene, saúde e
alimentação dos detentos. (SHECAIRA, 2015).
No Brasil, a Constituição de 1824, que se fizera sob ideais iluministas, trouxe
avanços significativos ao direito penal, inserindo princípios como a irretroatividade da
lei penal, a igualdade de todos perante a lei e a personalidade da pena etc., após seis
anos de sua vigência promulga-se o Código Criminal do Império, de 1830, no qual:
Embora o elenco de penas continuasse grande, houve claro esforço mitigatório. Os delitos punidos com penas de morte foram reduzidos de 70 para três (insurreição de escravos, homicídio com agravante e
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latrocínio). Nesse momento histórico a prisão como pena substitui as penas corporais e mostra indícios de sua futura supremacia sobre as demais modalidades punitivas (SHECAIRA, 2015, p. 29).
Logo, porém, na legislação brasileira, as casas de correção estivessem previstas
na legislação desde 1830, elas jamais foram construídas. Desta forma, na ausência de
instituição apropriada, os adolescentes, que eventualmente cometessem delitos, eram
alojados em estabelecimentos penais reservado aos adultos (SHECAIRA, 2015, p. 30).
Esses estabelecimentos, tinham como finalidade única de recolhimento, de modo a
impedir que o interno fugisse enquanto aguardava a instrução criminal ou a sentença
propriamente dita. Neste contexto, não havia separação dos presos por sexo, idade ou
qualquer outro critério. Não se considerava o bem-estar físico ou moral do sujeito.
O final do século XIX foi uma época em que ocorreram mudanças
representativas no cenário político, social e econômico, a abolição da escravatura
combinada com o fim do regime monárquico provocou mudanças significativas no
mercado de trabalho, que agora, passaria a funcionar em uma nova dinâmica, marcada
pela industrialização, a exploração da mão de obra assalariada, pobreza e falta de
planejamento urbano (LIMA; VERONESE, 2012).
O capitalismo, sistema de produção que começa e se estabelecer, foi
responsável pela abertura dos mercados, pela produção e pelo lucro, se beneficiando da
ampla disponibilidade de mão de obra, de ex-escravos e de imigrantes; esse cenário, fez
com que trabalhadores fossem despojados de direitos elementares, submetendo-se a
exaustivas jornadas de trabalhos e a salários paupérrimos (LIMA; VERONESE, 2012).
Esse processo elevou ainda mais a precariedade das condições de vida das
camadas mais empobrecidas da população. A falta de saneamento e estrutura das
cidades era um grande problema, o que resultou na proliferação dos cortiços. Nesse
contexto, as crianças e adolescentes eram marginalizadas juntamente com suas famílias,
pois o Estado não investia em políticas públicas sociais. Nesse sentido, é o
entendimento de Lima e Veronese ao citar Priore (2008):
A transformação do trabalho escravo para o assalariado configurou uma nova forma de escravidão. Escravidão vivida pelas altas jornadas de trabalho nas fábricas e pelos salários miseráveis agregados as
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péssimas condições de trabalho. Aliado a isso e ao descaso do governo com assuntos relacionados a infância, o que vislumbrou foi a inserção precoce das crianças no mercado de trabalho, como solução encontrada frente a situação precária e de abandono em que viviam. A crescente industrialização brasileira no final do século XIX “trouxe consigo a imagem de crianças no trabalho fabril”, essas crianças iriam substituir a baixo custo a mão de obra escrava (LIMA; VERONESE, 2012, p. 16).
Cabe aqui uma reflexão: o brilhantismo que proporcionou o crescimento
intelectual, tecnológico, industrial e a globalização, não foi capaz oferecer soluções para
os problemas sociais vigentes à época. Se quer havia essa intenção! O lema positivista
“ordem e progresso” cunhado na bandeira da recente república, retrata bem os anseios
daqueles governantes, controlar a população por meio da disciplina, e direcioná-la para
o trabalho e para o consumo.
O desenvolvimento da República Brasileira teve um elevado custo humano,
baseado na exploração da vida humana, pois quando se explora o trabalho, o bem
vilipendiado é o tempo de vida do trabalhador e, no caso de crianças e adolescentes,
custou-lhes a infância.
A disciplina, por sua vez, adestrava as forças produtivas, pois o quadro
desolador que atingia a população brasileira na época exigia mecanismos de controle
social.
Foi assim que na transição do XIX para o XX percebeu-se que as alternativas encontradas para a proteção da infância empobrecida derivavam praticamente da caridade cristã, do assistencialismo estatal e da filantropia privada. A criança ganhou destaque na sociedade em que ela deixou de ser um elemento secundário, passando a ser valorizada na medida em que representaria o futuro da nação, sendo necessário criar mecanismos que dessem conta de “controlar” a situação das crianças pobres e abandonadas e transformá-las em agentes produtivos para a pátria. Era necessário moldar as crianças e os adolescentes desde pequenos para possibilitar a transformação dos ideais republicanos e a construção de um Estado forte centrado em uma população que é trabalhadora, prestigia e obedece sua pátria (LIMA; VERONESE, 2012, p. 17).
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Paralelo a esse processo coexistia uma prática que ficou conhecida como Roda
dos Expostos15, que tinha por finalidade receber bebês enjeitados, garantindo o
anonimato do doador:
O sistema de rodas proporcionava o anonimato da pessoa que abandonava o bebê na Roda. Eram rompidos os vínculos familiares e dificilmente a criança exposta teria conhecimento da identidade de seus verdadeiros pais. A prática do abandono foi comum em famílias que não queriam desrespeitar os padrões morais e cristãos da sociedade da época, principalmente quando se tratavam de uniões ilegítimas e dos filhos concebidos fora do casamento, ou ainda em casos em que a mãe fosse solteira. Para evitar infanticídios ou abortos o abandono representava a melhor solução (LIMA; VERONESE, 2012, p. 19).
Após recebida pela instituição a criança seria criada por uma ama de leite16. Os
índices de mortalidade infantil eram altíssimos e com isso nasce um processo de
abandono de infantes que foi muito importante para propiciar um cenário de
marginalidade e “delinquência” juvenil. “De início o atendimento era feito aos órfãos
abandonados, posteriormente sendo ampliado para ‘pervertidos’. A assistência era
predominantemente caritativa, resumindo-se a educação a atividades domésticas”
(SHECAIRA, 2015, p.31).
Com a extinção da escravidão, ocorreram mudanças drásticas na exploração do
trabalho doméstico, muitas famílias acolhiam crianças da roda dos expostos, que eram
consideradas “filhos de criação”, mas a caridade guardava em si, finalidade nada
generosa:
Com o fim da escravidão, muitas famílias adotaram as crianças negras expostas, assim como as crianças brancas, pois viam nelas futuras trabalhadoras. A caridade e assistência por essas famílias tinham viés econômico, e as crianças eram preparadas para o trabalho, principalmente o doméstico e não tinham seus direitos garantidos por
15 O sistema de rodas foi implantado junto aos muros das Santas Casas de Misericórdia, onde também funcionavam os hospitais de caridade e consistia num sistema que comportava um recipiente cilíndrico com almofadas ao fundo – para garantir a segurança do bebê que fosse ali depositado – após depositar o bebê na roda era só girá-la para dentro da instituição e apertar um sino informando que um novo bebê acabava de chegar (LIMA; VERONESE, 2012, p. 18). 16 As amas, mulheres pobres e na maioria sem nenhuma instrução recebiam pagamentos pelos serviços prestados. Essa situação dava margem a diversos tipos de fraudes, como mães que abandonavam seus bebês e logo em seguida ofereciam como amas de seus próprios filhos. (SHECAIRA, 2015, p. 31).
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lei, pois se tratavam de filhos de criação (LIMA; VERONESE, 2012, p. 25).
Esse sistema caritativo legitimava a irresponsabilidade do Estado com as
expressões da questão social, que decorrerem deste processo de abandono, tal como o
surgimento da “questão do menor”. O sistema de rodas era ineficaz, pouquíssimas
crianças expostas chegavam à adolescência e quando isso ocorria, o futuro que lhes
esperavam era o trabalho e a alternativa ao trabalho era a delinquência.
Nesse ínterim, faz-se necessário esclarecer que a delinquência desse período
era punida muito mais severamente quando se comparado ao tratamento penal dado aos
infratores do século XXI. Tendo em mente ainda que, o que historicamente se puniu, foi
a criminalidade do “menor17”, ou seja, o adolescente pobre, enquanto a “ideia de
inocência sobreviverá associada apenas às crianças de ‘boas famílias’, em paralelo a
noção de perversidade inata atribuída a infância das classes pobres” (LIMA;
VERONESE, 2012, p. 27, Apud RIZZINI, 1997, p. 163).
Reflexo desse pensamento, estava presente no ordenamento jurídico da 18época
o Código Penal Republicano de 189019 punia a simples ociosidade da criança ou
adolescente. O art. 399 tipificava o delito de “vadiagem”; o art. 39320, punia com pena
trabalhos forçados o ato de “mendigar fingindo enfermidade”; e o art. 402, do mesmo
diploma legal, condenava a prática da capoeira.
17 O menor é identificado como alvo privilegiado das políticas paternalistas, voltadas para o controle e a contenção social, especialmente a partir da instauração da República, quando o Estado se volta para a construção de políticas centralizadoras dirigidas a essa população. Foi justamente uma instituição de controle social, a polícia, quem primeiro atuou no esforço de identificação desse grupo social (os menores). As instituições estatais criadas após a instauração do regime republicano tiveram papel decisivo na construção jurídica e social da categoria menor. (RIZZINI, 2004, p. 68). 18 Art. 49. A pena de prisão disciplinar será cumprida em estabelecimentos industriais especiais, onde serão recolhidos os menores até a idade de 21 anos. (BRASIL, Código Penal de 1990). 19 Com o Código Penal de 1890, as elites republicanas buscavam viabilizar novas percepções acerca da ordem social bem como criar mecanismos de administração desta ordem [...] inspirados na Criminologia de inspiração Lombrosiana, fomentavam concepções restritivas ao exercício dos direitos dos cidadãos. Essas concepções genericamente conhecidas como “positivista”, seriam instrumentalizadas no Brasil por essas elites interessadas em implantar e justificar mecanismos de repressão e controle do crime e de cerceamento dos indivíduos a participação política. (ALVAREZ; SALLA; SOUZA, 2003, p.3) 20 Art. 393. Mendigar fingindo enfermidades, simulando motivo para armar à comiseração, ou usando de modo ameaçador e vexatório: Pena - de prisão celular por um a dois meses. (BRASIL, Código Penal de 1990).
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Para além, era nítida a finalidade de limpeza social que se pretendia alcançar
com a lei penal, pois a prisão disciplinar, que deveria ser cumprida em estabelecimentos
industriais especiais, destinava-se aos menores de 21 anos que eram considerados
vadios:
Art. 399. Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistência e domicilio certo em que habite; prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral e dos bons costumes.
Da leitura do diploma legal, percebe-se que os adolescentes eram rotulados,
estigmatizados e marginalizados pela situação de vulnerabilidade social em que se
encontravam. Segundo Lima e Veroneze (2012, p.28) “a utilização dos termos
vadiagem, mendicidade e libertinagem deu uma nova denominação às crianças e
adolescentes pobres que se encontravam na rua, culpabilizando-as pela situação de
miséria e abandono a que estavam submetidas”.
O Código Penal de 1890 foi alvo de muitas críticas pelos juristas e estudiosos
da época, que sugeriram a sua reforma, todavia, não foi alterado. Em contrapartida, as
ideias de Criminologia21, baseadas em um direito penal do autor, que tomavam o
criminoso como um doente social, foram a base filosófica que orientara as decisões
políticas e legislativas a época:
[...] acabaram por influenciar poderosamente a concepção das políticas públicas voltadas para área de segurança, direcionando a criação ou a reforma, bem como o funcionamento de instituições como a polícia, as prisões, os manicômios e outras instituições de internação (ALVAREZ; SALLA; SOUZA, 2003, p.3).
Nesse ínterim os investimentos públicos eram direcionados não para recuperar
os adolescentes, mas sim para aproveitá-los no mercado de trabalho, tornando úteis e
pacíficos. Assim, o Estado resolveu investir em instituições públicas de acolhimento de
crianças abandonadas, tirando das ruas aquilo que representava um problema de higiene
e criminalidade urbana. 21 A criminologia que GAROFALO define como “a ciência do delito que estuda as causas que atuam sobre os criminosos, na determinação dos crimes, e os meios de evitar essas causas e demover estes crimes, para a segurança e defesa da sociedade”, procura classificar criminosos em natos, loucos, habituais, de ocasião e por paixão (SILVA, 2010, p. 403).
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Segundo Lima e Veronese (2002), em 1902, o governo foi autorizado a fundar
os Institutos Disciplinares, que já estavam previstos na lei penal desde 1890. Destaca-se
que até aqui não havia uma diferenciação entre o direito penal aplicado aos adultos e o
direito penal juvenil (destinado a punir atos infracionais de crianças ou adolescentes).
Também não se fazia acepção de punição aplicada entre adolescentes que cometiam
atos infracionais e aqueles que estavam em situação de abandono, ambos eram
encaminhados para os Institutos Disciplinares.
A aprovação do Decreto n. 16.272, de 20 de dezembro de 1923, regulamentou
a assistência e proteção aos menores abandonados e delinquentes.
A lei considerava como menores abandonados todas as pessoas com idade inferior a 18 anos que não tinham lugar para morar; fossem desamparados; órfãos ou que vivessem nas ruas e considerava como delinquentes aqueles que estivessem em estado habitual de vadiagem, mendicidade e libertinagem em consonância com o Código Penal da República (LIMA; VERONESE, 2012, p. 28).
A educação no Instituto Disciplinar era voltada para incluí-lo no mercado de
trabalho, tentava-se “regenerar” o adolescente através da disciplina e do trabalho, para
que esses pudessem conviver de maneira harmoniosa na sociedade. Assim, o ideal
republicano, era satisfeito duplamente, promovia-se a limpeza dos “menores”
indesejáveis dos espaços públicos urbanos e ainda se aproveitavam os pequenos para o
trabalho, uma mão de obra barata e de fácil subordinação. “Nesse cenário, crianças e
adolescentes que não fossem absorvidas como mão de obra pelas fábricas foram
recolhidos pela polícia cívica aos institutos disciplinares” (LIMA; VERONESE, 2012,
p. 28).
Desta forma, o período republicano é marcado por crescimento econômico,
urbanização e industrialização das cidades, áreas estas que recebiam a maior parte dos
recursos públicos, em detrimento das políticas públicas sócias. “Houve um verdadeiro
descaso com a infância e adolescência nesse período” (LIMA; VERONESE, 2012, p.
29). O país adotou uma política pública para infância e juventude de viés
assistencialista, a qual visava apenas com retirar “os menores” abandonados e
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paupérrimos das ruas, excluindo-os dos olhos das pessoas, higienizando e assegurando
as cidades de eventuais “delinquentes”.
Nesse sentido, a internação compulsória se assemelha muito a segregação por
meio de prisão - pois ambas restringem o indivíduo não apenas da sua liberdade de ir e
vir, mas também a convivência, a intimidade e outros tantos direitos – é o meio pelo
qual a sociedade se purifica de seus males, expulsa-se o delinquente, para fora da
cidade, para longe do convívio social, tiram-lhe seus direitos políticos não lhe permitido
opinar sobre o seu estado, nem eleger representantes. Assim, a sociedade transforma o
delinquente em um “forasteiro”, um outro, que está fora a comunidade, que não é parte
do “nós”, torna-o um exilado em sua própria terra. A internação compulsória de
crianças e adolescentes abandonados e em condições de rua foi praticada largamente no
Brasil, desde o período republicano até a ascensão do regime militar, baseada em uma
política paternalista e assistencialista, que considerava que famílias que não possuíam
condições de prover seus filhos deveriam ser destituídas do pátrio poder e entregar ao
Estado o dever de educar os infantes (RIZZINI, 2004).
O problema, porém, começou a ser repensado em períodos mais recentes. No
Século XX, com o início da etapa tutelar no Brasil, que é marcada pela construção
instituições para menores infratores, a delinquência juvenil passa a ser tratada em
apartado da delinquência adulta, por leis especiais para menores em situação irregular.
O Código de Menores de 1927, que ficou conhecido pelo nome de seu
idealizador, Mello Mattos, foi uma tentativa de criar um sistema de leis que
regulamentasse a questão da juventude pobre ou em situação de delinquência, a qual
tratou com um único remédio.
A situação de pobreza das famílias era punida com a destituição do pátrio
poder. É característico ainda o tratamento da criança e do adolescente como objeto da
lei e não como sujeito de direito. Todavia, a proposta guardava intenção pedagógica,
ainda que baseada na disciplina e no medo, conforme assevera Mendez (2006):
Uma análise crítica permite pôr em evidência que o projeto dos reformadores, mais que uma vitória sobre o velho sistema, constitui num compromisso profundo com aquele. As novas leis e a nova
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administração da Justiça de Menores nasceram e se desenvolveram no marco da ideologia nesse momento dominante: o positivismo filosófico. A cultura dominante de sequestro de conflitos sociais, a cultura segundo a qual a cada patologia social devia corresponder uma arquitetura especializada da reclusão, somente foi alterada num único aspecto: a promiscuidade. A separação de adultos e menores foi a bandeira vitoriosa dos reformadores norte-americanos (MENDEZ, 2006, p.7-8).
Como ricochete desse mesmo processo as situações descritas como
“irregulares” não cessavam em assombrar os anseios da sociedade positivista em
ascensão, que estruturava as políticas públicas ora no assistencialismo, ora na repressão.
Exemplo desse percurso é a reforma do Código Mello Mattos pelo Código de 1979, que
praticamente reproduziu a legislação anterior, que não fazia distinção entre os
adolescentes infratores e aqueles que se encontravam em situação de abandono
(SHECAIRA, 2015).
Tais processos legiferantes não foram capazes de garantir a efetiva proteção
social dos adolescentes. Apenas com a promulgação da Constituição de 1988 e na
sequência, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foram introduzidas
melhorias significativas no das crianças e adolescentes no Brasil, o “menorismo” dá
lugar ao a doutrina da proteção integral.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, contrapõe-se historicamente a um passado de controle e de exclusão social sustentado na Doutrina da Proteção Integral. O ECA expressa direitos da população infanto-juvenil brasileira, pois afirma o valor intrínseco da criança e do adolescente como ser humano, a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento, o valor prospectivo da infância e adolescência como portadoras de continuidade do seu povo e o reconhecimento da sua situação de vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado; devendo este atuar mediante políticas públicas e sociais na promoção e defesa de seus direitos (SINASE, 2006, p.15).
A Constituição Federal de 1988 foi responsável por uma quebra de paradigma
não apenas no campo jurídico positivo, mas também político, pois ela representa a
vitória da democracia sob o autoritarismo, ela traz em suas entrelinhas a batalha do
povo brasileiro pela redemocratização e conquista de direitos individuais e coletivos,
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proporcionando um espaço político propício para o avanço da proteção social em
relação à criança e o adolescente. Em seu artigo 227, os legisladores deixaram explícita
a nova roupagem que deveria vestir a criança e o adolescente num sistema democrático
de direitos, criando assim a doutrina da proteção integral:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL,1988, art.227).
Depreende-se deste dispositivo que agora a criança e o adolescente são sujeitos
de direitos, reconhecendo a necessidade de sua autonomia e protagonismo, rompendo
com as velhas doutrinas tutelares e paternalistas. Para além, cria-se um sistema de
direitos autônomo, com regras, princípios e valores próprios, que impõe a proteção
integral de crianças e adolescentes e responsabiliza, de forma compartilhada, o Estado, a
sociedade civil e a família, a obrigação de prover e fiscalizar tal prerrogativa.
A partir da necessidade de regulamentar as garantias asseguradas pelo art. 227
da Constituição Federal de 1988, em 1990, através da Lei 8.069, entra em vigor o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que inaugura uma nova fase dos direitos
da criança e do adolescente no Brasil. Esse instrumento, rompeu, ainda que de modo
simbólico, com as práticas assistencialistas que caracterizava os adolescentes na
situação irregular e tem por objetivo promover os direitos e garantias fundamentais dos
seus tutelados.
Desses institutos - CF e ECA entendeu-se que eficácia da medida de internação
está relacionada a melhores condições em cumprimento da execução da medida
socioeducativa, tais como uma alimentação de qualidade, o direito ao lazer, a
convivência familiar e comunitária, assim as políticas públicas deveriam estar voltadas
como espaços para o cumprimento de medidas socioeducativas com caráter pedagógico.
A constituição de 1988 estabelece que a arquitetura dos estabelecimentos
prisionais deve implicar na observância dos próprios direitos individuais dos sujeitos
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que serão internados dentro do prédio. Dispõe a Constituição Federal em seu art. 5º,
inciso III que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante” no
inciso XLVIII: que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com
a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” e ainda, no inciso XLIX “é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (BRASIL, Constituição
Federal,1988), em sentido análogo o ECA ainda acrescenta que os adolescentes devem
ser separados por critérios compleição física e gravidade da infração.22
O planejamento do espaço de internação de adolescentes deve ser capaz de lhe
garantir a vivência digna mesmo em privação de liberdade, isso porque o artigo 124 do
ECA (BRASIL, ECA, 1990) resguarda vários direitos23 que dizem respeito ao ambiente
de internação, todavia, sabemos que a realidade dos estabelecimentos que recebem os
candidatos a medidas privativas de liberdade no Brasil não condiz com o estabelecido
na legislação. A superlotação e o restrito número de vagas impedem a distribuição dos
indivíduos no espaço de forma a fazer cumprir a lei.
O ECA, ainda estabelece que a medida aplicada ao adolescente levará em conta
a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração; proíbe a
prestação de trabalho forçado e que os adolescentes portadores de doença ou deficiência
mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas
condições (BRASIL, ECA, 1990, Art. 112). Trata-se de mais um instituto não
consolidado, pois sabemos que não existem instituições públicas especializadas para
22 Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas (BRASIL, ECA, 1990, Art. 123). 23 Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: [...] VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; VII - receber visitas, ao menos, semanalmente; VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos; IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI - receber escolarização e profissionalização; XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer: XIII - ter acesso aos meios de comunicação social; XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje; XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; [...] § 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade [...] (BRASIL, ECA, 1990, Art. 124).
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receber adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa com patologias
mentais avançadas e que a estruturas dos estabelecimentos de internação de
adolescentes, em sua maioria, não permite a separação dos adolescentes segundo a
gravidade do delito.
A carência de infraestrutura nos espaços de internação fora relatada pelo
Conselho Nacional do Ministério Público, que em nota introdutória, afirmou:
Entretanto, aqueles que lançam críticas ao tratamento dado aos adolescentes em conflito com a lei nem sempre se interessam em perscrutar em que grau as medidas socioeducativas no País acompanham os balizamentos trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A resposta, exibida em números nos gráficos que compõem a presente publicação, mostra que o cumprimento das medidas socioeducativas, especialmente as restritivas de liberdade – internação e semiliberdade – está muito longe do modelo do ECA: os espaços que deveriam ser de ressocialização mais se assemelham a presídios e penitenciárias, com altos índices de superlotação, em alguns Estados, e pouquíssimas oportunidades de formação educacional e profissional. (CNMP, 2013, p. 5)
Corroborando o entendimento dos promotores o Plano Nacional de
Atendimento Socioeducativo, reconhece que o sistema socioeducativo ainda não
agregou em suas práticas as melhorias conquistadas pela nova legislação e, por isso,
propõe metas para a sua reformulação e aperfeiçoamento.
Desta forma, o espaço de uma unidade de internação de adolescentes em
privação de liberdade não deve apenas se ater aos aspectos de segurança e vigilância,
mas também, considerando as peculiaridades de cada instituição, promover, através do
planejamento estratégico, condições favoráveis para que o interno se desenvolva.
Lembrando que a execução de medidas sócio educativas guarda grande finalidade
pedagógica e, portanto, não se trata de privar o indivíduo dos seus direitos, mas tão
somente de sua liberdade.
Os Centros Socioeducativos - CENSEs, responsáveis por promover o
cumprimento da medida socioeducativa de internação, possui a difícil tarefa de
ressocializar o adolescente em conflito com a lei, construindo condições para que ele
não reincida na prática de atos infracionais, para tanto, utiliza uma série de
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procedimentos e ferramentas que visam prevenir e preservar o meio social das infrações
penais juvenis pois “a prevenção é uma ação social que tem por objetivo evitar a
aparição de fenômenos ou condutas potencialmente danosas à sociedade” (SHECAIRA,
2015, p. 134), e ainda proporcionar as condições necessárias para que o adolescente
possa formular um plano de vida diferente da que conduz a criminalidade.
Porém, essas metas, apesar de estarem presentes nos planos de ação dos
governos, na prática elas estão distantes de se efetivarem, isso porque, os grupos
dominantes que alternam a ocupação dos cargos políticos no Brasil, não colocam a
criança e o adolescente como prioridade, principalmente quando se trata de orçamento
público:
Na cultura e nas estratégias de poder predominantes, a questão da infância não se tem colocado na perspectiva de uma sociedade e de um Estado de direitos, mas na perspectiva de um autoritarismo/clientelismo, combinando benefícios com repressão, concessões limitadas, pessoais e arbitrárias; com disciplinamento, manutenção da ordem, ao sabor de correlações de forças sociais ao nível da sociedade e do governo. as polêmicas relativas às políticas para a infância demonstram esse conflito de visões estratégicas, por exemplo, a que se referem à divergência entre os que privilegiam a punição e os que privilegiam o diálogo, a negociação e as medidas educativas. (LIMA; VERONESE, 2012, p.56)
Neste ano a Constituição Federal completa 30 anos, o ECA, 27 anos, mas os
direitos neles expressos ainda estão “engatinhando”. É de se reconhecer que
avançamos, pelo menos do ponto de vista ideológico, as metas, os planos, as leis já
reconhecem a necessidade da promoção dos infantes e de suas famílias - que geralmente
estão em estado de vulnerabilidade social, porém, o descaso com o cumprimento da lei
demonstra uma falência do sistema executivo, a luta não é mais filosófica ela reside no
campo político.
Nossa análise é que a política de atendimento socioeducativo na atualidade
deve superar ações fragmentadas e assegurar uma atuação integral e intersetorial na
efetivação dos direitos fundamentais presentes na legislação em vigor, preconizando a
interdisciplinaridade e o atendimento integrado entre todas as políticas do sistema da
rede, promovendo a articulação de saberes e experiências e com completude para
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garantir a proteção integral aos adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas.
REFERÊNCIAS
ALVAREZ, Marcos Cezar; SALLA, Fernando; SOUZA, Luiz Antonio F. A sociedade e a Lei: O Código Penal de 1990 e as novas tendências penais na primeira república. Disponível em: <http://nevusp.org/downloads/down113.pdf>. Acesso em 02 jun. 2018.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Lei federal, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 04 jun. 2018.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em 04 jun. 2018.
BRASIL. Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo - SINASE / Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília - DF: CONANDA, 2006.
BRASIL, Código Penal - Decreto-lei nº 847, de 11 de outubro de 1890. Decreta o novo regime penal no Brasil. Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d847.htm>. Acesso em 04 jun. 2018.
CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO - CNMP. Relatório da infância e juventude nº67/2011: Um olhar mais atento às unidades de internação e semiliberdade para adolescentes. Brasília: Conselho Nacional do Ministério Público, 2013.
LIMA, Fernanda da Silva. VERONESE, Joseane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: a necessária efetivação dos direitos fundamentais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.
MENDEZ, Emílio Garcia. Evolução histórica do direito da infância e da juventude. In: ILAND, ABMP, SEDH, UNFPA (orgs.). Justiça, adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: Ilanud, 2006.
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RIZZINI, Irene. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Irene Rizzini, Irmã Rizzini. - Rio de Janeiro: ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. 2. Ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
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Trabalho completo
A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COMO PROCESSO DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL DA JUVENTUDE:
UM OLHAR A PARTIR DA ASSOCIAÇÃO GUARDA MIRIM DE LONDRINA -PR
Jéssica Aiolfe da Silva.
Bacharel em Serviço Social, Londrina – PR [email protected]
RESUMO Este estudo busca, analisar o processo de inclusão e exclusão social nos programas e no processo de inserção dos jovens a Associação Guarda Mirim de Londrina-Pr. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, desenvolvida em base de levantamentos de dados bibliográficos, e na aplicação da técnica de questionário. Constatamos a dicotomia da relação inclusão e exclusão social, destacando a segregação no processo de inserção dos jovens ao mercado de trabalho, assim como, a integração social do jovem neste mesmo processo. Percebemos a necessidade em pensar novas propostas, que visam a minimização dos efeitos da segregação e das desigualdades sociais das juventudes londrinenses. Palavras-chave: Juventude, Educação Profissional, Inclusão e Exclusão Social.
INTRODUÇÃO
A década de 1980 e 1990, imprime no cenário brasileiro, novas desigualdades
sociais fomentadas pelo contexto econômico, que experimentavam um quadro de crise,
as chamadas “Crises do Emprego”, que refletiram significativamente no prolongamento
da juventude, devido ao processo excludente, da relação educação e trabalho.
Como minimização destes efeitos, o Estado passa investir na integração dos
jovens na sociedade, estimulando a “elaboração de políticas públicas para a juventude,
desenvolvidas com o objetivo de minimizar as consequências desta conjuntura. (ABAD,
2002; apud; SPOSITO e CARRANO, 2007, p.182). O processo de inclusão social,
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efetivou-se, por meio de políticas públicas, que presumiam um caráter emergencial e
precário.
A sociedade exclui para incluir e está transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico. (SAWAIA, 2001, p.8).
A Educação Profissional, apesar de não ser reflexo da modernidade, foi a partir
da década de 1980, devido aos impactos da “crise econômica e do fracasso da política
educacional, bem como o aumento da criminalidade”, que proliferam-se programas e
ações voltados a educação pelo trabalho. (SILVA e OLIVEIRA, 2013). As políticas,
passaram por transformações ao longo dos anos uma das mais marcantes foi o decreto
nº 2.208/97 e o decreto nº 5.154/2004.
A dialética da inclusão/exclusão, no cenário da educação profissional,
evidenciaram subjetividades específicas do processo de sentir-se incluído e revelar-se
em um processo desigual e segregado. Realidade brasileira e londrinense, que
motivaram a pesquisa na Associação Guarda Mirim, Londrina-PR. A política de
educação profissional no município, é desenvolvida por três setores; instituições
governamentais, rede de educação pública; empresas privadas; e pelas organizações
não-governamentais (terceiro setor).
O desenvolvimento desta pesquisa, tem por objetivo analisar o processo de
inclusão e exclusão social da Política de Educação Profissional, na inserção e nos
programas desenvolvidos para jovens pela Associação Guarda Mirim de Londrina-PR.
Primeiramente, caracterizando o serviço em dois pontos: 1) processo de inserção; 2)
programas e ações ofertadas, e posteriormente, buscando analisar os reflexos da
inclusão/exclusão social neste processo.
Para o desenvolvimento deste trabalho, optou-se por uma pesquisa de
abordagem qualitativa “uma vez que buscam encontrar a compreensão e a relação com
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o todo; e a interioridade e a exterioridade como constitutivas dos fenômenos”
(MINAYO, 1994). O embasamento teórico, foi constituído através de um referencial
teórico, em base de livros, artigos, e legislações, e para a coleta de dados, optou-se pela
técnica de questionário estruturado, aplicado em um técnico da Associação Guarda
Mirim.
Este estudo propicia a contribuição para o conhecimento sobre a realidade no
município de Londrina-PR, assim como, para aparatos acadêmicos e para a rede de
serviços, nos levando a pensar os desafios e novas contribuições e possibilidades, para
esta temática.
JUVENTUDE, EDUCAÇÃO E TRABALHO:
A juventude é um termo associado à diferentes concepções, definidas através de
condições sociais, históricas e culturais de cada sociedade. De acordo com Aquino
(2009, p.26), a juventude inseriu-se na sociedade moderna através da questão social,
expressa em duas abordagens: como autores de “problemas”, e na fase transitória dos
ciclos de vida, no sentido de “preparar o jovem”.
A imagem do jovem de autor de “problemas” sociais, reportam a uma ilustração
estigmatizada24, formulada na concepção de delinquência e comportamentos de risco e
drogradição. Um perfil social, que reproduziu um controle social tutelar e repressivo,
pelo Estado e a Sociedade Civil. (AQUINO, 2009, p.25). É notável, que esta imagem
ainda é evidenciada na sociedade, na discriminação social25 do indivíduo.
De outro lado, a figura do jovem também foi conceituada pelas definições do
ciclo de vida, precisamente da fase transitória para a vida adulta, está transição gerou
24
Estigma social é definido enquanto marca ou sinal que designa o seu portador como desqualificado ou
menos valorizado, ou segundo a definição de Erving Goffman: “a situação do indivíduo que está
inabilitado para aceitação social plena” (GOFFMAN, 2004, p.4). 25
O conceito de discriminação social diz respeito a relações sociais caracterizadas por
uma representação estigmatizadora do outro e de si mesmo que constrói identidades polarizadas com
valores positivos e negativos, justificando no nível simbólico os preconceitos sociais de gênero, raça,
classe social ou outros. (JUNQUEIRA, 2018, p.1).
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um esforço coletivo da família e da escola, em “preparar o jovem” para desenvolver-se
um adulto socialmente ajustado aos padrões da sociedade capitalista, tornando-se
necessário a inserção ao mercado de trabalho. (AQUINO, 2009, p.25).
As décadas de 1980 e 1990, evidenciaram as chamadas “Crises do Emprego”,
que abateram a economia brasileira, refletindo significativamente, na permanência e
inserção de adultos e jovens ao mercado de trabalho. Este cenário, estimulou o
prolongamento da juventude, devido às dificuldades de independência para a vida
adulta. (AQUINO, 2009). Gerando, duas grandes tendências que configuraram os
jovens em: 1) jovens de origem social favoráveis; e 2) jovens de origem social
desfavoráveis26.
A primeira tendência, configuravam-se por jovens de melhores condições
financeiras e sociais, que os asseguravam o direito de escolha. A opção pelo
retardamento na inserção no mercado de trabalho, significou a estes jovens melhores
condições de qualificação profissional e uma inserção profissional vantajosa, no
entanto, o ingresso tardio ao mercado de trabalho, refletiram na sobrecarga de
responsabilidades aos familiares.
Para os jovens com condições financeiras e sociais desfavoráveis, as
oportunidades não foram as mesmas. A dificuldade de apoio financeiro integral dos
familiares para o retardamento da inserção profissional, impactaram na opção de
escolha destes jovens, que viram-se obrigados a inserirem-se ao mercado de trabalho,
em empregos precários, e consecutivamente em qualificações profissionais precárias. A
transição para a vida adulta, tornaram-se uma difícil tarefa para o jovem, que ainda
encontrava-se submetido mesmo que parcialmente aos recursos financeiros do apoio
familiar. (AQUINO, 2009).
Segundo Peralva (2007, p. 23), outro fator que foi determinante para o
prolongamento da juventude foi a extensão da escolarização, que contribuiu para o
retardamento da maturidade dos jovens, refletindo no processo de evolução dos ciclos
26
Jovens de Origem Social Favoráveis: refere-se boas condições sociais e financeiras, distinguindo-se dos
Jovens de Origem Social Desfavoráveis.
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da vida. Silva e Oliveira (2013, p. 32), referem-se ao processo de escolarização como
um “fenômeno central nas trajetórias da vida e da formação das concepções sobre as
ciclos da vida, e o tempo que as sociedades determinam para que as pessoas vivam sua
infância, adolescência, juventude, maturidade e velhice.”
Historicamente, a educação constituiu-se como meio de sociabilidade entre os
indivíduos e com o meio social. Ambiente, em que os jovens passavam e passam grande
parte das suas vidas, sendo, da infância a juventude. No entanto, a escola também é
relacionada como vetor de ordem social e/ou como regulador das ações sociais destes
indivíduos.
Segundo Silva e Oliveira (2013, p. 32), a escola na origem republicana,
passavam uma “ideia de disciplinamento dos jovens para a vida urbana e para o trabalho
industrial”. Esta perspectiva, da educação como integradora ao mercado de trabalho
estendeu-se até os dias atuais. Entretanto, as mudanças no mundo do trabalho e as crises
de emprego que tomaram proporção na sociedade, reportaram em dificuldades
significativas nas propostas das escolas em prepararem os jovens para este cenário.
(AQUINO, 2009).
As dificuldades de inserção dos jovens no mercado de trabalho, pelo viés da
educação escolar no Brasil, aprofundaram as estruturas das desigualdades sociais,
intensificando a barbárie e a sociabilidade nos centros urbanos. Para minimizar os
expoentes deste quadro, os governos municipais, estaduais e federal, construíram
programas voltados a educação pelo trabalho. (SILVA e OLIVEIRA, 2013, p. 33).
A Educação Profissional, apesar de não ser reflexo da modernidade, é a partir da
década de 1980, devido aos efeitos da “crise econômica e do fracasso da política
educacional, bem como o aumento da criminalidade”, que proliferam-se programas e
ações voltados a educação pelo trabalho. (SILVA e OLIVEIRA, 2013).
A Política de Educação Profissional, passou por diversas transformações ao
longo dos anos, no entanto, uma das mais marcantes foi o decreto nº 2.208/97 e o
decreto nº 5.154/2004. O decreto nº 2.208/97, foi inicialmente referido no governo
Fernando Henrique Cardoso, que previa a regulamentação dos artigos 39 a 42 e o
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parágrafo 2º do artigo 36 da LDB, que estabelecia a desintegração da educação básica
com a educação profissional.
A virada do governo FHC para o governo de Luís Inácio Lula da Silva, também
conhecido por governo Lula, definiu a revogação do decreto em 23 de julho de 2004,
entretanto, uma sucinta fragmentação no Ministério da Educação, evidenciaram um
novo cenário da educação. Ainda em 2004, o decreto n° 5.154, regulamentou o § 2º do
art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que provinham
estabeler as diretrizes bases para a educação nacional, além de incorporar o seu
conteúdo na implantação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional
com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA).
(RAMOS, 2014).
Em 2008, a incorporação dos termos do Decreto n° 5.154/2004 na Lei de
Diretrizes Básicas (LDB), por meio da Lei n. 11.741, de 16 julho de 2008, altera os
dispositivos da Lei n° 9.394/96 para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações
da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da
educação profissional e tecnológica. (RAMOS, 2014).
As duas últimas décadas do século XX, ainda evidenciaram uma tendência do
Estado em transferir as responsabilidades da “educação e de criar condições econômicas
de pleno emprego pelo viés das organizações não-governamentais, também chamado de
terceiro setor ou para o mercado” que ganharam reconhecimento na sociedade
brasileira. (SILVA e OLIVEIRA, 2013, p. 34). A focalização dos programas, refletiram
em ações limitadas e seletivas, devido à ausência de recursos e de canais suficientes
para suportar as demandas eminentes, gerando dificuldades na efetividade e na
eficiência das ações propostas.
A PERSPECTIVA DA INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL:
O conceito de exclusão social, teve grande visibilidade, nas década de 1980 e
1990, incentivado por um novo cenário de desigualdades sociais, fomentado pelo
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contexto econômico, que experimentava um quadro de crise, as chamadas “Crises do
Emprego”. Paugam (1996), citado por Guerra (2012), refere-se a exclusão social, não
somente como fator determinante a degradação do mercado de emprego, mas sobretudo
a uma sobrevivência impossível da população situada à margem do progresso
econômico e da partilha dos benefícios daí resultantes.
As juventudes, foram alvos notáveis no processo de exclusão social, contexto,
em que o Brasil encontrava-se economicamente instável, refletindo substancialmente no
retardamento da inserção do jovem no mercado de trabalho. As inciativas do Estado em
integrar os jovens a sociedade, estimulou a elaboração de políticas públicas para a
juventude, desenvolvidas com o objetivo de minimizar as consequências desta
conjuntura. (ABAD, 2002; apud; SPOSITO e CARRANO, 2007, p.182).
A integração social dos indivíduos por meio de política públicas, indicaram um
caráter emergencial, do Estado em reduzir os efeitos das circunstâncias sociais, políticas
e econômicas que assolavam o país. No entanto, as inciativas emergências, desenham
um quadro de políticas públicas precárias e marginais que objetivam um processo de
disciplinarização e controle social da manutenção da ordem na desigualdade social.
(SAWAIA, 2001, p.107-108).
A sociedade exclui para incluir e está transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico. (SAWAIA, 2001, p.8).
A dialética da inclusão/exclusão, evidenciaram as subjetividades específicas do
processo de sentir-se incluído e revelar-se em um processo desigual e segregado. Esta
dicotomia da relação da exclusão e inclusão social reportam ao imaginário e a realidade
dos indivíduos, manifestando-se de diversas formas no cotidiano dos indivíduos, através
da sua: identidade, sociabilidade, afetividade, consciência e inconsciência. (SAWAIA,
2001).
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No entanto, a integração social, não correspondem aos princípios da
normatização, por não evidenciarem os mesmos direitos e não assentirem as
especificidades de cada um. A inclusão supõem uma nova etapa para a sociedade, de
aceitação e valorização das diversidades sociais, econômicas, culturais, religiosas e
entre outras. O objetivo de superar as desigualdades, apreendendo com a multiplicidade
que determinam a constituição da sociedade, em um processo através do qual, as mais
diversas dimensões, se adaptem de forma a poder incluírem todos os indivíduos que, por
sua vez, se preparam para desempenhar um ou vários papéis nessa sociedade.
Santos, resume está dialética da inclusão/exclusão em, “estar incluído é estar
dentro, no sistema, mesmo que desigualmente, e estar fora é não submeter-se as normas
homogeneizadoras, e é estar excluído”. (SANTOS, 1995; apud, VÉRAS, 2001, p.37).
DA CARACTERIZAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO GUARDA MIRIM EM
LONDRINA-PR:
O município de Londrina-Pr, apresenta uma população de 506.701 pessoas
residentes, 129.537 são jovens de 15 a 29 anos, sendo 64.672 do sexo masculino e
64.865 do sexo feminino. Os dados do IBGE (2010), apresentam que, 79.360 dos jovens
tem nível fundamental completo; 117.076 nível médio completo e 64.578 superior
completo, onde 49% destes jovens não apresentam formação em nível superior, o que
exprime uma demanda latente de investimento na qualificação profissional para o
município.
Londrina, é um município que apresenta um investimento significativo em
qualificação profissional para jovens, através das educação pública, pelas organizações
não-governamentais (terceiro setor), e pelo mercado (as empresas). Entretanto, nos
delimitamos ao campo das organizações não-governamentais e/ou terceiro setor,
especificamente a Associação Guarda Mirim de Londrina-PR.
Em 13 de julho de 1965, foi fundada a Associação Guarda Mirim, em Londrina-
Pr, uma instituição sem fins lucrativos, que oferecem educação profissional e formação
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cidadã. Atualmente, localizado na região leste de Londrina, prestando atendimento a
650 educandos na Central e mais 100 nos distritos Lerroville e Guaravera, de segunda a
sexta-feira, das 08:00 às 17:00 horas.
A entidade conta com o apoio e a parceria da Prefeitura de Londrina, empresas e
instituições públicas27. Além de constituir-se como serviço integrante da rede de
atendimento de jovens do município, tem representação em vários Conselhos e Fóruns
como: CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente;
CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social; Fórum de Aprendizagem
Profissional de Londrina; DRT – Delegacia Regional do Trabalho; Secretaria Municipal
do Trabalho; CMTU - Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização.
A instituição conta com o financiamento Municipal da Secretarias de Assistência
Social e Secretaria do Trabalho; Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente; Fundo Estadual dos Diretos da Criança e do Adolescentes (FIA –
Estadual).
O objetivo da instituição é promover a inclusão social e profissional, através do
“direcionamento social, educacional e profissional do adolescente, qualificando-o para o
mercado de trabalho e visando a transformação de sua realidade” (APMI, 2018). Os
jovens atendidos, tem de 08 a 24 anos, e encontram-se em situação de vulnerabilidade
social e pessoal.
A inserção de adolescentes ocorre mediante encaminhamentos dos Serviços
sócio assistenciais, correspondente a Rede de Serviços (CRAS, CREAS, Poder
Judiciário) e buscas espontâneas realizadas por famílias, responsáveis ou indicações por
empresas. A inserção dos jovens ao serviço ocorrem pelo encaminhamento, das próprias
famílias, pelas empresas parceiras, e pela rede de serviços do município de Londrina-
PR, sendo estes, serviços sócio assistenciais, correspondente aos respectivos serviços:
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência 27
Defensoria Pública do Estado do Paraná; Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos
Humanos; Centro de Sócio Educação Londrina – CENSE; 2 ª Vara da Infância e da Juventude de Londrina;
Centro Especializado de Assistência Social – CREAS II; Ministério Público do Trabalho; Conselho Tutelar;
Delegacia Regional do Trabalho e Emprego – M.T.E; Empresas Parceiras (Belagricola, Favoreto, Kreb
Logística, Spironelli, entre outras, com aproximadamente 80 empresas).
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Especializado de Assistência Social (CREAS); e pelo Poder Judiciário. A matrícula na
entidade é efetivada mediante a aprovação nos processos seletivos nas empresas
parceiras.
A instituição atualmente trabalha com dois tipos de serviços que são: 1) A
Aprendizagem Profissional; e 2) o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos (SCFV).
O SCFV, desenvolvem suas atividades em formato de oficinas de convívio
social realizadas no contra turno escolar, buscam promover ações de caráter pedagógico
e social, através de atividades pelo intermédio da arte-cultura e esporte-lazer, além dos
projetos. Os atividades ofertadas pelo SCFV, abordam questões relevantes para a
juventude, ligadas à responsabilidade social, comunitária e familiar. Atualmente o
serviço um projeto conforme a esquema abaixo:
Fonte: Associação Guarda Mirim, 2018.
A Aprendizagem Profissional da Guarda Mirim de Londrina oferecem formação
profissional para jovens com idade entre 14 e 24 anos incompletos, que estejam a partir
O projeto busca, através da aprendizagem prática e teórica voltada aos instrumentos de sopro e
percussão, a proposta de uma futura formação orquestral, procurando proporcionar a compreensão
da prática musical educativa, envolvendo os educandos na aprendizagem da música e buscando
melhorias de práticas pedagógicas que vão de encontro ao nosso público alvo
Banda Marcial
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do 9º ano escolar e em situação de vulnerabilidade social. Atualmente o serviço conta
com três cursos de aprendizagem profissional, conforme segue abaixo na tabela:
Fonte: Associação Guarda Mirim, 2018.
O curso de Auxiliar Administrativo, tem duração média de 24 meses, e visam a
formação de jovens para desenvolverem atividades administrativas em empresas, no
preenchimento de documentos; elaboração de relatórios, formulários e planilhas,
acompanhamento de processos administrativos, atendimento aos clientes e
fornecedores, execução de rotinas de apoio e áreas afins e na prestação de apoio
logístico.
O curso de Operador do Comércio e Varejo, tem duração média de 16 meses, e
visam a formação de jovens para desenvolverem atividades em empresas, na elaboração
de atividades de controle e saída de mercadorias, expor/repor/etiquetar mercadorias para
a venda; promover a pré venda e demonstração dos produtos; e a preparação das
mercadorias para a venda.
O curso de Aprendizagem de Musicalização em Ambiente Simulado, almeja
oportunizar aos adolescentes e jovens com idade entre 14 e 24 anos novas perspectivas
de formação cidadã, pessoais e profissionais no segmento musical, que engloba práticas
de iniciação e aperfeiçoamento em musicalização em instrumentos em nível de metais
de sopro e percussão por um período de 16 meses. Participam também de ações que
proporcionem desenvolver em ambiente simulado, aspectos físicos, de moral e
Auxiliar Administrativo
Operador de Comércio e
Varejo
Aprendizagem de
Musicalização em Ambiente
Simulado
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psicológico. Deverá gradativamente desenvolver a percepção e a sensibilidade musical
de forma individual e coletiva.
O público alvo atendido são adolescentes e jovens de ambos os sexos, de 14 a 21
anos, onde 77% do total de vagas é exclusivo para o público que está em cumprimento
da medida socioeducativa privativa de liberdade até os 6 primeiros meses de execução
do projeto em unidade de atendimento socioeducativa e em cumprimento da medida
socioeducativa de semiliberdade vinculado compreendido com o Centro de Sócio
Educação Londrina – CENSE à Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos
Humanos – SEJU (considerando a aplicação de medidas socioeducativas prevista no art.
121, § 5º da Lei nº 8.069/90-ECA). E 33% de vagas são para adolescentes e jovens no
município de Londrina acompanhados pelo CREAS II (Centro de Referência
Especializado de Assistência Social) via o Serviço de Proteção Social a Adolescentes
em Cumprimento de Medidas Socioeducativa de Liberdade Assistida e/ou adolescentes
que encontram em alguma desproteção social.
Os cursos de aprendizagem profissional, visam a inserção no mercado de
trabalho em Londrina-PR, ofertados dois tipos de cursos que competem as demandas do
mercado do município, ao qual visam a inserção imediata do jovem ao campo
profissional. E o terceiro curso que almeja oportunizar a formação cidadã pessoais e
profissionais no segmento musical.
UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL DOS
JOVENS: NA ASSOCIAÇÃO GUARDA MIRIM LONDRINA
O processo de exclusão social, torna-se notável desde a década de 1980, devido
as “crises do emprego” no cenário da juventude. Este quadro, não é desconhecido para o
município de Londrina-PR, como foi abordado, é possível identificar que o
investimento do município na Política de Educação Profissional vem-se desenvolvendo.
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No entanto, visamos identificar o processo da inclusão/exclusão social, através
do método de inserção dos adolescentes na Associação Guarda Mirim e nos Programas
ofertados. Frente a isto, identificamos que o serviço estabelecem critérios para a
inserção do jovem a partir de suas determinantes de vulnerabilidade social, sendo estas
econômicas e sociais, ou seja, a inserção social, do indivíduo, caracterizam-se por
jovens que encontram-se com maior vulnerabilidade. Este processo de inserção aponta a
dialética da inclusão/exclusão, abordada por Sawaia (2001) o “processo de sentir-se
incluído e revelar-se em um processo desigual e segregado.”
A inclusão do jovem aos programas, e ações revelam as suas fragilidades
sociais, e os segregam diante do cenário social e econômico, o que podem refletir em
estigmas ou estereótipos. No entanto, devemos ressaltar, que está mesma perspectiva
tem dois lados da reflexão, ao qual já apontamos, e posteriormente o processo de
inclusão que efetivam oportunidades de integração social do indivíduo a sociedade,
através da relação educação e trabalho.
Na reflexão, sobre os projetos, conseguimos identificar a mesma dicotomia da
relação inclusão/exclusão, no entanto, a análise nos apontam uma evidente disparidade
social. A oferta dos cursos sugestionam a serviços precários de baixa valorização e
qualificação, no entanto, a exigência da qualificação técnica são fatores determinante
para a inserção dos jovens.
Esta situação exprimem dois pontos expoentes: 1) a promoção do
direcionamento social, educacional e profissional do adolescente, qualificando-o para o
mercado de trabalho e visando a transformação de sua realidade; 2) o enfraquecimento
destes valores, devido as condições precárias e desiguais que exprimem a oferta da
educação profissional no Brasil.
Concluímos que seria preciso contar com o desenvolvimento de abordagens
mais amplas e de pesquisas mais extensas para uma avaliação científica dessas
experiências. Como compreender esta relação pelo olhar da juventude londrinense que
utiliza a política de educação profissional, assim como pensar em propostas, ações e
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programas que visam a minimização dos efeitos da segregação e desigualdades sociais
evidentes das juventudes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Resumo Expandido
POLÍTICAS PÚBLICAS, DIREITOS E DEVERES: reflexões a partir de um trabalho com crianças e adolescentes do SCFV
Leonardo Carvalho de Souza* (Pedagogo, Assistente Social e Mestrando do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento - PPGSeD, Campo Mourão – PR); Lucas Alves da Silva (Contador e Mestrando do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento - PPGSeD, Campo Mourão – PR).
contatos: [email protected]; [email protected]
Palavras-chave: Políticas Públicas. Crianças e Adolescentes. Autonomia. Introdução
Num país de desigualdade estrutural como o Brasil as políticas públicas e sociais
passam a ter um papel fundamental, pois são ações únicas para o acesso de sujeitos das
camadas populares a serviços como educação, saúde, assistência social, entre outras.
Temos por objetivo, com esse ensaio, materializar reflexões acerca de aspectos que
emergiram durante a realização da prática de estágio de graduação do curso de Serviço
Social, realizada por um dos autores, em um Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS), no município de Campo Mourão – PR.
No decorrer da primeira etapa do estágio, por meio das visitas e conversas com a
supervisora de campo, identificamos que os usuários dos serviços e benefícios
oferecidos eram de famílias atendidas durante muitos anos pela profissional supervisora.
Pensamos então, que na etapa interventiva do estágio poderíamos contribuir de alguma
forma como meio de amenizar esse ciclo de dependência dos usuários de benefícios e
serviços oferecidos pelo CRAS – cientes de que isso demanda anos de trabalho e alguns
processos que não estavam ao nosso alcance, como, por exemplo, a ampliação da
redistribuição de renda, muito restrita nos programas existentes. Assim, baseados na
amplitude do horizonte da emancipação desses sujeitos dos serviços, projetamos um
ciclo de contação de história e em meio a ele propiciar espaços para o letramento dos
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participantes do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) – que
eram crianças e adolescentes com idades entre 6 e 14 anos.
A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica e a observação participante,
esta última, realizada durante alguns meses do ano de 2017 no estágio de graduação, no
qual a vivência em meio às visitas domiciliares, entrevistas para concessão de
benefícios e conversas com as crianças dos SCFV nos ofereceram os elementos
essenciais para refletirmos sobre as contribuições dos serviços ofertados pelo CRAS.
Estudos e pesquisas que considerem a condução dos serviços públicos e que façam
aproximações com a realidade profissional e dos usuários das políticas sociais
propiciam conhecimentos que permitem identificar as problemáticas mais urgentes em
cada localidade, e, assim, formular, planejar e executar serviços e políticas que estejam
de acordo com as demandas da população de cada território.
Potencialidades e entraves do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) tem como uma
de suas complementações o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
(SCFV) - que visa prevenir situações de risco social, desenvolver os vínculos familiares
e comunitários, o sentimento de pertença e de identidade. Em especial, o serviço é
voltado à prevenção de vulnerabilidades, e tem o enfoque dado a crianças, jovens e
idosos, entre outros usuários de diferentes faixas etárias (BRASIL, 2009).
O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) é um dos
principais serviços ofertados pelo CRAS, e foi em um desses serviços que se realizou
parte do estágio. As atividades e os diálogos com as crianças e adolescentes tiveram o
objetivo de reforçar a pertinência das políticas públicas, assim como, a valorização do
processo de escolarização ao desenvolvimento desse público e também tirar dúvidas
quanto aos critérios para o acesso a benefícios e programas socioassistenciais, a partir
das quais discutíamos sobre direitos e deveres dos usuários nas políticas públicas. Desse
modo, as histórias, vídeos e animações selecionados criavam pretextos para tratar sobre
os serviços e programas do CRAS e temas transversais, como a violência, diversidade,
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direitos das crianças e adolescentes, participação política, direito à educação, meio
ambiente e escolarização (MARTINS, 2012).
Houve participação satisfatória do grupo, que trouxe dúvidas e também vários
conhecimentos sobre o acesso às políticas, os critérios, descumprimentos e sobre demais
assuntos trazidos nas histórias. Ao final do ciclo de contação de histórias, organizamos
uma reunião com a presença dos responsáveis das crianças e adolescentes e
apresentamos o trabalho desenvolvido. Nesse momento, reafirmamos a
responsabilidade da família em propiciar meios para o desenvolvimento das capacidades
de autodisciplina, responsabilidade, domínio da conduta, planejamento e de leitura das
crianças e dos adolescentes, isto é, atentamos para o papel da família na construção do
habitus28 das crianças (SOUZA, 2009).
O trabalho foi organizado em seis encontros, sendo cinco somente com as
crianças e adolescentes e o último com os responsáveis, com duração de, em média,
uma hora e trinta minutos cada. Seguimos uma sequência básica do letramento literário
para despertar o interesse pela leitura, que foi também uma pretensão. Esta sequência é
constituída pelos seguintes quatro passos: Motivação, que deve conquistar o aluno para
a leitura; a Introdução, na qual se apresenta os elementos pré-textuais; a Leitura, na
qual se faz uma decifração do texto e a Interpretação, que é quando cada sujeito traz
suas interpretações para discutir, já que, cada um é resultado de suas experiências
pessoais, culturais e sociais do meio em que vive. No decorrer da leitura das histórias se
insere os “momentos” em que se discute sobre os temas transversais (COSSON, 2006).
Desse modo, esperávamos contribuir para que se aumentasse responsabilidade dos
participantes em relação a sua frequência e participação na escola e com o cumprimento
dos deveres demandados pelos benefícios a que têm acesso.
Num primeiro momento do estágio, partimos de um entendimento de que o
habitus dos usuários era “precário” e isso repercutia nas trajetórias dos mesmos, ou seja,
contribuía para a manutenção da precarização das condições de vida, dependência
28
Entendemos aqui por habitus os “esquemas cognitivos e avaliativos transmitidos e incorporados de modo pré-reflexivo e automático no ambiente familiar desde a mais tenra idade, permitindo a constituição de redes sociais, também pré-reflexivas e automáticas” (SOUZA, 2003, p. 56).
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prolongada dos programas sociais e dificuldades para o acesso ao trabalho e renda
(SOUZA, 2014). E, nesses casos, estávamos baseados nas condições dos usuários
identificadas a partir de quatro elementos, que são a família, a escola, o trabalho e a
política, dimensões pertinentes para pensarmos os itinerários dos sujeitos, já que, as
relações que constituem em cada uma deles repercutem nas suas situações de vida
(SAINTOUT, 2009). Por exemplo, casos de gravidez precoce, famílias sem emprego e
sem renda, abandono e desistência da escolarização são casos que produzem certas
características no ritmo e condições de vida dos sujeitos.
A emancipação dos sujeitos dos programas sociais demandam mudanças
estruturais, que envolvem diferentes capitais – como o econômico, educacional, político
e etc. no entanto, o que mais se mostra ao alcance dos serviços nos parece ser,
contribuições no desenvolvimento das “potencialidades e aquisições” simbólicas, em
detrimento das materiais (BRASIL, 2009). Mas, mesmo essas se limitam, visto que, a
aquisição dos capitais simbólicos, culturais e educacionais, nesse modelo de
sociabilidade, exigem também o capital econômico, tanto para a contratação de cursos,
serviços, compra de materiais e etc., quanto para a conquista de tempo livre que permita
protelar a inserção no mundo do trabalho e prolongar o tempo de escolarização, para
que mais tarde se conquiste melhores empregos, vagas e possibilidades (SOUZA,
2014).
É portanto questionável a ideia de apostar nas políticas públicas que enfocam
apenas aspectos simbólicos, educacionais e culturais negados às camadas populares. É
relevante registrar, que a reprodução das condições precárias de vida das camadas
populares se realiza por meio de intenso trabalho de naturalização, justificação e
ocultamento dos privilégios das classes médias e altas (SOUZA, 2014). Pesquisas como
a de Brandão, Mandelert e Paula (2005), enfatizam como se dá o prestígio de
determinadas escolas e mostraram que não apenas aspectos institucionais são
responsáveis pelo sucesso das escolas, mas também o habitus agregado pelas condições
materiais, culturais, sociais, econômicas e educacionais das famílias.
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Após essas reflexões acerca dos capitais chegamos a alguns questionamentos
que pretendemos deixar como problematização, o primeiro é o seguinte, os trabalho
com os grupos do SCFV podem contribuir para a construção de potencialidades
simbólicas, que qualificam os usuários e portanto nossos esforços devem ser enfocados
nesse processo? Um segundo, caso as potencialidades simbólicas e subjetivas das
camadas populares sejam promovidos por meio das políticas públicas, isso seria o
suficiente para propiciar a autonomia e a emancipação dos sujeitos dos programas
assistenciais?
Considerações Finais
Consideramos, por fim, que as desigualdades econômicas, educacionais,
culturais e sociais, que mantém os usuários, muitas vezes, em situação de dependência
dos benefícios e programas assistenciais precisam ser compreendidas, assim como as
limitações de algumas políticas públicas para romper com os mecanismos que os
mantém em suas condições.
Referências BRANDÃO, Zaia; MANDELERT, Diana; PAULA, Lucília de. A circularidade virtuosa: investigação sobre duas escolas no Rio de Janeiro. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 126, p. 747-758, set./dez. 2005. BRASIL. Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS/ Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 1 ed. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009. COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006. SAINTOUT, Florencia. Jóvenes, el futuro llegó hace rato: percepciones de un tiempo de cambios: família, escuela, trabajo y política. 1 ed. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009. MARTINS, Lígia Marcia. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-crítica. São Paulo: Autores Associados, 2012.
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SOUZA, Jessé. Senso comum e justificação da desigualdade. In: _____. Ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. _____. A cegueira do debate brasileiro sobre as classes sociais. Interesse Nacional, v. 7, n. 27, p. 35-57, out/dez. 2014. _____. (Não) Reconhecimento e subcidadania, ou o que é ser gente? Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 59, p. 51-74, 2003.
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Trabalho completo
A CONDICIONALIDADE EM EDUCAÇÃO NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: SITUANDO O/A JOVEM BENEFICIÁRIO/A NO ENSINO MÉDIO
EM LONDRINA-PR
Luís Gabriel Ramiro Costa
Graduando em Ciências Sociais Universidade Estadual de Londrina – Londrina- PR
Contatos: [email protected]
RESUMO: O Programa Bolsa Família tem como propósito combater a pobreza e reduzir a desigualdade social. As famílias beneficiárias, ao receberem uma renda, são estimuladas ao acesso a serviços públicos via condicionalidades, visando a quebra do ciclo intergeracional da pobreza. Inseridos nesses grupos estão os/as jovens de 16 a 17 anos que passaram a ser acompanhados/as, desde 2007, a fim de diminuir o abandono e a evasão escolar. O objetivo deste trabalho é entender essa realidade e situar o/a jovem beneficiário/a no ensino médio em Londrina-PR, utilizando informações sobre o cumprimento da condicionalidade em educação. Palavras-chave: Programa Bolsa Família. Educação. Juventude.
Introdução
Este trabalho faz parte de uma pesquisa realizada com jovens beneficiários/as do
Programa Bolsa Família (PBF) na educação, que teve como objetivo compreender as
estratégias no prolongamento da escolarização em Londrina, estado do Paraná. O objetivo
deste artigo é discutir o acesso desse grupo à educação, pois chamou a atenção, por meio da
pesquisa, alguns desafios referentes a esses jovens beneficiários no tocante ao acesso já
mencionado. A esse grupo é cobrada a frequência escolar estipulada em 75%, que é um dos
compromissos estabelecidos junto às famílias, ou seja, de enviar os/as filhos/as a escola para
receber o benefício.
Os compromissos atribuídos às famílias estão inscritos no desenho do PBF, instituído
em 2003 e convertido na Lei nº 10.836 (BRASIL, 2004), sendo que o objetivo principal é o de
combater a pobreza e reduzir a desigualdade. A este objetivo une-se o propósito da quebra
do ciclo intergeracional da pobreza supondo que as novas gerações com acesso à educação
conquistem melhores condições de vida que as gerações anteriores (BRASIL, 2015a).
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Um dos indícios desse desenho pode ser observado de modo significativo, em 2011,
quando 36 milhões de pessoas beneficiárias na condição de miséria foram beneficiadas e 14
milhões saíram dessa condição, dentre elas, crianças e adolescentes até 15 anos (BRASIL,
2015b). Em 2007, ocorreram mudanças na lei e uma delas foi a incorporação dos/as jovens de
16 a 17 anos, também como beneficiários, visando diminuir a evasão escolar através do
Benefício Variável Jovem (BRASIL, 2010).
Os encaminhamentos de acesso à educação estão presentes, a partir da década 1990,
nas legislações, como o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) e a Constituição de 1988 (BRASIL, 2010), que geraram um
aumento das matrículas, aliadas a outras políticas, tais como o antigo Bolsa Escola e
posteriormente o Bolsa Família, no trabalho de acompanhar a frequência escolar de crianças,
jovens e adolescentes. Diante de todas as modificações e a relevância no âmbito social do
PBF e políticas de contribuição ao acesso à educação, há questionamentos acerca da quebra
do ciclo intergeracional da pobreza. Os resultados significativos de acesso à educação são
sobrepostos às dificuldades na qualidade do serviço público de fornecer condições de acesso
dos beneficiários, inclusive jovens, em continuar na educação.
Observando a frequência escolar nos últimos anos, alguns resultados têm mostrado
que entre 2005 e 201529
houve um impacto em todas as faixas etárias, exceto para a faixa
etária de 15 a 17 anos, que inclui o entendimento de jovens30
diante das dificuldades de
acesso que são marcadas por renda, raça, entre outros (IBGE, 2016). As dificuldades de
acesso equivalem a uma faixa etária referente ao ensino médio marcada por atraso escolar e
desafios na entrada e continuidade da escolarização.
29 Pesquisa de amostra por domicílios da População Brasileira, em 2016, aponta que, em 10 anos, as taxas de escolarização das crianças de 0 a 3 anos e de 4 e 5 anos de idade subiram de 13,0% e 62,8%, respectivamente, em 2005, para 25,6% e 84,3%, respectivamente, em 2015. Em 2015, a taxa de frequência escolar bruta das pessoas de 6 a 14 anos de idade atingiu 98,6%. Por sua vez, a inserção dos jovens de 15 a 17 anos de idade avançou lentamente, evidenciando a dificuldade de garantia do direito à educação básica obrigatória para esse grupo etário que deveria estar frequentando o ensino médio. A proporção de jovens de 15 a 17 anos de idade que frequentava a escola cresceu somente 3,4 pontos percentuais, passando de 81,6%, em 2005, para 85,0%, em 2015. (IBGE 2016). 30 Um entendimento bastante utilizado de Juventude está relacionado ao recorte etário composto por jovens de 15 a 29 anos, conforme estabelece o Estatuto de Juventude (BRASIL, 2013). Esta faixa etária inclui a juventude presente no ensino médio e beneficiária do PBF, notadamente em idade de 15 a 17 anos.
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No município de Londrina, estado do Paraná, no mês de maio de 2017 existiam
16.498 famílias beneficiárias do PBF, configurando 8,23% do total da população. Na
educação, 15.853 crianças, adolescentes e jovens de 6 a 17 anos beneficiários/as tinham
perfil de educação, deste total 2.163 são jovens de 16 a 17 anos, que 90,71% estão
focalizados e nem todos/as são acompanhados pelo Programa. Em meio a esta realidade,
constitui o objetivo deste trabalho demostrar o acesso à educação de jovens e a relação com
a condicionalidade em educação no PBF a fim de constituir um material para
aprofundamento da temática.
Procedimento Metodológico
Este trabalho adota uma metodologia de análise quantitativa, através de dados e
informações de beneficiários/as na educação, assistidos pela política pública que
condiciona a educação como um dos meios para romper a pobreza. Como será um
recorte de uma pesquisa, é importante destacar que os dados mobilizados, neste
momento, têm sua contribuição para a continuidade do estudo em escolas públicas com
ensino médio e chamou a atenção para pensar esse grupo na educação. A utilização do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), recorte realizado por região,
além da quantidade de beneficiários/as em cada escola são outras fontes utilizadas que
forneceram indícios para entender tal situação.
A análise por fontes secundárias são elementos importantes para a investigação
que são entendidos por acervos, documentos, banco de dados importantes para a
pesquisa (MINAYO, 1994). As fontes secundárias consultadas, neste estudo, são
cedidas pelo Núcleo Regional de Educação de Londrina (NRE), Secretaria Municipal de
Educação (SME), após o projeto de pesquisa ser aprovado pelo comitê de ética. Além
disso, contou com o IDEB do município de 2015 que auxiliou na compreensão da
situação de beneficiários/as na educação, observando o cumprimento e descumprimento
da condicionalidade em educação no município.
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Diante disso, conforme Flick (2009), tais dados e informações são documentos
que, neste caso, classificam-se como secundários pelo fato de serem produzidos pelo
Estado, junto ao Sistema presença31, através de uma amostra quantitativa de motivos
sobre o cumprimento e descumprimento da condicionalidade em educação. Em suma, o
método de abordagem envolve uma análise das fontes secundárias e de informações
quantitativas provenientes no interior destes documentos que possibilita entender a
situação de beneficiários/as na educação no município.
Juventude, pobreza e educação
No desenho do PBF as condicionalidades, principalmente em educação, opera
com um objetivo de proporcionar às famílias em especial às crianças, adolescentes e
jovens uma melhor condição de vida passando pelo entendimento da quebra do ciclo
intergeracional da pobreza (BRASIL, 2010). Este ponto de vista envolve controvérsias
posto a um plano de fundo da ideia de focalização, no investimento nas famílias em
situação de pobreza para reduzir os gatos públicos e a universalização que tem como
premissa os direitos universais a todos cidadãos não condicionados (STEIN; TELES,
2013). É nesse contexto que as condicionalidades no PBF inscrevem-se e apontam em
alguns posicionamentos.
“Em meio a tantas polêmicas sobre as condicionalidades, argumentos contrários e a favor não faltam. Os autores favoráveis apontam que as contrapartidas são essenciais porque: (1) as famílias pobres não têm condições de decidir sobre a importância de investimentos em saúde e em educação dos filhos; (2) o investimento privado das famílias em capital humano é muito baixo, o que provoca um atraso para toda a sociedade brasileira; (3) a distribuição de renda deve estar associada ao bom comportamento dos pobres que a mereça; (4) as famílias pobres ficariam mais responsáveis; (5) promove a pressão por aumento na oferta e na demanda por serviços públicos (SCHADY; FISZBEIN, 2009; VILLATORO, 2005). Por sua vez, Suplicy (2006) entende que a transferência de renda incondicional apresenta as seguintes vantagens: (1) dissolve a burocracia
31É uma ferramenta utilizada para acompanhar a frequência escolar de estudantes bolsistas do Programa Bolsa Família através do Ministério da Educação, desde 2004. Começou acompanhando a faixa etária de 6 a 15 anos pela frequência de 85% e com a implantação, em 2007, do Benefício Jovem Variável (BVJ) passou a acompanhar também os jovens de 16 a 17 anos pela frequência mínima de 75% (BRASIL, 2010).
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utilizada na fiscalização das famílias; (2) elimina o sentimento de estigma e humilhação das famílias que são obrigadas a comprovar os critérios de elegibilidade para ter acesso ao programa; (3) elimina a possibilidade da armadilha da pobreza e do desemprego, pois a elevação da renda familiar per capita, mediante o acesso ao trabalho, não suspende ou extingue o benefício; (4) proporciona o sentimento de liberdade e dignidade, por não existir a preocupação de faltar o recurso no mês seguinte, pois a renda é um direito inalienável e de cidadania; (5) estimula o pleno emprego por meio do aumento da demanda por bens e serviços que impulsionaria o crescimento da economia e do emprego (STEIN; TELES, 2013, p. 195-196).”
Entre um dos argumentos, o questionamento acerca da qualidade dos serviços
públicos é um deles e recai na educação em que “o direito a educação é
metamorfoseado em condicionalidade para acesso e permanência aos benefícios do
programa em uma perspectiva de que os beneficiários parecem ter algo a pagar (STEIN
E TELES, 2013, p.200)”. A assimilação da educação empreendido no PBF segue a
lógica do capital humano32 com o objetivo de propor investimento às famílias,
principalmente de crianças e jovens em situação de pobreza, fornecendo base para
promover a quebra do ciclo intergeracional da pobreza (PIRES, 2013;
SCHWARTZMAN,2002).
Fato é que na prática essa proposta é vista com dificuldades na formação deste
capital, por conta de envolver respostas parciais e estabelecer desigualdades a partir das
quais Pires (2013, p. 517-518) demonstra que
“[...] um dos problemas da incorporação da Teoria do Capital Humano aos programas de transferência de renda diz respeito ao fato de que a formação escolar e os anos passados na escola não são suficientes para formar este suposto capital. O que de fato constitui a formação do chamado Capital Humano não é somente o tempo de permanência na escola ou a obtenção de um diploma (muito embora saibamos que o diploma é um passaporte fundamental para o ingresso em determinadas profissões), mas o desenvolvimento de certas habilidades e destrezas (cognitivas, criativas, performáticas, entre outras) que permitiriam às pessoas melhor desempenho em suas atividades. Este aprendizado não está necessariamente relacionado aos anos de estudo ou à titulação, mas à qualidade do ensino oferecido.”
32 Segundo Pires (2013, p. 516) “à Teoria do Capital Humano, entende que as diferenças nas capacidades adquiridas pela mão de obra ao longo do tempo são tributárias dos investimentos feitos no trabalho, entendido como capital. Como qualquer tipo de investimento, aquele realizado em si mesmo deve proporcionar um retorno futuro para seu proprietário. É nesse ponto que entra a educação dentro da Teoria do Capital Humano, que passa a ser concebida como um bem intermediário, portanto investimento, cujo consumo promoveria o incremento de um conjunto de habilidades e destrezas, formadoras de capital humano”.
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Esta realidade está posta a um entendimento da desigualdade representado nos
sistemas educacionais que sempre serão produtores de hierarquias de competências e,
muitas vezes, têm a dificuldade de considerar a condição do estudante sendo um fator
importante na escolarização (SCHWARTZMAN, 2016; 2002). Contudo, nestes
sistemas apresentam uma aparente contradição visto que “a mobilidade, ascensão social
e redução da desigualdade; [...] de outro, são extremamente desiguais, na medida em
que refletem as desigualdades sociais da sociedade” (SCHWARTZMAN, 2016, p.29).
Em meio a tais considerações, segundo Schwartzman (2016), a teoria do capital humano
substitui a desigualdade social e de classe por desigualdade por mérito e não fornece
base de ensino pelo fato de que muitos estudantes têm formação, mas com dificuldade
de aplicabilidade no mercado de trabalho.
A dificuldade na qualidade de ensino afeta todos estudantes principalmente em
situação de pobreza. A realidade de jovens que vivenciam tal situação apresenta
percursos marcados por desafios, obstáculos na continuidade, trajetórias com repetência,
abandono em sua maioria relacionado a jovens negros (DAYRELL, 2007). É possível
visualizar o atraso escolar entre estudantes pretos e pardos (31,4%) com maior distorção
idade-série que estudantes brancos (18,9%) (IBGE, 2016).
Há estudos estatísticos que identificam os impactos na frequência escolar e
mostram um aumento de 6,5% no acesso à educação de jovens beneficiários do BVJ,
além de um acúmulo de capital humano a ponto de reduzir a transmissão intergeracional
(CHITOLINA, 2012). Outros apontam a possibilidade de um jovem que faz parte da
geração nem-nem33 esteja em famílias beneficiárias, do fato positivo da atuação do PBF
na redução e abandono escolar entre jovens de 15 a 17 anos da área urbana, além de
reduzir a possibilidade de ser um nem-nem (VASCONCELOS et. al, 2017).
Para visualizar uma outra abordagem, outro estudo, ao comparar estudantes
beneficiários com aqueles que não são beneficiários, chegou à conclusão de que 78,20%
dos beneficiários concluem o ensino fundamental aos 16 anos, frente a 88,30% dos não
33 Por nem-nem o IBGE (2016) entende jovens de 15 a 29 anos que nem trabalham e nem estudam.
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beneficiários/as, e estendem a permanência na escola ao ensino médio (SOARES NETO
et. al., 2015).
Tabela 1 – Taxa líquida de frequência no ensino médio entre a faixa etária de 15 a 17 anos, em 2013, a partir do censo escolar - Brasil
Situação Frequência Beneficiários 62,60% Não beneficiários 78,70% Meta 85% Fonte: Elaborado pelo próprio autor adaptado de Soares Neto et. al (2015).
Nos deparamos, através desses dados, com uma situação que demonstra a
condição da educação brasileira, a qual afeta todos/as no sistema escolar a ponto de as
metas do Plano Nacional de Educação (PNE) não serem cumpridas e os segmentos mais
pobres acabarem enfrentando maiores dificuldades. Esta configuração não está distante
ao que o IBGE (2016) apresentou acerca do acesso à educação de jovens apontando a
distorção idade-série e que a situação socioeconômica é um dos agravantes deste
processo que carrega consigo outros marcadores como raça, gênero, região, entre
outros34.
O entendimento de educação no país é visto, conforme Schwartzman (2016), a
partir de uma perspectiva de avanço nos últimos 30 anos em relação ao acesso à
educação, inclusive por conta da atuação do PBF, mas a qualidade segue baixa e afeta
os jovens e a esperança destes no meio escolar. Além disso, estes dados e informações
remetem à compressão do jovem na educação e um contexto marcado por uma condição
juvenil entendida por uma fase da vida, relacionada ao momento e configuração da
sociedade no que diz respeito ao entendimento de juventude. A condição juvenil refere-
se
34 Segundo o IBGE (2016), a distorção idade-série, que representa a idade em ensino regular com idade dois anos ou mais acima da esperada para a série/ano que frequentaram, em 2015, apontava jovens de 15 a 17 anos com renda baixa (1º quinto) (40,7%), maior na região rural (40%), maior entre os homens (31,6%), de cor preta ou parda (31,4%) e de escola pública (28,7%).
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“[...] ao modo como uma sociedade constitui e atribui significado a esse momento do ciclo da vida, no contexto de uma dimensão histórico-geracional, mas também à sua situação, ou seja, o modo como tal condição é vivida a partir dos diversos recortes referidos às diferenças sociais – classe, gênero, etnia etc. [...] Ao mesmo tempo, é necessário situar as mutações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho que, no Brasil, vem alterando as formas de inserção dos jovens no mercado, com uma expansão das taxas de desemprego aberto, com o desassalariamento e a geração de postos de trabalho precários, que atingem, principalmente, os jovens das camadas populares, delimitando o universo de suas experiências e seu campo de possibilidades. Nesse contexto mais amplo, a condição juvenil no Brasil manifesta-se nas mais variadas dimensões (DAYRELL, 2007, p.1108).”
Acerca da condição juvenil, é importante destacar a temática a respeito de
vivência juvenil no ensino médio, no processo de escolarização. Este processo adveio
com destaque para a heterogeneidade, através de mudanças nas legislações presentes,
gerando o aumento das matrículas, a partir da década de 1990, que contribuiu para gerar
mudanças também no perfil do alunado que chega ao ensino médio (DAYRELL, 2007)
“A partir da década de 1990, com a sua expansão, passam então a receber um contingente cada vez mais heterogêneo de alunos, marcados pelo contexto de uma sociedade desigual, com altos índices de pobreza e violência, que delimitam os horizontes possíveis de ação dos jovens na sua relação com a escola. Esses jovens trazem consigo para o interior da escola os conflitos e contradições de uma estrutura social excludente, interferindo nas suas trajetórias escolares e colocando novos desafios à escola (Sposito, 2005)” (DAYREALL, 2007, p.1116).
Observa-se que estes apontamentos orientam os estudos sobre juventude e
escola em tempos contemporâneos, idenficando alguns motivos e fatores que levam a
uma condição acerca da juventude e desafios diante da relação com a escola no Brasil,
por conta das características heterogêneas e a presença de trajetórias individualizantes,
com dificuldades de vivências no espaço escolar (DAYRELL, 2007, p.1113-1114). Um
outro ponto é o contexto no qual os/as jovens passam a ser responsáveis pelo seu
próprio projeto (SPOSITO; CORROCHANO, 2005) e acabam individualizando os
desafios e desigualdades e isso envolve diferenças no entendimento da juventude em
situação de pobreza.
“O princípio da incerteza domina o cotidiano dos jovens, que se deparam com verdadeiras encruzilhadas de vida, nas quais as transições tendem a ser ziguezagueantes, sem rumo fixo ou predeterminado. Se essa é uma realidade comum à juventude, no caso dos jovens pobres os desafios são ainda maiores, uma vez que contam com menos recursos e margens de escolhas, imersos que estão em constrangimentos estruturais” (DAYRELL, 2007, p.1113-1114).
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Ao fazer parte da condição juvenil, os/as jovens beneficiários/as do PBF
estabelecem uma relação entre educação e políticas públicas. Conforme Sposito e
Corrochano (2005), a compreensão de políticas públicas destinadas à juventude no
Brasil tem sido fortemente focalizada em jovens em situação de exclusão social ou
condições de vulnerabilidade, entendidas a partir de concepções de problema, perigosa e
violenta. Nota-se que o objetivo desses Programas é retirar jovens da situação de risco e
passar a frequentar a escola ou cursos de capacitação como um meio de “ocupá-los”
(SPOSITO; CORROCHANO, 2005).
Nesses Programas, que podem ser relacionados ao PBF, as contrapartidas para
Juventude em situação de pobreza orientam, em desenhos de uma valorização da ação
socioeducativa com deficiências no ensino, no caso da escola, de que não estaria
formando futuros cidadãos (SPOSITO; CORROCANO, 2005). Esse modelo remonta à
teoria do capital humano com a proposta de escolarizar a população em situação de
pobreza, por meio do acesso à educação, submeter a contrapartidas por benefícios
assistenciais e exigência da frequência escolar mínima presente em Programas
utilizados no Brasil desde a década de 1990.
É através deste ponto que Schwartzman (2002) encaminha a reflexão sobre os
Programas de transferência de renda em não substituir políticas educacionais,
identificando que a maior frequência escolar não decorre da cobrança da educação para
obter renda. A partir do sistema educacional unificado, Schwartzman (2016) discute a
relação com os jovens, demonstrando que, muitas vezes, apresenta desigualdade na
América Latina e Brasil, o que reflete uma dificuldade na qualificação da educação
secundária ou ensino médio prejudicando a qualificação para o mercado de trabalho.
Para o caso dos jovens em situação de pobreza, esta realidade de saída da
pobreza e investimento em educação pela ideia de contrapartidas é mostrada por
ambiguidades. Os Programas que envolvem contrapartidas, conforme a análise de
Spósito e Corrochano (2005), pouco avança no diálogo com os jovens junto aos
questionamentos que deveriam abranger toda a juventude usuária dos serviços gratuitos
e não focalizar apenas em jovens pobres. Fato é que esses Programas não devem
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entender os jovens como público-alvo, mas como sujeitos participantes levando em
consideração seus interesses e identificando-os/as como sujeitos/as de direitos.
Situando os/as jovens beneficiários/as em Londrina
As informações acerca de juventude e políticas públicas, diante de alguns
estudos com jovens, fornecem base para discutir o município de Londrina, estado do
Paraná, pensando a situação de beneficiários/as do PBF na educação. Essa realidade
envolve estudantes na faixa etária de ensino médio em situação de pobreza que
frequentam a educação conforme os critérios estabelecidos pelo Programa no
município. Um ponto de partida desta realidade é a mensuração da pobreza no
município, em 2017, por exemplo, aproximadamente 8,23% das famílias na população
total eram beneficiárias do Bolsa Família (BRASIL, 2017).
As informações do PBF reunidas pelo Estado, a partir da frequência escolar e
acompanhamento, são do mês de março de 2017 e demonstram particularidades ao
pensar os jovens na educação e a pouca quantidade. Aponta, mais acentuadamente, a
incidência de motivos relacionados à baixa frequência escolar para a faixa etária de 16 a
17 anos, que levam ao descumprimento. Os motivos desse encaminhamento são,
conforme critérios presentes discutidos com a comissão pedagógica da escola, passados
para o gestor lançar a frequência do aluno/a no Sistema Presença (BRASIL, 2010).
Diante disso, em Londrina, revela-se que entre beneficiários/as com 16 a 17 anos
há uma situação de maior descumprimento da condicionalidade em educação. Pode ser
visto que 90,71% (1.962) desse grupo é acompanhado e 84,91% (1666) estava com
frequência acima de 75% estipulada pelo PBF. Da mesma forma, 21,46% (421) nessa
faixa etária apresentam casos de baixa frequência que levam a motivos como o
desinteresse/desmotivação em estudar (12,11%), abandono/desistência (14,96%) e
beneficiário/a sem vínculo escolar (27,55%).
Tabela 2 - Motivos de baixa frequência escolar que descaracterizam e caracterizam o descumprimento da condicionalidade entre beneficiários/as no município
de Londrina, no mês de março/2017
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Caracterizam o descumprimento BFA (1) BVJ (2) Situação de rua 1,26 % 0,00 % Negligência dos pais ou responsáveis 13,73 % 1,43 % Motivo da baixa frequência não foi informado 14,71 % 2,14 % Trabalho do Jovem 0,14 % 0,24 % Desinteresse/Desmotivação pelos estudos 7,98 % 12,11 % Abandono/ Desistência 3,50 % 14,96 % Questões sociais, educacionais e/ou familiares 2,66 % 1,19 % Envolvimento com drogas/atos infracionais 0,28 % 0,24 % Beneficiário sem vínculo/matrícula escolar 8,40 % 27,55 % Total 52,66% 60,10%
Descaracterizam o descumprimento BFA BVJ Tratamento de doença e de atenção à saúde do aluno 22,27 % 1,43 % Doença na família/óbito na família/óbito do aluno 4,90 % 0,24 % Fatos que impedem o deslocamento/acesso à escola 5,18 % 0,00 % Concluiu o Ensino Médio 0,14 % 24,94 % Beneficiário sem vínculo/matrícula escolar 14,43 % 13,30 % Total 47,34 % 39,90 %
(1) Bolsa Família - beneficiários com perfil de faixa etária entre 6 e 15 anos (2) Benefício Variável Jovem – beneficiários entre 16 e 17 anos. Fonte: elaborado pelo autor (2017) adaptado de Relatório motivo de baixa frequência escolar em Londrina. Como pode ser visto, os estudantes acompanhados pelo Programa de 6 a 17 anos
e, especificamente, a faixa etária de 16 a 17 representam alguns marcadores conforme o
ciclo de estudos, sendo possível identificar motivos que envolvem a juventude e ensino
médio no Brasil, relacionados ao desinteresse, abandono, no caso do PBF, ou
beneficiário sem vínculo, que pode ser relacionado ao desinteresse pelos estudos. Tendo
em vista tais especificidades, isso demonstra a consideração de motivação dos jovens
referentes ao acesso à educação no país, corroborando a tese de muitos estudos sobre a
dificuldade entre juventude, pobreza, educação e políticas públicas (DAYRELL, 2007;
SPOSITO; CORROCANO, 2005; SCHWARTZMAN, 2016).
Ao pensar que este grupo é focalizado por conta da política pública, a existência
de informações levou à conciliação com outras fontes como o IDEB, quantidade de
beneficiários e regiões, identificando que a concentração está em regiões distantes das
áreas centrais. Como a faixa etária de 16 a 17 anos tem poucos acompanhados e há
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casos de infrequência que podem ser vistos em diferentes escolas no município.
Algumas escolas comportam mais e outras menos, isso faz pensar o local no município
que mais concentra esse perfil de jovens.
Para comparar e verificar essas informações, selecionamos 11 escolas estaduais
(PARANÁ, 2017) com base em critérios como região, IDEB, total de matrículas de
cada uma, para ver a presença na educação de beneficiários/as no espaço escolar. Para
obter uma melhor visualização das informações são utilizadas informações percentuais e
absolutas unindo beneficiários/as do BFA (6 a 15 anos) e BVJ (16 a 17 anos).
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Tabela 3 -Escolas estaduais em Londrina por Região, IDEB e total de matrículas na presença de beneficiários/as
Escolas Região IDEB
(1) Total de
Matrículas
Total de Beneficiários/as
(%) (2) DÉA ALVARENGA C E PROF EF M Norte 5,8 499 (29) 6% NEWTON GUIMARÃES C E PROF EF M Centro 5,6 1.299 (41 )3% JOSÉ DE ANCHIETA C E EF M Central 5,6 890 (10) 3% INST ED E DE LONDRINA EF M N PROFIS Centro 4,8 1.809 (165) 9% UBEDULHA C OLIVEIRA C E PROFA EF M P Norte 4,2 1.280 (254) 20% VICENTE RIJO C E EF M PROFIS Centro 4,1 1.826 (164) 9% RINA M DE J FRANCOVIG C E PROFA EF M Sul 3,4 1.013 (264) 26% THIAGO TERRA C E EF M Sul 3,3 651 (277) 42% HEBER S VARGAS C E PROF DR EF M Leste 3,3 564 (85) 15% ROSELI PIOTTO ROEHRIG C E PROFA EF M Norte 3,2 1.055 (310) 29% CARLOS A MUNGO GENEZ C E PROF EF M Sul 3,2 437 (109) 25% (1) referente ao ano de 2015 (QDEU, 2016). (2) estão incorporados os números absolutos para ter maior precisão. Fonte: elaborado pelo autor (2017) dados coletados de fontes diversas.
O que é constatado é uma maior porcentagem de beneficiários/as concentrados
em escolas localizadas em regiões distantes do centro. As duas escolas selecionadas
para estudo em profundidade, como as outras, renderam critérios importantes para
entender a relação entre educação e pobreza. A escola selecionada da região central, o
Instituto de Educação Estadual de Educação de Londrina (IEEL), ao ter maior
porcentagem de bolsistas, em relação às outras da mesma região, comporta um número
grande de matrículas de estudantes que vêm de outros bairros. Tal realidade abre
margem para pensar nas estratégias de estudantes com este perfil de estudar na região
central do município.
À vista disso, tais dados apontam tendências relacionadas à localidade, sendo
que a escola ao estar mais distante da região central menor fica o IDEB e maior é a
quantidade de beneficiários/as. Temos aqui indícios para existência de uma correlação
entre espaço geográfico (região), educação e pobreza. Ao entrar em contato com a
segunda escola, Colégio Augusto Mungo Genez, da região sul, visualizamos um alto
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número de estudantes que recebem o benefício ou já receberam, conforme a
proporcionalidade da quantidade de matrículas.
Deste modo, essas informações apresentadas agregam para a discussão sobre a
quebra do ciclo intergeracional da pobreza, com pontos importantes a respeito do acesso
e permanência de jovens beneficiários/as na educação. No espaço escolar, ao ser um
grupo pequeno ainda no ensino médio, envolve dificuldades de manutenção na escola,
demonstrando, conforme os dados quantitativos, o desinteresse em continuar os estudos,
além de mostrar tendências a serem melhor trabalhadas em outro momento.
Considerações finais
Diante disso, o objetivo de situar pelos dados e informações os/as jovens
beneficiários/as do PBF, identificados através de uma análise quantitativa, confirmou o
que muitos estudos vêm tratando sobre o acesso à educação que presencia desafios
como podemos observar na realidade no município de Londrina- PR, principalmente ao
orientar para a faixa etária de 16 a 17 anos, equivalente à juventude no ensino médio. Os
dados apresentam marcadores como a desmotivação escolar, abandono e muitos outros
pontos que acentuam a este grupo especificamente por fazer parte da condição juvenil e
relação com a escola.
As condições descritas acima relacionam-se, neste caso, ao entendimento
presente, pensando na temática do PBF, por ser uma política de combate à pobreza e
redução da desigualdade social que opera através da cobrança da frequência escolar.
Mesmo a educação sendo um dos pilares do Programa, por meio da condicionalidade
em educação, encontram-se desafios ao pensar no chamado ciclo intergeracional da
pobreza.
Quando falamos em jovens, que no caso do PBF é a faixa etária de 16 a 17 anos,
há uma discussão específica pelo fato de serem acompanhados/as pelo Programa a partir
de 2007 em virtude de problemas de abandono, evasão escolar. Relacionado a isso, a
discussão da condição juvenil (DAYRELL,20007) nos mostra os desafios recorrentes
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aos jovens acerca do mercado de trabalho, escolarização, entre outros pontos, que fazem
parte da fase da vida com maiores desafios aos jovens em situação de pobreza.
Conforme discutido pela literatura (SPOSITO; CORROCANO, 2005;
SCHWARTZMAN, 2002; 2016), o PBF e alguns Programas para juventude requerem
contrapartidas que perpassam pela discussão da focalização e universalização. No caso
da juventude, a perspectiva de pensar para além dos/as jovens em situação de pobreza
faz-se presente ao propor tal discussão por um viés dos direitos universais,
reconhecendo estes mesmos jovens como sujeitos/as de direitos e não apenas como
público-alvo. No PBF, o acesso à renda, que estabelece a contrapartida da educação,
envolve desafios na quebra do ciclo intergeracional da pobreza, em virtude da qualidade
e oferta dos serviços públicos.
Diante disso, percebemos que os dados do município de Londrina-PR apontam
tendências acerca da juventude, situação essa identificada na direção de outros estudos
como é o caso de Dayrell (2007) que enfatiza a desmotivação no espaço escolar em
relação à condição juvenil. Além disso, é observada uma relação entre escola e
beneficiários gerando a correlação entre educação, pobreza, região que esses grupos
concentram maior quantidade longe da região central no município, apresentando
contribuição para melhor entender a configuração da pobreza no município através de
dados do Programa Bolsa Família em conjunto com outras fontes como o IDEB, que é
indicador da qualidade escolar.
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Resumo Expandido
ESPAÇOS QUE (IM)POSSIBILITAM O ATENDIMENDO PSICOLÓGICO PARA JOVENS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Luísa Maiola de Araujo* (Graduanda de Psicologia na Universidade Estadual de Londrina - PR); Rafael Bianchi Silva (Doutor em Educação (Unesp/Marília). Docente do Departamento de Psicologia Social e Institucional e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Londrina).
contatos: [email protected] [email protected]
Palavras-chave: Clínica Social; Políticas Públicas para jovens; Trabalho em rede.
O presente estudo levanta reflexões sobre as políticas de atendimento no campo
da saúde mental voltado para os jovens e adolescentes. Visto que o modelo de
atendimento das ações da Psicologia na política de saúde voltam-se para o Centro de
Atenção Psicossocial – Infantil (CAPSi), as especificidades do sofrimento psíquico do
público jovem na contemporaneidade acabam por ficar à margem das proposições de
atendimento e acompanhamento na referida política. A partir disso, outros espaços
tornam-se fundamentais para a atenção a tais demandas.
Os dados desse trabalho têm como base as ações realizadas no âmbito do estágio
supervisionado em Psicologia Clínica no Centro de Atendimento Social Ágape
(C.A.S.A) – Organização não Governamental, mantida por uma paróquia localizada na
região central de Londrina. A instituição oferece diferentes serviços à comunidade,
como o atendimento odontológico, fisioterapêutico, a partir de colaboração voluntária
de profissionais incluindo a Psicologia.
Estes serviços são voltados prioritariamente para aqueles que fazem parte do
público-alvo da Assistência Social do município de Londrina, ou seja, famílias em
situação de vulnerabilidade (conforme descrição realizada pelos documentos oficiais da
política como Brasil, 2012). Desse modo, muitos daqueles que procuram o centro
social vem encaminhados pelos diferentes serviços da Assistência Social (como por
exemplo, CRAS, CREAS, serviço de acolhimento institucional e Serviço de
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Convivência e Fortalecimento de Vínculos). Além destes, também são recebidos
pedidos de atendimento de escolas e diferentes serviços da saúde (como CAPS e UBS).
O trabalho de estágio iniciou-se no início de 2017. Inicialmente foi realizada
uma análise da fila de espera para o serviço de Psicologia. Nesta época, a instituição
possuía cerca de 80 fichas cadastrais de pessoas que aguardavam por atendimento
psicológico, sendo que algumas delas já tinham passado pelo primeiro atendimento
social junto à coordenação do centro social. A respeito deste público, foi constatado que
cerca de 35% residia na Região Sul de Londrina, território com o maior número de
usuários que demandaram do serviço, seguido da Região Central, território no qual o
serviço estava inserido. Nela residia cerca de 25% desses usuários. Os CRAS de ambas
as regiões foram os mais citados como serviço de referência nos cadastros realizados.
Além disso, em face da dinâmica do trabalho ofertado pelo centro social, fora observado
que alguns pessoas encontravam-se em espera de atendimento a mais de um ano.
Destas fichas cadastrais, treze eram referentes a jovens e adolescentes que
buscavam por atendimento psicológico. A faixa etária variava entre 15 (quinze) e 25
(vinte e cinco) anos e tinham como demanda inicial, em sua grande maioria,
dificuldades no relacionamento familiar, comportamentos agressivos, transtornos de
ansiedade/ansiedade e sentimentos de angustia. Observou-se que esses
encaminhamentos foram realizados por unidades de acolhimento institucional, escolas
ou por algum outro serviço assistencial.
Posteriormente, foi realizado um processo de escuta inicial e triagem nas quais
quase a totalidades desses jovens que aguardavam por atendimento foram ouvidos. Os
atendimentos duraram de trinta a cinquenta minutos e tinham como objetivo entender
qual era a demanda trazida por eles, como entendiam os encaminhados realizados por
outros serviços da política pública de Londrina e qual a expectativa em relação ao
atendimento psicoterapêutico.
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Ao final das triagens, foi possível perceber que as questões trazidas por eles, em
sua grande maioria, estavam relacionadas as questões de vulnerabilidades
(intergeracional) marcadas em seus contextos sociais e em suas relações familiares.
Como efeito de tal contexto, observou-se frequente no discurso dos jovens entrevistados
a presença de fenômenos como a ideação suicida.
Como forma de organizar a demanda recebida, como forme de identificar
situações urgentes, além de facilitar o encaminhamento, quando necessário, elaborou-se
uma escala para os atendimentos de modo a priorizar os casos considerados como
graves. Um caso considerado urgente, foi caracterizado a partir do uso abusivo de
álcool, drogas ou outras substâncias psicoativas configurando situação de adicção;
situação de risco a própria vida ou a vida de outros; alta utilização de medicamentos;
condição incapacitante geradora de perda capacidade produtiva. Outros critérios
também eram considerados: caso o usuário já estivesse em algum tipo de
atendimento/acompanhamento psicológico em instituições como o Centro de
Atendimento Psicossocial (CAPS), Unidades Básicas de Saúde (UBS), Centros de
Referência de Assistência Social (CRAS), entre outros, era classificado com menos
urgência na espera pelo atendimento psicossocial. Em contrapartida, caso as questões
trazidas pelo usuário fossem somadas ao acompanhamento dos mesmos pelo Serviço de
Proteção Especial (CREAS, Centro POP, Abrigo, Acolhimento Institucional) ou
possuíssem um quadro de vulnerabilidade em nível intergeracional, eram classificados
com um maior nível de urgência para o atendimento.
A partir disso, foi problematizado junto ao centro social, a capacidade das
políticas públicas atuais em darem atendimento a esses jovens, visto que há uma grande
defasagem nas possibilidades de atendimento psicossocial para essa população. Além
dessa questão, observamos (conforme também indicado por SANTOS, 2006) a
existência de uma tendência em direcioná-los para atendimentos médicos psiquiátricos,
muitas vezes com o objetivo correcional, negligenciando assim toda a complexidade da
questão. Ainda nessa lógica, percebe-se que a maioria das políticas públicas
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direcionadas aos jovens estão relacionadas à educação, prevenção às drogas e IST’s,
deixando em segundo plano, políticas que promovam uma assistência psicológica a essa
população e consequentemente possibilitem que esses se expressem e assim possam ter
uma saúde mental de qualidade.
Acredita-se que tal fato está relacionado a escassez de profissionais de
Psicologia nas Políticas Públicas referentes à saúde mental que pode ser explicada a
partir de diferentes fatores. A princípio, é importante destacar um problema de formação
do psicólogo que possui nos cursos de graduação a marca da clínica tradicional. Tal
concepção hegemônica articula-se com a tardia inserção de profissionais da Psicologia
no âmbito dos serviços públicos que no Brasil só ocorreu no fim da década de 1970,
somente sendo aplicada de modo mais efetivo ao âmbito da saúde nos anos de 1990
(PIRES, 2009). Ainda hoje não é possível atender integralmente à demanda desses
jovens, mesmo que nas últimas décadas, houve um aumento desses profissionais nos
campos articulados às políticas públicas (SILVA & CARVALHAES, 2016). Cabe
então, à Psicologia se mobilizar de forma que o acesso a tais serviços seja cada vez
menos segmentado e elitizado, fomentando os debates, não restringindo suas atividades
à saúde mental (YAMAMOTO, 2010).
Além disso, visto que o trabalho do psicólogo inserido nesses serviços tem como
objetivo construir um modo de atendimento para tal demanda, consideramos a
necessidade de ultrapassar os moldes da clínica tradicional (profissional neutro,
atendimentos com longa duração, elevado número de sessões, setting tradicional) e
realizar uma Psicologia socialmente implicada que problematize as práticas dicotômicas
e se engaje social e politicamente (ROMAGNOLI, 2006). Trata-se de uma clínica que
trabalha com a ampliação do trabalho em rede, voltado para a formação e atuação do
coletivo, se configurando como uma clínica de qualquer lugar e para qualquer público.
Isso não significa o banimento da psicoterapia, mas a necessidade desta ser diluída em
atividades que ultrapassem os muros das instituições (YAMAMOTO, 2010), chegando
ao alcance da população mais jovens.
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Dessa forma, uma Psicologia que leve em conta as especificidades da população
em que atende e que supera seus moldes elitistas tradicionais, pode propiciar aos jovens
em situações de vulnerabilidade, possibilidades de expressão alternativas e elaborações
singulares de forma a superar essas questões.
Conclui-se, através do estágio realizado, que as ações e reflexões obtidas em
conjunto com a instituição, fomentou questionamentos e desdobramentos acerca do
serviço de Psicologia e seu modo de operação nas Políticas Públicas, além da influência
da rede na atuação do psicólogo e no desenrolar do trabalho realizado na instituição.
Apesar dos impasses e muitas vezes da impossibilidade de colocar em prática ações que
pudessem dar segmento a algumas das reflexões levantadas, foi possível observar
diversos momentos em que o trabalho em rede ocorreu de maneira muito positiva.
Porém, não podemos esquecer que os serviços públicos (e em especial da saúde mental)
ainda hoje, não são capazes de dar conta de uma boa parte dos jovens e que a academia
também acaba sendo muitas vezes omissa, visto que há poucos trabalhos que retratem o
tema sem adotarem um discurso higienista e correcional.
Referências:
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas sobre o PAIF :O serviço de proteção e atendimento integral a família, segundo a tipificação nacional de serviços socioassistenciais, 2v. Brasília: MDS, 2012.
FILHO, N. G. V., NÓBREGA, S. M. A atenção psicossocial em saúde mental: contribuição teórica para o trabalho terapêutico em rede social. Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal - UFP. 2004, p. 379-379.
PIRES, A. C. T.; BRAGA, T. M. S., O psicólogo na saúde pública: formação e inserção profissional. Ribeirão Preto: Temas Em Psicologia, vol. 17, 2009.
ROMAGNOLI, R. C. Algumas reflexões acerca da clínica social. Revista do Departamento de Psicologia - UFF, v. 18, n.2, p.47-56, Jul./Dez. 2006
SANTOS, P. L. Problemas de Saúde Mental de crianças e adolescentes atendidos em um serviço público de psicologia infantil. Revistas Científicas de América Latina Y El Caribe, España Y Portugal, 2006.
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YAMAMOTO, O. H., OLIVEIRA, I.F., Política Social e Psicologia: Uma trajetória de 25 anos. Universidade Federal do Rio Grande do Norte: Psicologia: Teoria e Pesquisa, 2010. 9-24 p. v. 26. SILVA, R. B., CARVALHAES, F. F., Psicologia e Políticas Públicas: Impasses e Reinvenções. Universidade Estadual de Londrina. Psicologia e Sociedade, 2016. p. 247-256.
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Delinqüência juvenil: uma problematização em torno da aplicação de medidas socioeducativas e um estudo sobre as falhas no desenvolvimento humano35
Raphael Augusto Nunes (Aluno do curso de psicologia da Universidade Norte do Paraná UNOPAR); Giovana Ellen Momente² (Aluna do curso de psicologia da Universidade Norte do Paraná UNOPAR); Clodoaldo Porto Filho³ (Formado em psicologia pela Universidade Federal do Mato Grosso do sul, e Mestrado em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (2011). Tem experiência na área de Psicologia e Políticas Sociais, atuando principalmente com os seguintes temas: políticas públicas e adolescentes em conflito com a lei.)
Contato: [email protected] [email protected]
[email protected] RESUMO A desigualdade social em nosso país é um dos principais percussores do aumento da taxa de delinqüência juvenil, o Estado negligencia a juventude de baixa renda a privando de ter os mesmos acessos à educação, lazer e a oportunidades. O sistema de punição também é negligente e de caráter ostensivo quando se trata de punir este jovem sobre a responsabilização, vemos um sistema pouco humanizado, e nada restaurador, sendo que as casas de custodia ou abrigos que detém esses jovens são “pobres” de políticas publicas que visam a ressocialização da juventude infracional, culpabilizar somente o menor infrator é tirar a responsabilidade do Estado que deve garantir a este jovem que seus direito sejam respeitados. O artigo irá tratar também sobre diversas falhas ocorridas no processo do desenvolvimento humano, falhas essas que podem contribuir para uma possível inserção do jovem no contexto dos atos infracionais. Podemos classificar essas falhas como físico, cognitivas e psicossociais além de outros fatores que influenciam a delinquência, como os culturais e socioeconômicos. Sente se a necessidade de debater este tema pela sua complexidade em torno das falhas no desenvolvimento humano causado pela negligência do Estado, a coesão da policia e a ausência de políticas públicas compreender os fatores que levam estes jovens a se tornarem infratores e a culpabilização do Estado no contexto da vulnerabilidade da juventude de baixa renda. É visível a parcela de culpa do estado perante todo esse contexto, sendo que o mesmo deveria investir em práticas mais humanizadas e eficazes deixando de lado o modelo punitivo que vêm sendo aplicado. Atualmente a Justiça Restaurativa vêm tomando um espaço significativo justamente por cumprir com esses critérios. Palavras chave: medida socioeducativa. Vulnerabilidade social. Desenvolvimento humano.
¹Trabalho desenvolvido no âmbito do Projeto de pesquisa: Juventude e violência da Universidade Estadual de
Londrina‘
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1. Introdução
ECA E A CONTITUIÇÃO DE 1988;
O Brasil é um país com alto índice de desigualdade social, a juventude periférica é a
parte mais atingida, sendo a que mais se registra dados de atos infracionais. Segundo dados do
IPEA, 40% dos registros de roubo são praticados por adolescentes, foi registrado o total de 10
mil atos infracionais de roubo cometido por jovens, esta elevação é a consequência de um
sistema judiciário negligente, a ausência de oportunidades para o desenvolvimento destes jovens
se dá pela omissão do Estado que priva a juventude de baixa renda de ter as mesmas
oportunidades dos demais. O Estado penaliza de forma ostensiva, negligente e desigual,
ouvimos variados relatos de abordagens com emprego da violência, a de ressaltar a ausência de
fiscalização da atuação da policia nas abordagens da população e questionar a afetação desta
violência na vida do jovem.
Se a sociedade indaga sobre o que fazer com adolescentes que cometem atos infracionais graves, é necessário igualmente se perguntar sobre o tratamento que tem sido oferecido a eles. Isso porque se constata um grande desequilíbrio entre o grau de maturidade que se exige do adolescente e a diminuição da proteção à infância que está sendo permitida. (PIMENTEL e SEBBEN, 2018 p.65,).
Segundo Abramo (1997) os programas em sua grande maioria enxergam os jovens
como sendo uma problemática, da qual é necessário o uso de intervenções para reintegrar os
mesmos à sociedade de forma moralmente adequada com o auxílio de estratégicas como a
ressocialização, capacitação profissional ou até mesmo a ocupação do seu tempo livre. O ECA
(1990) estabeleceu um sistema jurídico especial frente à responsabilização penal do adolescente
autor de atos infracionais regido por atribuições de medidas sócio educativa, divergindo de atos
infracionais do sistema de responsabilização penal do infrator adulto tal diferenciação é dada
levando em conta diversos fatores sendo principal a idade.
É na adolescência que vemos colocarem-se questões e problematizações agudas no tocante à construção do laço social, em relação à qual a discussão sobre a responsabilização e seus desdobramentos (no que tange aos modos de socializar/educar) carrega inúmeros desafios. É especialmente nesse âmbito que temos grandes possibilidades de pensar um Sistema de Justiça que acolha a peculiaridade da adolescência. (VICENTIN, CATÃO, BORGHI, ROSA, 2012, p.286).
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Metodologia
O presente artigo tem como objetivo levantar dados relevantes sobre o jovem em
conflito com a lei, além de trabalhar alternativas de prevenção e ressocialização do
mesmo, trata-se de uma pesquisa com caráter qualitativo.
Para o respectivo levantamento foi utilizado um referencial teórico voltado para
esse eixo temático e um estudo aprofundado da adolescência no desenvolvimento
humano concomitantemente.
2. Desenvolvimento Físico, Cognitivo e Psicossocial na adolescência.
A adolescência propriamente dita abrange a faixa etária de 11 a aproximadamente 20
anos, ou seja, que tem início com uma significativa transição no desenvolvimento, que abrange
mudanças físicas, cognitivas, emocionais e sociais.
Importante ressaltar que a adolescência é considerada uma construção social ideológica
e da construção da moralidade, levando em conta que tal conceito não existia nas sociedades
passadas, onde as crianças se tornavam adultas quando alcançavam a maturidade física e
profissional. Foi em meados do século XX que a adolescência passa a ser globalmente
considerada como um estágio de vida.
2.1 Busca pela identidade
Concepção do Self
É comum na adolescência ocorrer o que chamamos de busca pela identidade ou “teoria
do self” ou “concepção do self”, a mesma é atribuída por metas, valores e crenças com as quais
o indivíduo está comprometido. A identidade é formada por três eixos que precisam ser
avaliados e classificados; Ocupação, Valores Atribuídos e identidade Sexual.
A construção do Self e a crise de identidade de acordo com Erikson (1950) não devem
ser vistas como uma enfermidade relacionada ao estágio e sim um processo vital pelo qual o
indivíduo necessita passar, pois esse rito possibilita a construção de alicerces para lidar com os
desafios durante toda a vida adulta. O principal desafio nessa fase é confrontar a crise de
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identidade e tornar-se um adulto coerente com a concepção do self podendo então ser valorizado
socialmente.
2.3 Delinquência Juvenil
A delinquência juvenil compreende comportamentos tidos como antissociais praticados por menos e que seja categorizado nas leis penais. A delinquência juvenil pode assumir muitas formas e pode ser entendida de modos muito distintos. Atos como furtar algo numa loja ou agredir uma pessoa diferem na gravidade com que são encarados quer pelas autoridades quer pelo cidadão comum. Estes tipos de comportamentos ocorrem tão frequentemente em jovens que têm vindo a ser contextualizados como normativos (e.g., Eklund & Af Klintberg, 2009; Lynam, 1996).
Ou seja, quanto melhor ocorrer a educação familiar na fase da adolescência, menor o
risco de uma possível delinquência juvenil, devendo também viabilizar os fatores econômicos e
sua devida importância no processo, podendo também servir de uma considerável influência.
Uma maior propensão para esse estilo de vida é adotada por jovens cujos mesmos não possuem
alternativas positivas, podendo até mesmo considerar a vida como sendo injusta.
Levando em conta outros diversos fatores que colaboram para essa prática dessa faixa
etária, como: o cérebro imaturo do adolescente, cujo mesmo não atingiu seu nível máximo do
desenvolvimento; o fácil acesso a armas de fogo; as “gangues” presentes nas escolas; ambiente
familiar desestruturado, rejeitador, coercitivo ou caótico na infância, pode ser válvula de
comportamento agressivo em crianças perdurando até a fase adulta; convívio em regiões
urbanas de risco; ter testemunhado ou mesmo vivenciado algum tipo de violência;
Os adolescentes mais propensos a cometer atos violentos, frequentemente se recusam a ouvir os pais e professores, ignoram os sentimentos e os direitos dos outros, maltratam as pessoas e apelam para a violência ou ameaças para resolverem seus problemas e acreditam que a vida os tem tratado injustamente. Eles tendem a ir mal a escola, usar álcool, inalantes e outras drogas, envolver-se em atividade sexual precoce, unir-se a gangues, brigar, roubar ou destruir propriedades. (AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION AND AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS [AAP], 1996; RESNICK ET AL., 1997; SMITH-KHURI ET AL., 2004; “YOUTH VIOLENCE”, 2001). Um relatório do ministério da saúde dos Estados Unidos trás a tona alguns mito sobre a violência juvenil. (“YOUTH VIOLENCE”, 2001)
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2.4 Cinco mitos sobre a violência juvenil
*Retirado do livro DESENVOLVIMENTO HUMANO 12º. Ed. TABELA PAPALIA: CINCO MITOS SOBRE A
VIOLÊNCIA JUVENIL.
É possível que a maioria dos jovens em conflito com a lei não se tornem adultos
criminosos, tornando-se indivíduos ressocializados e reintegrados de forma devidamente
adequada na sociedade.
Segundo Benavente (2002) não devemos estudar a delinquência juvenil como um
constructo unitário, mas sim como fenômeno dialético e não absoluto, a autora aponta em sua
pesquisa que o comportamento de delinquência tem maior índice de ocorrência na faixa etária
dos 15 aos 17 anos de idade, e tendo um posterior declínio quando atingido a fase adulta,
existem inúmeros estudos longitudinais apontando a diminuição do comportamento delinquente
Mito Fato
A maioria dos futuros criminosos pode ser identificada na
segunda infância.
Crianças com transtornos da conduta ou comportamento
descontrolado não se transformam necessariamente em
adolescentes violentos.
Jovens afro-americanos e hispânicos têm maior probabilidade do
que os jovens de outros grupos étnicos de se envolver em
violência
Apesar dos índices de prisões diferem, relatos sugerem que
raça e etnia têm pouco efeito sobre a proporção global de
comportamentos violentos não fatais.
Uma nova geração de “superpredadores”, que entraram na
adolescência na década de 1990, ameaça tornar os Estados
Unidos um lugar ainda mais violento do que já é.
Não há evidência de que jovens envolvidos em violência
durante a década de 1990 eram mais violentos ou mais
perversos do que os jovens em anos anteriores.
Julgar adolescentes infratores em tribunais criminais adultos
severos os faz ter menor probabilidade de cometer crimes mais
violentos.
Jovens julgados em tribunais adultos têm índices
significativamente mais altos de repetir infrações e de praticar
crimes futuros do que os jovens infratores julgados em
tribunais juvenis.
Os jovens mais violentos acabaram sendo presos por crimes
violentos.
A maioria dos jovens envolvidos em comportamento violento
nunca será presa por crimes violentos.
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até o fim da adolescência, esta passagem pode ser consideradas como características dos
processos de tratamento analítico, estas infrações cometidas podem ser uma estratégia de
organizar o caos vivenciado pelo adolescente com medo, estes perigos são projetados em
objetos de figura de autoridade na vida deste jovem como os pais, professores e policiais, olhar
para além da patologia e ver que muitas vezes o jovem é vítima das relações familiares, do
sistema escolar, da situação sócio – cultural e econômica, ele é protagonista de um ambiente
repreensivo, onde suas expressões são vistas como uma transgressão dos modos de vivencia
impostos pela sociedade.
2.5 Prevenção e Protagonismo juvenil
Para que medidas socioeducativas e outras formas de intervenção não sejam necessárias
na juventude, devemos manter o foco na prevenção do indivíduo enquanto criança, visto que a
delinquência juvenil costuma possuir raízes ainda na infância. Outras medidas propostas seria o
envolvimento de adolescentes em atividades construtivas, programas, atividades
extracurriculares, tais medidas contribuem para a redução dos índices de evasão escolar e
prisões pela prática de delitos. O sistema implementado em nosso país possui um caráter
punitivo, a grande parte destes jovens ao ser aprendido tem a maioria dos seus direitos violados,
ou encontra se em alguma outra situação de vulnerabilidade, pensar em formas de penalizações
mais acolhedoras e humanizadas é uma forma de trazer melhorias para a ressocialização destes
jovens, o Estado deve garantir que direitos básicos, como acesso a educação igualitária, moradia
digna, informações (internet, jornal, revistas) entres outros direitos, que são essenciais na vida
de qualquer ser humano sejam respeitados e garantidos a população, o tornando conhecedor de
seus direitos e deveres como cidadão.
Sendo que todas as medidas socioeducativas apresentam características punitivas e educativas, porém deveriam auxiliar a demonstrar o erro ao adolescente e utilizar este como forma de mudança de visão e de comportamento para a reinserção na sociedade. (PIMENTEL e SEBBAN, 2018 p.67).
A aplicação das medidas socioeducativa deve ser um período de reconstrução da vida
do jovem, onde ele possa por si mesmo traçar novas metas a serem almejadas. A sociedade
ainda se prende a dogmas religiosos que alimenta discursos como “só Deus pode salvá-lo”,
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invalidando os modelos que busquem substituir modelos punitivos e severos, a psicologia tem
seu caráter em estudos científicos, trazendo assim resultados fidedignos.
Aqueles que entendem que punir é sinônimo de educar não hesitam em, rapidamente, atribuir ao adolescente, autor de ato infracional, a principal responsabilidade de toda a violência instalada no cotidiano social (AGUINSKY e CAPITÃO, 2008, p.260).
Culpabilizar somente o jovem pelos seus atos é tirar a responsabilidade do Estado que
deveria garantir a oportunidade de escolhas na vida deste jovem, que tem a visão utópica que a
criminalidade é compensador, a falta de oportunidade também é um percurso para a inserção na
vida do crime, a taxa de desemprego dos pais e familiares que mantêm a manutenção do lar faz
que a taxa de assaltos aumente, isto é mais um fator que leva a criminalidade, o jovem ao ver
que seus familiares estão passando por dificuldades assume uma responsabilidade mais
prematura a fim de suprir a necessidades financeiras que enfrenta no momento.
No entanto, observa-se que o meio em que o adolescente está inserido, a falta de programas e medidas sociais (específicos, direcionados e contínuos), agregado a uma legislação branda e benevolente, estimulam e favorecem a criminalidade juvenil. (PIMENTEL e SEBBEN, 2018, p.64).
2.6 Justiça restaurativa
Segundo Aguinsky e Capitão refere - se à justiça restaurativa como um diferencial do
modelo tradicional de punição, o modelo restaurativo visa à reformulação na aplicação das
medidas e tratamento mais humanizado, abre se um ambiente mais acolhedor e protegido para
vítimas, transgressores, familiares e a sociedade para se expressarem e protagonizar a
participação de cada indivíduo.
A Justiça Restaurativa, ao invés de versar sobre transgressões e culpados, materializa possibilidades concretas de participação individual e social, democratização do atendimento acessa a direitos, afirmação de igualdade em espaços de diálogo, em ambientes seguros e respeitosos (Aguinsky e Capitão, 2008, p.262).
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*NUNES E MOMENTE (2018).
Eca e a Constituição 1988;
O ECA (Estatuto da criança e do adolescente) é um documento constituído por
um conjunto de leis que garantem os direitos das crianças e adolescentes no Brasil. O
estatuto foi criado perante a lei nº8. 060, de 13 de julho de 1990, tendo base nas
diretrizes da constituição federal de 1988 e também nas normativas internacionais
propostas pela organização das nações unidas (ONU). O ECA atua como um
mecanismo que visa proteger crianças e adolescentes até os 18 anos e nele é regido
também os direitos fundamentais da criança e do adolescente além de sanções quando
há o envolvimento de atos infracionais.
A constituição federal de 1988 considera o menor inimputável, tornando-o
livre de qualquer pena, em prol desse acontecimento é que foi promulgado o estatuto da
criança e do adolescente viabilizando direitos conferidos ao menor.
O menor de 18 anos, que for emancipado civilmente, em conformidade com art. 5, do Código Civil Brasileiro (CCB), continua a ser inimputável perante a legislação penal, pois não a que se confundir capacidade civil com capacidade penal. (MASSON, 2010, p. 436)
Justiça Punitiva Justiça Restaurativa
Ponto de referência O DELITO OS PREJUÍZOS CAUSADOS
Meios A AFLIÇÃO DE UMA DOR A OBRIGAÇÃO DE RESTAURAR
Objetivos O EQUILÍBRIO MORAL A ANULAÇÃO DOS ERROS
Posição das Vítimas SECUNDARIO CENTRAL
Critérios de Avaliação ADEQUAÇÃO DA PENA SATISFAÇÃO DOS INTERESSADOS
Contexto Social O ESTADO OPRESSOR O ESTADO RESPONSÁVEL
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Contudo nem sempre esse foi o estatuto prevalente na proteção da criança e do
adolescente, em meados da década de 70 o código de menores regia essa causa, advindo de uma
época totalmente autoritária fruto da ditadura militar, o código de menores não cumpria com a
teoria e acabava por não demonstrar compreensão ou sequer realizar o devido atendimento aos
envolvidos, objetivando apenas a punição dos jovens infratores. De liberdade, igualdade e
fraternidade além do incentivo a participação popular, só então com os movimentos sociais que
de fato defendiam seus direitos ocorreu a constituição do ECA.
O estatuto da criança e do adolescente (ECA) prevê diversas providências
socioeducativas para o jovem cujo mesmo encontra-se em conflito com a lei, dentre elas
estão: advertência, liberdade assistida, semiliberdade, reparo de danos ou partindo de
casos mais severos até mesmo a internação. Sendo essa a última medida a ser
ponderada e adotada, apenas em casos nos quais o jovem encontra-se inconciliável no
convívio social, exigindo então um tratamento especializado para a recuperação do
mesmo.
1.1 Medida de Advertência:
Regulada pelo art. 115 do ECA, consiste na advertência verbal feita ao
adolescente infrator, alertando a si e a seus responsáveis legais a respeito dos riscos
envolvidos na prática do ato infracional, o qual é redigido um termo e assinado.
(DELCAMPO; OLIVEIRA, 2009, p. 179)
1.2 Medida de obrigação de reparar o dano;
Regula questões referentes aos danos patrimoniais cometidos pelo jovem,
podendo o mesmo ressarcir ou compensar de algum modo o prejuízo causado.
1.3 Semiliberdade;
Regulada pelo art. 120 e parágrafos, a semiliberdade constitui uma alternativa
mais leve à internação, na realização de atividade externa durante o dia e durante a
noite o recolhimento em instituição própria, sendo supervisionado por equipe
multidisciplinar. A semiliberdade pode ser aplicada desde o início da medida
socioeducativa ou em transação de uma internação para o meio aberto (semelhante ao
regime semiaberto do Direito Penal). (DEL-CAMPO; OLIVEIRA, 2009, p. 184/185)
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1.4 Liberdade Assistida;
Tratada pelo art. 118 é a medida padrão adotada pelo ECA por não gerar
custo excessivo ao Estado. Mais também a menos eficiente, devido à falta de estrutura
e de acompanhamento por parte das unidades de atendimento. (DELCAMPO;
OLIVEIRA, 2009, p. 181).
1.5 Internação Sanção;
A internação é a última medida a ser ponderada, sendo aplicada apenas em
casos nos quais houve o descumprimento injustificado das medidas anteriores
impostas, sendo ela realizada em um período pré-determinado não podendo exceder o
prazo de três meses.
1.6 Medida de intervenção;
Considerada a mais grave medida a ser aplicada, após a determinação de
internação o jovem poderá ser privado de liberdade por um período de até três anos.
Apesar de todo o aparato e eficiência na problemática do jovem em conflito
com a lei é notório que o ECA é descumprido regularmente, podemos citar como
exemplo a falta de estabelecimento apropriado para internação e atividades
pedagógicas, bem como na prática o dever de proteger o jovem e ressocializá-lo acaba
não tendo eficácia devido às condições atuais que impossibilitam esse processo.
Conclusão
O estudo apresenta características em torno do desenvolvimento do jovem,
especificamente na fase da adolescência, visando o enfoque nas falhas acometidas nesse
processo, falhas que por vezes possibilitam ou mesmo propiciam a prática do mesmo de
atos infracionais. podendo dizer que a formação integral na adolescência requer
amadurecimento físico, cognitivo e psicossocial, a delinquência juvenil advém da
possível falha na passagem desses eixos.
Entretanto sabe-se que o governo e sua má administração nos setores voltados a
esse público possui uma parcela de responsabilidade, ou seja, o governo atua de forma
extremamente punitiva ao invés de investir em práticas preventivas ou mesmo que
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auxiliem na socialização do indivíduo quando lhe é pertinente, no caso
deveriam investir em práticas que alcançassem o público infantil sabendo que as raízes
da delinquência são manifestas ainda na infância, trabalhando questões de ética/moral,
direitos/deveres entre outros pontos que devem ser aliançados, além disso, necessitaria
de práticas construtivas para o indivíduo já na adolescência como programas e
atividades extracurriculares em prol da ocupação do mesmo.
As medidas socioeducativas são classificadas de acordo com o delito cometido
pelo mesmo, podendo ser desde reparo de danos até internação para casos mais severos,
é válido ressaltar ainda que a internação apesar dos aparatos de ressocialização como
aulas e atividades socioeducativas apresentam uma lógica carcerária, em termos de
ambiente, o que nos leva a conclusão de que essa não seria a melhor alternativa para o
jovem que encontra-se em conflito com a lei.
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Trabalho completo
ENTRELINHAS: arte educação em direitos humanos
Sérgio Kazuyoshi Fuji* (Psicologia, Centro Educacional Marista Irmão Acácio, Londrina-Pr), Juliana Camargo Matta (Artes Cênicas, Centro Educacional Marista Irmão Acácio, Londrina-Pr); Everton Luís Bonfim (Artes Cênicas, Centro Educacional Marista Irmão Acácio, Londrina-Pr; Gabrielle Fortunato (Estudante de Serviço Social, Centro Educacional Marista Irmão Acácio, Londrina-Pr); Juliana Rodrigues da Cruz (Serviço Social, Centro Educacional Marista Irmão Acácio, Londrina-Pr).
contatos: [email protected]
RESUMO O artigo propõe discutir a atuação das políticas públicas, tendo como base a educação em direitos humanos. É utilizado para a discussão a peça Entrelinhas, que foi produzida no Curso Técnico em Teatro do Centro Educacional Marista Irmão Acácio, que trabalhou diversos temas relacionados as questões de vulnerabilidade social ligadas a diversos preconceitos como Racial, Social, Linguístico, Religioso, Sexual, Machismo, Misoginia, Sexismo, Bullying, Gordofobia. Problematiza também a arte educação como meio para a superação dessas vulnerabilidades que perpassam o cotidiano dos adolescentes, o que possibilita a discussão sobre o protagonismo, a autonomia e emancipação do sujeito e sua participação como cidadão. Palavras-chave: Vulnerabilidade. Adolescentes. Teatro.
INTRODUÇÃO
O Centro Educacional Marista Irmão Acácio (CEM Ir. Acácio) atende crianças
e adolescentes, de 06 a 18 anos, por meio de três serviços: Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos (SCFV), o Programa Mais Educação e Ensino Médio
Técnico Concomitante (EMTC). O SCFV, é denominado institucionalmente como
Conviver Marista e atende 350 educandos; está dentro da Proteção Social Básica, da
Política Nacional de Assistência Social (PNAS). O Programa Novo Mais Educação e o
EMTC, fazem parte da Educação, atendendo 100 crianças no primeiro e 150
adolescentes no segundo. O Programa Novo Mais Educação é realizado em parceria
com a Escola Municipal Professor Moacyr Teixeira e atende no período da manhã. O
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EMTC oferece quatro cursos diferentes, dois na área de tecnologia (Informática para
Internet e Redes de Computadores) e dois na área das artes (Circo e Teatro). No total
oferecemos o atendimento para 550 educandos.
Além desses serviços, o CEM Ir. Acácio oferece outros dois projetos para
comunidade externa, Projeto Cidadania e Projeto de Extensão Circo, Presente!
O Projeto Cidadania é realizado em parceria com a Universidade Pontifícia
Católica (PUC – Campus Londrina) e a proposta é ofertar para comunidade aulas de
informática básica, palestras e oficinas temáticas. São oito encontros com duração de
quatro horas por dia, e são realizados aos Sábados. O número de participantes varia de
acordo com o número de acadêmicos voluntários, e atende em média 40 pessoas. O
Projeto de Extensão Circo, Presente! acontece duas vezes na semana, e é destinado para
educandos do segundo ano de curso e também para egressos, que já concluíram Circo
ou Teatro. Este projeto iniciou este ano e são oferecidas 20 vagas.
O CEM Ir. Acácio fica localizado na região norte de Londrina-PR (há 14 anos)
e atende em sua grande maioria o público deste território, que possui 90 bairros e mais
ocupações, sendo uma das maiores do município em termos populacionais. Contudo,
quando se trata do EMTC, temos uma abrangência maior de território, pois, existe uma
quantidade significativa de educandos que vem de outras regiões e inclusive de outros
municípios. A Política de Assistência Social do município divide a região norte em A e
B, e possui dois CRAS para atendimento da população. Em cada território – A e B –
possui apenas dois SCFV. De acordo com os dados do IBGE o número de crianças e
adolescentes é de 27.770, o levantamento feito pela Vigilância Socioassistencial de
londrina, o número de crianças e adolescentes referenciadas pela política ultrapassa 11
mil (11.674), sendo 7.208 crianças e adolescentes de 06 a 18 anos, público dos SCFV.
Isto mostra a defasagem de serviços em relação as necessidades reais do município.
Desde 2016, por meio do Grupo de Estudo e Trabalho Psicossocial (GET
Psicossocial) da Rede Marista de Solidariedade (RMS) vem sendo discutido 13
Categorias de Vulnerabilidade por meio de indicadores que expressam um tipo de
violência e/ou violação de direitos sofridos pelos educandos e suas famílias. De acordo
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com a PNAS, os serviços de Proteção Social são destinados a quem dela necessitar, e os
aparelhos (CRAS e SCFV) devem estar localizados nas regiões e territórios onde a
presença dos riscos e das vulnerabilidades são acentuados. Neste sentido, grande parte
dos matriculados no CEM Ir. Acácio possui uma ou mais vulnerabilidades que apontam
para as necessidades de um trabalho em rede (socioassistencial e intersetorial) e de
ações de fortalecimentos das políticas públicas e da sociedade civil para superação de
problemas sociais, associadas principalmente a desigualdade social, em termos de
acesso e garantia de direitos. O trabalho Psicossocial na unidade, nesse sentido, tem
buscado compreender como esses indicadores podem contribuir no desenvolvimento do
serviço, no atendimento ao educando, no atendimento às famílias, na oferta do serviço
interno e na rede local, assim como também inseri-los nas propostas temáticas do
itinerário formativo da unidade.
No EMTC são ofertados quatro cursos: Técnico em Informática para Internet,
Técnico em Redes de Computadores, Técnico em Artes Circenses e Técnico em Teatro.
Os cursos de informáticas oferecem carga horária total de 1200 horas e os de Artes
oferecem carga horária total de 920 horas. Ambas funcionam das 13h20 às 17h50,
possui número de vagas de 30 educandos por turma e acontece num Período de
Integralização de mínimo 24 meses letivos e máximo 05 anos. Os cursos são assim
distribuídos:
- O Técnico em Informática para Internet desenvolve programas de computador
para internet, seguindo as especificações e paradigmas da lógica de programação e das
linguagens de programação. Utiliza ferramentas de desenvolvimento de sistemas, para
construir soluções que auxiliam o processo de criação de interfaces e aplicativos
empregados no comércio e marketing eletrônicos. Desenvolve e realiza a manutenção
de sites e portais na internet e na intranet.
- O Técnico em Rede de Computadores instala e configura dispositivos de
comunicação digital e programas de computadores em equipamentos de rede. Executa
diagnóstico e corrige falhas em redes de computadores. Prepara, instala e mantém
cabeamentos de redes. Configura acessos de usuários em redes de computadores.
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Configura serviços de rede, tais como firewall, servidores web, correio eletrônico,
servidores de notícias. Implementa recursos de segurança em redes de computadores.
- O técnico em Artes Circenses atua como artista e responsável pela estrutura e
funcionamento do circo, supervisionando a sua montagem e dos equipamentos.
Desenvolve e apoia atividades ligadas à criação de números, espetáculos e
equipamentos circenses. Zela pelas condições de segurança de artistas e espectadores,
viabilidade técnica, administração, produção e divulgação do espetáculo. O técnico em
Artes Circenses é um profissional com formação humanista e ética, capaz de exercer sua
profissão com criticidade, responsabilidade e ampla competência técnica. É versátil,
criativo e com espírito empreendedor sendo, assim, capaz de perceber e/ou criar
oportunidades de atuação profissional. É capaz de lidar com grupos das diversas idades
e apto para o desempenho profissional nas áreas do lazer e recreação, do
entretenimento, da promoção da cultura e da educação e, também, nas instituições do
terceiro setor.
- Técnico em Teatro realiza e apoia atividades ligadas à criação em teatro,
cinema, áudio e vídeo, podendo atuar como ator, radioator, dublador, dublê,
cenotécnico, bonequeiro, contrarregra, assistente de palco e de produção. Emprega
métodos, técnicas e recursos de improvisação, atuação e normas de preparação corporal
em espaços cênicos, como formas de expressão corporal e de imagens.
Este estudo busca refletir sobre uma das produções da primeira turma do curso
Técnico em Teatro, que iniciou em 2017, a peça ‘Entrelinhas’. A peça que estreou no
mesmo ano e realizou diversas apresentações em espaços como Universidade Estadual
de Londrina (UEL) para o Curso de Psicologia, no espaço do MARL (Movimento dos
Artistas de Rua de Londrina), na Associação Ciranda da Cultura, Instituto Federal do
Paraná (IFPR), Encontro Tessitura de Coordenadores da RMS em Curitiba-Pr, além das
apresentações nos eventos promovidos na própria unidade para colaboradores,
familiares e comunidade.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Direitos Humanos
A segunda guerra mundial teve um impacto enorme na sociedade. As
atrocidades da qual resultou a guerra culminou em uma declaração universal que
firmasse e estabelecesse direitos comum a todos. Em 1948 a Declaração Universal foi
aprovada na assembleia geral das Organizações das Nações Unidas-ONU, tendo o
reconhecimento de igualdade para todos os seres humanos. Sendo assim, direitos
humanos são, direitos que todo o indivíduo possui para garantir sua existência, sendo
eles: direito a vida, a família, a alimentação, a educação, ao trabalho, a liberdade, a
religião, entre outros. Estes estão firmados na Constituição Federal de 1988, Art. 6º:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta. (BRASIL, 1988)
Educação em Direitos Humanos
Compreende-se a educação um espaço que consiga trabalhar e produzir
conceitos para o desenvolvimento social e humano do indivíduo, podendo este sujeito
atuar em sociedade de forma crítica, portanto a educação precisa estar vinculada nas
discussões que estão para além do conteúdo científico.
Nesta perspectiva, a educação é um espaço de vários indivíduos do qual trazem
contexto diversificados, expressões da “questão social36”, e estes rebatem diretamente
no desempenho de cada indivíduo.
Como observa Vasconcelos (2015):
36
Questão social apreendida como conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. A globalização da produção e dos mercados não deixa dúvidas sobre esse aspecto: hoje é possível ter acesso a produtos de várias partes do mundo, cujos componentes são fabricados em países distintos, o que patenteia ser a produção fruto de um trabalho cada vez mais coletivo, contrastando com a desigual distribuição da riqueza entre grupos e classes sociais nos vários países, o que sofre a decisiva interferência da ação do Estado e dos Governos (IAMAMOTO, 2000, p. 26)
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A realidade dos sujeitos em situação de vulnerabilidade e risco social, os espaços educativos, que os atendem, [...], requer desenvolvimento de uma educação que caminhe no sentido da atividade, de modo a posicioná-los como cidadãos incluídos, mediante uma Pedagogia comprometida com a mudança social e com foco nos direitos humanos (2015, p. 9).
De acordo com a autora é possível compreender, quando a escola atende de
forma eficiente a função social de transmissão, construção de conhecimento científico,
mas passa também a olhar o indivíduo em sua totalidade, consegue possibilitar que este
seja um cidadão consciente e crítico que exerce a cidadania com autonomia e vontade
de modificar a realidade. Pois de acordo com Demo (2002) “a educação tende a
preencher o papel mais estratégico na política social”. (p.41).
Neste sentido é importante resgatar que a educação é um direito garantido pelo
Estado, contudo repassa a outras instituições (Família e Sociedade) para contribuírem
no atendimento da demanda, ou será que simplesmente para se eximir dessa
responsabilidade? Assim, família e sociedade, ao ingressarem nesse contexto
conseguem entender a importância desse direito? E o que ele precisa para ser
desenvolvido, tendo em vista, o desenvolvimento integral que permite uma atuação de
forma estratégica na realidade?
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, p.57).
Ao se tratar de qualidade na educação podemos mencionar a autora
Vasconcelos (2015), que reflete sobre a educação como emancipação e espaço de
inclusão:
[...] pensar a educação para a emancipação/ inclusão social, o que acreditamos ser indispensável aos sujeitos que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social, passa por uma reflexão, que coaduna com a necessidade de se construir no interior dos espaços educativos, principalmente, o escolar, processos, valores, relações, comportamentos, acesso a conhecimentos históricos e culturais que apontem para a superação da injustiça, do medo paralisante e da violência imposta pelos sistemas de exclusão. Que nestes se promova
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um ensino que tenha sentido social, que resulte em ações conscientes e permitam por esta dinâmica a transformação dos sujeitos (p. 94).
Ao se referir em educação em direitos humanos conforme menciona os
objetivos do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006) que, [..] “b)
encorajar o desenvolvimento de ações de educação em direitos humanos pelo poder
público e a sociedade civil por meio de ações conjuntas”.
Arte Educação
O Modernismo (1920) no Brasil trouxe uma grande contribuição para a
educação no século XX. Partindo da ideia de arte como expressão e não mais como
mera técnica a ser reproduzida, as atividades artísticas passam a ser mais aceitas e
trabalhadas no meio educacional (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p.5). Surge neste
tempo o movimento da Escola Nova, com a influência das ideias do educador
americano John Dewey. Este movimento defendia a incorporação do ensino de arte na
escola, com foco na livre expressão do aluno e não mais na reprodução de técnicas.
Dewey decidiu romper com o intelectualismo que imperava no ensino e se propôs a incorporar à educação a experiência do aluno, seus interesses pessoais e os impulsos para a ação. Sua visão sublinha as diferenças individuais, as atitudes sociais dos alunos no ambiente escolar e seu desejo de participar na proposição e direção da própria aprendizagem. Concede uma grande importância ao trabalho, à iniciativa individual, ao fato de se aprender fazendo e à formação democrática’. (ZABALA, 1998, p.148)
Uma das problemáticas da Escola Nova, foi a errônea interpretação das ideias
de Dewey, e os professores passaram a ver as aulas de educação artística mais como um
passatempo, com desenhos livres sem direcionamento algum ou como uma atividade
recreativa, não valorizando o aprendizado de conteúdos relacionados ao fazer artístico.
Até meados da década de 70, os profissionais da educação não tinham o
mesmo direcionamento, portanto, ora o ensino estava voltado para a livre expressão, e
ora estava voltado para o aprendizado da técnica procurando preparar o aluno para o
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mercado de trabalho. A técnica referida neste texto diz respeito ao ensino de marcenaria
e desenho para a indústria comum no ambiente escolar na época.
É importante ressaltar o período da Ditadura no Brasil, que levou a uma série
de eventos que impactaram diretamente na metodologia dos professores de arte mais
experimentais.
A ditadura de 1964 perseguiu professores e escolas experimentais foram aos poucos desmontadas sem muito esforço. Era só normatizar e estereotipar seus currículos tornando-as iguais as outras do sistema escolar. Até escolas de educação Infantil foram fechadas. A partir daí, a prática de arte nas escolas públicas primárias foi dominada, em geral, pela sugestão de tema e por desenhos alusivos às comemorações cívicas, religiosas e outras festas’. (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p.26)
Mesmo sob esta perspectiva, algumas experiências bem sucedidas abriram
portas para novas oportunidades para arte na educação.
A ideia de arte como expressão induziu também, na segunda metade do século XX, experiências bem sucedidas de arte para crianças e adolescentes como atividades extracurriculares. Foi neste contexto favorável que na década de 1970 a Educação Artística passou a ser obrigatória no ensino formal, carregando, entretanto, uma perspectiva conceitual e ideológica desfavorável configurada pelo tecnicismo e pela polivalência. (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p.5)
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira - LDB estabeleceu por
meio da Lei 5.692/71, a inclusão da arte no contexto escolar, com o nome de Educação
Artística. Foi um importante passo para o ensino de arte, inclusive por ser esta uma
decisão em meio a uma ditadura militar em que o país vinha sofrendo, mas isso trouxe
uma série de preconceitos que vem sendo arrastados até hoje. Como a educação artística
não era uma disciplina, não havia notas e nenhuma burocracia na educação para o seu
desenvolvimento, ela era vista como passatempo, como uma atividade de menor
importância, valorizando um processo de reprodução artística e não de criação e
contextualização.
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Em 1996, muda-se a nomenclatura de Educação Artística para o ensino de Arte
(Lei 9.394/96 - LDB). Além da mudança do nome, essa lei também é responsável por
instituir a obrigatoriedade do ensino de Arte e ela passa a ser uma disciplina. Portanto, a
arte na escola não seria mais uma atividade simplesmente recreativa, ou momento para
decorar a escola em festas comemorativas, e sim como forma de conhecimento com
saberes específicos que precisam ser estudados e experimentados assim como as outras
disciplinas. Mesmo com a melhoria na elaboração da lei, o ensino de arte ainda estava
muito preso à teoria do desenho geométrico e técnico, ou mesmo à liberdade criadora
sem direcionamento o que levava a uma prática de atividades voltadas para datas
comemorativas e decoração das festas na escola.
A partir da referida lei, o Ministério da Educação (MEC), elaborou um
documento para orientar os professores e as escolas para este novo modelo do ensino: O
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), que são orientações metodológicas e
filosóficas para a aplicação das diferentes disciplinas no contexto escolar. Este não é um
documento obrigatório, mas foi amplamente utilizado tanto pela rede pública quanto
pelas redes particulares de ensino na elaboração de apostilas e livros didáticos.
A disciplina de arte, neste documento, ganha papel de destaque visto que é
abordada sob uma perspectiva de maior importância na formação do aluno. Outro ponto
de destaque nos PCN no que tange a disciplina de arte é a especificação dos conteúdos e
metodologias para o ensino das quatro linguagens artísticas: artes visuais, dança, música
e teatro.
Após muitos debates e manifestações de educadores, a atual legislação educacional brasileira reconhece a importância da arte na formação e desenvolvimento de crianças e jovens, incluindo-a como componente curricular obrigatório da educação básica. No ensino fundamental a Arte passa a vigorar como área de conhecimento e trabalho com as várias linguagens e visa à formação artística e estética dos alunos. A área de Arte, assim constituída, refere-se às linguagens artísticas, como as Artes Visuais, a Música, o Teatro e a Dança. (PCN, 1998, v. 06 p.19)
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A obrigatoriedade do ensino destas quatro linguagens fica por conta da Lei
13.278/2016, mas a presença destes conteúdos desde 1996 nos PCN já trouxe mudanças
para a sala de aula e vem ao longo deste tempo colocando o professor em uma situação
ao mesmo tempo interessante, pelas potencialidades das linguagens, e também
conflituosa por conta da grande demanda de conteúdos que cada linguagem carrega por
si só, sem mensurar na formação deste docente que é sempre em uma das áreas
específicas.
Para que todos os conteúdos sejam possíveis de serem apresentados aos alunos,
o documento ainda orienta para a possibilidade de desenvolvimento de projetos que
abarquem diferentes linguagens artísticas, ou mesmo com outras disciplinas, mas que
tenham um objetivo final muito claro como uma apresentação, um vídeo, ou um livro
por exemplo. E o documento ainda reforça a necessidade de se aprofundar nos
conteúdos, portanto, os projetos não poderiam ser uma abordagem metodológica
exclusiva para o trabalho na disciplina de arte.
Este documento que desde 1996 já coloca o ensino do teatro como indicação de
componente curricular abriu espaço para que metodologias antes utilizadas somente em
cursos livre de teatro, ou de formação de atores pudessem fazer parte do ensino formal
aproximando a metodologia da prática teatral com a metodologia necessária para a
compreensão da linguagem na área educacional.
No ano de 2016 observa-se um grande passo paras as discussões acerca do
ensino de arte. A lei 13.278/2016 finalmente determina que as linguagens de artes
visuais, dança, música e teatro constituem em componentes curriculares obrigatórios no
ensino. Por ser ainda muito recente, a determinação de se trabalhar em sala de aula com
todas as linguagens artísticas em uma única disciplina, corre-se o risco de compreender
o ensino de arte como era na década de 70, o ensino de educação artística. Os
professores e instituições precisam estar atentos para não abordarem os conteúdos de
cada linguagem de forma superficial, simplesmente para cumprir com os conteúdos em
seus cadernos de classe.
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Neste ponto de discussão da importância do ensino de arte na educação formal,
identifica-se também a necessidade de profissionalização dos jovens na área artística. A
abertura de cursos técnicos em arte é um reflexo de toda essa trajetória do ensino de arte
no Brasil. A ampliação do conceito de arte a ser ministrado nas escolas, abriu caminhos
para que cursos em artes entrassem para o Catalogo Nacional de Cursos Técnicos
elaborados pelo MEC. Atualmente os cursos técnicos de arte fazem parte do eixo
tecnológico Produção Cultural e Design e englobam 30 cursos diferentes e entre eles o
Curso Técnico em Teatro (BRASIL, 2013).
JUSTIFICATIVA
A peça trabalha de maneira singela, poética e artística problemas sérios como o
preconceito e a discriminação, fruto das desigualdades sociais que representam nossas
contradições enquanto sociedade. ‘Entrelinhas’ nos provoca incômodos, ou ao menos,
deveria provocar, pela violência que está presente em pequenas palavras, gestos e
comportamentos para com o outro, e mostra como reproduzimos atitudes e
procedimentos que invisibilizam o sujeito dentro de sua condição social. Qual o
problema disso? Quais respostas podemos dar a esses jovens que representam uma
crítica tão pertinente nos dias de hoje? Quais políticas públicas são criadas para
responder a tais demandas?
OBJETIVOS
§ Contribuir para a formação pessoal e social de adolescentes, suas famílias e
comunidade;
§ Proporcionar integração através de atividades socioeducativas, contemplando as
dimensões pedagógica, social e espiritual;
§ Busca do protagonismo que possibilite a transformação da realidade onde os
envolvidos estão inseridos de maneira crítica e consciente.
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METODOLOGIA
A montagem Entrelinhas é resultado de um projeto interdisciplinar
desenvolvido durante o ano de 2017 e com continuidade em 2018. As disciplinas
envolvidas no processo foram Cenografia, Expressão Sonora e Interpretação. Este
projeto contou com a participação da Pastoral da unidade, que inicialmente trabalhou
com uma proposta de Roda de Conversa com os educandos, no qual a educadora de
referência buscou realizar uma intervenção junto da turma do curso de Teatro, por meio
de temáticas latentes entre os adolescentes dessa turma. Dentre os temas levantados
estão: Machismo, Misoginia, Sexismo, Bullying, Gordofobia, Preconceito Racial,
Preconceito Social, Preconceito Cultural, Preconceito Linguístico, Preconceito
Religioso, Preconceito Sexual.
Este bate papo foi bastante intenso para os educandos e após o diálogo, surgiu
a necessidade de continuar a discussão e uma das formas encontradas pela educadora
junto de sua turma foi levá-la para a construção de uma cena.
Os conteúdos específicos de cada disciplina envolvida contribuíram para traçar
a estética dessa montagem. A partir da disciplina de Cenografia os educandos
pesquisaram sobre espaços alternativos para apresentações cênicas, e definiram que a
montagem poderia se dar em uma sala de maneira que o público pudesse assistir de
todos os lados e os atores no centro, tornando a apresentação mais intimista. Na
disciplina de Expressão Sonora os educandos exploraram a percussão corporal e o
trabalho vocal definindo algumas músicas a serem cantadas por eles em cena. Algumas
letras são de autoria de uma das educandas do curso. E por fim, a disciplina de
Interpretação contribuiu com conteúdos sobre o trabalho do ator, e a partir de jogos
teatrais, exercícios de improvisação corporal e de criação de cena, coletivamente foi se
estruturando a peça.
Em 2018, parte da equipe do CEM Ir. Acácio (Coordenação de Curso, Docente
e Equipe Interdisciplinar) verificou a necessidade de potencializar a montagem, pois a
resposta do público até o momento, tinha sido muito positiva e motivadora, tocando
diferentes pessoas de diferentes formas. Muitas cenas foram criadas a partir de
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experiências pessoais dos atores/educandos e foram aprofundadas com debates, estudos,
pesquisas em redes sociais e vídeos durante o processo de montagem para embasar a
construção de cada detalhe.
A peça tem em torno de 25 minutos de duração e após a apresentação, é
proposto ao público interagir com os atores e direção por meio de discussões acerca dos
afetos provocados, das sensações de experiências de violências e violações de direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta do I Simpósio Políticas Públicas e Vulnerabilidade Socioespacial
(UEL) que traz reflexões necessárias sobre a dificuldade na execução de políticas que
consigam garantir a proteção e a promoção no desenvolvimento de crianças e
adolescente vai ao encontro da proposta e do que acredita-se para a construção de uma
educação em direitos humanos, bem como visualizamos o potencial que poderia ter nas
políticas públicas, em especial a de Assistência Social e Educação, e que mesmo tendo
um caráter neoliberal e sendo ainda considerada com algumas falhas de metodologia e
execução é o meio em potencial que se tem para a problematização e a organização de
um espaço que consiga novos caminhos para alcançar tais direitos, pensando em uma
sociedade mais justa.
O EMTC vem tentando desconstruir ações pontuais e fragmentadas ao
trabalhar nessa perspectiva de educação, pois busca atingir o sujeito em sua formação
ética, cultural, política, intelectual, possibilitando-o transformar-se em um ser social
crítico com o exercício da cidadania.
Faz-se necessário relatar que a Política de Assistência Social desenvolvida no
CEM Ir. Acácio no segmento de proteção social básica, executando o SCFV contribuiu
para pensar sobre o Protagonismo, Autonomia na educação formal também executada
na modalidade do EMTC. Vale também mencionar a relevância de uma Equipe
Interdisciplinar para contribuir com as discussões, haja vista, que a educação em direitos
humanos encontra-se intrínseca na atuação dos profissionais envolvidos no processo. E
ao trazer a educação em direitos humanos acredita-se conseguir trabalhar a proteção,
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promoção em relação as vulnerabilidades sociais, bem como a ampliação de mercado de
trabalho, tendo em vista que o público atendido possui probabilidades de não atenderem
as exigências do mercado, podendo assim compor o exército industrial de reserva.
SILVA (2013) traz uma reflexão da educação quando relacionada ao desenvolvimento
econômico:
[...] é imprescindível que seja consolidada uma política nacional que reconheça que a educação é uma necessidade para o desenvolvimento socioeconômico e pessoal do educando, esta deve oferecer subsídios para o enfrentamento da pobreza, da exclusão e da desistência [...] (SILVA, 2013, p. 17).
Em se tratando especificamente do Técnico em Teatro, o sujeito ao entrar em
contato com o teatro, de maneira lúdica ele lida com questões muito particulares e ao
mesmo tempo com questões sociais mais amplas como os temas abordados na peça
Entrelinhas. Durante o curso, diferentes relações são estabelecidas, como contato físico,
desinibição, autoconhecimento, sentimento de pertença, relação interpessoal, entre
outros aspectos. Essas questões são cotidianamente elaboradas na prática teatral, o que
permite o adolescente discutir conteúdos para além da mera técnica. É possível uma
aula sobre teatro, na qual se aprende somente conceitos e história, mas quando se
trabalha com o corpo, e coloca o educando para vivenciar exercícios e jogos de teatro
faz com que ele tenha uma outra dimensão sobre a arte, sobre o fazer artístico e seu
lugar no mundo. O Teatro por meio do jogo teatral, também é capaz de trabalhar com
diferentes questões corporais e psicológicas do participante, portanto, é preciso ter
cuidado pedagógico e ético com as propostas.
Entrelinhas é uma montagem cênica que está em constante transformação,
assim como os próprios educandos. Como proposta pedagógica a montagem segue
firme levantando a discussão sobre as diferentes formas de preconceitos para que, de
alguma forma, educandos, educadores, espectadores sintam-se convidados para
caminharem junto dos adolescentes nessa transformação.
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Trabalho completo
SEMEAR A AÇÃO INTERSETORIAL Relato de experiência em Estágio Curricular Obrigatório - Psicologia na Assistência
Social Thiago Vitor de Oliveira* (Psicologia, Unopar, Londrina-PR); Valéria Mendonça Barreiros (Psicologia, Unopar, Londrina-PR)
Contatos: [email protected] / [email protected]
RESUMO A produção, permeada pela psicologia social e comunitária, apresenta uma análise reflexiva sobre minha vivência de estágio curricular obrigatório no campo-tema da política pública de assistência social, especificamente no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), em proposta intersetorial com a política pública de Educação. Ambas as políticas públicas são perpassadas pela instituição familiar, na qual comumente a juventude a constitui, juventude esta, carregada de suas próprias histórias e necessidades, e que, portanto, faz-se necessário a execução e fortalecimento de intervenções intersetoriais que evidenciem as potencialidades destes jovens e minimizem os riscos e vulnerabilidades sociais. Palavras-chave: Assistência Social. Políticas Públicas. Juventude.
INTRODUÇÃO
A experiência de práxis neste percurso formativo de estágio curricular
obrigatório em Psicologia aconteceu entre o primeiro semestre de 2017 ao primeiro
semestre de 2018, no qual me levantou a necessidade de problematizar os meus
referenciais técnicos e vivenciais sobre o fazer e ser psicólogo, principalmente no
campo de políticas públicas.
As discussões serão realizadas em três partes, permitindo a explanação teórica,
político e prático das constituições subjetivas e institucionais.
Na primeira parte, compartilho reflexões acerca dos sujeitos que afetam e são
afetados por fatores subjetivos e coletivos junto às políticas públicas, com ênfase na
política de Assistência Social. Perpassando pela constituição da política de Assistência
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social (em específico ao CRAS) e a atuação do/da profissional de psicologia que na
prática e fazer político se comprometem (ou não) para a geração e fortalecimento de
ações intersetoriais, em equipe técnica e comunidade.
Em uma segunda parte, compartilho o meu percurso metodológico, levantando
questões como o conflito existente entre os desejos do investigador (a) e as necessidades
da comunidade, a investigação ação-participante e o pesquisador-conversador como
métodos de análise e intervenção junto aos jovens. Métodos que quando aplicados junto
a estes jovens perpassam pela análise reflexiva acerca da linguagem como um
catalisador no estabelecimento e dinâmica das relações com os mesmos.
E em última parte, realizo um diálogo entre os referenciais teóricos e a minha
prática a fim de obtermos uma síntese reflexiva-crítica sobre as políticas públicas, o
fazer e ser psicólogo no campo social e as potencialidades existentes no exercício
comunitário e intersetorial.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
SUJEITO-COLETIVO
Na atualidade, é comum haver discussões e buscas por soluções e modos de
vida que abarque, segundo Norbert Elias (1939) apud Bock, Furtado e Lourdes (2014):
A satisfação pessoal e a eficiência social, que conforme os avanços das análises percebe-se que estes modos de vida são interdependentes, portanto, torna-se necessário desenvolver uma leitura heterogênea de sociedade e indivíduo para compreensão da complexidade humana (p. 76).
Em análise histórica, na vida ocidental e moderna, os burgueses optam pela
transformação do feudo ao capital, possibilitando o investimento na leitura social de
mundo em que todos são livres e o poder é concentrado em cada indivíduo, o que
facilitaria o avanço das ciências e o desenvolvimento de um mercado produtivo de larga
escala e expansão. Esta ideologia capitalista possibilita visões onde o sujeito e objeto
são dois fatores que se relacionam, mas que não se interferem nos processos de
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transformações, ocultando, ou até mesmo negando as alterações que são produzidas e
produtos da ação heterogênea (sociedade e sujeito).
Na modernidade, as ciências psicológicas ao se depararem com a questão do
homem tendo o mesmo homem como objeto de estudo e conhecimento necessita ter seu
foco nas relações como meio de análise e problematização da dicotomia existente. A
problematização e desconstrução da dicotomia (sujeito e sociedade) geram conflitos de
análise e “proporciona a análise de uma sociedade humana [...] que estará sempre, [...]
em permanente modificação” (BOCK, FURTADO & LOURDES, 2014), obtendo assim
a necessidade de analisar estas modificações em uma perspectiva sócias históricas.
Realizar uma leitura sócia histórica é avaliar a ordem que se estabelece na
sociedade, pois apesar de o capitalismo promover a liberdade, não somos capazes de
viver de modo qualquer.
São dentre e a partir das possibilidades que nos apresentam que podemos
escolher algumas das opções, portanto, estas possibilidades nos são delimitados
constantemente a partir do momento em que estamos ao mundo. Assim, Oliveira e Rego
(2003) apud Bock, Furtado e Lourdes (2014), posicionam que:
No indivíduo está sintetizada a particularidade (as mediações sociais) e a universalidade (a generacidade) que foi possível ao indivíduo apropriar-se [...] a singularidade do sujeito é exatamente a sua apropriação do que é característica do seu tempo e lugar, mas está posto como algo singular, próprio e configurado em um indivíduo específico (p. 80).
Compreender o sujeito como parte do coletivo e o coletivo como parte
integrante dos sujeitos proporciona análises multideterminantes e a possibilidade de
ações que atendam estas transversalidades existentes na constituição do sujeito-coletivo.
POLÍTICAS PÚBLICAS E PSICOLOGIA
Segundo Silveira (2007), política significa “discutir valores e ideias a respeito
de um determinado objeto”, que em países ocidentais como o Brasil, são afetados pelo
modo de vida capitalista, onde a mercadoria, na terceira leitura de Marx sobre, em O
capital (1988), faz parte de nós e, portanto, somos produzidos e produtores do fazer
político.
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No que tange a este exercício cidadão no Brasil, nos organizamos em uma
sociedade democrática, protegida pela Constituição Federal de 1988, onde todos/as
possuem o direito de se posicionarem em diálogos que promovam ações de caráter
público. Emprestando as palavras de Silveira (2007):
O público pode ser entendido como a expressão de uma lógica social múltipla, em que diferentes discursos constituem realidades diversas e supõe a coexistência de ideologias e de um sistema de representações próprios. O público demanda, desta forma, o reconhecimento das diferenças e evoca a presença da alteridade na mobilidade social (p. 28).
Portanto, as políticas públicas são organismos vivos que sofrem alterações e
dificilmente se cristalizam, portanto, movimentam conforme a complexidade humana a
favor do bem social e evolução humana.
Ao analisarmos o/a profissional de psicologia na atuação política, partimos da
importância que nos posicionarmos como profissional e também nos posicionarmos
como cidadãos/cidadãs com participação ativa na formulação, aplicação e fiscalização
das políticas públicas é um modo de estabelecermos a garantia de nossos direitos. Pois o
desenvolvimento e execução das mesmas não são responsabilidade exclusiva da
comunidade científica e de gestores públicos, mas também da comunidade que vivencia
e aplica conhecimentos nas práticas cotidianas.
Esclarecido este posicionamento “profissional-cidadão/cidadã”, o nosso papel
como psicólogos/as-cidadãos/cidadãs é trabalharmos com a responsabilidade de
posicionar, desenvolver e acionar uma rede que priorize a participação intersetorial e
comunitária a fim de elaborar estratégias que estejam sensíveis às demandas sociais.
POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
REDE DE COMPLEXIDADE
A partir do documento, “Direitos da Seguridade Social”, no art. 194, “a
seguridade social compreende um conjunto integradas de ações de iniciativa dos
poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
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previdência e à assistência social” (BRASIL, 2012, p. 14), discorro sobre a política de
assistência social.
A partir da realidade social complexa existente em uma comunidade, na
política de assistência social trabalha-se com duas frentes de proteção e seguridade
social: a Proteção Social Básica e Proteção Social Especial.
A Proteção Social Básica possui o objetivo de prevenir situações de risco por
meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários. Objetivo este que é desenvolvido por meio de
programas socioeducativos, centro de informação e educação para o trabalho,
programas como o Bolsa Família, benefícios como o BPC (Benefício de Prestação
Continuada), projetos locais de enfrentamento a pobreza, de acolhimento, convivência
(como o centro de convivência para idosos) e socialização de famílias e de indivíduos,
como o Programa de Atenção Integral à Família (PNAS, 2004).
Estes serviços são executados no CRAS (Centro de Referência de Assistência
Social), uma unidade pública estatal de base territorial, localizado em áreas de
vulnerabilidade social e que propõe estes e outros serviços de acordo com o
mapeamento territorial e as singularidades existentes. Aqui cabe salientar que o CRAS é
um articulador da rede socioassistencial (junto ao CREAS – Centro de Referência
Especializado de Assistência Social) e intersetorial (junto a serviços de políticas
públicas como de Educação e de Saúde).
A segunda frente de atuação da política de Assistência Social, a Proteção
Social Especial, é para pessoas e famílias na qual identifica vulnerabilidades mais
profundas e complexas, na qual são assistidas pela Equipe Técnica do Centro de
Referência Especializada em Assistência Social (CREAS).
O CREAS assiste estas famílias por dois tipos de complexidade, a média -
quando há uma fragilidade de vínculos simbólicos e afetivos, mas não o rompimento - e
alta complexidade quando estes vínculos são de fato rompidos, inexistentes.
Devido a esta demanda social que a equipe técnica da Proteção Social Especial
possui, elas possuem uma atuação de estreita interface com o sistema de garantia de
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direito, exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com o
Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo (PNAS,
2004).
Minha atuação perpassa pela atuação na Proteção Social Básica, pelo CRAS,
no trabalho intersetorial com a política de educação, no qual promovemos ações de
caráter preventivo que reduzissem à suscetibilidade a riscos sociais presentes no
contexto periférico em que estava inserido como estagiário de psicologia.
CARACTERIZAÇÃO DO CRAS E TERRITÓRIOS
No CRAS em que atuei, localizado na região oeste da cidade de Londrina, por
ser uma região extensa optaram por dividir o atendimento em dois CRAS (A e B) de
modo que a leitura territorial seja mais específica, respeitando as vulnerabilidades de
cada território.
O CRAS Oeste B é situado na Praça CEU (Centro de Artes e Esportes
Unificado) e atende quatro territórios, cada um possui uma assistente social responsável
por gerenciar e articular ações. A psicóloga, a coordenadora, a recepcionista e os dois
técnicos administrativos, cada um(a) com sua função, se desdobram para atender as
necessidades destes quatro territórios junto aos assistentes sociais.
Atuei no território II (dois) e IV (quatro) desde o primeiro semestre de 2017
(dois mil e dezessete) ao primeiro semestre de 2018 (dois mil e dezoito) e os mesmos
não possuem diagnósticos territoriais completos, contudo, houve a possibilidade de
identificar as vulnerabilidades apresentadas nos territórios a partir do encontro com a
comunidade por vias como: visitas domiciliares, reuniões de subrede37, acolhimento de
37
Reuniões de subrede são encontros mensais, em nossa experiência, que reúnem profissionais de
políticas intersetoriais presentes e responsáveis pela prestação de serviços públicos e à comunidade em
cada território.
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usuários/as e acompanhamento em Cadastro Único (também conhecido como
CadÚnico)38.
O território II é caracterizado por violências domésticas (permeados pela
questão sociocultural machista), violências interligadas com o comércio do tráfico e
trabalho infantil, e evasões escolares. No território IV, apresentam-se evasões escolares,
violência doméstica e exploração aos(as) idosos/as.
Encontros que me afetaram e suscitaram possibilidades de intervenção
comunitária e que me colocou em um processo de construção, definições e
reconhecimento do papel dos/das psicólogos/as nas políticas públicas.
PERCALÇOS NA ATUAÇÃO DO(A) PSICÓLOGO(A) NO SUAS
O documento publicado pelo CREPOP (Centro de Referência Técnica em
Psicologia e Políticas Públicas) denominado Referências técnicas para a atuação do
psicólogo no CRAS/SUAS estabelece “a psicologia como uma prática que deve se
comprometer com a transformação social e toma como foco as necessidades,
potencialidades, objetivos e experiências dos oprimidos” (CFP, 2008 apud DA CRUZ &
GUARESCHI, 2014, p. 45).
Contudo, mesmo compreendendo este objetivo da prática, o profissional de
psicologia enfrenta (e de certa responsabilidade, gera) dificuldades para construção de
sua identidade profissional no campo social, a primeira dificuldade é que sua formação
possui grande influência do modelo clássico, do clínico, da utilização da ferramenta de
psicoterapia.
Não que haja uma eliminação da possibilidade de se trabalhar com a clínica,
contudo, deve ser compreendida como uma entre várias ferramentas que “facilitam o
movimento dos sujeitos para o desenvolvimento de sua capacidade de intervenção e
38
Estas e outras ações do SUAS podem ser compreendidas pelas cartilhas de orientação técnica do CRAS
e do PAIF – Programa de Atenção Integral à Família: http://mds.gov.br/acesso-a-informacao/perguntas-
frequentes/assistencia-social/psb-protecao-social-basica/projetos-psb/servico-de-protecao-e-
atendimento-integral-a-familia-2013-paif
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transformação do meio social em que vive” (CFP, 2008 apud DA CRUZ &
GUARESCHI, 2014, p. 46).
É preciso que o profissional de psicologia inove seus referenciais teóricos e
técnicos, que partindo ou não dos tradicionais, ao menos os supere, de modo que
tencione novos contrastes sociais, de formação e práxis. Assim também como “o
trabalho do psicólogo, [...], exige deles não apenas um conhecimento de política ou das
diretrizes que a organizam; exige um conhecimento de aspectos que estão fora do
escopo do que a psicologia delimitou em seus campos de saber” (DA CRUZ &
GUARESCHI, 2014, p. 48).
Além disto, “ações como territorialização, estudo social, busca ativa e visita
domiciliar ainda são vistas pelos psicólogos como de responsabilidade do assistente
social, portanto, não é necessário saber sobre elas e, muito menos, realizá-las” (DA
CRUZ & GUARESCHI, 2014, p. 44).
Este posicionamento dificulta o reconhecimento do profissional de psicologia
na política de assistência social, fazendo com que as atividades sejam “distribuídas de
acordo com o que marca historicamente a evolução de profissões como a Psicologia e o
Serviço Social” (DA CRUZ & GUARESCHI, 2014, p. 44).
Há uma diretriz nos documentos do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS) de que o trabalho seja interdisciplinar e que as ações sejam de
competência dos trabalhadores SUAS e não de uma categoria profissional ou outra.
Assim, este recente campo de atuação da psicologia no Brasil, o social, que permite o
desenvolvimento da categoria e o avanço das técnicas e das relações sociais que
possuímos, tem como maior desafio: “romper com os padrões clientelistas que marcam
as políticas sociais brasileiras, especialmente na Assistência Social, e pensar uma ação
articulada” (DA CRUZ & GUARESCHI, 2014, p. 42).
Práxis que quando operacionalizada se dê observando “os limites da ciência
psicológica e suas possibilidades de avanços à justiça social e ao resgate dos direitos
humanos e sociais” (DA CRUZ & GUARESCHI, 2014, p. 49).
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METODOLOGIA
Sarriera (2014) levanta que é necessária a atenção do profissional que atua no
campo social para que respeite os conhecimentos dos membros locais, promova e
articule-os junto aos seus conhecimentos próprios e técnicos durante o processo de
compreensão de necessidades e estabelecimento de metas para o desenvolvimento
comunitário.
De início, senti dificuldade em aplicar/vivenciar esta perspectiva, pois até o
início do então estágio fui gerando expectativas quanto a esta experiência, construindo
modos de atuação por bases clínicas, com a visão de ajudar a quem precisa e atuar sobre
as carências, as fragilidades, as patologias dos sujeitos.
Atravessado por inúmeras frustrações e novas perspectivas de atuação no
campo social é que me inseri no estágio para fazer e aprender o máximo de
possibilidades e atuações que superassem estas minhas bases formativas.
Trago estas breves exposições daquilo que me afetou, pois as necessidades
do(a) investigador(a) durante todo o processo de análise para ação comunitária necessita
transformar “as necessidades sentidas (cognitivamente) em necessidades sentidas
(cognitiva, afetivamente ou conscientizadas)”. (SARRIERA, 2014, p. 140)
Em campo, comecei (e continuei por todo o período de estágio) a investigação
pelo método de investigação-ação participante, onde, segundo Frizzo (2014) poderia
produzir diferentes níveis de reflexão sobre os problemas que a comunidade vivenciava
e a equipe técnica detectava, gerando assim “um conhecimento crítico, ou seja, um
conhecimento proveniente da reflexão e da ação, que torna possível decidir sobre o justo
e o correto na vida cotidiana (PARK, 1989 apud FRIZZO, 2014)”.
Em reuniões de sub-rede, no território II (dois), era frequente a discussão sobre
evasão escolar entre adolescentes e, portanto, onde encontrei a possibilidade de
intervenção com foco no atingimento destes adolescentes por meio de uma proposta
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intersetorial (Política Pública de Assistência Social, o CRAS, e o Colégio, Política
Pública de Educação).
Estes/estas adolescentes possuíam entre quinze e dezoito anos de idade,
estudantes do 3º (terceiro) ano do Ensino Médio, em Colégio Estadual que atende
grande parcela da população do território II.
O projeto tinha como objetivo problematizar o espaço em que os(as)
mesmos(as) estão inseridos(as) e assumirem-se como parte responsável pelas mudanças
do mesmo, como atores sociais.
Entretanto, durante o percurso prático, a proposta de intervenção inicial sofreu
várias mudanças que acompanharam o período de desmontes das políticas públicas,
especificamente no de assistência social, que refletiam na constituição da equipe
técnica, em nosso suporte técnico, supervisão de campo e no andamento das nossas
negociações e acordos.
Em meio a estas variáveis de percurso, me coloquei disponível ao encontro
com estes/as adolescentes na escola e através da leitura de Spink (2008) me fiz ser um
pesquisador conversador.
A primeira intervenção aconteceu durante o intervalo, no qual coloquei uma
música do Charlie Brown Jr., “Não é serio” (2000) e um mural com a pergunta “Por que
você não é levado a sério?” como meios de provocar os(as) estudantes a refletirem sobre
suas necessidades.
Posteriormente, em parceria com a professora de Sociologia, pude estar
acompanhando os/as estudantes do 3º (terceiro) ano do ensino médio (daqui em diante
irei me referir a atuação apenas com estes/as estudantes) na ida ao cinema para assistir à
Pantera Negra (2018) como atividade interdisciplinar-curricular dos/das mesmos/as e
que se colocou como oportunidade de iniciar uma aproximação.
Já em parceria com a professora de educação física tive duas fases de atuação,
a primeira aconteceu com minha participação ativa nas atividades práticas da disciplina,
que em meio aos saques, ataques e cestas, pude estabelecer vínculos com estes/as
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jovens, iniciar uma percepção mais ampla das necessidades expostas pelos/as
mesmos/as no cartaz do primeiro dia e ter base vivencial para a realização das oficinas.
Tive que me (des)construir para poder dialogar com estes/as adolescentes,
nossos encontros eram permeados pelo dançar funk, cantar rap, esbarrões no “1 (um)
contra 1 (um)” dentro da “garrafão”, pelos encontros interculturais que os/as mesmos/as
e eu permitíamos.
Na segunda fase de atuação nas aulas de educação física obtive a autorização
de realizar as oficinas ao invés das aulas, foram realizadas quatro oficinas no qual
levantamos temas como: constituição de relacionamentos, sexualidade, violência
doméstica e trabalho.
Cabe levantar que todas as oficinas perpassaram pela análise crítica no
contexto escolar e familiar e mesmo que tivemos poucos encontros, houve semana em
que os/as adolescentes compartilharam que detestaram a oficina e outras que adoraram,
fato que elucida o estabelecimento de relacionamentos próximos aos horizontais.
Por fim houve a devolutiva aos(as) estudantes, à equipe pedagógica escolar e à
equipe técnica do CRAS, além da análise desta experiência que será discutido no
próximo tópico do trabalho.
RESULTADOS
Compreender toda a complexidade de um território é uma tarefa extremamente
difícil, contudo, estar atento e junto aos atores sociais das comunidades torna a tarefa
mais qualificada. Pois são estes atores sociais que vivenciam a realidade social existente
no contexto comunitário e que podem contribuir com o desenvolvimento de ações que
afetem suas subjetividades e necessidades sentidas e percebidas.
Através da inserção na comunidade por vias que de fato germinassem
encontros foi que se tornou possível compreender as necessidades da comunidade,
ramificar as relações intra e intersetoriais e intervir junto aos adolescentes na escola.
Tornou-se necessário produzir uma política pública que trabalhe com a
passividade e agressividade proposta por Barreto (2011), que está disponível ao
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encontro com a usuária que chega ao serviço e que encontro na visita a domicílio, com o
adolescente que chuta a porta da sala e que convida para jogar basquete durante o
intervalo.
Segundo Guizardi e Pinheiro (2008) apud Barreto (2011), “refletir sobre o
cuidado como práxis integral refere-se a uma transformação do modo de agir
profissional, afastando-o da referência da intervenção para aproximá-lo da noção de
cuidado, proporcionando encontros dialógicos que estimulem a autonomia e a
singularidade” (p. 411).
Na primeira intervenção na escola, com a música e o cartaz, fui surpreendido
pelo fato de que os(as) estudantes escreveram o que pensavam a respeito do por que não
são levados(as) a sério. Foi então que me coloquei na perspectiva de investigar o quanto
os/as mesmos(as) gostariam de falar de suas opiniões, o quanto queriam ser atuantes
neste processo e que eu precisava romper com a perspectiva formativa de psicologia que
busca identificar as patologias, o deformado.
Na ida ao cinema, entre as conversas, um salgado de milho dali, um
refrigerante daqui, me atentou o fato de que havia uma naturalização de
relacionamentos conjugais abusivos, sendo inclusive relatados como acontecimentos
comuns e acompanhados por risadas. Foi nas aulas práticas de educação física que
passei a dialogar com os(as) mesmos(as) mais sobre as violências presentes em seus
contextos e tornou-se perceptível em seus discursos que as violências ali suscitadas
eram recortes das vivências em suas famílias.
E então nas oficinas pude conceituar suas construções conceituais sobre
sexualidade, relações de opressão e propor aos(as) mesmos/as que analisassem crítica e
reflexivamente a constituição e estabelecimento de suas relações no contexto escolar e
familiar.
Estes encontros puderam empodera-los(-las) a assumirem a responsabilidade
sobre seus papéis sociais, compreenderem que suas vozes precisam ser ouvidas e que
suas ações podem provocar mudanças sociais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dos dezoito meses de experiência em campo houve convergências e
divergências quanto à teoria e a prática, contudo, é certo que como profissionais temos o
compromisso social de emancipar a condição humana!
Quando estamos inseridos nas regiões periféricas e enfrentando as violências
constantes presentes no território, primeiro necessitamos ter uma análise crítica a nossa
profissão e construção pessoal, nos colocando em movimento rumo à quebra de
paradigmas e preconceitos que nos atravessam para então “podermos enxergar o
potencial” das pessoas com que lidamos diariamente.
Em campo social, os espaços que podemos nos expor e desenvolvermos este
corpo são em acolhidas, no atendimento receptivo, na triagem, em visita domiciliar e em
oficinas e/ou reuniões. Podemos desenvolver práticas e intervenções que afetem a
complexidade humana pela compreensão da mesma e assim promovemos as pessoas do
território em que atuamos, como protagonistas das mudanças sociais e pessoais.
Espero que tal compartilhamento de vivência de estágio curricular obrigatório
no campo da assistência social afete a subjetividade e a constituição formativa de quem
ter acesso. Elucide e provoque os(as) profissionais em campo de políticas públicas a
desenvolverem ações que explorem o potencial da atuação intersetorial e tenha uma
atenção à juventude presente nas famílias.
Sim, é difícil e trabalhoso articular ações em rede, mas não impossível, por isto
rego esta produção com as palavras de Caetano Veloso (2018) “[...] a gente perde
bondes e às vezes perde esperança, mas a gente aprende que tudo isto faz parte do
esforço de conseguir chegar a alguma coisa. E que seja aos nossos próprios olhos,
respeitável [...]”.
REFERÊNCIAS:
BARRETO, Alexandre Franca. Sobre a dor e a delícia da atuação psicológica no SUAS. In: Revista Psicologia, ciência e profissão. Universidade Federal do Vale São Francisco. 2011, Ed. 31 (2). p. 405-419.
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BOCK, Ana Maria; FURTADO, Odair; LOURDES, Maria de. O sujeito e a coletividade. In: Psicologia fácil. Editora Saraiva. 2014, p. 67-75.
BROWN JR., Charlie. Não é sério. Sonoro. Colorido. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=w_HUCmMnB5o. Acessado em: 16/dez. de 2018.
BRASIL. Direitos da seguridade social. In: Coleção Direitos Sociais. Volume 2. Ed. 2. Brasília, 2012. 195 p..
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social (PNAS) segundo Norma Operacional Básica (NOB) do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Brasília, 2004. Reimpresso em 2009.
CANAL Brasil. Caetano Veloso e suas inquietações. In: Sangue Latino. Direção: Eric Nepomuceno. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XTtBhP5NswY&t=7s. Acessado em: 16/dez. de 2018.
DA CRUZ, Lílian Rodriguez; GUARESCHI, Neuza (orgs.). O psicólogo e as Políticas Públicas de Assistência Social. Ed. 2. Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2014.
FRIZZO, Kátia R.. A investigação-ação participante (capítulo 7). In: Introdução a psicologia comunitária: bases teóricas e metodológicas. SAFORCADA, Enrique T.; SARRIERA Jorge C. (organizadores). Editora Sulina, Porto Alegre, 2014.
MARX, Karl. O Capital. Vol. 2. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.
PANTERA Negra. Direção: Ryan Coogler. [S.I.]. Marvel Studios, 2018. DVD (135 min.).
SARRIERA Jorge C.. Análises de necessidades de um grupo a comunidade: a avaliação como processo (capítulo 6). In: Introdução à psicologia comunitária: bases teóricas e metodológicas. SAFORCADA, Enrique T.; SARRIERA Jorge C. (organizadores). Editora Sulina, Porto Alegre, 2014. Editora Sulina, Porto Alegre, 2014.
SILVEIRA, Andrea Fernanda. Caderno de psicologia e políticas públicas. Curitiba. Gráfica e editora Unificado. 2007.
SPINK, Peter Kevin. O pesquisador conversador no cotidiano. In: Psicologia & Sociedade. Ed. 20. Fundação Getúlio Vargas (FGV). São Paulo, 2008. p. 70-78.