surrealismo
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SABERES EM DIÁLOGO
• ARTE E CIÊNCIA
• Surrealismo
• Prof. Vera Lúcia Cardoso Medeiros
POEMA
• Meus olhos têm telescópios
• espiando a rua,
• espiando minha alma
• longe de mim mil metros.
• Mulheres vão e vêm nadando
• em rios invisíveis.
• Automóveis como peixes cegos
• compõem minhas visões mecânicas.
• Há vinte anos não digo a palavra
• que sempre espero de mim.
• Ficarei indefinidamente contemplando
• meu retrato eu morto.
• (João Cabral de Melo Neto, Pedra do sono, 1942)
POEMA ESTÁTICO
• Vestir a couraça do céu
• E caminhar vigilante
Mesmo na música.
• Ternura, doce rigor,
• Alguém acende meu ombro.
• Até o silêncio (cristal) pesa.
• Confronto-me com o sexo e a sombra.
Formas esperam
• Nossa cooperação
• No campo fértil
• Da funda morte,
• Da vida envolvente
• Sempre a crescer.
• (Murilo Mendes, Poesia liberdade, 1947)
TEMPO ÍNTIMO
• A forma da noite carrega
• Lanternas à esquerda e à direita.
• Sombrio passante estendeu
• As mãos da humanidade
• Sobre os campos talados
• Gerando trombones de queixas.
• Correu para se alcançar.• Para suprimir o descanso à sombra das pirâmides• Para ouvir a confidência do vegetal• E ficar simples, anônimo, no universo de contrastes• - O próprio avesso desta criação.
• (Murilo Mendes, Poesia liberdade, 1947)
ABSTRAÇÃO
• O gramofone não diz em que mundo me acho.• Onde ancora a âncora?• Que ligação têm os dedos com a dália que os segura?• O poema olha para mim, e, fascinado, me compõe.
• A onda decretou medidas a meu respeito,• Meus braços envolvem atos• Cada um para seu lado.
• Nada tenho a ver comigo,• Nem me conheço:• Um estrangeiro pensa em mim fora do tempo• A idéia da máquina do meu corpo dentro do tempo.
• (Murilo Mendes, Poesia liberdade, 1947)
• Como te explicar? Vou tentar. É que estou percebendo uma realidade enviesada. Vista por um corte oblíquo. Só agora pressenti o oblíquo da vida. Antes só via através de cortes retos e paralelos. Não percebia o sonso traço enviesado. Agora adivinho que a vida é outra.
• (Clarice Lispector, Água Viva, 1973, p. 70)
• Para me interpretar e formular-me preciso de novos sinais e articulações novas em formas que se localizem aquém e além de minha história humana. Transfiguro a realidade e então outra realidade sonhadora e sonâmbula me cria. E eu inteira rolo e à medida que rolo no chão vou me acrescentando em folhas, eu, obra anônima de uma realidade anônima só justificável enquanto dura a minha vida.
• (Clarice Lispector, Água Viva)
• É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. Continuo com capacidade de raciocínio – já estudei matemática que é a loucura do raciocínio – mas agora quero o plasma – quero me alimentar diretamente da placenta.
• (Clarice Lispector, Água Viva, p. 09)
• Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço. Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito.
• (Clarice Lispector, Água Viva, p. 09-10)
• Estou consciente de que tudo o que sei não posso dizer, só sei pintando ou pronunciando, sílabas cegas de sentido. E se tenho aqui que usar-te palavras, elas têm que fazer um sentido quase que só corpóreo, estou em luta com a vibração última. Para te dizer o meu substrato faço uma frase de palavras feitas apenas de instantes-já.
• (Clarice Lispector, Água Viva, p. 11)
• Sim, quero a palavra última que também é tão primeira que já se confunde com a parte intangível do real. Ainda tenho medo de me afastar da lógica porque caio no instintivo e no direto, e no futuro: a invenção do hoje é o meu único meio de instaurar o futuro. Desde já é futuro, e qualquer hora é hora marcada.
• Que mal porém tem eu me afastar da lógica? Estou lidando com a matéria-prima. Estou atrás do que fica atrás do pensamento. Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais.
• (Clarice Lispector, Água Viva, p. 13)
SURREALISMO
• Surge em 1924, quando André Breton (1896-1966) lança o “Manifeste du surréalisme”, o primeiro número da revista “Révolution surréaliste” e funda o “Bureau de recherches surréalistes”.
• Cronologicamente é o último dos movimentos de vanguarda criados no início do século XX na Europa.
SURREALISMO
• É visto por seus proponentes, principalmente por Breton, como
• meio de conhecimento que queria explorar sistematicamente o inconsciente, o sobrenatural, o sonho, a loucura, os estados alucinatórios, enfim, tudo o que fosse o reverso da lógica e estivesse fora do controle da consciência.
SURREALISMO
• valorização do
• INCONSCIENTE• (descobertas de Freud)
SURREALISMO
• IMAGINAÇÃO
• BUSCA DE IMAGENS INCONGRUENTES E PROVOCANTES
• PRESENÇA DO MISTERIOSO E SOBRENATURAL
• AUTOMATISMO PSÍQUICO
SURREALISMO
• A poesia e a pintura são meios de investigação do homem; o Surrealismo manifesta-se na pintura e na literatura.
• O artista surrealista investiga o homem através da exploração do inconsciente, do sonho, do maravilhoso, procedendo como um “cientista” do humano.
MANIFESTO DO SURREALISMO
• Tamanha é a crença na vida, no que a vida tem de mais precário, bem entendido, a vida real, que afinal esta crença se perde.
• O homem, esse sonhador definitivo, cada dia mais desgostoso com seu destino, a custo repara nos objetos de seu uso habitual, e que lhe vieram por sua displicência, ou quase sempre por seu esforço, pois ele aceitou trabalhar, ou pelo menos, não lhe repugnou tomar sua decisão ( o que ele chama decisão! ) .
• Bem modesto é agora o seu quinhão: sabe as mulheres que possuiu, as ridículas aventuras em que se meteu; sua riqueza ou sua pobreza para ele não valem nada, quanto a isso, continua recém-nascido, e quanto à aprovação de sua consciência moral, admito que lhe é indiferente.
• Se ele conserva alguma lucidez, só pode recordar-se de sua infância, que lhe parecerá repleta de encantos, por mais massacrada que tenha sido com o desvelo dos moralistas. Aí, a ausência de qualquer rigor conhecido lhe dá a perspectiva de levar diversas vidas ao mesmo tempo; ele se agarra a essa ilusão; só quer conhecer a facilidade momentânea, extrema, de todas as coisas.
• Todos sabem, com efeito, que os loucos não devem sua internação senão a um reduzido número de atos legalmente repreensíveis, e que, não houvesse estes atos, sua liberdade ( o que se vê de sua liberdade ) não poderia ser ameaçada.
• Que eles sejam, numa certa medida, vítimas de sua imaginação, concordo com isso, no sentido de que ela os impele à inobservância de certas regras, fora das quais o gênero se sente visado, o que cada um é pago para saber.
• E, de fato, alucinações, ilusões, etc. são fonte de gozo nada desprezível. A mais bem ordenada sensualidade encontra aí sua parte, e eu sei que passaria muitas noites a amansar essa mão bonita nas últimas páginas do livro.
• Foi preciso Colombo partir com loucos para descobrir a América. E vejam como essa loucura cresceu, e durou.
• Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.
• A atitude realista, inspirada no positivismo, parece-me hostil a todo impulso de liberação intelectual e moral.
• Tenho-lhe horror, por ser feita de mediocridade, ódio e insípida presunção.
• Ainda vivemos sob o império da lógica, eis aí, bem entendido, onde eu queria chegar.
• Mas os procedimentos lógicos, em nossos dias, só se aplicam à resolução de problemas secundários.
• O racionalismo absoluto que continua em moda não permite considerar senão fatos dependendo estreitamente de nossa experiência. Os fins lógicos, ao contrário, nos escapam.
• A pretexto de civilização e de progresso conseguiu-se banir do espírito tudo que se pode tachar, com ou sem razão, de superstição, de quimera; a proscrever todo modo de busca da verdade que não tenha utilidade.
• Ao que parece, foi um puro acaso que recentemente trouxe à luz uma parte do mundo intelectual, a meu ver, a mais importante, e da qual se afetava não querer saber.
• Agradeça-se a isso às descobertas de Freud.
• Com a fé nestas descobertas desenha-se afinal uma corrente de opinião, graças à qual o explorador humano poderá levar mais longe suas investigações, pois que autorizado a não ter em conta somente as realidades sumárias.
• Talvez esteja a imaginação a ponto de retomar seus direitos.
• Se as profundezas de nosso espírito escondem estranhas forças capazes de aumentar as da superfície, ou contra elas lutar vitoriosamente, há todo interesse em captá-las, captá-las primeiro, para submetê-las depois, se for o caso, ao controle de nossa razão.
• Com justa razão Freud dirigiu sua crítica para o sonho. É inadmissível, com efeito, que esta parte considerável da atividade psíquica não tenha recebido a atenção devida.
• SURREALISMO, s.m.: Automatismo psíquico puro pelo qual se propõe exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o
• funcionamento real do pensamento.
• Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral.
• ENCICL. Filos. O Surrealismo repousa sobre a crença na realidade superior de certas formas de associações desprezadas antes dele, na onipotência do sonho, no desempenho desinteressado do pensamento. Tende a demolir definitivamente todos os outros mecanismos psíquicos, e a se substituir a eles na resolução dos principais problemas da vida.
Poesia e surrealismo
• Fragmentação.
• Incongruência.
• Negação do senso comum e da lógica habitual.
• Outra lógica, outro “real”.
• Processo de desrealização.
• A linguagem não serve apenas para representar o real que se apresenta a nossos sentidos; ela também cria realidades.
REFERÊNCIAS
• FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1978.
• HELENA, Lúcia. Movimentos de vanguarda européia. São Paulo: Scipione, 1993.
• ROSENFELD, Anatol. Texto/Contexto I. 5.ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.
• TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. Rio de Janeiro: Vozes, 1972.