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SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA NO SETOR SUCROALCOOLEIRO BRASILEIRO
Clarissa Lins
Rafael Saavedra
Agosto 2007
Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável Rua Engenheiro Álvaro Niemeyer, 76
CEP 22610-180 Rio de Janeiro - RJ - Brasil Tel. +55 (21) 3322-4520 Fax +55 (21) 3322-5903
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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ÍNDICE Introdução ................................................................................................................................ 3 Sustentabilidade Corporativa: Definição do Conceito .......................................................... 5 O Setor Sucroalcooleiro Brasileiro......................................................................................... 7
Características Gerais............................................................................................................ 7 Formação............................................................................................................................... 8 Organização do Setor ............................................................................................................ 9
Práticas para a Sustentabilidade no Setor Sucroalcooleiro ................................................14 Fazenda................................................................................................................................14
Conservação e Uso do Solo............................................................................................................... 14 Uso de Irrigação, Defensivos e Fertilizantes no Cultivo..................................................................... 16 Queimadas e Mecanização da Colheita ............................................................................................ 18 Condições de Trabalho ...................................................................................................................... 20
Usina.....................................................................................................................................22 Gestão de Recursos Hídricos ............................................................................................................ 23 Co-geração de Energia ...................................................................................................................... 24
Gestão ..................................................................................................................................25 Competitividade dos produtos............................................................................................................ 25 Consolidação e Cultura de Gestão .................................................................................................... 26
Conclusão Sobre as Práticas de Sustentabilidade no Setor..................................................30 A Visão dos Executivos Sobre os Desafios para a Sustentabilidade no Setor Sucroalcooleiro.......................................................................................................................34
Motivação ........................................................................................................................................... 34 Capacidade de Implementação.......................................................................................................... 36 Alinhamento das diversas áreas da organização .............................................................................. 39 Utilização de ferramentas gerenciais ................................................................................................. 41 Peculiaridades nacionais e setoriais .................................................................................................. 43 Conclusões e Agenda Futura para a Sustentabilidade no Setor ....................................................... 45
Anexos.....................................................................................................................................48 I - Metodologia da Pesquisa..................................................................................................48
Amostra da Pesquisa ......................................................................................................................... 48 Fonte e Coleta de Dados ................................................................................................................... 49 Tratamento dos dados ....................................................................................................................... 51 Limitações do Método ........................................................................................................................ 51
Referências Bibliográficas .....................................................................................................52 Artigos e Livros .....................................................................................................................52 Documentação Complementar..............................................................................................53 Websites ...............................................................................................................................54
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Introdução
Este relatório é o resultado da pesquisa
realizada durante o período de dezembro de
2006 a agosto de 2007 pela Fundação
Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável
– FBDS, conduzida em parceria com o Forum
for Corporate Sustainability Management –
CSM do International Institute for Management
Development – IMD, e com o Instituto
COPPEAD de Administração da UFRJ. A FBDS
foi responsável pela aplicação da metodologia,
cuja concepção foi do CSM/IMD, enquanto o
COPPEAD/UFRJ apoiou tecnicamente a
aplicação desta metodologia no setor
sucroalcooleiro brasileiro. Este trabalho foi
patrocinado pelo Departamento Nacional do
SESI.
O objetivo da pesquisa foi mapear os
principais desafios para a incorporação da
sustentabilidade na estratégia de negócios no
setor sucroalcooleiro brasileiro. Participaram
desta pesquisa 11 dos maiores grupos
produtores de açúcar e álcool Brasil1, além do
Grupo Brenco, por ser um novo player
característico do atual movimento de consolidação e abertura do mercado, e mais 4
importantes stakeholders do setor: o BNDES; o Centro de Tecnologia Canavieira – CTC; O
Sindicato do Açúcar e do Álcool de Alagoas – SINDAÇÚCAR-AL; e a União da Agroindústria
Canavieira de São Paulo – UNICA. De acordo com a metodologia, foram realizadas entrevistas
1 O Grupo São Martinho não participou das etapas de realização de entrevistas e preenchimento de questionários.
Grupos do Mercado
Stakeholders
Figura 1 – Amostra da Pesquisa
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com executivos-chave das instituições acima mencionadas e enviados questionários de forma
a atingir, também, o nível gerencial médio. Assim, foram entrevistados no total 35 executivos de
diversas áreas de atribuição, com o preenchimento de 45 questionários. Adicionalmente, a
FBDS analisou documentos e informações divulgadas ao público geral pelas instituições-alvo
desta pesquisa, além de outros relatórios setoriais. A metodologia completa da pesquisa está
descrita em maiores detalhes na seção “Metodologia da Pesquisa”, na página 48.
Este relatório está dividido em
quatro partes. Primeiramente, o
conceito da sustentabilidade
corporativa, por ter diversas
interpretações, será definido de forma
a contextualizar o leitor no tema deste
trabalho. Em seguida, será feita uma
breve apresentação das principais
características do setor
sucroalcooleiro brasileiro. Após isto, o
relatório abordará as principais práticas de sustentabilidade no setor, e a sua presença nas
instituições pesquisadas, utilizando-se de informações de domínio público. Finalmente, este
relatório apresentará as percepções dos executivos do setor quantos aos principais desafios
para a incorporação da sustentabilidade na estratégia de negócios do setor sucroalcooleiro
brasileiro.
N=35
CEO/Presidente - 14%
Diretor - 38%
Gerente - 34%
Coordenador - 14%
Figura 2 – Níveis hierárquicos dos entrevistados
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Sustentabilidade Corporativa: Definição do Conceito
Embora exista uma definição amplamente aceita para o conceito de desenvolvimento
sustentável, que é “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”2, existe
um grande debate quanto à definição correta do termo sustentabilidade corporativa, por sua
associação com termos já anteriormente conhecidos no meio empresarial como
responsabilidade social, responsabilidade social corporativa ou cidadania corporativa.
Este trabalho trata a sustentabilidade corporativa como a incorporação de aspectos sociais
e ambientais na definição da estratégia, na operação do negócio e nas interações com
stakeholders. Fica evidente, portanto, que atividades de cunho social e ambiental que não
estejam ligadas à estratégia e à operação do negócio, como as atividades assistenciais e
doações tradicionalmente realizadas pelos grupos do setor sucroalcooleiro, não estão no
escopo deste trabalho. A ênfase aqui é na palavra incorporação: busca-se neste trabalho
investigar como aspectos sociais e ambientais relacionados ao dia-a-dia dos negócios estão
sendo tratados pelas organizações.
Frequentemente associado ao termo
sustentabilidade corporativa, e de fundamental
importância para a compreensão do tema, é o
conceito do triple bottom line - TBL, proposto
por John Elkington em seu livro “Canibais com
Garfo e Faca”. O conceito do TBL refere-se
basicamente à prosperidade econômica,
qualidade ambiental e justiça social, e à
construção de métricas que permitam
mensurar a atuação de uma empresa não só
na esfera econômica, mas também nas esferas
social e ambiental.
2 Relatório Brundtland (WECD, 1987)
Figura 3 - Triple Bottom Line
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Sustentabilidade corporativa não necessariamente significa maiores custos, processos mais
burocráticos e menores retornos financeiros. Sustentabilidade repousa em uma visão de
negócios onde desempenho socioambiental caminha lado a lado ao desempenho econômico -
uma mudança de paradigma que prioriza a perenidade e a perpetuidade da organização. Em
algumas situações, a melhoria no desempenho socioambiental pode gerar ganhos financeiros
de curto prazo para as organizações – vide, por exemplo, as reduções no consumo de insumos
agrícolas pela utilização de resíduos da produção, como a vinhaça, na fertilização do solo. Em
outras, esta melhoria pode não gerar benefícios imediatos, porém traz à empresa ganhos de
longo prazo, que contribuem justamente para o sucesso contínuo e perene da organização.
Assim, uma situação onde melhorias socioambientais estão ligadas primariamente a perdas
econômicas viola um dos tripés do TBL, e não é sustentável.
Dois princípios têm fundamental importância na promoção da sustentabilidade empresarial:
governança corporativa e inovação. Somente apoiada em boas práticas de governança
corporativa uma empresa pode assegurar que os interesses das diversas partes interessadas
sejam preservados. Uma empresa sustentável é justamente aquela que reconhece e valoriza a
sua interdependência não só com agentes internos, como os seus colaboradores, mas também
com atores externos à empresa, como fornecedores e clientes. Já a inovação é o elemento
catalisador da mudança de paradigma acima mencionada, criando novos produtos,
redesenhando processos existentes e repensando o modelo de negócios da organização.
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O Setor Sucroalcooleiro Brasileiro
Características Gerais
O setor sucroalcooleiro brasileiro abrange as empresas que produzem açúcar ou álcool, ou
atuam em algum elo da cadeia produtiva desses elementos. No Brasil, esse setor está
diretamente relacionado às culturas de cana-de-açúcar, uma vez que este é o principal insumo
para os processos produtivos citados.
Muitas usinas trabalham com os dois produtos, açúcar e álcool, variando a proporção de
cana dedicada a cada linha de produção de acordo com as variações e tendências do
mercado. O açúcar pode ser classificado em diferentes tipos – 1, 2A, 2B, 2G, etc – de acordo
com a sua coloração e o grau de pureza do produto. O álcool possui duas variantes básicas,
em função da proporção de água presente na mistura final: o álcool anidro, que é utilizado
como aditivo à gasolina; e o álcool hidratado, que pode ser utilizado como combustível
diretamente nos motores a álcool ou flexfuel. O álcool pode ser destinado a diferentes
finalidades, como a indústria farmacêutica ou química, mas a sua aplicação no setor de
transportes vem sendo o grande impulsionador do crescimento do negócio sucroalcooleiro e,
por isso, essa classificação se
popularizou no mercado.
O Brasil é o maior produtor
mundial de açúcar e segundo
produtor mundial de etanol. O
país responde hoje por
aproximadamente 35% da
produção mundial de etanol e
é o maior exportador de
açúcar.
O uso intensivo da cana-de-açúcar como elemento de base para a produção do açúcar e do
álcool, aliado à condição climática e outros fatores ambientais, confere diversos diferenciais à
produtividade e à qualidade dos produtos brasileiros frente a alternativas estrangeiras, as quais
se utilizam de outros insumos, como o milho ou a beterraba.
Cana processada (ton):
Açúcar produzido (ton):
Álcool produzido (m3):
Álcool Anidro (m3):
Álcool Hidratado (m3):
114.578.856
9.204.904
4.390.623
8.081.661
9.828.161
Setor Sucroalcooleiro
Amostra daPesquisa
457.980.000
30.629.827
17.909.822
2.407.991
1.982.632
25,0 %
30,1 %
24,5 %
29,8 %
20,2 %
(%) Amostra da Pesquisa / Setor
Figura 4 – Dados do setor e amostra da pesquisa
Fonte: Ministério da Agricultura, UNICA e SINDACUCAR-AL
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Figura 5 – Comparação de fontes alternativas na produção do etanol.
Região Cultura Custo de Produção
(USD/litro)3 Eficiência
Energética4 Produtividade (litros/hectare)
Brasil Cana-de-açúcar 0,21 8,3 6.000
EUA Milho 0,27 1,4 3.100
Europa Beterraba 0,76 1,9 5.000
Fonte: A Energia da Cana-de-Açúcar – UNICA (Macedo, 2005)
Formação
A cultura da cana-de-açúcar no Brasil vem desde o descobrimento do país. As primeiras
mudas plantadas datam de 1532 e a história da formação do setor se mistura com a própria
história do país: as capitanias, os grandes latifúndios, os engenhos, assim como outras culturas
(em especial do café) foram elementos importantes de nossa história e da cultura da cana no
Brasil. Notadamente, a crise de 1929, marcada pela decadência do setor de café no interior
paulista e pela chegada em larga escala de imigrantes italianos, determinou uma das
características que diferencia, até hoje, os produtores dessa região dos que atuam no nordeste
do país: o domínio de famílias de origem italiana que buscavam uma nova vida no Brasil.
A estrutura atual do setor iniciou sua formação em 1975, com o lançamento do Programa
Nacional do Álcool (Proálcool), que tinha o objetivo de reduzir a dependência energética do
país a partir de grandes investimentos na produção e subsídios ao desenvolvimento de um
mercado consumidor do álcool. Com a segunda crise do petróleo, em 1979, e o
desenvolvimento da engenharia nacional, surgiram os motores preparados para trabalhar
exclusivamente com o álcool hidratado.
A demanda interna variou fortemente nas duas décadas seguintes: segundo dados da
Anfavea, em 1984, 94,4% dos veículos produzidos utilizavam o motor a álcool, chegando-se a
1,05% no ano de 2001. A flutuação explosiva desse mercado contou com apoio do governo -
também visto como um dos responsáveis pelas variações - para evitar um colapso das
empresas e unidades produtoras. Tal ação se deu, principalmente, através de subsídios ao
3 Valor considerando a cotação de dezembro de 2004: R$ 2,80 4 Energia renovável produzida / insumo fóssil consumido
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preço, refinanciamento de dívidas e regulamentações que aumentavam a participação do
álcool anidro na gasolina.
Nesses 30 anos, o Brasil foi capaz de estabelecer estrutura industrial e logística robusta
para a produção e distribuição interna do etanol. Desde 1999, o setor sucroalcooleiro se
desvencilhou da intervenção governamental nas atividades de planejamento e gestão da
operação, sendo hoje regido pelas forças de mercado, sem a presença de subsídios ao preço
do combustível. A maturidade do setor se reflete na movimentação dos principais players pela
criação de novos mecanismos de mitigação de riscos, como os contratos futuros, e pela
transformação do álcool em uma commodity negociável em bolsa.
Organização do Setor
O setor está organizado basicamente em três estágios: plantação e cultivo da cana-de-
açúcar; produção do açúcar ou álcool; comercialização do produto final. Algumas empresas
atuam em todos os estágios, mas a grande maioria se utiliza de parcerias e contratos de longo
prazo, principalmente para as atividades de fornecimento de cana-de-açúcar e
comercialização, mantendo o seu foco na produção do açúcar ou do álcool.
As limitações físicas impostas pelo processo produtivo - a distância máxima entre a
Fazenda e a Usina é de 30 km - e as características históricas da formação do setor reforçam a
concentração das duas primeiras etapas em torno dos grupos familiares de longa tradição.
Assim, ainda hoje, vemos grandes produtores individuais de cana-de-açúcar, muito embora
essa etapa do processo produtivo também esteja disseminada entre pequenos produtores e
fazendas de propriedade das próprias usinas.
Figura 6 – Recorte de controle familiar em usinas
Família Usinas
Controladas Toneladas de cana
processada % da produção
nacional
Ometto 19 43.653.672 11,4%
Biagi 14 31.041.588 8,1%
Lyra 10 14.553.192 3,8%
Wanderley 4 7.113.895 1,9%
TOTAL 47 96.362.347 25,2%
Fontes: Ministério da Agricultura, relatórios das empresas e websites da Unica e das usinas relacionadas.
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O setor sucroalcooleiro é extremamente pulverizado entre esses grandes grupos e
pequenos produtores independentes. A Figura 7 – Comparações entre participantes da
pesquisa – demonstra a relevância dos participantes da amostra dentro desse cenário. As duas
pontas da cadeia produtiva típica do
setor – as atividades de cultivo de
cana e de comercialização dos
produtos finais (açúcar e álcool) –
são dominadas pela atuação de
cooperativas, que garantem ganhos
de escala para seus cooperados. É
o caso, por exemplo, da Copersucar,
que atua na comercialização de
açúcar e reúne 85 associados,
sendo 31 unidades produtoras de
açúcar e álcool, sob seu guarda-
chuva. Essa estrutura confere alta
competitividade ao setor,
principalmente com relação ao
mercado internacional: 39,9% do
seu total de R$ 5,643 bilhões em
vendas de açúcar foram obtidos em
exportações5.
No âmbito do quadro competitivo
no mercado interno, assiste-se ao dilema das usinas de menor porte que, diante de ganhos de
escala limitados, demandam apoio do governo para competir, por meio de linhas de crédito
facilitado, disponibilização de infra-estrutura física, ou mesmo renegociação de dívidas
passadas. A demanda por esse tipo de suporte é maior na região Norte-Nordeste, onde o nível
de produção é menor e existe maior dificuldade de escoamento dos produtos. Segundo o
Ministério da Agricultura, na safra 2006/2007, a região processou 53,6 milhões de toneladas de
5 Anuário Exame 2007/2008
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
05.000.000
10.000.00015.000.00020.000.00025.000.00030.000.00035.000.00040.000.000
Toneladas de canaprocessadas
Toneladas de açúcarproduzidos
m3 de álcoolproduzidos
Cosan
Santa Elisa
Carlos Lyra
São Martinho
Guarani
Tercio Wanderley
Zilor
João Lyra
Novamerica
Native Alimentos
São Manoel
Figura 7 – Comparações entre participantes da pesquisa
(Safra 2006/07)
Fonte: UNICA e SINDAÇÚCAR-AL
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cana, o que correspondeu a 12,54% da produção nacional. A diferença de alíquotas de
impostos entre estados brasileiros pode ser também fator de desequilíbrio na competição entre
usinas. Hoje, o ICMS cobrado em Minas Gerais, por exemplo, é de 25%, contra 12% de São
Paulo, estado este que já é o maior produtor nacional. Na safra de 2006/07, o Estado de São
Paulo foi responsável por mais de 60% da produção brasileira.
Apesar do movimento de consolidação do mercado - a ser discutido mais adiante neste
documento –, a grande disparidade de tamanho e velocidade de crescimento entre os players
dificulta análises consolidadas e levanta algumas questões acerca das forças e do poder de
barganha entre eles. Essas questões podem ser resumidas na discussão sobre a concentração
de terras nas mãos de poucos produtores, tipicamente os donos das usinas. Se, por um lado,
os grandes grupos cultivam em lotes cada vez maiores de terra, buscando melhor eficiência e
maiores margens, por outro, os pequenos proprietários de terras podem balancear a equação
de forças ao perceberem que detém um dos elementos limitadores para o aumento da
produção de uma usina. A necessidade de proximidade entre o local da colheita e o ponto de
processamento determina o escopo desse dilema a discussões estritamente locais.
O grupo São Martinho, por exemplo,
anunciou em seu prospecto inicial de emissão
de ações que, dos 9,75 milhões de toneladas
de cana processadas na safra 2005/06,
apenas 3,18 milhões de toneladas vieram de
terras próprias, numa área total de 88,6 mil
hectares.
No que diz respeito às relações de troca
estabelecidas entre os diversos atores do
setor, deve-se ressaltar o papel exercido pelo
CONSECANA local. De fato, as condições
comerciais das transações entre produtores
de cana e unidades de processamento são
6,7569,3%
2,9930,7%
3,1832,6%
3,5736,7%
Comprada de Terceiros
em terras próprias
em terras arrendadas
Cultivada:
Figura 8 – Grupo São Martinho
Cana processada – Safra 2005/2006 (milhões de ton)
Fonte: Prospecto Definitivo de Distribuição Pública Primária e
Secundária de Ações Ordinárias de Emissão da São Martinho
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regidas por manuais públicos, desenvolvidos e monitorados por conselhos regionais de
produtores: o CONSECANA6 de cada região. Esta é uma das principais iniciativas do setor com
relação à transparência econômica. O valor das transações comerciais é determinado com
base na quantidade de Açúcar Total Recuperado (ATR) que é uma representação da
quantidade de açúcares contidos na cana e que varia dependendo da qualidade da planta,
admitindo-se ainda uma perda média de 11,0% no processo industrial. O CONSECANA de
cada região é responsável ainda pelas relações comerciais entre empresas da cadeia
produtiva, produzindo e publicando estudos sobre aspectos técnicos e da qualidade da cana
produzida, entre outros.
O mesmo não ocorre na outra extremidade da cadeia de valor: a venda do álcool ao
mercado consumidor. Apesar das pressões do setor e das iniciativas recentes da Bolsa
Mercantil e de Futuros (BM&F), o Brasil ainda não conseguiu estabelecer um mercado sólido
de negociação de contratos futuros do álcool, com a conseqüente transformação deste produto
em uma commodity, o que poderia potencializar imensamente o crescimento do mercado de
etanol. Em matéria veiculada pelo Jornal Valor Econômico em Agosto/2007, especialistas do
setor apontam algumas barreiras que se apresentam ao estabelecimento desse cenário, como
(i) o alto preço do litro, estimulado pela forte demanda no mercado interno; (ii) as barreiras
tarifárias estabelecidas por alguns países como os EUA à importação de etanol brasileiro (US$
0,54 por galão); e (iii) a própria regulação, que exige que a venda interna aos postos de
consumo seja realizada estritamente por distribuidoras de combustível, impedindo a
negociação aberta dos contratos futuros no mercado nacional devido ao grande poder de
barganha dessas empresas.
Outro aspecto ligado à competitividade internacional refere-se à abertura total dos
mercados. Uma parte dos analistas considera que, se por um lado, ela criaria mecanismos de
escoamento do potencial produtivo brasileiro, por outro, pressionaria o setor a trabalhar com
margens menores e possivelmente a reduzir os investimentos em políticas de inclusão social e
proteção ambiental. Esta linha de raciocínio assume que este é o comportamento natural dos
mercados de commodities, que geralmente são guiados apenas por baixos custos. A outra
linha vê com bons olhos a maior exposição aos mercados internacionais, considerando que
6 Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, açúcar e álcool.
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estes públicos são mais exigentes com relação à sustentabilidade do processo de produção,
podendo chegar a demandar a adoção de selos de responsabilidade socioambiental para os
produtos que consomem.
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Práticas para a Sustentabilidade no Setor Sucroalcooleiro
Nesta seção, estão apresentadas as principais questões relativas à sustentabilidade
socioambiental do setor sucroalcooleiro, assim como as ações mais significativas das
empresas na área. Em função da natureza operacional das atividades, os itens foram
organizados em três grandes grupos, associados às etapas da cadeia de valor típica da
indústria, como apresentado na imagem a seguir: a Fazenda, a Usina e a Gestão.
Figura 9 – Cadeia de valor
Para efeitos de conceituação, consideraremos atividades da Fazenda aquelas ocorridas
antes da chegada da cana-de-açúcar na unidade industrial, responsável pelo seu
processamento. Assim, as etapas associadas à Fazenda são basicamente: a preparação da
terra, plantio, cultivo, colheita, corte e transporte da cana-de-açúcar.
As atividades da Usina serão iniciadas com o recebimento da cana-de-açúcar na unidade
de processamento da cana e a etapa de moagem. A partir daí, todas as atividades envolvidas
na produção do açúcar ou do álcool serão consideradas como pertencentes à Usina.
De forma complementar, a área denominada Gestão envolve questões de gerenciamento e
estratégia das organizações, principalmente relacionadas à eficiência e à competitividade da
empresa no setor e, cada vez mais, à busca de financiadores e novos sócios. As atividades de
comercialização serão analisadas apenas sob o ponto de vista da competitividade e da relação
com a estratégia da empresa, de forma conjunta com as questões da Gestão.
Fazenda
Conservação e Uso do Solo
Na relação estabelecida entre o produtor de cana-de-açúcar e o local de cultivo, tornam-se
críticos os aspectos de preservação ambiental e uso racional do solo. A não atenção a esses
pontos pode levar à deterioração de importantes ativos naturais, como florestas nativas e
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ecossistemas característicos, o que é motivo de intensa pressão por parte de diversos
stakeholders e está sujeito à regulação do estado.
Em função da rápida deterioração do açúcar contido na cana após o seu corte, considera-
se um limite máximo de 30 km de distância entre o ponto de colheita e o local de
processamento, o que estimula a concentração de extensas plantações ao redor da usina. A
monocultura da cana-de-açúcar pode aumentar a degradação do solo devido, principalmente, à
exposição à erosão (eólica e pluvial), e à ação da colheita: entre 3% e 5% da colheita da cana
é solo arrancado junto com a planta7. Como principais conseqüências diretas e indiretas da
degradação ambiental, vemos o esgotamento das propriedades do solo, redução da
disponibilidade de recursos hídricos e redução da biodiversidade.
As principais medidas com relação a esses aspectos seriam a manutenção de reservas
naturais e a aplicação de algumas práticas específicas de plantio a fim de reduzir o efeito da
erosão (como a intercalação da cana com árvores mais altas para bloquear a ação do vento). A
legislação brasileira exige a manutenção de reservas naturais em 20% da área de qualquer
propriedade privada (Leis 4.771/65 e 7.803/89). Tais regras são criticadas por especialistas do
setor, por (i) não darem tratamento diferenciado a áreas previamente deterioradas em
comparação com áreas de mata natural preservada; (ii) não mencionarem a necessidade de
criação de corredores de biodiversidade entre as reservas; e (iii) por não demandarem
explicitamente a manutenção/recuperação de matas ciliares (no entorno dos rios e nascentes).
A formação histórica do país fez com que o Brasil chegasse a uma condição em que
aproximadamente 35% do seu território está dedicado a pastagens, contra 7% à agricultura8.
Nesse cenário a cana-de-açúcar, que ocupa 0,6% da área total brasileira, pode ser tratada
como um agente de recuperação ambiental, à medida que pode ocupar terras de pastagens
degradadas e iniciar um ciclo de renovação das propriedades do solo. Entre 1992 e 2003, por
exemplo, 94% da expansão das áreas cultivadas na região Centro-Sul ocorreu em torno das
unidades produtoras já existentes, minimizando a destruição de biomas naturais como o
cerrado. A figura a seguir apresenta o mapa da expansão do setor, com identificação das
7 WWF Action for Sustainable Sugar (2005) 8 A Energia da Cana-de-Açúcar – UNICA (2005); cap. 6
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unidades em construção, o que demonstra a intensa concentração da atividade na região
centro-sul, especialmente no estado de São Paulo.
Uso de Irrigação, Defensivos e Fertilizantes no Cultivo
O uso da água nas atividades de irrigação da cana-de-açúcar no Brasil é mínimo,
participando apenas como complemento à ação natural em algumas áreas. Enquanto as
atividades de irrigação na região de São Paulo são praticamente nulas, vemos que, segundo o
Relatório Estatístico da Safra 2005/2006 (Sindaçúcar-AL), elas têm uma participação
significativa nas plantações do Nordeste, sendo utilizada em três diferentes níveis:
• Irrigação de Salvação: aplicação de 1 a 2 lâminas de água por ciclo;
• Irrigação Complementar: aplicação de 3 a 6 lâminas por ciclo;
• Irrigação Plena: aplicação de 7 ou mais lâminas por ciclo.
Figura 10 – Mapa da expansão das usinas de açúcar e álcool
Fonte: Projeto Etanol – NIPE e UNICAMP
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Uma preocupação comum com relação à água está ligada à sua contaminação por
resíduos, nutrientes ou defensivos, o
que poderia afetar a qualidade desse
recurso para uso pelas comunidades
próximas à área plantada. Esse efeito
não é encontrado nas indústrias de
São Paulo, região em que a atividade
é classificada pela EMBRAPA no
nível 1: sem impacto sobre a
qualidade da água.
De forma geral, a plantação de
cana utiliza pouca quantidade de
pesticidas, inseticidas e fungicidas. A
única substância relevante são os
herbicidas que ainda ultrapassam as
quantidades aplicadas nas plantações de milho ou café. Os fertilizantes são também utilizados
em baixo volume, o que ainda é amenizado pelo alto grau de reciclagem de nutrientes, como o
potássio, através do uso da vinhaça (ou vinhoto) e da torta de filtro9 nessa função. Ainda assim,
algumas empresas, especialmente no nordeste do país, vêm estudando a possibilidade de
aplicação de técnicas mais modernas de irrigação, como o gotejamento, com o objetivo de
atingir reduções ainda maiores no consumo da água e de fertilizantes, e aumentar a
produtividade por hectare plantado, tornando-se mais competitivos.
O estudo10 conduzido pela universidade Utrecht, da Holanda, em parceria com a Unicamp,
destaca que a legislação atual não atende a vários padrões internacionais devido, em parte, à
ausência de indicadores de desempenho ligados à degradação ambiental, muito embora
pareçam atender à realidade brasileira. Ao mesmo tempo em que o relatório reconhece as
baixas taxas de contaminação da água e de utilização de defensivos e fertilizantes, ele também
9 A vinhaça e a torta de filtro são dois dos sub-produtos orgânicos do processo produtivo, que precisam ser corretamente gerenciados sob o risco de causarem graves danos ao meio ambiente local. 10 Sustainability of Brazilian Bio-ethanol (Smeets et al., 2006)
10.986 ha3%
133.026 ha42%
117.186 ha37%
57.925 ha18%
Sem irrigação Com Irrigação de Salvação
Com Irrigação Complementar Com Irrigação Plena
Figura 11 – Situação das áreas de cana irrigada
Estado de Alagoas (safra 2005/06)
Fonte: Relatório Estatístico da Safra 2005/2006, Sindaçúcar-AL
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aponta uma série de iniciativas com potencial para melhorar ainda mais a posição da cultura
canavieira brasileira, como a maior utilização de controle biológico de pragas e a ampliação dos
estudos em variedades de cana mais resistentes.
Queimadas e Mecanização da Colheita
A cana-de-açúcar compõe-se basicamente do caule, contendo o açúcar (que é a matéria-
prima de interesse do produtor), e da palha, a qual será dispensada durante o processo. Em
função do risco de acidentes devido às extremidades cortantes da palha e à presença de
animais potencialmente agressivos11 no canavial, desenvolveram-se quatro alternativas básicas
para a colheita, que são combinações entre os seguintes itens: cana crua ou queimada (o que
elimina a palha e animais); colheita manual ou colheita mecanizada. O processo mais
tradicional é a colheita manual da cana queimada. Apesar de reduzir o risco de acidentes
humanos para a colheita manual, a queima aumenta a erosão do solo e a poluição do ar, reduz
a qualidade da matéria-prima e, embora não haja estudos conclusivos relacionando-a a
problemas de saúde, precisa ser controlada por apresentar riscos de acidentes (caso o fogo
atinja a rede elétrica, estradas ou florestas) e pelos resíduos gerados.
Embora sejam historicamente aceitas, tais práticas vêm sendo cada vez mais questionadas.
O trabalho no setor sucroalcooleiro é tido como um dos mais danosos ao homem, de toda a
agricultura. Segundo relatório da WWF12 (2005), a expectativa de vida dos trabalhadores rurais
da cana-de-açúcar está entre as mais baixas das atividades agrícolas do mundo, havendo
situações em que a remuneração mensal não é suficiente para a compra de alimento
necessário para repor as calorias gastas na atividade de colheita.
A eliminação da queimada (colheita da cana crua) possibilita que as folhas sejam
dispensadas no próprio local, a fim de aprimorar a renovação da matéria orgânica do solo,
evitar a evaporação excessiva e reduzir a erosão. O Estado de São Paulo oficializou suas
iniciativas de redução gradual das queimadas através da promulgação da Lei nº 11.241, de 19
de setembro de 2002, que considera as evoluções tecnológicas, a situação de emprego e as
áreas de risco, e propõe a eliminação total da queimada na colheita da cana até 2031, de
11 Principalmente cobras, lagartos, roedores e diversos tipos de insetos. 12 WWF Action for Sustainable Sugar (2005)
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acordo com metas para o setor. Além dessa Lei, que apresenta uma situação limite para as
usinas, o governo de São Paulo assinou recentemente (04 de Junho de 2007) um acordo em
que propõe a atribuição de um selo especial às usinas que anteciparem o cumprimento dessas
metas, seguindo o plano apresentado no gráfico a seguir:
Essas metas são acompanhadas pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, através
dos órgãos e dos Conselhos Municipais e Câmaras Setoriais da Cana-de-Açúcar, com o auxílio
dos equipamentos de Monitoramento por Satélite da EMBRAPA. Essas informações ainda não
são disponibilizadas ao público em geral, sendo acessíveis apenas à rede privada da
EMBRAPA.
Segundo relatório do UNIETHOS13 a crescente mecanização da colheita confere ganhos de
produtividade e uma redução drástica na gravidade e quantidade de acidentes no trabalho,
embora reduza também a demanda por mão-de-obra: uma máquina substitui em média 100
empregados nas atividades de colheita. Dessa forma, o avanço da mecanização, embora
13 Estudo de Caso: A Indústria Sucroalcooleira no Estado de São Paulo – UNIETHOS (Campbell, 2005)
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
2002 2006 2011 2016 2021 2026 2031
Ano
% d
a ár
ea c
orta
da
Lei - áreamecanizável
Lei - área nãomecanizável
Acordo - áreamecanizável
Acordo - áreanão mecanizável
Figura 12 – Metas para a eliminação das queimadas em São Paulo
Fontes: Legislação da queima, Lei Nº 11.241 de 19 de setembro de 2002
Divulgação oficial do acordo, Ethanol Summit, Junho de 2007
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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desejável do ponto de vista das condições de trabalho no setor, configura um impasse social,
característico da evolução de uma atividade intensiva em mão-de-obra para uma intensiva em
capital. O desafio que se coloca, portanto, diz respeito à necessidade de capacitação de mão-
de-obra que poderá ser redirecionada para novas atividades e, sobretudo, ao tratamento dado
ao contingente não aproveitado.
Condições de Trabalho
Operando com intensa sazonalidade, a Fazenda é um grande pólo de geração de
empregos temporários, principalmente nas épocas de colheita. Em apresentação realizada no
evento Ethanol Summit 2007, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Sr. Mauricio
Tolmasquim, destacou que o setor emprega cerca de 1,3 milhão de pessoas diretamente e em
2010 deve gerar 1,8 milhão de empregos, sendo aproximadamente 80% na Fazenda.
Apesar da remuneração média do setor estar alinhada com as médias gerais (como
apresentado na tabela a seguir), os postos de trabalho criados têm qualidade tradicionalmente
baixa, muitas vezes baseados em relações informais e com poucos benefícios aos
trabalhadores. Geograficamente distantes dos centros urbanos, comumente em locais de difícil
monitoramento, esses centros produtivos são muitas vezes acusados de utilizarem mão-de-
obra abaixo da idade mínima ou em condições de subemprego. Segundo estimativas
apresentadas em relatório da UNICA14, a informalidade previdenciária gira em torno de 55% na
região de São Paulo; o trabalho infantil, em torno de 2,4%, e o analfabetismo funcional em
23,9%. Para benefício do próprio setor, não resta dúvidas quanto à prioridade que tal temática
deve ter, inclusive no posicionamento externo claro das usinas e grupos acerca das práticas e
avanços.
A remuneração média aferida pela UNICA e representada na tabela a seguir, mostra-se
acima da média nacional na região Centro-Sul, em especial em São Paulo:
14 A Energia da Cana-de-Açúcar – UNICA (2005); cap. 12
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A instabilidade da oferta de trabalho tem reflexos diretos sobre comunidades carentes, que
muitas vezes vivem de forma itinerante em busca das oportunidades. A prática de utilização de
intermediários nas relações trabalhistas entre os produtores e empregados agrícolas tende a
agravar essa situação. Com efeito, nesse elo da cadeia surge a maior parte dos problemas de
aliciamentos irregulares, empregos de baixa qualidade e trabalho forçado. Os produtores
parecem ainda não possuir clara visão de responsabilidade sobre as atividades ao longo da
sua cadeia de valor e, em alguns casos, se desvinculam dos problemas originados nesses
fornecedores. Tal postura tende a ser amenizada à medida que o setor ficar mais exposto ao
escrutínio constante da sociedade civil e organizada.
A crescente mecanização da colheita tende a melhorar as condições de trabalho, reduzindo
a sazonalidade dos empregos e permitindo melhor planejamento de carreira e treinamento. Por
outro lado, ela também reduz a quantidade de postos gerados e exige uma melhor capacitação
da mão-de-obra que será envolvida na atividade, excluindo aqueles que não têm acesso a
programas de aperfeiçoamento profissional. Hoje assistimos a uma redução nos empregos
agrícolas e aumento nos empregos industriais, demandando um perfil de trabalhador diferente,
com formação acadêmica mais ampla. O relatório de atividades sociais da UNICA15 divulga um
grande número de projetos educacionais organizados pelas suas associadas, complementando
a ação do Estado nesse sentido:
15 Açúcar e Álcool: Responsabilidade Social numa história de desenvolvimento sustentável (UNICA, 2004)
BrasilN - NEC - SSão Paulo
R$ 446,00R$ 283,00R$ 678,00R$ 797,00
BrasilAgriculturaIndústriaServiços
Rendimentos médios mensais no Brasil
R$ 692,00R$ 390,00R$ 671,00R$ 706,00
BrasilN - NEC - SSão Paulo
R$ 821,00R$ 707,00R$ 865,00R$ 881,00
Rendimentos médios naárea agrícola – Cana
Rendimentos médios naárea industrial – açúcar
Fonte: A Energia da Cana-de-Açúcar – UNICA (2005); cap. 12
Figura 13 – Rendimentos médios de pessoas ocupadas
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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Figura 14 – Projetos educacionais patrocinados por usinas do estado de São Paulo
Projetos Pessoas envolvidas
diretamente
Educação Formal e Informal 55 35.060
Profissionalizantes 32 14.232
Bolsas de Estudos 36 7.200
Kit Escola 24 20.990
Fonte: Açúcar e Álcool: Responsabilidade Social numa história de desenvolvimento sustentável (UNICA, 2004)
Usina
O processo de transformação da cana-de-açúcar começa com a etapa de moagem, em que
o caldo é extraído do bagaço. Esse caldo passará por várias etapas de processamento físico-
químico até que se obtenha um dos dois produtos finais: o açúcar ou o álcool.
Fonte: adaptado de Sustainability of Brazilian Bio-ethanol – Copernicus Institute e Unicamp (Smeets et al., 2006)
Figura 15 – Processo simplificado de produção de álcool
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Gestão de Recursos Hídricos
Os processos de transformação da cana em açúcar ou álcool têm como seus principais
subprodutos: (i) a vinhaça (ou vinhoto) e águas residuais; (ii) a água de lavagem da cana; e (iii)
outras águas utilizadas em processos físicos (resfriamento, condensação, etc). Hoje, a maioria
das usinas já opera em regime fechado de água, reaproveitando-a em diversas etapas do
processo produtivo, de acordo com a maior ou menor concentração de açúcares e nutrientes, e
as condições de temperatura e pressão em que se encontram.
Grande parte da água entra no processo junto com a cana (70% do peso dos colmos), além
da captação direta para uso na indústria. Segundo estudo da UNICA16, o uso da água na
produção é intensivo (21 m3/t cana), mas o índice de reutilização é alto, chegando-se a níveis
de captação e lançamento muito eficientes: entre 1990 e 1997 eram captados cerca de 5 m3/t
cana; em 2004 foi apurado um valor de 1,83 m3/t cana em algumas amostras de São Paulo.
A lavagem dos moinhos, de forma periódica na linha de produção, envolve a retirada do
material acumulado nos seus filtros – a chamada torta de filtro –, abundante em substâncias
orgânicas, que podem ser úteis na função de equilíbrio das propriedades do solo. Esses
resíduos precisam ser gerenciados corretamente, uma vez que a sua dispensa direta no
ambiente pode, por exemplo, reduzir abruptamente os níveis de oxigênio em rios próximos,
causando desequilíbrios no ecossistema local.
Outro sub-produto do processo que demanda cuidados especiais é a vinhaça (ou vinhoto).
São produzidos, em média, 13 litros de vinhaça por litro de álcool final. Essa substância é muito
rica em elementos químicos como o nitrogênio, fósforo, potássio e sulfatos, os quais são
necessários à recomposição dos solos agrícolas. Essa característica possibilita a sua
reutilização junto à lavoura, no processo de fertirrigação, desde que utilizado em quantidades
adequadas. A sua disposição em áreas abertas causa odores desagradáveis, além de este
efluente apresentar pH ligeiramente ácido – de 4,0 a 4,5.
Nesse sentido, já há regulação pertinente para controlar a reutilização desses subprodutos,
notadamente a Norma Técnica P 4.231, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São
16 A Energia da Cana-de-Açúcar – UNICA (2005); cap. 5
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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Paulo, a qual regulamenta todos os aspectos relevantes à sua aplicação na fertilização do solo:
áreas de risco (proibição); taxas permitidas; e tecnologias.
Co-geração de Energia
Todos os complexos industriais brasileiros do setor de açúcar e álcool têm potencial para
operarem de forma auto-suficiente com relação ao uso da energia. A queima do bagaço da
cana (biomassa) confere mais energia do que é necessário para a operação da usina,
originando a alternativa de venda do excedente: a co-geração.
Segundo dados publicados pela UNICA17, a energia gerada a partir do uso do bagaço como
combustível já é equivalente à soma de todo o gás natural e óleo combustível usados no país:
17,5 Mtep18. Associando-se a essa prática o elevado nível de produção nacional de álcool
(180.000 barris/dia registrados no ano de 2005 – que é equivalente a 50% de toda a gasolina
utilizada no país), pode-se compreender a importância da participação da indústria do açúcar e
álcool na matriz energética brasileira.
Assim como as queimadas no momento da colheita, a energia obtida a partir da queima do
bagaço da cana acarreta em aumento da poluição do ar, podendo afetar comunidades
próximas se não houver a adoção de filtros nas saídas de gases dos geradores. Em
contrapartida, essa é uma energia renovável, que contribui positivamente para o equilíbrio de
emissões de carbono da matriz energética brasileira, o que poderia proporcionar receitas
financeiras através de projetos de MDL. Além disso, ao contrário do que ocorre nas
negociações de álcool e de açúcar, a venda de energia elétrica pode ser realizada diretamente
entre as partes envolvidas, o que possibilita a negociação de margens de contribuição maiores
na comercialização desse produto. Dessa forma, a co-geração representa uma interessante
oportunidade a ser explorada pelas empresas do setor a caminho da sustentabilidade.
17 A Energia da Cana-de-Açúcar – UNICA (2005); cap. 1 18 Mtep = Milhões de toneladas equivalentes de petróleo
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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Gestão
Competitividade dos produtos
O resultado econômico-financeiro das empresas de açúcar e álcool depende do
desempenho internacional de algumas commodities, principalmente açúcar – que pode ser
produzido a partir de outras matérias primas, com o milho e a beterraba – e petróleo –
substituto direto do etanol. Dependendo da proporção entre os preços desses elementos, os
produtores alternam o seu mix de produção, buscando as maiores margens.
Considerando que o consumo médio do álcool por quilômetro rodado nos automóveis
flexfuel é ligeiramente superior ao da gasolina, estima-se que ele seja a melhor opção
enquanto o seu preço por litro, no varejo, estiver até 70% abaixo do da gasolina. Na tabela a
seguir, apresenta-se um exercício do impacto das flutuações do valor do barril do petróleo
sobre o preço da gasolina, para duas cotações de taxa de câmbio, a fim de ilustrar os valores
limite para que o álcool se mantenha competitivo nas bombas de abastecimento, em cada
cenário.
Figura 16 – Análise da competitividade do etanol vs gasolina
Preço máximo do etanol no varejo vs. preços do petróleo
Cotação do Dólar Preço do petróleo (US$/barril) 30 40 50 60 70 80
Preço da gasolina nos postos (R$/m3) 1,778 1,962 2,146 2,330 2,515 2,699 R$ 2,15
Preço máximo do etanol nos postos (R$/m3) 1,245 1,374 1,503 1,631 1,760 1,889
Preço da gasolina nos postos (R$/m3) 1,571 1,734 1,896 2,059 2,223 2,385 R$ 1,90
Preço máximo do etanol nos postos (R$/m3) 1,100 1,214 1,328 1,441 1,556 1,670
Fonte: Adaptado de UBS/Pactual Investment Research – Dezembro/2006 – safra 2005/06
O álcool brasileiro, produzido a partir da cana-de-açúcar, é o que possibilita maior margem
de contribuição no mundo. Segundo estudos realizados pela UNICA em 2005, os custos de
produção poderiam chegar a US$ 0,20/litro19 nas usinas mais eficientes, fazendo com que o
álcool tivesse um preço competitivo com a gasolina enquanto o petróleo fosse negociado acima
da barreira de US$ 30/barril. Estima-se que, para uma taxa de câmbio de R$ 1,90/US$, esse
valor limite suba para aproximadamente US$ 44/barril.
19 Valor considerando a cotação de dezembro de 2004: R$ 2,80
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O baixo custo de produção atingido está diretamente associado às inovações empreendidas
pelo setor nas últimas décadas. Notadamente, o desenvolvimento de novas variedades de
cana, liderado pelas atividades do Centro de Tecnologia Canavieira – CTC –, vem
possibilitando ganhos de produtividade e a mitigação de riscos na plantação. Segundo estudo
da UNICA (2005), mais de 500 espécies são utilizadas hoje no Brasil, e essa diversidade
representa uma forte barreira a possíveis pragas e doenças na plantação, além de proporcionar
ganhos de produtividade específicos para cada tipo de solo e clima. A manutenção da
vanguarda brasileira na tecnologia agrícola é fonte de vantagem competitiva que deve ser
sustentada pelo contínuo investimento em P&D.
A atividade industrial sucroalcooleira baseada na cana-de-açúcar permite ainda o
desenvolvimento de negócios alternativos, geralmente baseados na reutilização e na
otimização da utilização dos recursos. É o que ocorre, por exemplo, com as atividades de co-
geração de energia, a partir da queima do bagaço da cana, com a produção de levedura, a
partir do processamento do bagaço da cana, e com a rotatividade de culturas (tipicamente de
amendoim, soja e feijão).
No caso das culturas alternativas, a contribuição financeira para o aumento da lucratividade
total da empresa é ainda pequeno, o que vem estimulando alguns grupos a direcionar os
produtos cultivados para projetos sociais apoiados pela empresa, consolidando ganhos
intangíveis junto às comunidades locais. Já a comercialização de energia e levedura vem
expandir o portfólio de opções da usina, fortalecendo seu poder de barganha no mercado.
Assim como no balanceamento entre as produções de álcool e açúcar, a empresa pode mudar
a proporção do bagaço destinado à geração de energia elétrica ou à produção de levedura em
função das oportunidades de mercado.
Consolidação e Cultura de Gestão
O grande interesse global pelo etanol, impulsionado pelas cobranças da sociedade civil
acerca de soluções para o aquecimento global, vem atraindo empresas internacionais para o
mercado brasileiro e determinando o surgimento de novos players, como os fundos de private
equity e as multinacionais. Segundo a consultoria Datagro, especializada no setor
sucroalcooleiro, o Brasil conta hoje com 357 usinas em operação, havendo 43 em construção.
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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Aproximadamente 21 daquelas em operação pertencem a grupos de capital estrangeiro, os
quais são responsáveis por, pelo menos, mais 12 projetos de novas unidades.
Figura 17 – Projetos de grupos de capital estrangeiro divulgados
Companhia Característica Usinas em operação
Projetos novos
Adeco Agro Usinas próprias. Investimentos de R$ 1,6 bilhão até 2015.
1 2
Brenco Fundo de investimento com captação prevista de até US$ 2 bilhões
0 4
Cargill Multinacional de alimentos, com 63% da usina Cevasa. 1
Clean Energy Brazil (CEB)
Empresa de investimentos em álcool. Possui 49% da usina Usaciga e investimentos de R$ 500 milhões em outros 2 projetos (greenfield).
Planos de incorporar mais 5 usinas, criando um pólo com foco no etanol, com processamento de 30 milhões de toneladas de cana.
1 2
Dow Chemical Parceria com Crystalsev para criação de pólo alcoolquímico integrado: usina e fábrica de polietileno. Capacidade estimada 8 milhões de toneladas de cana.
1
Global Foods Parceria com Santa Elisa na Companhia Nacional de Açúcar e Álcool (CNAA), com investimento previsto de US$ 2 bilhões
0 4
Grupo Tereos Usinas próprias. Controle da Açúcar Guarani e participação na Franco Brasileira de Açúcar (FBA).
4 2
Infinity Bio-Energy Fundo de investimento. Adquiriu as usinas Usinavi, Alcana, Cridasa e Disa. Investimento de US$ 300 milhões já realizado. Previsão de mais US$ 500 milhões.
4 5
Louis Dreyfus Usinas próprias. Investimento planejado de US$ 800 milhões
7 1
TrueEnergy Empresa do grupo americano Upstreamcap, com investimento anunciado de US$ 300 milhões.
0 3
Fontes: Anuário Exame Agronegócios (2007/2008) e Jornal Valor Econômico
Ao mesmo tempo, o crescimento explosivo do setor pode levar a uma queda no valor do
etanol, pelo menos para os próximos 2 anos. Essa tendência tem desestimulado a entrada de
players oportunistas, além de colocar em xeque grupos menores ou despreparados do ponto
de vista de gestão para enfrentar um longo período de lucratividade reduzida.
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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Os recentes movimentos de fusões e aquisições no setor apontam também para uma
consolidação do mercado em torno de poucas companhias, o que vem estimulando os diversos
grupos nacionais a atrair investidores e fortalecer sua base de capital. Esse cenário impõe uma
necessidade de mudança também nos padrões de gestão e nas práticas de governança
corporativa dessas empresas. Sendo em sua maioria de origem familiar, essas organizações
precisam desenvolver novas práticas de gestão, principalmente no que diz respeito à
transparência e à prestação de contas, quesitos essenciais para atender às expectativas dos
seus novos stakeholders: investidores, financiadores e a sociedade civil.
O setor ainda tem como característica a forte centralização do controle acionário entre
membros familiares e grande número de empresas com capital fechado, apesar do interesse
crescente do mercado pela realização de investimentos na área. Até Julho/2007, apenas três
empresas haviam adotado essa estratégia: o Grupo Cosan20, que mantém a posição de líder
de mercado e abriu capital em Novembro/2005; o Grupo São Martinho21, que realizou sua
emissão inicial de ações para o mercado em Fevereiro/2007; e a Companhia Açúcar Guarani
S.A22, controlada pelo GrupoTereos23, de origem francesa, e que iniciou a sua oferta em
Julho/2007. Todos esses grupos aderiram ao mais avançado nível de governança corporativa
da Bovespa, o Novo Mercado, assumindo compromissos de prestação de contas e de boas
práticas de governança corporativa. Além deles, o Grupo Novamerica recentemente realizou
uma emissão de debêntures24 no valor total de R$ 300 milhões, reforçando o movimento de
maior exposição de grupos tradicionais do setor ao mercado de capitais, tanto de equity quanto
de financiamento.
20 Documento disponível em http://www.cosan.com.br/ri 21 Documento disponível em http://www.saomartinho.ind.br/ri 22 Documento disponível em http://www.acucarguarani.com.br 23 O Grupo Tereos, estruturado em forma de cooperativa, reúne 14.000 agricultores franceses. (www.tereos.com) 24 Documento disponível em http://institucional.novamerica.com.br/institucional/investidores/index.jsp
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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Figura 18 – Resumo das regras para empresas participantes do Novo Mercado
O Novo Mercado propõe uma série de práticas de governança que
têm o intuito de aprimorar a comunicação da empresa com os
investidores, estabelecendo também regras de proteção ao acionista
minoritário. As medidas podem ser resumidas nos pontos a seguir:
• Tratar com eqüidade todos os acionistas, principalmente em momentos de mudança do controle da companhia ou de fechamento de capital.
• Manutenção de conselho de administração amplo em constante renovação, com a participação de conselheiros independentes.
• Expansão das informações prestadas, incluindo, por exemplo, demonstrações de fluxo de caixa e detalhes sobre os valores mobiliários de emissão da companhia detidos por membros do controle ou corpo gerencial, seguindo os padrões internacionais IFRS ou US GAAP.
• Divulgação de calendário anual de atividades de relacionamento com investidores, incluindo reuniões públicas com analistas, assembléias, etc.
• Divulgação detalhada de documentos envolvendo partes relacionadas, como termos de contratos com a companhia e negociações de valores mobiliários de emissão da companhia por parte dos acionistas controladores.
• Manutenção de, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) do capital social da companhia em circulação, favorecendo sempre a dispersão do capital nas distribuições públicas de ações.
• Adesão à Câmara de Arbitragem do Mercado para resolução de conflitos societários.
Fonte: Adaptado de www.bovespa.com.br
Apesar desse movimento por maior transparência e profissionalização da gestão,
adequando-se às exigências do mercado, o setor ainda precisa aprimorar o uso dos canais de
comunicação e profissionalizar os processos de sucessão. Por exemplo, os relatórios de
emissão inicial de ações em bolsa de valores dos Grupos COSAN e São Martinho apontam
como fator de risco relevante a extrema dependência dos seus executivos e acionistas
controladores (pessoa física). A COSAN ainda destaca o fato de ser controlado por uma única
pessoa e o risco de conflitos de interesse devido às operações com partes relacionadas.
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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Membros das famílias estão envolvidos em vários elos da cadeia produtiva das
organizações. Muitas usinas compram parte da cana-de-açúcar processada de terceiros,
através de contratos de fornecimento de longo prazo. Em alguns casos, as plantações
envolvidas são de propriedade pessoal de acionistas majoritários das usinas, o que pode
configurar conflitos de interesse com os demais acionistas da companhia ou, no mínimo, um
fator de risco aos olhos do mercado acionário.
Conclusão Sobre as Práticas de Sustentabilidade no Setor
A partir da análise da literatura disponível e das informações divulgadas pelas próprias
empresas, foi possível identificar uma série de desafios para a incorporação da
sustentabilidade corporativa pelas empresas do setor sucroalcooleiro. Esses desafios, que
permeiam a relação com as três dimensões do conceito – social, ambiental e econômico-
Figura 19 – Estrutura societária do Grupo Cosan no momento da sua abertura de capital
Fonte: Prospecto Definitivo de Distribuição Pública Primária e Secundária de Ações Ordinárias de Emissão da COSAN (2005)
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financeira – foram analisados de acordo com a cadeia produtiva do setor e, dessa forma
distribuídos entre a Fazenda, a Usina e a Gestão.
Na Fazenda, identificamos a importância da relação entre a empresa e o capital natural –
como o solo e os recursos hídricos – e o social – os seus trabalhadores e fornecedores de
cana. A maior parte das questões se refere à necessidade de adoção de técnicas adequadas
no cultivo da cana e na manipulação de insumos à plantação. Apesar de estes serem
problemas de possível resolução, com tecnologias já disponíveis, a extensão geográfica da
cultura da cana-de-açúcar confere grandiosidade e relevância a estas questões que poderiam
ser monitoradas muito mais facilmente em escalas menores.
Entretanto, dois dilemas marcam essa etapa da cadeia produtiva, e vêm exigindo maior
atenção por parte dos executivos das empresas. Em primeiro lugar, a determinação legal de
redução/eliminação das queimadas, a qual exige vultosos investimentos em equipamento e
tecnologia, dentro de um prazo limite. Ao mesmo tempo, essa determinação gera um impasse
social em função da drástica redução na demanda por mão-de-obra durante a colheita,
tipicamente uma mão-de-obra de baixa qualificação e limitada inserção social. Em segundo
lugar, o problema das condições de trabalho no campo que não pode mais ser resolvido
apenas considerando-se os limites físicos e geográficos da Fazenda. É necessário, cada vez
mais, engajar de forma definitiva fornecedores de cana e de mão-de-obra, mesmo temporária,
nos compromissos de qualidade nas condições de trabalho. Assim, além de aspectos técnicos
e agrícolas, as equipes ligadas à Fazenda vêm necessitando cada vez mais de uma visão
gerencial das relações sociais com colaboradores e parceiros, para alcançar maior perenidade
da sua atividade.
Na etapa da Usina, vê-se nitidamente a preocupação da sociedade, expressa através de
notícias na mídia, relatórios e pesquisas de ONGs, com o consumo, a manipulação e o
tratamento dos recursos hídricos. Aqui, novamente, esbarra-se em práticas bastante difundidas
no setor, que praticamente eliminam os impactos associados a essas questões, muito embora
continuem a ser motivo de intensa averiguação por entidades externas.
Ao mesmo tempo, tem-se uma questão que se configura mais como oportunidade e menos
como desafio: a co-geração da energia. O potencial de impacto positivo dessa prática sobre o
negócio é muito interessante e alinhado com boas práticas de sustentabilidade. Com a co-
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geração de energia, as empresas diversificam seu portfólio de produtos, tornam-se
independentes energeticamente e ainda podem contribuir para a matriz energética nacional
com uma energia neutra do ponto de vista de emissão de carbono.
Ligados à Gestão, estão os desafios menos atendidos pelas empresas e que, em sua
maioria, estão associados a mudanças na cultura gerencial do setor – tipicamente familiar,
tradicional e conservador. Na busca por competitividade, as empresas tentam diferenciar seu
mix de produtos25 ao mesmo tempo em que buscam maior eficiência operacional, por meio das
inovações e melhorias tecnológicas no processo produtivo como um todo, enfrentando a
volatilidade de preços e a oferta de produtos substitutos. Isso vem exigindo uma postura mais
cooperativa e menos competitiva entre os players, uma vez que a atuação integrada do setor,
por exemplo, nas atividades de pesquisa e desenvolvimento e de comercialização, pode
representar um diferencial competitivo com relação às alternativas estrangeiras. Somando-se a
isso o recente movimento de consolidação do mercado e entrada de novos atores, como os
fundos de investimento e as grandes tradings multinacionais, chega-se à questão que compõe
o principal desafio das companhias que hoje participam desse mercado: a necessidade de
incorporação de uma nova mentalidade gerencial, calcada em boas práticas de governança
corporativa, maior transparência e prestação de contas à sociedade.
Em função do novo desenho do setor, tais questões são primordiais para o bom
desempenho das empresas no médio e no longo prazo. A intensificação das forças de
mercado, a maior volatilidade do capital e a exposição cada vez mais intensa à opinião pública
mundial são tendências claras do setor sucroalcooleiro. Esse cenário vai exigir uma forte
mudança cultural, notadamente na direção da maior transparência, para que as empresas
continuem a ser sustentáveis no novo paradigma de competição.
O fraco compromisso com a prestação de contas pode ser verificado no gráfico a seguir.
Nele estão expostas, de forma resumida e com base apenas em informações públicas26, as
práticas de comunicação das empresas, comprovando a dificuldade existente no mapeamento
das práticas do setor e do seu posicionamento estratégico frente aos desafios futuros.
25 Por exemplo: açúcar, álcool, energia, levedura e biotecnologia. 26 A fim de utilizar uma mesma base de comparação entre as empresas, nessa tabela foram consideradas apenas as informações acessíveis através dos seus websites. Informações divulgadas por terceiros não foram envolvidas.
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
33 | 54
Análise FBDS
Os símbolos utilizados representam estágios das atividades de prestação de contas das
empresas segundo uma escala proposta para essa comparação. Foram utilizados os seguintes
critérios para a elaboração da escala, com quatro estágios evolutivos dessas iniciativas
(espaços em branco significam que não foi encontrada menção ao tema pela empresa):
Figura 21 – Critérios para a comparação das práticas de divulgação das empresas
Estágio Descrição Exemplos identificados
Atividades
Relacionadas
Primeiro nível da divulgação. A empresa referencia superficialmente a questão.
“Importantes investimentos são feitos na preservação e restauração das matas ciliares”
Detalhamento
de Projetos
Segundo estágio da divulgação, em que a empresa descreve mais profundamente as atividades empreendidas.
“Dentro das unidades industriais, funciona o Programa Dias Melhores, que busca a melhoria contínua das condições de trabalho. Ações simples, como (...)”
Métricas de Resultados
Terceiro estágio da divulgação, caracterizado pela divulgação de resultados quantitativos das ações.
“No início da implantação do Projeto Cana Verde, a usina contava com 5% de área nativa. Hoje, depois de 15 anos, o índice já chega a 14%.”
Metas
Estágio mais avançado da divulgação com o engajamento público da empresa com resultados e metas mensuráveis.
Não foram identificados exemplos desse tipo de comunicação.
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Figura 20 – Práticas de divulgação das informações nas usinas
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
34 | 54
A Visão dos Executivos Sobre os Desafios para a Sustentabilidade no
Setor Sucroalcooleiro
Apresentam-se aqui as análises sobre as entrevistas realizadas e os questionários
respondidos pelos executivos e corpo gerencial dos grupos produtores e stakeholders
envolvidos na pesquisa. Esses resultados estão organizados em cinco seções, de acordo com
a metodologia do IMD: (i) motivação para a incorporação da sustentabilidade nos negócios; (ii)
capacidade de implementação do conceito dentro das empresas; (iii) alinhamento das diversas
áreas da organização; (iv) utilização de ferramentas ligadas ao tema; e (v) peculiaridades
nacionais e setoriais que influem na sustentabilidade.
Motivação
Durante as entrevistas com os executivos dos grupos envolvidos ficou claro que, apesar do
termo sustentabilidade corporativa ser muito utilizado no setor, o conceito tem interpretações
variadas. Os impactos diretos e indiretos que a atividade sucroalcooleira exerce sobre aspectos
socioambientais estimulam, por um lado, o desenvolvimento da responsabilidade social, focada
em uma atuação junto às comunidades do entorno e, por outro, o atendimento às exigências
ambientais. Todavia, tais considerações não chegam a determinar uma postura plenamente
alinhada com a sustentabilidade corporativa que poderia ser sedimentada em uma visão
conjunta – e não compartimentalizada – das dimensões social e ambiental. Neste contexto,
pôde-se observar diferenças significativas, tanto na compreensão como na adoção do conceito
da sustentabilidade entre as diferentes empresas mapeadas.
Sobre a interpretação do conceito, nota-se ainda uma confusão entre elementos como
assistencialismo, responsabilidade social e sustentabilidade corporativa. A história de
desenvolvimento do setor, marcada pela relação intensa entre as usinas e as localidades em
que se estabeleceram, expõe a cultura do assistencialismo como uma prática comum e ainda
muito presente nesse mercado. Muito embora a gestão de alguns desses grupos tenha se
profissionalizado, a percepção das oportunidades de geração de valor a partir das práticas para
a sustentabilidade ainda é exceção.
No que se refere à implementação do conceito, pôde-se constatar que, enquanto poucos
grupos identificam e se aproveitam de oportunidades de negócio ligadas à sustentabilidade
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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corporativa, diferenciando-se em termos de competição e de resultados obtidos nas dimensões
social, ambiental e econômico-financeira, outros atuam ainda de forma declaradamente reativa
às pressões de stakeholders, adotando as práticas minimamente necessárias para o
cumprimento da legislação vigente e interpretando as ações nos campos social e ambiental
apenas como centros de custos.
A compreensão falha do conceito limita as ações e o próprio desenvolvimento do setor no
sentido de uma condição mais perene. Esse aspecto pode ser percebido nas perguntas sobre
as motivações das empresas para incorporar a sustentabilidade à estratégia da companhia.
Entre as declarações, destacam-se os elementos relacionados ao conjunto “missão, visão,
valores” e à “pressão da sociedade”, os quais podem ser associados, respectivamente, à
tradição cultural das organizações (geralmente ligada a práticas assistencialistas) e à postura
reativa da companhia frente às questões socioambientais. De fato, nota-se que, embora a
maioria das usinas tenha um histórico de ações sociais e ambientais, estas estão geralmente
desestruturadas e sem vinculação com o desempenho do negócio. Daí a importância da
existência de órgãos setoriais como a UNICA, o qual trabalha no sentido de ajudar o setor
como um todo a diagnosticar e organizar suas iniciativas, propondo a mensuração e divulgação
de indicadores de desempenho, inclusive nas dimensões social e ambiental. O exemplo mais
marcante nesse sentido foi o projeto, organizado pela UNICA, de auto-diagnóstico pelas
empresas através da aplicação dos indicadores ETHOS de responsabilidade social. A iniciativa
foi conduzida no ano de 2006 por uma parceria entre as instituições e contou com a adesão
voluntária de 28 empresas de São Paulo.
Um terceiro elemento, enfatizado por muitos entrevistados, mas apenas em alguns dos
grupos produtivos envolvidos, foi a oportunidade de mercado, demonstrando que algumas
empresas têm uma visão mais pró-ativa e mercadológica do tema. Nesses grupos, pode-se
notar ainda maior alinhamento entre os executivos sobre as questões e desafios enfrentados, o
que reforça a importância estratégica do conceito da sustentabilidade na organização.
Conclui-se que, de maneira geral, o conceito da sustentabilidade corporativa ainda carece
de uma compreensão apropriada, sendo frequentemente confundido com o conceito da
responsabilidade social. Esse fato impede a sua plena incorporação à estratégia das empresas
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
36 | 54
e estimula a adoção de práticas socioambientais muitas vezes não vinculadas ao negócio,
limitando a concretização dos resultados possíveis.
Capacidade de Implementação
Na discussão sobre a capacidade de implementação da sustentabilidade nas empresas,
foram abordados os elementos que, na visão dos executivos, mais estimulam ou mais
dificultam a adoção do conceito. Busca-se aqui compreender como as estruturas
organizacionais, a consideração de variáveis socioambientais nos processos da companhia, e
as principais características da cultura empresarial podem afetar, positiva ou negativamente, o
avanço da gestão sustentável.
No tocante à influência das estruturas organizacionais sobre o avanço da agenda da
sustentabilidade, destaca-se, em primeiro lugar, a percepção dos executivos de que tais
estruturas, tipicamente pouco hierarquizadas e com equipes dedicadas às questões
socioambientais, favorecem a adoção de práticas de gestão sustentável na companhia. A
utilização de fundações e/ou a terceirização das atividades socioambientais por meio de
associações e sindicatos é geralmente vista pelos executivos do setor como um elemento
positivo para o desenvolvimento da sustentabilidade corporativa. Todavia, essa percepção se
choca com o fato de que o isolamento das questões socioambientais em uma unidade fora do
núcleo gerencial estratégico da organização, por si só, já demonstra a baixa relevância
atribuída a essas questões. Na maior parte dos casos analisados, as estruturas que lidam com
o social e com o ambiental estão em áreas diferentes: a área ambiental procura monitorar
indicadores ligados à utilização de recursos naturais, além de verificar o compliance legal
(reserva legal, consumo de água, energia, gestão de resíduos, etc), ao passo que o social está
focado na assistência às comunidades e apenas começa a olhar para a cadeia produtiva como
um todo. Alguns entrevistados consideram esse um regime transitório, em que uma das
funções da equipe dedicada às atividades socioambientais é a disseminação do conceito pelas
áreas da companhia. Isto seria um caminho natural, à medida que o tema for ganhando
maturidade na organização, embora não tenha sido possível destacar nenhum exemplo de
empresa neste estágio.
Quanto aos processos gerenciais mais relevantes, deve-se ressaltar que não foi possível
identificar com clareza a incorporação plena das questões socioambientais. Elas são
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
37 | 54
consideradas em algumas atividades, mas geralmente como condições impostas à operação
através de leis, pressões da sociedade ou certificados que se tornam necessários. As variáveis
ambientais e sociais monitoradas como, por exemplo, as taxas de reaproveitamento de
recursos hídricos ou o índice de funcionários registrados legalmente, são acompanhadas
pontualmente e, geralmente, não integram metas corporativas. Somando-se a isso a
observação das respostas aos questionários, conclui-se que não há um direcionamento claro
no sentido de identificação de oportunidades a partir da inserção de critérios socioambientais
nos processos gerenciais.
O terceiro elemento de
análise da capacidade de
implementação é a cultura
organizacional, apontada como
importante barreira pelos
respondentes dos
questionários. Do universo de
45 respondentes aos
questionários, 55% fizeram
menção à existência de
barreiras a iniciativas
promotoras da
sustentabilidade. A cultura
organizacional e a mentalidade
gerencial, as quais estão
diretamente ligadas à postura
dos executivos, foram as mais citadas, representando juntas 45% das respostas.
Marcada pelo tradicionalismo e por uma visão voltada para dentro, a cultura organizacional
mostra-se como um obstáculo ao avanço da sustentabilidade corporativa em duas vertentes
básicas: (i) a pouca atenção às questões de sustentabilidade na cadeia de valor e (ii) as fracas
práticas de comunicação e prestação de contas.
Apesar de conscientes das conseqüências que problemas na cadeia de valor podem trazer
ao seu negócio, os executivos do setor tendem, de forma geral, a minimizar esse tipo de
N=60
17%
13%
12%18%
28%
2%
5% 5%
Mentalidade gerencialFalta de conhecimento / expertise gerencialRegulação (ex. subsídios, baixo padrão ambiental / social)Ausência de ferramentas e processos apropriadosCultura organizacionalOposição ou falta de interesse por parte dos investidoresFalta de interesse dos clientesOutros
Figura 22 – Principais barreiras para iniciativas de sustentabilidade
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
38 | 54
questão, colocando-se de forma reativa e, no máximo, demonstrando apenas um início de
atuação junto aos elos da cadeia. Alguns grupos adotam práticas como a capacitação e apoio à
organização estruturada de seus fornecedores, outros procuram incluir cláusulas contratuais
voltadas ao estímulo de boas práticas trabalhistas, mas são claras exceções no mercado.
A outra vertente da cultura organizacional – a comunicação externa – foi também um
aspecto muito abordado nas entrevistas. Os executivos reconhecem suas deficiências,
principalmente no que se refere à divulgação plena e à prestação de contas de suas atividades.
Quando mencionado, esse item foi sempre destacado como um dos pontos fracos da
companhia, o que está alinhado com a análise prévia do setor, realizada com base em dados
públicos: as práticas de prestação
de contas estão muito aquém do
que se espera de grandes grupos
empresariais (ver Figura 20 –
Práticas de divulgação das
informações nas usinas). A
relevância dada às deficiências na
comunicação é também reforçada
pelos questionários: quando
perguntados sobre as ações que
poderiam melhorar o relacionamento
com os stakeholders, destacou-se a
maior transparência como aquela
potencialmente mais eficiente. O diálogo com a sociedade ocorre de forma limitada e
geralmente reativa. Apenas um dos grupos entrevistados mencionou, por exemplo, a prática de
realização de audiências públicas, com a participação das comunidades locais, por ocasião da
inauguração de uma nova unidade produtiva.
Dessa forma, pode-se afirmar que os aspectos relacionados a estruturas organizacionais,
processos e cultura ainda representam barreiras ao avanço da sustentabilidade corporativa
neste setor. Há um intenso trabalho a ser realizado para que as barreiras identificadas,
principalmente de cunho estrutural, sejam superadas de forma a se transformarem em
alavancadores dessa nova abordagem.
Maior transparência (ex: relatórios)
75%
21%4% 0%
Muito eficiente Relativamenteeficiente
Poucoeficiente
Nada eficiente
Figura 23 – Quão eficiente a maior transparência pode ser para
melhorar as relações de sua empresa com os stakeholders
N=28
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
39 | 54
Alinhamento das diversas áreas da organização
O nível de alinhamento entre as
áreas da organização é dado
importante para a compreensão
sobre o avanço da companhia na
direção de uma gestão baseada no
conceito da sustentabilidade. A
partir das entrevistas, identificou-se
um bom nível de alinhamento entre
as percepções dos executivos,
principalmente naqueles grupos em
que o conceito se encontra mais
amplamente incorporado. As
questões e desafios apontados por diferentes entrevistados mantiveram-se alinhados entre
executivos da mesma empresa. Os cinco desafios mais destacados estão relacionados
diretamente à mudança de cultura e práticas de comunicação interna (1 e 5), às práticas de
comunicação externa e prestação de
contas (4) e à preparação para o
crescimento em face das oportunidades
vislumbradas (2 e 3), o que reforça os
pontos identificados nas seções
anteriores.
Analisando-se os questionários
respondidos, as constatações vão além
do alinhamento de percepções dos
executivos, voltando-se mais para
características organizacionais. As áreas
apontadas como aquelas com maior
potencial para a promoção da
sustentabilidade foram a área corporativa,
certamente por esta ter como papel o
N=45
19%
13%
24%10%
30%
4%
P&D
Marketing / Vendas
Produção
Financeiro / Controladoria
RH e área corporativa
Outros
Figura 25 – Áreas com maior propensão à promoção da
sustentabilidade na empresa
Análise FBDS
Figura 24 – Sustentabilidade na visão dos executivos
Os 5 principais desafios para a sustentabilidade no setor sucroalcooleiro:
1. Disseminar e incorporar estrategicamente o conceito da sustentabilidade corporativa
2. Alinhar as questões socioambientais ao processo de crescimento
3. Formar e capacitar mão-de-obra especializada para o setor
4. Sensibilizar a sociedade para as boas práticas do setor5. Agir proativamente sobre questões da sustentabilidade
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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direcionamento estratégico e a definição de diretrizes da organização, e a área de produção,
provavelmente pelo fato dos processos industriais apresentarem impacto direto nas dimensões
ambiental e econômico-financeira. Tais informações destacam a relevância desses dois
agentes na companhia e sugerem que as premiações e cobranças recaiam também de forma
mais intensa sobre eles.
De forma complementar, os respondentes foram solicitados a apontar, dentre as mesmas
áreas, aquelas que apresentam as maiores
barreiras às questões de sustentabilidade, o que
levou ao destaque de novas questões. Dentre os
respondentes, a área operacional foi, de fato,
apontada como aquela que oferece maiores
barreiras, o que parece confirmar a relevância
desta unidade na implementação da
sustentabilidade. Um elevado número de respostas
foi também atribuído à opção “outras áreas”, onde
grande parte dos respondentes destacou a
presidência/alta gestão das companhias, chegando
a representar 20% do total de respostas. Essa
constatação está alinhada com as questões
relativas à cultura organizacional, levantadas
anteriormente, e que foram o principal aspecto
destacado pelos respondentes quando
questionados sobre as barreiras para iniciativas de
sustentabilidade nas empresas (vide Figura 22 –
Principais barreiras para iniciativas de
sustentabilidade).
A identificação da liderança como barreira à sustentabilidade pode estar associada a outro
aspecto muito abordado nas entrevistas e ressaltado nas seções anteriores: as fracas práticas
de comunicação. A análise com foco no setor leva à conclusão de que esse é um dos aspectos
a serem desenvolvidos nas empresas, na busca de um melhor posicionamento frente à
sociedade civil e à competição aberta em mercados internacionais.
N=356%3%
25%
19%6%
20%
6%
6%
9%
40%
P&D
Marketing/Vendas
Produção
Financeiro/Controladoria
RH e área corporativa
Presidência/alta gestão
Cultura geral
Prestadores de serviço
Não há barreiras
Outros:
N=356%3%
25%
19%6%
20%
6%
6%
9%
40%
P&D
Marketing/Vendas
Produção
Financeiro/Controladoria
RH e área corporativa
Presidência/alta gestão
Cultura geral
Prestadores de serviço
Não há barreiras
Outros:
Figura 26 – Áreas com maiores barreiras às
ações de sustentabilidade
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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A combinação dessas informações reforça a importância do papel das lideranças na
promoção da sustentabilidade no setor. Qualquer processo de mudança cultural envolvendo
pensamento estratégico e visão de longo prazo – como requer a incorporação da
sustentabilidade corporativa – demanda o forte engajamento da cúpula gerencial da
companhia. Sem esta condição, o avanço do setor nesta direção ficaria limitado e fadado ao
insucesso ou a uma mudança radical por reação a forças externas, tais como consumidores,
investidores ou concorrentes.
Utilização de ferramentas gerenciais
O uso de ferramentas gerenciais adequadas demonstra o engajamento das organizações
no sentido da incorporação da
sustentabilidade, uma vez que
estimula a institucionalização
dos valores e práticas nas
atividades diárias da empresa.
Nesse sentido, os executivos
citaram a formação de comitês
e a busca de certificações
como as principais ferramentas
adotadas, informação
corroborada pelos
questionários.
De fato, a utilização de
comitês, de caráter temporário
ou duradouro, geralmente
multidisciplinares, é uma
prática comum no setor. Muitos
desses comitês são dedicados
a questões socioambientais
específicas impostas por leis,
pelo mercado consumidor ou
mesmo por um direcionamento estratégico da organização, e fazem com que os seus
N=44
15,9%
27,3%
31,8%
31,8%
40,9%
50,0%
56,8%
72,7%
0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0%
Valores corporativos, políticas e normas
Comitês coordenadores em nível corporativo
Ferramentas para alocação de recursos
Planejamento estratégico e procedimentos contábeis
Ferramentas para aumentar a transparência
Forças-tarefa para a resolução de conflitos e incentivo a melhorias
Desenvolvimento de executivos
Sistemas de premiação e punição
Figura 27 – Ferramentas gerenciais utilizadas
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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integrantes levem o conhecimento adquirido às suas áreas, muitas vezes incorporando novas
práticas nas suas atividades. Assim, essa ferramenta tem um efeito positivo e informal sobre a
comunicação interna na companhia, ao menos nos níveis gerenciais mais altos.
A baixa adoção dos itens desenvolvimento de executivos e sistemas de premiação e
punição remete à questão, identificada nas seções anteriores, sobre as barreiras criadas pela
presidência e alta gerência às ações de sustentabilidade. Tais ferramentas seriam exemplos
pelos quais se poderia mitigar o tipo de postura apontada pelos respondentes dos
questionários.
Observa-se ainda que, apesar de apenas três ferramentas serem apontadas em mais de
50% dos casos, há um esforço crescente de adoção de ferramentas de gestão incorporando as
questões socioambientais. Por exemplo, uma das ferramentas consideradas mais
emblemáticas na gestão sustentável – um sistema de remuneração variável utilizando métricas
socioambientais mescladas com resultados financeiros – já é adotada por uma das empresas
mapeadas, ao passo que algumas das demais demonstraram intenção no mesmo sentido.
As certificações socioambientais ou de qualidade, amplamente adotadas no mercado e
muito citadas nas entrevistas, são uma forma eficaz de comunicação com públicos externos,
muito embora não sejam suficientes para a relação de uma empresa com seus stakeholders.
Muitos dos executivos levantaram a discussão sobre o que seria mais importante sob o prisma
da sustentabilidade: fazer a coisa certa ou divulgar o que se está fazendo. Alguns grupos que
já possuem certificações destacaram a rapidez com que foram obtidas, em função das boas
práticas socioambientais que já eram adotadas anteriormente. Outros, que afirmam estar
atuando de acordo com os critérios de várias certificações, se queixam da quantidade de
recursos – financeiros e humanos – envolvidos na obtenção e na renovação desses
certificados.
Sob a ótica de negócios, é importante ressaltar que a sustentabilidade corporativa não trata
de intenções, mas de resultados, premiando as práticas que têm como conseqüência um valor
mais perene para a companhia. Nesse sentido, a divulgação de resultados e a prestação de
contas aos públicos externos são ferramentas que agregam valor à corporação a partir do
momento em que tornam claras às partes interessadas as regras e padrões seguidos pela
companhia, reduzindo pressões e atritos desnecessários e facilitando o mapeamento de riscos
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
43 | 54
e oportunidades. Ou seja, a prestação de contas não deveria ser tratada de forma diferenciada:
ela é uma das práticas para a sustentabilidade, assim como a preservação dos ecossistemas e
garantia de condições de trabalho justas. Num setor de grande e crescente exposição, em
âmbito mundial, a obtenção de certificados e a evolução das atividades de prestação de contas
tendem a agregar alto valor ao negócio, possivelmente se estabelecendo como uma condição
necessária, mas não suficiente, à manutenção do nível de competitividade.
Nesse sentido, além das certificações de mercado, vale mencionar o esforço que algumas
usinas fizeram, sob a orientação e coordenação da UNICA, na adoção dos Indicadores Ethos
como fonte de auto-conhecimento e, em uma agenda futura, de melhoria de desempenho na
agenda da sustentabilidade. Essa iniciativa traz uma nova visão às empresas do setor e
possibilita um nivelamento das organizações e de suas práticas.
Peculiaridades nacionais e setoriais
As características do país e do próprio ramo de atuação são parte dos determinantes do
contexto no qual se inserem os desafios de sustentabilidade do setor. Pode-se destacar, como
importantes características atuais da atividade sucroalcooleira brasileira na agenda da
sustentabilidade, os seguintes pontos: (i) a intensidade de uso de recursos naturais e sociais;
(ii) o diferencial competitivo brasileiro por condições climáticas e pela experiência adquirida do
setor; e (iii) o movimento de consolidação, expansão e entrada de novos players no mercado.
O uso intensivo de recursos é um atributo inerente à própria atividade e faz parte da cultura
secular dessa indústria no Brasil. A proximidade geográfica necessária levou ao
estabelecimento de uma relação de mutualismo entre a fazenda, a usina e as comunidades de
entorno. Em função disso, o setor atingiu ampla experiência em ações socioambientais, mais
de caráter compensatório do que de sustentabilidade. Hoje em dia, tal atuação é reforçada
pelas exigências legais, com regras e metas estabelecidas para questões que se tornaram
polêmicas ao longo do tempo, como as queimadas e as condições de trabalho e emprego em
toda a cadeia de valor. A regulação ocupa a atenção dos executivos, dividindo opiniões sobre
seu efeito no avanço da sustentabilidade. Ora é interpretada como barreira, quando as leis são
impostas de forma indiscriminada e descolada da realidade, ao invés de passar por adaptações
às características locais e históricas; ora é tratada como uma oportunidade, por exigir avanços
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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significativos nas práticas e por abordar, ainda que de forma ampla, os interesses da sociedade
civil e do mercado consumidor.
Outra característica importante, o diferencial competitivo do setor com relação às
alternativas internacionais, surgiu da ênfase atribuída às atividades de núcleos comuns como a
UNICA e o CTC, que geram benefícios para uma ampla gama de empresas e ajudam no
estabelecimento de padrões competitivos, bases de comparação e metas de desenvolvimento.
É notória a percepção dos executivos sobre a importância da existência e progresso dessas
entidades, no intuito de manter boas práticas já adquiridas, principalmente nas áreas agrícola e
industrial, ou de estimular aquelas em formação, nas áreas social e ambiental.
Por fim, o movimento de consolidação do setor, relacionado principalmente à tendência de
expansão do mercado mundial de etanol, destaca-se nas discussões com os executivos. Foi
opinião unânime dos entrevistados que essa mudança estrutural tende a favorecer o
desenvolvimento do conceito da sustentabilidade, pela maior cobrança imposta pelos
consumidores externos e pelo mercado de capitais, tanto de novos acionistas quanto de
financiadores. É esperado que tanto consumidores como investidores venham a atribuir valor e
a premiar as empresas e produtos que incorporem - e evidenciem - as práticas de
sustentabilidade. Hoje, a percepção dos executivos é
que, no mercado interno, esses produtos podem
ganhar em prioridade no consumo, mas não em
margem: “o cliente compra antes, mas não paga mais”.
A ameaça percebida pelos executivos nesse
movimento de consolidação está relacionada com a
intensidade dos movimentos de crescimento por
fusões e aquisições. Extremamente estigmatizado, o
setor vive hoje sob a pressão da mídia e da sociedade
que tendem a tratá-lo, de forma indiscriminada, como
grande vilão ligado a escândalos socioambientais.
Exceções ou não, os casos de abusos acabam sendo
tratados como padrão do setor, atingindo culpados e inocentes. Assim, as posturas
oportunistas são vistas com extrema preocupação pelos executivos, os quais temem que o
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Figura 28 – Como os mercados de capitais
reagirão às ações socioambientais
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
45 | 54
crescimento desestruturado de alguns venha a denegrir a imagem de todos, transformando a
opinião predominante na sociedade em uma profecia auto-realizável no setor.
Conclusões e Agenda Futura para a Sustentabilidade no Setor
Por meio das entrevistas e questionários aplicados junto a executivos do setor
sucroalcooleiro brasileiro, foi possível realizar uma análise abrangente sobre a compreensão e
o nível de aplicação do conceito da sustentabilidade corporativa entre as empresas envolvidas.
Nota-se que, apesar deste termo ser amplamente utilizado, o conceito ainda não é
homogeneamente compreendido entre os vários grupos do mercado, havendo confusões, por
exemplo, entre as definições de responsabilidade social e sustentabilidade corporativa. As
diferenças são ainda maiores quando se avalia o grau de adoção do conceito nessas
empresas.
O retrato do setor, elaborado a partir dos dados levantados, revela, inicialmente, diferentes
elementos motivadores para a adoção das boas práticas. Aspectos ligados à cultura
organizacional, refletidos no conjunto missão/ visão/ valores, remetem ao tradicionalismo das
empresas e parecem reforçar as ações assistencialistas e de responsabilidade socioambiental.
A pressão da sociedade em geral e de outros stakeholders específicos, tais como mídia,
ONGs, etc, aparece como característica mais forte nos grupos com postura mais reativa e
menos engajados na adoção da sustentabilidade. Ao mesmo tempo, a motivação pela
identificação de oportunidades de mercado se destaca nos grupos que apresentam a
compreensão mais clara do conceito e que aparentam maior avanço na sua incorporação à
estratégia de negócios.
Ligada basicamente às estruturas organizacionais, aos processos e à cultura corporativa, a
capacidade de implementação observada também varia entre as empresas. Em primeiro lugar,
nota-se que as estruturas organizacionais simples, pouco hierarquizadas, que parecem
favorecer a maior incorporação da sustentabilidade têm um viés negativo na medida em que
isolam as questões socioambientais do núcleo estratégico da empresa. Em segundo lugar, a
incorporação de variáveis socioambientais nos processos gerenciais da companhia ainda
ocorre de forma pontual, sem relacionamento claro com os resultados corporativos, os quais
são geralmente medidos apenas sob a ótica financeira. Por fim, a cultura organizacional
predominante estimula as fracas práticas de comunicação, em diferentes níveis de intensidade,
Sustentabilidade Corporativa no Setor Sucroalcooleiro
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tanto no âmbito interno como externo, dificultando sensivelmente o relacionamento com os
diversos stakeholders e o reconhecimento pela sociedade dos avanços do setor na adoção das
boas práticas.
Dentro das organizações, pode-se identificar algumas questões relacionadas ao
alinhamento das áreas. Notadamente, a alta gerência aparece como uma das áreas que
apresenta as maiores barreiras para as ações de sustentabilidade. Alinhada com as questões
relacionadas à cultura organizacional, essa informação estimula o questionamento sobre a
baixa adoção de treinamentos para a alta gerência e de remunerações variáveis com a
incorporação de aspectos socioambientais, as quais poderiam estimular o maior engajamento
dos altos níveis hierárquicos das empresas. Ao contrário, a ferramenta mais adotada é o
próprio conjunto de valores corporativos, políticas e normas.
Ferramentas também bastante disseminadas no setor são a formação de comitês
coordenadores e a obtenção de certificados. Estas estão alinhadas com o momento de intensa
mudança do setor, marcado pela consolidação dos grupos, a internacionalização das
atividades e a maior adesão ao mercado de capitais. Tais ferramentas oferecem,
respectivamente, maior sistematização na resolução de problemas e maior aceitação por parte
de novos mercados, contribuindo positivamente para o início de uma estratégia de crescimento
sustentável.
Diante desse cenário, é possível elaborar sobre a agenda futura do setor para a adoção das
melhores práticas e a maior sustentabilidade dos negócios. Pode-se dizer que as melhores
práticas nos aspectos sociais e ambientais já foram identificadas pelo setor como um todo,
muito embora ainda não sejam amplamente adotadas. Ou seja, a solução para a maioria das
questões ligadas a essas áreas já está disponível, cabendo às organizações decidirem
estrategicamente o melhor momento de incorporá-la, em função das suas forças motivadoras
ou restritivas. Com isso, os itens da agenda futura tendem a incorporar os desafios mais
próximos às práticas de gestão e ao posicionamento estratégico.
Em primeiro lugar, destaca-se o aspecto da cultura organizacional, com a maior
incorporação do conceito da sustentabilidade no núcleo da estratégia corporativa, de forma a
permear todas as áreas da companhia. A partir da plena compreensão e adoção da
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sustentabilidade como um valor verdadeiramente institucionalizado é que as companhias
poderão se aproveitar, de forma ampla, das oportunidades de mercado a ela associadas.
Em segundo lugar, surgem as questões relativas à comunicação, nos âmbitos interno e
externo à companhia, e à prestação de contas. Essa abordagem visa amenizar a visão
preconceituosa que o mercado e a sociedade civil têm do setor, não apenas ressaltando os
aspectos positivos e boas práticas, já alcançados ou em evolução, mas também
proporcionando o estabelecimento de uma plataforma de apoio mais segura para o setor no
sentido da sua expansão e competição internacional. A maior prestação de contas e o
estabelecimento de vias de comunicação bidirecionais com a sociedade podem estimular a sua
aproximação com o setor, rompendo os estereótipos e promovendo um círculo virtuoso de
desenvolvimento sustentável.
Por último, inclui-se na agenda futura a perspectiva de incremento nas ações conjuntas do
setor, extrapolando-se as atividades desempenhadas pelas entidades regionalizadas como o
CTC, a UNICA ou o Sindaçúcar, para um âmbito verdadeiramente setorial, nacional. Há, entre
os executivos, uma percepção ainda incipiente de que as vantagens competitivas obtidas, em
termos de custos, produtividade e diferenciação, só poderão ser sustentadas no longo prazo
por meio de constantes avanços e investimentos em pesquisa e desenvolvimento nas vertentes
tecnológica, social e ambiental. A boa convivência do setor com esses elementos, todos eles
intensamente ligados à atuação sucroalcooleira, é condição sine qua non à perenidade das
empresas.
Finalmente, a pesquisa se conclui com a percepção de que existe um business case para a
sustentabilidade corporativa, porém não amplamente verificado no setor, mas específico à
empresa. Em outras palavras, há geração de valor a partir de uma atuação embasada nas
melhores práticas socioambientais e de governança corporativa. Para algumas organizações,
essas oportunidades já vêm se desenhando de forma bastante clara e os resultados se tornam,
a cada dia, mais diretamente tangíveis. Para a maioria, no entanto, a má interpretação do
conceito dificulta a identificação das oportunidades, impedindo a incorporação do valor
associado. Assim, conclui-se que o desenvolvimento do business case para a sustentabilidade
é plenamente realizável no setor sucroalcooleiro brasileiro, mas depende diretamente da
atuação pró-ativa da empresa.
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Anexos
I - Metodologia da Pesquisa
A metodologia desta pesquisa foi concebida em 2002 pelo Forum for Corporate
Sustainability Management – CSM do International Institute for Management Development –
IMD. A descrição da metodologia está dividida em quatro partes: amostra da pesquisa, fonte e
coleta de dados, tratamento de dados e limitações do método.
Amostra da Pesquisa
A amostra da pesquisa envolveu 11 dos principais grupos produtores nacionais, atingindo
um total de 25% da capacidade produtiva nacional, segundo os rankings disponibilizados pela
UNICA e pelo SINDAÇÚCAR-AL, referentes à safra 2006/2007. Essas instituições tiveram
papel importante no acesso aos executivos, o que foi critério limitante para a realização da
pesquisa. A escolha dos grupos foi afetada fortemente pela acessibilidade e pela
disponibilidade dos executivos, chegando-se ao seguinte conjunto: Grupo Carlos Lyra, Grupo
Cosan, Açúcar Guarani, Grupo João Lyra, Native Alimentos, Nova América, Grupo B5 (usina
Santa Elisa), Usina São Manoel, Grupo São Martinho27, Grupo Tércio Wanderley (usina
Coruripe), Grupo Zilor. A essas empresas, foi adicionado o grupo Brenco, caracterizado como
um novo entrante no mercado, com estrutura de capital baseada em investidores estrangeiros.
Além dessas empresas, ligadas à atividade produtiva, foram incluídas também quatro
instituições relacionadas, de grande relevância para o setor: o BNDES, o CTC (Centro de
Tecnologia Canavieira), o SINDAÇÚCAR-AL (Sindicato do Açúcar e do Álcool do Estado de
Alagoas) e a UNICA (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo).
27 O Grupo São Martinho não participou da etapa de entrevistas e questionários
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Fonte e Coleta de Dados
A pesquisa envolveu duas etapas de trabalho. A primeira, baseada no levantamento de
dados públicos sobre as usinas, teve como objetivo identificar as principais práticas do setor
para a sustentabilidade corporativa. Nesse sentido, foram analisadas diversas fontes de dados,
como artigos acadêmicos, relatórios de pesquisas,
websites das companhias, notícias de jornal,
informações governamentais, avaliações financeiras
das empresas, entre outras.
A segunda etapa de trabalho baseou-se no
levantamento de dados primários, através de duas
fases subseqüentes: a realização de entrevistas em
profundidade e o preenchimento de questionários
objetivos, ambos seguindo estrutura proposta pelo
CSM/IMD.
As entrevistas tiveram duração aproximada de 45
minutos e foram realizadas por telefone ou
presencialmente com os principais executivos dos
grupos envolvidos, segundo indicação de
interlocutores da própria empresa. Foram
entrevistados no total 35 profissionais de acordo com
a distribuição apresentada na figura, abordando-se
os seguintes tópicos:
� Motivação: conhecimento do conceito, susceptibilidade a pressões externas (ONGs, clientes,
reguladores, mercados de capitais), forças e fraquezas internas e sistema de informações;
� Capacidade de implementação: liderança, alinhamento cultural e organizacional, áreas de
maior ou menor resistência e grau de preponderância de aspectos financeiros em decisões;
� Alinhamento das diversas áreas da organização: visão, impacto e esforço das diversas
áreas da organização em relação à sustentabilidade e identificação de eventual foco de
resistência;
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Figura 29 – Entrevistas realizadas
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� Utilização de ferramentas gerenciais: inclusão da sustentabilidade em ferramentas que
conduzam as estratégias e as avaliações de desempenho da empresa;
� Identificação de peculiaridades no setor de negócios: influência de características setoriais e
nacionais no desenho da sustentabilidade.
A cada entrevistado foi enviado o questionário da
pesquisa, pedindo-lhe que o respondesse e o
encaminhasse a mais 3 pessoas de sua equipe
solicitando o seu preenchimento. Foram obtidos 45
questionários no total, distribuídos entre os grupos
participantes de acordo com o gráfico ao lado.
Foram utilizados dois tipos de questionários:
General Manager (GM) e Sustainability Officers (SO).
Os questionários SO foram encaminhados para as
pessoas das áreas ligadas diretamente à
sustentabilidade, como responsabilidade
socioambiental, responsabilidade social ou
desenvolvimento sustentável. Os questionários GM
foram encaminhados a todos os executivos de outras áreas envolvidos na pesquisa.
Todas as informações obtidas através das fontes de dados primárias foram confrontadas
com as informações divulgadas pelas empresas, principalmente através de seus websites, os
quais são listados abaixo.
Figura 31 – websites das companhias da amostra
Companhia Website Companhia Website
B5 (Santa Elisa) http://www.santaelisa.com.br Nova América http://www.novamerica.com.br
Carlos Lyra http://www.carloslyra.com.br São Manoel http://www.saomanoel.com.br
Cosan http://www.cosan.com.br São Martinho http://www.saomartinho.ind.br
Guarani http://www.guarani.com.br Tércio Wanderley http://www.usinacoruripe.com.br
João Lyra http://www.grupojoaolyra.com.br Zilor http://www.zilor.com.br
Native Alimentos http://www.nativealimentos.com.br
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Figura 30 – Questionários respondidos
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Tratamento dos dados
Todas as entrevistas foram gravadas, com o prévio consentimento dos entrevistados, e
posteriormente transcritas para análise. As entrevistas receberam tratamento estritamente
qualitativo. Os depoimentos dos executivos foram analisados de forma a se entender suas
visões sobre os principais desafios para a sustentabilidade. Esta análise foi apresentada na
seção do relatório intitulada “A Visão dos Executivos Sobre os Desafios para a Sustentabilidade
no Setor Sucroalcooleiro”.
Já os questionários receberam tratamento estatístico descritivo, buscando-se verificar a
ocorrência das percepções obtidas na análise das entrevistas dentre o conjunto de respostas
recebidas. Todos os resultados desta análise estão incluídos no anexo II deste documento.
Os relatórios e websites foram analisados de forma qualitativa, uma vez que foram
encontradas grandes diferenças nas práticas de divulgação de informações.
Limitações do Método
A metodologia da pesquisa possui uma série de limitações que devem ser consideradas na
interpretação dos resultados.
Primeiramente, é importante mencionar que, como toda pesquisa qualitativa, este trabalho
está sujeito a vieses nas respostas dos entrevistados. Estes vieses podem estar relacionados
aos valores individuais e corporativos, à forma como as questões foram compreendidas pelos
executivos, ao momento específico em que a entrevista foi realizada, entre outros.
Em segundo lugar, a composição dos questionários recebidos também possui limitações. A
quantidade de respostas não é suficiente para que se possam realizar análises quantitativas
mais avançadas como a verificação de correlações entre dados. Dessa forma, não é possível
generalizar as respostas para o setor como um todo, devendo-se compreender as análises
como insights sobre ocorrências identificadas na amostra e não como regras estabelecidas.
Quanto à análise dos relatórios e websites, deve-se ressaltar que a divulgação ou não-
divulgação de certo aspecto não necessariamente significa que este existe ou não; ele pode
perfeitamente existir e não ser divulgado publicamente. A falta de divulgação de indicadores
impede que análises mais detalhadas sejam realizadas.
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Referências Bibliográficas
Artigos e Livros
• CAMPBELL, Helen (Coordenação). Estudo de Caso: A Indústria Sucroalcooleira
no Estado de São Paulo. UNIETHOS (2005)
• ELKINGTON, John. Cannibals with forks: the triple Bottom Line of 21st Century
Business. Oxford: Capstone Publishing, 1997.
• Fundação de Desenvolvimento da Unicamp. Estudo sobre as possibilidades e
impactos da produção de grandes quantidades de etanol visando à
substituição parcial de gasolina no mundo. Relatório Final (Dezembro/2005)
• LANKOWSKI, Lecna. Determinants of environmental profit: An analysis of the
firm-level relationship between environmental performance and economic
performance. Helsinki: Helsinki University of Technology (2000)
• MACEDO, Isaías de C. (Organizador). A Energia da Cana-de-Açúcar: Doze
estudos sobre a agroindústria da cana-de-açúcar no Brasil e sua
sustentabilidade. UNICA, 2005.
• MACEDO, Isaías de C.; NOGUEIRA, Luiz. Avaliação da Expansão da Produção
de Etanol no Brasil. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – Brasília, 2004.
• SALZMANN, Oliver. CSM/WWF Research Project: The Business Case for
Sustainability: Utilities Sector Report. Working paper series. Lausanne:
CSM/IMD, 2003. Disponível em: www.businesscaseforsustainability.com.
• SHAPOURI, Hossein; SALASSI, Michael. The Economic Feasibity of Ethanol
Production from Sugar in the United States. USDA (Julho/2006). Disponível em
www.usda.gov.
• SMEETS, E.; JUNGINGER, M.; FAAIJ, A.; WALTER, A.; DOLZAN, P. Sustainability
of Brazilian bio-ethanol. Report: NWS-E-2006-110, ISBN: 90-8672-012-9, 2006.
• STEGER, Ulrich (Editor). The business of Sustainability: building industry cases
for corporate sustainability. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2004.
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• UNICA. Açúcar e Álcool: Responsabilidade Social numa história de
desenvolvimento sustentável. 2004.
• WAGNER, Marcus; SCHALTEGGER, Stefan. The relationship between
environmental and economic performance of firms. Sreener Management
International, 34, 95-108 (2001)
• WECD. Our Common Future (The Bruntland Report). Oxford, N.Y: Oxford
University Press 1997.
Documentação Complementar
• Anuário Exame Agronegócio 2007/2008.
• Prospecto Definitivo de Distribuição Pública Primária e Secundária de Ações
Ordinárias de Emissão da COSAN (2007) – http://www.cosan.com.br/ri
• Prospecto Definitivo de Distribuição Pública Primária e Secundária de Ações
Ordinárias de Emissão da São Martinho (2006) – http://www.saomartinho.ind.br/ri
• Prospecto Preliminar de Distribuição Pública da 1ª Emissão de Debêntures Simples,
Quirografárias, com Garantia Fidejussória, em Série Única da Nova América S.A.
Agroenergia (2007)
http://institucional.novamerica.com.br/institucional/investidores/index.jsp
• Prospecto Definitivo de Oferta Pública de Distribuição Primária de Ações Ordinárias
de Emissão da Guarani (2007) – http://www.acucarguarani.com.br
• Relatório Estatístico da Safra 2005/2006, Sindaçúcar-AL
• UBS/Pactual Investment Research – safra 2005/06 (Dezembro/2006)
• WWF Action for Sustainable Sugar (2005)
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Websites
• Açúcar Guarani – http://www.guarani.com.br
• Bovespa – http://www.bovespa.com.br
• Companhia Açucareira Vale do Rosário – http://www.valedorosario.com.br
• Companhia Energética Santa Elisa – http://www.santaelisa.com.br
• Copersucar – http://www.copersucar.com.br
• Crystalsev – http://www.crystalsev.com.br
• Grupo Carlos Lyra – http://www.carloslyra.com.br
• Grupo Cosan – http://www.cosan.com.br
• Grupo João Lyra – http://www.grupojoaolyra.com.br
• Grupo São Martinho – http://www.saomartinho.ind.br
• Grupo Zilor – http://www.zilor.com.br
• IBGE – http://www.ibge.gov.br
• Ministério da Agricultura – http://www.agricultura.gov.br/
• Native Alimentos – http://www.nativealimentos.com.br/
• Nova América – http://www.novamerica.com.br/
• RFA – http://www.ethanolrfa.org
• Sindaçúcar-AL – http://www.sindacucar-al.com.br
• Sindaçúcar-PE – http://www.sindacucar.com.br
• UNICA – http://www.unica.com.br
• United States Department of Agriculture (USDA) – http://www.usda.gov
• Usina Coruripe (Grupo Tércio Wanderley) – http://www.usinacoruripe.com.br
• Usina Moema – http://www.usmoema.com.br
• Usina São Manoel – http://www.saomanoel.com.br