suyene monteiro da rocha diniz

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1 Fundação Universidade Federal do Tocantins Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Ciências do Ambiente CONHECIMENTO TRADICIONAL INDIGENA E BIODIVERSIDADE BRASILEIRA: OS KRAHÔ. Suyene Monteiro da Rocha Diniz Palmas Janeiro, 2006

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    Fundao Universidade Federal do Tocantins Programa de Ps-Graduao Stricto sensu em Cincias do Ambiente

    CONHECIMENTO TRADICIONAL INDIGENA E BIODIVERSIDADE BRASILEIRA: OS KRAH.

    Suyene Monteiro da Rocha Diniz

    Palmas Janeiro, 2006

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    Fundao Universidade Federal do Tocantins Programa de Ps-Graduao Stricto sensu em Cincias do Ambiente

    CONHECIMENTO TRADICIONAL INDIGENA E BIODIVERSIDADE BRASILEIRA: OS KRAH.

    Suyene Monteiro da Rocha Diniz Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias do Ambiente para obteno de ttulo de Mestre

    Orientador: Prof Dr Odair Giraldin.

    Palmas Janeiro, 2006

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    D585c Diniz, Suyene Monteiro da Rocha Conhecimento tradicional indgena e biodiversidade brasileira: Os

    Krah. / Suyene Monteiro da Rocha Diniz. Palmas : UFT, 2006. 219p.

    Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Tocantins, Curso de Ps-Graduao em Cincia do Ambiente, 2006.

    Orientador: Prof. Dr. Odair Giraldin

    1. Conveno Diversidade Biolgica. 2. Recursos Genticos. 3. Conhecimento Tradicional. I.Ttulo.

    CDU 504

    Bibliotecrio: Paulo Roberto Moreira de Almeida CRB-2 / 1118

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS proibida a reproduo total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violao dos direitos do autor (Lei n 9.610/98) crime estabelecido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

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    Aos meus pais com gratido e reconhecimento, ao meu marido com amor, por fazerem dos meus sonhos, os seus tambm, propiciando que eles se tornassem realidade em nossas vidas.

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    AGRADECIMENTOS

    - Gostaria de agradecer a Deus a ddiva da vida e a faculdade de ter uma famlia to amorosa que ao longo de minha jornada est sempre ao meu lado. Agradeo as conquistas e os desafios que me propiciam ser melhor como ser humano a cada dia.

    - Aos meus irmos por terem compreendido minha ausncia em diversas reunies da famlia. s Avs que tanto vibraram com mais essa conquista em minha vida, e que me incentivaram diversas vezes. Aos meus Tios pela ajuda desde o primeiro projeto para a inscrio no mestrado at os livros para o desenvolvimento do trabalho, pelas conversas longas e produtivas que travamos na construo de meu conhecimento.

    - Ao Prof Dr. Odair Giraldin sou grata pela orientao acadmica deste trabalho. Sua calma e pacincia foram importantes nos caminhos percorridos at a obteno do trabalho final.

    - Foram tantos os amigos, Galileu, Miliana, Luciana, Gustavo, rica, Jailson, Rosana, Arthur, Paulo Beninc, Jos Nicolau muitas foram s ajudas, muitos foram os que passaram a viver comigo as minhas incertezas, os medos, as angustias, a todos sou grata.

    - Aos colegas do Mestrado pelo companheirismo e aprendizado, mas em especial ao Csar companhia constante nesses dois anos, nosso caminho foi longo diversos sorrisos e lgrimas, agradeo os conselhos, a pacincia, a compreenso e principalmente a amizade.

    - Agradeo ao Josu Amorim, pois sua compreenso foi fundamental para que pudesse conciliar trabalho e estudo.

    - No poderia deixar de ofertar o meu obrigada mais que especial a Aline, ao Geraldo que foram mais que amigos foram meus co-orientadores. Ouviram incansavelmente minhas reflexes e meus questionamentos e buscaram comigo as respostas. Caso tenha me esquecido de algum, antecipo minhas desculpas.

    - Aos Krah, sou grata pela forma com que me acolheram, pelo carinho e amizade que recebi. Em especial a Dodanim Krah Pkn por ter gentilmente engrandecido e ampliado meus horizontes no deslinde da dinmica da sociedade Krah.

    - Aos componentes da Kapey quero agradecer pelo apoio neste trabalho.

    - Fernando Schiavinni, obrigada pelo incentivo, apoio e continua troca de informaes.

    - Ao Guilerme Amorim do Ministrio do Meio Ambiente, que to gentilmente atendeu as minhas solicitaes, propiciando-me desenvolver o trabalho com maior clareza e exatido nos propsitos que me firmei, ao nos facultar o acesso ao contrato de utilizao e repartio de benefcios do Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico.

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    SUMRIO

    LISTA DE ABREVIATURA E LISTA DE SIGLAS.......................................................v LISTA DE SIMBOLOS................................................................................................vi RESUMO....................................................................................................................vii ABSTRACT.............................................................................................................. .viii

    INTRODUO..................................... ...................................................................... 9 CAPTULO I - A QUESTO AMBIENTAL NA EVOLUO DO PENSAMENTO POLTICO...................................................................................................................16 1. A poltica e suas nuances.................................................... ..................................16 1.1. O poder...............................................................................................................19 1.2. A Poltica e a Poltica Ambiental........................................................................ 21 2. Gnese da retrica do Desenvolvimento Sustentvel............................................23 3. Surgimento do Conceito de Desenvolvimento Sustentvel...................................28 4. A Eco-92 marco na poltica ambiental mundial.....................................................31 4.1. Conveno sobre Diversidade Biolgica (CDB) e sua aplicabilidade no Brasil...........................................................................................................................35 4.2.O conhecimento das comunidades tradicionais e a CDB...................................40 CAPTULO II REGULAMENTAO DO ACESSO AO CONHECIMENTO TRADICIONAL INDGENA....................................................................................... 49 1.Acesso a Biodiversidade brasileira: caminhos e formulaes ................................54 2. A Medida Provisria n 2186-16/01........................................................................59 2.1. Proteo ao Conhecimento Tradicional Indgena ...............................................62 2.2. Acesso ao conhecimento Tradicional e da Remessa de material gentico ....................................................................................................................................64 2.3. Repartio de benefcios.....................................................................................66 3. Do Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico na Medida Provisria................77 3.1 Anlise dos Decretos regulamentadores do Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico.....................................................................................................................79 3.2. Resolues pertinentes ao conhecimento tradicional editadas pelo CGEN.........................................................................................................................85 3.2.1. Resoluo n 6 de 26.06.2003.........................................................................85 3.2.2. Resoluo n 9 de 18.12.2003.........................................................................89 3.2.3. Resoluo n 11 de 25.03.2004.......................................................................90 3.2.4. Resoluo n 12 de 25.03.2004.......................................................................93 4. Conselho de tica em pesquisa.............................................................................96 5. Do contrato de utilizao do patrimnio gentico e repartio de benefcios registrados no CGEN.................................................................................................98 CAPTULO III - DO CONHECIMENTO TRADICIONAL INDGENA........................104 1. O caso de acesso ao conhecimento tradicional Krah........................................104 1.1. Os Krah...........................................................................................................114 1.2. O saber tradicional e a troca de informaes relacionadas biodiversidade para os Krah...................................................................................................................122 2. O universo das trocas...........................................................................................131 CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................139 REFERNCIAS........................................................................................................146 ANEXOS..................................................................................................................151

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    LISTA DE ABREVIATURA E LISTA DE SIGLAS

    Art. artigo Dec. Decreto CDB Conveno sobre Diversidade Biolgica CEP Comit de tica em pesquisa CGEN Conselho de gesto do Patrimnio Gentico COMARU Cooperativa Mista dos produtores e extrativistas do Rio Iratapuru CONEP Comit Nacional de tica em pesquisa CONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CNS Conselho Nacional de Sade DS Desenvolvimentos Sustentvel ECO- 92 Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento FUNAI Fundao Nacional de Amparo ao ndio IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IFF Empresa Essncias e Fragrncias ltda. MP Medida Provisria ONU Organizao Mundial das Naes Unidas PROBEM Programa Brasileiro de Biologia Molecular para o Uso Sustentvel da Biodiversidade da Amaznia Res. Resoluo UNIFESP Universidade Federal de So Paulo SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente

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    LISTA DE SMBOLOS

    @ arroba pargrafo % por cento

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    RESUMO

    O presente estudo procurou analisar a implementao no Brasil da Conveno sobre Diversidade Biolgica, enfocando os artigos normativos sobre o conhecimento tradicional e do acesso aos recursos genticos e da repartio dos benefcios provenientes da sua utilizao, especificamente a partir da Comunidade Indgena Krah, no Estado do Tocantins, alm da criao do Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico (CGEN) no mbito do Ministrio do Meio Ambiente. Para tal busca descrever e entender a estrutura da poltica, do poder, bem como os caminhos percorridos pelas naes, especialmente o Brasil, na formao da poltica ambiental, para evidenciar o atual estgio dos instrumentos normativos. Entretanto, lacunas se fazem existir entre os textos jurdicos e as realidades diferenciadas das populaes indgenas. Deste modo, este estudo alia instrumentais tericos e metodolgicos da antropologia, das cincias sociais, cincias ambientais e direito para, numa tica interdisciplinar, refletir sobre acesso ao conhecimento tradicional nas Comunidades Krah, destacando as peculiaridades presentes nos sujeitos enquanto portadores de direito da norma. Em concomitncia visa estabelecer parmetros de validade e eficcia da norma no alcance de seus imperativos legais, ou seja, o resguardar da cultura, identidade e estrutura social dos povos indgenas.

    Palavras-chave: Conveno Diversidade Biolgica, recursos genticos, conhecimento tradicional.

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    ASTRACT

    The present study aimed analysis the nationwide enforcement of the Convention on Biological Diversity, address respectively traditional knowledge and access to genetic resources and distribution of the benefits deriving from its utilization, specifically on Krah Indigenous Community, besides the creation inside the Ministry of the Environment of a national competent authority the Genetic Heritage Management Council (CGEN). It searched to describe and understand the policys power structures and the trajectory made by the nations, like a brazilian case, in the environemental politic to express the qualities and status of normatives and juridical skills. However, spaces are existing between juridical texts and the diversity realities of Indians Community. This study unified theoretical and methodological skills from Antropology, Social Sciences, Environemental Science and Juridical Sciences by an interdisciplinarity action to debate about the traditional knowledge and access to genetic resources at Krahs Community. And finally to discuss the relations about law and rights for the persons, like a central subject of the Righs. The text aimed to stablish validity and efficient measures about the law for aid the cultural, identity and social structure rescue of the Indians people.

    Key words: Convention on Biological Diversity, genetic resources, Traditional Knowledge.

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    INTRODUO

    O acesso ao conhecimento tradicional e a biodiversidade.

    O interesse pelo assunto biodiversidade e acesso a conhecimento tradicional surgiu quando, em meados de 2002, meu tio, que j trabalha junto aos Krah a mais de uma dcada, procurou a mim e minha me para nos informar sobre uma coleta de materiais genticos realizada por pesquisadores da UNIFESP junto comunidade indgena citada. Aps a narrativa, nos perquiriu sobre o interesse de trabalharmos de forma dativa, na defesa dos interesses indgenas. De pronto nos interessamos pelo caso e, passamos a estud-lo.

    A busca de material sobre o assunto foi a nossa primeira dificuldade, visto as raras publicaes nessa rea, principalmente na esfera jurdica. O tema foi se tornando cada vez mais intrigante e complexo, dado diversidade de informaes que teramos que buscar, pois, verificamos a necessidade de trazer outros ramos da cincia ao estudo, na busca de no s compreender a abordagem normativa.

    Em 2002, a Universidade Federal do Tocantins, publica o primeiro edital do Mestrado em Cincias do Ambiente. Ao ter notcia do fato pensei em concorrer ao processo seletivo, mas meus estudos estavam ainda no inicio, entendi por salutar procrastinar minha inscrio. J no segundo processo de seleo inscrevi como proposta de estudo o acesso ao conhecimento tradicional relacionado biodiversidade, uma vez que o assunto, alm de ser instigante, tambm relevante para o mundo da cincia, principalmente para o Tocantins, pois estamos inseridos num bioma rico em biodiversidade.

    As primeiras reflexes surgiram no tocante pesquisa e produo de novos medicamentos e cosmticos, os conglomerados industriais tm contribudo para acirrar determinados temas nas discusses sobre a biodiversidade e o meio ambiente. As indstrias tm tido acesso a recursos genticos, e isso levanta inmeras problemticas, entre elas a que se relaciona com os conhecimentos tradicionais dos povos indgenas, o disciplinamento e ordenamento do acesso aos saberes tradicionais.

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    O referencial terico, da pesquisa se torna amplo, uma vez que o assunto acesso ao conhecimento tradicional indgena relacionado biodiversidade, requer as interfaces do Direito, da Antropologia e das Cincias do Ambiente. No h como disciplinar o assunto sem se buscar as estruturas disciplinares de outros ramos da cincia, visto a peculiaridade de que portador o sistema social indgena. O Direito integra essa trade estabelecendo os mecanismos de formao e estruturao da poltica e acaba refletindo na questo social no qual se encontra imerso o indivduo. A Antropologia traz todo o olhar contextualizado e particularista que debrua sobre as comunidades indgenas, auxiliando o operador do direito a entender a dinmica de seus sujeitos de direito. J as Cincias do Ambiente amplia os horizontes humanos na concepo de espao, localizao e contextualizao, permitindo um amadurecimento dos normatizadores quanto necessidade de se preservar o meio ambiente em que esto inseridos, mas no com o intuito de endeusamento da natureza, mas com princpios e conceitos capazes de incutirem no homem uma explorao racional e equilibrada do meio ambiente. nessa miscelnea de valores, princpios, conceitos e estruturas que se faz necessrio refletir o acesso ao conhecimento tradicional indgena relacionado biodiversidade.

    Para maior compreenso, do sujeito de direito (os indgenas) buscamos o significado dos smbolos. Giraldin (2004) cita Descola e a Ecologia Simblica para demonstrar que as relaes dos povos com o meio ambiente simbolicamente referenciada. A partir da proposio da ecologia simblica, Descola apresenta trs modos diferentes de identificao dos elementos do meio ambiente: animismo, totemismo e naturalismo e trs modos diferentes de relao entre os humanos e o meio ambiente: predao, reciprocidade e proteo.

    A abordagem que foi feita pela presente dissertao a da reciprocidade. Sendo essa um meio de relao do homem com o meio ambiente, podemos passar a entender os mecanismos de relao que se estabelece com outras comunidades como forma de se estabelecer uma relao, um vnculo. Mesmo que no se tenha uma equivalncia na relao no que tange a subordinao do que oferta em relao ao que retribui, mas est estabelecida de forma clara a reciprocidade.

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    Utilizamos aqui a noo de campo elaborada por Bourdieu (2000), que se trata de um espao em que as posies dos agentes encontram-se estruturadas, em que os indivduos ocupam seus espaos, estando em constante competio, e cuja estrutura apresentada independe da vontade desses. E nos baseamos nos estudos de Mauss (1975) para a estruturao e concepo do dom, ddiva ou troca, bem como os estudos de Godelier (2001) sobre o dom.

    Traamos o que vem a ser a estrutura estruturada, ou seja, o contexto formado pela sociedade, que possui espaos sociais com posies e estratos definidos, independentes da pessoa (MARTINO, 2003: 28).

    Para avanarmos na estrutura de campo e habitus buscamos a noo de smbolo de Bourdieu, (2000). Para ele o poder simblico no reside nos sistemas simblicos, em forma de uma illocutionary force, mas se define numa relao determinada e por meio desta entre os que exercem o poder e os que lhe esto sujeitos, ou seja, na prpria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crena.

    Na teoria do campo se insere o conceito de habitus que vem a ser a forma pela qual se prtica determinadas aes, que podem ser fruto de uma assimilao de valores impostos pela sociedade ou desenvolvidas de forma individual, a partir das experincias e vivncias pessoais. Tem-se, ento, a estrutura estruturante, que so os valores individuais de cada um, seu modo de agir, entender e se relacionar com a sociedade. Isso reflete nas prticas realizadas pelos indivduos.

    A realidade social fruto das relaes humanas. E essas relaes no se do de forma livre, arbitrria. Ao contrrio, suas condies de existncia so fruto do espao, da geografia, da profisso, da classe social, do grau de instruo, dos interesses diversos (MARTINO, 2003. p. 28).

    O poder simblico , com efeito, esse poder invisvel o qual s pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que no querem saber que lhe esto sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU, 2000:07). Tem a funo de construir a realidade e estabelecer uma ordem, em virtude disso estabelece as funes sociais

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    de cada indivduo. Todavia, tem-se estruturas estruturadas que so as concepes assimiladas pelo indivduo a partir dos valores, conceitos, condutas e posturas sociais permitidas ou rechaadas pela sociedade.

    Levi Strauss, na introduo da obra de Mauss (1975:29) sobre a ddiva, estabelece que os smbolos so mais reais do que aquilo que simbolizam, o significante precede e determina o significado. No o objeto que cria as diferenas, so as diversas lgicas dos domnios da vida social que lhe conferem sentidos diferentes na medida em que se desloca de um para outro e troca de funo e de emprego (GODELIER, 2001:165).

    Quem d, d algo de si. Ao aceitar, aquele que recebe, pelo ato da troca passa, mesmo que momentaneamente, ser um pouco do outro; a ddiva os aproxima, tornando-os semelhantes.

    To prximo da ideologia da generosidade e do altrusmo, o ato de dar, mostra-nos Mauss, no um ato desinteressado. Isso no se limita a prtica dos "chefes". No existe a ddiva sem a expectativa de retribuio. Dar o carter altrustico mistificar a ddiva, por ser ela um ato simultaneamente espontneo e obrigatrio.

    Ao refletir sobre o dom, podemos estabelecer que os atos da troca so concebidos de formas diversas pelas diferentes civilizaes, fatos que nos revelam que trocar mesclar almas, permitir a comunicao entre os homens, a inter-subjetividade, a sociabilidade. Essas regras manifestam-se simultaneamente na moral, na literatura, no direito, na religio, na economia, na poltica, na organizao do parentesco e na esttica de uma sociedade qualquer.

    Mauss (1975: 57) reserva ao potlatch a denominao "prestao total de tipo agonstico", ou seja, implica um desenvolvimento da rivalidade, uma maior institucionalizao da competio, e ainda, no h como os fatos da economia se dissociarem dos do direito.

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    Mauss se ateve em especial a prtica do dom na Polinsia, sobretudo, em funo da noo de mana, que tambm observado em determinadas tribos da Melansia, mas em um contexto de menor desenvolvimento da chefia como instncia centralizadora da vida social. Seu estudo possibilitou comparaes no s entre essas regies prximas, mas tambm do potlatch da costa noroeste americana que apresentaria noes semelhantes, implicando honra, prestgio e autoridade. A no retribuio implica perda do mana.

    No contexto das obrigaes no se trata apenas de dar e de receber. Mauss traz uma terceira vertente, que a obrigao de retribuir. A obrigao de dar a essncia do potlatch1. Um chefe deve dar potlatch, para si mesmo, para o seu filho, para o seu genro ou para a sua filha, para os seus mortos. Pois caso aja em contrrio ele poder vir a perder sua autoridade sobre a tribo, at mesmo sobre a sua famlia, no mantendo sua posio de chefe.

    Na obrigao de receber no h a possibilidade de se recusar uma ddiva. A recusa a um potlatch torna o que negou um vencido. H uma relao de hierarquia e dignidade no dom nas comunidades estudadas por Mauss. A recusa importa na declarao expressa de incapacidade, vislumbrada como humilhao.

    Abster-se de dar, com abster-se de receber faltar a um dever como abster-se de retribuir (MAUSS, 1975:107). Na obrigao de retribuir essa relao deve ser estabelecida de maneira usuria, h que se retribuir o que recebeu de forma digna.

    1 Potlatch a denominao dada por Mauss a "prestao total de tipo agonstico", no contexto das obrigaes no

    se trata apenas de dar, e de receber, traz o autor uma terceira que a obrigao de retribuir. potlatch uma cerimnia praticada entre tribos ndigenas da Amrica do Norte, como os Haida, os Tlingit, os Salish e os Kwakiutl. Tambm h um ritual semelhante na Melansia. Consiste num festejo religioso de homenagem, geralmente envolvendo um banquete de carne de foca ou salmo, seguido por uma renncia a todos os bens materiais acumulados pelo homenageado bens que devem ser entregues a parentes e amigos. A prpria palavra potlatch significa dar, caracterizando o ritual como de oferta de bens e de redistribuio da riqueza. A expectativa do homenageado receber presentes tambm daqueles para os quais deu seus bens, quando for a hora do potlatch destes. O valor e a qualidade dos bens dados como presente so um sinal do prestgio do homenageado. Originalmente o potlatch acontecia somente em certas ocasies da vida dos indgenas, como o nascimento de um filho; mas com a interferncia dos negociantes europeus, os potlaches passaram a ser mais frequentes (pois haviam bens comprados para serem presenteados) e em algumas tribos surgiu uma verdadeira guerra de foras baseada no potlatch. Em alguns casos, os bens eram simplesmente destrudos aps a cerimnia.

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    A presente pesquisa focaliza-se na anlise dos instrumentos normativos vigentes no Brasil que disciplinam o acesso ao conhecimento dos povos indgenas, tendo como ponto de reflexo o caso Krah. Para tal, no primeiro captulo estudos de Bobbio (2000) e Moura (1996) nos auxiliam na estruturao do panorama poltico como forma de demonstrar a evoluo do pensamento poltico, como mecanismo de contextualizao do objeto de nosso estudo. Na anlise da Poltica ambiental, buscou-se salientar a discusso ambiental estabelecida a partir da segunda metade do sculo XX. Para construo de tal referencial terico focalizou-se nas contradies entre racionalidade ecolgica e racionalidade capitalista de Leff (2004) e nas discusses que se deram no cenrio poltico seja nacional ou internacional com a cronologia estabelecida por Camargo (2003) e Llian Duarte (2003). A construo do conceito de desenvolvimento sustentvel fundamentou-se nas contribuies de Sachs (1993; 2002), de Giansanti (1998) e de Capra (2003).

    Para se compreender o estgio atual no qual se encontra a sociedade nacional frente lei de acesso biodiversidade, precisa-se compreender a trajetria realizada pelo pas para o reconhecimento do saber tradicional como mecanismo de manejo ambiental. De acordo com tal intuito o presente trabalho fundamentou-se na pesquisa dos principais eventos ambientais e documentos do sculo passado: Conferncia de Estocolmo, Relatrio Nosso Futuro Comum, Clube de Roma, Relatrio limite do crescimento e Conferncia do Rio de Janeiro.

    E ainda, como o reconhecimento do saber tradicional e o manejo ambiental se do na ECO-92, com a assinatura de diversos pases da Conveno de Diversidade Biolgico, sendo dado grande nfase sobre o texto desta, a fim de demonstrar como a se deu e se concebeu o direito das comunidades tradicionais em relao ao seu saber em face da diversidade biolgica em que esto inseridos.

    O segundo captulo tem o objeto de anlise centrado na forma como foi internalizada pelo Brasil a Conveno. Todavia, antes de narrar esse processo, realizamos uma reflexo do que vem a ser Direito (Lei e Norma) para que se possa entender os mecanismos que foram utilizados pela Poltica Brasileira na normatizao do acesso aos saberes tradicionais. Os estudos de Santilli (2001) e Rocha (2003) so de grande importncia para a compreenso do projeto de

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    normatizao do acesso diversidade biolgica atravs do conhecimento tradicional.

    Como o objeto da pesquisa so os instrumentos normativos que disciplinam o acesso biodiversidade analisamos a Medida Provisria n 2186-16/01, os decretos regulamentadores do Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico, o 3.945 de 28.09.2001, o 4.946 de 31.12.03, o 5.439 de 03.05.2005 e o 5.459 de 07.06. 2005, bem como as resolues do Conselho de Patrimnio Gentico que disciplinam o acesso ao saber tradicional (Resoluo n 6 de 26.06.2003, Resoluo n 9 de 18.12.2003, Resoluo n 11 de 25.03.2004, Resoluo n 12 de 25.03.2004). Para finalizar o captulo, fazemos uma breve abordagem do que vem a ser o Comit de tica em pesquisa, trazendo tambm a anlise de um Contrato de Utilizao e Repartio de Benficos que est registrado no Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico.

    O terceiro captulo, por sua vez, traz o caso de acesso ao conhecimento Krah. Fazemos uma breve exposio da cultura Krah, bem como narramos o caso de acesso a conhecimento tradicional relacionado biodiversidade ocorrido entre os Krah e a UNIFESP. Para suscitar a reflexo sobre a relao de troca das comunidades primitivas como dinmica de interao entre esses e o ambiente, tal fim analisamos as informaes contidas em entrevista com Dodanin Krah Pkn.

    Os esforos empreendidos na construo da dissertao se basearam na anlise dos instrumentos normativos vigentes a partir do seu sujeito de direito, neste caso os povos indgenas.

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    CAPITULO I

    A QUESTO AMBIENTAL NA EVOLUO DO PENSAMENTO POLTICO.

    Para possibilitar um maior entendimento sobre o contedo que estamos nos propondo a desenvolver, a Poltica ambiental, vamos iniciar a explanao com uma breve construo do que vem a ser poltica e seus poderes. Para compreender o ordenamento jurdico que disciplina o acesso ao conhecimento tradicional h que se remontar a sua origem, ou seja, o poder poltico, no ato de disciplinar as relaes sociais.

    1. A poltica e suas nuances.

    O aprofundamento dos estudos e o amadurecimento intelectual do termo Poltica vo se complementando com mais elementos e uma abrangncia mais consistente ao termo. A poltica refere-se a vida na e da cidade (polis), ou seja, todo o conjunto de regras de ordenamento que garantem consensualmente a convivncia, as tomadas de decises pelos cidados por meio de seus representantes no governo.

    O exerccio do viver na cidade e estar sob um conjunto de regras de ordenamento consensual possibilitam vislumbrar instncias e acontecimentos nos quais se manifesta o poder, enquanto elemento de disputa dos grupos socialmente divididos tendo seus representantes na arena poltica, enquanto um de seus possveis cenrios de encontro e confronto. A organizao consciente dos grupos e sua contnua articulao permitem os embates pela conquista do poder. Os grupos que se mantm nos poderes constitudos possuem comunidades hegemnicas fortes de sustentao. Com isso, o fazer poltica estar participando da arena dos embates sociais.

    A poltica se manifesta como a atividade pela qual a sociedade reflexiona e questiona a validade de suas instituies, com suas normas e comportamentos. Os

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    grupos se organizam em luta pelo campo do poder. De um lado os representantes dos dominantes-hegemnicos e, do outro, os subordinados. (ABAD, 2002).

    A lngua inglesa traz alguns sentidos de poltica que na lngua portuguesa torna-se difcil perceber, porque est tudo embutido na mesma palavra. Em ingls, politics a poltica que se expressa nas relaes de luta pelo poder e a busca de acordos de governabilidade. O outro termo que tambm se refere a poltica policy, todavia, no sentido de programa de ao governamental (WEBSTER, 2000). Uma racionalidade poltica implica, com isso, em um projeto poltico de desenvolvimento de um governo (por sua vez, do grupo dominante que ocupa o poder governamental).

    Esse projeto poltico deve responder as demandas e interesses da populao. Para tal obteno devero estar disponveis: recursos tcnicos, materiais, econmicos e humanos. Essa racionalidade implica em analisar gastos, custos e benefcios, articulando-se com grupos no hegemnicos e buscando, pelo menos, o desenvolvimento institucional da sociedade. Junto a esta racionalidade poltica o contexto internacional acaba tendo um peso forte, pois pactos e alianas acabam sendo realizados.

    A poltica e a civilidade ficam sob a guarda do Estado, havendo todo um conjunto de normativas reguladoras para as relaes sociais (uma cidadania, por exemplo, que se faz representar pela igualdade jurdica). As pessoas so iguais perante a lei e unicamente perante a lei, porque a cidadania consiste em instrumento criado pelo capitalismo para compensar a desigualdade social, isto , a situao em que alguns acumulam riquezas, acumulam propriedades, enquanto outros, no. No existe cidadania sem garantia de direitos e nem sem igualdade jurdica.

    Dessa forma, ao focalizar a tipologia do Estado de direito democrtico2 logra-se perceber que embates e conquistas histricas foram efetuados para

    2 A doutrina do Estado possui diversas classificaes quanto a forma de governo: a de Aristteles, a de

    Maquiavel e de Montesquieu. A classificao aristotlica dividia-se em trs Monarquia, Aristocracia e

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    sua instalao, colocando em movimento tambm o prprio conceito de poltica.

    Sendo o Estado uma organizao jurdica precria, mutvel3, destinada a realizar os fins dos nacionais, como tal deve reger-se pela vontade soberana da nao. O detentor do poder poltico tem como funo atingir os interesses sociais, bem como desenvolver a sociedade em seus eixos scio-econmico-cultural de forma ordenada. O poder do povo e outorgado aos representantes que so eleitos para que organizem aes positivas no sentido de realizar o bem estar social. Todavia, o tomador de decises no se imbui da funo que exerce como representante popular e passa a buscar interesses particularizados que o desviam de sua funo original (MOURA, 1996:32).

    Fazer poltica, ento, na sociedade contempornea, pode significar inmeros posicionamentos e defesas tericas, mas como pano de fundo, ainda continua imperando a necessidade de alguns grupos sociais se manterem sobre os outros no

    Democracia sendo que suas formas impuras de governo respectivamente so a Tirania, a Oligarquia e a Demagogia. J Maquiavel estabelecia as forma de governo em termos dualistas: uma parte a monarquia, o poder singular e de outra parte a Repblica ou poder plural. E Montesquieu enumera em sua obra Esprito das Leis, as formas de governo como: repblica, monarquia e despotismo. O Brasil de uma Democracia Social (promover justia social, promovendo o bem de todos e erradicando a pobreza, com diminuio das desigualdades), participativa (caminha para democracia semi-direta) e pluralista (pluralismo poltico). O Estado Democrtico de Direito rene os princpios do Estado Democrtico e do Estado de Direito, no como simples reunio formal dos respectivos elementos, revela um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um componente revolucionrio de transformao do status quo.Podemos conceituar a democracia como um processo de convivncia social em que o poder emana do povo, h de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo. A democracia no necessita de pressupostos especiais; basta a existncia de uma sociedade; se seu governo emana do povo, democracia; se no, no o . A Constituio estrutura um regime democrtico consubstanciando esses objetivos de igualizao por via dos direitos sociais e da universalizao de prestaes sociais; a democratizao dessas prestaes, ou seja, a estrutura de modos democrticos, constitui fundamento do Estado Democrtico de Direito. A doutrina afirma que a democracia repousa sobre trs princpios fundamentais: o princpio da maioria, o princpio da igualdade e o princpio da liberdade; em verdade, repousa sobre dois princpios fundamentais, que lhe do a essncia conceitual: o da soberania popular, segundo o qual o povo a nica fonte do poder, que se exprime pela regra de que todo o poder emana do povo; a participao, direta e indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva expresso da vontade popular; nos casos em que a participao indireta, surge um princpio derivado ou secundrio: o da representao; Igualdade e Liberdade, tambm, no so princpios, mas valores democrticos, no sentido que a democracia constitui instrumento de sua realizao no plano prtico; a igualdade valor fundante da democracia, no igualdade formal, mas a substancial. 3 Pessoa Jurdica de Direito Pblico Estado sua existncia tem uma razo histrica, sua criao

    constitucional, parte de uma necessidade social.O animus de constituir um corpo social diferente dos membros integrantes fundamental para que o Estado exista, todavia, a roupagem que possui atributo nico e exclusivo dos indivduos integrantes do Estado, em funo disso diz-se que a sua estrutura precria e mutvel.

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    cenrio da polis/urbes/cidade e com a extenso para os grupos sociais que passaram tambm a ter influncia direta dos grandes ncleos de disputa pelo poder.

    Ento, ao poder nesse quadro de acercamento sobre a poltica, tem-se a idia de que ele traz consigo a prtica de submisso (a imagem da relao entre dois indivduos, sendo que um impe ao outro a sua vontade e lhe determina certo comportamento), uma noo que carrega a sujeio do indivduo. Conforme Bobbio (2000) para que se exera o poder, o detentor dele h que possuir os meios para sua realizao.

    1.1. O poder

    O poder algo inerente natureza humana, tanto como ato ou como potencial. Essa capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos, como demarca Bobbio (2000, 933) designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Ele existe em diversos graus e pode ser exercido por vrios meios e agir sobre infindveis objetos. Bobbio nos traz a seguinte classificao para o poder: o poder econmico, poder ideolgico e o poder poltico. O primeiro se sustenta na posse de certos bens. Na posse dos meios de produo reside uma enorme fonte de poder. J o segundo se baseia na influncia que as idias formuladas e expressas em determinadas circunstncias por indivduo (ou grupo- classe) investido de algum tipo de autoridade interfere no comportamento social. O poder qualificado como poltico refere-se ao poder do homem sobre o homem. Baseia-se na posse de instrumentos mediante os quais se exerce a fora fsica, o poder coercitivo no sentido mais e estrito da palavra.

    O elemento diferenciador entre as formas de poder e o poder poltico a ao de recorrncia fora4 como arbitro na composio dos conflitos e impasses. Tal

    4 A recorrncia fora nos remete ao uso da violncia, mas esta ltima entendida no como um ato isolado,

    psicologizado pelo descontrole, pela doena, pela patologia, mas como um desencadear de relaes que envolvem a cultura, o imaginrio, as normas, o processo civilizatrio dos grupos e coletividades que compem o todo social. A relao poder e violncia a partir da contribuio de Foucault (1979, 2001) conduzem-nos a perceber que alm dos mecanismos de vigilncia, recluso e punio sistematizada pela burguesia e o modo de produo capitalista na sociedade moderna, ao redor da submisso do corpo (escolas, prises, hospitais, lugares de trabalho), ela se faz presente tambm na definio e controle dos indivduos no tempo social, por meio dos

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    uso no suficiente para a existncia do poder poltico. O que diferencia o poder poltico o uso da fora em relao totalidade dos grupos que atuam num determinado contexto social e histrico.

    Localizando a Poltica nesse prisma, pode-se perceber que ela no possui fins estabelecidos. Muito menos um fim que compreenda a todos e que possa ser considerado como verdadeiro. Os fins da Poltica so tantos quantos forem as metas que um grupo organizado se prope, de acordo com o tempo e as circunstncias.

    No prisma sociolgico, as teorias de Max Weber e recompiladas por Bobbio (2000, 940) continuam esclarecedoras sobre as tipologias do poder, ou seja, o poder tradicional, poder carismtico e poder legal.

    O poder tradicional se estrutura na concepo sacrilegada, sendo sua fonte a tradio que impe vnculos aos sditos em relao a seu senhor. J o poder carismtico se baseia na dedicao afetiva a pessoa do chefe e ao carter sacro, ao valor exemplar ou ao poder do esprito e da palavra que se destacam de modo especial. O poder legal caracterstico da sociedade moderna. Baseia-se na legitimidade dos ordenamentos jurdicos como forma de definio da funo e aes dos detentores do poder. A fonte do poder a lei, que estabelece as estruturas e as

    ordenamentos morais e mais sofisticamente pelos ordenamentos jurdicos. A fora torna-se um rbitro tanto fsico como discursivo. A presena de um discurso que enuncia a fora (pela coercitividade e punio) dirige o acontecer social pelos planos jurdico-normativos, comunicacionais, sanitrios, educacionais etc. A noo de poder no exclusiva ao governamental, mas contm uma multiplicidade de poderes que se exercem na esfera social, as quais podem ser definidas como poder social. Essa duplicidade do conceito de fora encontra-se nas subdivises do poder, ou seja, nos sub poderes microscpicos na sociedade que no o poder poltico, nem os aparelhos do Estado e nem uma classe privilegiada, mas o conjunto de pequenos poderes e instituies situadas em nivis mais baixos. Uma microfsica do poder se faz presente como um fenmeno que se estabelece por contrato-opresso de tipo jurdico, fundamentado na legitimidade ou ilegitimidade do poder; e pela dominao-represso presente na relao luta-submisso. O poder construdo e funciona a partir de outros poderes, dos efeitos destes, independentes do processo econmico. As relaes de poder encontram-se ligadas estreitamente com as relaes familiares, sexuais, produtivas; intimamente entrelaadas e desempenhando um papel de condicionante e condicionado. O uso da fora faz-se presente na relao contrato-opresso, da mesma maneira que na outra relao, dominao-represso. A fora um dos dispositivos disciplinares que faz parte do conjunto das sanes normalizadores. Cada sistema disciplinar possui um mecanismo penal, sendo que a disciplina j possui os elementos fora-punio. O castigo corretivo e redutor de desvios. A fora auxilia ao poder da norma em sua constituio discursiva, pois no se necessita mais a codificao dos comportamentos, e sim a normalizao das condutas. Nesse sentido, na composio dos conflitos e impasses, a fora exerce uma funo discursiva de arbitragem e mediao, ou seja, cumprir o normatizado, e nisso o poder poltico possui o poder de proferir legalmente o que deve e o que no deve ser realizado.

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    funes de cada indivduo no processo de construo das aes polticas, bem como estabelece todo o sistema de burocracia e hierarquia.

    preciso compreender determinadas nuances do poder para que se possam vislumbrar as caractersticas sociais presentes na poltica, tendo em vista que o poder no uma coisa ou um objeto, mas sim uma relao que se estabelece entre as pessoas. E essa relao determina quem tem o comando. No caso em estudo, de um Estado e os meios pelos quais o mesmo possui para o Pas.

    1.2. A Poltica e a Poltica Ambiental.

    No contexto atual do mundo, em que inmeras foras e interesses de grupos se manifestam cada vez mais sofisticados fora das tecnologias complexificados e informatizadas, as teias de interesses no so concebidas como redes, mas como rizomas, nos quais cada parte desmembra-se, ramifica-se em outros sentidos e intencionalidades, mas tendo como pano de fundo a luta pelo poder na esfera do poltica (GOMES, 2004).

    O contexto histrico atual, aquilo que ocorre na cotidianidade, nas histrias ordinrias das pessoas, dos grupos organizados e das organizaes sistematizadas, contribui para que a anlise da poltica no se restrinja a aspectos nicos.

    Vivemos em um mundo em que o estado de destruio material e ambiental est continuamente em vias de se efetivar plenamente. Mesmo no assumindo uma posio discursiva apologtica ou apocalptica, os efeitos indesejveis do desenvolvimento econmico, sobretudo sobre a qualidade do meio ambiente tornaram crescente a deteriorao da qualidade da gua e do ar, o acmulo de resduos slidos, os rudos nas reas urbanas e o mau uso da terra, oriundos nitidamente da industrializao das economias (SACHS, 1993).

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    As contradies entre racionalidade ecolgica5 e racionalidade capitalista6 se do atravs de um conflito de diferentes valores e potenciais, arraigados em esferas institucionais e em paradigmas de conhecimento. Racionalidade ambiental ou racionalidade ecolgica no a expresso de uma lgica, mas o efeito de um conjunto de interesses e de prticas sociais que articulam ordens materiais diversas que do sentidos e organizam processos sociais atravs de certas regras, meios e fins socialmente construdos (LEFF, 2004).

    As contradies dos conceitos, requer a busca de um denominador comum no processo de construo de matrizes tericas que se fazem presentes nas correntes ecolgicas7, manejam a discusso da problemtica ambiental em carter global, mobilizando governantes e cientistas.

    5 Leff (2004:136) afirma que a racionalidade ecolgica questiona a realidade cientfica como instrumento de

    dominao da natureza e sua pretenso de dissolver as externalidades do sistema atravs de uma gesto racional do processo de desenvolvimento. 6 Para o referido autor a racionalidade capitalista esteve associada a uma racionalidade cientfica e tecnolgica

    que busca incrementar a capacidade de certeza, previso e controle sobre a realidade, assegurando uma eficcia crescente entre os meios fins.. 7 ECODESENVOLVIMENTO Debate sobre ecodesenvolvimento prepara a adoo posterior do

    desenvolvimento sustentvel.O ecodesenvolvimento deu origem a economia ecolgica. Uma crtica da sociedade industrial e da modernizao conservadora como mtodo de desenvolvimentos das regies perifricas visaram parte integrante da concepo de ecodesenvolvimento. Para Sachs (2002) a ocorrncia do desenvolvimento sustentvel depende da obedincia de trs critrios fundamentais de forma simultnea: a equidade social, a prudncia ecolgica e eficincia economia. Estabelece critrios para a sustentabilidade sendo eles: social, cultura, ecolgico, ambiental, territorial, econmico, poltica (nacional) e poltica (internacional). ECONOMIA AMBIENTAL NEOCLASSICA-Tenta incorporar o vis ambiental na questo econmica, mas como externalidades. Possibilidade se implantar o DS. Foi a primeira cincia que tocou na questo ambiental, isso porque num dado momento da historia USA o problema de acmulo de dejetos e a degradao ambiental chegou a ndices alarmantes. Para solucionar tal situao desenvolve-se aes polticas, com a Teoria dos Recursos Renovveis passam a criar modelos de gesto com o intuito de minimizar a problemtica ambiental e solucionar o caos social.Inspirou mecanismo de polticas ambientais de comando e controle leis, regulamentos. O sistema econmico em si se baseia no fato de que os recursos podem ser substitudos por outros, e que a tecnologia poder propiciar uma recuperao da perda. Considera o sistema econmico circular por se tudo reversvel. ECONOMIA ECOLOGIA Na dcada de 70 Goergesco, Rougen, Bouding, Alier se revelaram criticando a concepo neoclssica ambiental, ou seja, medindo os impactos e busca de alterao do modelo (multa). No h recursos naturais suficientes para manter o crescimento econmico, e o planeta no comporta a quantidade de dejetos despejados no sistema. A critica radical dos economistas ecolgicos que se faz a base do DS na sua teoria. A simples conceituao de DS no d a ele a face de modelo. O modelo de DS pressupe uma nova estrutura social, poltica e econmica.Deve se considerar a degradao ambiental dentro do contexto do sistema. Deve-se incorporar os gastos dentro do processo de produo. Traa como base duas teorias: Teoria da Termodinmica A EE surgiu a partir da leitura biofsica do sistema econmico.Um sistema utiliza recursos de baixa entropia, mas o resultado final, ou seja, os resduos so fatores que geram alta entropia. Lei da entropia - medida da desorganizao de um sistema. Baixa entropia, um sistema tende a se manter organizado, quando organizado a tendncia ter uma baixa entropia, e alta entropia o resultado final com a soma dos dejetos expelidos no sistema. Quando o sistema lbera energia para obter o equilbrio.Lei da conservao das massas energias - no mundo nada se perde tudo se cria, tudo se transforma.

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    As polticas pblicas formam um conjunto de atividades desempenhadas pelo Estado destinadas a execues de aes que visem o bem estar social, satisfazendo os interesses pblicos. A questo ambiental passou a ser assunto de pertinncia da esfera governamental, mas tambm um problema social, j que o ambiente o local no qual todos estamos inseridos e o uso irracional dos recursos por determinada pessoa ou grupo no gera efeitos somente para si. H um efeito em cadeia, que torna a problemtica de carter social e poltica. As aes saem da deciso individual, do carter tcnico-econmico, transpondo a barreira dos interesses individuais e desembocando nas questes coletivas, sociais, invadindo a esfera legislativa, administrativa e jurdica, ou seja, materializando-se na esfera poltica.

    2. Gnese da retrica do Desenvolvimento Sustentvel

    A problemtica advinda da conturbada relao ocidental homem/natureza desencadeou reflexes nos diversos setores da sociedade no que tange a necessidade de se preservar o meio ambiente. Ao longo do tempo e dos caminhos percorridos nestes debates temos formaes de teorias e conceitos. O que obteve maior expoente no cenrio poltico institucional mundial o que se denomina desenvolvimento sustentvel.

    Uma narrativa histrica positivista credita a um engenheiro florestal estadunidense Gifford Pinchot, primeiro chefe do servio de florestas do pas, no sculo XIX - as idias precursoras do que viria a ser o desenvolvimento sustentvel.

    ECOLOGIA PROFUNDA- Critica ao modelo capitalista.H um realce do aspecto conflitivo da relao pobreza e Meio Ambiente. O bem estar e o pleno desenvolvimento da vida humana e no humano so valores em si. Esses valores so independentes da utilidade do mundo no humano para os fins do homem.A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realizao desses valores e so tambm por conseqncia valores em si. Os homens no tm nenhum direito a reduzir essa riqueza e essa diversidade, salvo se for para necessidade vital. Percebe-se uma clara orientao do tipo biocntrica, retirando o homem do centro das coisas. Aproxima-se de um pensamento neo-malthusiano mais conservador no tocante a presena do homem e questo demogrfica, defendem a conteno dos ndices populacionais por meio do controle de natalidade e o planejamento familiar como forma de erradicar a pobreza. Defendem os direitos da natureza, alegando que a mesma deveria ter status jurdico de ser humano, assumindo o lugar de sujeito de direito. Lembram ainda, que o problema demogrfico estaria na distribuio desigual da riqueza e no excesso de pessoas.A nica possibilidade de DS s com a mudana no padro civilizatrio.

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    Segundo Giansanti (1998:09), para o engenheiro a conservao dos recursos deveria ser embasada em trs princpios: o uso dos recursos naturais pela gerao presente, a preveno do desperdcio e o desenvolvimento dos recursos naturais para muitos e no para poucos cidados. A formulao de tal conceito reflete o antnimo em relao concepo vigente naquela poca, a do desenvolvimento a qualquer custo.

    A preocupao ambiental no incio do sculo XX teve suas bases de questionamento e reflexo na questo do acmulo de dejetos, mais especificamente, na busca de se minimizar o aumento da poluio e no nas conseqncias dos atos destrutivos que estavam sendo deferidos natureza (GIANSANTI, 1998).

    A dcada de 1950 do sculo XX, herdeira de duas grandes guerras mundiais recentes naquele momento, vivendo entre o espanto e a surpresa da cincia atmica, da eminncia neurtica ideolgica da guerra fria, tambm trouxe alguns pontos de preocupao com as questes ambientais.

    Entretanto, essa sensibilizao decorreu da criao, em 1948, da Unio Internacional para Conservao da Natureza por um grupo de cientista vinculados ONU e, em 1949, da realizao da Conferncia Cientfica das Naes Unidas sobre a conservao e a utilizao dos recursos (CAMARGO, 2003:45), trazendo para a dcada de 1950 elementos polticos e ideolgicos s questes ambientais.

    A comunidade cientfica internacional buscava comprovar que o uso desequilibrado do meio ambiente pelo homem desencadeava um abalo ambiental. Para tal, embasavam o discurso no desenvolvimento de tcnicas nas diversas reas, indstria, agricultura. A exemplo citavam Londres e outras cidades europias que possuam ndices de poluio que provocavam graves doenas na populao e a contaminao hdrica na Europa atingia nveis preocupantes (DUARTE, 2003:12).

    Como forma de expresso da preocupao poltica, social e cientifica com as questes ambientais tem-se o surgimento de organismos governamentais e no governamentais, tais como Secretarias de Estado, Departamentos. Todavia, na

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    dcada de 60, no se buscava somente discutir as formas de produo, mas ampliar os horizontes ambientais, interfaceando os diversos matizes que envolvem a questo. O Clube de Roma8 foi pioneiro no caminho para a conscincia internacional dos graves problemas mundiais.

    Passo expressivo para a construo do que viria a ser o conceito de desenvolvimento sustentvel ocorreu nos anos de 1970. A pedido do governo da Sucia, a ONU organizou a Conferncia da Organizao das Naes Unidas para o Meio Ambiente, ou Conferncia que Estocolmo, em 1972, que contou com a participao de 113 pases, inclusive o Brasil (GIANSANTI, 1998). O processo de preparao para a Conferncia de Estocolmo foi o Encontro de Founex em junho de 1971. Esse teve como pauta a anlise da relao entre o meio ambiente e o desenvolvimento. O Relatrio de Founex identificou os principais tpicos9 dessa problemtica, presentes at hoje na agenda internacional (SACHS, 1993:11).

    Na conferncia de Estocolmo a dicotomia de interesses e preocupaes existentes entre os hemisfrios Norte e Sul fizeram-se sentir. Ocorreram discusses sobre as questes relacionadas ao processo de industrializao e de crescimento. Os pases do hemisfrio Norte empregavam um discurso pautado no crescimento zero10 para os pases do Hemisfrio Sul, sendo defensores dessa posio, tambm, os membros do Clube de Roma. E em contraposio os pases do Sul, tambm denominados desenvolvimentistas11, reclamavam o seu direito a crescimento e desenvolvimento, qualquer que fosse o preo. Esse embate trouxe para o foco central as discrepncias vividas pelos dois hemisfrios. Os pases do Norte se preocupavam com a emisso de gases poluidores e o acmulo de dejetos, os pases do hemisfrio sul se viam as voltas com o grande nmero de miserveis e a fome latente (GIANSANTI, 1998).

    8 O Clube de Roma foi criado na dcada de 1960 era uma organizao no governamental. Composta por 30

    indivduos de 10 pases que contava com a colaborao dos diversos setores da cincia tais como: economistas, humanistas, industriais, pedagogos e funcionrios pblicos nacionais e internacionais. A fonte geradora do referido rgo do economista e industrial Arilio Peccei, que tinha o intuito de propiciar o debate sobre as questes humanas em seus diversos aspectos e o futuro da humanidade. (Camargo, 2003:46) 9 Acumulo de resduos slidos, poluio, uso excessivo dos recursos.

    10 Defendiam os pases do Norte que os pases do Sul deveriam conter os ndices de crescimento econmico,

    diante da ameaa de esgotamento dos recursos naturais , tendo em vista o ritmo de explorao ambiental que era empregado. 11

    Composto pelos pases do Terceiro Mundo que reivindicavam o direito ao desenvolvimento.

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    Llian Duarte (2003) salienta que o Brasil desempenhou papel expressivo na defesa dos interesses dos pases em desenvolvimento e, em virtude disso, foi foco de ataques constantes dos Estados do Hemisfrio Norte no sentido de denegrir sua imagem no campo internacional. No que cinge as preocupaes brasileiras com as questes ambientais, o tema mais discutido foi a degradao na Amaznia. Segundo a autora:

    O Brasil contestava as postulaes do Norte afirmando que o conceito de soberania absoluta deveria ter precedncia sobre as anlises da comunidade internacional acerca do meio ambiente e da populao. [...] as teses brasileiras levadas conferencia podem ser assim resumidas:a poluio no um conceito absoluto (como a soberania), mas relativo, e se a interferncia humana sobre o meio ambiente fosse tomada em termos absolutos, seria necessrio eliminar a humanidade; os pases em desenvolvimento no so poluidores, apenas possuem pequenos cistos de poluio; nos pases menos desenvolvidos, a degradao ambiental deriva da pobreza, que origina fenmenos como eroso do solo, favelas e queimadas. (p. 17-18)

    Conforme relato, um general brasileiro que acompanhava a delegao no evento, respondeu as crticas sofridas quanto ao manejo e utilizao da Amaznia, dizendo que a questo amaznica era problema nico e exclusivo do Brasil. Tal afirmativa no agradou aos ambientalistas.

    O Clube de Roma, no mesmo ano da Conferncia de Estocolmo, patrocinou o relatrio intitulado Os limites do crescimento (The limits to growth) em que projetava num prazo de 100 anos o crescimento populacional, poluio e esgotamento dos recursos naturais da Terra, afirmando que a manuteno dos nveis de industrializao, poluio, produo de alimentos e explorao dos recursos naturais estava imensamente comprometida (CAMARGO, 2003: 48).

    O relatrio Clube de Roma alertou para a finitude dos recursos naturais focando-a na perspectiva econmica, formando uma nova perspectiva. Seu alcance foi maior do que o pretendido, pois popularizou de maneira antes impensada, a questo ambiental desencadeando uma reflexo generalizada da problemtica da poluio e da utilizao de recursos naturais como variveis fundamentais do processo econmico e social (NOBRE, 2002: 29).

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    No ponto de vista de Sachs (1993) o Norte deveria ajudar o Sul e o Leste a acelerarem seus progressos social e econmico, evitando custos ambientais exorbitantes.

    nesse contexto conturbado entre os interesses dos pases desenvolvidos e dos pases em desenvolvimento que temos aflorando no cenrio poltico a discusso das questes ambientais, com uma expressiva quantidade de opinies que em boa parte no conseguiam ser unnimes ou sequer consenso da maioria. A dificuldade na formao das estratgias polticas est na complexa estruturao de um projeto que acarretasse o desenvolvimento econmico almejado pelos pases em desenvolvimento, gerando o mnimo de impacto ambiental.

    Mas o crescimento no um objetivo per si, como se tem pensado h dcadas, internalizando livremente seus custos sociais e ambientais e ampliando a desigualdade econmica e social entre as naes e dentro delas. O crescimento pela desigualdade baseado em uma economia de mercado sem controles, pode somente aprofundar a ciso entre Norte e Sul e dualidade interna de cada sociedade. A rigor, sua tendncia exacerbar o circulo vicioso da pobreza e da degradao ambiental. (SACHS, 1993: 19)

    No cenrio brasileiro temos o ataque direto de ativistas a poltica ambiental empregada no pas. Na dcada de 1980, ocorreu a exibio de imagens das queimadas na Amaznia que correram o mundo.

    [..] Primeiro, a tela exibia o exuberante verde, o paraso terrestre, com gotculas translcidas nas folhas de verde profundo e os animais vivendo em harmonia; depois, os gritos de animais desesperados, em fuga; finalmente, as reas desrticas, imprestveis para a sobrevivncia de qualquer espcie. Eram imagens impressionantes capazes de convencer os habitantes dos pases ricos de que os problemas do planeta residiam, sim, nas pssimas polticas praticadas no Brasil, e no no excesso de consumo, principalmente de combustveis fsseis (LILIAN DUARTE, 2003: 29).

    Todo esse embate sofrido pelo Brasil se deu em virtude de sua posio na Conferncia de Estocolmo, o que lhe gerou grandes problemas como o boicote sofrido por parte dos Estados Unidos e outros pases desenvolvidos, o que dificultou sua entrada no mercado protecionista euro-americano. Ressalvando as novas preocupaes do cenrio poltico, que requeria nas negociaes de produtos para a

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    exportao a demonstrao de tomada de posio em questes trabalhistas e ambientais.

    Apesar de toda discusso e controvrsias existentes entre os pases, no final da dcada de 1970, havia um nmero significativo de edies de leis que disciplinavam questes que envolvessem o meio ambiente, bem como o nmero de rgos responsveis pela proteo ambiental (MARISE DUARTE, 2003). Como exemplo, pode-se citar a Agncia de Proteo Ambiental dos Estados Unidos ter estimulado a criao de leis e regulamentos, tais como: a lei do ar puro, a lei da gua pura, a lei de recuperao e conservao dos recursos (CAMARGO: 2003:47).

    Tal fato demonstra que, apesar de no se saber bem, naquele momento, onde se queria chegar ou que fim se queria dar, as polticas institucionais passaram a estabelecer uma mudana na concepo quanto ao manejo ambiental em todos os setores sociais.

    3. Surgimento do Conceito de Desenvolvimento Sustentvel.

    Conforme discorrido anteriormente, a gnese da concepo de desenvolvimento sustentvel foi atribuda a um engenheiro florestal norte-americano. Entretanto, o conceito de desenvolvimento sustentvel foi formulado pelo fundador do Wordwatch Institute, Lester Brawn, no incio da dcada de 1980, que definiu comunidade sustentvel como a que capaz de satisfazer s prprias necessidades sem reduzir as oportunidades das geraes futuras (CAPRA, 2003:19). Foi a partir de 1987 que a idia de desenvolvimento sustentvel ganha reconhecimento efetivo com a publicao do Relatrio Nosso Futuro Comum ou Relatrio Brundtland, que carrega o nome de Gro Herlem Brundtland, primeira ministra da Noruega que foi a Coordenadora da Comisso de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, ao usar a mesma definio (GIANSANTI, 1998:53)

    O desenvolvimento sustentvel aquele que atende s necessidade do presente sem comprometer a possibilidade de as geraes futuras atenderem s suas prprias necessidades Ele contm dois conceitos chave: 1. o conceito de necessidades sobretudo as necessidades essenciais dos pobres no mundo, que devem receber a mxima

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    prioridade; 2. a noo das limitaes que o estgio da tecnologia e da organizao social impe ao meio ambiente, impedindo-o de atender as necessidades presentes e futuras. (GIANSANTI, 1998:10)

    O Relatrio apresenta 109 recomendaes visando concretizao das propostas definidas na Conferncia de 1972.

    [...] Nosso Futuro Comum registrou os sucessos e as falhas do desenvolvimento mundial. Entre os resultados positivos estavam a expectativa de vida crescente, a mortalidade infantil decaindo, o maior grau de alfabetizao, inovaes tcnicas e cientficas promissoras e o aumento da produo de alimentos em relao ao crescimento da populao mundial. Por outro lado, nosso Futuro Comum apontou uma srie de problemas, como aumento da degradao dos solos, expanso das reas desrticas, poluio crescente da atmosfera, desaparecimento de florestas, fracasso dos programas de desenvolvimento, entre outros. (CAMARGO, 2003:52)

    Reflexes comearam a ser produzidas12 sobre a proposta de que um futuro comum estava sendo criado. Camargo (2003) alicerou numa viso comparativa das situaes vividas no incio e no final do sculo XX, estabelecendo que o modo de vida e as tecnologias existentes no incio do sculo no representavam ofensa ao meio ambiente de forma significativa. Todavia, no final do sculo o processo de produo tecnificada e as inovaes tecnolgicas que surgiram mudaram o panorama e a situao ambiental de forma preponderante.

    12 interessante resgatar, cronologicamente, determinados eventos e acontecimentos que marcaram o

    crescimento da reflexo sobre o meio ambiente at o ano de 1973, um ano aps a Conferncia de Estocolmo, tais como: 1933- Publicao da Carta de Atenas redigida por um grupo de arquitetos, na qual se pode ler, entre outros assertivas atualssimas, uma critica maioria das cidades por eles estudadas, caracterizadas como uma imagem do caos. 1934- A realizao da 1 Conferncia Brasileira de Proteo natureza no Brasil. 1937- Em pleno Estado Novo, no Brasil, foi criado o primeiro Parque Nacional Brasileiro, o Parque de Itatiaia. 1945- Marcado pela criao da Organizao das Naes Unidas. 1948- Criao da Unio Internacional para conservao da Natureza por um grupo de cientistas vinculados ONU. 1949- Realizao da Conferncia Cientfica das Naes Unidas sobre a Conservao e a Utilizao de Recursos. 1958- Estabelecimento da Fundao Brasileira para a Conservao da Natureza. 1962 Publicao da obra Silent Spring de Rachel Carson nos Estados Unidos, denunciando o uso de pesticidas. 1968- Criao do Clube de Roma e realizao da Conferncia da Biosfera, em Paris. 1972- Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente, em Estocolmo.O Clube de Roma divulga o relatrio The limits to growth. 1973- Estabelecimento do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente.No Brasil, criao da Secretaria Especial do Meio Ambiente.

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    O que se apregou em Estocolmo (1972) era o crescimento zero dos pases em desenvolvimento como forma de se equilibrar os impactos ambientais j existentes no planeta. O relatrio Brundtland (1987) trouxe em seu texto o oposto, visto que advoga de forma contundente o crescimento como uma necessidade urgente aos pases, como forma de obteno da diminuio da pobreza e minimizao dos impactos ambientais.

    Entretanto, o que poderia ser compreendido como crescimento econmico e desenvolvimento econmico? O desenvolvimento no sinnimo de crescimento mesmo que, no discurso de muitos, seus conceitos possam parecer similares. Enquanto crescimento caracteriza-se pelo acmulo de riquezas, geradas pelos agentes econmicos instalados em um pas, uma regio ou mesmo uma localidade, baseando-se na maior eficincia dos meios produtivos, sem maiores preocupaes com os aspectos ambientais ou sociais, o desenvolvimento econmico caracteriza-se pela busca da melhoria da alocao de recursos, o fomento equidade na distribuio da riqueza, levando-se em conta uma adequada utilizao dos recursos naturais e do meio ambiente. a distribuio eqitativa dos benefcios auferidos sociedade, a expanso econmica com a distribuio equnime ao corpo social.

    Se o crescimento no agrega a questo ambiental em sua viso, no desenvolvimento no h como excluir, uma vez que o ambiente desestruturado desencadear uma srie de problemticas que influenciaro na qualidade de vida. Assim vemos que o termo desenvolvimento abrange o crescimento.

    Neste contexto, possvel perceber que crescimento econmico e desenvolvimento econmico so conceitos distintos, mas que o segundo necessita do primeiro para que ocorra, pois no h desenvolvimento econmico sem que haja gerao de riqueza. Com isso, o crescimento sim uma condio necessria ao desenvolvimento, mas no suficiente, pois podemos ter gerao de riquezas, aumento de produto, aumento na soma de riquezas e aumento na renda gerando um crescimento, sem que haja uma distribuio de renda, uma equidade e qualidade de vida, ou seja, desenvolvimento.

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    importante destacar que o conceito de desenvolvimento econmico carrega toda uma ideologia de desenvolvimento sustentvel, atualmente to em evidncia, nos pontos em que objetiva o fomento equidade social e a racionalidade na utilizao dos recursos naturais.

    Traamos essa conceituao entre crescimento e desenvolvimento para que se possa vislumbrar as discrepncias de concepes e preceitos que vigoravam poca do The limits to growth e da Conferncia de Estocolmo para a publicao do Relatrio Brudtland. O que demonstra um amadurecimento das vises, que refletem de forma direta na formulao das polticas.

    4. A Eco-92 marco na poltica ambiental mundial.

    Em 1992, no Rio de Janeiro, ocorreu o maior evento mundial at hoje realizado sobre meio ambiente: a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92). O que levou o Brasil a sediar o encontro foi baseado em dois fatores. Primeiro, a oportunidade para mudar a imagem de vilo ambiental que havia se formado ao longo da dcada de 70 e 80 que lhe geraram transtornos na esfera internacional; e o segundo foi a oportunidade de capacitar-se como articulador, negociador e ator internacional habilitado para organizar eventos de tal magnitude (MARISE DUARTE, 2003).

    Um fato que demonstrou o amadurecimento das posies poltico-institucionais do Brasil foi a mudana de discurso quanto ao que tange a alegao de ser a pobreza a responsvel pelo agravamento dos problemas ambientais. (LILIAN DUARTE, 2003).

    A Conferncia tinha como objetivo avaliar o estado do planeta nos ltimos vinte anos e analisar as estratgias regionais e globais, nacionais e internacionais para que pudesse se estabelecer um equilbrio do meio ambiente evitando a degradao de forma contnua. Os temas abordados no evento refletem a preocupao dos Estados e a complexidade da problemtica que foi argida em Estocolmo. Foram temas de discusso: proteo aos solos, por meio de combate ao

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    desmatamento, desertificao e seca; proteo da atmosfera por meio do combate s mudanas climticas, ao rompimento da camada de oznio e poluio transfronteiria; proteo das terras ocenicas, conservao da diversidade biolgica; controle de dejetos qumicos e txicos; erradicao de agentes patognicos e proteo das condies de sade, (LILIAN DUARTE, 2003).

    Aps as discusses, ao final foram aprovados os seguintes documentos: Conveno sobre mudanas climticas13, a Conveno sobre diversidade biolgica14, a Declarao sobre o manejo das florestas15, a Declarao do Rio16 e a Agenda 21 (GIANSANTI, 1998).

    Dessa maneira, o evento acabou tendo, como pice miditico, a apresentao e a assinatura, por diversos pases, da Agenda 21. Esse vem a ser um plano de ao estratgica, que constituiu a mais ousada e abrangente tentativa j feita para promover, em escala planetria, novo padro de desenvolvimento, conciliando mtodos de proteo ambiental, justia social e eficincia econmica. Sua proposio s foi possvel em virtude da colaborao de governos e instituies da

    13 A Conveno sobre Mudana do Clima de 1992 uma de uma srie de acordos recentes por meio dos quais

    pases de todo o mundo esto se unindo para enfrentar esse desafio.A Conveno sobre Mudana do Clima enfoca um problema especialmente inquietante a mudana da forma com que a energia solar interage com a atmosfera e escapa dela. Entre as conseqncias possveis, esto um aumento na temperatura mdia da superfcie da Terra e mudanas nos padres climticos mundiais.Cento e oitenta e um governos participaram da Conveno sobre Mudanas Climticas da ONU realizada em 1992, demonstrando um compromisso global para a estabilizao de concentraes atmosfricas seguras de gases causadores do efeito estufa. 14

    A Conveno sobre Diversidade Biolgica - CDB - foi assinada por 156 pases incluindo o Brasil durante a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ou Rio 92. Alm de preconizar a conservao da biodiversidade e a utilizao sustentvel de seus componentes, a CDB ressalta a necessidade da repartio justa e eqitativa dos benefcios derivados dos usos diversos dos recursos genticos, e busca a compatibilizao entre a proteo dos recursos biolgicos e o desenvolvimento social e econmico. O que inova sobremaneira as aes de conservao da biodiversidade. 15

    A Declarao dos princpios para o manejo sustentvel das florestas, que no tem fora jurdica obrigatria, foi o 'primeiro consenso mundial' sobre a questo. A Declarao diz, fundamentalmente, que todos os pases, especialmente os pases desenvolvidos, deveriam esforar-se por recuperar a Terra mediante o reflorestamento e a conservao florestal, que os Estados tm o direito de desenvolver suas florestas conforme suas necessidades scio-econmicas, e que devem garantir aos pases em desenvolvimento recursos financeiros destinados concretamente a estabelecer programas de conservao florestal com o objetivo de promover uma poltica econmica e social de substituio 16

    A Declarao do Rio define os direitos e as obrigaes dos Estados em relao aos princpios bsicos do meio ambiente e do desenvolvimento. Inclui, entre outras, as seguintes idias: a incerteza cientfica no deve adiar a adoo de medidas de proteo ao meio ambiente; os Estados tm o 'direito soberano de aproveitar seus prprios recursos' mas sem causar danos ao meio ambiente de outros Estados. A eliminao da pobreza e a reduo das disparidades entre os nveis de vida em todo o mundo so indispensveis para o desenvolvimento sustentvel, e a plena participao das mulheres imprescindvel para se alcanar o desenvolvimento sustentvel.

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    sociedade civil que ficaram envolvidos em sua produo durante 2 anos, e o resultado final foi apresentado no Rio de Janeiro.

    A ECO-92 representou um avano no sentido de reforar a idia segundo o qual desenvolvimento e meio ambiente constituem um binmio central e indissolvel, e como tal deve ser incorporado s polticas pblicas e s prtica sociais de todos os pases.

    Na formulao das bases das polticas, urge o conceito de desenvolvimento sustentvel como uma ferramenta pra a reflexo na formao das aes governamentais, o que estabelece uma alterao no modelo tradicional de desenvolvimento econmico, caracterizado pelo forte impacto negativo na sociedade e no ambiente. A Eco-92 foi fator determinante na estruturao de uma nova postura governamental frente s questes ambientais, foi ela o palco de discusses e reflexes de como se implementar um desenvolvimento sustentvel no seio social.

    Surge uma nova concepo de sociedade e de meio ambiente no cenrio poltico-social. Passa a vigir no sistema novos paradigmas sobre a relao homem/ambiente. No conceito de meio ambiente passa o homem a figurar como elemento. Elemento esse que gera agresses que repercutem em distores do ecossistema causando efeitos devastadores. A mudana de postura urgente.

    Os modelos de polticas pblicas necessitam de alteraes e o indivduo necessita mudar sua posio quanto aos seus anseios individuais, para que se possa vislumbrar a existncia humana sobre o globo terrestre. GOMES (1995:10) afirma que para ser sustentvel o desenvolvimento deve ser capaz de prosseguir, de forma praticamente permanente, como um processo de aumento do produto, melhoria dos indicadores sociais e preservao ambiental..

    A ocorrncia do desenvolvimento sustentvel depende da obedincia de trs critrios fundamentais de forma simultnea: a equidade social, a prudncia ecolgica e eficincia econmica (SACHS, 2002). Dessa maneira, Sachs (2002:85) estabelece oito critrios para que se alcance a sustentabilidade:

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    1.Sustentabilidade Social para sua obteno deve se ter como meta alcanar um patamar razovel de homogeneidade social, promover uma distribuio eqitativa de renda justa, igualdade no acesso aos recursos e servios sociais; 2.Sustentabilidade Cultural - essa se baseia na mudana no interior da continuidade, ou seja, o equilbrio entre respeito tradio e inovao; 3.Sustentabilidade Ecolgica necessidade da preservao do potencial do capital natureza na sua produo de recursos renovveis e no limitar do uso dos recursos no-renovveis; 4.Sustentabilidade Ambiental - baseia-se no respeito e conscientizao da capacidade de autodepurao dos ecossistemas naturais; 5.Sustentabilidade Territorial - insere as feies pertinentes as configuraes urbanas e rurais, a melhoria do ambiente urbano e a superao das disparidades inter-regionais; 6.Sustentabilidade Econmica necessrio se faz traar um desenvolvimento econmico intersetorial equilibrado, segurana alimentar, com capacidade de modernizao contnua dos instrumentos de produo, razovel nvel de autonomia na pesquisa cientifica e tecnolgica; 7.Sustentabilidade poltica nacional - determina a importncia da democracia definida em termos de apropriao universal dos direitos humanos, a capacidade do Estado em desenvolver projetos nacionais em parceiras com todos os empreendedores e um nvel de coeso social razovel; 8.Sustentabilidade poltica internacional - traz a eficcia do sistema de preveno de guerras da ONU na garantia da paz e na promoo da cooperao internacional, bem como um controle institucional efetivo do sistema internacional financeiro e de negcios, um pacote Norte-Sul de co-desenvolvimento, baseado no princpio da igualdade, sistema efetivo de cooperao cientfica e tecnolgica e um controle institucional efetivo da aplicao do princpio da precauo na gesto do meio ambiente e dos recursos naturais.

    O desenvolvimento sustentvel um desafio planetrio (SACHS, 1993:85). A conservao da biodiversidade entra em cena a partir de uma longa e ampla reflexo sobre o futuro da humanidade. A biodiversidade necessita ser protegida para garantir os direitos das futuras geraes (SACHS, 2002:67).

    Sachs (1993:21), ainda estabelece que de Founex a Estocolmo e ao relatrio Brundtland as questes que envolvem a necessidade de crescimento econmico foram discutidas fervorosamente pelos diversos setores sociais, chegando a concluso que a mudana de postura, ou seja, formas, contedos e usos sociais devem ser completamente transformados, para que se possa atender as necessidades das pessoas, tendo como objetivo a distribuio mais justa da renda, a conservao dos recursos e primando pelo desenvolvimento de tcnicas limpas de produo.

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    Mas para que o crescimento venha aliado ao desenvolvimento h um longo caminho de transio a se percorrer. Os pases necessitam estabelecer novas solues s questes ambientais, implementando estratgias que se enquadrem a realidade nacional, levando em conta os fatores naturais, culturais e scio-polticos. Todavia, a ao deve ser global e em diversas frentes. (SACHS, 1993). O que se observa no contexto que muito foi discutido, vrios tratados assinados17, mas as mudanas no quadro global nos ltimos 30 anos so inexpressivas. H um abismo a separar os compromissos assumidos e as aes implementadas. Como exemplo, temos o Brasil que foi signatrio da Conveno sobre Diversidade Biolgica, assinada em 1992, sendo que sua normatizao em territrio nacional se deu em 2001, conforme veremos mais detalhadamente adiante.

    4.1. Conveno sobre Diversidade Biolgica e sua aplicabilidade no Brasil

    A Conveno sobre Diversidade Biolgica (CDB) foi adotada durante a Conferncia de Nairbi, em 22 de Maio de 1992, e aberta para assinatura no Rio de Janeiro, durante a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - RIO 92. A Conveno sobre Diversidade Biolgica entrou em vigor internacionalmente no dia 29 de Dezembro de 1993 e, para o Brasil, passou a vigorar a partir de 28 de Maio de 1994.

    Quando assinou a Conveno sobre Diversidade Biolgica, o Brasil comprometeu-se a implementar vrias aes para a conservao e uso sustentvel da sua biodiversidade. A CDB, que atualmente conta com 187 Pases-Parte, mudou a percepo mundial para o acesso aos recursos biolgicos.

    17 Destacamos, algumas das conferncias ocorridas no cenrio mundial aps a ECO 92:

    1993- Conferncia de Direitos humanos, em Viena. 1994- Conferncia sobre populao e desenvolvimento, no Cairo. 1995- Conferncia sobre desenvolvimento social, Copenhague, Conferncia sobre mudanas climticas, Berlim; Conferncia sobre a mulher, Pequim. 1996 -Conferncia sobre assentamentos urbanos, Istambul. 1997-Assinatura do Protocolo de Kyoto por diversos pases. 2002- Rio + 5, Cpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentvel, em Joanesburgo.

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    A CDB tem trs objetivos: a conservao da diversidade biolgica; o uso sustentvel de seus componentes; e a repartio justa e eqitativa dos benefcios resultantes da utilizao dos recursos genticos. A Conveno adotou um nico princpio, segundo o qual se reconhece a soberania dos Estados na explorao de seus prprios recursos naturais de acordo com suas polticas ambientais.

    Conforme afirmamos anteriormente, diversos foram os documentos assinados durante a Eco-92, mas para o desenvolvimento de nosso trabalho vamos nos ater Conveno sobre Diversidade Biolgica (CDB)18. A Conveno sobre Diversidade Biolgica foi ratificada no territrio brasileiro pelo Decreto Legislativo n. 219, 3 de fevereiro de 1994, e promulgada pelo Decreto no 2.519, de 16 de Maro de 199820 , trazendo uma nova considerao ao sistema poltico, ante a importncia do tema.

    A CDB estabelece normas a serem seguidas pelos Estados seja em relaes internacionais, seja em relaes internas. um documento que define posturas e medidas a serem adotadas pelos Estados no mbito legislativo, tcnico e poltico. (ANTUNES, 2002:11).

    Ao realizarmos uma anlise mais detalhada da CDB, destacamos os argumentos utilizados em seu prembulo, que mesmo sem possuir fora coercitiva de norma reguladora, apresenta um acordo entre as partes referendando critrios a serem observados caso seja necessrio dirimir controvrsias. De acordo com Antunes (2002), tal fora argumentativa concede Conveno um teor de jurisprudncia implcito mas que pode ser acatado ou no, dependendo da boa vontade das partes. Nesse sentido, reafirma-se um princpio de subjetividade na interpretao do que poderia vir a ser uma controvrsia.

    O prembulo da Conveno21 possui uma srie de afirmativas e consideraes que estabelecem um termo de acordo, sendo que a estrutura mais

    18 relevante informar que os Estados Unidos da Amrica no ratificaram a CDB (ANTUNES, 2002:09). Fato

    importante tendo em vista a problemtica que pode surgir em virtude da importncia poltica e econmica de referido pas. Os termos da CDB no possuem o carter obrigatrio queles que no so seus signatrios. 19

    Disponvel em http://www.mct.gov.br/legis/decretos/2_94.htm. Acesso em: 11.mar.2004 20Disponvel no endereo eletrnico www.redegoverno.gov.br., capturado em 11 de maro de 2004. 21

    Disponvel em: < http://www.mma.gov.br/port/sbf/chm /cd b/decreto1.html> Acesso em: 11.mar.2004

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    geral do texto procura defender ou referendar princpios do Direito Internacional, enquanto instituto jurdico. Destacamos os aspectos relevantes do Prembulo (texto em itlico) para o nosso estudo, que seguem a seguinte lgica.

    Afirmao da conservao da diversidade biolgica enquanto uma preocupao comum humanidade a base de afirmao consensual e de respeito tico. O ir contra o argumento deduz o estar se indo contra a prpria tica.

    Reafirmao de que os Estados tm direitos soberanos sobre os seus prprios recursos biolgicos. Caracteriza-se pelo retorno discusso filosfico-poltica iluminista dos Estados modernos, na qual a soberania parte preponderante sobre a autonomia; entretanto, a soberania deixa de ser totalizante quando se ameaa a diversidade biolgica enquanto preocupao da humanidade. A soberania dos pases em relao a sua biodiversidade um trao marcante na redao do prembulo, e que suscita a questo de acesso e retirada de material gentico, dando aos signatrios a faculdade de gerarem normas que disciplinem o acesso biodiversidade de seus pases.

    O prembulo reafirma, igualmente, que os Estados so responsveis pela conservao de sua diversidade biolgica e pela utilizao sustentvel de seus recursos biolgicos, o que demonstra o reforo idia de continuidade do Estado como organizao-instituio responsvel pela diversidade e seus recursos.

    Os Estados esto preocupados com a sensvel reduo da diversidade biolgica causada por determinadas atividades humanas, demonstrao do amadurecimento da viso humana quanto a utilizao dos recursos e as conseqncias dos atos praticados.

    Os Estados esto conscientes da falta geral de informao e de conhecimento sobre a diversidade biolgica e da necessidade urgente de desenvolver capacitao cientfica, tcnica e institucional que proporcione o conhecimento fundamental necessrio ao planejamento e implementao de medidas adequadas, tal afirmao demonstra a necessidade de se desenvolver

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    mecanismos que sejam capazes de ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade como forma de desenvolvimento socioeconmico e institucional.

    Observando que vital prever, prevenir e combater na origem as causas da sensvel reduo ou perda da diversidade biolgica, os Estados predispem-se ao desenvolvimento de aes que minimizem os impactos negativos causados pela explorao irracional do ambiente.

    Reconhecem a estreita e tradicional dependncia de recursos biolgicos de muitas comunidades locais e populaes indgenas com estilos de vida tradicionais, e que desejvel repartir eqitativamente os benefcios derivados da utilizao do conhecimento tradicional, de inovaes e de prticas relevantes conservao da diversidade biolgica e utilizao sustentvel de seus componentes, fato que consolida na sociedade envolvente a interao homem/meio ambiente das comunidades tradicionais, e das estruturas fundantes que tal relao desenvolve. Estabelecem o acesso aos saberes tradicionais como forma de se gerar conhecimento cientfico, todavia norteia a assimilao da informao com a diviso justa e eqitativa dos benefcios auferidos.

    Os Estados, enfatizam tambm, a importncia e a necessidade de promover a cooperao internacional, regional e mundial entre os Estados e as organizaes intergovernamentais e o setor no-governamental para a conservao da diversidade biolgica e a utilizao sustentvel de seus componentes. A conseqncia da preocupao com a situao do meio ambiente deixa de ser exclusivamente dos entes no governamentais ou dos entes polticos, alando patamares de problema da humanidade.

    Eles reconhecem que cabe esperar que o aporte de recursos financeiros novos e adicionais e o acesso adequado s tecnologias pertinentes possam modificar sensivelmente a capacidade mundial de enfrentar a perda da diversidade biolgica. Reconhecem, ainda, que investimentos substanciais so necessrios para conservar a diversidade biolgica, que h expectativa de um amplo escopo de benefcios ambientais, econmicos e sociais resultantes desses investimentos e que o desenvolvimento econmico e social e a erradicao da pobreza so as

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    prioridades primordiais e absolutas dos pases em desenvolvimento.Tais argumentaes so educativas, sendo que os questionamentos da problemtica ambiental so diversos.

    A busca de soluo para as questes ambientais est na mudana de valores. Mas a obteno de dados, informaes, indicadores disponveis suficientes e confiveis para poder direcionar as aes, ainda so incipientes. Mas, a soluo para determinadas questes se faz emergente. A camada de oznio no tem como esperar. O efeito estufa no vai estancar, em virtude da humanidade no ter chegado a um consenso quanto s aes a serem tomadas; as necessidades bsicas do ser humano, de uma grande maioria do globo, no tm como serem esquecidas. H que se gerar capacitaes cientficas, tcnicas e institucionais para que se obtenha um conhecimento mnimo sobre a diversidade biolgica e sua relao intrnseca com as aes humanas, sejam elas destrutivas ou construtivas, para que se possa propor medidas adequadas s necessidades.

    Os Estados esto conscientes de que a conservao e a utilizao sustentvel da diversidade biolgica so de importncia absoluta para atender as necessidades de alimentao, de sade e de outra natureza da crescente populao mundial, para o que so essenciais ao acesso e a repartio de recursos genticos e tecnologia. Assim como, a preocupao com os danos ambientais que esto sendo gerados pela ao humana e, principalmente, com as conseqncias da permanncia de tais posturas.

    E, por ltimo item de nosso interesse temos que a conservao e a utilizao sustentvel da diversidade biolgica fortalecero as relaes de amizade entre os Estados e contribuiro para a paz da humanidade.

    Para que haja a conservao da diversidade biolgica e a utilizao sustentvel de seus componentes necessrio o estabelecimento da importncia e da necessidade de promover a cooperao internacional, regional e mundial entre os Estados e as organizaes intergovernamentais e o setor no-governamental. Investimentos substanciais so necessrios para conservar a diversidade biolgica,

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    e que tal atitude gera uma expectativa de um amplo escopo de benefcios ambientais, econmicos e sociais resultantes desses investimentos.

    Reporta-nos discusso da Conferncia de Estocolmo entre os interesses do Sul e do Norte, quando os pases do sul reclamavam da falta de cooperao e interesse dos pases do norte, ante as necessidades prementes de suas populaes. A cooperao transcende as especulaes e as questes econmicas, traz um grau de entrosamento e a busca de uma igualdade real entre os habitantes do globo terrestre. Mas, para tal, os governantes devem se despir da postura protecionista na busca dos interesses de seu pas, independentemente da situao do restante dos indivduos do globo.

    A conservao e a utilizao sustentvel da diversidade biolgica fortalecero as relaes de amizade entre os Estados e contribuiro para a paz da humanidade. Entretanto para que haja amizade e paz entre os Estados h que se respeitar a soberania de cada ente pblico.

    4.2.O conhecimento das comunidades tradicionais e a CDB

    Ao reconhecer a estreita e dependente ligao dos recursos biolgicos em relao s comunidades locais e as populaes indgenas, a CDB deu um salto expressivo em defesa dos conhecimentos tradicionais. As comunidades tradicionais so portadoras de saberes no conhecidos pelas comunidades ocidentais em relao biodiversidade em que esto inseridos.

    No prisma terico de Zamudio (2004:4) sobre o conhecimento tradicional, pode-se assum-lo como una creacin intectual h tenido lugar por la acumulacin de experincias y prcticas comunes de los miembros de um grupo cultural o pueblo, como respuesta a su entorno y necessidades.

    O conceito de Zamudio expressa que as prticas geram o conhecimento tradicional, ou seja, esses so agregados ao mundo dos saberes tendo em vista principal mas no somente as necessidades da comunidade. Mas esse no um

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    conhecimento que se desenvolve e se incorpora num curto espao de tempo. Ao contrrio, da descoberta ao aprimoramento tem-se um lapso temporal significante, tornando-se na maioria das vezes secular.

    A manuteno e a propagao desse saber dentro da comunidade indgena, ribeirinha ou quilombola oral, no h manuscritos. O que difere as comunidades tradicionais da sociedade ocidental encontra-se na construo de significados que se estabelecem na relao de interao direta com o meio ambiente. So eles, os indivduos, eleme