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T odo ano, ao se aproximar o Dia Internacional da Mulher – 8 de março, a sociedade se mobi- liza de muitas formas, as mulheres são convidadas a participar de audiências públicas, festas, homenagens, recebem flores, sendo essa uma estratégia de mascarar o real significado dessa data, mantendo as mulheres submissas e ca- tivas do sistema capitalista e patriarcal que violenta, explora e mata diariamen- te milhares de mulheres em nosso país. Para o Movimento de Mulheres Camponesas, essa data sempre foi pautada na luta, enfrentamento e resistência das mulheres trabalhadoras, que organizadas, denunciam as amaras desse sistema, se organizando, estudando, questionando, reivindicando direitos. As mulheres atuam de forma coletiva, pro- pondo novas relações de gênero baseadas no respeito e igualdade, na construção do projeto de agricultura camponesa, agroe- cológica, feminista e socialista e a trans- formação da sociedade. Nesse sentido queremos reafirmar que o 8 de março nasce da luta das mu- lheres socialistas, na busca pelos seus direitos, por dignidade e justiça, dessa forma conclamamos as mulheres traba- lhadoras do campo e cidade a se juntar na luta feminista. Para tanto, elaboramos esse folder que tem por objetivo abordar algumas temáticas que na atual conjuntura, merecem nossa luta e vigilância, entre elas, a questão de Gênero, Feminismo e a Luta das Mulheres e a Previdência Pública, Universal e Solidária e a Con- dição de Seguradas/os Especiais. Pedi- mos às companheiras que façam o estu- do do mesmo nas comunidades e grupos de base, com o intuito de fortalecer as lutas do 8 de março. Questões de gênero, feminismo e luta das mulheres A lguns estudos afirmam que o con- ceito de gênero tem origem a partir da fundação do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos na Universida- de de Birmingham, Inglaterra, na década de 1960, mas só a partir dos anos de 1970 e 1980 que o conceito ganha força. Vale ressaltar que o conceito de gênero foi for- mulado pela teoria feminista afim de des- naturalizar as diferenças que causam desigualdades nas relações sociais entre homens e mulheres. Por consequência de uma sociedade que cultiva uma cultura Androcêntrica, ou seja, baseada em normas e valores que promovem sujeitos masculinos, excluindo as mulhe- res de posições de poder, sendo regida pelo sistema capitalista e pela cultura patriarcal, a ideia de gênero limita-se muitas vezes ao binarismo que é um modo de pensar que di- vide tudo em dois, sem considerar toda uma gama intermediária de possibilidades. Mas- culino versus Feminino, na qual o gênero masculino é superior ao feminino. Relações sociais de gênero, correspondem a relações de poder, onde o masculino é hegemônico, tendo essa preponderância de alguma coisa sobre outra. Domínio. Poder. Sendo as relações sociais de gêne- ro, consequentemente relações de poder, criou-se ao longo da história um processo pedagógico que tem início antes mesmo do nascimento, quando há distinção de cores e expectativas diferenciadas para os homens e mulheres quanto ao estudo, trabalho, vida social, política, e que já se espera o enqua- dramento da criança ao gênero correspon- dente. Isso cristaliza e reforça desigualda- des entre homens e mulheres em torno de vários eixos, entre eles podemos destacar a sexualidade, a divisão social e sexual do trabalho, a reprodução e relação público/ privado. A divisão social e sexual do trabalho não se desvincula da reprodução. O ato de gestar outro ser humano que deveria ser em si uma fonte de poder foi e ainda é contro- lada pelo Estado, pelos homens. Esse con- trole é percebido quando as mulheres com menos de 30 anos e que tem menos de três filhos precisam de uma autorização do ma- rido para a realização da laqueadura. O fato de a mulher engravidar, parir e amamen- tar as crianças diminui as possibilidades de trabalho e estudo e limita a vida das mulhe- res a casa e tarefas reprodutivas. O trabalho na roça inicia muito cedo. É uma atividade peno- sa, desvalorizada e com pouca remuneração, necessitando uma previdência que lhe de segurança quando passar por dificulda- des. Ao longo dos 32 anos de organização, o Movimento de Mu- lheres Camponesas tem como uma das principais bandeiras de luta os direitos previdenciários das seguradas e segurados espe- ciais, neste sentido reafirmamos e defendemos a necessidade de: Manter o princípio da Previdência Pública, Universal e Solidária; • Manter os segurados especiais como segurados obri- gatórios da previdência; • Manter as regras atuais para concessão de todos os benefícios, com acesso a partir da comprovação da atividade rural; • Manter o custeio a partir da contribuição com 2,3% sobre a produção comercializada; • Salário maternidade; • Manter o critério Idade, 55 anos para mulheres e 60 anos para homens, com comprovação dos últimos 15 anos de atividade rural, para fins da aposentadoria; • Implantar o Bloco de Notas de Produtor/a em todo Brasil, contribuindo assim, com a arrecadação. Como forma de arrecadar recursos para o financiamen- to da previdência e o combate a sonegação propomos: • Implantar medidas de enfrentamento à sonegação atra- vés da alteração na legislação, impedindo que empresas em situação de inadimplência com a Previdência Social sejam beneficiadas com programas de renegociação de dívidas, incentivos fiscais e outros mecanismos. • Incorporar ao financiamento da Seguridade Social a contribuição sobre grandes fortunas, a taxação sobre transações financeiras internacionais, a contribuição sobre o faturamento do setor do agronegócio para o pagamento dos segurados e seguradas especiais. Além de contribuir com 2,3% de toda a produção comercia- lizada, a agricultura camponesa e familiar tem contribuição im- portante para a sociedade brasileira, ao desenvolver um conjun- to de atividades cotidianas não reconhecidas e nem valorizadas. Segundo dados do IBGE/2010, a agricultura camponesa e fami- liar, apesar de possuir somente 24% das terras agricultáveis, pro- duz 70% dos alimentos que vão para a mesa do povo brasileiro. Em sua organização cotidiana as famílias dedicam tempo para a proteção de fontes de água, ajardinamento, destinação de lixo, o cuidado e promoção da saúde através das plantas medicinais, o cuidado com a biodiversidade e conservação das sementes. Como trabalhadoras/es, são responsáveis pela aquisição e manu- tenção das ferramentas e maquinários, além de exercer um traba- lho pesado e penoso, sem garantia de adicional de insalubridade e periculosidade, enfrentando intempéries climáticas (sol, frio, calor, chuva, geada). Assumindo os riscos para a saúde e para a produção. O cuidado na produção de alimentos, em especial animal, exige que o grupo familiar trabalhe oito dias por semana, sem férias e com jornadas superiores há 8 horas diárias. Para as mulheres além do trabalho da produção pesa sobre elas o trabalho da casa, da educação das/os filhas/os, da ali- mentação, cuidado de crianças, doentes e idosas/os, porta- dores de necessidades especiais, entre outros. Desta forma, a maioria das pessoas tem pouco tempo para a prática de esporte, cultura, lazer e estudo. Outro fator importante, e que precisa ser levado em conta, é de que segundo a Associa- ção Nacional dos Auditores Fis- cais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), em 2011, 70%, ou seja, 3.875 dos municípios brasileiros tinham sua maior fonte pública de renda oriunda dos benefícios da Previdência, superando inclu- sive o chamado Fundo de Parti- cipação dos Municípios (FPM), que é repassado pelo governo fe- deral. De acordo com o presiden- te da referida associação na épo- ca, Álvaro Solón, se “não fossem os benefícios previdenciários, a maioria dos municípios esta- ria na barbárie, eles funcionam como âncora social”. De 1988 a 1994, o Movimento de Mu- lheres Camponesas e outras organizações do campo viveram um período de intensa organização de base, com mobilização e ar- ticulação para regulamentar a Previdência Rural. Esta luta resultou na Lei 8.212/91 que trata do custeio, e a Lei 8.213/91 que trata dos benefícios, disciplinando o regime geral da previdência social, também fazen- do o enquadramento das/os trabalhado- ras/es rurais. São considerados Segurados Especiais: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rural, o pescador artesanal e seus assemelhados, que exercem essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, com ou sem auxílio eventual de terceiros, bem como seus res- pectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 16 anos de idade ou a eles equi- parados, desde que trabalhem comprova- damente com o grupo familiar. É importante ressaltar que os Segura- dos Especiais estão dispensados de compro- var contribuição (2,3% de toda a produção que vendem), porém, precisam comprovar o exercício de atividade rural todas as vezes que forem encaminhar benefícios previden- ciários. A Constituição Federal reconheceu a luta das trabalhadoras/es, quando tratou de forma diferente os urbanos e os rurais, garantindo assim, os princípios da univer- salidade e solidariedade da previdência. dia de luta, resistência e enfrentamento das mulheres trabalhadoras 8 de março Fortalecer a luta em defesa da vida! Todos os dias! 8 de março de 2016 Apoio: Produção:

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Page 1: T 8 de março - mmcbrasil.com.br · dição de Seguradas/os Especiais. Pedi-mos às companheiras que façam o estu-do do mesmo nas comunidades e grupos de base, com o intuito de fortalecer

Todo ano, ao se aproximar o Dia Internacional da Mulher – 8 de março, a sociedade se mobi-

liza de muitas formas, as mulheres são convidadas a participar de audiências públicas, festas, homenagens, recebem fl ores, sendo essa uma estratégia de mascarar o real signifi cado dessa data, mantendo as mulheres submissas e ca-tivas do sistema capitalista e patriarcal que violenta, explora e mata diariamen-te milhares de mulheres em nosso país.

Para o Movimento de Mulheres Camponesas, essa data sempre foi pautada na luta, enfrentamento e resistência das mulheres trabalhadoras, que organizadas, denunciam as amaras desse sistema, se organizando, estudando, questionando, reivindicando direitos. As mulheres atuam de forma coletiva, pro-pondo novas relações de gênero baseadas no respeito e igualdade, na construção do projeto de agricultura camponesa, agroe-cológica, feminista e socialista e a trans-formação da sociedade.

Nesse sentido queremos reafi rmar que o 8 de março nasce da luta das mu-lheres socialistas, na busca pelos seus direitos, por dignidade e justiça, dessa forma conclamamos as mulheres traba-lhadoras do campo e cidade a se juntar na luta feminista.

Para tanto, elaboramos esse folder que tem por objetivo abordar algumas temáticas que na atual conjuntura, merecem nossa luta e vigilância, entre elas, a questão de Gênero, Feminismo e a Luta das Mulheres e a Previdência Pública, Universal e Solidária e a Con-dição de Seguradas/os Especiais. Pedi-mos às companheiras que façam o estu-do do mesmo nas comunidades e grupos de base, com o intuito de fortalecer as lutas do 8 de março.

Questões de gênero, feminismoe luta das mulheres

A lguns estudos afi rmam que o con-ceito de gênero tem origem a partir da fundação do Centro de Estudos

Culturais Contemporâneos na Universida-de de Birmingham, Inglaterra, na década de 1960, mas só a partir dos anos de 1970 e 1980 que o conceito ganha força. Vale ressaltar que o conceito de gênero foi for-mulado pela teoria feminista afi m de des-naturalizar as diferenças que causam desigualdades nas relações sociais entre homens e mulheres.

Por consequência de uma sociedade que cultiva uma cultura Androcêntrica, ou seja, baseada em normas e valores que promovem sujeitos masculinos, excluindo as mulhe-res de posições de poder, sendo regida pelo sistema capitalista e pela cultura patriarcal, a ideia de gênero limita-se muitas vezes ao binarismo que é um modo de pensar que di-vide tudo em dois, sem considerar toda uma gama intermediária de possibilidades. Mas-culino versus Feminino, na qual o gênero masculino é superior ao feminino. Relações sociais de gênero, correspondem a relações de poder, onde o masculino é hegemônico, tendo essa preponderância de alguma coisa sobre outra. Domínio. Poder.

Sendo as relações sociais de gêne-ro, consequentemente relações de poder, criou-se ao longo da história um processo pedagógico que tem início antes mesmo do nascimento, quando há distinção de cores e expectativas diferenciadas para os homens e mulheres quanto ao estudo, trabalho, vida social, política, e que já se espera o enqua-dramento da criança ao gênero correspon-dente. Isso cristaliza e reforça desigualda-des entre homens e mulheres em torno de vários eixos, entre eles podemos destacar a sexualidade, a divisão social e sexual do trabalho, a reprodução e relação público/privado.

A divisão social e sexual do trabalho não se desvincula da reprodução. O ato de gestar outro ser humano que deveria ser em si uma fonte de poder foi e ainda é contro-lada pelo Estado, pelos homens. Esse con-trole é percebido quando as mulheres com menos de 30 anos e que tem menos de três fi lhos precisam de uma autorização do ma-rido para a realização da laqueadura. O fato de a mulher engravidar, parir e amamen-tar as crianças diminui as possibilidades de trabalho e estudo e limita a vida das mulhe-res a casa e tarefas reprodutivas.

O trabalho na roça inicia muito cedo. É uma atividade peno-sa, desvalorizada e com pouca remuneração, necessitando uma previdência que lhe de segurança quando passar por difi culda-des. Ao longo dos 32 anos de organização, o Movimento de Mu-lheres Camponesas tem como uma das principais bandeiras de luta os direitos previdenciários das seguradas e segurados espe-ciais, neste sentido reafi rmamos e defendemos a necessidade de:

• Manter o princípio da Previdência Pública, Universal e Solidária;

• Manter os segurados especiais como segurados obri-gatórios da previdência;

• Manter as regras atuais para concessão de todos os benefícios, com acesso a partir da comprovação da atividade rural;

• Manter o custeio a partir da contribuição com 2,3% sobre a produção comercializada;

• Salário maternidade;• Manter o critério Idade, 55 anos para mulheres e 60

anos para homens, com comprovação dos últimos 15 anos de atividade rural, para fi ns da aposentadoria;

• Implantar o Bloco de Notas de Produtor/a em todo Brasil, contribuindo assim, com a arrecadação.

Como forma de arrecadar recursos para o fi nanciamen-to da previdência e o combate a sonegação propomos:

• Implantar medidas de enfrentamento à sonegação atra-vés da alteração na legislação, impedindo que empresas em situação de inadimplência com a Previdência Social sejam benefi ciadas com programas de renegociação de dívidas, incentivos fi scais e outros mecanismos.

• Incorporar ao fi nanciamento da Seguridade Social a contribuição sobre grandes fortunas, a taxação sobre transações fi nanceiras internacionais, a contribuição sobre o faturamento do setor do agronegócio para o pagamento dos segurados e seguradas especiais.

Além de contribuir com 2,3% de toda a produção comercia-lizada, a agricultura camponesa e familiar tem contribuição im-portante para a sociedade brasileira, ao desenvolver um conjun-to de atividades cotidianas não reconhecidas e nem valorizadas.

• Segundo dados do IBGE/2010, a agricultura camponesa e fami-liar, apesar de possuir somente 24% das terras agricultáveis, pro-duz 70% dos alimentos que vão para a mesa do povo brasileiro.

• Em sua organização cotidiana as famílias dedicam tempo para a proteção de fontes de água, ajardinamento, destinação de lixo, o cuidado e promoção da saúde através das plantas medicinais, o cuidado com a biodiversidade e conservação das sementes.

• Como trabalhadoras/es, são responsáveis pela aquisição e manu-tenção das ferramentas e maquinários, além de exercer um traba-lho pesado e penoso, sem garantia de adicional de insalubridade e periculosidade, enfrentando intempéries climáticas (sol, frio, calor, chuva, geada). Assumindo os riscos para a saúde e para a produção.

• O cuidado na produção de alimentos, em especial animal, exige que o grupo familiar trabalhe oito dias por semana, sem férias e com jornadas superiores há 8 horas diárias.

• Para as mulheres além do trabalho da produção pesa sobre elas o trabalho da casa, da educação das/os fi lhas/os, da ali-mentação, cuidado de crianças, doentes e idosas/os, porta-dores de necessidades especiais, entre outros.Desta forma, a maioria das pessoas tem pouco tempo para a

prática de esporte, cultura, lazer e estudo. Outro fator importante, e que precisa ser levado em conta, é de que segundo a Associa-ção Nacional dos Auditores Fis-cais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), em 2011, 70%, ou seja, 3.875 dos municípios brasileiros tinham sua maior fonte pública de renda oriunda dos benefícios da Previdência, superando inclu-sive o chamado Fundo de Parti-cipação dos Municípios (FPM), que é repassado pelo governo fe-deral. De acordo com o presiden-te da referida associação na épo-ca, Álvaro Solón, se “não fossem os benefícios previdenciários, a maioria dos municípios esta-ria na barbárie, eles funcionam como âncora social”.

De 1988 a 1994, o Movimento de Mu-lheres Camponesas e outras organizações do campo viveram um período de intensa organização de base, com mobilização e ar-ticulação para regulamentar a Previdência Rural. Esta luta resultou na Lei 8.212/91 que trata do custeio, e a Lei 8.213/91 que trata dos benefícios, disciplinando o regime geral da previdência social, também fazen-do o enquadramento das/os trabalhado-ras/es rurais. São considerados Segurados Especiais: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rural, o pescador artesanal e seus assemelhados, que exercem essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, com ou sem auxílio

eventual de terceiros, bem como seus res-pectivos cônjuges ou companheiros e fi lhos maiores de 16 anos de idade ou a eles equi-parados, desde que trabalhem comprova-damente com o grupo familiar.

É importante ressaltar que os Segura-dos Especiais estão dispensados de compro-var contribuição (2,3% de toda a produção que vendem), porém, precisam comprovar o exercício de atividade rural todas as vezes que forem encaminhar benefícios previden-ciários. A Constituição Federal reconheceu a luta das trabalhadoras/es, quando tratou de forma diferente os urbanos e os rurais, garantindo assim, os princípios da univer-salidade e solidariedade da previdência.

dia de luta, resistênciae enfrentamento dasmulheres trabalhadoras

8 de março

Fortalecer a lutaem defesa da vida!

Todos os dias!8 de março de 2016

Apoio:Produção:

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Estamos vivenciando uma cres-cente onda conservadora e rea-cionária que ataca e fere os di-

reitos da classe trabalhadora do nosso país. Somente no último período vimos alguns projetos de leis, Propostas de Emendas à Constituição - PEC’s e Co-missões Parlamentares de Inquéritos - CPIs que são verdadeiros retrocessos tramitando no congresso nacional, en-tre eles: Terceirização e precarização dos direitos trabalhistas, desmonte do SUS, ataque aos Planos Municipais de Educação - PMEs com a chamada “ideo-logia de gênero” assim denominada pela bancada evangélica, redução da maiori-dade penal, estatuto de família, agenda Brasil, ajuste fi scal, junção da Secretaria de Políticas para as Mulheres - SPM, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, Secretaria de Direitos Humanos - SDH, ataque aos direitos previdenciários, a não im-plementação do Programa Nacional de Redução do uso de Agrotóxicos - PRO-NARA, fl exibilização do código da mine-ração, PEC 215 que passa a demarcação de terras indígenas e quilombolas para o Congresso, criminalização do Institu-

to Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e da Fundação Nacio-nal do Índio - FUNAI por meio das CPIs, criminalização dos movimentos sociais populares com o Projeto de Lei - PL do Terrorismo e recentemente a restrição do uso da pílula do dia seguinte para as mulheres vítimas de estupro, por meio do PL 5069.

Todos esses ataques são refl exos de um congresso conservador, clas-sista, reacionário, machista, racista, homofóbico, intolerante, autoritário e religioso-fundamentalista que paga a dívida com as empresas que fi nancia-ram suas campanhas e por isso priva-tiza, terceiriza, excluí e explora. É essa a lógica devastadora do Capital.

Diante dessa confi guração preo-cupante, a democracia brasileira cor-re sérios riscos de ser violada e o que vemos a todo o momento veicular na mídia é a incitação à violência sob acusação de corrupção que manobra e direciona a população em atos fas-cistas, como os atos pró impeachment que defendem a volta da ditadura, por exemplo.

Diante da atual crise mundial, per-cebe se que a burguesia e as forças conservadoras se aliam para não

perder as regalias que as mantiveram ex-plorando a classe trabalhadora historica-mente. Um dos focos centrais está sendo a retirada dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores, por isso é necessário refor-çar a luta em defesa da previdência pública universal e solidária e da condição de segu-radas/os especiais.

A conquista de direitos, historicamen-te, foi marcada por lutas e grandes mobili-zações, durante a década de 1980, pastorais sociais, movimentos populares e sindicais marcaram este período com um processo de mobilização, debate e reivindicação para que fossem garantidos os direitos na Cons-tituição Brasileira.

Esta mobilização trouxe avanços: a con-solidação da Previdência Pública Universal e Solidária, capaz de garantir a proteção a todas as pessoas nos momentos de difi cul-dade em suas vidas, bem como a condição de Seguradas Especiais para todas/os as/os trabalhadoras/es rurais.

O parágrafo 8º do Art. 195 da Consti-tuição Federal de 1988 garante que:

“O produtor parceiro, o meeiro, os arrendatários rurais e o pescador arte-sanal, bem como o respectivo cônjuge, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão com a se-guridade social mediante aplicação de uma alíquota, sobre o resultado da co-mercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da Lei”.

O sistema capitalista e patriarcal apropria-se duplamente da for-ça de trabalho da mulher. Com os

avanços e conquistas dos nossos direitos, é inegável que temos mais acesso ao merca-do de trabalho e podemos afi rmar que hoje temos mais autonomia econômica, mas isso traz graves consequências para a saúde física e mental de todas nós, pois além do trabalho fora de casa, remunerado que con-tribui no orçamento familiar, temos ainda que realizar os trabalhos domésticos, não remunerados, além dos trabalhos psicoló-gicos e de cuidados da família. O sistema capitalista não paga e invisibiliza o trabalho reprodutivo realizado pelas mulheres.

Em relação ao público/privado vários estudos já demonstraram que mesmo as mulheres tendo mais escolaridade que os homens elas continuam sem ocupar papéis de decisão na sociedade, como por exem-plo, nas decisões políticas do país onde são sub-representadas, as mulheres são mais da metade da população brasileira e me-nos de 10% no congresso. Isso tem refl exo na construção de desigualdade de gênero que historicamente negou e ainda nega o direito da mulher em participar dos espa-ços de decisões na sociedade.

Mas, por ser uma construção social e não natural o conceito e as percepções de gênero são mutáveis, varia de acordo com a história. Houve uma época, por exemplo, em que votar era “coisa de homem”, sabemos que hoje essa lógica não funciona mais, ou seja, há mudanças nos padrões do que é ser um homem e do que é ser uma mulher já que

não existe “essência feminina” e nem “essên-cia masculina” e sim construção sociocul-tural, como disse uma grande feminista de nossa história, Simone Beauvoir, “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”.

O argumento de natureza provoca, ain-da nos dias atuais, vários preconceitos e es-tereótipos de origem cultural. O pensamento religioso-fundamentalista, amparado pelos setores conservadores, designa, por exem-plo, que é da natureza que homens do sexo masculino se relacionem com mulheres do sexo feminino, entendendo sexo aqui como anatomias corporais de nascimento. Atribui que a mulher é frágil, sensível e que o ho-mem, ao contrário é forte, insensível e assim por diante, numa lógica que se contrapõe a qualquer outra expressão não “natural” da sexualidade, denominando a homossexuali-dade, transgeneridade e práticas sexuais não reprodutivas como criminosas, pecamino-sas, doentias, imorais, desviantes, merece-doras de punição por não corresponderem ao modelo de heterossexualidade tido como única maneira de expressão sexual.

Entendendo as identidades de gênero em constante construção e considerando a sexualidade como expressões individuais de desejo e prazer orientadas a sujeitos do mesmo sexo, de ambos os sexos ou de sexo oposto, cabe ressaltar que a imposição cul-tural e social da heterossexualidade como norma, resulta em variadas formas de vio-lência, pois desconsidera a diversidade. Di-fi cultando, por consequência, a construção de identidades de gênero e orientações se-xuais que sejam coerentes com a individua-

lidade da jovem ou do jovem em formação excluindo, por vezes, pessoas LGBT (Sigla que engloba pessoas Lésbicas, Gays, Bisse-xuais, Transexuais) do espaço escolar.

Atualmente, desconsiderando o prin-cípio de laicidade do Estado os planos municipais de educação – PME sofreram graves ataques, sendo retirada dos planos qualquer menção a gênero e diversidade sexual, isso implica numa ação reacioná-ria, já que o intuito não é somente manter e não avançar no debate que promova o respeito à diversidade, e igualdade de gê-nero na escola e consequentemente na so-ciedade, e bem pior é retroceder, em direi-tos já conquistados.

A bancada religiosa, distorcidamente argumenta que, discutir gênero nas esco-las é um “perigo” à família, desconside-rando toda uma produção de saberes no campo científi co e intelectual que busca compreender processos históricos e cultu-rais no intuito de desconstrução de hierar-quia de um gênero sobre outro.

Nesse sentido, as relações de gênero nos colocam, inevitavelmente, em contato com o outro e há várias maneiras de perce-ber o outro e se relacionar, pois o outro é tudo aquilo que é exterior ao eu. Esse viés de pensamento nos faz pensar que esse ou-tro não representa somente homens, mu-lheres, trans, gays, lésbicas. O outro é tudo aquilo que não sou eu, mas que convivo e com isso me infl uencia/altera de alguma forma, me tira da estabilidade de um ser engessado. Nesse sentido, respeitar o ou-tro é respeitar a si.

EXPLOSÃO CONSERVADORA

Uma necessidade de enfrentamento

E ssa realidade atinge de modo mui-to cruel a vida de nós mulheres da classe trabalhadora, bem como

toda a população LGBT, já que barra di-reitos e nega a diversidade para essas “mi-norias” historicamente afetadas por esse modelo de sociedade.

O estatuto da família diz que casais homoafetivos não são famílias, além de desconsiderar um dos modelos de família mais presentes no Brasil que é o da mulher solteira e mãe; precarizar o SUS é reforçar que a mulher é responsável pelo cuidado de outros, principalmente a mulher que vive no campo, já que os planos de saúde serão pagos pelas empresas empregado-ras e o arranjo econômico do campo fi cará fora de tal lógica; a negação do debate de gênero nas escolas, bem como a redução da maioridade penal, culpabiliza as mu-lheres por quaisquer condutas dos fi lhos e fi lhas, cristalizando a ideia de que é res-ponsabilidade das mulheres a educação e “orientação” de seus fi lhos e fi lhas e que, portanto, o seu lugar é o espaço doméstico e não o espaço público.

O ataque a SPM é um modo de silen-ciar todos os casos de violência e femini-cídio que existem em nosso país, que são alarmantes, segundo o mapa da violência divulgado recentemente pela Faculda-de Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) onde o Brasil ocupa o 5º lugar com maior índice de homicídios femininos numa lista que reúne mais de 80 países.

Por fi m, um projeto de lei que culpabi-liza, discrimina e nega direito à informação para mulheres em processo de aborto, le-gitimando o estupro pois, consiste em pe-nalizar a mulher pelo uso da pílula do dia seguinte e não ao homem pela violência.

Com um olhar mais atento veremos como todas essas manobras são uma ten-

tativa de empurrar a mulher para dentro de casa novamente de onde elas, segundo essa lógica conservadora e reacionária, nunca deveriam ter saído e assim as fa-mílias estariam estruturadas, não seriam mortas nem estupradas. Como sempre a culpa recai sobre as mulheres.

Estamos sofrendo com a coalizão do pacto de classes no Brasil que faz com que as forças conservadoras se unifi quem numa aliança liberal-conservadora que ataca direitos, incitam o ódio e violência, ora por meio de consenso com a ajuda da mídia, ora por meio da coerção/violência usando os termos da lei para prender jo-vens negros e pobres, criminalizar mulhe-res e população LGBT, ferindo conquistas signifi cativas da classe trabalhadora.

É diante da conjuntura em que cin-co mulheres são espancadas a cada 2 mi-nutos, em que uma mulher é estuprada a cada 11 minutos e a cada 90 minutos ocor-re um caso de feminicídio, além de cerca de 180 relatos de agressão ao dia e cerca de 160 mil mulheres vítimas de homicídio de 1980 ao ano de 2013, que afi rmamos o enfrentamento ao projeto capitalista e pa-triarcal. É preciso romper com esse mode-lo de sociedade, só assim poderemos forjar outras relações sociais e de gênero.

Contudo, não podemos pensar rela-ções de gênero, baseada em novos arranjos de relações sociais sem demarcar o lugar de onde falamos de onde estamos e nos posicionamos diante do mundo. Enquanto mulheres camponesas, entendemos que é preciso sim garantir o debate sobre gênero numa perspectiva de garantir equidade e abertura a diversidade, assim como lutar-mos pela superação biologizante de infe-rioridade da mulher na sociedade.

No entanto, a luta segue por outros arranjos baseados em novas estruturas so-

ciais, políticas e econômicas, afi rmando a produção de alimentos saudáveis, com re-cuperação, produção e multiplicação das sementes crioulas como patrimônio dos povos a serviço da humanidade, afi rman-do o projeto de agricultura agroecológica, camponesa e feminista.

Não acreditamos, nem buscamos, por exemplo, o “aperfeiçoamento”

do sistema capitalista como algumas vertentes do feminismo liberal de-

fendem. Reafi rmamos o feminismo articulado com a luta de classes, rea-

fi rmamos a luta pelo socialismo na construção de um feminismo cam-

ponês popular e revolucionário.Nós, mulheres camponesas reafi rma-

mos a necessidade de uma escola democrá-tica que respeite as diversidades de gênero, bem como étnicas, culturais, religiosas e geográfi cas, defendemos o enfrentamento a violência contra a mulher e outras for-mas de opressão de gênero, defendemos o SUS, bem como seu aperfeiçoamento e ampliação, lutamos pela Reforma Agrária, pela Soberania de nossos territórios e nos-so País, e por políticas públicas que aten-dam o rol das necessidades do campo, lu-tamos pelo reconhecimento e valorização de nosso trabalho e não aceitaremos retro-cessos de direitos conquistados às custas das lutas populares.

Nesse sentido é preciso avançar na luta pela transformação da sociedade, con-siderando a pluralidade de sujeitos e para isso apostamos na militância feminista e popular, pois temos consciência de que a luta das mulheres não apenas acrescenta elementos no campo da política, a luta das mulheres muda radicalmente a política e perturba o sistema capitalista e patriarcal. Apostamos também na articulação com outros movimentos populares do campo da esquerda.

Mas o que esta realidade tem a ver com as relações de gênero, afi nal?

PREVIDÊNCIA PÚBLICA UNIVERSAL E SOLIDÁRIAe a condição de seguradas/os especiais