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Tarefas de investigação no ensino e aprendizagem das sucessões
Magda Pereira Escola Secundária com 3º CEB do Sabugal
Manuel Joaquim Saraiva
Departamento de Matemática da Universidade da Beira Interior, Covilhã
1. Introdução
Como importante veículo para introduzir conceitos e ideias matemáticas e
aprofundar os conteúdos já leccionados em aulas anteriores, torna-se fundamental que o
professor proponha aos seus alunos situações que permitam explorar e descobrir
Matemática. Investigar na sala de aula proporciona ao professor e aos alunos liberdade
de criação, utilização e comparação de uma ampla variedade de representações mentais,
de conjectura e de métodos de resolução. Mas, como integrar e implementar nas aulas
tarefas de investigação matemática, atendendo à necessidade de leccionar os conteúdos
matemáticos e de desenvolver as competências nos alunos explicitadas nos documentos
oficiais? Como articular com as investigações outro tipo de tarefas, como a resolução de
exercícios e problemas e os momentos de exposição de temas matemáticos?
No âmbito de um estudo efectuado pela primeira autora do texto, aquando da
realização de uma experiência com alunos do 11º ano de escolaridade, no estudo das
sucessões, no ano lectivo 2002/2003, será apresentada uma tarefa de investigação
matemática e as estratégias adoptadas pela professora/investigadora e pelos alunos, quer
durante a implementação das tarefas, quer nas aulas que a mediaram, bem como
algumas conclusões que decorreram do estudo em causa.
2. O conhecimento, o ensino, a aprendizagem e as tarefas de investigação na aula
O conhecimento é hipotético e falível e a ciência progride a partir de problemas,
conjecturas e refutações (Lakatos, 1976). No processo criativo da Matemática, e para
Pólya (1977), a vertente indutiva assume um papel fundamental. Concordando com
estas perspectivas, Braumann (2002) afirma que a aprendizagem da Matemática reveste-
se de uma forte intervenção investigativa, onde a exploração, a descoberta de
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estratégias, a tentativa e o erro são processos que lhe estão inerentes e que se tornam
indispensáveis à sua aprendizagem.
Aprender é reconstruir com base na experiência, reconvertendo a informação
num bem intelectual (Dewey, 1897), o que leva a que a reflexão sobre a experiência
desempenhe um papel preponderante na educação do indivíduo. Deste modo, o
professor tem uma função central no processo de aprendizagem dos alunos, assumindo
uma função dinamizadora na implementação e no desenvolvimento do currículo (Pires,
1999) - encarado como o fruto daquilo que o professor modela na articulação da
prescrição oficial com as condições intrínsecas à sua prática, às novas ideias e aos
significados que possui, condicionados pela sua formação (Kilpatrick, 1999), e não
apenas como o que vem estabelecido nos documentos oficiais. Este papel
importantíssimo do professor é defendido de forma clara por Pires, para quem “qualquer
que seja o seu papel, mais renovador ou mais conservador, os professores são sempre
protagonistas fundamentais do desenvolvimento do currículo” (Pires, 1999, p.3).
Para que os alunos desenvolvam plenamente as suas competências matemáticas
e assumam uma visão alargada da natureza desta ciência, Ponte (2003) defende que as
tarefas de exploração e investigação têm de ter um papel importante na sala de aula. A
introdução de tarefas desta natureza não deve, contudo, ser interpretada com
exclusividade, tal como defende Goldenberg (1996). Para este autor, este tipo de tarefas
introduz alguma variedade na “dieta” da aula e permite aos alunos conjecturar, explorar
conexões matemáticas existentes entre vários conceitos e matérias, descobrir processos
de resolução e resultados, bem como diversificar actividades.
Ponte, Oliveira, Brunheira, Varandas e Ferreira (1999) definiram quatro etapas
características de uma investigação matemática: 1- Formular a questão a investigar; 2-
Formular conjecturas relativamente a essa questão; 3- Testar as conjecturas e,
eventualmente, reformulá-las; 4- Validar e comunicar os resultados. Para Ponte (2003),
por sua vez, uma tarefa de investigação tem quatro dimensões básicas: i) O grau de
dificuldade, ii) a estrutura, iii) o contexto referencial e iv) o tempo requerido para a
sua resolução. Nesta perspectiva, e para este autor, faz sentido considerar tarefas de
vários tipos e de natureza diferentes, como os exercícios, os problemas, as explorações e
as investigações – concordando, desta forma, com Goldenberg. Os exercícios são tarefas
de dificuldade reduzida e de estrutura fechada. Os problemas também têm uma estrutura
fechada, mas têm um grau de dificuldade mais elevado. As explorações são tarefas que
têm um grau de dificuldade reduzida, mas têm uma estrutura aberta, à semelhança das
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investigações. Estas são tarefas de estrutura aberta, mas com um grau de dificuldade
elevada. Podemos distinguir exploração de investigação consoante o grau de dificuldade
da tarefa, designando por exploração uma investigação fácil, tendo em conta que o que
as distingue é o seu grau de dificuldade.
Quando o objectivo de uma aula é promover a investigação matemática, o
professor pode escolher apenas uma situação e deixar para os seus alunos a definição
dos próprios problemas dentro da situação que, posteriormente, tentarão resolver
seguindo um determinado caminho, maximizando assim o desenvolvimento do seu
poder matemático.
Muito embora não haja uma metodologia universalmente aplicável sob a forma
de “receita”, no entanto existem estratégias de ensino e de organização do trabalho dos
alunos mais adequadas e outras mais inadequadas para cada fim pretendido e para cada
situação concreta, “cabe ao professor conhecer as alternativas disponíveis e conhecer-se
a si próprio, sabendo até que ponto é capaz de usar com confiança e desembaraço cada
uma delas.” (Ponte; Boavida; Graça; Abrantes; 1997, p.95).
3. A actividade
Neste estudo, as tarefas de investigação acompanharam todo o tema das
sucessões e foram elaboradas/adaptadas a fim de poderem permitir abordar cada tópico
e cada conceito que se pretendia introduzir, explorar, ou, ainda, consolidar. A resolução
de todas as tarefas teve pontos comuns, tais como: um relatório escrito elaborado pelos
alunos (em grupo), onde relataram os raciocínios efectuados pelos mesmos durante cada
resolução; uma reflexão crítica escrita, redigida por cada aluno (de forma individual),
destinada à exposição de questões pertinentes e de esquemas que auxiliaram à resolução
de cada tarefa; a apresentação das resoluções a toda a turma, num ambiente de saudável
discussão, moderado e gerido pela professora/investigadora.
A elaboração de um plano integrador da tarefa de investigação
Na elaboração do seu plano para integrar tarefas de investigação matemática no
tema das sucessões, a professora/investigadora teve em consideração a aquisição de
técnicas e conhecimentos matemáticos específicos sob progressivos níveis de
complexidade e de abstracção:
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Quando pensei num plano que integrasse investigações matemáticas pensei, simultaneamente, como conceber uma série de investigações que, além de se integrarem harmoniosamente no currículo oficial (permitindo abordar a maioria dos tópicos essenciais do tema das sucessões), constituíssem um todo encaixado, onde cada tarefa suceda, quer à tarefa anterior, quer à aprendizagem dos alunos.
(Registos da professora/investigadora, 19/03/03)
Assim, a professora/investigadora pressupôs o aluno como o principal agente da
sua própria aprendizagem e considerou ser importante o desenvolvimento de
determinadas capacidades, tais como, o raciocínio, a comunicação e o uso da
Matemática na interpretação e intervenção do real, com base na própria experiência. Por
outro lado, ao planificar aulas para a resolução e discussão de cada tarefa, pressupôs o
desenvolvimento da confiança, de hábitos de trabalho e persistência, do sentido da
responsabilidade, do espírito de tolerância e de cooperação.
A elaboração de um relatório escrito (contendo as resoluções de cada grupo),
bem como a sua posterior apresentação, destinou-se i) à procura de informação
necessária a cada resolução, ii) ao desenvolvimento da persistência na procura de
soluções para uma situação nova, iii) à avaliação e à tomada de decisões e iv) à
apresentação dos trabalhos de forma organizada e cuidada (atendendo à importância de
saber exprimir e fundamentar opiniões, bem como revelar espírito crítico).
A tarefa “Os números pitagóricos”
A tarefa Os Números Pitagóricos tem como objectivo a construção de fórmulas
que traduzam regularidades de sucessões de certos números figurados (números
pitagóricos), evidenciando a relação existente com a Geometria:
Investigação: Os Números Pitagóricos
Um exemplo de uma sucessão de números pitagóricos:
A sucessão de Números Hexagonais
... (a sequência continua) H(1)=1 H(2)=6 H(3)=15 H(n)= ?
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Ø Escolhe números pitagóricos (figurados) e investiga acerca da(s) regularidade(s)
da sucessão que o(s) gera. Todos os resultados e raciocínios devem ser detalhadamente explicitados num relatório.
As aulas que precederam a implementação da tarefa
As aulas que precederam a exploração da tarefa Os Números Pitagóricos
destinaram-se ao estudo, intuitivo e seguindo uma metodologia heurística, do conceito
de limite de uma sucessão e de progressão aritmética.
Foram analisadas pelos alunos, com a orientação e coordenação da
professora/investigadora, várias situações de sucessões monótonas e limitadas,
exemplos de sucessões que não sendo monótonas convergiam para um limite e
resolvidos exercícios de aplicação dos conceitos leccionados extraídos do manual dos
alunos (para reforçar a importância da prática adquirida com a resolução de exercícios,
na aprendizagem da Matemática).
Nesta fase da aula (seguindo uma metodologia de descoberta guiada) procedeu-
se à exploração da sucessão n
un1
= . Importa referir que o empenho demonstrado por
alguns alunos foi evidente. Houve alunos que não hesitaram em afirmar que se tratava
de uma hipérbole, mas com domínio IN. Houve, inclusivamente, alunos que fizeram a
analogia do limite da sucessão em causa com a assimptota horizontal da função
xxf
1)( = .
Ainda nas aulas que antecederam a exploração da tarefa Os Números
Pitagóricos, após terem sido realizados alguns exercícios e problemas do manual dos
alunos em torno do conceito de sucessão convergente, a professora propôs a seguinte
situação:
Professora: Lembram-se da sucessão de triângulos, que construímos com fósforos, que estudámos na segunda tarefa de investigação? Alunos (de um modo geral): Sim. Professora (escrevendo no quadro os primeiros termos da sucessão, com o respectivo esquema): Construímos 1 triângulo com 3 fósforos, 2 triângulos com 5 fósforos, etc. Então ...;7;5;3 321 === uuu .
...
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Alunos (de um modo geral): Sim.
Professora: Estudámos o facto desta sucessão se assemelhar à sucessão dos números ímpares maiores do que 1. Dissemos que o seu termo geral é: 12 += nun . Assim, nesta sucessão, o que acontece a
2u relativamente a 1u ? José: 2u é maior que 1u . Isto é, 2u tem mais duas unidades que 1u . Professora: Muito bem. E o que acontece a 3u relativamente a 2u ? Francisco: 3u também tem mais duas unidades que 2u . Professora: E o que acontece a 1+nu relativamente a nu ? Carolina: Também tem mais duas unidades. Professora (ao mesmo tempo que escrevia no quadro): Então podemos dizer que INn,uuuu nnnn ∈∀=−⇔+= ++ 22 11 ? Carolina: O resultado dessa subtracção é sempre igual a dois! Professora: Exactamente. A esse valor, que é sempre constante, vamos chamar razão. Tentem definir nu...,u,u e32 “à custa” de 1u e desta razão (r=2). José: Como? Professora (escrevendo no quadro):
...uuuu 2escrever podemos 5 de e 3 De 1221 +===
José: 27 233 +=⇔= uuu .
Professora: Mas, por sua vez, 212 += uu . Ou seja, 2)2(2 123 ++=+= uuu . Como se escreve 4u , em “função” de 1u e de 2? Quem quer vir fazer ao quadro?
Célia (levantou-se): Eu vou! Então temos: 2)2)2(( 14 +++= uu . Professora: Podemos tirar esses parênteses? Célia: Podemos. Fica: 22214 +++= uu .
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Professora: Quantas vezes adicionamos o valor 2, em 4u ? Célia: Adicionamos três vezes. Professora: E quantas vezes adicionamos o valor 2, em 3u ?
José: Duas vezes.
Professora: Quantas vezes adicionamos o valor 2, em 2u ? Bernardina: Uma vez.
Professora: Quantas vezes adicionaríamos o valor 2, em 30u ? Luís: Vinte e nove vezes. Professora: Então podemos dizer que 2)1(1 ×−+= nuun .
(Aula, 12/05/03)
Seguidamente, com o mesmo tipo de metodologia, estudou-se o conceito de
progressão aritmética e no final da aula foi marcado um trabalho de casa individual que
consistia na elaboração de um resumo daquilo que cada aluno aprendeu, que
dificuldades sentiu e como as ultrapassou. Pretendeu-se, com este trabalho de casa,
facilitar o processo de memorização das fórmulas de progressão aritmética, exercitar a
capacidade de comunicar por escrito uma ideia e ao mesmo tempo facilitar o processo
de reflexão de cada aluno.
As aulas relativas à implementação da tarefa
Nas aulas em que foram diversificados momentos de investigação, com
resolução de exercícios, de problemas e momentos de construção de situações novas
(em discussão orientada pela professora/investigadora), os alunos foram conduzidos ao
desenvolvimento da capacidade de articular conceitos e raciocínios (dentro da mesma
aula). De facto, no decorrer das discussões sobre a tarefa de investigação, a
professora/investigadora promoveu a apresentação colectiva dos processos de resolução
usados e respectivos resultados. Esta situação verificou-se com a sucessão dos números
quadrados, rectangulares, hexagonais, entre outros (em discussão orientada pela
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professora). Como exemplo, tem-se a sucessão dos números quadrados, e respectiva
discussão, apresentada pelo grupo 2, como a seguir se mostra na figura 1:
Figura 1: A sucessão dos números quadrados, do grupo 2
Carla (do grupo 2): Foi mais difícil definir a sucessão por recorrência do que através de um único termo.
Professora: Porquê? Carla: Por recorrência, tivemos que pensar na soma do termo anterior com um número ímpar, logo juntar a sucessão dos números ímpares (já nossa conhecida) ao termo de ordem anterior. Na sucessão definida através de um único termo geral (ver figura 2), bastou analisarmos que, de termo para termo, obtemos o quadrado do índice.
(Aula, 19/05/03)
Figura 2: A generalização da sucessão dos números quadrados, do grupo2
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No entanto, nesta fase, o grupo 5 mostrou-se muito perspicaz, dando
continuidade ao raciocínio do grupo 2, no que refere à sucessão dos números quadrados.
E, durante a apresentação do seu trabalho, este grupo referiu o seguinte, mostrando para
a turma o que tinha descoberto:
Bernardina (do grupo 5): A sucessão dos números quadrados, quando definida por recorrência, obtém-se se somarmos ao termo anterior um número ímpar (como já explicaram as nossas colegas do grupo 2). Mas se, em vez de somarmos um número ímpar ao termo de ordem anterior, somarmos um número par, obtemos uma sucessão de números rectangulares.
(Aula, 19/05/03)
E, em seguida, projectaram os resultados apresentados na figura 3:
Figura 3: A sucessão dos números rectangulares, do grupo 5
Contudo, neste momento da apresentação do grupo 5, a
professora/investigadora, disse o seguinte:
Professora: Muito bem! Mas, devemos ter o cuidado de, na representação analítica da sucessão por recorrência, apresentar também o primeiro termo. Para que deste modo a sucessão comece em 1u . Bernardina (do grupo 5): Pois é! Nós esquecemo-nos. Carla (grupo 2): Nós também nos esquecemos! Professora (enquanto escrevia no quadro): Não faz mal. Vamos escrever agora! Então a sucessão dos números quadrados representa-
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se analiticamente, por: ( ) 1,,12
1
1
1 >∈∀
++=
=
−
nINnnuu
u
nn
.
Analogamente, a sucessão dos números rectangulares, representa-se
por: .1,,2
2
1
1 >∈∀
+=
=
−
nINnnuu
u
nn
Mas nós ainda não
definimos, sem ser por recorrência, a sucessão dos números rectangulares. Como ficaria definida essa sucessão? Carolina (do grupo 4): Nós definimos no nosso relatório. Mas como queríamos gerir o tempo durante a nossa apresentação, acabámos por não mostrar a sucessão dos números rectangulares. Professora: Queres vir explicar como raciocinaram?
(Aula, 19/05/03)
A Carolina levantou-se e, numa atitude muito responsável e entusiasmada,
mostrou o acetato aos colegas, ao mesmo tempo que ia explicando. Essa explicação
apresenta-se na Figura 4:
Figura 4: Explicação da sucessão dos números rectangulares, do grupo 4
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Houve também outras discussões geradas em torno das sucessões construídas
pelos alunos, como foi o caso do modo distinto de explorar a sucessão dos números
hexagonais apresentada pelo grupo 1 (ver figura 5) e pelo grupo 4 (ver figura 7):
Figura 5: Esquema da sucessão dos números hexagonais, do grupo1
Professora: No grupo 1, expliquem-nos melhor como chegaram ao termo geral da sucessão dos números hexagonais.
César (do grupo 1, aluno tímido, com resultados pouco satisfatórios à disciplina): Nós começámos a pensar o que acontece com os índices (de termo para termo) e chegámos à fórmula do termo geral.
E apresentaram, sendo o José a intervir, a figura 5 conjuntamente com o que
haviam escrito no relatório (ver figura 6):
Figura 6: A explicação da sucessão dos números hexagonais, do grupo 1
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José (grupo 1): Nós descobrimos que cada termo se obtém ao multiplicarmos o seu índice por um número ímpar. Como esse número não é sempre o mesmo, pois o 1º termo obtém-se quando multiplicamos o índice 1 pelo número ímpar um, o 2º termo obtém-se quando multiplicamos o índice 2 pelo número ímpar três, ... . Para o termo de ordem n basta multiplicar n por 2n-1. Professora: E por que é que não multiplicaram por 2n+1? José: Porque queremos que a nossa sucessão comece em um e se multiplicássemos por 2n+1 ficaríamos com uma sucessão cujo 1º termo seria três.
Professora: Por que é que, no grupo 4, na sucessão dos hexágonos vocês agrupam as bolas em cada termo (ver figura 7)? Luís (grupo 4): Verificámos que num hexágono formado com uma unidade ( 1u ) temos um grupo de uma unidade; num hexágono formado com seis unidades ( 2u ) temos três grupos de duas unidades; num hexágono formado com quinze unidades ( 3u ) temos cinco grupos de três unidades; e por aí em diante.
Figura 7: Esquema da sucessão dos números hexagonais, do grupo4
Professora: Muito bem. Então e no termo de ordem n como funcionariam esses agrupamentos?
Luís: É fácil! No termo de ordem n temos um hexágono formado com 2n-1 grupos de n unidades cada; o nosso raciocínio é idêntico ao apresentado pelos nossos colegas do grupo 1, aliás a explicação que apresentámos no relatório é a mesma; mas, nós usámos agrupamentos de bolas para explicarmos o que se estava a passar de termo para termo
Professora: Muito bem!
(Aula, 19/05/03)
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A diversificação de raciocínios, em torno da mesma situação, permitiu
estabelecer conexões com conceitos já estudados como, por exemplo, as progressões
aritméticas ligadas a figuras geométricas (ver figura 8). É o caso da explicação dada
pelo grupo 4, na sucessão de números hexagonais que, além de evidenciar originalidade,
requereu certamente muita capacidade de articulação e abstracção face ao esquema
efectuado (ver figura 8):
Professora: Este tipo de sucessão (progressão aritmética), que vocês consideraram com base no esquema da sucessão dos números hexagonais, pode construir-se também para outras sucessões de números pitagóricos? Carolina (grupo 4): Penso que sim.
Figura 8: A extensão à sucessão dos números hexagonais, do grupo 4
Professora: Vamos pensar no esquema dos números pentagonais que também têm no enunciado. Também podemos construir uma progressão aritmética seguindo o vosso raciocínio?
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Figura 9: O esquema da sucessão dos números pentagonais, que consta no enunciado da tarefa
Carolina: Também. Nesse caso teríamos uma progressão aritmética de razão r=3, porque 7;4;1 321 === uuu e assim sucessivamente. Professora: E para os restantes esquemas de sucessões de números pitagóricos que estão no enunciado da tarefa também podemos construir progressões aritméticas seguindo o vosso raciocínio.
(Aula, 19/05/03)
O desenvolvimento da criatividade e da capacidade de estabelecer conexões foi
também reconhecido pelos alunos nas suas reflexões críticas à tarefa, como a seguir se
apresenta:
Esta tarefa, na minha opinião, foi muito interessante, porque permitiu-me reparar que uma sucessão pode ser vista de diferentes maneiras, em diferentes contextos. A mesma sucessão pode ser uma progressão aritmética, pode ser definida por recorrência, sem ser por recorrência, etc. Para além disso, com esta tarefa tive a oportunidade de dar asas à imaginação e à criatividade.
(Célia, Grupo 3, R.C, 12/05/03)
A implementação de um plano onde estão integradas, de forma mediada, tarefas
investigativas, a resolução de problemas e de exercícios auxiliou os alunos à percepção
da Matemática como um todo integrado, tal como referem alguns alunos e
concretamente a aluna Inês:
Agora percebi que as matérias de Matemática não são como as matérias de História ou de Geografia (por exemplo) em que se estuda uma matéria e ela pára nela mesma. Aqui na Matemática está tudo interligado. As investigações são um bom exemplo disso.
(Inês, Grupo 2, Entrevista, 12/06/03)
As aulas que sucederam a implementação da tarefa
A diversificação de tarefas associadas ao desenvolvimento da capacidade de
articular conceitos e raciocínios ficou, também, evidente na resolução da tarefa de
exploração que a professora/investigadora propôs aos alunos após a realização da
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investigação Os Números Pitagóricos. Esta exploração foi destinada à introdução do
conceito de progressão geométrica; constava da transmissão de um segredo, que
inicialmente apenas duas pessoas conheciam, mas que, de 10 em 10 minutos, foi sendo
revelado a três pessoas diferentes. Pretendia-se saber a quantas pessoas estava a ser
revelado o segredo passado uma hora do processo de transmissão começar, bem como
saber quantas pessoas já sabiam esse segredo passada essa hora. Posteriormente,
pretendia-se a generalização das duas situações referidas, ou seja, saber a quantas
pessoas estava a ser revelado o segredo, bem como saber quantas pessoas já tinham
conhecimento do segredo passado um determinado tempo.
A resolução e a discussão da exploração em causa decorreram em 90 minutos.
Inicialmente, foi dado tempo aos alunos para explorarem a tarefa. Posteriormente, a
professora/investigadora promoveu algum confronto de resultados e processos usados.
Figura 10: Resolução apresentada pelo grupo 4
Nenhum grupo conseguiu representar analiticamente uma expressão que
permitisse determinar o número total de pessoas que tinha conhecimento do segredo ao
fim de algum tempo (ver figura 10). Porém, em discussão colectiva, construiu-se essa
resposta, bem como o termo geral de uma progressão geométrica e a soma de termos de
uma progressão geométrica. A discussão em causa deu origem ao seguinte diálogo:
Célia (do grupo3): Nesta situação também temos uma razão, também é uma progressão aritmética? Professora: Obtemos um determinado termo somando essa razão ao termo anterior? Pedro (do grupo 4): Não, é multiplicando.
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Professora: Então não se trata de uma progressão como a que já estudámos (progressão aritmética), trata-se de um outro tipo de progressão, ou seja, trata-se de uma progressão geométrica. Agora que já definiram a sucessão por recorrência, tentem generalizar usando apenas uma única expressão. Pedro: Trabalhamos com a razão? Professora: Com a razão e com o primeiro termo.
(Aula, 22/05/03)
E, seguindo uma metodologia heurística, num raciocínio análogo ao usado na
aula onde foi construído o termo geral de uma progressão aritmética, construiu-se o
termo geral da sucessão em causa ( ),32 1 INnu nn ∈∀×= − e, seguidamente, a
professora formalizou o conceito de progressão geométrica e validou as respectivas
fórmulas (termo geral e soma de termos). Posteriormente, e procedendo de modo
análogo, construiu-se a expressão que representa a soma de termos da situação em causa
( )
−=−−=
−−
×=−
−×= 1331
231
231
312 nn
nn
nS .
Seguidamente, após ter terminado a resolução e discussão da tarefa de
exploração, foram realizados exercícios e problemas do manual dos alunos. No entanto,
no final da aula, face à receptividade dos alunos, a professora/investigadora sugeriu a
construção de um enunciado traduzível matematicamente por meio de uma progressão
geométrica, donde se evidenciaram algumas resoluções:
Num laboratório, dentro de um tubo de ensaio, fez-se uma experiência com bactérias. Chegou-se à conclusão que cada bactéria dá origem a três novas bactérias por dia. Sabendo que a experiência começou no dia 1 de Maio, quantas bactérias nascem no dia 30? E quantas bactérias nasceram durante o mês de Maio?
(José, Grupo 1, 29/05/03)
Assim, esta pequena tarefa (destinada a consolidar os novos conhecimentos
aprendidos acerca de progressões geométricas, identificação de uma progressão
geométrica, termo geral e soma de termos de uma progressão geométrica) reforça ainda
o desenvolvimento da criatividade e da capacidade de explorar situações.
4. Conclusão
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O modo como decorreram estas aulas realça a importância que teve, por parte da
professora/investigadora, a elaboração de um plano que integrava tarefas de
investigação matemática de acordo com os objectivos gerais da disciplina, no que refere
não só à aquisição de técnicas/conhecimentos, mas também quanto ao desenvolvimento
de valores/atitudes e ao desenvolvimento de capacidades/aptidões.
Nas aulas, o uso diversificado de momentos de descoberta guiada de conceitos
com actividade investigativa, com resolução de problemas e de exercícios conduziu a
uma maior percepção da Matemática como um todo integrado e promoveu a
criatividade e flexibilidade dos alunos ao nível da articulação de conceitos, estratégias e
raciocínios. Por outro lado, a implementação de investigações matemáticas reflectiu-se,
ainda, numa melhoria do desempenho dos alunos face a outro tipo de tarefas, como a
resolução de problemas, de exercícios e de tarefas de exploração.
Observou-se, também, o desenvolvimento de capacidades e aptidões gerais
como o desenvolvimento das capacidades de intuir, experimentar, testar, conjecturar,
generalizar e a do desenvolvimento do pensamento científico. A capacidade de
comunicar por escrito e oralmente foi promovida pela elaboração de relatórios escritos
pelos alunos e pela discussão colectiva dos processos usados, respectivamente.
Este estudo evidencia algumas vantagens da integração e implementação de
investigações no currículo da disciplina de Matemática – é possível, necessária e útil.
Contudo, ele centrou-se em apenas um tema do 11º ano de escolaridade – Sucessões.
Será, pois, desejável integrar tarefas de investigação perspectivando a sua
implementação nas aulas de Matemática de um modo contínuo e progressivo, quer ao
nível de um ano de escolaridade, quer ao nível de um ciclo escolar.
Referências
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Lakatos, I. Proofs and Refutations, J. Worral e E. Zahar (eds.) (1976). Cambridge: Cambridge University Press.
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