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HUGO VIDAL MAGALHÃES MUNARINI Χάος: UMA INTERVENÇÃO NA IMAGEM FOTOGRÁFICA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE ARTES VISUAIS BACHARELADO CAMPO GRANDE MS 2016

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Art & Photos


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HUGO VIDAL MAGALHÃES MUNARINI

Χάος: UMA INTERVENÇÃO NA IMAGEM FOTOGRÁFICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO

CAMPO GRANDE – MS

2016

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HUGO VIDAL MAGALHÃES MUNARINI

Χάος : UMA INTERVENÇÃO NA IMAGEM FOTOGRÁFICA

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao curso de Artes Visuais –

Bacharelado, da Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul, como requisito final

à obtenção do titulo de graduação.

Orientador: Profº. Drº. Isaac A. Camargo

CAMPO GRANDE – MS

2016

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HUGO VIDAL MAGALHÃES MUNARINI

Χάος: UMA INTERVENÇÃO NA IMAGEM FOTOGRÁFICA

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao curso de Artes Visuais –

Bacharelado, da Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul, como requisito final

à obtenção do titulo de graduação.

Campo Grande, _____ de _______________________ de 2016

COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________

Profº. Drº. Isaac A. Camargo

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

_______________________________________

Profª. Drª. Eluiza Bortolotto Ghizzi

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

_______________________________________

Prof. Mestre Renan Carvalho Kubota

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

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Meu século, minha fera, quem poderá

olhar-te dentro dos olhos

e soldar com o seu sangue

as vértebras de dois séculos?

Enquanto vive a criatura

deve levar as próprias vértebras,

os vagalhões brincam

com a invisível coluna vertebral.

Como delicada, infantil cartilagem

é o século neonato da terra.

Para liberar o século em cadeias

para dar início ao novo mundo

é preciso com a flauta reunir

os joelhos nodosos dos dias.

Mas está fraturado o teu dorso

meu estupendo e pobre século.

Com um sorriso insensato

como uma fera um tempo graciosa

tu te voltas para trás, fraca e cruel,

para contemplar as tuas pegadas.

O século (1923)

Osip Mandelstam

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RESUMO

O fato de a fotografia ser considerada como arte é recente – entre os séculos XIX e XX –,

tendo em comparação a história da arte. Desde o surgimento dessa linguagem, aqueles que a

aceitaram como arte desde o início contribuiram muito para que o mundo da arte da também a

visse como tal. Para isso, a exploração dessa linguagem acontecia frequentemente, criando

consequentemente novos conceitos na fotografia, além da evolução da sua própria tecnologia

e aparato. Este trabalho de conclusão de curso desenvolve uma experimentação em fotografia

digital onde a intervenção do artista autor aplica nas produções se manisfesta nas obras

artísticas resultantes, feitas para incentivar a produção pessoal e processo criativo do artista.

Além disso, o estudo explora o conceito de informação dentro das produções artísticas e

como tal conceito está presente dentro da linguagem fotográfica, ao explorar a evolução da

fotografia dentro do mundo das artes visuais. A pesquisa teórica é fundamentada nos estudos

da evolução da fotografia e o seu fazer, com embasamento realizado nas obras de Philippe

Dubois, Andreas Müller-Pohle e Roland Barthes. A produção final aparece sob a forma de

uma produção artística em fotografia e deste relatório técnico, com dados de pesquisa teórica

e conclusões acerca dos experimentos e das ideias estudadas a partir do tema inicial.

Palavras-Chave: Critério da informação. Fotografia digital. Experimentação fotográfica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 7

1. FOTOGRAFIA E INFORMAÇÃO ................................................................................................. 9

2. A SÉRIE Χαος ................................................................................................................................. 21

2.1. Conceito da série ...................................................................................................................... 23

2.2. Metodologia .............................................................................................................................. 24

2.3 Objetivos do TCC e da série ..................................................................................................... 35

CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 37

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 39

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INTRODUÇÃO

A pesquisa realizada para esse trabalho de conclusão de curso foi pensada e feita

para explorar a fotografia artística, com uma produção prática voltada não apenas para a

captura das imagens, mas também para a intervenção artística que a impressão de tais imagens

possibilita.

A fotografia é abordada em seus aspectos mais gerais, para situar seus

diferentes temas e técnicas; além disso olhamos para o panorama contemporâneo da

fotografia como arte; a fotografia em si também foi comparada com alguns movimentos de

outra linguagem artística – a pintura – para mostrar que algumas práticas e pensamentos que

trabalhei dentro da conceituação de fotografia já existiam em outros momentos.

Neste trabalho, que envolve uma produção prática e outra teórica, uma embasando

a outra, também abordo meu processo criativo e as intenções da pesquisa. Dentro da produção

teórica descrevo a produção prática. Também abordo as técnicas utilizadas para que o

resultado esperado fosse atingido, os experimentos realizados até que tais resultados fossem

atingidos – ou não – e seus desdobramentos na produção, os tipos de materiais utilizados,

como foram capturadas e trabalhadas as imagens utilizadas no processo, o tipo de matriz

criada e como ela será utilizada.

O primeiro capítulo apresenta a pesquisa teórica que embasa a pesquisa prática,

apresentada no segundo capítulo. O primeiro contempla conceitos mais macros da fotografia,

em especial o apresentado por Müller-Pohle (1985), e outros conceitos, definições e

comparações de outras vertentes da fotografia, do passado e da atualidade, onde utilizo os

textos de Hacking (2012) e de Dubois (1998) como base. A pesquisa teórica foi embasada

principalmente pelas ideias de Andreas Müller-Pohle, artista e pesquisador alemão, em seu

texto Information Strategies (1985), no qual fala de um novo tipo de comunicação através da

arte decorrente da invenção da fotografia, além das ideias do primeiro capítulo do livro O ato

fotográfico, de Philippe Dubois, escrito em 1983, e de outro texto clássico e indispensável

sobre a fotografia: A câmara clara, escrito em 1980 por Roland Barthes.

O segundo capítulo aborda a produção prática da pesquisa. Ou seja, a

realização das obras idealizadas na criação do projeto de pesquisa – criado em 2014 –,

apresentando todo o processo de criação, desde o que me motivou a fazer esta pesquisa, o

porquê de ela estar sendo realizada, até a concretização das imagens, ao falar dos materiais

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utilizados, os experimentos realizados, os resultados obtidos com eles, se tais resultados

foram satisfatórios ou não etc.

Com esta pesquisa prática e teórica pretendo aplicar todo o conhecimento

adquirido durante os quatro anos de curso em uma produção muito pessoal. Vejo esta

pesquisa como realmente a conclusão do curso e é nela que estou demonstrando minhas

habilidades e que o tempo que me dediquei à arte valeu a pena. Também tive como objetivo

estudar e experimentar diferentes técnicas e conceitos da linguagem fotográfica

contemporânea e da produção de obras fotográficas híbridas.

Além disso, vejo esta pesquisa como o início da minha caminhada dentro do

campo da produção artística da fotografia e considero este trabalho de conclusão de curso

como um projeto que poderá ter (e muito provavelmente terá) continuidade após o término do

ensino superior. Tenho planos de usar esta pesquisa como projeto para editais que poderão

subsidiar uma produção de maior qualidade e a produção de um número maior de obras, com

o intuito de realizar exposições individuais e participar de salões e editais dentro do Brasil.

Também vejo o tema desta pesquisa como algo em que gostaria de me aprofundar e continuar

pesquisando sobre em dissertações de mestrado e teses de doutorado, junto à semiótica,

assunto pelo qual me interessei muito ao realizar minha Iniciação Científica de 2014-15 e que

pretendo continuar me aprofundando com as pós-graduações.

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1. FOTOGRAFIA E INFORMAÇÃO

Cézanne. Degas. Monet. Sisley. Renoir. Todos esses nomes pertenceram à uma

geração de artistas que, por uma zombaria com cunho insultório de um crítico de arte da

época, teria seu nome eternamente conhecido na história da arte como os “impressionistas”:

artistas que fizeram sua própria exposição, em 1874, após terem sido rejeitados pelo Salão de

Paris. Para Müller-Pohle (1985), é dificilmente coincidental que o surgimento da arte

moderna jaz sobre o surgimento da fotografia, que os artistas citados anteriormente eram

pouco mais velhos do que a fotografia em si, e por isso tiveram suas ideias e visões estéticas

influenciadas, se não inspiradas pela representação imagética desse novo meio de produção de

imagens.

A fotografia surge num mundo da arte onde a representação fiel e bela da

realidade estava em alta, tendo a pintura como linguagem mais utilizada na época. Essa nova

linguagem artística foi inicialmente tida como um vírus, um intruso, que, segundo Müller-

Pohle (1985), ameaçava romper o sistema e perturbar a harmonia do campo das artes plásticas

e visuais. Isso porque, enquanto os conceitos estéticos anteriores se concerniam com uma

ideia básica de beleza, de que para uma produção ser considerada “boa”, ela devia ser bela,

independente do que representasse, fosse uma cena real, divina, decorativa etc., a fotografia

passava a apresentar um conceito completamente diferente: para uma imagem ser considerada

“boa”, ela não poderia mais ser apenas bela, ela teria que agora oferecer algo novo, algo

surpreendente, improvável; ela tinha que incluir algo que Müller-Pohle (1985) chama de

informação. Para o autor, a “beleza se tornara um sinônimo para redunância e uma função da

informação; e, na falta dessa função, ela se tornara um eufemismo para o tédio”. Ou seja, à

uma imagem, a partir desse ponto, já estava intrínsico a ideia de que ela deveria ser bela, e se

não fosse, era tediante; para os artistas ficou o desafio de acrescentar informações à arte.

Com isso, a fotografia conduziu uma mudança no paradigma estético da arte:

uma reorientação do princípio da beleza para o da inovação e informação. Tal mudança foi

aceita muito mais abertamentente pelos pintores do que pelos fotógrafos da época. O papel

revolucionário e constituinte de um novo paradigma da fotografia no sistema das artes visuais

é indisputável: a fotografia deu à arte o critério da informação. Porém, antes de falarmos sobre

esse critério, vejamos uma breve evolução da fotografia no mundo das artes.

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Dubois, em seu livro O ato fotográfico, escrito em 1980, dividiu o percurso da

fotografia e dos seus pontos de vista em três: a fotografia como espelho do real, a fotografia

como transformação do real e a fotografia como traço de um real. Para ele, em cada uma

dessas divisões a fotografia assumia um ponto de vista de funcionalidades diferentes dentro

do mundo da arte. Na primeira, a fotografia como espelho do real, a fotografia divide opniões

dentro do mundo científico e da arte, mas, numa totalidade, à ela é imposta uma finalidade: a

de ser documental, referência. Segundo Dubois (1993, página 30) “[...] ela é um auxiliar (um

"servidor") da memoria, uma simples testemunha do que foi”. Porém, como dito

anteriormente, ela dividiu opniões, e nisso o papel da fotografia e da pintura ficaram muito

bem definidos: a fotografia como um simples instrumento de uma memória documental do

real, e a arte como pura criação imaginária.

Muitos debates e discussões sobre o fato de a fotografia ser considerada arte ou

não tiveram início desde o surgimento da fotografia. Isso porque, segundo Hacking (2012, p.

112), “muitos críticos consideravam que a fotografia não era e jamais poderia ser uma arte por

conta do seu processo mecânico”. Para Dubois (1993, p. 25):

Existe uma espécie de consenso de princípio que pretende que o

verdadeiro documento fotografico “presta contas do mundo com

fidelidade”. Foi-Ihe atribuida uma credibilidade, um peso de real

bem singular. E essa virtude irredutivel de testemunho baseia-se

principalmente na consciência que se tem do processo mecânico de

produção da imagem fotográfica, em seu modo específico de

constituição e existência: o que se chamou de automatismo de sua

genese técnica.

Enquanto isso, outros argumentavam que o aparato fotográfico, apesar de

mecânico, se equivalia ao pincel utilizado pelos pintores, sendo apenas uma das diversas

ferramentas que poderiam ser utilizadas para a produção de imagens, e que poderia até seguir

as mesmas regras de composição e iluminação artística. Outros ainda eram um pouco mais

intensos, e segundo Dubois (1993), baseavam-se exatamente numa concepção de separação

entre arte e fotografia, e proclamavam a libertação da arte, em especial da pintura, através da

fotografia. “Eis a pintura de certa forma libertada do concreto, do real, do utilitario e do

social” (DUBOIS, 1993, p. 31). Segundo Dubois (1993, p. 31), Picasso, num diálogo de 1939

com Brassai, um fotógrafo húngaro, afirma: “[...] A fotografia chegou no momento certo para

libertar a pintura de qualquer anedota, de qualquer literatura e até do sujeito”. De fato, as

correntes modernas que derivaram do Impressionismo, como o Cubismo, Futurismo,

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Construtivismo, Expressionismo, e que já incorporavam o critério da informação em suas

obras, são consideradas por Müller-Pohle (1985) como estratégias específicas da informação,

que culminaram numa metaestratégia, em arte conceitual, em informação sobre a informação.

Tais discussões fizeram com que alguns fotógrafos da época passassem a

caminhar numa diração contrária à da tradição mimética da fotografia, quisessem demonstrar

aos críticos como a fotografia poderia expor a imaginação e a idealização, e explorassem cada

vez mais os materiais fotográficos (a câmera em si, filmes, químicos) para produizir

fotografias cada vez mais artísticas. Esse foi o caso de O. G. Rejlander (1813-1875) e sua obra

Dois modos de vida (figura 1), que por não poder fotografia todos as figuras de uma vez,

utilizou 32 negativos para poder compor a obra em sua totalidade. Essa técnica de combinar

negativos ficou conhecida como fotografia composta, e também foi debatida dentro do mundo

da arte. De acordo com Hacking (2012), os defensores desse método argumentavam que ele

era perfeito para a criação de fotografias artísticas porque permitia um controle total sobre os

componentes de uma imagem, enquanto seus opositores demonstravam lamento pela sua

artificialidade.

Figura 1. Dois modos de vida

O. G. Rejlander. Processo de carvão a partir de impressão original em papel albuminado. 1857. 40,5 x 78 cm.

National Media Museum, Bradford, Reino Unido. Disponível em

<https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/31/Oscar-gustave-rejlander_two_ways_of_life.jpg>

Acesso em: 05 abr. 2016.

Ao olharmos essa imagem como exemplo, podemos perceber que ela não foi

produzida apenas com o intuito de ser bela, mas também de transmitir uma ideia, narrar uma

história. Ela traz informação. Informação acerca da mentalidade da sociedade que ela reflete,

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acerca da sua narrativa. Além disso, podemos notar aspectos pictoricos da pintura que foram

inseridos na fotografia, como a composição.

Enquanto que no século XVIII e XIX a fotografia possuía um discurso de mimese

do real, no século XX esse discurso muda para um onde ela é vista mais como uma

transformadora do real pela foto, segundo Dubois (1993, p. 36). De acordo com o autor, o

segundo ponto de vista da fotografia é o da transformação do real; ponto que tem vestígios

desde o século XIX, mas em menor escala. Estudiosos e pesquisadores que sublinharam a

fotografia como não sendo tão mimética quanto era considerada anteriormente, apontam,

segundo Dubois (1993, p. 37), que “[...] a foto é eminentemente codificada (sob todos os tipos

de ponto de vista: técnico, cultural, sociológico, estético etc.)”. Além disso, são apontadas a

falhas que a imagem fotográfica tem em representar fielmente o objeto, cena, sujeito real,

como, por exemplo, não conseguir expressar o espectro de luz e sombra real.

Como dito, vestígios da fotografia não sendo considerada uma mímese perfeita da

realidade já existiam no século XIX. Nesse século, os deferensores da fotografia como arte,

em especial aqueles que exploravam o seu fazer, segundo Dubois (1993, p. 38):

[...] evidentemente não cessaram de colocar em evidência essas

lacunas, essas carências, essas fraquezas do "espelho" fotográfico,

para atacar e invalidar a ideia segundo a qual a essência da fotografia

estaria em ser unicamente uma reprodução mecânica fiel e objetiva

da realidade.

Esse aspecto da fotografia volta a ser discutido no século XX, ainda mais

amplamente, com vigor e sistematizado. Dubois utiliza-se da obra Film as art [Filme como

arte – tradução pessoal], de Rudolf Arnheim, publicado em 1957 pela University of

California Press, para elucidar seus argumentos. Dubois (1993, p. 38) apresenta que Arnheim

propôs uma enumaração sintética das diferenças que a imagem fotografia apresenta em

relação ao real:

[...] em primeiro lugar, a fotografia oferece ao mundo uma imagem

determinada ao mesmo tempo pelo angulo de visão escolhido, por

sua distância do objeto e pelo enquadramento; em seguida, reduz,

por urn lado a tridimensionalidade do objeto a uma imagem

bidimensional e, por outro, todo o campo das variações cromáticas a

um contraste branco e preto; finalmente isola urn ponto preciso do

espaço-tempo e é puramente visual (às vezes sonora no caso do

cinema falado), excluindo qualquer outra sensação olfativa ou tátil.

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O texto Um art moyen [Uma arte média – tradução pessoal], de Pierre Bourdieu,

caminha no mesmo sentido, segundo Dubois (1993, p. 40), ao afirmar que “de todas as

qualidades do objeto, são relidas apenas as qualidades visuais que se dão no momento e a

partir de urn único ponto de vista”. Um exemplo disso – que já observa não só aspectos

mecânicos da imagem fotográfica – é o que Barthes (2012) elucida em seu texto A câmara

clara, quando fala sobre a transformação do sujeito em objeto, na Foto-retrato:

“imaginariamente, a Fotografia [...] representa esse momento muito sutil em que, para dizer a

verdade, não sou nem um sujeito num um objeto, mas antes um sujeito que se sente tornar-se

objeto [...]”. Para ele, ao se realizar um retrato, quatro imaginário se cruzam, se afrontam e se

deformam, que, diante da câmera, uma pessoa é ao mesmo tempo aquilo que ela se julga,

aquilo que ela gostaria que lhe julgassem, aquilo que o fotógrafo lhe julga e aquilo de que ele

(o fotógrafo) se serve para exibir sua arte.

É durante essa época, do ponto de vista da fotografia como transformação do real,

que começa-se a negar a possibilidade de a fotografia ser um espelho transparente da

realidade, e passa-se a desenvolver um deslocamento para o foco na mensagem que a

fotografia transmite. Segundo Dubois (1993, p. 43) “a foto vai se tornar reveladora da verdade

interior (não empírica). É no próprio artifício que a foto vai se tornar verdadeira e alcançar sua

própria realidade interna”. A ficção dentro da imagem fotográfica começa a se equivaler, e às

vezes até mesmo superar, a realidade.

Um tipo de fotografia começa a surgir nesse meio-tempo: a foto-scoop, fotografia

de imprensa, histórica, espetacular e que se tornou símbolo dos grandes acontecimentos

mundiais, como é caso da figura 2, fotografia de 1963 da auto imolação de um monge budista

em protesto contra a perseguição de budistas pelo governo Vietnamita, de Malcolm Browne.

Para Dubois (1993, p. 41), “é justamente esse tipo de foto, considerada como um cúmulo de

real captado ao vivo em sua intensidade bruta e natural, que os autores se esforçam para

desmontar e denunciar”.

Tais fotografias, conforme Dubois (1993) elucida sobre o texto Le pendule, de

Alain Bergala, são dominadas e controladas, dotadas de um conscenso universal fictício,

sendo uma simulação de uma memória coletiva, na qual elas imprimem uma imagem de

marca do acontecimento histórico. A fotografia não é mais um veículo incontestável de uma

verdade impírica.

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Figura 2. Auto imolação de monge budista.

Malcolm Browne. 1963. Disponível em

<https://timedotcom.files.wordpress.com/2012/08/ap_browne_07.jpg?quality=75&strip=color&w=838>

Acesso em: 05 abr. 2016.

A fotografia não é um agente reprodutor neutro, e sim mais uma máquina de

efeitos deliberados. É denunciada então a “encenação” desse tipo de imagem e a dimensão

ideológica dos dispositivos de enunciação da fotografia que são normalmente ocultados, como

a integração do fotográfico no ato fotográfico:

Antes de mais nada, o espaço da representação fotográfica não deve

deixar que dele se suspeite como espaço de enunciação. Constrói-se

pela grande angular como um espaço envolvente no qual nos

encontramos capturados brutalmente, mas sempre como por acaso,

por acidente (...). A grande angular trabalha macir;amcnle em

beneficio do humanismo choramingao; isola 0 personagem, a vitima,

em sua solidao e sua dor. (BERGALA apud BUBOIS, 1993, p. 41)

Em síntese, esse período trata da desconfiança quanto à objetividade, neutralidade

e naturalidade do meio fotográfico na sua reprodução da realidade empírica (DUBOIS, 1993,

p. 44). Tal desconfiança surge, de forma lógica, do movimento de crítica e denúncia tanto à

verocidade do real na fotografia, sendo ele quanto aos aspectos mecânicos e tecnológicos da

fotografia, como, por exemplo, sua capacidade – ou incapacidade – de expressar o espectro de

luz e sombra e variação cromáticas reais, ou quanto a mensagem transmitida pela fotografia.

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Podemos considerar que, nesse período, o conceito e critério de informação

apresentado por Müller-Pohle (1985) dentro da imagem fotográfica está muito mais presente,

mas com um intuito diferente. Enquanto no primeiro ponto de vista elaborado por Dubois

(1993) – da fotografia como espelho do real – podemos considerar que a informação presente

nas imagens fotograficas é o próprio assunto (sujeito, objeto, paisagem, cena etc.) capturado,

no segundo – da fotografia como transformação do real – a informação presente na imagem

fotográfica é carregada de pré conceitos e códigos culturais estabelecidos pela sociedade.

No último ponto de vista apontado por Dubois, temos a fotografia como traço de

um real. Segundo o autor, as duas vertentes anteriores – da fotografia como espelho do mundo

e como codificação das aparências –, tem um denominador em comum, que é a “[...]

consideração da imagem fotográfica como portadora de um valor absoluto, ou pelo menos

geral, seja por semelhança, seja por convenção” (DUBOIS, 1993, p. 45). Ainda de acordo

com o autor, a nova teoria sobre a fotografia se diferencia das duas anteriores porque a

imagem fotográfica é “[...] dotada de um valor todo singular ou particular, pois determinado

unicamente por seu referente e só por este: traço de um real”.

A fotografia como traço de um real remete Dubois às ideias de Charles Peirce,

onde, diferente das ideias anteriores – da fotografia como espelho e como transformação do

real –, que consideravam o objeto fotográfico na ordem do ícone (representado por

semelhança) e na ordem de símbolo (representado por convenção), essa considera o objeto

fotográfico como índice (representado pela proximidade física entre o signo e seu referente).

Ou seja, a partir desse novo ponto de vista, a questão do realismo nas imagens fotográfica

ressurge, mas, diferentemente das teorias anteriores, livre da mímese do real. Segundo Walter

Benjamin, citado no texto de Dubois (1993, p. 47), “[...] na foto [...], quer se queira, quer não,

além de todos os códigos e de todos os artifícios da representaçãoo, "modelo", o objeto

referencial captado, irresistivelrnente, retorna”. A imagem fotográfica é agora evidenciada

como carregada de códigos e informação, que, irão evidentemente influenciar a leitura da foto

pelos espectadores. Alguns pesquisadore voltam então a considerar a gênese da imagem

fotográfica, onde o ponto de partida, segundo Dubois (1993, p. 50), “[...] é a natureza técnica

do processo fotográfico, o princípio elementar de uma impressão luminosa [...]”.

Essa definição minimal da foto como simples impressão luminosa, não implica a

priori que se passa por um aparelho de fotografia, nem que a imagem obtida se pareça com o

objeto do qual é referência/traço. Um exemplo disso são os fotogramas de László Moholy-

Nagy, fotógrafo e pintor americano influenciado pelo Construtivismo: imagens fotoquímicas

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obtidas sem câmeras, onde colocava objetos opacos ou translúcidos diretamente no papel

sensível que se expunha a luz e depois se revelava normalmente, resultando uma composição

de sombra e de luz puramente plástica, quase sem semelhança, como pode ser visto na figura

3 abaixo.

Figura 3. Sem título

L. Moholy-Nagy. Fotograma. 1925-28. Disponível em < http://moholy-

nagy.org/assets/images/gallery/FGM.230.jpg> Acesso em: 11 abr. 2016.

Porém, de acordo com Dubois (1993, p. 51), o princípio do traço apesar de ser

importante, marca apenas um momento no conjunto do processo fotográfico, e, ainda, que há

gestos completamente "culturais", codificados, que dependem inteiramente de escolhas e de

decisões humanas: antes eram escolhas mais voltadas para a materialidade, como do tipo de

aparelho, da película, do tempo de exposiçãoo, do angulo de visão etc. – o que prepara e

culmina na decisão do disparo; depois as escolhas repetem-se quando da revelacao e da

tiragem, em seguida a foto entra nos circuitos de difusao, sempre codificados e culturais.

O princípio de base da conexão física entre a imagem fotográfica e o referente que

ela tem é bastante elevado nesse período, chegando a um estado de fato onde a imagem

indicial remete a apenas um referente determinado: o mesmo que a causou. Para Dubois

(1993, p. 52), a singularidade da relação imagem-referente é que “ao mesmo tempo, pelo fato

de ser uma foto dinamicamente vinculada a um objeto ínico e apenas a ele, essa foto adquire

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um poder de designação muito caracterizado”. A foto passa a funcionar como um testemunho

do real, atestando a existência de uma realidade.

Por fim, Dubois conclui que as fotografias quase não têm significação nelas

mesmas, tendo seu sentido no exterior e determinado por sua relação efetiva com o seu objeto.

A foto indicial afirma a nossos olhos a existência do que ela representa, mas não diz nada

sobre o sentido dessa representação, sua significação continua enigmática para nós, a não ser

que tenhamos participado da situação que dará sequência a gênese da imagem.

Sendo a fotografia carregada de códigos e informação, assim como qualquer outra

linguagem artística, ela é uma forma de comunicação, e pode ser analisada como qualquer

outra forma de comunicação através da teoria da comunicação que apresenta o modelo

emissor-meio-consumidor. Müller-Pohle (1985) prefere chamar de produção, distribuição e

consumo da informação, o que remete à ideia apresentado por Barthes (2012) em seu texto A

câmara clara, publicado originalmente em 1980, onde observa que a fotografia pode ser

objeto de três práticas: fazer, suportar e olhar.

Para Müller-Pohle (1985), a produção se refere ao processo criativo e é

referenciado por ele como processo de produção da informação, e é divido em quatro fatores:

o produtor (fotógrafo) – o equivalente ao Operator de Barthes (2012) –, o aparato produtivo

(hardware/software), luz (energia específica) e o objeto (matéria). Nesse parte do sistema o

autor aponta como o fotógrafo é limitado e se deixa limitar pelo aparato e a indústria

fotográfica, que, com uma relação pautada em constante feedbacks, o aparato fotográfico vai

ficando cada vez mais automático, para que a manipulação seja a menor possível.

Na parte da distribuição, Müller-Pohle considera uma fotografia a junção dos

quatro fatores existente na produção, e pode ser chamada de informação. O fótografo agora

tem que interagir com um meio para introduzir essa informação para o público e vice versa,

como, por exemplo, uma revista ou uma galeria. Disso, dois efeitos são obtidos: “primeiro,

informação estética é transformada em informação estético-política, e segundo, o contexto e

background do próprio meio vai destacar, mas finalmente ofuscar a informação: a informação

é transmitida pelo meio através do qual ela é distribuída. Essa ideia se assemelha com a de

Dubois, onde ele afirma que a fotografia só adquire seu sentido no exterior.

Na última parte do processo temos o consumo da informação. De acordo com

Müller-Pohle (1985) , o que ultimamente chega ao público – consumidor para o autor, que

equivale ao Spectator de Barthes (2012) – não é mais a mesma informação, mas sim uma

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informação mutada. Ou seja, a informação, por ser divulgada em um meio específico, leva

com si as ideias, ideais e background que o meio possui, tornando ainda mais carregada de

códigos e informação.

Produção, distribuição e consumo fazem parte de um processo maior, denominado

por Müller-Pohle de Sistema Fotográfico. Nele, o processo fotográfico é um sistema de

comunicações auto-conflitantes regulado por interesses e objetivos divergentes, em que a

produção, distribuição e consumo são subsistemas rivais conectados através de processos de

feedback:

O processo de produção (processo criativo) envolve a realização de

intenções do fotógrafo dentro ou através de um produto; o uso da mídia

para o transporte do produto, a fim de influenciar o público receptor e

inserir-se dentro da memória do público.

O processo de distribuição (o processo medial) envolve a realização dos

objetivos do meio (lucro, prestígio etc.) através do produto fotográfico, a

fim cumprir e/ou manipular as expectativas do público.

O processo de consumo (processo crítico) envolve a comparação do

produto com outros produtos culturais e o exame dos vários caminhos

percorridos pelo produto, todo o caminho de volta para o contexto da sua

produção.

Segundo Müller-Pohle (1985), em um modelo dinâmico em que a informação não

é apenas produzida, distribuída e consumida esquematicamente, mas também é

formada/informada a fim de fluir de volta para o seu ponto de partida, os critérios de

informação também estão sujeitos à infecção contínua e à mutação, de acordo com a

distribuição de poder dentro do sistema.

Do modo final, o produtor de informação também pode utilizar do sistema

fotográfico para produzir para um mercado diferente do consumidor/spectator. É o que

Müller-Pohle (1985) chama de estratégia autoral, onde, enquanto o fotógrafo comissionado

ideal é caracterizado pela sua aceitação e internalização de critérios de seu empregador, o que

tipifica o fotógrafo autoral ideal é a sua criação de uma estratégia de informação com base em

critérios de auto-determinada. Essa criação de estratégias de informação que Müller-Pohle nos

apresenta pode ser muito bem exemplificado pela ideia de técnica vivida de Marco Butti,

gravador e professor brasileiro.

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19

A técnica vivida de Buti (1998) gira em torno da ideia de que todas as linguagens

artísticas ainda hoje são realizadas a partir de técnicas que foram desenvolvidas há tempos.

Isso faz com que alguns artistas queiram criar técnicas novas, individuais, originais, próprias,

para poder solucionar os problemas que a sua produção pode encarar. Segundo Buti, a técnica

vivida serve unicamente para a execução de um certo trabalho, tendo este processo de criação

de uma nova técnica sido motivado por alguma questão, por alguma ansiedade que

inicialmente pode até estar imprecisamente definida, mas que solicita expressar-se de algum

modo que vise uma solução.

A procura por novas técnicas para a realização de trabalhos artísticos não é algo

raro e novo. Como vimos nas ideias de Dubois (1993), a fotografia foi mudando de conceito e

passou vista com outros olhos após obras que questionavam o conceito que na época era atual.

Porém, para Buti (1998, p. 43) “as mesmas operações descritas num manual antigo,

executadas hoje, não são mais as mesmas, inseridas em outra dimensão temporal”. Isso

significa que, apesar de haver uma repetitividade, também há uma renovação nos modos de

produção, que não deixa de lado técnicas antigas, mas as reinventam, como a técnica vivida

que o autor nos apresentou anteriormente: “[...] ela opera sempre no limite das possibilidades

[...]. É mais que experimental: é a soma das experimentações com sua crítica” (BUTI, 1998,

p.41).

Tais experimentações e técnicas criadas só passam a ser valorizadas com o tempo

e com a quebra da configuração existente. De acordo com Buti (1998, p.52), “passou-se a dar

valor também ao processo que gerava aquela obra [...]”, assim como a gênese da imagem

fotográfica passa a ser levada em consideração quando a fotografia começa a ser vista como

traço de um real.

Para encerrar este capítulo, uma breve síntese de como todas essa ideias se

conectam à minha produção artístisca realizada para este trabalho de conclusão de curso

(descrita no capítulo seguinte): com as ideias de Dubois e de Müller-Pohle pudemos entender

como a fotografia passou de um obejto de verossimilhança com a realidade para uma

referência do real carregado de códigos e de informação; informação essa que contém seu

próprio sistema de produção, que, de acordo com seu produtor, sua distribuição e seu

consumo, pode modificar a informação inicial. Além disso, de acordo com Müller-Pohle, o

produtor, que no caso é o fotógrafo, o Operator de Barthes, pode criar sua própria estratégia

de produção, que ele chamou de estratégia autoral, e o que Buti vem chamar de técnica vivida.

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20

Com isso, posso afirmar que a minha produção artística para este trabalho é

justamente isso: uma estratégia autoral, minha técnica vivida, que na sua gênese está

carregada com as informações e códigos que eu enquanto artista quero transimitor, mas que,

quando e após passar pelo sistema fotográfico, tais códigos e informações poderão ser

observados, consumidos e interpretados diferentemente por cada tipo de público e pessoa que

a observar.

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21

2. A SÉRIE Χαος

Desde que me lembro, ao falar e pensar sobre a arte, a linguagem artística que

mais me interessava era a pintura. Porém, após começar o curso de Artes Visuais na

universidade, pude ter mais contato e me aproximar da fotografia, onde pude perceber que a

possibilidade de congelar um momento real em um suporte – analógico ou digital – me fazia

questionar como isso era possível, e ao mesmo tempo admirar aqueles que conseguiam

capturar momentos únicos, que eu, pessoalmente, considerava visualmente bonitos de acordo

com o pouco conhecimento que tinha sobre a linguagem artística fotográfica no início. Porém,

após aprender as noções e conceitos básicos da fotografia, como enquadramento, composição,

luz e etc., e de arte, meu olhar para com a própria arte mudou, em especial para a fotografia,

para melhor; pude entender melhor o que compõe uma fotografia, como ela é realizada, seus

conceitos, vertentes. Ou seja, somente após ter um contato mais acadêmico e sem influências

da mídia eu pude entender como a fotografia se encontra atualmente dentro do mundo das

artes visuais.

Claro que estudar a história da fotografia e da arte ajudou, e muito, a aprimorar

minha relação pessoal com a fotografia e meu entendimento dela como linguagem de

produção artística. Porém, o que aprendi dentro da sala de aula não foi o suficiente,

pessoalmente falando. Tanto porque não havia como praticar do modo desejado: não possuía

uma câmera fotográfica, apenas meu celular, que apesar de não ser o equivalente a uma

câmera, em muitos casos me proporcionou imagens satisfatórias. Um de meus exercícios

fotográficos pessoais durante os anos de 2013 e 2014 foi fotografar as pias das salas de

pintura e gravura da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; isso porque essas pias são

usadas por todos os alunos do curso, então, quando há aula, muitos materiais, como tintas

óleo, acrílica, aquarela, de impressão, sabão, detergente, thinner, óleo de linhaça, álcool,

querosene e outros, são jogados nas pias ao fim das atividades. Esses materiais eram

dispensados e, às vezes, entupiam tais pias, criando uma mistura de cores e texturas diferentes

a cada aula, como nas figuras 4 e 5.

Em outras ocasiões, quando a pia não estava entupida, tirava fotos do fundo delas,

que, acabaram sendo corroídos pelos materiais que eram despejados ao final das aulas. As

corrosões resultaram em outras imagens, menos fluidas e de diferentes cores, mas tão

abstratas e ocasionais como nas figuras 4 e 5. O resultado era o que pode ser visto nas figuras

6 e 7.

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22

Figura 4. Sem título. Figura 5. Sem título.

Hugo Munarini. 2013. Fotografia. 15 x 15 cm. Hugo Munarini. 2013. Fotografia. 15 x 15 cm.

Figura 6. Sem título. Figura 7. Sem título.

Hugo Munarini. 2013. Fotografia. 15 x 15 cm. Hugo Munarini. 2013. Fotografia. 15 x 15 cm.

Além disso, também fotografei as laterais das pias – figuras 8 e 9 abaixo –, que

também eram corroídas por cause do despejo dos mesmos materiais citados acima.

Figura 8. Sem título. Figura 9. Sem título.

Hugo Munarini. 2013. Fotografia. 15 x 15 cm. Hugo Munarini. 2013. Fotografia. 15 x 15 cm.

Sempre considerei a abstração a maior forma de expressão que se pode ter em

todas as linguagens artísticas. Abstrair, para mim, é fugir do real, e falando na arte, fugir dos

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23

conceitos, técnicas, meios e representação existentes ou preestabelecidos pela arte e seus

fazeres. Por não ter o que seguir ao se produzir uma obra, o leque de possibilidades é muito

maior, chegando a ser infinito, desde a escolha da técnica, do tema, do suporte, dos materiais;

ou seja, o artista irá escolher aquilo que sua mente decidir e não precisa seguir este ou aquele

modelo, conceito, regra etc.

2.1. Conceito da série

A ideia da série surgiu após a necessidade de mudar a ideia inicial que eu havia

elaborado para o trabalho de conclusão de curso. Abandonei a ideia inicial após perceber que

seria inviável, se não impossível, realizar o primeiro projeto que fiz, que consistia em

transformar as fotografias das pias em gravura, utilizando a técnica da fotogravura, onde a

fotografia é “impressa” na chapa através de uma máquina. Após as primeiras pesquisas sobre

como realizar fotogravura, vi que não teria os recursos necessários para transformar o projeto

em obra.

Com essa necessidade de fazer um novo projeto para a disciplina e selecionar um

orientador baseado na linguagem artística que seria realizado o projeto, a ideia desta pesquisa

e série que realizei surgiu em minha cabeça apenas após lembrar-me do trabalho do artista

Vermibus – do qual falarei sobre abaixo, no item da metodologia – e de uma fotografia que

sempre tive admiração – e com a qual me deparei aleatoriamente em uma rede social há

alguns anos.

Utilizei dessa figura e artístas em específico para ter a ideia do projeto e da série

fotográfica por terem me marcado durante esses anos e terem influenciado em meu processo

criativo. Do trabalho de Vermibus utilizei da intervenção em obras impressas, enquanto da

fotografia utilizei da ideia de trabalhar apenas com a figura da face, enquanto o resto da

fotografia ficou sem ter sido trabalhada. Juntando esses dois pontos, tive a ideia para a

produção artística em fotografia que, no início, não tinha um conceito bem definido ou

implícito à produção artística. Apenas tinha uma ideia, um tanto quanto abstrata, que guiaria

meu projeto e minha produção sem muitos precedentes claros.

O conceito por trás das obras só veio a ser escolhido após pensar sobre a produção

artística e o que aquela ideia que tive queria me comunicar e o que eu queria informar com

ela. Foi então que, após muito pensar, percebi que as ideias que tive para a produção

fotográfica foi algo pessoal e que sempre me fez refletir sobre: nossos pensamentos. Percebi

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24

que, com a produção, tinha a vontade de fazer com que as pessoas que olhassem para as obras

conseguissem se conectar ao caos que é a mente humana – utilizo caos no sentido de

evidenciar que nossa mente estar sempre trabalhando de forma não tão linear, e sim um pouco

aleatória, até quando não estamos conscientemente nos utilizando dela.

Escolhi o nome da série baseado em dois pontos: na ideia inicial de abstrair

apenas o rosto da pessoa que remeteria aos nossos pensamentos e na mitologia grega. Decidi

por ter o nome da série escrito em grego porque, caos (em grego Χάος) significa vazio,

abismo, e, segundo a mitologia grega, foi o primeiro ser a nascer no universo, sendo ao

mesmo tempo um lugar sem forma e ordem, de escuridão infinita.

2.2. Metodologia

Ao se falar de abstração na fotografia, não há tantas possibilidades assim, isso

devido aos seus instrumentos e maquinário. Com a fotografia digital, podemos abstrair uma

imagem fotográfica após a captura da imagem, no computador, com softwares de edição de

imagens, como muitos artistas contemporâneos têm feito. Também é possível abstrair

fotografias analógicas, mas como não trabalhei – e não tenho previsão de trabalhar – com esse

tipo de fotografia, não a abordarei. Em minha produção, decidi por intervir na impressão das

fotografias que tirei com minha câmera, uma Canon 60D, com lente objetiva de 18-135mm,

que, desse modo, a abstração em si só acontece após todos os estágios e processos da

fotografia, apenas após a impressão.

Minha ideia de intervir sobre a impressão e não no arquivo digital surgiu após

conhecer o trabalho do artista europeu Vermibus. Nascido na Europa e fixado em Berlin, em

um de seus projetos Vermibus coleta cartazes e anúncios publicitários de moda para, segundo

Reidenbach, remover as máscaras que usamos e criticar os anúncios que tiram a personalidade

da pessoa para substituir pela da marca. Vermibus faz isso ao usar um solvente para passar

sobre os cartazes com o gesto similar da pintura, porém, ao contrário do que a pintura

usualmente faz: no lugar de adicionar cor em uma superfície, retira a tinta do suporte, como

podemos ver na figura 10.

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Figura 10. Love and War.

Vermibus, 2015. Disponível em: <http://vermibus.tumblr.com/image/116294587479> Acesso em: 31 mai. 2015.

Assim, ele cria uma nova imagem a partir de outra que já existia. Ao manipular as

imagens removendo a configuração genérica da pele, ele desumaniza as pessoas sem

personalidade presentes nos cartazes. Para Reidenbach (2012), ele está tentando achar a aura

do indivíduo, a personalidade que se perdeu. Após todo o processo realizado sobre os

cartazes, Vermibus os coloca nos lugares de onde os retirou, para que todos possam ver. Com

isso, seu trabalho começa e termina na rua.

Em minhas produções, usei de um método parecido para intervir nas impressões,

ou seja, aplicando um solvente, provavelmente thinner, sobre a imagem impressa. Na fase de

experimentação testei diferentes tipos de papel e impressão, a fim de alcançar o aspecto visual

desejado. Diferente de Vermibus, que desconfigura toda a pele da pessoa e ainda assim,

podemos perceber elementos de que se trata da pele, irei abstrair por completo apenas o rosto

de meus modelos, sem deixar elementos, apenas manchas, algo parecido com a figura 11, que

contém algo similar ao que planejo, que, ao invés de utilizar a própria tinta da impressão, foi

adicionada uma nova camada de tinta sobre a impressão. É também similar à imagem da

figura 12, onde Thomton intervém na matriz fotográfica antes da impressão, enquanto o corpo

e os outros elementos da fotografia continuam nítidos. Decidi por abstrair apenas o rosto,

pois, para mim, as pessoas conseguem se expressar muito através de sua face, até mesmo

quando entramos em um estado de “vazio” – quando divagamos em nossos pensamentos e

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acabamos nos distraindo do mundo real e embarcando, às vezes bem profundamente, em tais

pensamentos. Digo isso porque o faço muito, ainda mais quando não tenho algo para fazer

e/ou estou em lugar com pessoas que não conheço. Essa viagem interna das pessoas em

pensamentos e crenças que, ao ser intenso por dentro, não demonstram igual intensidade de

fora. É este exato momento que pretendo capturar, para poder – tentar – expor a intensidade

que nossa mente está trabalhando, posteriormente, com a intervenção.

Figura 11. Título não encontrado Figura 12. Howl

Informações não encontradas. Disponível em:

<http://cs618520.vk.me/v618520056/3812/dzA3o-

XwN1E.jpg> Acesso em: 31 mai 2015.

Hollis B. Thornton, 2010. Transferência de pigmento

sobre papel. 20 x 25 cm. Disponível em:

<http://www.hollisbrownthornton.com/pigment-

transfer/31wf8qf40w98b2p5bz8smltwklwy3s> Acesso

em: 31 mai. 2015.

Antes da abstração, porém, as imagens que capturei serão corrigidas em um

programa de computador, o Adobe Lightroom 5.6. A única intenção de usá-lo é para corrigir

aspectos de luz, sombra, exposição, controle de branco e preto, para que as imagens fiquem

conforme desejado; por isso não usei outros programas usados comumente na fotografia

contemporânea, como, por exemplo, o Adobe Photoshop, utilizado para edição de imagens. A

intenção não é retirar ou editar partes da fotografia, e sim corrigir aspectos da luz, sombra,

saturação etc. e adicionar filtros conforme a necessidade. O resultado pode ser visto abaixo,

nas figuras 13, a original, e na figura 14, após passar pela correção no programa e que será

utilizada para impressão e sofrerá a intervenção manual com o thinner. Esse mesmo processo

acontece com as figuras 15 e 16, que pode ser visto na próxima página.

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Figura 13. Sarah Figura 14. Sarah

Hugo Munarini. 2015. Arquivo fotográfico digital. Hugo Munarini. 2015. Arquivo digital.

Figura 15. Mateus Figura 16. Mateus

Hugo Munarini. 2015. Arquivo fotográfico digital. Hugo Munarini. 2015. Arquivo digital editado.

Primeiras experimentações

Para iniciar as experimentações das intervenções com o thinner, imprimi a

figura 16 três vezes, no tamanho 14,85 cm x 10,5 cm (metade de uma folha A4, equivalente a

uma folha A5), cada uma em uma gramatura diferente: papel couché 115g, 170g e 230g; as

imagens foram impressas a jato de tinta. Fiz isso para testar a adesão da tinta e o que

aconteceria com o papel e a impressão após a aplicação do thinner. Além disso, também

experimentei aplicar o thinner com utensílios diferentes: em um deles utilizei um pincel

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pequeno (figura 17), em outro um pincel grande (figura 18) e no último utilizei uma espátula

de plástico (figura 19), parecida com as que são usadas para a aplicação de tinta nas placas de

cobre nas técnicas de água-forte e água-tinta de gravura. O mesmo procedimento da figura 17

foi feito com a figura 14, que resultou na figura 20. Abaixo, nas figuras 17, 18, 19 e 20,

podemos ver os resultados.

Figura 17. Experimento 1 Figura 18. Experimento 2 Figura 19. Experimento 3

Arquivo digital. 2015. Arquivo digital. 2015. Arquivo digital. 2015.

Figura 20. Experimento 4

Arquivo digital. 2015.

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29

Com estas experimentações obtive resultados mais visuais da minha ideia

inicial e confesso que foram resultados melhores do que eu esperava. Os que mais me

agradaram foram os das figuras 17 e 20, onde o pincel pequeno possibilitou uma aderência

menor do thinner no papel e mais na tinta, o que permitiu que uma quantidade de tinta

permanecesse e ficasse com as marcas do pincel. Já com os outros experimentos, com o pincel

maior e com a espátula, a tinta aderiu mais aos utensílios, por eles possuírem uma área maior,

o que fez com que a aplicação do thinner não deixasse marcas como nas figuras 17 e 20.

Também pude fazer experimentações com diferentes tipos de impressões. Fui a

diversas gráficas para saber se imprimiam a jato de tinta no papel couché em tamanho grande,

porém, quase todas imprimiam no máximo em tamanho A2 (42 cm × 59,4 cm). Com isso,

pesquisei outros tipos de impressão que poderiam ser realizados em tamanhos maiores, como

a impressão UV. Fui a um lugar que trabalhava com plotagem para saber sobre tamanhos e

papéis com os quais eles trabalhavam e ao questionar sobre o que aconteceria se eu aplicasse

thinner em uma impressão UV, a atendente não sabia responder e me deu um pedaço de papel

com uma figura aleatória impressa em UV para que eu levasse e testasse. O resultado não foi

o desejado: com esforço e uma aplicação de uma quantia maior de thinner consegui intervir na

impressão e trabalhar nela com o pincel, que, independente de tamanho, só conseguiu tirar a

tinta e não ter a maleabilidade desejada, como a que tive com os experimentos 1 e 4 (figuras

17 e 20). O resultado pode ser visto abaixo nas figuras 21 e 22.

Figura 21. Experimento 5 Figura 22. Experimento 5.1

Arquivo digital. 2015. Arquivo digital. 2015.

Após ter esse resultado, pude ter certeza de que o tipo de impressão que

deveria utilizar para conseguir os efeitos desejados para as obras é a impressão a jato de tinta.

Isso porque a tinta, ao entrar em contato com o thinner, se torna mais maleável do que nos

outros tipos de impressão. Para as obras da série utilizarei, de acordo com os experiementos, a

impressão a jato de tinta sobre papel couché para que o resultado final seja o desejado.

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Para o proecesso final de criação material das obras foi utilizado o mesmo

método que utilizei para produzir as primeiras experimentações: utilizando o thinner como

solvente para a tinta de impressão sobre papel couchê fosco, que já estava no tamanho

estabelecido para as obras finais (80 x 60 cm). Como a área de intervenção era maior do que

as das figuras 17, 18, 19 e 20, fui “obrigado” a utilizar um pincel maior do que o utilizado nas

experimentações para poder ter o resultado da intervenção conforme o idealizado e o obtido

nas figuras 17 e 20. Abaixo, nas figuras 23, 24 e 25, podemos ver o arquivo digital que seria

posteriormente impresso, os materiais que foram usados para a criação das obras, além do

método de intervenção do artista.

Figura 23. Arquivo digital. Figura 24. Materiais e impressão.

Fonte: Arquivo pessoal Fonte: Arquivo pessoal

Figura 25. Arquivo digital.

Fonte: Arquivo pessoal.

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Nas figuras 26, 27, 28 e 29 podemos ver concretamente o resultado final das

primeiras obras da série:

Figura 26. Sarah Figura 27. Mateus

Hugo Munarini. Thinner sobre impressão em papel

couche. 2015. 80 x 60 cm Hugo Munarini. Thinner sobre impressão em papel

couche. 2015. 80 x 60 cm

Figura 28. Ana Figura 29. Karla

Hugo Munarini. Thinner sobre impressão em papel

couche. 2015. 80 x 60 cm Hugo Munarini. Thinner sobre impressão em papel

couche. 2015. 80 x 60 cm

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Desdobramentos das experimentações

Após ter achado qual técnica, materiais, suporte e impressão dariam o melhor

resultado, novos questionamentos apareceram. Alguns aspectos do rosto, como nariz, boca e

olhos como tamanho, local e outros ainda podem ser observados após a interverção, mesmo

que não com o mesmo grau de semelhança com a realidade, o que me fez questionar se

realmente conseguiria abstrair por completo um rosto humano nas produções finais, de

tamanhos maiores, com a técnica que desenvolvi, a ponto de alguém não conseguir distinguir

esses aspectos básicos da face humana. Posso dizer que a resposta para este questionamento

só será obtida após mais produções, pois até o momento o que consegui foram dois pontos: ou

tirava por completo a tinta e todos os aspectos da figura, como nas figuras 18 e 19, e,

consequentemente, não teria a intervenção desejada – abstrata e com movimento –, ou

continuo intervindo da mesma maneira que nas figuras 26, 27, 28 e 29, sem tirar toda a tinta, e

assim, mantendo certos signos do rosto humana detectáveis.

Outros pontos observados após as primeiras obras realizadas por completo foi

como elas lembravam o trabalho de outros artistas, como Francis Bacon, pintor irlândes

conhecido, segundo Popova (2014), por sua obra gráfica e emocionalmente carregada com

tons de ansiedade e terror, como pode ser visto na figura 30. Também considero difícil olhar

para as fotografias e não lembrar do período barroco e seu maior afluente, o pintor

Caravaggio, com sua dramaticidade através do fundo escuro e os poucos feixes de luz que

iluminavam as cenas, como pode ser visto na figura 31, abaixo.

Figura 30. Estudo do retrato do papa Inocente X de

Velázquez.

Figura 31. Davi com a cabeça de Golias.

Francis Bacon. Óleo sobre tela. 1953. 153 x 118 cm.

Des Moines Art Center, Iowa. Acesso em: 27 mar.

2016. Disponível em:

<https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/9/9a/Stud

y_for_a_Self_Portrait_-Triptych%2C_1985-86.jpg>

Caravaggio. Óleo sobre tela. 1609-1610. 125 x 101

cm. Galleria Borghese, Roma. Acesso em: 27 mar.

2016. Disponível em: <

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/60

/Caravaggio_-_David_con_la_testa_di_Golia.jpg >

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Para Bacon, em entrevista para John Gruen para o livro The artist observed: 28

interviews with contemporary artists, há uma conexão entre a vida de um artista e seu

trabalho, e, ainda, ao mesmo tempo, não há (Popova, 2014). Ler esta declaração dele e mais

sobre sua produção artística, me fez refletir sobre a minha própria produção: o quão pessoal é

o meu trabalho? O quão conectado estou com ele? Estou conseguindo informar o que eu

desejava quando tive a ideia para o mesmo? O que ele realmente transmite? Tais

questionamentos me conduziram a uma ideia que logo tomei como certa, que eu deveria fazer

parte da série: não teria como ter algo mais pessoal e que me faria mais conectado com esta

produção do que estar presente nela, fazer parte dela. Com isso, cheguei à ideia final de que

um auto-retrato era a peça chave que esta série precisava para que este trabalho estivesse

conectado comigo além da produção manual dela, de ser seu operator.

Fazer um auto-retrato foi para mim ao mesmo um desafio quanto um afazer

divertido. Desafio porque, além de ter problemas pessoais com minha aparência, não possuia

as ferramentas que poderiam facilitar a tarefa (como um controle remoto para a camêra e um

triplé, além da localização não ter sido das mais profissionais) e porque após a captura das

imagins, precisava sair da posição a cada dez segundos para ver a foto, se precisava mudar o

tempo de exposição, a abertura do diafragma, o ISO, e ainda tinha que testar cada vez que

mudasse uma dessas configuração. Além de tudo isso, posar para a foto – ato pouco

conhecido por mim, que prefere operar a câmera do que ser o foco dela – cada vez de um jeito

diferente, para poder melhorar a iluminação em mim. Apesar de todo o trabalho, o resultado

foi mais do que satisfatório, superando muito minhas expectativas, tanto nos quesitos técnicos

da fotografia quanto a minha imagem capturada nelas, o que pode ser visto na figura 33

abaixo, da fotografia original, na figura 34 com o tratamento dos aspectos fotográficos no

Lightroom.

Figura 33. Auto-retrato. Figura 34. Auto-retrato.

Arquivo digital pessoal. 2016. Arquivo digital pessoal. 2016.

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O resultado final do auto-retrato, com a técnica desenvolida para esta série

pode ser vista abaixo, na figura 35. Considero este auto-retrato como o produto final que o

curso de artes visuais pretende formar durante os seus quatro anos de duração, de quem está

pronto para iniciar sua jornada dentro campo/mercado da arte, como minha afirmação inicial

quanto artista plástico.

Figura 35. Auto-retrato.

Hugo Munarini. Thinner sobre impressão em papel couche. 2016. 80 cm x 60 cm.

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2.3 Objetivos do TCC e da série

Após quatro anos fazendo o curso de Artes Visuais na Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul, pude ver cada vez mais que o trabalho de conclusão do curso tem o

intuito de fazer com que nós, acadêmicos, tenhamos ideia de como é e será a vida profissional

dentro do campo das artes, além de nos obrigar a pensarmos em nossos futuros e o que

faremos dele.

Durante a criação e execução da série, pude conversar com os professores e

pessoas inseridas no mercado da arte para ter ideia de qual rumo a série poderia tomar. Recebi

comentários diversos e, após certa reflexão, pude ter certeza que este é apenas o começo da

minha carreira artística, e que, com a mesma ideia da série, posso e devo formular um

processo criativo consciso e que dará base para projetos e séries futuros, para que assim

minha trajetória dentro do campo das artes também seja conscisa.

Por agora, com a série e este trabalho de conclusão de curso, tenho o objetivo de

finalizar a graduação em Artes Visuais, o de inscrever as obras em editais para salões,

exposições e prêmios, como o Prêmio Brasil Fotografia, realizado pelo Ministério da Cultura,

e o Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, realizado pela FUNARTE, além de produzir

um número considerável de obras, suficiente para poder realizar uma exposição individual em

algum museu. Anteriormente também tinha o objetivo da exposição das obras da série na

exposição coletiva anual dos formandos, porém, este objetivo já foi concretizado em 2015.

Para o futuro, pretendo continuar produzindo mais obras na mesma temática da

série, o suficiente para poder realizar uma exposição individual, além de aprimorar minha

produção artística com cada obra nova. Além disso, pretendo expandir o conceito da série em

duas partes: 1. produzir obras coloridas, não apenas em preto e branco, ainda trabalhando

apenas com retratos; 2. produzir obras que dialoguem com o ambiente em que a pessoa que

será fotografada estará presente, ampliando o leque de possibilidades de produção e

possibilitando a inserção de mais signos informativos dentro das obras.

Por fim, tenho objetivos relacionados ao campo da academia: pretendo, após

finalizar a graduação, começar uma pós-graduação, onde pretendo desenvolver um projeto

voltado para a interpretação semiótica de imagens fotográficas e de produções híbridas

relacionadas à produção artística desenvolvida com este TCC, como, por exemplo, uma

aplicação do processo de interpretação semiótica nas obras de Vermibus, artista citado na

pesquisa e por quem tenho muita admiração. Após o mestrado, pretendo fazer o doutorado,

que também será no campo da fotografia e da semiótica, mas que ainda não possui um

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projeto ou ideia definido, coisa que pretendo ter mais concretamente durante ou após a

realização do mestrado. Após finalizar as pós-graduações, pretendo dar aula em alguma

universidade do país, e, ao mesmo, continuar com minha produção em fotografia, que, após

todo este tempo terá sofrido diversas influências e terá mudado após ter contato com tais

influências.

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37

CONCLUSÃO

A criação de novas técnicas, a intervenção do artista em sua própria produção

ou nas de outros, e até mesmo a apropriação da produção de outros artistas para uma posterior

intervenção foi o ponto de partida para os estudos e execução das obras.

Com este trabalho de conclusão de curso tive a chance de aprofundar meus

conhecimentos sobre a fotografia, o que me possibilitou ter um olhar mais apurado para com a

fotografia, onde quer que eu a veja, além de aprimorar meu processo criativo, tornando-o mais

consciso. Através de muitos experiementos para isso, o resultado é a série Χάος (lê-se como

no português: caos): uma série de retratos abstratos, sendo um comentário do artista sobre a

contemporaneidade e como as pessoas podem possuir um "caos" próprio, dentre o caos que é

o mundo hoje. Além disso, a série tem o intuito de questionar a linguagem artística fotográfica

ao ter a intervenção manual do artista/fotógrafo sobre a impressão das fotos, que, após isso, se

torna uma obra híbrida e única, questionando assim a reprodutibilidade que a fotografia

oferece e que há dentro do mundo das artes.

A produção das obras teve algumas dificuldades no início, mas que, em pouco

tempo e com as experimentações necessárias, foram vencidas de forma mais que satisfatórias.

As dificuldades obtidas foram quanto à questão material para a produção das obras: que tipo

de papel utilizar, que tipo de impressão usar, qual solvente conseguir retirar a tinta e torná-la

líquida, qual utensílio usar para fazer as abstrações, dificuldade de encontrar locais que

imprimissem de um jeito e em papel específico no tamanho desejado, a própria impressão,

que algumas vezes não tiveram a mesma qualidade que as outras, ou ficaram mais escuras que

o arquivo digital original.

Os resultados finais das obras foram muito satisfatórios, apesar das dificuldades

encontradas em realizá-las – conforme apresentado acima – superando as expectativas e

atingindindo os objetivos almejados para a produção da série e aprimoramento do meu

processo criativo dentro da fotografia, e também de um site para a exibação das obras e que

será utilizado como portfólio para o autor artista. Além disso, durante a execução do trabalho

pude trilhar os próximos passos para a evolução da série e da minha produção quanto artista.

Considero este trabalho como a declaração final dos meus estudos na graduação e

inicial para a minha entrada no mundo da arte. Utilizar este trabalho para a realização de uma

série própria proporcionou uma jornada de descobertas e de conhecimento, da qual hoje vejo

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que consegui absorver o que mais me conveio para o meu futuro tanto dentro do âmbito das

artes ou fora dele.

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REFERÊNCIAS

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HACKING, J. Tudo sobre fotografia. Rio de Janeiro. Sextante. 2012

MÜLLER-POHLE, A. Information Strategies. In: European Photography. Berlim, n. 21,

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REIDENBACH, F. Vermibus hijacks the face of advertising. In: BERLIN ART LINK.

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<http://www.berlinartlink.com/2012/02/11/vermibus/>