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Espectromorfologia, Denis SmalleyTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING
MAURCIO PEREZ
A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO: CONSIDERAES ACERCA DA
OBRA TERICA DE DENIS SMALLEY
Maring
2011
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MAURCIO PEREZ
A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO: CONSIDERAES ACERCA DA
OBRA TERICA DE DENIS SMALLEY
Trabalho de concluso de curso apresentado ao Departamento de Msica da Universidade Estadual de Maring.
Orientador: Rael B. G. Toffolo
Maring
2011
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MAURCIO PEREZ
A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO: CONSIDERAES ACERCA DA
OBRA TERICA DE DENIS SMALLEY
Trabalho de concluso de curso apresentado ao Departamento de Msica da Universidade Estadual de Maring.
Aprovado em 22/11/11
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof Dr. Flvio Apro
(DMU - UEM)
__________________________________
Prof Dr. Marcus Alessi Bittencourt
(DMU - UEM)
__________________________________
Prof Me. Rael B. G. Toffolo
(DMU - UEM)
Maring, 15 de Dezembro de 2011.
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website:
http://www.dmu.uem.br/lappso/index.php?title=Perez
Comentrios, crticas e sugestes:
[email protected]@gmail.com
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RESUMO
Este projeto de pesquisa teve como objetivo a compreenso da obra terica do compositor Denis Smalley, a fim de investigar as possibilidades do uso da teoria espectromorfolgica como ferramenta de organizao discursiva para a Msica Eletroacstica de vertente Acusmtica. Para tal propsito, este trabalho desenvolveu-se em trs etapas. Primeiramente, selecionamos os textos do autor que tratam especificamente sobre a teoria espectromorfolgica e os inter-relacionamos, buscando compreender como Smalley concebe o discurso musical em sua potica espectromorfolgica. Posteriormente, visando verificar como a teoria de Smalley pode ser aplicada como ferramenta composicional no que tange organizao do discurso, fizemos a anlise de uma pea acusmtica sob os preceitos do autor e, como ltima etapa, propomos uma organizao discursiva influenciada pelas ideias de Smalley.
Palavras-chave: Discurso musical, Msica Eletroacstica, Denis Smalley, Espectromorfologia.
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SUMRIO
INTRODUO................................................................................................................................06
1 A TEORIA ESPECTROMORFOLGICA............................................................................08
1.1 Espectromorfologia...........................................................................................................08
1.2 Tipologia espectromorfolgica.........................................................................................11
2 A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO................................................................21
2.1 Discurso do movimento....................................................................................................22
2.2 Discurso comportamental.................................................................................................35
2.3 Discurso transformacional................................................................................................41
2.4 Discurso tipolgico...........................................................................................................43
2.5 Discurso fonte-causa.........................................................................................................45
2.6 Discurso tensional.............................................................................................................49
3 CONSIDERAES SOBRE A TEORIA ESPECTROMORFOLGICA..............................51
4 ANLISE ESPECTROMORFOLGICA.................................................................................53
5 APLICAO COMPOSICIONAL.............................................................................................55
CONSIDERAES FINAIS...........................................................................................................56
REFERNCIAS...............................................................................................................................57
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6INTRODUO
Este projeto de pesquisa teve como objetivo a compreenso da obra terica do
compositor Denis Smalley, a fim de investigar as possibilidades do uso da teoria
espectromorfolgica como ferramenta de organizao discursiva para a Msica Eletroacstica
de vertente Acusmtica. parte das discusses se a msica pode ser ou no considerada
como uma linguagem, entendemos discurso musical como a organizao do fluxo de
sucesses dos eventos sonoros em uma composio musical.
Tal proposta justificou-se pela recorrncia desta problemtica para os compositores
desde o surgimento da Msica Eletroacstica. Desde sua primeira publicao em 1966, o
Tratado dos objetos Musicais de Pierre Schaeffer tem sido obra referencial para os estudos em
Msica Eletroacstica. Uma das formulaes mais influentes do Tratado concerne natureza
do fazer musical.
Pierre Schaeffer identificou na msica ocidental de tradio, e em especial no
estruturalismo do sculo XX, uma inadequao fenomenolgica da composio musical.
Segundo o autor, a msica ocidental sempre esteve vinculada e dependente de cnones
composicionais e por isso os processos composicionais desenvolveram-se a priori da
experincia musical. Para Schaeffer a postura composicional deveria compreender a
experincia do material sonoro dado escuta como primordial.
A proposta de Schaeffer consistiu na inverso da ordem da conduta composicional de
um fazer-ouvir para um ouvir-fazer, ou seja, a atividade composicional deveria partir da
experincia concreta da escuta para posteriormente direcionar-se abstrao musical. Tal
concepo pde ser vislumbrada com a noo de acusmtica, a qual coloca a audio como
foco central para a atividade perceptual e composicional.
Em decorrncia do primado da escuta, Schaeffer postula os conceitos de escuta
reduzida e objeto sonoro que se definem mutuamente e respectivamente como atividade
perceptiva e como objeto de percepo (CHION, 1983, p. 33). O conceito de escuta reduzida
pressupe a eliminao de toda a referencialidade do dado fsico com relao a sua fonte
produtora e consequentemente de seu motivo cultural, sendo o objeto sonoro, ou seja, as
propriedades espectrais e morfolgicas do som, o resultado desta postura.
Schaeffer prope ento um novo vocabulrio para descrever o fenmeno perceptual
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7baseado na classificao dos objetos sonoros, a Tipo-morfologia, entendendo esta como a
sistematizao de todo o possvel sonoro percepo humana e ao fazer musical. A tabela
Tipo-morfolgica de Schaeffer apresentou para os compositores eletroacsticos uma
importante ferramenta para descrio do material musical. No entanto, Schaeffer no se
prolongou em seu Tratado sobre as maneiras possveis de organizao destes materiais em um
discurso musical.
Tal fato acarretou, para a histria da Msica Eletroacstica, na carncia de um
paradigma organizacional. Para tanto, vrios autores deram continuidade ao trabalho de
Schaeffer, com o intuito de complementar e expandir suas perspectivas, dos quais podemos
citar Michel Chion, Franois Bayle, Simon Emmerson, Denis Smalley, entre outros. Dentre
estes, destacamos para o propsito deste trabalho o compositor Denis Smalley, do qual sua
principal contribuio a formulao do conceito de Espectromorfologia.
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81 A TEORIA ESPECTROMORFOLGICA
1.1 Espectromorfologia
Antes de iniciarmos nossa discusso sobre a teoria espectromorfolgica, devemos
esclarecer a acepo do termo espectromorfologia, tanto com relao sua etimologia quanto
aos significados que este termo assume nos textos de Smalley. O conceito e o termo
espectromorfologia foi proposto e desenvolvido por Smalley desde seu primeiro trabalho
terico Spectro-morphology and Structuring Processes (1986). Neste texto, o autor define
que espectromorfologia uma abordagem para materiais sonoros e estruturas musicais que
lida com o espectro das alturas e seu perfil dinmico no tempo (SMALLEY, 1986, p. 61;
traduo nossa)1. Este conceito, por sua vez, advm do entendimento do evento sonoro, sendo
que as duas partes do termo referem-se interao entre o conceito de espectro sonoro
(espectro) e s maneiras que este se transforma no tempo (morfologia). Estas propriedades
no existem individualmente no campo da experincia perceptiva, no h espectro sem um
perfil dinmico portador e no h evento sonoro que se manifeste no tempo sem um contedo
espectral (SMALLEY, 1997, p. 107).
Por definio, este conceito abrange toda a manifestao sonora e musical
representada, por exemplo, nos desenvolvimentos da msica ocidental de tradio, como o
tonalismo, atonalismo e a msica para percusso. No entanto, a potica espectromorfolgica
encontra completa satisfao conceitual na msica contempornea produzida com os meios
eletroacsticos devido s possibilidades de manipulao do material sonoro por meio de
gravao, sntese e processamento de sinal. O autor acrescenta ainda que, a potica
espectromorfolgica no lida com msicas de carter anedtico e/ou programtico. Isto se
deve ao fato de que, por estes tipos de msica serem fortemente referenciais possibilitam
prioritariamente um tipo de escuta, que se baseia na identificao das fontes sonoras
(SMALLEY, 1997, p. 109-110).
Segundo Smalley, a teoria espectromorfolgica no e no deve ser considerada como
uma teoria ou mtodo composicional, antes de tudo ela deve ser considerada como uma
1 No original: Spectromorphology is an approach to sound materials and musical structures which concentrates on the spectrum of available pitches and their shaping in time
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9ferramenta descritiva e analtica baseada na percepo auditiva e direcionada para o
entendimento da experincia auditiva. No entanto, assim como assinala o autor, a teoria
espectromorfolgica pode sim influenciar mtodos composicionais desde que o compositor a
utilize para um propsito diagnstico e descritivo, quer seja posterior ou antecedente prxis
composicional.
Segundo Smalley, para acessarmos o contedo espectromorfolgico dos materiais
sonoros e das estruturas musicais por eles desencadeadas, devemos partir de uma postura da
percepo auditiva, consagrada por Schaeffer e retomada pelo autor, conhecida como escuta
reduzida. A atividade da escuta reduzida consiste na capacidade de eliminar de um dado
sonoro suas caractersticas referenciais, ou seja, sua fonte, causa e seu contedo simblico.
Segundo Schaeffer, esta postura perceptual alcanada por meio da reincidncia proposital de
um som qualquer, redirecionando a ateno da escuta do ouvinte para as propriedades
espectrais e morfolgicas deste evento. Tal atitude perceptiva dos materiais sonoros tem como
consequncia, tanto para o compositor quanto para o ouvinte, a compreenso da organizao
das estruturas musicais pelo relacionamento entre as propriedades espectrais e morfolgicas
entre os eventos em uma composio.
No entanto, Smalley atenta que, ao considerar a escuta reduzida como uma atitude
derradeira de contemplao perceptual, tanto ouvinte como compositor incorrem em um
equvoco no que diz respeito apreenso do fenmeno musical. Primeiramente porque, ao se
eliminar as caractersticas referenciais de um evento sonoro reduz-se a experincia sonora e
musical a um filtro conceitual. Alm disso, por ser estrita e objetiva, a atitude da escuta
reduzida, ao proporcionar uma percepo microscpica do evento sonoro, tende a ressaltar
aquilo que menos pertinente ao contexto musical como nveis mais inferiores do discurso
e/ou os detalhes intrnsecos do material sonoro (SMALLEY, 1997, p.111).
Um exemplo que leva a uma melhor compreenso das questes relacionadas escuta
reduzida evidenciadas por Smalley pode ser demostrada com um trecho retirado do texto do
autor:
[...]For example, in trying to describe the sound of an approaching car we should have to forget that it is a car and ignore everything associated with car-ness, confining our aural observations to discovering how the spectrum of the sound changes in time.[...] One can imagine a context where the spectral design of the car's sounds could be associated with other sounds of related shape. In this way the composer could manipulate the context so that the listener is drawn into following the abstract aspects of the sound's design rather than thinking about the significance
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of cars with objects. On the other hand a musical context could be created where the car's sound is used to make a statement about cars as cultural symbols (SMALLEY, 1986, p. 64).
A partir das questes expostas acima podemos agora nos concentrar novamente no
propsito desta seo e explicar de um maneira mais coesa o uso do termo e o conceito de
espectromorfologia para Smalley.
Ao desconsiderar a postura da escuta reduzida como atitude exclusiva e ltima para a
percepo auditiva e para a experincia musical, o autor desproposita a acepo do termo
objeto sonoro da maneira tal qual foi cunhada por Schaeffer. Assim como exemplificado
anteriormente, Smalley entende que todo som possui um duplo potencial, um abstrato,
resultado da escuta reduzida, e um outro concreto, que se refere aos aspectos que vo alm
das caractersticas espectrais e morfolgicas do som como a mmese e seu potencial
referencial (SMALLEY, 1986, p. 64). Falaremos mais desta segunda propriedade quando
estivermos tratando de discurso musical, no segundo captulo.
Logo, considerando a obra terica de Smalley como um todo, fica claro que mais
apropriado ao autor o uso do termo espectromorfologia ou espectromorfologias para se
referir ao que Schaeffer chama de objeto sonoro e o termo abordagem, ou escuta
espectromorfolgica para contemplar tanto o conceito de escuta reduzida quanto a proposta
de percepo sonora e de experincia musical do autor. Consequentemente podemos inferir
que, diferentemente do quadro tipo-morfolgico dos objetos sonoros de Schaeffer, Smalley
prope um modelo descritivo que no reduz o material musical a categorias fixas e pr-
determinadas, como veremos na prxima seo.
Portanto ao nos referirmos ao termo espectromorfologia neste trabalho assumimos
significados diferentes dependendo do contexto em que estamos utilizando-o. A
Espectromorfologia um metateoria, desenvolvida por Smalley ao longo dos anos de suas
pesquisas, que pretende fundamentar a experincia musical por meio da descrio dos
materiais musicais e como estes esto relacionados experincia humana. A
espectromorfologia uma abordagem perceptiva que considera o potencial concreto e abstrato
dos materiais musicais. A espectromorfologia, ou melhor, uma espectromorfologia uma
entidade sonora constituda de contedo espectral, morfolgico e simblico.
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1.2 Tipologia espectromorfolgica
Assim como o autor procede em seus textos tericos, iniciaremos as discusses acerca
da teoria espectromorfolgica com a tipologia dos materiais musicais. Tal proposta tem um
objetivo didtico, ao partir de elementos mais simples, como as entidades sonoras, para
posteriormente evidenciar como as mesmas so utilizadas e relacionadas em contextos mais
complexos, como em estruturas musicais e no discurso musical.
Como dito anteriormente, fato que o contedo espectral e a morfologia no existem
independentemente na experincia sonora, no entanto, a fim de melhor descrevermos e
explorarmos suas qualidades iremos abord-los separadamente nesta seo.
Tipologia espectral
A nota consagrou-se na histria da msica ocidental como a principal portadora do
contedo espectral, resultando assim tambm na concepo do conceito de espectro sonoro
que tradicionalmente definido como a resultante da soma das frequncias geradas por um
som, no caso, uma nota. Por sua vez, a ideia de timbre esteve identificada com o conceito
de espectro sonoro, sendo definido como uma espcie de colorao do som, ou mais
especificamente, a maneira pela qual a soma das parciais harmnicas de um som se
apresentam, influenciam na percepo de sua qualidade sonora. A opo pela altura definida
legou ao ocidente a estruturao do sistema tonal. As razes que permeiam este fato podem
ser esboadas em questes diversas tais como: questes de natureza biolgica, que defendem
a predisposio do sistema auditivo humano ao espectro harmnico; questes de construto
social, que conferem legitimidade um sistema musical e questes de carter tecnolgico
como os meios disponveis de apreenso e manipulao do material. A par destas questes, ao
utilizar o termo espectro Smalley refere-se totalidade das frequncias audveis, seja
individualmente (nota) seja conjuntamente (espectro). Logo, esta ideia prope que o
conceito de nota e timbre no sejam excludos, mas que estejam localizados em um espao
especfico dentre a imensido dos tipos espectrais (SMALLEY, 1986, p. 65).
Segundo Smalley, h trs tipos espectrais bsicos que estabelecem pontos de
referncia para a identificao do contedo espectral: note, node e noise.
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Primeiramente, note diz respeito a percepo de alturas e pode ser dividido em outras
trs categorias: note proper, harmonic spectra e inharmonic espectra. O termo note proper
poderia ser traduzido como nota propriamente dita e se refere a noo tradicional de
percepo de alturas definidas. Isto significa que, por mais que a nota contenha um contedo
espectral que possui mais de uma frequncia (o espectro) nos interessamos primeiramente
pela frequncia fundamental do que por seus harmnicos. Consequentemente podemos
expandir este domnio espectral para modelos mais complexos de interao como intervalos e
acordes, sendo que ao utilizarmos estes modelos criamos relaes que podem evocar
diretamente o sistema tonal.
Por outro lado ao voltarmos nossa ateno para o contedo interno de uma nota
podemos identificar um outro tipo espectral, o espectro harmnico. Como dito anteriormente,
o espectro a resultante da soma das parciais de uma nota. No espectro harmnico estas
parciais esto para a frequncia fundamental por uma relao de mltiplos inteiros, so os
intervalos da srie harmnica. A capacidade de percepo destas parciais uma questo de
inteno, habilidade discriminatria do ouvinte e/ou do contexto musical, no qual, por
exemplo, determinadas frequncias da srie harmnica podem ser reforadas por outras notas.
Ao descrever este tipo espectral, Smalley propem um exerccio que demostra a
mudana de foco da nota para o espectro sonoro:
This focal transition can be demonstrated by listening to a low piano note. Heard at a normal listening distance the note proper predominates. If amplified or listened to more intimately the note's spectral components and their temporal shaping become apparent (SMALLEY, 1986, p. 66).
Esta mudana de foco, da altura definida para as propriedades espectrais intrnsecas da
nota, podem ser concebidas como materiais musicais por meio do uso das tcnicas
eletroacsticas, que possibilitam a composio, decomposio e a modificao no contedo
espectral. Isto ainda mais relevante ao se tratar do terceiro tipo espectral incluso no domnio
da percepo de alturas, o espectro inharmnico. Ao contrrio do espectro harmnico, este
tipo espectral est relacionado com sons complexos que no possuem sua resultante espectral
baseada nos princpios da srie harmnica. No entanto, uma das principais caractersticas do
espectro inharmnico sua tendncia multidirecional, ou seja, mesmo no se baseando na
srie harmnica estes sons possuem relaes intervalares em comum com a mesma que
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identificam alturas definidas. Segundo Smalley, para ser considerado autenticamente como
um espectro inharmnico a resultante espectral no pode ser redutvel uma nota
(SMALLEY, 1997, p. 120). Sons metlicos e sons de sinos que tm seu espectro mantido por
ressonncia so os principais representantes deste tipo espectral.
O segundo tipo espectral bsico apontado por Smalley representado pelo conceito de
node, pode-se dizer que este tipo representa um ponto intermedirio entre note e noise, o qual
ser o prximo tipo a ser apresentado. Um som nodal um som que resiste identificao de
alturas. Isto se deve ao fato de que o conjunto de frequncias aparece de uma maneira to
conglomerada que difcil discernir qualquer uma delas. O principais representantes deste
tipo espectral so instrumentos de percusso, mas tambm podem ser identificados em outros
sons como um cluster de piano, por exemplo.
O terceiro e ltimo tipo espectral bsico identificado pelo autor o conceito de noise.
Para Smalley este tipo espectral pode ser dividido em granular noise e saturate noise
(SMALLEY, 1997, p. 120). Ambos possuem seu contedo espectral baseado nas propriedades
do rudo branco. O conceito de rudo branco (white-noise, em ingls) compreendido pela
coexistncia de todas as faixas de frequncia audveis com suas mximas amplitudes. No
entanto, no possvel abstrair deste contedo espectral alturas definidas ou qualquer relao
intervalar.
Granular noise um tipo espectral que constitudo de unidades sonoras chamadas de
gros. Estas unidades, manifestam-se de maneira conjunta e catica em um contexto sonoro,
conformando desta maneira uma textura. O conceito de saturate noise diz respeito a
propriedade de se gerar densidade espectral por meio da saturao ou no da quantidade de
rudo branco em uma espectromorfologia.
Podemos identificar estes dois tipos espectrais de uma maneira mais simples ao
recorrermos ao exemplo dado por Smalley sobre a mudana de foco auditivo da nota para seu
contedo espectral interno. Ao nos referirmos a granular noise estamos partindo de uma
postura auditiva para o interior do contedo espectral baseado no rudo branco, sendo capaz
de discernir neste contedo impulsos energticos individuais que so denominados gros. Ao
encararmos o rudo branco como um fator de densidade tomamos a postura oposta,
entendemos este contedo mais como uma espcie de sujeira ou complemento em uma
espectromorfologia.
Ambos os tipos espectrais vinculados a noise podem ser exemplificados com
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espectromorfologias semelhantes como, o som do mar, texturas d'gua, vento, interferncia
esttica, raio/trovo, frico de materiais slidos, respirao, chuva, etc. No entanto, a
identificao de um tipo ou outro depende de fatores diversos como a pertinncia destes
modelos em um evento sonoro e/ou pela atitude de escuta do ouvinte, que pode selecionar um
dos modelos, ou ambos para uma mesma espectromorfologia.
Em resumo, podemos compreender a tipologia espectral de Smalley pelo o que o autor
define como pitch-effluvium continuum. Este conceito determina que, os tipos espectrais note
e noise localizam-se em dois extremos opostos, e os tipos espectrais possveis escuta e
composio musical esto contidos nesta dimenso. Alm disto, como nos referimos
anteriormente, existem fatores que podem relativizar a apreenso e localizao destes tipos no
contnuo espectral, como a habilidade discriminatria do ouvinte, a posio de determinada
espectromorfologia em um contexto musical, ou a prpria inteno do ouvinte em discriminar
estes tipos.
Tipologia morfolgica
Ao recorrermos a etimologia do prefixo morpho encontramos definies tais como:
forma, estrutura, contorno, formato, figura, etc. Estes termos, em princpio, possuem uma
forte indicao com a experincia ttil e visual, que existem no mbito espacial.
Consequentemente, podemos nos apropriar metaforicamente destes termos para descrevermos
a existncia de um evento sonoro, que por sua vez, manifesta-se em um espao temporal.
Isto possvel ao considerarmos, por exemplo, uma representao visual de dois eixos
perpendiculares, sendo que um eixo x corresponde energia espectral e um segundo eixo y
figura 1: pitch-effluvium continuum (SMALLEY, 1986, p. 65).
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corresponde localizao desta energia no tempo. Este tipo de descrio aproxima-se do
conceito de envelope dinmico utilizado amplamente na msica eletroacstica e na
computao musical. Neste caso, ao se referir descrio de morfologias, Smalley utiliza-se
de termos como: dynamic profiles, sound-shapes, temporal shaping, entre outros. Portanto,
todos estes termos podem ser utilizados para nos referirmos morfologia de um evento
sonoro.
Ao discorrer sobre as propriedades e capacidades morfolgicas dos eventos sonoros,
Smalley parte dos modelos musicais tradicionais. Neste contexto, a nota o modelo sonoro
bsico e sua morfologia resultado da ao fsica do msico sobre determinado instrumento
que gera um perfil energtico e seu contedo espectral. Por sua vez, esta morfologia
representada por sua histria espectral. Este conceito considera que todo evento sonoro, no
caso, a nota emitida por um instrumento, possui trs fases temporais de existncia: onset,
continuant e termination. Estas trs fases referem-se, consecutivamente, como um evento
comea, como se mantm no tempo e como termina. A compreenso deste conceito
fundamental tanto para a classificao dos tipos morfolgicos apresentados por Smalley como
para parte de sua ideia de discurso musical.
A partir disto Smalley identifica trs conjuntos de morfologias, complementares entre
si, que podem ser classificados em ordem de complexidade formadora: morphological
archetypes, morphological models e morphological stringing.
Os arqutipos morfolgicos referem-se um conjunto de tipos morfolgicos
identificados a partir da prtica instrumental tradicional, e provm a base para o
figura 2: exemplo de envelope dinmico (ROADS, 1996, p. 97).
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desenvolvimento de tipos morfolgicos mais complexos. Estes arqutipos so divididos em
trs categorias: attack, attack-decay e graduated continuant.
O tipo morfolgico attack definido como um impulso energtico sbito que
imediatamente se extingue. As fases de onset e temination apresentam-se praticamente juntas,
sendo que a fase continuant no existe neste arqutipo. Como consequncia o foco da escuta
dirige-se exclusivamente para o momento do ataque inicial. Um som em staccato ou um som
percussivo sem ressonncia so exemplos deste tipo morfolgico.
O arqutipo attack-decay caracteriza-se por um attack sucedido por uma ressonncia.
Este tipo pode ser dividido ainda em duas variantes: closed attack-decay e open attack-decay.
No primeiro tipo o decaimento causado pela ressonncia apresenta-se de maneira sutil,
evidenciando um poco mais as fases de termination e continuant. No entanto, neste tipo
morfolgico ainda prevalece o foco da escuta para a fase de onset. No segundo tipo, o
decaimento mais gradual, e mostra de maneira mais equilibrada as trs fazes temporais.
Sons de pizzicato e de sino so, consecutivamente, modelos destes tipos morfolgicos.
O ltimo arqutipo morfolgico, graduated continuant, caracterizado por ressaltar a
fase de continuant. O onset contm um ataque gradual que dirige-se at a fase de continuant,
que prolongada por tempo indeterminado e a seguir, na fase de termination, decai de
maneira gradual at extinguir-se. Os modelos que representam este tipo morfolgico so
instrumentos que possibilitam o controle da fase de continuant, entre estes pode-se citar
instrumentos de sopro e de arco.
Os arqutipos morfolgicos representam as propriedades morfolgicas mais primitivas
das possibilidades instrumentais tradicionais e, como demonstrado anteriormente, possuem
tambm correlaes com morfologias alm deste contexto. A partir dos modelos arquetpicos,
figura 3: Arqutipos morfolgicos (SMALLEY, 1986, p. 69).
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Smalley identificou, tanto nas prticas instrumentais (tradicionais e contemporneas) como no
repertrio electroacstico outros tipos morfolgicos que complementam a tipologia
morfolgica, a este novo conjunto o autor chamou de morphological models. Neste conjunto,
Smalley acrescenta novos tipos morfolgicos, a saber, swelled graduated continuant, tipos
lineares como linear attack decay e linear graduated continuant e variantes inversas dos
modelos anteriores de attack-onset.
O tipo morfolgico swelled graduated continuant uma variao do arqutipo
graduated continuant. A fase de onset contm um ataque que possui muita energia, esta
prolongada at a fase de termination que, assim como o ataque inicial, acontece de forma
muito rpida e sutil. Isto faz com que as fazes de onset e termination sejam menos lineares e a
morfologia se identifique com um crescendo sbito. Este tipo morfolgico pode ser
exemplificado com a tcnica de arco do detach barroco.
Os modelos linear attack decay e linear graduated continuant caracterizam-se por
possurem uma linearidade energtica exata. No caso do primeiro tipo, esta linearidade
encontra-se principalmente na fase de termination, representada por um decaimento linear, e,
no segundo tipo esta linearidade encontra-se nas trs fazes temporais. Morfologias deste tipo
so menos aceitveis ao ouvido pois podem soar mecnica ou artificialmente. Este
linearidade absoluta mais encontrada no mbito sinttico, ou seja, na produo destas
morfologias por meios eletroacsticos, seja por sntese seja por processamento de sinal.
Alm dos tipos expostos at aqui, os arqutipos e os modelos morfolgicos, o autor
acrescenta tipologia morfolgica a variante inversa dos modelos de attack-onset anteriores.
Estes modelos inversos, no entanto, no devem ser confundidos com a tcnica de reverso de
um som, comum prtica eletroacstica. Isto , estes novos tipos referem-se inverso do
perfil energtico do modelo original e no inverso da ordem do contedo espectral do
mesmo. Isto implica tambm no fato de que, diferentemente do que vimos at agora, a fase de
termination no necessariamente um direcionamento ao silncio. Ao invs disto, uma
morfologia pode ter seu perfil energtico amplificado em direo fase de termination
podendo, ou se extinguir abruptamente (corte reto) ou gerar um novo onset. Neste caso, o
autor identifica o conceito de correspondence, que compreendido como uma modulao
morfolgica, uma mudana de direcionamento de uma morfologia que pode acarretar em
outra. Como exemplifica o autor:
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[]Let us elaborate a hypothetical example of this process by taking the second archetype and expanding it into a structural unit. Attention is immediately drawn to the attack-onset, the impact of which sets in motion a resonating spectrum which we might expect to decay gradually. The further away we travel from the attack point the more we may be coaxed into observing how the spectral components of the continuant phase proceed, and the less interested we shall be in the genetic role of the initial impact. At this stage the composer may intervene in what so far has been a natural process by developing and changing the course of the spectral components. Through such intervention the expectation of decay can be postponed, diverted, or avoided, and the structure's orientation altered.[...](SMALLEY, 1986, p. 71).
Como dito anteriormente, estas novas morfologias so derivadas dos modelos
arquetpicos. Isto possvel a partir da manipulao das trs fases temporais da histria
espectral de um evento sonoro. Isto significa dizer tambm que, alm dos tipos identificados
por Smalley podemos identificar e criar novas morfologias a partir do controle do modelo
onset-continuant-termination de uma espectromorfologia.
A partir da ideia de modulao morfolgica o autor prope o terceiro conjunto de tipos
morfolgicos que refere-se tipos formados por meio de juno/encadeamento ou
sobreposio/fuso de morfologias em cadeias, criando tipos hbridos. A este conjunto o autor
chamou de morphological string. Podemos exemplificar um tipo simples deste conjunto com
figura 4: Modelos morfolgicos (SMALLEY, 1986, p. 70).
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um som arquetpico attack-decay em sua variante inversa sucedido por seu modelo original,
sendo que a fase de terminant do primeiro corresponde fase de onset do segundo.
Um modelo de cadeia morfolgica particular apontado por Smalley a cadeia gerada
por repetidos arqutipos attack-impulse. Dependendo da distncia temporal entre um modelo
e seu semelhante criam-se contextos perceptuais que influem na apreenso destas
morfologias. Para demonstrar as formas possveis que estes contextos so percebidos pela
escuta o autor prope o conceito de attack-effluvium continuum, que definido como um
contnuo com dois plos opostos que representam a mxima e a mnima compresso temporal
da cadeia morfolgica. Em um extremo, de mnima compresso temporal, as caractersticas da
morfologia attack-impulse so conservadas, dando-nos a impresso de que existe uma cadeia
de modelos idnticos que esto separados por algum espao de tempo. No primeiro estgio de
compresso temporal a proximidade entre as morfologias criam um padro de comportamento
de iterao, dando-nos a impresso de que a cadeia agora se conforma como uma nica
morfologia, no entanto, podemos perceber ainda que h uma separao entre as morfologias
que identificam o modelo attack-impulse. Quando a iterao entre estas morfologias se torna
ainda mais comprimida, a identificao da morfologia geradora se torna difcil e a nova
morfologia toma agora uma caracterstica textural caracterizada pela percepo de gros. Por
fim, em um estgio compresso temporal mxima os gros da textura granular tornam-se
extremamente comprimidos que no possvel mais distinguir qualquer espcie de
manifestao morfolgica semelhante ao gro. Neste estado de compresso mxima acontece
a saturao da cadeia formada por attack-impulses. Esta saturao decorre da incapacidade do
figura 5: Cadeias morfolgicas (SMALLEY, 1986, p. 71).
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ouvido humano de distinguir eventos temporais abaixo de 25 milissegundos como unidades
separadas.
Enfim, podemos compreender o attack-effluvium continuum como um novo conjunto
de morfologias criado por morfologias, e com isto fechamos a tipologia morfolgica dos
materiais musicais identificadas por Smalley. Podemos agora seguir com o propsito principal
deste trabalho e identificar como os materiais musicais identificados at aqui podem ser
relacionados no discurso musical.
figura 6: attack-effluvium continuum (SMALLEY, 1986, p. 72).
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2 A ESPECTROMORFOLOGIA COMO DISCURSO
Aps a leitura dos textos do autor que tratam especificamente da teoria
espectromorfolgica, podemos identificar que h implicitamente uma teoria discursiva
baseada na compreenso dos modelos espectromorfolgicos. No entanto, somente no texto
Defining Timbre Refining Timbre (1994) que o autor assume uma postura clara sobre seu
entendimento de discurso musical. Neste texto Smalley reconhece que existem seis tipos de
discursos na Msica Eletroacstica. So eles: source-cause discourse, transformacional
discourse, typological discourse, behavioural discourse, motion discourse e tensile discourse
(SMALLEY, 1994, p. 45). O autor categoriza ainda estes tipos de discurso segundo suas
propriedades. Os trs primeiros tipos discursivos tm como caracterstica o fato de tratarem
do reconhecimento das identidades sonoras e das maneiras que estas identidades so
interpretadas no decorrer do discurso musical pelo ouvinte. J os ltimos tipos discursivos
dizem respeito, consecutivamente, s propriedades direcionais das entidades sonoras e s
maneiras pelas quais estas entidades interagem entre si, sendo que o ultimo tipo discursivo,
tensile discourse, aplica a concepo de interao aos tipos de discursos, ou seja, diz respeito
como os cinco tipos discursivos anteriores juntos so capazes de criar tenes formais
(SMALLEY, 1994, p. 46).
Com o intuito de facilitar a compreenso dos vrios tipos discursivos apontados por
Smalley iremos abord-los neste texto de uma maneira especfica, que corresponde ordem
inversa tal qual enunciada acima. Esta linha de raciocnio tem como proposta, partir do
reconhecimento de uma espectromorfologia como agente discursivo unitrio, passando para a
compreenso de como mais de uma espectromorfologia interagem em um contexto musical
em nveis local e regional, para finalmente investigarmos como o reconhecimento destas
espectromorfologias como signos sonoros contribuem para o discurso musical intrnseca e
extrinsecamente em uma obra. Por esta razo adotamos anteriormente, assim como a seguir, o
termo entidade sonora, nos tipos discursivos motion e behaviour, para nos referirmos s
propriedades perceptuais de uma espectromorfologia, e o termo identidade sonora, nos tipos
discursivos typological, transformacional e source-cause, para nos referirmos s propriedades
cognitivas de uma espectromorfologia2.
2 Para uma maior discusso sobre a distino entre propriedades perceptuais e cognitivas de apreenso do fenmeno sonoro ver MEYER (1956).
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2.1 Discurso do movimento
A ideia de um discurso do movimento est presente e ocupa a maior parte dos textos
do autor que tratam sobre a teoria espectromorfolgica (1986; 1992; 1994; 1997). No entanto,
Smalley no assume este conceito, a no ser no texto Defining Timbre Refining Timbre
(1994), no qual define este tipo de discurso como: the relations of types of motion and growth
and their directional tendencies (SMALLEY; 1994). Como dito anteriormente, claro nos
textos do autor que este tipo discursivo proveniente de sua compreenso
espectromorfolgica dos eventos sonoros. Por isto, iremos retomar a discusso dos materiais
musicais para demostrarmos, primeiramente, quais so os elementos constituintes deste tipo
de discurso e, em seguida, como estes elementos promovem coeso discursiva.
No captulo anterior nos dedicamos especificamente descrio microscpica de uma
entidade sonora. Compreendemos que podemos abstrair deste som duas propriedades bsicas,
seu contedo espectral e seu contedo morfolgico. Com relao ao contedo morfolgico,
identificamos que estes sons so constitudos basicamente por trs fases temporais que
determinam sua existncia, as quais Smalley classifica como modelo onsent-continuant-
termination. Dissemos tambm que podem-se criar novas morfologias por meio do controle
destas fases e por meio da juno e sobreposio de morfologias. Tais elementos, no entanto,
abrangem uma parte do complexo design espectromorfolgico (SMALLEY, 1986, p. 76).
Segundo o autor, existem ainda tipos espectromorfolgicos mais complexos, provenientes dos
tipos espectrais e morfolgicos antes demonstrados, que tem como caracterstica a capacidade
de implicar trajetrias cinticas, estes tipos espectromorfolgicos Smalley denominou
motions. Por conseguinte, o autor classificou os tipos de trajetrias identificadas em uma
tipologia do movimento. Apesar de conceituar estas trajetrias em tipos especficos o autor
deixa claro que as mesmas no devem ser compreendidas como os nicos tipos possveis,
sendo que estas trajetrias podem aparecer como um complexo de vrios tipos e tendncias
direcionais (SMALLEY, 1986, p. 73).
Tipologia dos movimentos
Smalley identificou cinco tipos bsicos de tendncias direcionais que, por sua vez,
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abarcam uma ampla possibilidade de movimentos. Estas trajetrias so classificadas como:
unidirectional, reciprocal, centric/cyclic e bi-directional/mutidirectional. Os tipos de
movimentos classificados pelo autor so retirados do prprio repertrio eletroacstico, o qual
permite a incluso de uma vasta gama de fontes sonoras. Esto contidos nestes tipos,
movimentos que esto relacionados diretamente com o fenmeno acstico real, como os
sons ambientais emanados da natureza ou provocados por aes humanas, sons pertencentes
ao repertrio musical tradicional, representados pelos sons instrumentais e a voz humana; e
sons no-reais, que so provenientes da manipulao do material sonoro in natura ou das
tcnicas de sntese sonora.
Os movimentos unidirecionais dizem repeito trajetrias que dirigem-se um ponto
determinado. Isto significa que o desenvolvimento da trajetria implica, desde o seu incio,
um caminho linear a ser percorrido. Este tipo de trajetria dividido em trs modelos simples
de movimentos: ascent, plane e descent. Podemos perceber estes tipos de movimentos de
vrias formas. Poderamos supor, por exemplo, um movimento ascendente por meio de um
glissando (alterao de frequncia) ou ainda por meio de um crescendo (alterao de
amplitude).
Os movimentos de tipo recproco tm como caracterstica uma trajetria curvilinear.
Isto significa que esta trajetria passa por trs estgios pelos quais o movimentos se
desenvolve: ascent-peak-descent. Com base na compreenso morfolgica por meio de uma
representao visual, estas trs etapas figuram um aspecto em formato de curva.
Paralelamente, so considerados movimentos recprocos pois um movimento em uma direo
(ascendente) contraposto por um movimento em uma outra direo oposta (descendente).
vlido ainda acrescentar que a trajetria curvilinear pode ocorrer tanto em direo um pico
quanto em direo um vale, sendo que neste ltimo caso os estgios da trajetria se
apresentariam invertidos: descent-trough-ascent. Os tipos de movimentos recprocos so
divididos em trs modelos bsicos: parabola, oscillation e undulation. Os movimentos de tipo
parbola implicam em uma trajetria que se apresentam individualmente, podendo ter uma
reciprocidade equitativa, ou seja, o primeiro e o ltimo estgio da trajetria curvilinear ser
simtricos, ou no. Os modelos oscilatrio e ondulatrio so uma extenso de uma trajetria
curvilinear, ou seja, uma cadeia formada por estas trajetrias. O que os diferencia, no
entanto, o fato de que o modelo oscilatrio conforma uma cadeia que caracteriza-se pela
alternncia das trajetrias curvilineares entre dois pontos fixos, um pico e um vale, mantendo
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uma periodicidade. As trajetrias contidas nesta cadeia, no entanto, no precisam ser
necessariamente simtricas, o que ocorre a recorrncia de uma mesmo modelo de trajetria.
J o movimento ondulatrio caracteriza-se por ser uma cadeia constituda por trajetrias
curvilineares no reciprocamente equitativas e aperidicas. Vimos anteriormente que a
percepo das trajetrias unidirecionais podem ser forjadas por meio de parmetros como
frequncia e amplitude. No obstante, podemos dizer que uma trajetria curvilinear, e
principalmente suas caractersticas assimtricas, podem ser forjadas por meio do controle da
velocidade em que uma espectromorfologia se desenvolve no tempo, juntamente com os
parmetros de frequncia e/ou amplitude.
Os movimentos de tipo cntrico/cclico caracterizam-se por implicarem uma trajetria
circular que relacionada um centro. Como estamos falando de estruturas unitrias, isto no
significa que este centro representado por uma outra espectromorfologia que serve como
eixo de referncia com o qual a trajetria circular se relaciona. Ao abordarmos estes tipos de
movimentos devemos buscar compreender o que promove a natureza direcional destas
trajetrias. Neste caso, diferentemente dos dois tipos de movimentos antes demonstrados, a
analogia visual por meio de um representao grfica tambm no esclarecedora. Soma-se a
isto o fato de que a experincia musical tradicional condicionou, por meio da prtica
notacional, a apreenso do fenmeno sonoro baseado em uma concepo espaotemporal
linear, da esquerda para a direita, dificultando ainda mais qualquer analogia visual. Segundo
Smalley a soluo para a compreenso destes tipos de movimentos relaciona-se com a
explorao da memria de curto prazo (SMALLEY, 1986, p. 76). O autor prope que estes
movimentos so construdos sob a ideia de uma reciclagem espectromorfolgica. Esta
reciclagem pode ser compreendida tanto com relao reincidncia da espectromorfologia
como reinjeo de energia dinmica. Isto permite uma re-percepo contnua de uma
trajetria que cria a impresso de um centro com o qual o movimento se relaciona. Smalley
classificou cinco modelos bsicos de movimentos circulares: pericentral, helical, centrifugal,
centripetal e vortical. Os dois primeiros so compreendidos mais como movimentos cclicos,
atuam em relao a um centro mas no o evidenciam diretamente. J os outros tipos de
trajetrias referenciam diretamente um eixo de atuao, podendo ser definidos mais como
movimentos cntricos. Um movimento pericentral percorre uma trajetria circular em torno
de um centro. O movimento helical se desenvolve em uma trajetria de forma espiral, o que
implica acelerao e/ou desacelerao e mudanas de dimenso durante a reciclagem.
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Movimentos centrfugos so caracterizados por trajetrias que distanciam-se de um centro
gravitacional, enquanto movimentos centrpetos movem-se em direo a este centro. Por
ltimo, os movimentos de tipo vrtex descrevem movimentos de partculas sobre um eixo.
Para compreendermos os movimentos bi/multidirectionais devemos levar em
considerao que estes tipos de trajetrias desenvolvem-se de maneira diferenciada dos tipos
vistos at aqui. Isto significa que podemos identificar as tendncias direcionais dos
movimentos sob dois focos distintos. Primeiramente, como demostrado anteriormente,
podemos interpretar a trajetria de um movimento por meio da compreenso do
desenvolvimento externo da espectromorfologia, seu contorno. Ao dizermos que um
movimento linear, curvilinear ou circular, estamos impondo um delineamento figurativo ao
som que, por sua vez, implica em um ponto inicial e um ponto final que determina uma
direcionalidade singular da trajetria. Por outro lado, ao nos voltarmos para o interior de
espectromorfologias especficas, podemos identificar tambm tendencias direcionais. Estas
trajetrias, que esto dentro do som, podem influenciar a apreenso da espectromorfologia,
considerando-a como um movimento que implica menos uma direcionalidade do que um
desenvolvimento do corpo desta espectromorfologia. A estes tipos de movimentos Smalley
confere uma denominao especfica, growth processes, e so movimentos caracterizados por
tendncias texturais. Podemos dizer ainda que estas texturas so compostas por movimentos,
o que implica mais de uma trajetria. Smalley categorizou cinco pares destes movimentos:
dilation-contraction, divergence-convergence, exogeny-endogeny, conglomeration-
dissipation e confraction-diffraction. Dilatao e contrao dizem respeito a capacidade de
uma epectromorfologia apresentar mudanas de dimenso, expandir ou se tornar cada vez
menor por meio de estmulos das trajetrias internas. Divergncia e convergncia so
compreendidos como trajetrias que apresentam-se de maneiras opostas, como a ao
simultnea de movimentos lineares ascendente e descendente, por exemplo. Exogenia e
endogenia so processos de crescimento que estabelecem pontos de referncia com o qual o
crescimento se desenvolve. No primeiro caso, seria como se tivssemos um som central e este
som fosse se tornando cada vez maior por meio de acrscimos externos. No segundo caso este
crescimento ocorre de dentro para fora, este som promove seu prprio crescimento. Os
processos exgenos se desenvolvem em relao um centro e os processos endgenos em
relao rea de atuao. Por sua vez, ambos processos podem se apresentar de maneira
inversa, como processos de diminuio. Conglomerao e dissipao so caracterizados
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consecutivamente como, a acumulao de elementos em uma massa e a disperso de
elementos de uma massa. O processo de confrao3 descreve uma quebra em pequenos
fragmentos, enquanto difrao implica na diviso de um som em bandas. Estes tipos de
movimentos podem ser forjados pela variao do contedo espectral, por acrscimo ou
decrscimo, como tambm pela explorao da distribuio do som no estreo e na
espacializao durante a difuso eletroacstica.
A tipologia dos movimentos proposta por Smalley conforma o que chamamos de
elementos constituintes primrios do discurso do movimento. Vamos investigar agora como
estes elementos so capazes de engendrar coeso discursiva em uma obra.
Demostramos que h uma ampla variedade de tipos de movimentos. Estes tipos, por
mais complexos e ambguos que possam parecer, implicam inerentemente um tipo de
trajetria, tanto aqueles que nos referimos como tendncias direcionais externas como
internas. Quando identificamos um som que possui um tipo de movimento, somos
conscientes do rumo que a trajetria deste movimento deve tomar. Se algo interfere nesta
trajetria, um outro movimento por exemplo, tambm percebemos que o movimento foi
interrompido e voltamos nossa ateno trajetria que o interrompeu, assim por diante.
Tomemos como exemplo um movimento linear. Ao nos depararmos com uma
trajetria ascendente, pode ocorrer uma variedade de caminhos direcionais possveis. Esta
trajetria poderia ascender at se esvair; poderia ascender at um ponto de impacto; poderia se
juntar, ou ser absorvida por outros eventos, como por um movimento plano, por exemplo;
3 No h uma traduo para o termo difraction em portugus que assuma significado equivalente ao da lngua inglesa. Aqui o termo tem o significado de: o ato de quebrar/partir algo em pedaos.
figura 7: Tipologia dos movimentos (SMALLEY, 1997, p. 116).
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poderia mudar de direo, se tornando um movimento de parbola; poderia alcanar um ponto
mais alto, no qual manteria sua trajetria; etc. (SMALLEY, 1997, p. 116). Isto significa que
este movimento linear no continuaria indefinidamente, e mesmo se houvesse mudanas de
trajetrias sempre iramos esperar pistas do desenvolvimento futuro das
espectromorfologias consequentes. No entanto, estas pistas poderiam ser vlidas ou no.
Assim, adentraramos em uma espcie de jogo com as espectromorfologias, as quais poderiam
nos surpreender com trajetrias inesperadas ou confirmar nossas expectativas. Como afirma
Smalley:
[...] Spectromorphological composition, like other musical languages, is concerned with expectations gratified and foiled, and such expectations are founded on shared perceptual experience. The failure to understand directional implications and temporal pacing is a common compositional problem. (SMALLEY, 1986, p. 75).
Por sua vez esta ideia de Smalley subsidiada pelo conceito de spectromorphological
espectation. Este conceito prope que a apreenso dos movimentos sonoros se d pela
compreenso da histria espectromorfolgica dos eventos sonoros que, por conseguinte, deve
satisfazer as trs fazes temporais de sua existncia: onset-continuant-termination. Como
dissemos anteriormente, a ideia da expectativa espectromorfolgica fundamental para
compreendermos tanto a capacidade morfolgica dos eventos sonoros, como a concepo de
um discurso do movimento para Smalley. Neste ltimo aspecto, o modelo onset-continuant-
termination, ao ser uma propriedade comum aos eventos sonoros, deve ser considerada de
fundamental importncia em uma obra musical que tem como caracterstica uma potica
espectromorfolgica.
Como j dito, a ideia de um discurso musical baseado no discurso do movimento se
desenvolve prioritariamente sob um enfoque perceptual. Nossa compreenso auferida de um
movimento acontece de maneira instantnea, acontece em tempo real, nossa ateno guiada
continuamente para o evento sonoro e suas consequncias. Assim, podemos compreender que
os movimentos so considerados agentes unitrios de coeso discursiva. A partir deste
entendimento, Smalley identificou as maneiras pelas quais a estrutura musical se constri e se
desenvolve no discurso musical.
Ao nos referirmos ao termo estrutura musical temos como modelo principal a msica
ocidental de tradio, mais especificamente a msica tonal. Nesta potica, nos claro que
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exite uma estratificao hierarquizada dos materiais musicais. Temos conscincia de que
existem camadas que se relacionam e se apresentam segundo o grau de importncia das
mesmas em determinados contextos musicais. Tomemos por exemplo a Forma sonata
Clssica. De um ponto de vista global, ou seja, de uma obra musical como um todo, este tipo
de estruturao se apresenta basicamente em trs partes: exposio, desenvolvimento e
reexposio. Em um contexto de nvel regional, temos na exposio uma outra segmentao
bsica composta por um tema ou conjunto temtico A, um tema ou conjunto temtico B e uma
transio entre os dois temas ou conjuntos. A exposio se apresenta como uma unidade
estrutural de importncia sendo assim um elemento estrutural de coeso discursiva. Por sua
vez, em um nvel local, os temas, sejam eles perodos ou sentenas, so compostos por
motivos e frases, que podem representar individualmente elementos estruturais de coeso
discursiva neste nvel. Enfim, em um nvel ainda mais inferior da hierarquia tonal
encontramos como unidades formativas as notas, as quais, quer estejam organizadas por
relaes meldicas ou harmnicas, constituem os elementos estruturais de mais baixo nvel da
coeso da estrutura musical. Soma-se a isto o fato de que, a nota, ao constituir uma unidade
auto-contida, determina, pela sua existncia, as possibilidades do desenvolvimento temporal
da pea como um todo, o pulso e consequentemente a mtrica (SMALLEY, 1986, p. 80; 1997,
pg. 114).
Em contraposio, Smalley afirma que errado buscar na msica electroacstica os
mesmos tipos de relaes hierrquicas entre as estruturas como da msica tonal. Como vimos,
na msica tonal a nota considerada como o nvel mais inferior da estrutura, e a obra
construda por meio de agrupamentos de notas em diversas dimenses como, intervalos,
motivos, frases, at a forma como um todo (SMALLEY, 1997, p. 114). O autor argumenta
que, no h na msica eletroacstica uma unidade estrutural de nvel inferior como a nota.
Primeiramente porque, em um contexto musical espectromorfolgico no muito simples
isolar uma unidade individual, principalmente naqueles em que o fluxo temporal contnuo,
no qual os movimentos se desenvolvem de maneira extremamente entrelaada. Soma-se a isto
o fato que, no h equivalncia de relacionamento entre espectromorfologias e o restante da
estrutura como na msica tonal, na qual a nota um denominador comum da estrutura.
No entanto, assim como na estrutura tonal, a msica electroacstica demanda de uma
estrutura multi-nivelada que proporcione uma variabilidade do foco perceptual para o ouvinte.
Todavia, no h na construo do discurso espectromorfolgico, um padro fixo de
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estruturao dos nveis. Alm disto, o nmero de camadas da estrutura, na maioria das vezes,
no o mesmo durante toda a obra (SMALLEY, 1997, p. 114). Sendo assim, Smalley
identificou os fatores constituintes que conformam tanto as possibilidades perceptuais de uma
estrutura multi-nivelada como seu desenvolvimento no espao temporal de uma obra. Para o
autor os conceitos de gesture e texture promovem estas estratgias.
O conceito de gesto para Smalley definido como uma ao que distancia-se de uma
meta precedente ou dirige-se a uma nova meta (SMALLEY, 1986, p. 82). A ideia de gesto
como uma estratgia estrutural est relacionada capacidade de um gesto, de um movimento,
agir como propulsor do tempo musical, movendo a espectromorfologia de um ponto a outro
na estrutura. O conceito de textura, por sua vez, compreendido como a qualidade interna de
uma espectromorfologia (SMALLEY, 1986, p. 82). Como principio organizador, a ideia de
textura esta relacionada apreenso da atividade interna das estruturas sonoras.
Assim, gesto e textura, so duas estratgias de construo do discurso musical que so
influenciadas pela compreenso do movimento como agente discursivo. No primeiro caso,
gesto est intimamente ligado com os tipos de movimento que implicam direcionalidade, a
saber: movimentos unidirecionais, recprocos e cntrico-cclicos. Como princpio formador
do discurso musical o gesto estimula a apreenso de nveis mais altos da estrutura. No
segundo caso, textura est ligada aos movimentos que chamamos de bi/multidirecionais ou
processos de crescimento. Enquanto estratgia discursiva, a textura encoraja apreenso de
nveis mais inferiores da estrutura musical. Smalley atenta para o fato de que, a falha de
muitas obras eletroacsticas est em no haver variabilidade de foco perceptual entre os nveis
superiores e inferiores da estrutura ao longo de uma composio:
[] Particularly in tape composition, because of the need for the constant repetition of sounds during the honing process, the composer is too easily tricked into perceiving microscopic details which will be missed by the listener. Furthermore, constant repetition quickly kills of a sound's freshness so that the composer's assessment of material becomes jaded. On the other hand, an over-concentration on the design of the higher-levels of structure can all too easily lead to a work lacking in the lower-level detail so necessary for the rewards of repeating hearings. Thus a work in extreme and consistent high-level focus will rapidly achieve aural redundancy, while a work myopically conceived in low-level focus will be found wanting in structural catholicity (SMALLEY, 1986, p. 81).
Gesto e textura como princpios organizadores do discurso atuam juntos, podendo
variar mais para um ou outro lado. No primeiro caso, em contextos em que o gesto
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predomina, Smalley classifica-os como discursos gesture-carried, enquanto que, por outro
lado, em contextos em que os princpios texturais so mais evocados, o autor denomina-os
como discursos texture-carried. Alm disso, um gesto pode apresentar elementos texturais,
seja porque os contm naturalmente em abundncia, seja porque a distenso temporal do
gesto tamanha que ressalta seus aspectos texturais. Assim, tomamos conscincia de ambos
os aspectos deste movimento, no entanto, se o contorno gestual dominante, esta
configurao classificada por Smalley como gesture-framing. O contrrio tambm vlido,
estruturas texturais, ao permitir a apreenso de sua atividade interior, podem destacar gestos e
relacionamentos gestuais. Neste caso, Smalley classificou esta configurao como texture-
setting, no qual a textura fornece um quadro bsico onde gestos individuais atuam.
Como demostrado, os conceitos de gesto e textura como princpio organizadores lidam
principalmente com o desenvolvimento e os nveis de foco perceptual da estrutura. Alm
destas estratgias estruturais a msica acusmtica ainda possui seces espaotemporais que
compem a estrutura do discurso. Assim como demostrado na forma sonata Clssica, a
msica electroacstica tambm possui seces estruturais que conformam elementos de
coeso discursiva em nveis local e regional.
Segundo Smalley, o modelo da expectativa espectromorfolgica, que d coerncia
eventos sonoros mais discretos como os movimentos, pode ser expandido eventos sonoros
que conformam unidades de nveis mais elevados. Retomemos a ideia de que a expectativa
espectromorfolgica determina que os eventos sonoros possuem uma histria de existncia.
Vimos que os movimentos implicam trajetrias que satisfazem as trs fazes temporais de sua
existncia. Sabemos como o movimento comeou, como ele se manteve no tempo e como
terminou. Por sua vez, ao expandirmos estes entendimentos para nveis locais e regionais,
estamos atribuindo um movimento, ou um conjunto deles, uma determinada funo dentro
de um contexto musical. Assim, um movimento, ou um conjunto deles, poderia representar
tipos de comeo, meio e fim de uma estrutura local ou regional. Podemos exemplificar
aproximadamente estes tipos estruturais ao retomarmos o exemplo da Forma sonata Clssica
antes exposto. De um ponto de vista regional, entendemos que a exposio representa um tipo
de comeo para a Forma e, em um nvel local, entendemos que um consequente de perodo ou
sentena, representaria o trmino de uma seco temtica. A delimitao de nvel local e
regional no obedece necessariamente um padro, mas nos claro que, um nvel local se
aproxima muito mais de uma espectromorfologia singular ou de uma relao entre um
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conjunto pequeno de espectromorfologias, e um nvel regional se aproxima de partes
estruturais maiores, como sees inteiras de uma pea.
Smalley identificou as maneiras que estas estruturas podem se apresentar em contextos
musicais. Para tal propsito, o autor tomou como base as trs fazes temporais do modelo da
expectativa espectromorfolgica e as expandiu em um conjunto de termos que servem para
representar diferentes caractersticas de estruturas locais e regionais. Smalley agrupou estas
propriedades sob o conceito de Structural functions.
O modelo de onset prope termos que representam tipos de incios: downbeat,
anacrusis, attack, emergence e departure. Estes tipos tm em comum o fato de representarem
tipos de movimentao que partem ou distanciam-se de um ponto inicial, criando expectativas
sobre os possveis desdobramentos desta estrutura. Podemos aproximar esta ideia funo
que o antecedente desempenha na construo de um tema Clssico. O autor, no entanto, no
especifica o significado de todos os termos apontados, limita-se apenas a dizer que uns so
mais tcnicos e outros mais metafricos. Todavia, para um propsito mais elucidativo sobre a
teoria do autor, iremos propor neste trabalho interpretaes possveis para estes termos.
Poderamos compreender uma funo estrutural downbeat como um tipo de incio que possui
algum tipo de sensao de apoio, assim como o primeiro tempo forte de um compasso para a
mtrica musical tradicional. Em oposio, o termo anacrusis poderia representar uma
estrutura que prope um incio suspensivo. O termo attack poderia representar uma estrutura
ambgua, no estaria nem fortemente sustentada e nem suspensa. Por fim, poderamos
interpretar emergence e departure pela prpria acepo dos termos. Uma estrutura com
funo de emergncia poderia ser representada por elementos que parecem surgir para a
estrutura ou uma espcie de fade-in de um movimento ou um conjunto deles, enquanto a
funo estrutural departure representa algum tipo de estrutura de afastamento.
A fase de continuant prope termos que expressam tipos de continuidade:
prolongation, maintenance, statement, transition e passage. Prolongamento e manuteno so
tipos de continuidade que esto fortemente ligadas com uma funo estrutural anterior de
onset. Poderamos dizer que uma funo estrutural de prolongamento tem a funo de
preservar uma funo de onset durante a fase de continuidade, enquanto uma funo de
manuteno teria como essncia perpetuar um onset e at mesmo desenvolv-lo nesta fase. A
funo estrutural statement conforma uma seco mais independente, ou melhor, tem uma
importncia individual por possuir um contedo prprio, no estando necessariamente
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vinculada com funes anteriores de onset ou funes posteriores de termination. Segundo
Smalley, esta funo estrutural pode ser equiparada uma estrutura que possui um fim em si
mesma, como a exposio que citamos anteriormente. No entanto, esta comparao s
possvel se no levarmos em considerao a forma como um todo. Transio e passagem so
funes estruturais que descrevem estgios intermedirios entre funes, podendo estas ser
tanto onsets quanto terminations. Poderamos interpretar uma funo de transio por meio da
acepo que este termo representa para a msica tonal. Poderia ser uma funo que promova a
ligao de uma estrutura para outra por meio de uma mudana de direcionamento. Por outro
lado, a ideia de passagem poderia ser interpretada de maneira mais amena, representaria uma
ligao feita entre uma funo anterior com uma prxima funo por meio cruzamento de
seus elementos.
Por fim, a fase de termination prope termos que expressam tipos de finalizao ou
sensaes de completude: resolution, release, closure, disappearance, plane e arrival.
Resoluo e release promovem forte sensao de completude e relaxamento. No primeiro
caso, poderamos fazer uma paralelo com as funes harmnicas da msica tonal, das quais
poderamos exemplificar o direcionamento de um acorde de dominante resolvendo na tnica.
A funo de release, por sua vez, poderia ser interpretada como uma extino gradual de uma
estrutura, assim como a fase de release de um envelope dinmico de uma morfologia. Closure
e disappearance expressam terminaes fracas. No primeiro caso, poderamos interpretar o
termo closure por uma ideia de encerramento pontual da estrutura, deixando um certo tipo de
insatisfao sobre sua completude, enquanto no segundo caso, a estrutura terminaria como um
desaparecimento ou esvaimento gradual, como um fade-out, dando uma vaga impresso de
concluso. Arrival representa uma estrutura de terminao que possui um sentido de que
algum objetivo foi alcanado, enquanto que a funo plane representa uma estabilidade
mantida neste objetivo aps ser alcanado.
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Segundo Smalley, a atribuio de funes estruturais eventos ou contextos no uma
tarefa simples ou bvia. Assim como as caractersticas discursivas dos movimentos,
entendemos tambm que a identificao de funes estruturais tambm est vinculada
expectativa espectromorfolgica. Isto significa que, a atribuio de funes no um
processo primordialmente consciente. No estamos constantemente nos perguntando sobre
as funes que movimentos ou conjuntos de movimentos desenvolvem em determinados
contextos. Ao invs disso, nos guiamos perceptualmente pelos movimentos e seus
desdobramentos na estrutura. Assim como os movimentos, as funes estruturais so padres
de expectativa. A tarefa de atribuio de funes se d de maneira contnua no decorrer de
uma obra e por isso sempre incompleta, ambgua e sujeita constantes revises. Ns s
conseguimos atribuir funes aps tomarmos conhecimento de eventos consequentes, pois s
assim podemos avaliar elementos antecedentes e determinar a funo que os mesmos
desenvolvem em contextos especficos. Isto ainda mais claro ao analisarmos uma pea, pois
temos a possibilidade de avaliar as funes estruturais sob um ponto de vista global.
As caractersticas expostas at agora sobre o discurso do movimento, nos levam a
considerar como o desenvolvimento destes elementos, sejam eles movimentos ou funes
estruturais, ocupam o espao interno de uma obra. Alm da ideia de um espao musical
temporal em que os movimentos se desenvolvem, a qual dissemos at agora, podemos
conjecturar uma noo espacial na msica acusmtica por uma analogia com a experincia
figura 8: Funes estruturais (SMALLEY, 1997, p. 115).
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que temos com o espao fsico. Segundo Smalley, isto possvel por meio do entendimento
dos conceitos de spectral space e spectral density. O conceito de espao espectral diz respeito
ocupao dos eventos sonoros no campo das alturas. As ideias de canopy, centre e root
descrevem, consecutivamente, o posicionamento de elementos sonoros nas regies de agudo,
mdio e grave do campo das alturas. O conceito de densidade espectral diz respeito
saturao ou no da ocupao do espao pelos eventos sonoros e quo distante ou quo
prximos estes eventos se mostram no espao fsico da composio. No primeiro caso de
densidade espectral, Smalley prope termos como vazio (empty) e preenchido (filled), que
mostram um contnuo de saturao dos eventos em um espao composicional.
figura 9: Espao espectral (SMALLEY, 1997, p. 121)
figura 10: Densidade espectral (SMALLEY, 1997, p. 121).
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As ideias de espao e densidade espectral so definidas ao longo da obra, pois a
classificao da ocupao do espao depende da relao comparativa entre os elementos
sonoros. Podemos ainda compreender a inter-relao entre espao espectral e densidade
espectral por meio de um esquema tridimensional, no qual o eixo vertical estaria representado
pelo espao espectral, o eixo horizontal pelo tempo e o eixo diagonal pela densidade
espectral:
Por fim, a discusso sobre as propriedades estruturais do discurso do movimento, no
leva ao questionamento sobre a conceito de Forma musical. Segundo Smalley, a ideia de uma
Forma, um nvel global fixo no uma realidade para a msica acusmtica. Diferentemente
da msica tonal, a potica espectromorfolgica no pressupem uma delimitao estrutural
rgida. Tal fato compreendido pela prpria natureza deste tipo de msica que, como vimos,
baseia-se na compreenso dos movimentos e seus desdobramentos e seus processos de
estruturao, que se desenvolvem a par de modelos de estruturao cannicos.
2.2 Discurso Comportamental
A ideia de um discurso comportamental definida por Smalley como: the changing
figura 11: Modelo tridimensional de ocupao do espao musical (BLACKBURN, 2011, p. 13).
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states of identities [] (SMALLEY, 1994, p. 46). Este conceito compreendido como as
maneiras possveis pelas quais as espectromorfologias podem se relacionar em um contexto
musical, principalmente em nveis local e regional. Segundo Smalley, a independncia entre
os eventos sonoros no uma realidade para a msica. O fato de existir mais de um evento
sonoro atuando em um contexto musical implica em algum tipo de relao entre elas e por
conseguinte algum tipo de paradigma organizacional. Tomemos, por exemplo, o contraponto
para a msica tradicional. Este tipo de organizao demonstra um paradigma comportamental
que determina os tipos de relacionamentos possveis entre as entidades sonoras em um
contexto musical. Por sua vez, a msica acusmtica permite uma ampla variedade de tipos
comportamentais devido multiplicidade do contedo espectromorfolgico de suas entidades
sonoras. O entendimento deste tipo discursivo apresentado por Smalley pelos conceitos de
behaviour (SMALLEY, 1994, p. 117) e structural relationships (SMALLEY, 1986, p. 88).
O conceito de Behaviour para o autor, expressa as possibilidades comportamentais
entre as entidades sonoras, que podem ser determinadas a partir de duas dimenses temporais,
uma vertical e a outra horizontal. No primeiro caso, a dimenso vertical compreendida pelo
conceito de motion coordination. Isto significa que as espectromorfologias atuantes em um
contexto musical podem se apresentar de maneira simultnea ou concorrente. Neste ultimo
caso, no qual as espectromorfologias se apresentam em espaos de tempo alternados,
podemos ainda determinar graus de coordenao, ou seja, o quo e como estas entidades esto
prximas umas das outras. Estas propriedades de coordenao so compreendidas pelo autor
sob o conceito de loose-tight continuum. Em uma traduo aproximada, este termo pode ser
definido como o grau de liberdade da coordenao entre as entidades, o quo soltas ou
presas elas podem estar entre si. Dependendo de como se apresenta esta coordenao entre
as entidades podemos identificar tipos relacionais especficos. A coordenao pode se
apresentar de maneira sincrnica, como em poticas que pressupem um rgido controle entre
as entidades como a msica contrapontstica tradicional e a msica minimalista, ou pode se
apresentar de maneira mais malevel e flexvel, tal qual o a potica do movimento para a
msica acusmtica.
Por sua vez, a dimenso temporal horizontal conceituada por Smaley como motion
passage, e diz repeito como um evento levado a outro. Segundo o autor, a maneira pela
qual isto ocorre na potica espectromorfolgica depende fundamentalmente da ideia de
causality. Causalidade compreendida como a capacidade de um evento causar o incio do
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evento seguinte ou alterar um evento concorrente de alguma maneira (SMALLEY, 1994, p.
118). Por sua vez, a causalidade pode ser fraca ou forte, dependendo da influncia ou impacto
que uma espectromorfologia tem em outra. Assim, o conceito de voluntary-pressured
continuum representa o nvel desta capacidade de influncia, podendo ocorrer de maneira
mais ou menos incisiva. O autor ainda afirma que uma msica fortemente causal baseia-se no
princpio de estruturao gestual.
Podemos sintetizar as caractersticas do discurso comportamental sob dois pares
opostos que promovem um modelo para interpretaes de relacionamentos comportamentais:
conflict/coexistence e dominance/subordination. Como vimos, a primeira oposio refere-se
quela que chamamos de dimenso temporal vertical e a segunda dimenso temporal
horizontal. A partir deste modelo, Smalley prope outras interpretaes que sugerem modos
de relacionamento: equality inequality , reaction interaction reciprocity, activity
inactivity e stability instability.
No texto Spectro-morphology and structuring Processes (1986), o autor prope um
modelo que pode nos servir aqui para um propsito ainda mais elucidativo de seu
entendimento de um discurso comportamental. Este modelo representado pelo conceito de
Structural relationships e composto basicamente pelos conceitos de equality/interaction,
reaction/inequality e interpolation. Interao representa algum tipo de cooperao entre os
figura 12: Behaviour (SMALLEY, 1997, p. 119).
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eventos e por isso pressupe uma relao de igualdade entre eles no contexto musical. Esta
cooperao pode se manifestar de maneira confluente ou recproca. No primeiro caso
poderamos interpretar que os eventos se dirigem naturalmente uns para os outros pelas suas
prprias capacidades individuais. J no segundo caso isto ocorreria de maneira mais
cooperativa, como se os eventos colaborasse entre si para se movimentarem na estrutura. Por
sua vez, estes tipos de relacionamento caracterizam um mtodo de progresso da estrutura
classificado como vicissitude, no qual um evento promove outro de maneira voluntria.
Por outro lado, o termo reao representaria um forma de relacionamento no
igualitrio entre as espectromorfologias. O tipo de progresso entre os eventos neste tipo de
relacionamento classificado como displacement, e expressa a resistncia dos mesmos a
serem substitudos ou transformados. Esta progresso pode ser representada por meio de
comportamentos de competio e estmulo causal entre as espectromorfologias. Por fim, o
conceito de interpolation, representaria um corte brusco do relacionamento entre as
morfologias, deixando alguma ambiguidade ou eliminando o mtodo de progresso vigente.
figura 13: Structural relationships (SMALLEY, 1986, p. 88).
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Identidades sonoras
Os discursos do movimento e comportamental identificados por Smalley tratam,
consecutivamente, das propriedades direcionais das entidades sonoras e das maneiras pelas
quais estas entidades podem se relacionar entre si em nveis local e regional. Estes tipos
discursivos dependem fundamentalmente da apreenso do material espectromorfolgico e de
seus desdobramentos na estrutura. Como vimos, isto possvel por meio do entendimento de
unidades discursivas elementares, as quais chamamos de movimentos. No primeiro caso,
vimos que estas unidades conformam agentes discursivos em si por aquilo que chamamos de
expectativa espectromorfolgica. Por conseguinte, vimos que este conceito no est apenas
limitado a uma unidade mas tambm a conjuntos de movimentos que atuam em um contexto
musical propondo padres de expectativa mais complexos conformando funes estruturais.
Enfim, no segundo caso, vimos como os movimentos se relacionam entre si em seus
respectivos contextos. Em um contexto local, pelas relaes entre movimentos, e em um
contexto regional, pelo relacionamento entre funes estruturais.
Como dissemos anteriormente, estes tipos discursivos se fundam prioritariamente sob
um enfoque perceptual. Por outro lado, Smalley considera que este no o nico paradigma
possvel para a compreenso e construo do discurso musical na Msica Electroacstica. A
partir da compreenso da teoria espectromorfolgica do autor, podemos identificar ainda tipos
discursivos que se baseiam na apreenso cognitiva das entidades sonoras. Isto significa que,
ao discriminamos auditivamente as entidades sonoras durante o ato da escuta, atribumos a
elas um valor sgnico. Para o autor, este entendimento possvel por meio da compreenso do
conceito de timbre.
Segundo o autor, conceito de timbre uma questo delicada pois, ao longo da histria
da msica vrias foram suas definies e entendimentos. Por conseguinte, estas definies
influenciaram e justificaram poticas musicais diversas. Retomemos por exemplo, a definio
que demos de timbre no incio do primeiro captulo deste trabalho, no qual comeamos a
tratar sobre a tipologia espectral. Vimos que o conceito de timbre sempre esteve redutvel
primazia da nota. Isto significa que apesar da nota estar contida em um espectro de
frequncias, seu timbre, este, tem sua importncia simplesmente como um fator
complementar para a altura definida. Este entendimento por sua vez, esteve inserido em um
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contexto no qual o paradigma de estruturao era o sistema tonal, do qual sabemos que a nota
seu princpio formador. Por outro lado, o entendimento de espectro sonoro como material
musical possibilitou novos paradigmas aos compositores contemporneos que utilizam-se dos
meios de produo sonora que, em princpio, foram forjados sob a prtica musical tradicional.
Para estes compositores, o timbre compreendido como uma extenso da Harmonia e vice-
versa. Nesta potica, as qualidades espectrais so a base para se conceituar e conceber o
relacionamento entre a altura definida e o espectro sonoro, promovendo assim um cruzamento
entre estas duas abordagens do material sonoro. Adiante, a ascenso dos meios eletroacsticos
permitiu aos compositores o descobrimento das mltiplas variveis presente no timbre,
como as caractersticas inharmnicas e as vrias dimenses temporais do som. Como
consequncia, o entendimento de materiais musicais tambm foi ampliado, seja pela
manipulao dos elementos tmbricos a priori (msica eletrnica), ou pelo reconhecimento
destes como sons musicais autnomos (msica acusmtica).
Estas abordagens sobre o timbre tm em comum o fato de serem atitudes da escuta que
tm como essncia o discernimento acerca do contedo espectromorfolgico dos materiais
musicais. O autor acrescenta ainda estas atitudes as descries lingusticas qualitativas que,
pelo uso de termos como bilhante/opaco, compacto/amplo, vazio/cheio, etc, demonstram uma
compreenso metafrica do timbre. No entanto, esta atividade da escuta cobre apenas uma
parte da experincia musical, que so os aspectos qualitativos do som. Segundo Smalley, a
experincia musical sempre esteve vinculada identificao de fontes sonoras pelo ouvinte.
Para o autor, este entendimento promove uma nova definio de timbre. Para Smalley, o
timbre uma fisionomia snica cujo conjunto espectromorfolgico permite a atribuio de
uma identidade (SMALLEY, 1994. p. 38).
Sob este conceito de timbre, podemos compreender como as entidades sonoras
tornam-se identidades sonoras. Vamos agora demonstrar como estas identidades podem
engendram coeso discursiva para a Msica Eletroacstica. A partir da compreenso da teoria
espectromorfolgica, podemos identificar que isto ocorre de duas maneiras. Por meio da
criao de referncias intrnsecas e extrnsecas obra. No primeiro caso, Smalley prope dois
tipos de discursivos, transformacional discourse e typological discourse, e no segundo caso,
source-cause discourse.
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2.3 Discurso transformacional
O discurso transformacional definido por Smalley da seguinte maneira: where an
identity is transformed while retaining significant vestiges of its roots [] (SMALLEY, 1994,
p. 43). Para compreendermos este tipo discursivo devemos segmentar e investigar melhor o
sentido de trs termos desta definio. Primeiramente, devemos compreender quais so os
fatores que nos leva a considerar uma entidade sonora como uma identidade sonora, ou seja,
como um elemento sonoro se torna significante em um contexto intrnseco obra musical.
Posteriormente, devemos investigar quais so as maneiras pelas quais esta identidade pode ser
transformada no decorrer do discurso, e, por fim, devemos compreender qual o sentido que o
termo razes assume para este tipo discursivo.
Segundo o autor, para um som ser musicalmente significante em um contexto musical
ele deve atender a duas propriedades bsicas: existence e coherence. O conceito de existncia
definido por Smalley como a durao necessria para uma identidade se estabelecer como
tal no tempo. Como vimos, as entidades sonoras podem se apresentar de vrias formas e
tamanhos. Isto significa que cada uma delas possui uma evoluo temporal mnima para sua
apreenso. Tomemos, por exemplo, um movimento circular. Para ser considerado como tal,
este tipo de identidade depende de pelo menos um ciclo de rotao, e este ciclo por sua vez
depende da evoluo temporal da espectromorfologia. O conceito de coerncia definido pelo
autor como o estado de integrao dos componentes espectrais e morfolgicos de maneira que
possibilitem a apreenso da espectromorfologia como uma unidade independente. Segundo o
autor, perceber e atribuir esta propriedade aos eventos sonoros no uma tarefa muito
simples. Se dizemos que a coerncia depende da integrao entre as propriedades
espectromorfolgicas, podemos dizer ainda que esta integrao no assume um padro para as
entidades, podendo variar entre uma maior integrao e menor integrao. Tomemos por
exemplo um contexto pontilhista. Este contexto contm uma variedade de identidades atuando
individualmente em um espao temporal, ou um conjunto de entidades, que conformam um
identidade textural? Assim como demostra o autor, a atribuio de coerncia, e por sua vez de
identidade, tambm depende de questes como contexto e atitude da escuta:
This course of even a relatively short spectromorphology can travel between integration an disintegration. For example, using the unifying weapon of the attack
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phase I can impose a causal coherence on the onset of a spectr