t_currículo debates contemporâneos (1)

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    CURRCULO: DEBATES CONTEMPORNEOS

    1. O pensamento curricular no Brasil

    Alice Casimiro LopesProfessora adjunta da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio de janeiro

    (UFRJ).Elizabeth MacedoProfessora adjunta da Faculdade de Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro(UERJ).

    As primeiras preocupaes com o currculo, no Brasil, datam dos anos 20. Desde ento, at adcada de 1980, o campo foi marcado pela transferncia instrumental de teorizaes americanas.Essa transferncia centrava-se na assimilao de modelos para a elaborao curricular, em suamaioria de vis funcionalista, e era viabilizada por acordos bilaterais entre os governos brasileiro

    e norte-americano dentro do programa de ajuda Amrica Latina.Apenas na dcada de 1980, com o incio da redemocratizao do Brasil e o enfraquecimento daGuerra Fria, a hegemonia do referencial funcionalista norte-americano foi abalada. Nessemomento, ganharam fora no pensamento curricular brasileiro as vertentes marxistas. Enquantodois grupos nacionais - pedagogia histrico-crtica e pedagogia do oprimido -disputavamhegemonia nos discursos educacionais e na capacidade de interveno poltica, a influncia daproduo de lngua inglesa se diversificava, incluindo 1autores ligados Nova Sociologia daEducao inglesa e a traduo de textos de Michael Apple e Henry Giroux. Essa influncia nomais se fazia por processos oficiais de transferncia, mas sim subsidiada pelos trabalhos de

    pesquisadores brasileiros que passavam a buscar referncias no pensamento crtico. Esseprocesso menos direcionado de integrao entre o pensamento curricular brasileiro e a produointernacional permitia o aparecimento de outras influncias, tanto da literatura em lngua francesaquanto de tericos do marxismo europeu.

    No incio dos anos 1990, o campo do currculo vivia essas mltiplas influncias. Os estudos emcurrculo assumiram um enfoque nitidamente sociolgico, em contraposio primazia dopensamento psicolgico at ento dominante. Os trabalhos buscavam, em sua maioria, acompreenso do currculo como espao de relaes de poder. Os estudos que discutiamaspectos administrativo-cientficos do campo foram totalmente superados, restando apenas

    pouqussimas referncias a esse tipo de estudos nos primeiros anos da dcada, especialmentelocalizadas na produo em peridicos. Nos textos apresentados em fruns cientficos, aabordagem estava definitivamente superada. As proposies curriculares cediam espao a umaliteratura mais compreensiva do currculo, de cunho eminentemente poltico. Na primeira metadeda dcada, a ampla maioria dos estudos se encaixava na categoria de texto poltico, tal como adefine Pinar et ai < 1995). A idia de que o currculo s pode ser compreendido quandocontextualizado poltica, econmica e socialmente era visivelmente hegemnica. exceo dePaulo Freire, a maior parte das referncias era a autores estrangeiros, tanto do campo docurrculo como Giroux, Apple e Young, quanto da sociologia e da filosofia, como Marx, Gramsci,

    Bourdieu, Lefbvre, Habermas e Bachelard.

    1 medida que o poder ficar cada vez mais afastado da influncia popular, haver uma reao popular para adquirir controlelocal e criar centros de poder e, em ltima anlise, orientar-se no sentido de dissolver o poder central. (Chomsky, in Linhares eGarcia, 1996: 47)

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    Nesse perodo, podemos situar como centrais as discusses sobre currculo e conhecimento.Especialmente no Grupo de Trabalho (GT) de Currculo da Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), mas tambm em peridicos da rea, foramaprofundadas questes referentes s relaes entre conhecimento cientfico, conhecimentoescolar, saber popular e senso comum; aos processos de seleo de contedos constitutivos docurrculo; s relaes entre a ao comunicativa, os processos de crtica aos conhecimentos e osprocessos emancipatrios; a necessidade de superarmos dicotomias entre contedos, mtodos e

    relaes especficas da escola, sintonizadas com o entendimento mais geral do currculo comoconstruo social do conhecimento. Ao lado das temticas relacionadas ao conhecimento, temoso desenvolvimento de trabalhos em torno da questo da multirreferencialidade (Burnham, 1993)2,indicando o campo do

    Currculo como complexo e capaz de exigir uma rede mltipla de referenciais

    para sua interpretao.

    No fim da primeira metade da dcada, a tentativa de compreenso da socie-dade ps-industrialcomo produtora de bens simblicos, mais do que de bens materiais, comea a alterar as nfasesat ento existentes. O pensamento curricular comea a incorporar enfoques ps-mo-dernos eps-estruturais, que convivem com as discusses modernas. A teorizao curricular passa aincorporar o pensamento de Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari e Morin. Esses enfoquesconstituem uma forte influncia na dcada de 1990, no entanto, no podem ser entendidas comoum direcionamento nico do campo. s teorizaes de cunho globalizante, seja das vertentesfuncionalistas, seja da teorizao crtica marxista, vm se contrapondo a multiplicidadecaracterstica da contemporaneidade. Tal multiplicidade no vem se configurando apenas comodiferentes tendncias e orientaes terico-metodolgicas, mas como tendncias e orientaesque se inter-relacionam produzindo hbridos culturais. Dessa forma, o hibridismo do campo

    parece ser a grande marca do campo no Brasil na segunda metade da dcada de 1990.

    Ao mesmo tempo em que o hibridismo de diferentes tendncias vem garantindo um maior vigorao campo, observamos uma certa dificuldade na definio do que vem a ser currculo. Umaanlise das pesquisas brasileiras, assim como da literatura publicada nos ltimos anos,demonstra que, sob o descritor currculo, englobada uma multiplicidade de estudos. Na base dedados dos grupos de pesquisas de uma das principais agncias de fomento brasileiras (ConselhoNacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico - CNPq) encontram-se 117 entradas parao descritor currculo, incluindo pesquisas sobre currculo, mas tambm sobre alfabetizao,conhecimento e cultura, inovaes curriculares especficas, novas tecnologias einterdisciplinaridade. Dentre os estudos enfocando efetivamente a temtica currculo, h trabalhosque se referenciam nas discusses terico-prticas da rea, assim como estudos voltados parapropostas de ensino de disciplinas especficas ou cujo vis principal so as teorias construtivistas.

    Essa pluralidade de temticas exige que a definio do campo do currculo supere questes denatureza epistemolgica. Campo deve ser compreendido como um locus no qual se trava um

    2O que significa ser cidado nesta sociedade plural, que vai desde a dimenso de uma sociedade tecnolgica de ponta, at

    aquela outra, de uma repblica de guabirus? (...) Todo esse questionamento nos remete ao currculo e seu significado nasociedade contempornea. Remete-nos, mesmo, a aprofundar para melhor compreender, no s a polissem ia do termo, como

    se pode constatar na literatura pertinente, mas ao seu significado como processo social, que se realiza no espao concreto daescola, com o papel de dar queles sujeitos que a interagem, acesso a diferentes referenciais de leitura e relacionamento com omundo, proporcionando-lhes no apenas um lastro de conhecimentos e de outras vivncias que contribuam para a sua inserono processo da histria, como sujeito do fazer dessa histria, mas tambm para a sua construo como sujeito (quiautnomo) que participa do processo de construo e de socializao do conhecimento e, assim, da instituio histrico-socialde sua sociedade. (Burnham, 1993: 3)

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    embate entre atores e/ou instituies em torno de formas de poder especficas que caracterizama rea em questo (Bourdieu, 1983, 1992). Com base nesse entendimento, consideramos que ocampo do Currculo se constitui como um campo intelectual: espao em que diferentes atoressociais, detentores de determinados capitais social e cultural na rea, legitimam determinadasconcepes sobre a teoria de

    A estrutura do campo cientfico se define, a cada momento, pelo estado das relaes de fora

    entre os protagonistas em luta, agentes ou instituies, isto , pela estrutura da distribuio docapital especfico, resultado das lutas anteriores que se encontra objetivado nas instituies e nasdisposies e que comanda as estratgias e as chances objetivas dos diferentes agentes ouinstituies. (Bourdieu, 1983: 133)

    Currculo e disputam entre si o poder de definir quem tem a autoridade na rea. Trata-se de umcampo capaz de influenciar propostas curriculares oficiais, prticas pedaggicas nas escolas, apartir dos diferentes processos de recontextualizao de seus discursos, mas que no se constitui

    dessas mesmas propostas e prticas. O campo intelectual do Currculo um campo produtor deteorias sobre currculos, legitimadas como tais pelas lutas concorrenciais nesse mesmo campo.As produes do campo do Currculo configuram, assim, um capital cultural objetivado do campo.

    Dessa forma, entendemos que analisar a produo do campo do currculo inclui tomar comoobjeto o conhecimento produzido por sujeitos investidos da legitimidade de falar sobre currculo.Tal legitimidade conferida por sua presena em instncias institucionalizadas, tais como: asinstituies de ensino e pesquisa, nas quais atuam como professores, pesquisadores eorientadores; as agncias de fomento, em que so pareceristas e definem que tipos de estudossero financiados; os fruns de pesquisadores, dentre os quais o mais significativo o GT de

    Currculo. A participao dominante nesses grupos vem se constituindo como um dos principaisfatores capaz de garantir a legitimidade e a autoridade para falar sobre Currculo.

    Nesse sentido, analisamos a produo social do campo entendendo que no a utilizao dedeterminados aportes terico-metodolgicos que o definem. As relaes de poder dominantesnesse campo que fazem prevalecer determinados aportes em funo de seus interesses eobjetivos especficos. Consideramos, na anlise a produo dos grupos de pesquisainstitucionalizados que mantiveram produo constante durante a dcada. Assim, em vez detrabalhar com a produo esparsa de diferentes sujeitos, procuraremos agrup-la em tendnciasmaiores, salientando o trabalho das lideranas desses grupos. As fontes para este estudoenglobam os textos publicados na forma de livros ou em revistas especializadas, os trabalhosapresentados no GT de Currculo nas reunies anuais da ANPEd, assim como os projetos erelatrios de pesquisa desenvolvidos por pesquisadores das linhas selecionadas comoconstitutivas do campo.

    Hibridismo: a marca do campo do currculo

    A partir do recorte de campo do currculo como campo intelectual criado pelas posies, relaese prticas que surgem de um contexto de produo discursiva em determinada rea (Bernstein,1996), analisamos a produo de currculo no Brasil tomando por base os trs grupos principais

    deste perodo: 1. a perspectiva ps-estruturalista; 2. o currculo em rede; e 3. a histria docurrculo e a constituio do conhecimento escolar.

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    Perspectiva ps-estruturalista

    A perspectiva ps-estruturalista alcanou destaque no campo do Currculo no Brasil em virtudedas produes nessa rea oriundas do grupo de Currculo da Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS). Este grupo, liderado por Tomaz Tadeu da Silva e constitudo por seusorientandos e colaboradores, vem, desde a primeira metade da dcada de 1990, produzindosignificativamente e conquistando uma insero expressiva nos congressos educacionais

    nacionais. O fato de o pesquisador Tomaz editar e traduzir autores internacionais em umaperspectiva ps-estruturalista tem contribudo para a articulao do grupo, por meio do queBourdieu denomina constituio de um capital social objetivado e institucionalizado3.

    A partir da anlise dessa obra, podemos identificar os pressupostos terico metodolgicosorientadores do trabalho de todo grupo. Silva constitui uma trajetria de publicaes que inicia adcada ainda incorporando basicamente as perspectivas tericas histrico-crticas, passando aincorporar, com restries, perspectivas tericas ps-estruturalistas e chegando ao final dadcada com a adeso acentuada a essas perspectivas. Sua base terica mais significativa MichelFoucault e os estudos culturas. especialmente de Stuart Hall, seguidos dos estudos feministas e

    das contenes tericas de Derrida, Deleuze Guattari. A incorporao de autores franceses feita por intermdio de autores de lngua inglesa, incluindo, por vezes a referncia s traduesde autores franceses para o ingls.

    Em um de seus primeiros trabalhos anos 1990 (Silva, 1992), Tomaz Tadeu tem como objetocentral a anlise conexes entre os processos de seleo, organizao e distribuio doscurrculos escolares e a dinmica de produo e reproduo da sociedade capitalista . Suaanlise fundamenta-se em auto-( como Bourdieu, Althusser, Marx, Thompson e RaymondWilliams e, no do Currculo, Apple, Jean Anyon, tmstein, Whitty, Paul Willis e Michael bung.Nesse trabalho, h o repdio ao ps modernismo.4

    Posteriormente (Silva, 1993), a partir da considerao de que sua viso anterior foi um tantoingnua e apressada, procura efetivar um dilogo entre teorizaes crticas e ps-modernas,traar continuidades e rupturas entre essas teorizaes, bem como identificar limites, dificuldadese impasses entre essas perspectivas tericas. Como continuidades, so identificadas apreocupao em integrar anlise e ao poltica, especialmente centrada em alternativascurriculares, e a contestao ao que se entende como conhecimento e como conhecimentoescolar.

    A ruptura quanto interpretao do conhecimento, exemplificada com o fato de que opensamento ps-estruturalista, ao centralizar questes de interesse e poder, no se limitaria squestes econmicas, mas ampliaria o debate para as questes de gnero, etnia e sexualidade,bem como para a crtica s idias de razo, progresso e cincia. Outra ruptura ntida expressa-sena ausncia, no pensamento ps-estruturalista, de uma viso de futuro: no h possibilidade de

    3Desde 1992, o pesquisador Tomaz publicou cinco livros de sua autoria exclusiva, sendo um deles dirigido aos cursos de

    graduao em Currculo, e organizou, sozinho ou em coautoria, onze livros (Gentili e Silva, 1996; Moreira & Silva, 1994, 1995;Silva, 1992; 1993; 1994; 1995a; 1995b; 1996,1998; 1999a; 1999b; 2000a; 2000b; 2000c; 2000d). A partir de sua atividade comotradutor, introduziu no Brasil, textos de autores como Mc Laren, Apple, Gimeno Sacristn, Popkewitz e Giroux, j bastante

    difundidos, mas tambm diversos autores menos conhecidos no pas, em sua maioria ps-estruturalistas e de lngua inglesa. Osnomes de Cherryholmes, Philip Wexler ejennifer Gore so uns poucos exemplos desses autores.4Na verdade, no estamos presenciando o triunfo do neoliberalismo e do capitalismo, mas de sua ideologia. esta talvez umaoportunidade nica para a Sociologia da Educao reafirmar sua vocao crtica, denunciando a mistificao representada pelavoga liberal e por este denier cri ideolgico travestido de vanguarda cultural que atende pelo nome de ps-modernismo (Silva,1992: 27).

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    uma educao, de um currculo e/ou de uma pedagogia que estejam do lado de uma visolibertadora, justa, igualitria do homem e da sociedade. Tal possibilidade constituiria umametanarrativa, negada pelo ps-modernismo em funo de seu carter opressor da complexidadee variedade do mundo.

    Mais uma descontinuidade apontada pelo autor refere-se ao conceito de ideologia. Segundo ele,a teorizao crtica, sobretudo em sua orientao neomarxista, baseia-se no conceito de ideologia

    como viso falsa do mundo social, em oposio ao discurso verdadeiro que representaria arealidade. A partir do entendimento ps-estruturalista de que a linguagem constitui a realidade,essa viso questionada, pois os significados nunca so fixos, mas sempre construdos dentrode determinadas prticas. No existem, portanto, discursos falsos e verdadeiros, nem o lugar dacincia, na perspectiva althusseriana, capaz de desvelar a ideologia. Existem apenas diversosdiscursos constituintes e regimes de verdade, na acepo de Foucault. Por outro lado, todas asnarrativas, como analisa Silva, so parciais, ndem da posio de seus emissores, no havendouma posio privilegiada para emisso de discursos.

    Em contrapartida, Silva faz uma aproximao entre a perspectiva ps-moderna de concepo da

    realidade e a concepo de construo social dos primeiros trabalhos de Michael Young e daNova Sociologia da Educao (NSE). Para Young (1978), o verdadeiro critrio de validao dosaber a sua capacidade de contribuir para a libertao humana. Para Silva, nessa perspectivaainda h um referente o conhecimento intersubjetivamente partilhado -, enquanto naperspectiva ps-moderna no h referentes, e portanto, no est em questo a validade doconhecimento. Enquanto a NSE tm um relativismo fraco, as teorias ps-estruturalistas tm umrelativismo forte. Tal posio refora seu argumento de que nem todas as teses ps-estruturalistas so to inovadoras. Outra questo trabalhada centralmente o entendimento dosujeito. Silva entende que em quase toda literatura crtica moderna possvel encontrar o

    pressuposto de um sujeito com uma conscincia unitria, homognea, centrada, capaz desuperar um estado de alienao submetido dominao para alcanar um estado consciente,lcido, crtico e, por conseguinte, livre e autnomo. Apresenta-se assim como uma das principaismarcas do ps-estruturalismo, ao contrrio, a defesa da subjetividade como fragmentada,descentrada e contraditria e o questionamento s idias de emancipao e de conscientizao.Essa concepo e sua conseqente crtica ao educador como um ser iluminado, capaz de indicaros caminhos da conscientizao, um dos princpios do ps-estruturalismo mais rapidamenteincorporado por Silva e trabalhado ao longo de sua obra.5

    Para o autor, o mais importante incorporar o conceito de diferena: no h um discurso que

    possua, com base em algum critrio universal de validao, o ponto de vista epistemolgicoprivilegiado. H diferentes discursos no-equivalentes, na medida em que so implicados emrelaes de poder assimtricas, as quais devem ser questionadas no processo de valorizaodas diferenas.

    Em sntese, Silva defende que as teorizaes ps-estruturalistas sejam problematizadas, tendopor referncia os princpios fundamentais da Teoria Crtica da Educao e seu projeto poltico.Para tanto, prope que se tenha em vista em que medida tais teorizaes constituem ummovimento conservador e em que medida permitem avanar na compreenso das questesreferentes a dominao e poder.

    5A desconfiana das explicaes totais e unicausais no tem sido privilgio da anlise ps-moderna, nem totalmente novidade.Ela tem feito parte, em certa medida, de correntes 'dissidentes' do marxismo, assim como tem estado presente na literaturaeducacional crtica de Michael Young a Michael Apple (Silva, 1993:134)

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    Por fim, salienta como o ps-estruturalismo corre o risco de nos manter presos smicronarrativas. Tais preocupaes tambm esto expressas em seus outros trabalhos damesma poca (Gentili e Silva, 1996; Moreira e Silva, 1994; Sva, 1995a). a partir doaprofundamento de seus estudos sobre Michel Foucault (Moreira e Silva, 1995; Silva, 1994; Silva1995b) e da posterior maior influncia de Derrida, Deleuze, Guattari e Lacan (Silva, 1999 b,2000c) que o processo de incorporao do pensamento ps-estruturalista se faz mais completo.No campo do Currculo, as influncias tericas de Popkewitz, Walkerdine e Tennifer Gore

    acentuam-se. Como distines mais fundamentais de seu trabalho podemos identificar oaprofundamento do vnculo entre saber e poder, dos processos de virada lingstica, dos vnculosentre currculo e regulao social, currculo, identidade e diferena e da epistemologia social.Permanece tambm muito acentuada a problematizao sobre as conseqncias dodescentramento do sujeito para o projeto educacional.6

    Com base em Foucault e em sua concepo de que existem micropoderes descentrados comaes no apenas coercitivas, mas tambm produtivas, Silva desenvolve o questionamento idia da teorizao crtica de que o conhecimento e o saber constituem fontes de libertao,

    esclarecimento e autonomia. Isso porque, no h uma situao de no-poder, mas sim um estadopermanente de luta contra posies e relaes de poder. Se o mundo construdo anteriormenteao sujeito na e pela linguagem, no h como falar em uma conscincia e em um sujeitosautnomos. preciso conviver com a instabilidade e provisoriedade dos mltiplos discursos e dasmltiplas realidades constitudas por esses discursos.

    O autor afirma que a conseqncia dessas interpretaes no pode ser uma posio niilista,cnica ou desesperada. Sobretudo preciso salientar o carter difuso dos mecanismos deregulao, controle e poder: mesmo as pedagogias crticas esto implicadas nesses mecanismos.Com base em Derrida, sua preocupao com a desconstruo dos binarismos: teoria/prtica,

    sujeito/objeto, natureza/cultura, questionando todo essencialismo.

    Diferentemente de seu trabalho anterior, em que afirmava no ser privilgio do pensamento ps-estruturalista a crtica s metanarrativas e ao objetivismo epistemolgico, Silva passa a entenderque a tradio racionalista do pensamento social e educacional tende a pensar o conhecimento ea epistemologia como um processo lgico ligado a esquemas mentais de raciocnio, emconseqncia de sua concepo de linguagem como um meio transparente e neutro derepresentao da realidade (Silva, 1994). A partir da virada lingstica, assume o entendimento deque as categorias que usamos para definir e dividir o mundo so sistemas que nos fazem refletir,ver e interpretar os objetos da maneira que fazemos. Tais sistemas so epistemologias sociais

    (Popkewitz, 1994). Assim sendo, a posio anteriormente mais prxima ao relativismo fraco daNSE se dirige ao relativismo forte.

    Com o "adeus s metanarrativas" Silva entende que talvez seja possvel, inclusive, viver melhor,evitando que discursos de grupos restritos sejam opressivamente apresentados como os nicospossveis discursos e a nica direo a ser tomada para os campos educacional e do currculo.

    60 distintivo da anlise ps-moderna que ela levou essa crtica a nveis que tornam praticamente impossvel se obter uma

    compreenso coerente e global da dinmica e do mundo social. Sem essa possibilidade, existe o risco de ficarmos presos naimpotncia da variedade e da infinidade de narrativas parciais e locais. Incapazes de fornecer uma descrio e uma explicaodos nexos entre esses localismo e parcialidades, elas tendero a deixar intactas estruturas de desigualdade e injustia que tmsua gnese e reproduo numa dinmica social que , hoje mais do que nunca, global. (Silva, 1993:134)

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    Isso significa conceber que a prpria Teoria de Currculo constitui um dos nexos entre saber epoder.7

    A produo desses sujeitos pode ser compreendida pela ligao entre currculo, representao eidentidade. A representao, para Silva, um processo de produo de significados sociais pormeio de diferentes discursos que operam pelo estabelecimento de diferenas: por intermdio daproduo de sistemas de diferenas e de oposies que os grupos sociais so tornados

    diferentes e constituem suas mltiplas identidades. O currculo assim uma forma derepresentao que se constitui como sistema de regulao moral e de controle. Tanto produtodas relaes de poder e identidades sociais, quanto seu determinante.

    Ainda que, por vezes de forma aparentemente contraditria com o pensamento ps-estruturalista,continua sendo sua preocupao marcar o efeito poltico dessas interpretaes, no deixando deconsiderar como o atual projeto neoliberal e neoconservador envolve a redefinio global dasesferas poltica, social e pessoal, por meio de complexos e eficazes mecanismos derepresentao e de significao. Para ele, novos discursos, dentre os quais o educacional, seinserem nessa epistemologia social capaz de constituir uma nova realidade lingstica e limitar as

    possibilidades de conceber esse mundo fora do contexto neoliberal e neoconservador.8

    Silva desenvolveu trabalhos com as metforas currculo como fetiche, como as metforascurrculo como fetiche, como representao e como prticas de significao (Silva, 1999b). Emseus ltimos livros rene textos que analisam o construtivismo como narrativa mestra reguladorade subjetividades (Silva, 1998) textos que interpretam o fim da teoria sujeito e a existncia demonstros, ciborgues e clones (Silva, 2000c). No , no entanto, de manter discusses recorrentesem sua obra, como a questo da identidade e da diferena com base nos estudos culturais (Silva,2000d).

    O pensamento de Silva constitui, as-., a linha mestra do grupo de pesquisas ps-estruturalistasem Currculo. Em importante obra do grupo (Veiga-o, 1995), as produes sobre currculodirigem-se especialmente para anlise : questes referentes ao lugar de Foucault na teorizaops-moderna/ps-estruturalista, s produes discursivas diversas (educao ambiental,construtivismo), aos processos de mudana e de reforma educacional, bem como aoentendimento do potencial das perspectivas ps-estruturalistas na ampliao dos referenciais deanlise capazes de criticar as perspectivas neoliberais na educao.

    Currculo e conhecimento em rede

    A discusso 9sobre conhecimento em rede ganhou destaque nos estudos em currculo a partir dametade da dcada de 1990, apesar de originar-se de estudos que datam dos anos 1980. Trata-se

    7A Teoria do Currculo consiste precisamente nisso: em formular formas de melhor organizar experincias de conhecimento

    dirigidas produo de formas particulares de subjetividade: seja o sujeito conformista e essencializado das pedagogiastradicionais, seja o sujeito 'emancipado' e 'libertado' das pedagogias progressistas. (Silva, 1995b:192)8A Teoria do Currculo tem se beneficiado enormemente de uma abordagem voltada para sua economia poltica, umaabordagem que deve muito s influncias marxistas. (...) Continuamos a ser uma sociedade capitalista, uma sociedadegovernada pelo processo de produo de valor e de mais-valia. Ligar o currculo a esse processo um dos avanos fundamentaisque devemos vertente crtica da Teoria do Currculo. Isso no exclui, entretanto, outras abordagens, outras metforas, outrosconceitos, que possibilitem que ampliemos nossa compreenso daquilo que se passa no nexo entre transmisso de

    conhecimento e produo de identidades sociais, isto , no currculo. Acredito que o papel de uma Teoria Crtica do Currculo ode ampliar essa compreenso, no o de estreit-la (Silva, 1995b: 206-207)9Com Derrida, a subjetividade dissolve-se na textualidade. O 'sujeito', se que ele existe, no passa de simples inscrio: ele pura exterioridade. No h lugar, aqui, para qualquer 'teoria do sujeito' ou 'filosofia da conscincia'. (Silva, 2000b:16)Para a teoria cultural contempornea, a 'existncia' de monstros, ciborgues e autmatos complica, definitivamente, o privilgiotradicionalmente concedido ao ser humano ou, se quisermos, ao 'sujeito', com todas as propriedades que costumam ser

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    de uma vertente de trabalhos desenvolvidos fundamentalmente por pesquisadores do Rio deJaneiro, coordenados por Nilda Alves10, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e ReginaLeite Garcia11 na Universidade Federal Fluminense, esta ltima mais ligada s reas dealfabetizao e estudos culturais. Embora nos ltimos anos desta dcada, os estudos tendo porbase essa abordagem no se restrinjam aos grupos coordenados por essas pesquisadoras, soestes os centros de tal perspectiva. A produo terica dessa vertente vem se intensificando nosltimos anos, tanto em congressos nacionais e internacionais, como editorialmente,

    especialmente a partir do lanamento de uma coleo de livros denominada "O sentido daescola"12, que em-ora no trate especificamente da temtica currculo, cria condies decrculao da discusso sobre conhecimento em rede e cotidiano escolar.

    Enquanto a maioria da produo em crculo no Brasil apia-se na discusso oriunda de pases delngua inglesa, os estudos sobre currculo em rede referenciam-se, em sua maioria, embibliografia francesa, especialmente em autores como Certeau, Lefbvre, Morin, Guattari eDeleuze. Nos ltimos anos, o autor portugus Boaventura de Sousa Santos tem sido importantereferncia esses estudos. Outro aspecto notarei em relao s principais bases tericas desses

    estudos o reduzido dilogo com autores da rea de educao e mais especificamente com area de currculo, tal como ela se apresenta na literatura internacional ou nacional.

    As elaboraes sobre currculo em rede seguem os estudos de Alves na rea curricular, que secentravam fundamentalmente na categoria cotidiano e em discusses sobre formao deprofessores.

    Os primrdios do conceito de rede, tal como aplicado ao campo do currculo no Brasil, datam de1985, quando da discusso sobre alteraes nos cursos de formao de professores. Nestemomento, Alves identificava quatro esferas articuladas de formao de profissionais do ensino: ada formao acadmica, a da ao governamental, a da prtica pedaggica e a da prtica poltica(Alves, 1986). Era na prtica que se propunha a articulao entre a esfera da teoria e as outrasduas esferas mais nitidamente polticas. Tanto a centralidade na prtica dos sujeitos que vivem ocotidiano curricular quanto a idia de que a formao se processa por intermdio da articulao,em forma de tecido, de vrias esferas sero conceitos centrais da teorizao acerca da noo decurrculo em rede.13

    descritas no 'manual do usurio' que o acompanha (por favor, consulte o seu): essencialidade, conscincia, autonomia,

    liberdade, interioridade. (Silva, 2000b:18)10A pesquisadora Nilda Alves publicou na dcada de 90 os livros Formao de professores: pensar e fazer, 1992; Trajetrias eredes na formao de professores, 1998; O espao escolar e suas marcas, 1998; e organizou as seguintes coletneas O sentidoda escola, em coautoria com Regina Leite Garcia, 1998.11

    A pesquisadora Regina Leite Garcia publicou na dcada de 90 os livros: Uma orientao nova para uma nova escola, 1997;Dilemas de um final de sculo, em coautoria com Clia Linhares, 1996; e Cartas londrinas, 1995 e organizou as seguintescoletneas: Revisitando a pr-escola, 2000; Alfabetizao dos alunos das classes populares, 1999; Orientao educacional: otrabalho da escola, 1999; O sentido da escola, em coautoria com Nilda Alves, 1999; A formao da professora alfabetizadora-reflexes sobre a prtica, 1996.12

    + Essa coleo consiste, at o momento, em 23 livros -publicados. Os livros so organizados por pessoas jue estudam oconhecimento em rede e currculo e j coleo coordenada por Nilda Alves e Regina '.fite Garcia. As temticas abordadas so: ocotidiano da escola, multiculturalismo, meio ambiente, avaliao, gesto democrtica, linguagem, demo-;-privatizao da

    escola, cidadania etc.13Na articulao dessas quatro esferas se coloca a totalidade da formao dos profissionais da educao e a crise queenfrentamos est ligada, sem dvida, ao tecido de relaes entre as quatro esferas que se desenhou nas ltimas dcadas.(Alves, 1998a: 34)Os eixos curriculares, atravessando todas as disciplinas existentes (ou que vierem a existir), permitem criar um "campo de ao"no qual, mantidas as caractersticas especficas, os contedos e os mtodos prprios, bem como o ritmo e a caracterstica de

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    Dois anos depois deste primeiro texto, j no processo de elaborao da Lei de Diretrizes e Baseda Educao Nacional, Alves (1998a) rediscute a questo da formao de professores e, nela, aidia de base comum nacional, que vinha sendo elaborada desde 1983, e que se cristalizaria, em1990, no documento de criao da Associao Nacional de Formao de Professores (ANFOPE).Na defesa da base comum nacional, surge a preocupao com a superao do enfoquedisciplinar no espao escolar. Para tanto, fala-se em eixos curriculares, como espaos coletivosde discusso e que atravessariam cada disciplina currculo, viabilizando propostas coletivas.

    Tais eixos eram vistos como criadores de campos de ao que permiti-recuperar o conhecimentoem sua idade. A anlise dos eixos propostos para a formao de professores relao escola-sociedade, a construo do conhecimento, a escola pblica, o ano da escola e da sala de aula ecurso das culturas vividas - traz novamente a baila a centralidade da prtica social e a existnciade vrios espaos de formao articulados.

    Em 1992, as idias de um currculo uma base comum nacional e com curriculares articuladoresdas experincias de formao deram origem a proposta curricular na Universidade FederalFluminense, objeto de vrios textos discutidos em reunies de curriculistas na primeira metade da

    dcada. So esses textos que comeam a incorporar o conceito de conhecimento em rede para adiscusso do currculo.

    Na reunio da ANPEd 14de 1992, Alves e Garcia (1992) apresentaram o projeto de curso dePedagogia da UFF na cidade de Angra dos Reis, defendendo que o conhecimento fosseentendido como prtico, social e histrico. Utilizando-se, neste momento, fundamentalmente deLefbvre, negam a ordenao, a linearidade e a hierarquizao do conhecimento, defendendo aidia de redes referenciadas na prtica social. Trabalhando com o conceito de complexidade eentendendo que os contedos a serem trabalhados no decorrer do curso deveriam incorporar atotalidade da cultura, o currculo incorporava as propostas defendidas, durante os anos 1980,

    pelos movimentos de formao de professores. A trama curricular era constituda pelos eixoscurriculares da base comum nacional, por princpios do movimento de construo desta base,pelos processos metodolgicos e pelas disciplinas que compem o currculo. A experinciacurricular se desenvolveria, ento, em espiral de complexidade crescente, num processo quealternava processos individuais e momentos coletivos, num espao de tenso entre coletivo eindividual, composto por disciplinas e atividades mltiplas.

    A idia de rede de conhecimentos apresenta um grau de desenvolvimento marcadamentesuperior ao presente nas formulaes iniciais. Ao desenvolver teoricamente as bases do curso deformao de professores de Angra dos Reis, as autoras constrem a argumentao central, que

    passam a defender, de que os conhecimentos so tecidos em redes que correspondem acontextos cotidianos variados. No entanto, a idia do desenrolar curricular como espiral abertaainda no permite uma boa integrao entre essa idia e a estruturao do currculo. A metfora,j anteriormente utilizada por Bruner, ainda era depositria dos ideais modernos dacomplexidade crescente, do caminho rumo a perfeio. Inicia-se, ento, a partir dos primeirosanos da dcada de 1990 uma maior elaborao terica da concepo de rede cie conhecimentos,entendida como ferramenta capaz de auxiliar na tessitura de alternativas curriculares. Argumenta-se que a concepo de currculo formalmente depositria do moderno conceito deconhecimento, a despeito das numeras apropriaes desse objeto pelos sujeitos sociais. Na

    cada professor, proposta coletivas possam ser desenvolvidas por conjuntos de professores, de turmas, de sries, de alunos eoutros. Isso sem o artificialismo dos "centros de interesse" ou "contedos integrados". (Alves, 1998a: 53)14

    olhar/agir do homem (...) est determinado pela condio de classe (dimenso objetiva), mas est tambm relacionado nacionalidade, cultura, gerao, sexo e religio (dimenso subjetiva). (Alves & Garcia, 1992: 76).

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    medida em que : mundo moderno est em crise, torna-se necessrio criar novas perspectivaspara a tematizao curricular.

    Com essa argumentao central, os estudos sobre currculo e conhecimento em rede se afastamcada vez mais da discusso especfica de currculo e passam a tematizar a crise do mundomoderno que se expressa em trs esferas: no mundo do trabalho, na produo cientfica e,fundamentalmente, no questionamento da razo como forma privilegiada de entendimento do

    mundo. As crticas modernidade so realizadas por referncias a Harvey (1993), JamesonC1994), Touraine (1995), Santos (1989), mas fundamentalmente a Morin (1995, 1996a, 1996b).Na medida em que as relaes contemporneas tendem a maior fluidez, horizontalidade,criatividade e coletivizao, a centralidade do conhecimento tradicional, que estaria na base docurrculo moderno, comea a ceder espao para outros saberes relacionados ao cotidiana.Nesse sentido, a centralidade da razo, com seu espao privilegiado de expresso as cincias,passa a ser questionada. Trata-se no apenas de uma redefinio sobre quais saberes devemser valorizados, mas tambm sobre a forma como se d a tessitura social do conhecimento.15

    Apoiando-se em fundamentalmente em Deleuze e Guattari (1972) e Lefbvre (1983), a

    disciplinarizao do conhecimento, expressa na metfora da rvore de saberes, questionada esubstituda pelo entendimento de que o conhecimento tecido sintomaticamente. Alm doperceptvel esgotamento das cincias tradicionais, com a criao de reas inter outransdisciplinares, a metfora do rizoma permitiria o questionamento das fronteiras estabelecidaspela modernidade entre conhecimento cientfico e o conhecimento tecido nas esferas cotidianasda sociedade.

    fundamentalmente a discusso desse conhecimento tecido nas esferas cotidianas dasociedade que marca os trabalhos ligados noo de conhecimento em rede e currculo. Aincorporao das idias de redes de conhecimento e de tessitura de conhecimentos em redetorna-se fundamental em face da multiplicidade e da complexidade de relaes nas quaisestamos permanentemente envolvidos e nas quais criamos conhecimentos e os tecemos com osconhecimentos de outros seres humanos. Nesse sentido, a tessitura de uma compreenso tericado currculo envolve considerar os espaos cotidianos em que esses currculos acontecem,valorizando o fazer curricular como uma produo de sentido.

    A idia de tessitura do conhecimento em rede aprofunda a discusso inicial de esferas deformao, buscando dar-lhe mais consistncia terica. Os trabalhos de Certeau (1994a, 1994b),Lefbvre (1983) e Santos (1994 e 2000) so para esta inteno, a principal referncia dos

    estudos. A noo de conhecimento em rede introduz um novo referencial bsico, a prtica social,na qual o conhecimento praticado tecido por contatos mltiplos. Prope-se, dessa forma, ainverso da polarizao moderna entre teoria e prtica, passando-se a compreender o espaoprtico como aquele em que a teoria tecida. Tal proposio, ao reconceituar a prtica como 3espao cotidiano no qual o saber criado, elimina as fronteiras entre cincia e senso comum,

    15Defendo, e no estou sozinha, que h um modo de fazer e de criar conhecimento no cotidiano, diferente daquele aprendido,

    na modernidade, especialmente, e no s, com a cincia. Se isto, para poder estudar esses modos diferentes e variados defazer/ pensar, nos quais se misturam agir, dizer, J criar e lembrar, em um movimento que denomino prtica/teoria/prtica, preciso que me dedique, aqui e agora, um pouco a questionar os caminhos - at aqui s atalhos. Trato de dar conta da

    trajetria metodolgica que venho fazendo para explicar o possvel e necessrio caminho para decifrar opergaminho(Certeau, 1994), buscando compreender o cotidiano escolar. (Alves & Oliveira, 2001: 13-14)

    Tecer o pensamento em rede exige mltiplos caminhos e inexistncia de hierarquia, em um mundo de pensamento linear,compartimentado, disciplinarizado e hie-rarquizado que me formou a mim mesma na disjuno, na separao e na reduo.(Alves & Oliveira, 2001: 25).

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    entre conhecimento vlido e conhecimento cotidiano. No sentido da manuteno dessapolarizao, o pensamento moderno sobre escola e currculo cria um conjunto de processossociais que estabelecem o que oficial, o espao/tempo do poder. O conhecimento cotidiano, aocontrrio, tecido por meio de tticas de uso do j existente, seguindo o caminho de uma certaimprovisao (Alves, 1998). Trata-se de conhecimentos que recusam a pretenso de globalidade:so conhecimentos pontuais difusos nas redes em que so praticados. Nesse sentido, a metforada rede busca subverter o papel de inferioridade do conhecimento produzido no senso comum,

    em relao quele conferido pela modernidade ao conhecimento cientfico. Essa relao entre oespao do poder e o espao cotidiano foi amplamente abordada em projetos de pesquisadesenvolvidos pelo grupo desde 1996 (Alves, 1996; Alves e Oliveira, 1998; Oliveira, 1999),enfocando a construo cotidiana de conhecimentos sobre currculo por equipes pedaggicas dassecretarias de educao de diferentes municpios.16

    Ao trabalhar os contextos cotidianos como espaos de tessitura do conhecimento sobre currculonesses projetos de pesquisa, Alves e Oliveira introduziram as discusses de Santos (1995 e2000) sobre os mltiplos contextos que constituem o sujeito enquanto redes de subjetividade. Em

    cada um desses contextos os sujeitos cotidianos tecem seus conhecimentos a partir das mltiplasredes a que pertencem. Trata-se de operar um deslocamento radical dentro do mesmo lugar, que o nosso - um deslocamento que passe a se preocupar com o que se faz em espaos/temposantes julgados comuns e mesmo ignorados, mas que tm uma enorme importncia j que nelesque vivemos concretamente nossa vida.

    16A minha proposta que as sociedades capitalistas so formaes ou configuraes polticas constitudas por quatro modos

    bsicos de produo de poder que se articulam de maneiras especficas. Esses modos de produo geram quatro formas bsicasde poder que, embora interrelacionadas so estruturalmente autnomas. Distingo nas sociedades capitalistas quatro espaos

    (que so tambm quatro tempos) estruturais: o espao domstico, o espao de produo, o espao da cidadania e o espaomundial. Cada um deles constitui um feixe de relaes sociais-paradigmticas. (Santos, 1997:125).As tticas so procedimentos que valem pela pertinncia que do ao tempo - s circunstncias que o instante preciso de umainterveno transforma em situao favorvel, rapidez de movimentos que mudam a organizao do espao, s relaes entreos momentos sucessivos de um golpe, aos cruzamentos possveis de duraes e ritmos heterogneos etc. (de Certeau, 1994:102)