tecnobrega

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WWW.MIXMAG.COM.BR 42 NOVEMBRO 2009 QUE BREGA Sem apoio de gravadoras e com pouca infra, o tecnobrega domina o Pará e promete invadir outras praias TEXTO ANDRÉ MALERONKA FOTOS ANTÔNIO FERREIRA DA SILVA

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Matéria sobre o Tecnobrega produzida pela Mixmag Brasil

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www.mixmag.com.br42 novembro 2009

QUE BREGA

S e m a p o i o d e g r a v a d o r a se c o m p o u c a i n f r a ,

o t e c n o b r e g a d o m i n a o P a r áe p r o m e t e i n v a d i r o u t r a s p r a i a s

TexTo André mAleronkA FoToS Antônio ferreirA dA silvA

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É ESSE?O

segundo carro, também tocando muito alto músicas românticas sintéticas e aceleradas em português,

entra na balsa. As canções conflitam, e nos olhares, de fora dos carros, os motoristas também. nenhum dos dois arrefece, e a viagem de 15 minutos pelo rio fica com o embate

como trilha sonora. É engraçado que essa disputa territorial tão masculina, tão cheia de testosterona, tenha como arma uma música de harmonias e melodias vocais todas ancoradas no campo agudo, com letras açucaradas. A seleção de um dos carros abusa do auto-tune.

rios, carros com som alto tocando e as disputas entre diferentes provedores da música chamada tecnobrega são constantes em belém, capital do estado do Pará no norte do

brasil. no meio da Amazônia, a cidade era uma das mais prósperas do mundo na virada do século XIX para o XX graças a Ciclo da borracha, e é uma das mais bonitas do brasil. Além de parques arborizados e prédios históricos com arquitetura remanescente da belle Époque, a cidade tem uma cultura local fortíssima. Com seu circuito e métodos próprios de penetração, hoje a música local tecnobrega é um verdadeiro estudo de caso para os

postulantes das licenças Creative Commons de direitos autorais e uma das mais vibrantes inovações da antropofágica música brasileira dos últimos anos.

A música vem diretamente dos cantores românticos populares, dos anos 80, o chamado brega. “Tinha os cantores daqui, mauro borges, Ted max… Aí veio o axé e o ritmo sumiu”, conta José roberto, autor do site brega Pop, onde compila informações, textos, streamings e mantém fóruns

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1. ao LaDo, JoSÉ robErTo FErrEira, aUTor Do SiTE brEga PoP. 2.PioNEiro: DaS TrÊS PrimEiraS mÚSicaS QUE o DJ bETo mETraLHa ProDUZiU, aiNDa com o SoFTwarE FrUiTY LooPS, DUaS ESToUraram.3. oS irmÃoS DJS EDiELSoN E EDiLSoN rEcEbEm maiS DE30 mÚSicaS Por SEmaNa. “aLgUmaS a gENTE JÁ SabE QUE VÃo SEr HiTS”.

de discussão sobre o os desdobramentos atuais do gênero. José começou o site por hobby, como um fã da música, e hoje o mantém com anúncios. Tudo que se vê do tecnobrega parece com isso: algo amador que se adapta e profissionaliza de acordo com a necessidade e as condições. “Quem decide se a musica é boa ou não é o povo, se ela faz sucesso nas festas, rádios, e no camelô a banda fica em evidência e começa a ser chamada pra show. É no show que eles ganham dinheiro”, explica José roberto. essas formas de distribuição e divulgação geradas naturalmente, de baixo para cima, são o que há de mais atual na era da internet. o tecnobrega funciona através da distribuição gratuita das faixas para camelôs, que comercializam-nas em coletâneas, e das equipes de som, aqui chamadas aparelhagens, responsáveis pelas festas e – antigamente – pela produção de canções, o que hoje em dia está cada vez mais nas mãos do povo. essa não é a única transição que as principais aparelhagens de belém, Superpop, Príncipe negro, rubi e Tupinambá, vivem atualmente. As apresentações ao vivo, também por conveniências econômicas, são cada vez menos de bandas com instrumentistas tradicionais e mais apostam no formato de DJ. A própria música está cada vez mais eletrônica. José roberto: “Quando foi em 95, o (cantor) roberto Pilar lançou um disco, ali o brega virou um novo ritmo, ficou mais acelerado. esse brega aí a gente chama de brega calipso, da banda

no tecnobregAnão tem contrAtocom grAvAdorA,não tem exclusividAde, nãose divideporcentAgemcom ninguém

Calypso… o brega original é outro ritmo. no verão de 2001, algumas produtoras tiraram os instrumentos acústicos, ficou a guitarra, teclado e o baixo. De 2002 em diante os DJs começaram a participar desse movimento, pegavam muita música internacional e faziam versões - o computador já fazia parte da composição. Sai a parte acústica, entra o computador, o tecnobrega”.

Pra quem já se informou sobre o nascimento da música na Jamaica, as semelhanças são impressionantes. músicas feitas para abastecer um mercado local, testadas e tornadas sucesso – ou fracasso – nas festas populares, cujos núcleos competem entre si. mas a transição da fase de bandas para o puramente eletrônico está sendo muito mais rápida do que o foi na ilha caribenha, e a ferramenta de produção aqui não é o teclado Cássio mT-40 que deu origem ao riddim Sleng Teng. A música paraense é agressivamente açucarada, e em suas versões mais eletrônicas e mais aceleradas é muito parecida com o inicio do dancehall, mas sem as vozes graves e ásperas do ragga - mesmo os vocalistas masculinos primam pélas vozes melífuas e começaram com versões piratas do software Fruity Loops.

“eu comecei foi por experiência mesmo, tinha um estúdio caseiro, fazia jingle, coisas pra rádio, spot, ai conheci a Gabi (Amarantos, cantora) da (banda) Tecnoshow. eles falaram, ‘você não quer fazer uma experiência e gravar uma música?”. eu tinha o programa aqui, o Fruity Loops, dá pra fazer uma batida.

Aí quando a gente gravou 3 músicas, das 3, duas estouraram, aí começou a pegar o gosto e foi embora”, lembra o produtor beto metralha, um dos pioneiros.

no final das contas, o método é muito mais afeito à um faça-você-mesmo sem respeito pelos padrões vigentes sintetizado pelo punk rock. A profusão de canções é assustadora e a sensação de que qualquer um pode ter um hit é real. “Hoje em dia, praticamente toda a banda se forma depois do estúdio, que é um computador, mesa de som, um espaço básico e um microfone, pronto. Se a música faz sucesso nas aparelhagens e nos camelôs, você monta o show. As bandas produzem muitas músicas, porque qual a idéia? A banda faz umas dez músicas, 9 falam de aparelhagem, e uma é um tema universal. eles usam msn, sites de compartilhamento de arquivos, vão no rádio – as quatro principais aparelhagens tem programas de rádio e horários nas Tvs locais -, nas festas e, principalmente, vão nos camelôs. Tanto que um dos mais fortes aqui é o vetron, é uma aparelhagem que faz uma coletânea das melhores músicas de todas as aparelhagens”, explica José roberto. o DJ edielson, da Aparelhagem Príncipe negro, conta: “São mais de 30 músicas novas por semana que a gente recebe. Algumas a gente já sabe que vão ser hits, outras tocamos pra dar uma ajuda e ver se as pessoas gostam”. Uma aparelhagem local normalmente se apresenta de quinta a segunda, num circuito que engloba as cidades da Grande belém, além de bragantina,

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Castanhal, bragança, Capanema, e também o sul do estado, além do maranhão e a cidade de macapá, capital do estado do Amapá.

Cada equipe tem seu próprio sinal feito com as mãos pelo seu público e cantado em verso e prosa, geralmente é a primeira letra do nome da aparelhagem. os fãs seguem suas aparelhagens preferidas organizados em galeras. o resultado é que, além de serem mencionados pelos DJs e filmados durante as apresentações, que podem comprar em DvD-rs log na saída do evento onde estão, viram temas de músicas também. “Quase já não tem mais letras de temas universais, era são só falando dos DJs, das aparelhagens. Pra você ter uma idéia do que acontece, se uma música faz sucesso, falando de um DJ, aparelhagem, festa, outra aparelhagem pega a mesma música e só muda os nomes”, conta José roberto.

A rapidez com que o mercado de tecnobrega muda é assustador. o pioneiro beto metralha já mudou suas atividades: “Hoje eu produzo pouco. eu fazia muitas músicas, muitas bandas, e aí chegou um tempo que eu vi que a coisa tava mudando… Como é muito fácil de fazer, os músicos foram pegando os macetes e cada banda começou a ter seu próprio estúdio, pra ter até mais liberdade pra fazer experimentos. Começou a cair a clientela e eu passei pra parte de vídeo, que é o que eu tô fazendo agora, pra televisão, festa de aparelhagem, gravação de DvD das bandas, animação de telão da casa de show. o que eu faço é gravar os shows das bandas e duplico na hora mesmo, e o cara já sai da festa ganhando o DvD”.

no município de Ananindeua, na periferia da Grande belém, é dia de aparelhagem.

o som é da Aparelhagem Príncipe negro e local chama-se recreio, um terreno grande com um galpão com teto de alumínio e chão concretado e uma faixa lateral ao ar livre com chão de terra, tudo muito parecido com uma quadra de escola de samba. na entrada, que até a meia-noite para as

mulheres era gratuita, e depois passa a custar r$10, uma dúzia de trabalhadores carregam mesas e baldes de plástico. A mesa dá o direito de sentar, e para se ter uma é preciso comprar quatro baldes, que custam r$15 cada e vem com gelo e quatro garrafas de cerveja. não é exatamente barato e poucas pessoas fazem uso desse expediente nessa noite, o que não freia a circulação desses trabalhadores, de um lado para outro, com mesas plásticas acima das cabeças, como se isso fosse uma estratégia de marketing. mais de mil pessoas se reúnem em frente ao palco, que tem uma cabine de DJ cheia de LeDs coloridos e três telões pixelados onde abundam gráficos ultracoloridos, imagens dos DJs, do público em outras festas fazendo o P com as mãos e até a ubíqua mulher melancia, tudo em edições de vídeo simplórias.

Ao vivo, nas caixas da Aparelhagem, os graves e subgraves são opressores. A maioria das batidas tem bPm altíssimo, e tudo vale, desde que reprocessado: pop, axé, rap, o reggaeton “Piriguete” do mineiro mC Papo, além de músicas da dupla italiana Crookers e “Put A ring on It”, da beyonce. mas sempre com novas batidas e letras em português cantadas em tons agudos, como se todo e qualquer vocalista de tecnobrega passasse por um rack de efeitos minnie ripperton. no palco, a dupla de irmãos DJs edílson e edielson toca com CD-Js e laptops e fala nos microfones headset o tempo todo: anunciam seus nomes, da Aparelhagem Príncipe negro enquanto “o mega Príncipe” e mandam recados e louvores para e à pedidos das galeras. no meio das mixagens usam vinhetas de vocação radiofônica falando de si e da

equipe também, num frenesi que culmina com fogos de artifício vindos da bancada dos DJs e das laterais do palco ornadas com luzes que poderiam induzir ataques epiléticos. o público vibra, bebe, dança e canta até de manhã, celebrando a música local.

beto metralha resume: “no tecnobrega não tem contrato com gravadora, não tem exclusividade, não se divide porcentagem com ninguém. na verdade o pessoal fala muito de pirataria, mas eu não levo pra esse termo porque não existe pirataria de uma coisa que não existe, você pega o CD e diz, é pirata, mas ali tem 4 músicas que a própria banda gravou e levou lá pro camelô. Camelô já tem até ouvido aguçado, hoje em dia ele é formador de opinião, ele já manda pra prensagem e no outro dia tua música ta estourada de uma forma que você nunca imaginou na sua vida, já vem ligação de não sei da onde do interior. ‘não mandei minha música pra lá, como chegou?’. É o camelô. e o pessoal se acostumou a fazer assim, ganhar dinheiro com show. Aí na rádio o pessoal começa pedir a musica e se não tocar a audiência cai. então também já acabou o jabá. Antes tinha que pagar um divulgador, que ia te representar lá e hoje em dia não tem mais isso”.

o públicosAi comdvd-r doshow nAsAídA doevento

Já está disponível gratuitamente, seguindo o método de distribuição das canções de tecnobrega, o documentário “brega s/a”. a

produção é da greenvison Films e não contou com apoio de leis de incentivo. Dirigido por Vladimir cunha e gustavo godinho, o filme de

pouco mais de uma hora foi exibido na mTV e pode ser baixado gratuitamente no site da produtora. www.greenvision.com.br/brega.php

GRÁTIS

Também na contramão da flexibilização, a banda batidão recentemente entrou com um processo para registrar não só “batidão” enquanto nome do grupo, mas também como termo. o problema é que o termo batidão também designa um dos subgêneros locais. “No tecnobrega tem o melody, o

eletro-melody, tudo de acordo com as batidas”, conta José roberto do brega Pop, “esse ritmo mais forte é chamado de melody batidão. Eles me mandaram uma notificação para eu tirar tudo o que tivesse escrito de batidão do meu site. até agora eu não fiz nada, mas vamos ver no que vai dar”.

Pioneira em distribuição digital e flexibilização de direitos autorais, a cena tecnobrega enfrenta nesse momento uma nova questão justamente por conta disso. a banda baiana Dejavu gravou o repertório da banda ravelli, sucesso local. com

uma estrutura maior, prensaram 100 mil cDs, distribuídos da maneira tradicional e à maneira paraense. Estão alcançando projeção nacional, coisa que outros grupos locais não conseguiram e ainda não vêem perspectiva no horizonte de realizar.

Quem gosta se joga: o povo dançou a noite toda ao som dos dJs do tecnobrega.